Entrevista com a professora Circe Maria Fernandes Bittencourt, em 20/04/2022, em São Paulo, a professora Juliana Alves de Andrade na cidade de Recife, as professoras Sônia Wanderley e Gisele Pereira Nicolau no Rio de Janeiro e o professor Erinaldo Cavalcanti em Belém. O encontro foi realizado de forma online, através da plataforma Google Meet.
Estavam presentes:
- Professora: Juliana Alves de Andrade
- Professora: Sônia Wanderley
- Professor: Erinaldo Cavalcanti
- Professora: Giselle Pereira Nicolau
Legenda da transcrição:
E1: Entrevistadora 1: Juliana Alves de Andrade
E2: Entrevistador 2: Erinaldo Cavalcanti
E3: Entrevistadora 3: Giselle Pereira Nicolau
E4: Entrevistadora 4: Sônia Wanderley
R: Entrevistada: Circe Maria Fernandes Bittencourt
A transcrição foi realizada por Aldry Pereira Chaves e revisada por Juliana Miranda da Silva. No entanto, estamos assumindo aqui uma transcriação com parcimônia, uma vez que algumas poucas limpezas de repetições de palavras foram realizadas, não configurando então, exatamente uma transcrição bruta do material audiovisual.
A professor Juliana Alves de Andrade recebeu a professora Circe, apresentou a equipe, e lhe explicou que a entrevista fornecida à ABEH (Associação Brasileira do Ensino de História) visa integrar o trabalho com histórias e memórias dos profissionais referências na formação de professores no Brasil.
E1 – Então boa tarde a todas e todos em nome da Associação Brasileira de Pesquisadores de Ensino de História e eu agradeço a professora Circe Bittencourt, a professora Sônia Wanderley, ao professor Erinaldo Cavalcanti, a professora Giselle Pereira, de se disponibilizarem participar do projeto Memórias é... e Histórias do Ensino de História, e hoje à tarde vão conduzir esse processo de entrevista com a professora Circe Bittencourt. Então vou passar a palavra para a equipe e bom trabalho a todos.
E2 – Bom, é...
E3 – Obrigada Juliana.
E2 – Boa tarde, obrigada professora Juliana, é professora que está vinculada formalmente a Associação de Pesquisadores do Ensino de História, ABEH, todos nós aqui também. Eu sou o professor Erinaldo Cavalcanti, eu sou o Eri, como a maioria das pessoas me chamam é... temos a alegria de estar hoje dando continuidade as atividades de entrevista com a professora Circe Maria Fernandes Bittencourt ou só Circe Bittencourt, como já nos convencionou a chamar e a ler. Também a professora Sônia Wanderley e a professora Giselle Pereira. E estamos dando continuidade as atividades do projeto conduzido pela ABEH, que tem por título Histórias de Vida e Memória das Professoras e Professores do campo do Ensino de História, então uma boa tarde especial. Vou passar a palavra agora para a professora Sônia e depois a professora Gisele, posteriormente em seguida a professora Circe para nós darmos continuidade aos trabalhos de gravação da entrevista, obrigada.
E4 – Bom, eu só não tenho mais nada que acrescentar as questões relativas ao porquê de estarmos aqui, eu só queria falar da alegria, eu disse antes da gravação e faço questão de repetir aqui, da alegria de estar aqui e do frio da espinha que dá, porque a gente está conversando e está ouvindo, mesmo que em um “novo”, aspas, presencial, que a tecnologia nos proporciona, mas está ouvindo e conversando com uma, eu diria uma professora mas também uma intelectual, uma pensadora do campo do ensino de história que foi uma das nossas formadoras, então eu fico assim feliz pelo aceite da professora e tenho certeza que a gente vai construir uma bela narrativa na tarde de hoje.
E3 – Boa tarde a todos, eu também me sinto igualmente lisonjeada de estar ao lado de pessoas tão interessantes, tão bacanas, tão engajadas com a pesquisa,
com o ensino de História, é um prazer enorme estar também participando dessa entrevista, iniciando os trabalhos com a senhora, professora Circe Bittencourt,
que, sem sombras de dúvidas, foi o meu primeiro passo no ensino de História, foi lendo os seus trabalhos, foram trabalhos que eu escolhi para dar um pontapé
inicial nesse campo, então para mim, novamente, tê-la como um ponto de partida e também ao mesmo tempo, um ponto de chegada é um prazer indescritível.
E4 – E você quer começar então, nesse primeiro bloco digamos assim, com as questões?
E2 – É, então sim, eu vou dar continuidade aqui antes de passar a palavra para a professora Circe, situando um pouco e rapidamente o projeto, as entrevistas
como a professora Juliana estava falando e explicando que hoje nos ajuda no suporte técnico, no manuseio dessa ferramenta, é importante também registrar
a singularidade ou as singularidades que essa entrevista acontece, uma entrevista de História Oral. Talvez há dois anos atrás, nós não imaginaríamos a
possibilidade de estarmos fazendo História Oral para quem está imerso nesse campo por este formato, um formato que nos desafia e nos exigiu, quando eu
falos nós, estou me referindo ao grupo de colegas professores que está, que faz parte desse projeto, que tem a coordenação da professora Raquel também, junto
com a professora Juliana, que também está dando todo o apoio, não só logístico, mas de pensar o projeto também, os desafios que nos foram sendo colocados e
ao mesmo tempo possibilidades de estudo que nós fomos desenvolvendo ao longo do ano de dois mil e vinte e um. Então, para quem nos vai ver, para quem nos vai ler, porque também as entrevistas serão transcritas, nós passamos o ano de dois mil e vinte um praticamente todo com encontros mensais, às vezes não
foi possível todos os meses, para discutirmos questões que envolvem a produção de entrevistas, o trato com as memórias, as mais diversas sensibilidades que podem estar imersas num processo de produção de relatos de memória, também a lida e os desafios que nos impelem de pensar entrevistas de forma remota, inclusive também acredito que é um experimento, no melhor sentido do termo, a produção de relatos de memória por essa materialidade, por essa formatação. Então, tudo isso é importante inclusive deixar registrado para que os futuros pesquisadores, em algum momento no tempo, que venha pegar esse material, se inteirem também desse mínimo de informações, que fizeram parte no processo de estudo e de preparo para que hoje, nós estivéssemos com a professora Circe, que também eu reitero as palavras de Giselle, é um carinho e uma admiração muito grande, que todos nós nutrimos pela professora Circe, pela a, pela a sua trajetória e pelo lugar ocupado na trajetória do campo do ensino de História. Então professora Circe, muitíssimo obrigado, como falávamos nos bastidores, a entrevista ficará disponível após todo o procedimento de trato metodológico, no Museu da Memória, como também uma forma de socializar outras materialidades que não só a escrita para o público que tem interesse em compreender um pouco mais dos percursos, das trilhas construídas acerca do campo do ensino de história, então muito obrigado mais uma vez. Hoje nós estamos no dia vinte de abril de dois mil e vinte e dois, contando com os colegas e as colegas que estão em Recife, no Rio de Janeiro e em São Paulo com a professora Circe, além aqui de mim que está no Pará, então muito obrigado professora, está com você a palavra nesse momento.
R – Eu quero agradecer o convite, para mim é, é também, da mesma forma, é uma grande oportunidade para mim estar em contato com essas novas gerações
dos professores da área de ensino de História, não é, História que é o nosso ponto em comum, todos nós gostamos da história, queremos a história presente
na vida da população brasileira por intermédio da escola e acho que isso nos comungamos de forma idêntica. Para mim sempre estar acompanhando essa,
esse campo, me faz com que eu tenha muita dificuldade de me aposentar efetivamente, e começo dizendo isso, eu ainda estou fazendo pesquisa, estou
dentro de um projeto da FAPESP, que está me (risos), tomando aí um tempo enorme, mexendo com altas tecnologias, porque nós estamos digitalizando
agora, também quero começar exatamente esse, a pesquisa que eu estou fazendo agora. Nós estamos digitalizando o máximo possível das obras didáticas
da biblioteca que eu... que organizamos lá na faculdade de educação, a BLD, Biblioteca do Livro Didático, que mais ou menos, talvez trinta mil volumes, a
gente nem sabe agora como está. Mas uma antiga biblioteca, que foi a primeira biblioteca antes da Caetano de Campos, da escola normal, não é, antes de se
tornar a Caetano de Campos, já tinha a escola normal, na época da monarquia, que a primeira biblioteca chamada Paulo Bourroul, que era um, foi um diretor
que construiu essa biblioteca, começou, iniciou essa biblioteca. Então, para dizer que assim, estou dentro de um projeto que eu tenho que entender de digitalização, de tecnologia, eu estou agora comprando, pior que... Eles explicam para mim, eu não entendo nada, mas eles explicam eu falo: Oh, o resultado que
eu quero é esse, agora o procedimento que antecede, por favor, não é da minha alçada. E nós vamos, aí tem que comprar o scanner, por causa das páginas
velhas dos livros que tem que ter não sei qual qualidade, V1, V2, eu falo: Está ótimo. (risos) Então é muito, fazer levantamento de preço de scanner, coisas
assim, que tomam assim um tempo enorme, porque eu tenho muito medo, honestamente, da vida do livro, não é, então a minha paixão pelos livros me faz...
Mas enfim, fui pesquisadora de livros didáticos porque eu sei da importância que é ter um livro. Mas enfim, só quero começar dizendo que eu estou com
dificuldade de parar, entendeu? (risos). Eu preciso parar. (risos). E dedicar a neto, essas coisas todas, mas não estou conseguindo, não é? E eu tinha um
outro sonho também assim, que eu queria, que eu não, estou vendo que eu não vou dar conta, eu queria fazer um romance histori... como, histórico. Eu queria
me tornar uma, uma romancista. Mas eu não consigo, não consigo. Olha, é tão difícil transpor essas ideias, porque eu não sei como é que eu escrevo a história,
eu tenho a história pronta, mas eu não sei escrever, é impressionante. (risos). Eu queria contar uma história ligada à minha família. E no interior, lá lembrando
da fazenda do meu avô... Que é, eu queria começar a história contando o dia da abolição dos escravos, o quê que aconteceu com os escravos da fazenda lá que
foi do meu avô, entendeu? O quê que aconteceu, não é? Pararam de trabalhar? Sabe assim? (risos). E aqueles escravos, para onde eles foram, não é? E eu
estava fazendo, fiz até uma certa pesquisa atrás, mas era, de.. Na realidade, começou na fazenda do meu bisavô, depois passaram para fazenda dos meus
avós, enfim. Mas não consigo. (risos).
E4 – Os seus avós eram fazendeiros, então?
R – Ia ser romancista agora. Não queria ser... (Risos)
E2 – Professora, é...
R - ...Na área de História.
E2 - O que a gente queria então pedir que a senhora, você perdão, começasse falando o seu nome completo, a data e o local de nascimento e deixasse registrado aqui como que gostaria como que gostaria que chamássemos. Nós já fizemos isso, é até bom mostrar um pouco dos bastidores, a nível de bastidores, mas para deixar registrado também, então por favor.
R – Bom, o meu nome atual é Circe Maria Fernandes Bittencourt. Bittencourt é o sobrenome do meu marido. É... mas eu me chamava Circe Maria Rosa Fernandes. O Rosa é sobrenome, não é, não é Circe Maria Rosa, são dois nomes. Eu até gosto de contar que esse meu nome, Circe, e eu tive que chamar Circe Maria, porque o padre não queria me batizar, porque (risos) que não era, não tinha santo, não é, não podia. Eu nasci em Ribeirão Preto, na cidade Ribeirão Preto, e era bispo lá, tinha muitos padres. Então ele falou que não podia me registrar, não podia me batizar, por causa do nome Circe. Meu pai que gostava desse nome, sempre quis ter uma filha chamada Circe, ele lia bastante, leu a Odisseia e queria pôr o nome de Circe, caso ele tivesse filha. E aí tive que chamar Circe Maria, para poder é... Para poder ser batizada. (Risos). Então, é um nome que é difícil achar, eu conheço só uma, em toda a minha vida eu só... Eu sei que tem outras, tem uma professora até que ela trabalha com ensino de matemática, ela se chama Circe, mas eu nunca, eu sei do nome dela, mas eu nunca encontrei com ela. Mas enfim, meu nome é esse, eu nasci em mil, no dia quinze de agosto de mil novecentos e quarenta e cinco. Eu vou fazer agora setenta e sete, setenta e sete anos esse próximo agosto. E então essa minha, o meu nome, este é o meu nome e meu pai que deu esse nome e foi assim. Sempre é motivo, não é, de... O meu nome é engraçado, não é, tem... tem... tem gente, eu encontrei uma vez também uma outra Circe, na Itália, Tirte que eles falam, não é, Tirte. Tem uma loja em Turim, chamada Circe. É o nome da, Tirte não é, é o nome da... Da dona da loja, de uma loja de roupa de mulher, e ela é considerada, não é, (risos) essa italiana me contou, essa Tirte italiana me contou, que foi a primeira líder feminista, transformava os homens em porcos. (risos).
E4 – (Risos).
R – É considerada na Itália a primeira líder feminista. (risos). Mas é isso, é um nome assim que me acabou sendo é...
E4 – Legal.
R - ... Diferente assim, pelo, pelo... Pelo, por esse fato, e sempre me causava problemas, ninguém sabe escrever meu nome, por exemplo. Escreve com “s”,
essas coisas, mas tudo bem.
E4 – A senhora tem irmãos, professora?
R – Eu tenho um, tive um irmão só, Sérgio. Que morreu já há bastante tempo, infelizmente para mim, nós éramos muito ligados. Mas ataques cardíacos... Levou o meu irmão muito cedo. Mas tem os meus sobrinhos, evidente. Mas eu só tive esse irmão. Então, eu nasci em Ribeirão Preto, os meus pais, a minha família mesmo, do meu pai e da minha mãe eles são de uma cidadezinha perto de Franca, chamava Patrocínio Paulista, chamava Sapucaí, mudaram de nome, tão bonitinho Sapucaí, não é? Mudaram para Patrocínio Paulista, eu falei: Um, mal gosto, não é?
E2 e E4 – (Risos).
R – Mas na... Meus pais mudaram, meu pai era advogado, fez, conseguiu fazer direito, muita dificuldade e ele... Depois foi trabalhar na Caixa Econômica, como
advogado foi mudando, não é, quer dizer, foi para Ribeirão Preto, saiu de Franca, é, Patrocínio é próximo a Franca e próximo ao Ribeirão Preto, no, a região norte
do estado de São Paulo. Mas eu, eu convivi muito, eu conheço muito a região porque apesar de eu morar, depois eu fui, eu tinha acho que, eu não lembro de Ribeirão Preto assim, quando criança, apesar de eu ter nascido lá. O... De quatro anos mais ou menos nós mudamos para São Paulo. Meu, o meu, meu pai
sempre queria que nós morássemos em São Paulo porque naquela ocasião, na época dele lá, foi muito difícil ele ter estudado, ele vinha de uma, a minha mãe
vinha de uma família mais rica, mas o meu pai uma família mais pobre. Então foi muito difícil para ele fazer direito, vir para São Paulo estudar, ele falava que ele
não queria que os filhos dele tivessem esse mesmo problema, então já resolveu mudar para São Paulo para gente poder estudar. Acho que nós tínhamos assim,
quase que a obrigação mesmo de estudar. E... então eu me lembro da vida do interior. Assim, eu sei como é que é porque eu passava as férias, apesar que eu
passava as férias mais na fazenda dos meus avós. Nós éramos os netos mais velhos, minha mãe era a filha mais velha que teve filho então primeiros netos. E
passava muito tempo na fazenda, bastante tempo mesmo lá. Por isso que eu falei que eu queria contar esse romance, por causa de fazenda, não é. Era uma
fazenda bem café com leite, tinha gado e café.
E2 e R – (Risos).
R – Café com leite mesmo, tinha. A... Cidade Patrocínio Paulista que se chamava Sapucaí tinha uma cooperativa de laticínios que faziam queijos, então teve um
pouco de migrante italiano, muito pouco, que eram esses que faziam, não era para, assim, para trabalhar na fazenda, eles eram para trabalhar na cidade, eram
técnicos de produção de queijo, manteiga, essas coisas. Um... Mas eu fi... A minha família toda, tanto do meu pai quanto da minha mãe eram de lá. Então
passava um tempo com a família do meu pai, um tempo com a família da minha mãe, em todas as férias eu ia, todas as férias eu passava lá. Nessa, então eu
tenho um conhecimento não da vida da cidade, eu tenho um conhecimento da vida da fazenda, da área rural mesmo, plantar, colher café, essas coisas todas
eu sabia tudo. Porque quando eu chegava nas férias de julho estava no fim da colheita de café, era muito gostoso ver aquilo, era muito bom o cheiro do café
era muito gostoso. E tirar leite da vaca, que a gente queria. (risos). Então era bem o, isso que eu falei, eu falava política café com leite, eu falava assim: que
tal a vida café com leite?
E2 – (Risos). Vamos chamar de você porque a gente já tinha inclusive você já tinha falado que preferia, não é. Você chegou a tirar leite na infância?
R – Tentei, mas o meu avô falava – Para, porque depois a vaca não vai dar mais leite, ela vai ficar... (risos).
E2 – Ah é?
R - É, porque a gente começava a brincar, a vaca fica nervosa não dá mais leite, segundo ele. Precisa saber tirar mesmo o leite, e a gente ficava lá querendo...
E4 – Brincando.
E2 – E catar café, no interior onde eu vivia chamava catar café, ou apanhar café. Você chegava...?
R – Apanhar café, eu via, mas é muito difícil também, machuca tudo a gente, eu era pequena, meu avô nem deixava. Machucava bastante, difícil. Porque você
tem que pegar mesmo o café, porque você não pode puxar, porque se não tira a folha, não é. É um trabalho árduo, colher café eu até hoje eu fico assim
deslumbrada. Outro dia, não faz muito tempo, eu vi uma, passei por uma... em uma cidade em Minas, e o carro enguiçou justamente do lado de um cafezal que
estavam colhendo café. É um trabalho muito árduo.
E4 – Ainda é muito manual.
R - É manual, você não pode puxar porque se não cai a folha, você não pode desfolhar o cafezal e tem que pegar o grão mesmo, não é.
E4 – E essa fazenda dos seus avos já vinha dos seus bisavós, não é?
R – É, é uma família meia tradicional lá da região. Sabe até, sobrou até terra para mim, eu tenho um terraço lá que eu estou querendo, virou mato. Que eu
nunca fui, eu herdei. Aí, mas eu nunca quis mexer com, com esse tipo de coisa, aí ela virou uma mata. Então agora ela está lá, ninguém, virou uma reserva.
Tinha uma casa, só para você ver, nasceu uma arvore no meio da sala da casa assim. (risos).
E4 – Caramba. (risos).
E2 - Você tem foto? É, deve estar uma preciosidade, em termo de registro, de mudança dos espaços.
R - É, lá virou tudo canavial. Para região de Franca, Patrocínio, esse meu município, só tem cana. Cana, cana, cana. Tem café também, ainda tem, é uma
região que é alto não é, Franca está quase mil metros de altura.
E4 - É, ela é bem alta.
R – Uma cidade alta, ela é... E ela é boa para o café, mas tem café, mas a região virou um canavial, só tem cana. Na época que eu era criança, lá nessa minha
infância e juventude não tinha cana. Tinha, eles plantavam cana para dar para o gado comer.
E4 – Uhum...
R - Plantação, não tinha cana. E lá, Franca porque era alto também, não é, sempre que tinha uma criação de gado, que era para... Porque lá não dá muito, não dava, não é, antigamente, lá naqueles idos, não tinha muito berne, então eles começaram a... O couro do gado, da vaca, do boi, ele não era furado, com
os bernes, então eles começaram a fazer curtumes, não é, e de curtume passou a ser uma região que produziu calçados, fabricas de calçados.
E4 – Franca, não é?
R - É. Tinha umas fábricas famosas lá, porque... De sapatos, principalmente para homem, inicialmente. Muito caros, aí descobri...
E4 – Franca que ainda tem essa marca, de sapatos, buchas e calçados.
R - É. E lá então ficou uma indústria, ficou uma região que era um pouco industrial e uma região de café com leite também, que tinha algumas fabricas,
de queijo, algumas, e tinha o café. E tinha...
E4 – A senhora falou, a senhora falou da, a senhora não, você, você pediu para falar você, então...
R – Por favor.
E2 - (Risos).
E4 - É aquilo que eu falei no início, a marca lá da formação. (risos). E aí a gente hierarquiza, não é, uma coisa. Mas você falou no início que o seu pai tinha uma
preocupação muito grande com a dificuldade que ele esteve de estudar, e por isso que ele quis trazer os filhos e a família para a cidade, para que vocês não
tivessem a mesma dificuldade de estudo. Você lembra um pouco dessa relação na sua casa, as brincadeiras, a escola, é...
E2 – Como os seus pais se conheceram?
E4 – Essas histórias...
R – O meu pai, ah... A cidade de Patrocínio eu acho que ela tinha assim (risos), é um ovinho, até hoje ela é, eles chamam, o apelido é paroquia, porque é
pertinho de Franca, então você fala assim: Ah eu vou comprar uma agulha. Vai até Franca, entendeu?
E4 e R - (Risos).
R - Até Franca. E Patrocínio continuou pequena, uma cidadezinha pequena e... Então, meu avô paterno, ele tinha, ele morreu muito cedo também.
E2 – Como ele se chamava professora?
R – Manuel, Manuel Fernandes. E o meu avô, então, eu quero também, outra coisa que eu não consegui fazer, do lado da minha vó paterna, a minha vó era
uma senhora, ela morreu bastante velha, o meu avô morreu cedo, eu conheci pouco o meu avô paterno porque ele morreu também, todos tinham, morreram
de ataque cardíaco, inclusive o meu irmão. Quer dizer, todos, todos os meus tios, meu pai não, meu pai não morreu. Ele não tinha problema cardíaco, era o
único filho dos sete irmãos que não tinha problema cardíaco. Todos morreram, o meu avô morreu, meu irmão morreu, todos, três primos meus morreram, todos
com problemas cardíacos. E... Mas o meu avô e a minha avó, todo mundo dizia que ela era descendente de índio, de bugue.
E2 – Como ela se chamava?
R – Sudária, Sudária. Ela era muito bonita, eu lembro que eu e a minha prima, nós duas, ela tinha um corpo muito bonito, ela já era uma senhora, não é, avó,
ela tinha um corpo maravilhoso, nós duas fazia assim: Será que a gente vai ficar com um corpo da vovó? (risos). Mas ela era muito triste, ela tinha, e ela tinha um
cabelo liso assim, mas eu já conheci de cabelo branco, não é. Ela era muito triste, ela... Ela ficava fazendo crochê, o dia inteiro. E é uma história que eu queira, que eu quero, que é isso que eu falo, que eu queria largar aqui São Paulo, para lá para ver se eu conseguia pegar a história dela. Ela, diziam que ela era... Ela era descendente direto de índia, mas, não que ela tivesse, é... era morena, mas não muito morena, o cabelo que era muito liso, bastante liso. Não sei, não sei se ela tinha traço. Até já estudei os índios da região, isso eu já estudei, que são Kaingang. Uns chamados botocudos, não é. Isso eu já estudei, eu gosto de História Indígena, mas eu não consegui, eu não consegui, eu tinha que ir em uma documentação em Minas Gerais, porque ela nasceu em Minas Gerais, ela não é da região de Patrocínio, isso eu descobri, que ela nasceu em Minas, mas é, aí teria que ir no cartório, não sei, igreja, só tinha igreja. Eu não consegui percorrer a história da minha, da minha avó. Do lado, mas eu convivia mais com a família da minha mãe, assim mais próxima, e a minha mãe também morreu cedo, a minha mãe não chegou a conhecer os meus netos, os netos não é, os meus filhos. E... eu fui muito, eu fiquei muito apegada com a minha avó, a mãe da minha mãe, porque a minha vó não se conformava com que eu sozinha em São Paulo, trabalhando com filho, quem que cuidava de mim, eu ia dar à luz, quem é que ia para o hospital, aquelas coisas. (risos). Eu não tinha mãe, estava sem mãe para me ajudar em São Paulo e a minha vó ficava desesperada, a minha vó morreu com noventa e sete anos. De nada. Dormiu um dia e não acordou. (risos). Lúcida, perfeita, nunca teve doença a minha vó, impressionante a minha vó.
E2 - (Inaudível).
R- É... era assim uma pessoa muito, muito gentil assim, muito afetiva. E ela ficava assim inconformada comigo, não é, a... De não ter a minha mãe para ajudar a
criar, eu trabalhava fora, não é, sempre fui professora – Como? Quem que fica com as crianças? Ela ficava assim, desesperada querendo me ajudar.
E3 – Qual o nome da sua vó?
R – Honorina. Honorina Figueiredo. Ela tinha uma, ela era de uma família bem tradicional assim, mas ela era uma pessoa muito, muito acolhedora.
E2 – Professora, Honorina de que, desculpa, cortou um pouco a conexão, Honorina?
R – Figueiredo.
E2 – Figueiredo.
R – Família Figueiredo Couto Rosa. O meu avô era irmão do Couto Rosa, meu avô materno, Nando Couto Rosa, eu só tenho o Rosa no nome.
E2 – Entendi.
R – E tiraram quando eu casei, entendeu. (risos). Eu falei: Tirou o Rosa quando eu casei? Como assim? O que eu vou fazer? Porque o homem do cartório achou
o nome muito comprido, porque é Circe Maria Rosa, que Rosa era sobrenome, não era...
E4 - Não era nome.
R - Não era nome, Fernandes. Aí ficou Circe Maria Fernandes. Meu marido é Bittencourt, Bittencourt, Bittencourt era do lado do meu marido, o meu marido é
da região de Lorena, no estado de São Paulo, ali do vale do Paraíba.
E2 – Uhum. Professora, e da sua infância?
R - Militar no meio. (inaudível) ...Militar no lado do meu marido.
E2 - (Risos). E a sua infância, o quê que é que você lembra assim, das brincadeiras, da primeira escola? Quê que é que você...
R – Bom, eu tenho, a minha vida, por isso que eu falo muito acho que do interior, porque eu gostava mesmo é de ficar na fazenda, sabe? Eu gostava de andar a
cavalo, eu adorava ficar na fazenda e... Aí da fazenda eu ia para São Paulo, eu morava na Aclimação, o primeiro bairro que nós, que eu vivi assim, convivi, não
sei se vocês conhecem em São Paulo. Aclimação é um bairro agradável, porque tem o Jardim da Aclimação, morava do lado do Jardim da Aclimação, era uma
região muito bonita. Mas eu estudava em um colégio de freira. (risos). A minha mãe era muito católica, o meu pai não, mas a minha mãe era muito católica. O
meu pai já era um hom... Ele lia Marx, conhecia coisas assim, mas a minha mãe era super católica, eu tive que estudar o tempo inteiro com freira. Colégio de
freira. Primeiro Colégio São José na rua da Glória lá em São Paulo. E era umas freiras muito conservadoras, extremamente conservadoras, as Josefinas, (risos),
eu falava: As Josefinas lá são muito... (risos). Eu lembro que quando eu estava no clássico, que eu fiz clássico, eu estava no clássico e tinha aula de religião
todo dia. Aí tinha lá aula lá de teologia já, no clássico, uma aula de teologia, aí tinha lá, eu falei: Olha, eu não me conformo com tudo assim, da igreja assim,
tem Deus, aí teve o filho que é Jesus, agora o que que aquela pombinha tem que estar na história? Eu detestava a pomba. (risos). As pombas faziam cocô lá
na varanda da casa e a minha mãe me mandava lavar varanda. (risos). Então eu falava: Tenha a santa paciência, o que essa pombinha tem a ver com Deus,
Jesus etc. Jesus é tão simpático. O filho, não é, o Deus lá que a gente não sabe direito o quê que é, mas Jesus sempre achei muito uma figura simpática. E eu
falava assim: O que que essa pombinha tem que entrar na história desse Deus nosso aí? (Risos). Que a gente tinha que acreditar. Mas enfim, eu tive essa
minha infância toda foi muito ligada eu acho muito legal São Paulo, sabe, apesar de todos os problemas de São Paulo. Porque São Paulo sempre foi muito
cosmopolita, não é. É uma cidade, por exemplo, eu já morei, eu morei já em Paris, já morei em Londres, então é... São cidades grandes, não é, mas São Paulo é, é uma cidade muito, muito... Talvez Nova York fosse, não sei, não conheço Nova York, fosse também. Mas eu fico pensando, eu tive na infância, sou até hoje amiga de uma italiana e de uma japonesa. São as minhas grandes amigas, você convive em uma diferença cultural tão grande, não é, tão forte em São Paulo, e eu sempre, por exemplo, comida japonesa eu comia com sete anos de idade por causa dessa minha amiga, eu já comi, eu já sabia o quê que era Sukiyaki. (risos). Porque a gente, e comia uma comida maravilhosa italiana, não é? Feita pelo pai dessa minha amiga. Eu acho que esse, esse convívio com as diferenças em São Paulo ela é muito marcante, então na escola, mesmo a escola de freira católica, aliás eu não conheci essa japonesa, eu não conheci nessa fase, eu conheci um pouquinho depois, e já, ela não estava no colégio das freiras, mas o bairro onde era a escola, o colégio São José na rua da Glória, é lá perto do bairro japonês. A rua de cima, Major Sertório, lá era onde tinha cinema japonês, toda, tinha toda o bairro japonês, não é, e a igreja católica do lado, e nós lá os católicos misturados. Então, eu acho que São Paulo nesse ponto de vista da diversidade cultural sempre foi muito marcante na minha vida. A gente não tem, é... A gente aprendeu a conviver com pessoas diferentes desde sempre, não é? Eu via a diferença das minhas primas, a dificuldade que elas tinham de comer uma comida diferente, uma coisa que eu nunca tive na vida, entendeu? Eu sou: Ah, é para comer isso? Ah vamos! É para comer caranguejo assado? Vamos! É para comer não sei o que, vamos! Entendeu? Porque a gente convivia com essas diferenças culturais, muito fortes assim. Eu lembro que a minha amiga, essa italiana, nasceu o irmãozinho dela e ele com um ano, um ano e meio mais ou menos, o pai dava vinho para ele tomar com água.
E4 – O meu avô fazia isso.
E2 – (Risos).
E4 – Meu avô fazia isso.
R – Eu falei - Não, pode ser que lá na roça eles comiam pinga, não é? (risos).
E2 e E3 – (Risos).
R – Mas enfim, eu acho que São Paulo tem essa característica, de vivência, não é, assim... Diferentes, diferentes grupos sociais o tempo inteiro. É sempre trabalhou, sempre, durante um longo período na minha casa quem trabalhava na minha casa era uma portuguesa, uma senhora portuguesa que fazia um bacalhau maravilhoso. (risos). Então assim, a gente convivia muito com todas essas diferenças, não é, culturais, essas diferentes formas de, de vida assim, não é, de cultura... que eu sempre é, fica fácil se adaptar, não é, para vida da gente posterior.
E3 – Muito interessante isso que a senhora falou a respeito da relação com a diversidade de outros grupos étnicos. A senhora falou do bairro onde viveu em
São Paulo, a senhora ficou nesse bairro o tempo todo? Viveu em outros? Era um bairro multiétnico ou era um bairro que era mais voltado para uma população
oriental, italiana, como era o bairro?
R – Não, a Aclimação ela era um bairro, ela tinha mais... Árabes, descendentes de árabes. E tinha uma igreja, inclusive eu sempre fui curiosa de conhecer a
Igreja Católica Ortodoxa, e as freiras falavam para não ir, e eu ia fugida. (risos). De vez em quando, eu entrava na Igreja Ortodoxa lá, que as freiras não queriam
que fosse. Mas é um bairro bem, bem caracterizado por esses grupos. Mas também tinham muitos italianos, na Aclimação também... Mas a minha
adolescência eu já saí do bairro, com quatorze anos mais ou menos, os meus pais mudaram para o bairro Higienópolis, que é, é onde... aí já é um bairro que
tem muitos judeus, por exemplo. É um bairro mais central. A Aclimação também era, não era longe do centro, era tudo bairro ali próximo ao centro, só que esse...
Higienópolis era mais perto do lado da Praça da República e Aclimação era mais do lado da Praça da Sé, não sei se vocês conhecem São Paulo, então é assim.
É... Mas a, em Higienópolis já era apartamento, é que a minha mãe queria sair de casa, ela não queria mais morar em casa, que dava muito trabalho, tinha que
não sei o que, ela quis morar em apartamento aí resolveram mudar para Higienópolis. E então aí eu aprendi a viver em apartamento, coisa que eu não
gosto até hoje.
E2 e R – (Risos).
E4 – Gosta da fazenda, não deve gostar, não é. (risos).
R – É, eu gosto de morar em casa.
E3 – E o que faz mais a senhora se lembrar do seu convívio em casa?
R – Das casas?
E3 – Isso, da casa.
R – Olha, a minha casa na Aclimação, primeiro eu falei, ficava perto do jardim, tinha uma jabuticabeira no quintal, entendeu? Tinha jardim, eu sempre gostei de
jardim. Tanto que eu moro maior parte do tempo agora eu moro na... A minha casa da praia é no meio da Mata Atlântica, eu adoro ficar no meio do mato, ouvir
passarinho, entendeu? Essas coisas assim, eu gosto disso. E...
E4 – Eu também. (risos)
R – É, e aí eu não gosto de apartamento, assim, e em Higienópolis era mais, bom, também a gente já era maior, não é? Meu irmão e eu já éramos maiores.
Para o convívio cultural era um bom bairro, Higienópolis, ali é perto da Consolação. Vamos dizer que eu assisti todos os festivais de música popular, eu ia porque era no caminho da universidade para minha casa, eu passava, descia, você acredita que tinha um dia que era terça-feira, era o Teatro Record... Tinha gravação e... Era grátis, eu assisti a gravação do Chico e a Nara Leão, de graça.
E2 – Uau!
E2, E3 e R – (Risos).
R – Então, e ali tinha uns, já tinha aqueles cinemas mais culturais, não é? Avenida Paulista estava começando a se desenvolver na vida cultural, então, essa, esse pedaço é muito interessante assim, de morar ali perto, não é, desse convívio mais de teatros, cinema, Belas Artes era pertinho da minha casa. Então isso daí era interessante para vida da gente. Para vida cultural esse, é tranquilo e a pé, eu ia a pé assistir a festival da Record, da minha casa lá, entendeu, não precisava nem pegar ônibus. Então é, nesse aspecto o bairro... Só que lá também moravam os meus parentes, os parentes, um pouco de parente. Então, também era bom porque eu tinha algumas primas que moraram por ali, próximas e tal. Mas, eu sempre gostei muito de parente. (risos). Eu gosto de parente.
E2 – (Risos). Ficava longe a escola onde você estudou? Localização, que lembranças mais marcantes assim você tem?
R – Não, eu tomava ônibus para ir, lá das freiras eu tomava ônibus, da Aclimação, depois Higienópolis também tinha que tomar ônibus porque fica, é eu lembro que era ônibus elétrico, eu não era acostumada com ônibus que não fosse elétrico. Tanto a Aclimação quanto Higienópolis os ônibus eram elétricos. Eu cheguei a andar de bonde, mas bonde não chegava na escola, mas eu adorava andar de bonde. Na Avenida Paulista era o máximo, andar de bonde na Avenida Paulista.
E4 – Chique.
R – Chique, era confuso andar de bonde! E aí a gente tomava um bonde para passear na Avenida Paulista, eu ia até o ponto não sei onde, acho que ia para
Pinheiros, eu não me lembro para onde ia, passeava só na Avenida Paulista ali, que tinha aqueles casarões, era, é... Tomava sorvete, tinha uma sorveteria não
sei a onde, a gente tomava sorvete, umas coisas assim. Mas eu gostava muito... São Paulo era uma cidade até mais, bem mais agradável na minha infância. E
eu ia por exemplo, sozinha. Eu com oito anos eu tomava ônibus na Aclimação para ir para escola, lá das freiras que ficava na rua da Glória, sozinha. Eu ia e
voltava sozinha, com oito anos, nove anos de idade, dez anos eu andava sozinha, a gente andava sozinha em São Paulo. Meu irmão, eu tinha inveja do meu irmão, porque a minha mãe queria que eu estudasse no colégio de freira, mas o meu irmão teve a vantagem de colégio público, e eu morria de inveja. Naquela época a escola publica que era a boa. A escola particular, nossa era assim, um lixo. Eu tinha vergonha de falar – Onde você estuda? Eu: No colégio São José (sussurrando).
E2 e R – (Risos).
R – E o meu irmão: – Ah eu estudo no Roosevelt. Então, ele estudou, foi colega da Maria Helena Chauí, não é? Na turma dele, aí eu morria, eu queria ir, mas a
minha mãe, meu pai até falavam - Não, deixa ela ir, porque ela vai querer.... O meu pai queria que eu fizesse Direito, que eu fosse ser advogada, ele era
advogado queria que eu fosse. Meu irmão foi para engenharia. E aí eu falei: - Não, mas aí eu... – Não, tem que estudar no colégio mais forte para ela poder
entrar. Não sei o que... Mas a minha mãe... Ele não convenceu a minha mãe. (risos).
E4 – Mulheres tinham que estudar em um colégio religioso, então!
R – Religioso. Tem que...
E4 – E nesse colégio religioso, você teve algum, alguma... Devem ser freiras também, religiosas que eram as professoras. Alguém te marcou?
R – Não, as freiras não davam, elas, elas na realidade não eram professoras, elas eram professoras de religião. Mas o resto não. Mas bem clássico, o curso
ginasial foi terrível, eu odiava. Eu chorava, eu não gostava, porque aí...
E2 – Por quê?
R – Da escola, ninguém aguentava, essa minha grande amiga italiana ela não aguentou, a mãe dela, ela convenceu que ela tinha que ir para a escola pública,
mas eu não convenci a minha mãe. E as que ficaram eram, eu não sei, eu nunca me dei muito bem com as outras amiguinhas. Tinha algumas que sim, mas elas,
não sei, não, não... Tentamos até fazer uns encontros uns tempos atrás, eu falei: - Elas continuam chatas iguais. (risos)
E2, E3 e R – (Risos).
R – Continuam, não mudaram.
E4 – E as professoras, os professores era bem...?
R – Então, no clássico aí eu tive grandes, eu tive duas grandes professores, uma de Francês e uma professora de História. É... e a de Geografia também era muito boa. Porque a de Geografia e a de História, tinham feito a USP e... elas trabalhavam no Colégio Vocacional, então elas, o método do Vocacional elas trouxeram para gente. E só para você ter uma ideia, eu lembro de um trabalho de História que nós tivemos que fazer, era sobre economia cafeeira, a gente leu
Celso Furtado, Caio Prado, entendeu?
E4 – Olha.
E2 – Olha que legal.
R – E a professora de Francês ela era muito legal porque ela ensinava a gente a fazer teatro. Eu lembro que eu tive que fazer, eu, o meu grupo, eu e o meu
grupo, nós tivemos que fazer uma adaptação de Petit, o Petit, O Pequeno Príncipe, para o teatro. Montar uma peça de teatro baseada em um texto literário
em francês, não é, tinha, então tinha umas coisas boas que, algumas professoras, eu tinha uma ótima professora também de filosofia, muito boa,
lemos...
E2 – Só tinha professora? É... porque pelos seus relatos, também teve experiência com professor?
R – Uhm?
E2 – Você só teve professora ou também teve professor?
R – Tive um professor, eu tive um ótimo professor porque eu era péssima em matemática, eu odiava matemática, aquele negócio de seno, cosseno, que eu não sabia o que eu fazia com aquilo, entendeu, tinha uma tábua de logaritmo, não sei o que. Eu odiava matemática, odiava. Aí quando eu fui para o clássico, o professor de física é que foi dar aula de matemática para gente, ele não precisava ser uma matemática forte, que naquela época você prestava vestibular só das suas disciplinas, não tinham aquele trololó de fazer todo aquele monte de matéria, não é?. Então eu nunca tive física, química, biologia, eu tive matemática tinha no clássico, mas só, o resto era latim. Eu tinha, a gente tinha aula sábado também, de segunda a sábado a gente tinha aula, eu tinha seis aulas de latim,
por semana. Aí... aí a gente sabia tudo (? expressão em latim ) a gente sabia...
E4, E2 e R – (Risos).
R – Os clássicos todos, não é, era uma coisa assim, de (? Palavras em latim), a gente sabia desses negócios todos. Mas aí, aí era um professor de latim, era um
homem professor de latim. Mas aí eu me lembro que esse professor de matemática, mas eu acho que eu não tive todos os anos matemática, ele era
físico, então ele falava: – Matemática não serve para nada, serve para ajudar físico a pensar.
E2 e R – (Risos).
R – Aí, então, já que era um físico que dava aula, porque tinha aquela tal de tábua de logaritmo, não é, vocês sabem? Não sei se vocês sabem?
E4 – Eu sei.
R – A tábua de logaritmo.
E4 – Eles não lembram, mas eu lembro.
R – A nova geração. É um livrinho cheio de número, e você tinha que usar aqueles números até ele virar mais ou menos dois. Fazer um monte de coisa, virava dois, três. Quatro bilhões, quatrocentos e noventa e (risos). Eu errava tudo aquilo, que era um monte de número, eu falava: O quê que eu faço com tanto número? Então ele falava assim: – Olha, matemática não serve para nós. Depois eu fui bem em matemática não é, depois que ele falou essa frase. Ele falava – Não, errar na conta faz parte, precisa ter um raciocínio, não é a conta que dá certo, não é. Eu falei: Então está bom. Mas eu nunca gostei de matemática, era meio traumatizada. Mas tinha também, depois eu tive um professor muito bom, me lembro também. Acho que ele era meio padre, não sei, ele dava aula de inglês, um professor muito bom. Agora, a gente tinha boas aulas de francês, porque as freiras de São José são de origem francesa, então a gente tinha uma carga enorme de aula de francês, a gente tinha que rezar em francês, rezar o terço em francês. A gente rezava lá, toda, por causa das freiras. Isso foi bom porque aí o francês para nós se tornou uma língua assim mais fácil, não é? A gente lia, qual é? As rezas lá. E mais alguma coisa em francês. Mas aí as freiras eram assim, é... Elas eram chatas, não é? Coitadas, não sei. (risos). Eu gostava só de uma professora, que ela se tornou até diretora da escola, e depois eu soube mais tarde que ela largou o hábito e ela se tornou uma, eu não sei, uma espécie de assistente social, mas não sei o que, em uma área se prostituição lá em São Paulo, ela abandonou a escola, ela já tinha um... a gente tentava discutir, eu lembro que tinha uma amiga minha, ela era espanhola...
R – (inaudível 50:59 – 51:05) 51:09 Já tinha a juventude, JEC que chamava, Juventude Educacional Católica. A gente tentou ir para lá, tentar contato, mas as freiras brecaram a gente. Mas a gente já sabia que tinha um movimento, mas ele muito despolitizado. Quando eu entrei, aí quando eu resolvi entrar na USP eu era completamente despolitizada. O meu pai falava, meu pai falava, meu pai já era uma pessoa, o meu pai era muito contra o racismo. Ele sempre foi um advogado, ele era advogado da Caixa Econômica, oficialmente o trabalho dele, mas ele sempre quando pode defender ele sempre defendeu negros, com a
questão racista. Ele não suportava. (inaudível - 51:58-52:01) Eu fui muito marcada por isso, pelo meu pai com essa... E meu pai falava que precisava
mulher entrar na faculdade de direito, porque mulher era melhor, eu falava: Pai, mas eu... Ele me levava as vezes para assistir, eu falei: Pai, mas o direito é tão
injusto pai, eu não quero ser advogada, eu acho muito chato. – Não, mas aí você vai ser promotora, mulher precisa entrar mais no poder porque as mulheres
são mais justas que os homens, elas tem menos interesse econômicos que os homens. Meu pai falava muito isso. Mas eu não, não me satisfaria, eu gostava
de ser professora, eu sempre quis ser professora. Minha vida inteira eu quis ser professora. Não sei por que, eu gostava.
E4 – E a sua mãe, o que achava disso? Dessa, desse seu pai...
R – Minha mãe queria que eu cassasse.
E4 – (Risos).
R – Ou então virasse freira (Risos), o meu destino. Meu destino era o matrimônio. Coitada. Essa minha mãe era muito doente, assim a minha mãe sempre foi
bastante doente, tanto que ela morreu cedo, ela... Morreu com cinquenta anos, tem... Morreu...
E3 – E a senhora tinha quantos anos? Quando isso aconteceu?
R – Olha, eu era casada... talvez vinte e oito, por aí, quando ela morreu talvez.
E4 – É.
R – Eu tinha casado, mas eu não tenho, eu estava gravida, eu não tinha filhos.
E4 – Não tinha filhos. Você disse que ela não conheceu os netos, então você não tinha filho.
R – E... Mas, enfim. Ela, mas era assim muito afetiva, muito afetiva, ela gostava de ficar fazendo comida que a gente gostava, e eu falava: Por isso mesmo que
eu não quero casar. (risos)
E3, E4 e R – (Risos).
R – (inaudível - 54:23) Gosto de cozinhar, gosto e não gosto de cozinhar. Eu gosto, mas ficar assim, só dedicada a isso, (? 54:28) mas acho que era um sonho
que ela tinha, não é.
E4 – E você casou com quantos anos, Circe?
R – Eu? Vinte e oito talvez, vinte e sete, vinte e oito, por aí.
E4 – Teve filho logo?
R – Tive filho. A Maíra. Eu tive um problema, eu tive um problema, fui um pouco encarcerada, não é?
E2 – (Risos)
R – E a gente ficou com uma questão que não queria ter filho. Sabe? O tempo estava muito ruim.
E4 – É, imagino.
R – A gente ficava em uma... não é? Em uma perspectiva muito terrível do futuro, não é. Eu... eu lembro que eu não queria ter filho assim. Só quando teve, começou a abertura, começamos a pensar em uma perspectiva, não é.
E4 – Seu marido era advogado? Seu marido era...
R – Meu marido era físico. Nós fomos colegas na época da universidade. Era.... mas, a gente não, nem namorou nessa época, a gente foi namorar mais tarde,
já formados, já éramos professores. É, eu namorava outro, ele namorava outra.
E4 – Se reencontraram.
R – É, a gente sempre, nós sempre tivemos uma turma da faculdade, até hoje. Ontem mesmo nós fizemos um encontro, da turma. Desse grupo. Mas a gente... muito, muita, não é, alguns, tinha o pessoal que foi preso, torturado, que ficou muito tempo. Eu fui uma vez... Porque a gente, o que que eu fazia na época lá,
a gente conhecia todas as linhas, todas as coisas, mas aí quando eu casei, eu tinha uma, nós tínhamos lá um apartamento, a gente recebia, não é, as pessoas.
A gente não sabia nem o nome, e não queria saber. Nem para onde ia, nem para onde vinha. Nosso apartamento a gente, até isso foi antes da gente casar, estava
morando mais ou menos junto e a gente estava com... Morava assim outras pessoas também, nós tínhamos que fazer isso, isso era uma tática mesmo que
a gente fazia. A gente ter um apartamento, sair da casa dos pais, ter um apartamento, e a gente abrigava as pessoas. E passavam por lá, dormiam, ficavam dois, três dias, sumiam, a gente não queria saber de nada. Era o nosso, era a nossa função, não é? Isso aconteceu com muitos de nós. Desse meu grupo, da faculdade, então a gente usou isso como uma política mesmo de apoio. Que a gente chamava.
E4 – Você tem lembranças então desse período da faculdade dessa fase mais difícil da nossa História.
R – Não! Quando eu fiz a faculdade mesmo não. Que eu entrei em sessenta e quatro. Aliás quando deu o golpe...
E2 – Tinha quantos anos, professora, quando você entrou?
R – Dezoito.
E2 – Dezoito.
R – Eu entrei na USP, lá no departamento de História, que já era na cidade universitária, não era na Maria Antônia. Não sei por que, departamento de História e Geografia, não sei desde quando, sempre foi na cidade universitária. Era difícil chegar na Cidade Universitária, nossa mãe, era assim...
E4 – Essa era a política, não é, afastar...
R – Hum?
E4 – Essa era a política então, afastar esses centros dos locais onde tinha mais movimento, não é?
R – Não, não sei, porque fazia tempo que tinha lá, Armando Sales de Oliveira deu o terreno porque era para fazer um campus, não é. Grande, como os norte
americanos faziam, não é. Eu acho que era mais ou menos o padrão norte americano que eles queriam, não sei. Que a USP é velha, ela era, ela era toda
descentralizada, não é.
E4 – É.
R – Como o padrão europeu, não é. Então tem os prédios, para cá, para lá. É... a faculdade de Filosofia então, ela começou a mudar, porque ela pegava tudo,
faculdade de filosofia, ciências e letras, não, faculdade de...
E4 – Filosofia, Educação e Letras?
R – Faculdade de Filosofia... Ciências e Letras, é isso? Todas essas Física, Química, tudo fazia parte da faculdade, não tinha faculdade de Química, o instituto de Física. O meu marido, por exemplo, quando estudou ele era da Filosofia, da faculdade de Filosofia, porque fazia parte da faculdade de Filosofia Ciência e Letras. Aí o instituto de Física, o instituto de Química eles se desmembraram com a reforma de mil novecentos e setenta e um, eu acho.
E2 – E um.
E4 – Setenta e um.
R – Não é. Aí que elas se desmembraram. Então, por exemplo, na cidade universitária tinha Física, quando eu entrei em sessenta e quatro, tinha Física, Biologia, História e Geografia. E tinha a poli, da Politécnica, já, alguns cursos da engenharia estavam lá, e tinha o que hoje a gente chama de Pedagogia lá no prédio que na realidade não fazia parte da faculdade de Filosofia, não é. É o que tinha na universitária.
E2 – 1:00:41 Professora, já que você está lembrando desse momento, de experiências não é, que lembranças mais marcante que você tem é... sobre a
sua escolha para História? Por que você sempre dizia que...
R – Então, eu queria ser professora.
E2 – Isso. Mas poderia ser de Geografia, podia ser de Educação...
R – Não! Eu queria ou Filosofia ou História, era o que eu gostava.
E2 – Está.
R – É... Aí eu não sei por que quê que eu fui fazer História. Naquela época o vestibular você se inscrevia, você ia lá e se inscrevia.
E2 – Uhum.
R – Ah sim, eu até me inscrevi na filosofia na PUC.
E2 – Uhum.
R – Porque eu estava em dúvida entre Filosofia e História. Eu gostava de, não sei por que eu gostava disso, acho que é porque tinha bons professores, a
professora de Filosofia era boa e a professora de História era boa, de Geografia também era boa, mas Geografia não sei. Eu achava que História era mais
interessante. Aí quando... o vestibular é muito interessante na minha época, você sabe, que a gente fazia diretamente nos departamentos. Eu nunca esqueço, eu
conto essa história, que o Sérgio Buarque estava na banca.
E2 – Olha!
R – E...É, aí o Sérgio, eu, eu sabia do Sérgio Buarque, já tinha, porque eu já inha lido alguma coisa dele lá no curso de História, na aula de História que a
professora, como eu falei, era muito boa professora de História, já tinha falado do Caio Prado, Celso Furtado, conhecia assim alguns nomes. Eu lembro que foi
prova oral, não é, aí eu tirei o número lá, dei para ele, era História do Brasil, não é, aí dei para ele, aí ele leu lá - Ah, Circe, Circe da mitologia! Aí ele começou a
falar, e falar.
E2 – (Risos).
R – E falou, falou e eu lá com o ponto na mão.
E4 – (Risos).
R – E ele falando. E a gente morrendo de medo, não é, do exame, tremendo, e ele falando, eu falei: Meu Deus do céu.” Aí foi assim, daí ele falou – É. Aí
entreguei eu o ponto, acho que ele leu alguma coisa... - Você pode ir embora.
Eu não respondi nada, ele não perguntou nada, eu fui embora. (Risos).
E3 – (Risos).
R – Eu falei: E agora?
E4 – (Risos).
R – Aí eu acho que ele tinha dado dez para ele, porque ele falou bastante, não é?
E4 – (Risos).
R – Porque eu tinha tirado oito na prova escrita, e aí a minha média foi nove, eu falei – Eu acho que ele deu dez para ele, não é. (risos)
E3 – (Risos).
R – Eu fiquei com a média nove. (risos). Era uma figura assim, era muito, muito interessante. Então, aí o vestibular, foi, quando eu resolvi fazer História eu estava
nessa dúvida, mas queria ser professora ou de Filosofia ou de História, e aí era essa fase da, aí estourou o golpe, não é. Exatamente quando começou a aula já
entrou em greve. E aí já, aí o movimento estudantil, aí eu já comecei a entrar lá para saber o que que estava acontecendo, não é. Mas era tudo na Maria Antônia.
Agora eu morava do lado da Maria Antônia, não é. A minha casa no Higienópolis, o meu apartamento era três quadras da Maria Antônia, então eu frequentava
muito a Maria Antônia também, e participava das, sempre participava do movimento... entender o que estava acontecendo, demorou bastante. (Risos).
Para aprender toda essa questão política, não é, para mim era muita novidade.
E3 – Até por conta, não é, da senhora ter falado da experiência na escola religiosa, e o esforço da despolitização, imagino que tenha tido todo um percurso,
não é, até a inserção nesse movimento estudantil, não é?
R – É, para mim era uma coisa muito... aí é claro, eu comecei a me aproximar mais dos católicos, da linha...
E4 – Do JEC?
R – Da teologia da libertação, já comecei a me aproximar porque eu era católica. E... da AP, foi muito com o qual comecei a me aproximar mais, mas depois na
cidade universitária tinha a outra grande questão, porque já, logo que eu entrei, em sessenta e quatro, até esses dias, eu achei uma fotografia... Em sessenta e
quatro, tinham feito uns prédios na cidade universitária que era para os jogos panamericanos que tinha tido, e aí os alunos tomaram o CRUSP, que virou o
CRUSP aquilo, é o conjunto residencial, não é. Então lá era pertinho, era ali, era pertinho, tudo lá era longe. Andava no meio do barro lá. Aí tinha o CRUSP, aí é,
já tinha, começou a já ter almoço, dos estudantes, a gente começava a almoçar lá, e aí, e o CRUSP foi muito importante dessa politização toda, porque passava
filme, muitos teatrais foram para lá, passava para os estudantes, então foi um lugar muito significativo, até a invasão do CRUSP, até que se chegou a invasão
do CRUSP, que era muito importante, então ali tinha os estudantes de todos os lugares, não eram só, da cidade universitária não é, então você tinha contato
com os outros também que moravam lá no CRUSP, não é, de outras, de outros lugares, de outros cursos, da arquitetura, da FAU, tinha de todo lugar lá, tinha
estudante lá. Então era assim, bem... é, bem importante o CRUSP, para a organização política. Eu lembro que na História tinha o centrinho da História, e
tinha, a gente não se dava bem, não sei por que, com a turma da Geografia. Não sei.
E2 – (Risos).
R – É verdade! Eles ficavam junto e ao mesmo tempo, fazia tudo separado da turma da Geografia, mas a gente se dava bem com a turma da física. Vocês conhecem, não é, vocês já ouviram falar do Mário Schenberg, que era um grande físico, não é, e o Mário Schenberg, por exemplo, a gente ia assistir palestras dele, era convidado as vezes pelos estudantes pelo CRUSP. Ele falava de arte, de história da arte, ele era um cara assim, brilhante, uma pessoa maravilhosa. Ele teve mais tempo na cadeia do que fora, não é, você sabe. Que ele era do Partido Comunista não é, acho que um dos primeiros deputados do Partido Comunista, foi logo caçado. Então a vida do Schenberg, e ele era um estudioso de arte, ele conhecia profundamente história da arte. Então os professores davam essas palestras para gente. O Pires dava muito no CRUSP, era um lugar que eles iam lá por causa dos estudantes. Então a gente ouvia assim de, esses professores de vários lugares, que era uma forma de politização que eu digo, bastante diferenciada, não era aquela, não era no sentido da militância, era no sentido de você ler os clássicos, ler O Capital, ler os grandes autores, não é, conhecer também Adam Smith, a gente tinha que ler tudo, entendeu? Eles provocavam na gente um conhecimento que não era aquele direcionado exatamente para uma ação política, mas um conhecimento da política de um modo geral, vindo dessas diferentes facetas. Tinha um professor que eu lembro que era da FAU, ele era excelente, um urbanista, sabe? Então a gente tinha uma oportunidade de ter uma forma de politização, eu acho que um pouco diferenciada. Não era só naquela militância de ir lá, vamos pegar em arma, não era assim. Tinha isso até também, não é, e aí nós tivemos muito curso, muito curso, muitas aulas, quase não é, de cinema, então a gente assistia filmes, passava muito filmes, no CRUSP, na Maria Antônia, vamos ver os grandes
autores, os cineastas, eu lembro do.... Não sei quantas vezes que nós tivemos que... A gente assistia uma vez, depois assistia outra para fazer debate, não é?
E4 – (Risos). Era assim, a gente nunca assisti... Sou de uma geração depois da sua, e que mesmo assim é uma geração que copiou muito da sua geração,
movimento estudantil, e a gente assistia filme também vária vezes, e eu estou falando da segunda metade da década de setenta, vária vezes, porque a gente
tinha que debater, entender, discutir, contextualizar.
R – Assistia “N” vezes o filme, “N” vezes. (Risos).
E4 – É, é isso aí.
R – E peça de teatro, aí tinha a Arena conta Zumbi, por exemplo, que não é, teatro de arena começando, teatro oficina, não é. O... tinha o festi... essas coisas que eram para nós, eram fundamentais. É... Então cinema, teatro, então, e lá a gente fazia muita feira de livro, bastante feira de, o nosso centrinho lá de História se especializou em fazer feira, porque a gente não tinha biblioteca, a gente tinha que ir lá para Madre Andrade, porque não tinha biblioteca na cidade universitária,
a gente tinha que ir para Madre Andrade, então a gente começava a fazer festival, é, fazer vários para compra de livro, e a gente pedia para os pais, a gente entrava em contato com os professores para eles traduzirem os livros, que se não você tinha que ler livro em alemão, inglês e francês, não tinha quase livro
de História, nós tínhamos que ler ou no original ou pelo amor de Deus gente, vocês traduzam para gente do alemão. (Risos). Porque a gente, eu lembro que
a gente estava querendo ler muito, estava saindo a tradução do Marx lá do, como chama? O famoso lá...
E2 – O Capital? Dezoito?
R – Não é o Dezoito de Brumário. É um outro, Ideologia Alemã.
E2 – Ah, Ideologia Alemã.
R – Ler, e entender em alemão não dava. Então, aí pedimos para os autores pelo amor de Deus para fazer traduções. Mas então o movimento assim, eu acho
que, é, essa, esse período da cidade universitária ele serviu bastante para juntar as pessoas naquele espaço, que era principalmente no CRUSP. Fora que a
gente fazia muito festival de música também. Era muito importante a arte, tanto teatral quanto a musical para nós era assim, fundamental. Eu lembro que eu
conheci o Chico. Uma vez nos fomos no teatro Record, isso, eu falo sempre dessa história singular, aí chegamos lá, o teatro Record fica, teatro Record não,
teatro Paramount. Ele ficava na Brigadeiro Luís Antônio, não sei se está ainda lá, não sei, tem que dar uma olhada para ver se ainda está lá. E era aquele que
tinha a parte de cima assim, tinha o teatro assim, a plateia embaixo, depois tinha os camarotes e tinha a parte de cima que era a mais barata, não é. A gente
entrava lá em cima. Eu lembro que nós fomos ver o festival da Record, eu não sei se já era o festival da Record ou se foi o anterior, e nós estávamos sentadas,
várias turmas, alunos, da turminha da história, minhas amigas da história, e aí, embaixo sentou, chegou o Sergio Buarque e a Amélia. Sentaram os dois na
nossa frente. Batemos lá trás: Professor, o que o senhor está fazendo aqui, no poleiro aí, (risos), não devia estar assistindo lá embaixo? Ele falou – Não, eu
tenho um filho aí metido a músico, e eu vim assistir, mas ele não queria que eu viesse, então eu estou aqui.
E2 – (Risos).
R – Aí, foi o Chico e cantou o Pedro Pedreiro e ganhou primeiro lugar. Daí a... a Maria Amélia - Aí, que bom, que lindo. Não sei o que. E nós: Aí Chico. Aí a... eu
lembro que a Amélia falou para mim - Você gostou? Eu falei assim: Olha, eu gostei, mas eu gostei mais do teu filho, ele é tão bonito! (risos)
E2, E3 e R – (Risos).
R – E aí ela falou – Então vamos lá, e nós vamos lá cumprimentar. Eu falei: Ah não, eu tenho vergonha. Não fui.
E3 – Ah.
E4 e E2 – (Risos)
R – Timidez bateu, não fui conhecer o Chico. Então, são as histórias que a gente tem assim dessa, uma vida assim... Cultural muito forte, muito significativa assim,
muito... é, acho que foi muito importante na trajetória.
E2 – Oh professora... Pode falar Sônia, fale, depois eu...
E4 – Era um momento rico culturalmente, não é?
R – Muito.
E4 = Para o país e para a sua geração, vocês sentiram isso, viveram essa riqueza cultural, de repente foi um pouco ceifada.
R – Não é? Então, eu até me lembro a Emília, minha professora sempre, maior minha foi a Emília, não é. A Emília ela até falava: - A gente precisa estudar a
história das gerações, porque certas gerações acontecem. Por exemplo, a geração dos abolicionistas, Castro Alves, aquela, sabe, aquela ebulição que teve
toda lá, que acontece na abolição dos escravos. Depois você tem uma geração de trinta, desde a semana da arte moderna, aquelas coisas todas, até a criação
da universidade. Aí depois a gente era a outra geração. Ela falou: É interessante a gente estudar essas gerações. E elas são internacionais. A Emília sempre
falava isso, elas são internacionais. Elas não são só localizadas. Aí você vê, estava acontecendo na França, nos Estados Unidos, nos movimentos, então ela
sempre mandava a gente prestar atenção nisso daí, o que que acontece, nessas histórias dessas, certas gerações ficam mais paradas, mais estagnadas, e de
repente aflora.
E3 – Sim.
E2 – Professora, aproveitando essas experiências que você esta relembrando aqui dessa sua formação, inclusive das dinâmicas culturais que você vivenciou,
no que diz respeito a sua formação, que lembranças você tem dos debate que eram discutidos, a nível de discussão acadêmica, da formação, se a escola e ao
mesmo tempo como que a escola, a escola básica, não é? Uma vez que estava se formando professores para a escola básica se apareciam os debates, se não
apareciam, como é esse trânsito de reflexão, e também a sua imersão como professora que estava se formando e em breve estava exercendo, que
lembranças você tem dessas experiencias?
R – Olha, eu vivi um momento, também eu acho que muito importante na história da educação. Porque veja, eu me sentia mal de estar em uma escola particular
de freira, independente de ser de freira, eu não queria nenhuma escola particular. A escola pública era muito valorizada nesse período. Ela era o padrão. Desde o
grupo até o e ensino clássico e científico, até o ensino que hoje a gente chama médio. Ela era a escola, entendeu? Porque lá se formavam os professores, então
quer dizer, os bons professores, porque prestavam concurso, era difícil entrar, eu me lembro, os concursos por exemplo, eles eram feitos dentro dos
departamentos, era lá na História que fazia concurso para professor de História, para rede pública. Era os próprios professores da faculdade, não era da faculdade de educação, era do departamento, de História, Geografia, Língua Portuguesa etc. Eles que faziam o concurso, eles eram ligados a secretaria da educação. E passavam poucos, não tinha muita vaga, era muito difícil, tinha professor que ficava prestando exames, não sei quando tempo, para conseguir uma vaga. As próprias faculdades, por exemplo, eu sempre digo que na minha formação foi muito importante o Colégio de Aplicação, da USP, não é, que... não é a escola de aplicação que tem hoje que fica lá ligada a faculdade de educação, não, ela era da faculdade de Filosofia. Era uma escola pública da rede, o prédio era uma escola pública, e alunos que moravam ali, perto daquela escola, onde a gente fazia estagio. Claro, a gente era pouca gente. Na minha época, eram trinta vagas para história. Tinha o curso noturno, tinha eu acho que era quinze vagas, eu não sei, mas eram pouquíssimos. Quem terminava o curso nós éramos dezoito, vinte alunos, se formavam. E a gente fazia estágio, não é, nessas escolas em que... você, a gente.... usava métodos super inovadores, então, eu não sabia, agora que eu estudando até com mais cuidado, a questão do estudo do meio, eu sempre sou, fui louca por estudo do meio, a minha pira foi dar aula para fazer estudo do meio, estudo do meio, a minha vida inteira, eu dei aula de estudo do meio, até dos alunos quando eu dei, sempre na faculdade, professora de prática de ensino, dar, os meus alunos fazia o estudo do meio, junto com a professora de Geografia, de Biologia a gente juntava e saia com esses alunos fazer a, porque eu falei: Para aprender a fazer estudo do meio a gente tem que fazer, se não a gente não aprende teoricamente a fazer estudo do meio, você não consegue”. (risos). Então, eu aprendi isso no Colégio de Aplicação, usar filme, esse negócio a gente usava, como é que você... Eu lembro que... Trabalhávamos já, não é, eu lembro de uma peça, como é que era aquela, passava a peça no teatro, estava passando, que era aquele físico famoso lá que, do renascimento, Galileu Galilei, estava passando a peça do Brecht, e tinha o filme, não é, que a gente aprendia isso, como usar em sala de aula. Como, isso eles davam no curso, clássico, no científico, antes da reforma de setenta e um. Assim que a gente aprendia. Então a Escola de Aplicação, ela era muito importante. A escola, o colégio de aplicação, porque não tinha, era o primário, não tinha o primário, era só o ginásio, o clássico e o cientifico, chamava o colégio, agora Escola de Aplicação existe na faculdade de educação, era escola, ela, tem também, mas aí é o primeiro, primeiro ensino médio etc. fundamental e médio. Mas essa, essa relação, que os professores mesmo da faculdade, do próprio departamento de história tinham com a educação era mais forte, porque eles faziam concurso, eles tinham o colégio de aplicação, entendeu? Então era uma relação mais forte com a escola pública, assim como a universidade publica, juntava tudo. Universidade publica com escola publica, e era para ser professor
de escola publica. Claro, não se imaginava você sair da USP e ser professor de colégio particular, era o oposto, entendeu? Era o oposto. E essa relação que foi,
essa grande política que a ditadura cortou. Aliás, eu falo, que o grande golpe da educação foi mil novecentos e sessenta e um, eu sempre digo essa história que
mil novecentos e sessenta e um com a LDB, que eles pegaram tudo quanto é dinheiro e enfiaram em escola particular. Por que a escola particular cresceu no
Brasil? Tiraram o dinheiro da escola pública e passaram para escola particular, em um momento que você está pensando que os pobres estão entrando na
escola. Porque mesmo assim a escola pública era uma escola elitista também, porque era difícil entrar, tinha um exame de admissão. A gente estava brigando
para democratizar essa escola pública. Manter a qualidade sem perder, não é, essa... Sem se voltar para, para que todos os alunos pudessem entrar na escola.
Essa era uma grande discussão que se fazia na época, e se fazia politicamente dentro da universidade.
E4 – Na questão dos excedentes não é, principalmente.
R - Aí tinha os excedentes também, isso é para entrar na universidade. E aí todo, aquele movimento estudantil que a gente brigava lá com, (?) já está aí o motivo
para isso, já está se pensando na escola empresarial, não em uma escola pública etc. e tal, a gente tinha essa dimensão já, naquela época.
E2 - Você concluiu a faculdade em que ano professora?
R – Um?
E2 – Que ano você concluiu?
R – Eu me formei... Eu entrei em sessenta e quatro, me formei em sessenta e sete.
E2 – Sessenta e sete. No auge da ditadura, da repressão.
R – Ainda não, ainda estava calmo, porque foi sessenta e nove, não é, o AI-5.
E2 – Sessenta e oito, sessenta e nove, é verdade.
E3 – Sessenta e oito.
R – É, aí que, aí que aperta, mas até sessenta e sete a gente fazia toda a movimentação nossa, ninguém ia para cadeia ainda. Não ia para cadeia. Fazia as mobilizações tudo, tinha uma certa repressão, mas não... Ainda não era o AI5.
E4 – O AI-5 foi no final de sessenta e oito.
E3 – Dezembro de sessenta e oito.
R – Começa mesmo a perseguição em sessenta e nove. No movimento estudantil, que eles entram com tudo. Fecha o Colégio de Aplicação da USP, o Colégio de Aplicação da USP foi fechado pela polícia. Prenderam estudante, prenderam aluno, arrebentaram com a escola. Era uma escola pública, arrebentaram com a escola, polícia. Então essas escolas, que eram muito sério, porque também existia um movimento estudantil secundarista muito forte.
E2 – Professora, como você lembra desse momento? Porque você acabou de dizer que de sessenta e quatro quando a ditadura foi, digamos, iniciada, a ter uma discussão sobre as práticas que antecediam tal.
R – Elas são dia primeiro de abril. (risos).
E2 - (Risos). É, paradoxalmente, o dia da mentira, mas enfim. Você falou que até sessenta e oito, apesar de estarmos em um estado ditatorial, ainda dava para
se estar fazendo ali o debate e tal. Como foi, que lembrança que você tem de quando o negócio começou a chegar perto, a prender pessoas?
R – Isso foi em sessenta e nove. Começou com o próprio Colégio de Aplicação, houve a invasão do CRUSP, aí fecharam o CRUSP. Foram todos presos. Só que
é claro, até a gente, a gente sabe dessa história, esses... Meu marido morava no CRUSP, por exemplo, quando foi, quando foi fechado, então todo mundo foi para
a cadeia, só que os líderes já não estavam mais lá. (risos). Eles pegaram só os...
E2 – A base.
R – A base. E alguns que era até reacionário, não é. Não tinha reacionário, tinha apolítico também. Tinha aqueles que: - Ah não, quero jogar futebol. Sei lá, tinha
os politênicos, quando a gente fazia bailinho lá na História, tinha mania de fazer bailinho, sexta-feira uma vez por mês eu acho, fazia bailinho. E a gente falava
assim: Não pode vir o politécnico.
E4 – (Risos).
R – Politécnico não. Porque o CRUSP era perto, então vinha a turma do CRUSP, - Não, politécnico não. A gente gostava da turma da física, de outras áreas, era
muita menina, pouco rapaz não é, na História. Então a gente falava: Não, politécnico. Só tinha homem: Não, essas porcarias a gente não quer.
E3 e E4 – (risos).
R – Então era... Então, o que eu estava falando, aí era mais, esse período, o Castelo Branco era, eu acho que o Castelo Branco, a minha visão do Castelo Branco, primeiro que mataram o Castelo Branco, porque o dia que eu visitei lá a cidade que ele morreu lá, o céu que ele morreu, lá no Ceara, eu falei: Gente, isso
aqui você vê até urubu, você acha que um avião ia bater no outro? Mataram o Castelo Branco, foi morto, foi assassinato. E ele estava lá, não é, nessa cidade,
como é que chama? Como que chama a cidade lá?
E2 – Ah, não lembro agora.
R – Bom, enfim, é... Mas aí a, até esse período é isso, tinha uma repressão, não é, a gente sabia, mas pensava-se, talvez como o Castelo Branco, que passada
essa fase, ia voltar, ia ter eleição. A gente imagina isso, que ia voltar a ter uma consti... Porque estava suspensa a Constituição. A gente imaginava que os
políticos lá por bem, mesmo os de direita lá, queriam voltar... Tirar os militares e voltar os civis de qualquer forma.
E3 – Sim.
E4 – Nunca que a gente ia imaginar o golpe de sessenta e nove. Esse golpe aqui para gente marcou toda a violência, não é. Mas nesse período a gente estudava
muito, por exemplo, eu, o que aconteceu, por exemplo, a gente tinha aula, aulas... Eu em sessenta e sete eu me formei, em sessenta e oito eu fui fazer pós
graduação. Em Teoria de História, Teoria e Metodologia de História, fui com a Emília Viotti, a Emília... Eu, eu tinha... Ela, bom, ela, naquela época eu não tinha
um padrão, um padrão europeu de pós-graduação, você não tinha que fazer crédito. Quando a gente fala crédito, eu penso: Eu estou devendo para alguém?
Crédito?
E2 e R – (Risos).
R – Quando começou aquela... Crédito?, quando eu voltei eu falei: Que história de crédito?. Porque na, na Europa até hoje não tem isso, as universidades europeias não têm, isso é coisa dos Estados Unidos. Eu falei: Mas eu não estou devendo nada para ninguém, pelo contrário. (risos). Mas aí era, então o curso que a Emília dava, nos éramos poucos, era dentro de uma temática, bom, aí é uma discussão que eu gostaria um dia de fazer bastante com os teóricos, com os cursos de Teoria de História também, a Emília falava assim, ela sempre falava para gente assim: - Olha, se algum aluno meu, orientando meu começar a falar em Teoria de História, eu rasgo. História é História, você tem que contar um fato histórico, você está pesquisando fatos históricos, é isso dai, a teoria te ajuda, ela não é o carro chefe. E ela era professora de teoria, certo? Era isso que a gente aprendia com ela. Eu sempre, é, se vocês leem a Emília, tem um livro que eu dava da pós-graduação para os meus alunos, é, eu acho que é a obra mais brilhante dela, que é Demerara, que é a revolta de escravos de Demerara, sabe? É... Tem um nome, assim, ela sempre dava, ela gostava desses nomes. Vocês conhecem essa obra da Emília?
E4 – Na minha graduação.
R – Todo mundo lê....
E4 – Li na minha graduação. Caramba. Agora fiquei lembrando.
R – Lagrimas de sangue, coroas de glória: a Revolta Demerara, de mil oitocentos e vinte e três. Esse é o, para mim, é o livro mais brilhante dela. Aí ela começa
descrever, lenham o livro, eu aconselho todo mundo que gosta de história, discutir teoria de história, ler esse livro da Emília, porque ela vai falando da revolta, é em mil novecentos e não sei quanto, ela conta um fato histórico. Os escravos se rebelam, aí eles são presos, aí tem lá o julgamento, morre um padre lá, o presbiteriano, não sei qual que é a... Um inglês, branco, que não era escravo, o pastor lá, também foi morto lá pela, foi julgado, teve o julgamento e
teve a morte dos líderes, então esse é o fato. A revolta acontece na Inglaterra, acontece em Demerara que é Guiana inglesas, a Inglaterra querendo a abolição
dos escravos e matando os escravos que se revoltaram na colônia dela, não é. E aí, e por quê? Aí ela vai, aí quando na, no encadeamento se você precisa de
algum teórico, daí ela vai usar alguns, não é... Sei lá, qual que ela vai pegando, o próprio Marx, alguns autores da new left inglesa.
E4 – Da nova esquerda, nova esquerda inglesa.
R – Enfim, ela pega vários autores e ela, e ela diz, é .... Nesse, aí, quer dizer, isso é a escrita histórica. Para explicar, por exemplo, se as mulheres participam,
como as mulheres participaram ou não da revolta de escravo, ela vai pondo tudo, todo mundo envolvido, padre, o parlamento, o que o parlamento inglês tem a ver
com isso? O que que os é, senhores de escravos tinham a ver com isso, o que que os comerciantes tinham? Enfim, tudo. Isso eu aprendi com a Emília, muito.
Qualquer fato histórico você tem que por todos os sujeitos envolvidos, isso eu aprendi. Por isso quando eu faço livro didático eu ponho o livro, o autor, o editor,
o que que o governo tem que ver, o que os professores têm que ver, todo mundo envolvido com o livro, entendeu? Se vocês pegarem a minha tese é isso, eu não
faço uma descrição teórica, mas eu estou usando Marx. Mas eu nunca falei, não está escrito isso lá no livro. Assim como a Emília, eu aprendi com a Emília a fazer
história assim. História você tem que por todos os sujeitos envolvidos, não é a luta de classe em si que mostra, quem não está, não é de nenhuma classe, também está, escravo não é classe? Ela falava – Como que eu vou estudar escravo se escravo não é classe social? Como é que eu vou usar Marx? Nós lemos muito Marx na minha época, a gente lia demais, tivemos que ler tudo, e ela chamava todo mundo para gente ler. Marxismo dos sociólogos, a gente lia muito Sartre. Lembro, Sartre foi um filosofo que estava exatamente fazendo a crítica da parte, porque você confunde o marxismo com a... o que o partido comunista fala sobre o marxismo, ele falou não, isso não é entender o marxismo. A gente tinha que ler O capital. É dificílimo, nossa, passamos acho, sei lá, três anos lendo aquilo. A gente tinha que ler esses teóricos. Você não lê, mas você a... Para escrever história, outra coisa, mas a teoria, a teoria não vai explicar, o que explica é a História, a História que está explicando, não são os teóricos que estão explicando, são os fatos históricos que estão explicando. Isso eu aprendi com a Emília, entendeu. Por isso que eu falo que as vezes eu fico olhando aqueles, tem gente que escreve, ela fala – Tem gente... ela fala - Se vocês começarem com Teoria de História, eu rasgo. Picoto.
E4 e E3 – (Risos).
R – Picoto. Aí a gente aprendeu a fazer. Eu fui fazer aquele Pátria, Civilização e Trabalho também, que é o meu primeiro mestrado. Não, porque, quando eu fiz
o mestrado, a gente já, veja, ela dava teoria da história, mas você tinha que fazer uma pesquisa histórica. O tema dela era formação da classe operaria em São
Paulo. Todos nós fazíamos isso. Por que ela tinha estudado escravidão, por que ela estudou o fim da abolição, por que ela estudou abolição? Ela falava: - Eu não
podia usar Marx, porque fala em luta de classe, escravo não é classe social, como é que eu vou?” Entendeu? Mas está dentro da luta de classe do
capitalismo a abolição. Estava em um confronto, então você tem que saber muito profundamente O capital. Aí depois que ela terminou, ela foi estudar formação
da classe operaria no Brasil, no caso em São Paulo, que ela estava preocupada com isso. E todas nós, e nós éramos cinco ou seis alunos, nós escolhemos um
período, uma coisa para estudar, era disso daí. Eu lembro que eu fui estudar a greve de dezessete, mas o movimento operário na greve de mil novecentos, o
movimento... O movimento operário dentro da greve de mil novecentos e dezessete. Quem era os operários que participaram e foram lideranças na greve
de mil novecentos e dezessete. Naquela época isso daí era considerado sociologia.
E2 – Essa pesquisa era de mestrado, não é, nesse caso?
R – Não era mestrado, ainda não tinha mestrado, era pós-graduação.
E4 – Era pós-graduação, mas o mestrado ainda...
R – Aí se fizesse bem-feito, você podia ampliar e aí já virava doutorado, não tinha mestrado, é igual a França, a França é assim. Até hoje ela é assim, ela não
tem mestrado ainda não é, o que eles chamam, que a gente traduz para mestrado não é. É esse trabalho de final de curso. E, por exemplo, a Silvia Garcê
trabalhava comigo, ela fazia sobre a legislação operaria... Um colega nosso fazia participação dos operários na revolução de vinte e quatro, de mil novecentos e
vinte e quatro e da revolução de mil novecentos e trinta. Era assim, cada um pegava um aspecto do operariado paulista e... E analisava e a gente tinha então
toda semana alguns autores que nós tínhamos que ler, e ela chamava, principalmente... Chamava um, o próprio Fernando, Fernando de Azevedo,
Fernando.
E3 – Novais?
R – Não. Fernando Novais não, esse que foi presidente da República.
E3 – ...Henrique Cardoso.
R – Chamava, que não era nem muito marxista, ele ficava fazendo muita critica ao Marx, mas não importa, quer dizer, alguém que trabalhava a questão da
industrialização, alguns geógrafos, a gente... Ela chamava para um seminário quando a gente tinha alguma dúvida maior, e a gente coletava, naquela época
não tinha nada quase disso daí, você não tinha uma extensa bibliografia para percorrer, a gente ia muito para os arquivos para procurar documentação, e a
gente trocava onde achava um com outro, Era legal por causa disso, usava tudo da mesma temática, então um achava documento: - Olha, achei isso, não sei o
que lá. Eu fui lá na federação da indústria de São Paulo, achei isso, não sei o que lá. Eu ia lá para o jornal do estado de São Paulo, lá para trabalhar com a
imprensa operaria, essas coisas todas, até achar os jornais anarquistas e tal. Era difícil a documentação, estava muito espalhada. Mas enfim, esse era um curso
de pós-graduação, a gente, e aí, bom, a gente precisa explicar isso, então vamos ler o Dezoito Brumário para ver se ajuda, negócio de revolução, não é, como que
se trabalha com a questão da revolução dentro de um sistema... constitucional, republicano etc. O que é um desvio, não é? Ela chamava também pessoal de
direito, para gente entender mais de legislação, de um seminário, era livre, você não tinha crédito, a gente reunia uma vez por semana com ela, contava o que
que a gente tinha feito e tinha esses seminários, mas é, também já tinha sido professora de Teoria da História antes, no curso normal, na graduação. Na
graduação me lembro que nós tivemos que ler, assim a gente, eu lembro que o, uma das bases foi o Ideologia Alemã. Era uma das bases que a gente tinha que
ler isso, mas no curso de graduação.
E4 – Então vocês tinham uma base bastante de teoria marxista...
R – Marx e dos que combatiam Marx.
E4 – Ah, então vocês tinham a crítica?
R – É, eu por exemplo, a gente estudava muito Sartre.
E4 – Sartre. Mas aí era estruturalismo, né, então pegava...
R – O Sartre que está combatendo o Marx, mas no existencialismo, ele era ainda marxista, ele era contra o Marx lido por Lenin, e por... pelo Partido Comunista.
E4 – Ele era antibolchevista.
R – É... então, que já entra com conceito de cultura.
E4 – Isso. Gramsci vocês liam em algum momento?
R – Gramsci, Gramsci a gente lia bastante. A gente lia todos os marxistas, e eu me apaixonei pelos... Eu gostava muito. Acho engraçado porque eu li lá os
anarquistas, eu gostava dos anarquistas, eu li desde o Tolstói, eu lia Tolstói como historiador, peguei muito, eu me apaixonei pelos anarquistas, eu gostava muito
dos anarquistas. (risos). Me lembro tudo o que tinha. Bakunin, lia tudo, essas coisas todas a gente lia. Esses socialistas, não era só os marxistas, mas os
socialistas também.
E4 – Mas isso era uma bibliografia comum no curso, ou era específico a Emília que trabalhava isso?
R – Não, dentro do departamento, isso que eu falo, que a riqueza do departamento de História, por que assim, a gente tinha de direita, a esquerda, você tinha de tudo. A gente tinha aula com o Fernando... o Fernando era marxista também, que vai falar sobre a história da colonização sobre o ponto de vista marxista. Bom, no curso do Sérgio, que era interessante o Sérgio, que era assim você tinha, naquela época minha, você tinha duas horas de aula com o catedrático, com um professor catedrático, e depois você tinha os seminários com o assistente. Então de História do Brasil, por exemplo, eu tinha Sérgio Buarque e a... Meu Deus, como que é, eu adoro ela, minha cabeça está ruim viu? Esse que é o problema. Lembro da cara dela, a que fala sobre história da mulher. Ela é super legal.
E4 – Não lembro.
R – Maria Odila.
E4 – Ah. Maria Odila.
R – Maria Odila, Maria Odila é assistente dele. E ela na ocasião era casada com o Caio Prado. E o Caio Prado marxista, ortodoxo, não é? E ele assistia os seminários então com a gente também. E o Sérgio Buarque não é marxista, está certo, ele já vem com uma história sociocultural. E estava tudo lá, entendeu, a
gente discutia tudo. Era muito interessante. E a gente tinha uma aula também da História da América com um cara super reacionário que a gente queria matar
ele. (risos). Em pedacinhos, o cara era horrível. A gente fazia greve, ele ia lá e marcava prova, a gente não ia, ele dava zero. E o curso era anual, você
reprovasse, tinha que repetir o ano inteiro. (risos). Uma vez, como a metade, nós não éramos muito, como eu falei, éramos dezoito, dezenove, mas tinha lá umas
três ou quatro pentelhinhas que assistiam, eram anti movimento, aquelas coisas que têm sempre. E elas iam na aula, não é. Então ele dava aula para elas.
Marcava prova, elas iam lá e faziam a prova e aí ele reprovou o resto. Eu lembro que tinha tantos reprovados, chegamos lá na sala dele e falamos assim: Oh
professor, é o seguinte, o senhor sabe que a aula é o ano inteiro, você vai aguentar a gente mais um ano? (risos) Presta atenção, porque esse ano vai ter
mais greve ainda. (risos). Não era melhor o senhor dar uma outra prova para gente aí e deixar a gente...
E2, E4 e R – (Risos).
R – Dá menos trabalho para o senhor, o senhor não acha?. (Risos). Então a gente fazia...
E2 – Deu certo a estratégia?
E3 – Professora?
R – Sim, Giselle?
E3 – Professora, então há um mosaico, não é, dos professores que... Oi?
R – Isso era muito rico, a gente tinha aula, bons professores, de direita. Uma história tradicional, digamos. Esse professor, que eu esqueci o nome dele, era
de História Ibérica, História da América. Era catedrático de História da América, então a gente tinha História da América Colonial com um professor reacionário,
entendeu? Mas ele era bom, como reacionário. (risos). Não era um cara que não sabia História, ele dava lá O Porto Livre de Havana, nós tínhamos que estudar o
ano inteiro O Porto Livre de Havana, entendeu? A gente sabia até a profundidade lá do cais do porto.
E4 – (Risos).
R – Sabe aqueles detalhes, aquela história positivista lá, que ficava ah pá pá pá, porque o porto, porque os navios, eram quarenta navios, sessenta navios, quarenta toneladas, era assim, entendeu. Chegavam, exportavam tanto, importava tanto, essa história a gente também aprendeu. Eram bons professores
dentro da linha deles, e acho que isto era bom porque a gente aprendia a respeitar, por exemplo, eu aprendi com esses professores que você tinha que
saber muitos fatos históricos, entendeu. Você tem que saber, é obrigação da gente saber os fatos históricos. Eu aprendi com eles isso. Porque tem gente que
não sabe o fato histórico, você só sabe interpretar, você não sabe qual é o fato exatamente, mas você sabe interpretá-lo, tem um modelo de interpretação, que
não é aterrado, não é? Eu acho que de teoria nós fomos muito bem... Nós fomos muito bem... Nessa linha por exemplo, Sérgio Buarque nessa linha cultural,
sociocultural muito forte dele. Que também, vocês podem ver, ele nunca descreveu teoria, uma obra do Sérgio com teoria?
E4 – É, não.
E3 – Em meio a essa diversidade e...
R – Inclusive ele morou na Alemanha, ele conhece, ele viu o nazismo nascer, ele é um cara assim, que lia alemão, falava alemão, lia, ele, ele traduziu um
pedaço para gente de um texto de A ideologia alemã, porque ele discordava do que foi traduzido, ele falou – Não, é assim. Por exemplo, eu me lembro de... O
Sérgio era assim, uma figura assim... Que uma vez ele trouxe, ele tinha ido para o Estados Unidos, e trouxe, e aí ele chegava na aula que ele não sabia do que
ele ia dar aula, do ponto de vista pedagógico ele era uma negação. Aí ele trouxe, toda, recolheu um monte de piadas do Washington, todas as piadas que falavam
do Washington lá, nos Estados Unidos. Aí ele trouxe, deu para gente lá, aí por que que ele estava dando isso? Para gente entender que o humor também é
fonte histórica importante. Como é que você faz uma crítica a uma fonte histórica, entendeu, de humor. Naquela época não tinha ainda.
E4 – Ele estava além do tempo dele, pensando.
R – É, ele, é uma História Cultural.
E4 – É. É isso mesmo.
R – Então eu sempre, eu acho que a gente foi contemplado com esses, com essas pessoas.
E4 – Em sessenta e nove eu acho que essa questão foi rompida um pouco, um pouco não, bastante.
R – É, bastante. A Emília foi embora, ela era muito forte a Emília, porque ela dava Introdução aos Estudos Históricos. A gente tinha aula de introdução onde?
A gente ia para o arquivo. As aulas eram no arquivo com ela. A gente tinha que saber o que é fonte histórica e como é que se organiza, como que se... E ela
dava no primeiro ano Metodologia de História e no quarto ano ela dava Teoria no curso de graduação, depois na pós-graduação aí já era pesquisa. Nós éramos
poucos, era apenas seis, sete alunos, nós éramos mais ou menos isso, era pouquinha gente. E aí claro, aliás quando ela, em sessenta e nove quando ela
foi caçada, o que que aconteceu com a gente, não é. Eu recebi o título, eu acabei o trabalho que eu tinha que fazer mais ou menos, aí o França, Eduardo Oliveira
França assinou, ficou com pena da gente e recolheu a gente, para gente não perder o curso. Ele falou – Ah, isso aqui para mim não é História, isso aqui é
Sociologia, mas, eles fizeram. Ele era professor de História Contemporânea, três ou quatro gerações para você começar a poder escrever, então, tinha muita
gente viva ainda.
E3 – Professora...
R – Então é a concepção dele.
E3 – Quais foram as principais atividades, ações, que a senhora desenvolveu no início da sua trajetória como docente?
R – Eu fui professora, eu fui ser professora, bom, aí quando a Emília foi embora...
E3 – Logo em sessenta e nove.
R – Expulsa, não é. Aí eu saí da faculdade, aí em setenta e um, a gente, eu tive uns problemas lá meio políticos, eu sumi um pouquinho. Mas a...
E4 – Você já estava casada?
R – Não, ainda não. Aí depois... Aí eu resolvi dar aula na escola, mas eu já estava dando aula, eu sempre gostei de dar aula, eu queria ser professora, quando eu
me formei eu fui dar aula, fui dar aula em uma escola de judeus, chama, chama, existe ainda, mas completamente diferente, e I.L. Peretz.
E3 – Logo em sessenta e sete?
R – Em sessenta e sete, fui dar aula. Eu queria ser professora, sempre quis ser professora, eu gostava de ser professora, eu gosto de ser professora até hoje.
Aí no I.L. Peretz eu, era uma escola da esquerda judaica, era uma escola da Gita Guinsburg, ela era, era, era uma associação israelita, e Israel ainda também não
estava com a direita lá no poder do Israel, tinha lá os Kibutz, que é aqueles, aquela organização que todos os meus alunos iam. É... Até, sabe que outro dia,
outro dia, faz um ano, eu recebi um telefonema de um senhor – Ah, aqui é o Rubens Volich, eu fui o teu aluno no Peretz. E eu era a única professora, a escola
era pequeninha, então eu dava aula na, só que aquela época foi antes da reforma de setenta e um, então eu dava aula na quinta, na primeira série, segunda série, terceira série, quarta série, era eu a professora. Não tinha escapatória, só tinha eu, todos os anos era comigo. Aí eu, depois da reforma também, eu lembro quem foi dar aula lá quando eu tive filho, até foi meu substituto, foi o Nicolau Sevcenko. No Peretz, não é, eu estava de licença, aí o Nicolau foi dar aula lá, mas depois ele até continuou dando uns anos aula lá. Era uma escola muito legal, a gente fazia estudo do meio, era uma escola... Uma escola experimental, judaica. E os alunos iam todas as férias para os Kibutz, eles experimentavam aquele projeto socialista rural lá de Israel, depois aí, pronto. Aí quando deu também um treco lá também eu fui embora, mas eu dei muitos anos aula lá, dei de sessenta e sete até... acho que setenta e seis, até quando foi o... por aí, eu dei aula lá. E... Mas enfim, era um... É... Eu recebi exatamente, deixa eu ver, ah eu não vou achar, eu estou com um monte de livro aqui, mas está uma bagunça os meus livros. Mas esse, esse rapaz, essa pessoa que me ligou falou – Ah, eu fui o teu aluno, eu sou o Rubens Volich, ele é psicanalista, e ele escreve e ele lembra, e ele fala assim, eu começo o livro me dedicando a você, porque eu lembro da professora que tinha nome de feiticeira, me levou para outros mundos.
E4 – Ah, que bonito.
R – É assim, era uma escola muito interessante, a gente tinha, eu era, eu era a única Goi, poucos, tinham poucos Goi lá na escola, mas eu entrei nesse mundo judaico, eu não conhecia, não é. E eu lembro que uma vez eu, eles perguntaram para mim - Você é católica? E aí eu falei: Olha, eu fui criada na religião católica,
frequentei colégio de freira tudo, mas atualmente eu não sou mais. Bom, acabou a aula, passado um tempo, um dia, o diretor me chama, o diretor não era.. o
diretor da associação, o diretorzão, me chama me fala assim - Olha, professora, você pode falar tudo o que você quiser, eu sei que você dá aula... Eu usava
aquele livro, um livro básico meu, eu sempre tive dificuldade com livro didático, mas eu nunca consegui trabalhar com livro didático, eu... Eu falava assim: Olha,
é o seguinte... eu dava o livro para eles, que é o, não sei se vocês conhecem, do Leo Huberman, História da riqueza...
E4 – História da riqueza do homem.
R – Era o único que eu adotava, na escola assim, adotava. Então o... ele fala assim – Você pode dar aula Huberman, pode dar o que você quisesse, revolução
cubana, mas você não pode falar o que você acabou de falar, que você largou a tua religião. (risos). Entendeu? Esse foi o perigo.
E4 – Olha, olha como a religião...
R – Que que foi de horrorosa que eu falei na escola? Não foi da... eu lembro que uma vez eles estavam fazendo, eles tinham História Judaica, não é, o professor
estava doente, pediram para eu dar aula no lugar dele, aí eu falei: Não, eu não sei o que dar, não entendo nada de história judaica, não sei o que, o que que eu
vou falar. Aí: – Não, eles estão fazendo um trabalho, você só fica lá com eles. Aí eles estavam fazendo um trabalho dos grandes personagens judaicos da
História, aí eu fiquei olhando lá, estava o Einstein, eu falei: Mas vocês não puseram os mais importantes mesmo, vocês não puseram Karl Marx, não puseram Jesus Cristo, não puseram o... (Risos) vocês não puseram o Trótski, (risos), nossa eu quase que eu apanhei no dia seguinte. Pode parar, não precisa dar aula.
E2, E3, E4 e R – (Risos).
R – Eu falei – Olha, nem estava dando aula, só estava dando sugestão da história. Judeu famoso, vamos por os judeus famosos todos...
E4 – (Risos). Seletivo.
R – Bom, mas enfim. Aí essa experiencia no Peretz foi muito interessante sempre, porque o colégio era novinho, eu peguei a primeira turma, não é, fui pegando primeiro e quinta série, sexta série, que era ainda primeira série, segunda série, e fui montando com eles, depois fui seguindo até o colegial, então eu montei, aprendi a montar currículo, e eu era uma das poucas Goi que tinha lá, e.... e eu lembro de uma reunião lá do Peretz, dos pais, em que uma mãe lá levantou e falou assim – Ah, essa professora de História aí é comunista, ela fica dando só revolução, Revolução Cubana, Revolução Russa, revolução o que, Revolução Chinesa, uma vez meu filho estava lá estudando revolução chinesa. Aí a... o diretor era de direita, o diretorzão, não a Gita, a Gita era diretora pedagógica, o diretor falou assim - A Revolução Russa aconteceu? A Revolução Cubana, aconteceu? A revolução da, aconteceu? Então a professora tem que dar, ou a senhora pôs o seu filho aqui para ele ser tão ignorante quanto a senhora?
E2, E4 e R – (Risos).
E4 – Quem dera se a nossa direita hoje pensasse como esse cara de direita.
R – Essa história que a gente tinha, mas enfim. Me dei bem lá, gostei muito, tenho sempre grande, Gilberto Dimenstein foi meu aluno, tinha uma série de, alguns viraram personagens aí. Mas a... Foi uma, mas paralelamente, aí, mas eu não, era muito difícil entrar em escola pública, você tinha que prestar concurso, você não conseguia. Aí em setenta eu prestei concurso para escola pública. Depois o estado de São Paulo demorou para ter outro concurso, setenta eu acho que foi um dos últimos, aí então em setenta e um eu comecei a dar aula na escola pública. Aí eu fui aquele negócio, eu falava assim, eu de manhã ia lá para o Peretz, aula para alta burguesia paulistana, filho do Tetman, Tabacow eles eram ricos, eram alunos ricos... À noite eu ia lá para a periferia, eu falava: Gente, eu não conseguia dar aula, como é que eu faço? Uma vez eu fiz um esforço enorme para passar filme, a gente tinha que levar a máquina, sabe com aqueles negócios, aqueles rolos, alugava, passei, minha filha, dormiu metade da classe.
E3 – Nossa.
R – Exaustos, entendeu? Eles tinham, entrava, acordavam cinco horas da manhã, sabe assim? Do que que adianta eu saber, eu sei como é que se passa filme, como é que se analisa com aluno, tudo. Dava tudo certinho no Peretz chegava lá na periferia e não funcionava. Aí foi muito duro, a gente sofria muito. Foi muito sofrimento dar aula e a gente lá com esses alunos que a gente, sabe? Era... Você não tinha livro. Eles não tinham livro. Você tinha tudo que fazer no mimeógrafo, passar um por um, entendeu. As únicas coisas que eles liam eram o que a gente mandava eles ler, não tinha, é foi aquela explosão sem nenhuma infraestrutura.
E3 – Uma grande discrepância, não é. E isso ajudou a senhora de uma certa forma a pensar a educação básica, em que medida essas duas realidades, ao atravessarem na sua trajetória enquanto professora de história enquanto individuo a pensar a educação básica? A relação com a educação básica.
R – Então, aí foi ótimo, eu falava assim: Veja, eu fui bem formada, em um ponto de vista intelectual, com bons professores de História, sei História, sei fazer
pesquisa em História, sei tralalá, mas não sei dar aula para o noturno. Dava aula no Peretz tudo bem, maravilha, entendeu, fazia estudo do meio, viajava para cá,
para acolá, fizemos viagem para Bahia, para isso, para aquilo... E eu não sabia dar aula para o curso noturno, nem eu nem meus colegas, ninguém sabia. Nós
tínhamos a maior boa vontade, nós não éramos pessoas que estávamos achando, não é, essa escola púbica criada a partir de mil novecentos e setenta
é uma escola pública que foi jogada, sem nenhuma condição, para dizer que era democrática. Ela não era absolutamente democrática.
E4- É a confusão entre massificação e democratização.
R – É. E aí, e a gente ficava desesperado, tinha aqueles professores que reprovavam, a gente falava: Meu Deus do céu, o que que a gente está fazendo na escola? Esse foi meu grande desafio, aí por sorte, teve uma época, a gente também foi, foi, foi assim melhorando, eu me removi depois que eu tive meus filhos, mas eu me removi para morar perto da cidade universitária.
E4 – A senhora teve quantos filhos Circe, desculpa....
R – Dois.
E4 - ... Abrir os parênteses agora que me abriu a curiosidade...
R – Dois.
E4 - Você casou nessa loucura aí de ser professora, não é, e aí teve...
R – Um menino, a menina e o meu menino.
E2 – A senhora pode repetir o nome professora, que não, as falas ficaram...
R – Maíra.
E2 – Maíra.
R – É, eu queria ter três filhos. Meu sonho. Era ter um com o nome de índio, outro com nome africano, outro com nome português. Então eu tinha escolhido os nomes, eu ia ter três filhos, mas aí não deu, um monte de confusão... de saúde, bom, enfim. Mil problemas familiares... e aí a, eu só tive a Maira, que nasceu primeiro, depois veio o Diogo, nome português, Diogo. Eu lembro que eu fui por o nome de Diogo no meu filho e a minha vó estava viva, a minha vó, a
mãe da minha mãe, não é. Ela falou: - Diogo? Não, tem o Dioguinho, Dioguinho foi um bandido. Na região, lá de Franca, de... Porque a gente só entendo dos
bandidos lá, mais cangaço, aquelas coisas, teve muito bandido também, mas outros tipos de bandido. Esse Dioguinho, ele tinha um colar que ele andava, isso
a minha vó contava, que ele era dessa área de cafeicultores, aí ele matava os pequenos proprietários para os caras terem fazendas, ampliar as terras. E ele
quando matava ele punha, cortava orelha e fez um colar de orelhas assim, esse era o Dioguinho, a santa pessoa chamada de Dioguinho. Tem até o filme que
eles fizeram, era uma região ali perto de Ribeirão Preto, perto de Franca ali. Segundo a minha vó, o pai dela, por isso que eu tenho terra, ele era um grande
latifundiário lá na região, o meu bisavô, ele contratava o Dioguinho, ela conheceu o Dioguinho, e ela tinha horror, um horror. E eu fui por o nome de Diogo, falei:
Não vó, mas vai ser um santo Diogo, ele vai ser um santo. (risos).
E3 – (Risos).
R – Vai ser um peste, não é. E realmente, o meu filho é um santo. Mas a... Enfim, aí a... por que que eu estava contando essa história? Fui ter filho, aí fui morar
mais perto da cidade universitária, para gente ficar mais... O meu marido me ajudar, que a vida difícil de São Paulo sem, sem... Para criar filho, não é. Vocês
me dão só um minutinho de licença, posso?
E4 – Claro, claro.
R – Tem a moça que está aqui, eu preciso me despedir, um momentinho.
E2 – Claro, claro.
E4 – Aí meu Deus. Eu me emociono gente. (risos).
E1 – Eu acho que também está chegando a hora da professora, não é gente?
E2 – Eu acho que a gente pode marcar com ela um segundo momento que ela nem começou a falar da, não, eu conheço um pouco, como eu falei no começo,
eu já fiz uma entrevista um pouco parecida com essa, e aí tem uma história muito interessante que é como o ensino vai surgir, a possibilidade, isso é muito legal
ela narrar, a possibilidade de pesquisar o ensino, ter o ensino como um tema de pesquisa, e foi um universo de questões de relações que tem, nossa, ela, ela,
que é muito rica essa parte, e eu acho que interessa muito ao projeto.
E4 – E engraçado como a gente, como essa história individual a gente revê os nossos estudos sobre a nossa sociedade, não é gente? Caramba, é fantástico.
Professora Circe se retira por alguns momentos. Corte no vídeo.
E4 – Professora Circe, a gente estava aqui discutindo, que a senhora também deve estar cansada, a gente queria, se a senhora estiver se sentindo cansada,
fazer uma pergunta que fechasse essa primeira parte, que eu estava dizendo, caramba, através das narrativas da Circe a gente foi vendo vários momentos da
história da nossa sociedade que a gente estudou e identifica personagens, é muito legal fazer isso, é muito legal, muito bom.
E2 – E aí professora, a gente marcaria um segundo momento, um segundo tempo, digamos assim, da entrevista, para inclusive falar um pouco das
relações...
R – Eu não falei nada de pesquisa de ensino de História, não é? (Risos).
E2 – Isso! Não! Mas...
E4 – Vai chegar no Ensino de História. Porque essa parte é fantástica, é maravilhosa.
E2 – E é uma coisa que o grupo, muito bem pensou, assim, que é... É ouvir e aprender também um pouco das experiencias pessoais, porque muitas vezes
quando se fala no campo os intelectuais só conhecemos, quase sempre, as pesquisas acadêmicas que se transformam em publicações etc. e tal. Quase
sempre a gente não conhece tantas vivências, por isso a riqueza dessas experiencias, desses relatos, desses trajetos construídos. Já estamos com duas
horas e vinte minutos de conversa, e a gente nem percebe que passa, então.
R – Ah é, nossa são quatro e dez, é a moça tinha que ir, a moça tinha que ir embora.
E4 – É, por isso mesmo a gente queria assim, que a senhora voltasse, retornasse, a gente estava falando dos seus filhos, mas que pudesse discutir um pouco, para fechar essa parte mais da Circe pessoa. (risos). Se é que a gente pode dividir a Circe pessoa da Circe profissional, do campo do ensino de História, essa... O encontro com o seu marido, você, você tinha dito para gente que não foi, vocês conheciam da época de estudante, mas depois é que começaram a namorar, então como é que foi... E como é que se relacionou a Circe profissional, de professora e tudo, com a Circe esposa e mãe, um pouquinho para fechar essa parte.
R – Então, como eu falei, essa, esse, eu acho que essa experiencia, a universitária que eu tive, desse período, além de você traçar uma história política, ela também traça uma história cultural muito forte, você começa a ter grandes afinidades no campo cultural. Hm... Eu, hm... na minha trajetória assim, eu
comecei ainda estudante, eu namorava um cara que não tinha nada a ver com universidade, italiano.
E1 – Tem que dizer o nome dos amores.
E1, E2, E3 e E4 – (risos).
R – Namorei muitos anos, namorei uns cinco ou seis, mas aí eu tinha que casar e ir embora para a Itália. Aí eu fui...
E1 – Então, você lembra o nome dele professora?
R – Não, não. Aí eu tinha que morar em Roma, aí eu fui conhecer a mãe. E aí eu ia virar dona de casa. Eu tinha que....
E2 – Que coisa boa que você não aceitou, Circe.
E1, E3, E4 – (Risos).
E2 – É verdade, que bom para gente que ela não aceitou.
R – Assim, é... então, é bonita, Roma eu falo, é uma cidade maravilhosa para gente visitar, para viver, não dá. E além do mais eu tinha que fazer pasta, a
mama ficava me ensinando a fazer macarrão, eu falei – Me desculpe, eu não vou casar para ficar morando em Roma fazendo pasta chuta, desculpe muito.
(risos). Questo no! Então desisti desse casamento. E aí, mas a... em São, depois, quer dizer... aí nós, esse grupo estudantil que a gente tinha da universidade,
muitos foram presos, alguns colegas nossos foram mortos, então... a gente é, a gente ficava muito unido, a gente se reunia constantemente, e a gente tinha
umas manias de fazer reunião, que eu acho que vinha desse hábito estudantil nosso, a gente sempre se reunia, a gente lia algum texto, a gente discutia alguma
obra, sabe? A gente fazia umas reuniões de sexta-feira a noite, bebendo vinho, tomando cerveja, mas discutindo, a gente tinha esses hábitos. E era gente assim,
da Física, da Matemática, da História, da Geografia, com quem nós tínhamos as nossas amizades que perseveraram depois que o pessoal da FAU... e a gente
acampava, nós ficamos com mania de acampar, a gente saia pelas praias de São Paulo, o litoral de São Paulo e acampava, saí sexta-feira a noite, todo mundo
trabalhava, etc., saia sexta-feira a noite voltava domingo a noite, então a gente fazia alguns, e a era, a gente tinha mania de estudar, a gente pegava um livro -
Ah vamos discutir tal autor. Eles estavam, uma turma maior era da física, eles queriam história da ciência, mas eles não tinham o know how histórico, então
eles pediam muito que eu participasse porque eu tinha o know how estratégico histórico para situar aquele, aquela discussão. E aí nesses grupos, o Gilmar
também estava, meu marido, aí a gente acabou casando. Eu tinha separado do italiano, na época eu namorava meio a distância, que o italiano ficava lá na Itália,
então assim, acabamos casando e pronto. E aí... estamos casados até hoje. A... então é isso, não. E aí tivemos esses dois filhos, agora tanto do lado da minha
família, como eu falei, a minha mãe morreu muito cedo aí meu pai ficou muito doente, eu tive que cuidar do meu pai. Aí o meu pai melhorou o pai dele piorou.
O pai dele ficou doente. Aí sabe, nós fomos assim, aquelas histórias de família, e... Então é isso. Mas essa... Ir morar em São Paulo não é fácil, não é, vocês
sabem, São Paulo é uma cidade difícil não é. E não é a gente, a gente mora em pedaços de São Paulo não é, então a vida é cara, aí a gente comprou casa, tem
que trabalhar, ganhar dinheiro para pagar a prestação da casa, as coisas que a gente tem que fazer da vida, não é. O Gilmar era, ele é físico, e aí ele fez o
mestrado, fez... e ele assim, nisso daí vai ser importante eu contar, porque são da pesquisa de ensino, em mil novecentos e setenta... Foi em setenta, setenta e
um, um professor, porque tinha toda uma discussão, aí eu acompanhei bastante alguma discussão da Física, da Física Nuclear, da questão de energia, eu
acompanho bem isso daí por conta dos físicos, não é. Um professor, aquele grande debate que eu sempre aprecio muito, o Schenberg que é acabar com
energia, não vamos ter energia nuclear no Brasil. E lá na Física, eles estavam insistindo, os militares, que tinha que ter dentro do projeto da ditadura militar, era
energia nuclear, tanto que eles começaram Angra dos Reis. E aí você tem um debate enorme, não é. O Schenberg ele consegue brecar, ele consegue, porque
ele era um físico famoso, ele era o único físico, ele viveu mais tempo na cadeia aqui no Brasil, ele era do partido comunista, ele vivia preso, antes de mais nada,
eles prendiam o Schenberg. Impressionante como eles prenderam o Schenberg. O Schenberg coitado, estava lá estudando debate lá para participar de uma
conferência na Bélgica, de repente iam lá na casa dela e prendiam ele porque ele era do partido comunista e lá ia ele peso. Ele foi deputado, não é, pelo Partido
Comunista em quarenta e seis.
E3 – Então teve o mandato cassado, não é, quarenta e seis.
R – Não, quarenta e sete, não é, que ele foi, só ficou quarenta e seis.
E3 – Quarenta e seis com o Dutra eles começam a política de cassação de mandatos.
R – Aí ele foi, mas ele toda hora ele era preso, qualquer discussão do partido comunista lá ia o Mario Schenberg preso. Ele estava dando aula na Física, foi
preso, entendeu? Era assim. Bom, mas o Schenberg, é... E ele então outros professores, orientandos dele, da Física foram também para essa discussão da
energia nuclear na época dos militares, mas aí, eles voltavam, inclusive iam para Alemanhã, não é, Ernesto Hamburger, era um desses, foi aluno do Schenberg,
foi para Alemanha, voltou falou – Não, a Alemanha já, a Alemanha está dizendo que não dá, porque você tem um lixo atômico, não dá, energia nuclear não da,
não da, fecha a, não faz Angra dos Reis. Foi uma briga feia dos físicos. E o Ernesto voltou, ele falou – Olha, sabe o que a gente precisa fazer? A gente precisa ensinar Física para as escolas públicas do Brasil. É isso que a gente precisa, entender o que é Física, o povo tem que saber o que que é Física. E aí ele começa um projeto de pós-graduação em física de ensino de Física, mil novecentos e setenta, setenta e um. E eu me empolguei, nessa época eu já, nessas alturas eu andava com os físicos. Aí a, essa minha grande amiga, a Yasuko, falou – Eu vou fazer pós-graduação em Ensino de Física, eu vou largar Física Teórica e vou para ensino de física. E começou a formar um grupo de ensino de Física, o Gilmar também fazia parte, o meu marido também. E eles criaram um projeto chamado PEF lá, um projeto de ensino de física no Brasil, e começaram a aplicar nas escolas públicas, da Bahia, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, foram para tudo quanto é lado aí com esse projeto. Financiado, eles conseguiram um financiamento. E aí, foi nessa época já eu estava na escola, eu falava assim: Mas por que que não tem pesquisa de ensino de História. Entendeu? Tem de ensino de Física, não tem de ensino, eu já estava com aquilo na cabeça, eu falei eu não quero mais, se eu voltar para universidade eu não vou voltar para fazer pesquisa em teoria de História ou Historiografia, ou seja lá, História do Brasil, História da América, eu não quero, eu quero de ensino de História. Comecei lá pelos setenta e dois, setenta e três, eu comecei com essas, essas ideias. Mas eu estava dando aula na escola pública, aí eu saí do Peretz, escola dos judeus, e fui dar, fiquei só na escola pública para curso noturno ainda, gostava de dar aula para os alunos trabalhadores e... Bom, mas
aí depois eu conto, isso aí é muito longo a história, mas essa trajetória aí do ensino também começou também ensino de Ciências. De um modo geral, ensino
de Ciências.
E4 – Engraçado isso, não é? Como foi, eu também já tive outras pessoas colocando como foram o ensino de Física, Matemática, que acabou influenciando historiadores, professores de história a pensar no ensino de História. Pessoal da área de exatas e a discussão que eles achavam necessários sobre o ensino das suas disciplinas.
R – É, como, é, eu acho que isso aí foi bem importante. Eu acho que aconteceu também bastante com o mundo do Rio de Janeiro.
E4 – Sim, sim, ensino de Matemática...
R – Eu tenho, eu tenho essas informações por conta do orientador do Dilmar, e também História da ciência. A História da ciência também começa a entrar e...
eu acho que nesse, e foi nesse momento aí, dessas, dessa escola a pública que entrou em decadência, não é. E a escola particular a gente sabia que começou
a preparar os alunos para o vestibular, só. A gente tinha consciência que estava tendo uma crise já da educação nos anos setenta, muito forte. A gente tinha isso
muito claro. Mas isso daí é, e... Depois eu tive uma rica experiência na escola pública, entre mil novecentos e setenta e seis, quantos anos, é... Até quando eu
entrei na USP, para dar aula de Prática de Ensino, com a Elza, eu acho que foram uns oito, nove anos que nós ficamos fazendo, nós tivemos sorte de
encontrar vários professores dando aula na mesma escola, porque não tinha concurso, então os que tinham sido concursados a gente escolhia a escola que
a gente queria, porque não tinha... As escolas estavam, a disposição quase que da gente. Coincidiu, tanto que eu dei aula muito de História, junto com um
professor de Química, somos amigos até hoje. Junto com a professora de geografia Nídia Pontos, uma grande amiga minha que faleceu, estou escrevendo
agora sobre uma carta, nós estamos fazendo uma memória dela, da Nídia. E aí foi assim, foi, e aí nós, aí também já começa, ouve... A questão do arrocho
salarial estava enorme, isso também é a crise, a gente tinha que trabalhar muito. professor da rede aí começou a não ganhar nada. Quando eu entrei na rede
pública em mil novecentos e setenta, o salário de professor era alto, público, da escola pública. Eu ganhava mais na escola pública do que no Peretz, que era
uma escola particular de gente rica. A hora aula era muito maior, entendeu. Dar aula na escola pública era muito, era assim, era um bom salário.
E4 – Eu lembro da música popular que dizia que o salário da professora era igual a do coronel. (Risos).
R – Não, era assim, mais ou menos, não, não chegava de juiz, não é, mas era assim do setor jurídico, era bem próximo do setor jurídico.
E3 – Nossa.
R – Então, era outra... E aí os professores, mesmo reacionário, entendeu, também começaram a entrar no movimento, não é, porque aí tinha que aumentar
o salário. E nós ficamos com o Maluf, em São Paulo, governador Maluf.
E2 – (risos).
R – Foi bom para acender a... (risos) acender as ideias políticas.
E3 – Esses mais novinhos aí só lembram do Maluf personagem, a gente lembra do Maluf... (risos).
R - Maluf vivo, enchendo a gente com arrocho salarial e... E a inflação, não é, que começa a ser galopante, foi um momento drástico. Da economia, um milagre
que a gente nunca viu, a gente estava esperando. Você conhece o milagre, não eu não. Bem...
E3 – Só de ouvir falar.
R – Não tem milagre nenhum. Estava todo mundo mal de vida e enfim. Mas aí essa história da vida mais, é, eu posso depois falar dessa experiência, foi muito
rica na escola pública que eu tive.
E3 – Isso.
E2 – A gente agenda professora.
E3 – Esse elemento em comum para começar o nosso próximo encontro.
E2 – Sim, sim. Aí a gente, depois você pode nos enviar a sua agenda, a sua disponibilidade, a gente pensa um segundo momento, a equipe aqui. E a gente
faz um segundo tempo, não é.
E1 – Se ela quiser agendar agora, já deixa. Já tem aqui já.
R – É rápido, uma hora?
E3 – É a sua disponibilidade Circe, fique à vontade.
E1 – E ela não disse o nome do Marido completo. Esse povo pergunta muito, não é professora?
R – Diomar da Rocha Bittencourt.
E3 – É Dilmar da Rocha...
R – Diomar, com D.
E3 – Ah, Diomar.
R – Diomar da Rocha Santos Bittencourt. Professor aposentado da Física da USP.
E1 – É Diomar é?
R – D, Di.
E2 – D de dado, Diomar.
E1 – Diomar. Porque quando vai transcrever os nomes são sempre...
E2 – Um dos desafios são os nomes.
E1 – É Diomar, Diomar. Okay.
R – Diomar da Rocha Santos Bittencourt, ele tem um nome enorme.
E3 – Porque essa, essa parte que falta, começando aí de repente pela sua experiência, é um desenvolvimento na...
E1 – Mais curto, não é?
E3 – É, exatamente, no campo mesmo do ensino de História.
E2 – Não sei se é mais curto. Porque tem muitas Histórias.
E3 – É a última parte que é “o” desenvolvimento do campo do ensino de História, tenho certeza que...
E2 – E por aquela, e por aquela parte digamos assim que a professora narrou daquele outro momento tem muita história, e olha que, não é, todo um, vamos
deixar que a professora narre, não é, e que as suas lembranças se...
E1 – Talvez, é, eu não sei se ela quer que mande para ela o roteiro, quem sabe mandar para ela o roteiro antes, o que vocês acham?
Discussões sobre questões epistemológicas. 2:41:39
R – É falar desse momento, que eu tive a grande oportunidade da minha vida, de encontrar com esses professores nessa escola, que chamava Architiclino
Santos chama-se ainda, existe até hoje, chama-se Architiclino Santos, fica na, porque daí, eu falei para vocês eu mudei não é, fui morar no parque continental,
que é perto da cidade universitária da USP, porque daí São Paulo começou aquele caos, você tem que morar perto porque senão você não chega. E... E aí,
lá eu encontrei com esses professores coincidentemente, e lá nós fizemos a, e aí também, tanto no, foi importante tanto na vida política, que nós fomos brigar
junto com o sindicato, criação da POESP, que não era, era uma associação, de associação passou para sindicato, e fizemos os movimentos, primeiros
movimentos grevistas dos professores... na rede pública, não é. E...e ao mesmo tempo desenvolvemos um trabalho pedagógico muito interessante, nessa
escola. E... quer dizer, e daí depois daí que eu fui para USP, voltei para USP, mas aí eu fui para faculdade de educação, fui trabalhar com a Elza Nadai, lá na,
chamava-se Prática de Ensino de História.
E3 – Circe, você já tem o roteiro. Exatamente sobre esse percurso que a gente gostaria que você narrasse nesse segundo momento da sua entrevista.
E2 – Então professora, a gente agradece, a ABEH agradece a esse primeiro momento de acolhida de sua parte para com a Associação, em compartilhar
esses relatos tão pessoais, mas tão históricos, tão, que faz parte da nossa história, então como a professora Sônia falou, a medida que você ia narrando, a
gente ia imaginando, a gente ia pensando as diferentes experiências que nos tivemos acesso como professores quando lemos sobre determinados temas e
períodos, isso contado a partir dos seus relatos pessoais que são sociais obviamente, são coletivos, são históricos. Então a gente agradece imensamente
a você por esse primeiro momento, e já estamos aqui contanto com...
E3 – Aguardando ansiosos o segundo.
R – Olha, eu acho que eu só vou poder em junho, é muito longe?
E2 – Sem problemas. Conversas sobre agendamento para a próxima entrevista.
Entrevista com a professora Circe Maria Fernandes Bittencourt, em 23/06/2022, em São Paulo, a professora Juliana Alves de Andrade na cidade de Recife, a professora Gisele Pereira Nicolau no Rio de Janeiro e o professor Erinaldo Cavalcanti em Belém. A bolsista Gabriela Cisz acompanhou a entrevista que foi realizada de forma online, através da plataforma Google Meet.
Estavam presentes:
- Professora: Juliana Alves de Andrade
- Professor: Erinaldo Cavalganti
- Bolsista: Gabriela Cisz
- Professora: Giselle Pereira Nicolau
Legenda da transcrição:
E1: Entrevistadora 1: Juliana Alves de Andrade
E2: Entrevistador 2: Erinaldo Cavalcanti
E4: Entrevistadora 4: Giselle Pereira Nicolau
R: Entrevistada: Circe Maria Fernandes Bittencourt
A transcrição foi realizada por Aldry Pereira Chaves e revisada por Juliana Miranda da Silva. No entanto, estamos assumindo aqui uma transcriação com parcimônia, uma vez que algumas poucas limpezas de repetições de palavras foram realizadas, não configurando então, exatamente uma transcrição bruta do material audiovisual.
E1 – O Erinaldo, você pode começar explicando a minha situação também, mas Gabriela seja muito bem-vinda. Hoje a gente vai entrevistar outra grande
pesquisadora, não é. Gabriela estava conosco lá com a professora Selva semana retrasada e agora com a professora Circe.
R – Nossa, estou com saudade da Selva.
E2 – Então nós damos boa tarde a todas, não é, que nos acompanham nesta tarde. É a segunda parte da entrevista com a professora Circe Maria Fernandes
Bittencourt, e na nossa sala hoje a professora Juliana inicia os trabalhos de gravação e vai ter que se retirar para uma outra reunião com a ANPUH, em que
a professora Juliana também faz parte da diretoria da ANPUH, e vai ficar aí apenas com o link ligado, mantendo os trabalhos, mas não vai poder participar
dos bastidores. Mas ao final, a Juliana vai vir encerrar a gravação de forma tranquila, como tem feito. E também nos acompanha hoje a professora Giselle
Pereira Nicolau e a bolsista Gabriela Cisz, é assim que se pronuncia? É bolsista da professora Raquel, que é coordenadora do atual projeto. Hoje, no dia vinte e três de junho de dois mil e vinte e dois, é a segunda parte da entrevista que já iniciamos anteriormente, na qual estamos ouvindo e aprendendo com os relatos
das trajetórias de diversas pesquisadoras, sobretudo mulheres, no campo do Ensino de história, e hoje damos continuidade a entrevista com a professora
Circe, Uspiana de formação e de atuação como a professora já se colocou algumas vezes, em algumas mesas. Então, vamos dar continuidade, professora
Circe. É uma alegria mais uma vez recebê-la aqui, nesse espaço junto ao projeto da ABEH, e vamos dar continuidade a segunda parte da nossa entrevista.
R – Está certo. Boa tarde, então a todos novamente. E... eu queria é, sabe que a minha memória já está ficando meio ruim. Eu não sei como é que foi, onde que
nós paramos.
E2 – Na última entrevista, nós paramos em um momento em que a senhora, você, não é, prefere ser chamada de você, ia iniciar os relatos sobre como você
chegou ao ensino de História como um tema de interesse, de pesquisa, como se deu esse processo, então eu acho que é até um momento muito singular, não é,
quando a gente começa a relembrar, para as gerações atuais, que talvez desconheçam ainda, como se deu esse ponta pé inicial, essas relações, esse
momento em que você estava vivendo na universidade e decidiu, não é... tematizar, enfrentar o ensino de História no bom sentido do termo, como um
objeto de interesse, como um objeto de pesquisa. Então a entrevista ficou mais ou menos nesse momento, e tínhamos acordado que a partir, na segunda parte,
que é hoje, você falaria a partir desse momento em que decidiu transformar o ensino de História em objeto de pesquisa.
R – Está certo. Então vamos lá. Voltou assim a... Então, aquele período todo da ditadura, do regime militar, eu fiquei, teve o lance com a Emília Viotti, é... Então
aquela primeira pós-graduação e que, provavelmente, se não tivesse tido isso, provavelmente teria continuado, não sei se eu iria, apesar de gostar de dar aula,
eu já estava dando aula no ensino secundário, eu não sei se eu iria ou não continuar na universidade, mas de qualquer forma eu me afastei, e fui só me
dedicar durante todo os anos setenta é, e uma parte dos anos oitenta, ao ensino secundário, ao ensino nível médio, não é. Também foi a época que eu tive os
meus filhos, então muita confusão familiar também, e política. Aí houve um momento que meu marido também teve problemas políticos, enfim, aí a gente
se afastou de um modo geral. Aí quando foi no final dos anos setenta, que exatamente quando já se pensa no retorno da História, na nossa luta contra os
estudos sociais... Foi nesse momento que eu resolvi voltar a fazer pesquisa, tentei fazer pesquisa, porque eu, com a Elza Nadai, que era professora de
Prática de Ensino, e eu recebia muito estagiário dela, na escola. E a questão era sempre assim, o retorno da História, o retorno da História, a História tem que
voltar para o currículo, agora a pergunta era, qual História que ia voltar para o currículo? Ah não, tudo bem, mas qual, nós estamos querendo tanto a história,
mas qual história que nós vamos ensinar? E já que se fazia muita crítica aquela questão da memorização de data, nome, aquelas questões todas. Foi quando
eu resolvi falar: Bom, vamos fazer um levantamento de como se constituiu esse currículo com o qual a gente tem trabalhado historicamente. E aí, como eu falei,
acho que eu não sei se eu já tinha contado, eu fui percorrendo lá aqueles caminhos para ver quem que queria me orientar, a Elza falou – Olha, eu não vou
enfrentar isso. A ideia muito dessa questão também vinha da Elza Nadai, ela também tinha essa preocupação, mas ela não queria, ela era recém doutora,
dentro da faculdade de educação, não tinha nada de pesquisa nessa linha, e aí eu voltei outra vez para o departamento de História, e aí com esse projeto, com
essa proposta, e aí a Raquel Glesser, que tinha sido a minha colega, de... Na pós-graduação ela era um pouco, anos um pouco na minha frente mas ela, mas
éramos colegas da pós-graduação com a Emília, ela também tinha sido orientanda da Emília. E a Silvia Basseto, que era minha colega também de turma, bom, falaram – Está bom, então vamos fazer aqui. Aí eu fui, a Raquel me acolheu, e eu fui montando esse projeto, que era a História do ensino de História, e que acabou tendo esse recorte que eu fiz, eu sei, porque ele está publicado, ele está na integra quase, que é o Pátria, Civilização e o Trabalho, não é, que é a escola, ensino de História nas escolas paulistas de mil novecentos e dezessete a mil novecentos e trinta e nove. Que é uma data aí que eu, todo mundo ficou me perguntando por que, e aí eu fui me delimitando que era o seguinte, das leituras que eu fazia, porque é claro projeto que a gente faz é sempre maior, que queria fazer desde o século dezenove. (risos). Aí, não dá, era muita coisa, hora que eu comecei a ver a quantidade de fontes que eu tinha que percorrer e tinha que ir muito para o Rio de Janeiro, tinha que viajar, não dava certo, aí fui fazendo só em São Paulo. Primeiro só me delimitei a São Paulo, e fui percorrendo lá, e não tinha muita relação, tinha poucos estudos assim, tinha alguma coisa feita pela Maria de Lurdes Janotti, Maria de Lurdes que era uma professora lá que tinha estudado o secundário na própria faculdade da educação, mas enfim, não tinha quase nada para gente... Tinha alguns estudos é sobre livros e currículos que tinha sido feito, deixa eu tentar lembrar, acho que na minha bibliografia toda eu cito os autores que faziam mais ou menos oficialmente, a pedido do MEC esse levantamento. E daí eu, a... Considerando as minhas concepções de história, que eu já tinha com a Emília, eu tinha que ir atrás de todos os sujeitos possíveis. Então fui fazer o ensino de História tanto no ensino primário... Eu tinha feito, acabou saindo esse capítulo, a Raquel mandou tirar, porque eu tinha feito um para escola normal, então eu fiz para escola primária, para secundaria, os ginásios, e a escola normal. Mas aí ia ficar muito grande a Raquel falou – Isso aqui já vira doutorado, não dá, não sei o que, para. Vamos parar aqui. Então recortei por ali. E aí foi feito essa pesquisa, e nisso, ao mesmo tempo como eu já tinha o, foi considerado que eu já tinha uma pós-graduação por causa da Emília, aí eu já entrei, abriu uma vaga de repente, no ultimo verão assim, abriu uma vaga de prática de ensino de história lá na faculdade de educação e a Elza falou – Vem aqui correndo fazer o exame, prestar aqui, porque você é a única que está fazendo pesquisa em ensino de História, e aí eu entrei para dar aula no curso junto com a Elza. Coincidiu de eu estar fazendo a pesquisa e ao mesmo tempo estar, entrei para o curso para prática de ensino. Então nessa época foi muito, importante, era muito aluno, não é? Eu falei, a USP tinha cento, a gente tinha cento e cinquenta, cento e quarenta alunos todo ano, e era Prática Um e Prática Dois, que se chamava, Prática de Ensino, não chamava Metodologia ainda. Era muito aluno, curso diurno, curso noturno. A Elza estava
completamente enlouquecida. Já pensou, organizar estágio para cento e quarenta, cento e cinquenta alunos? Era uma loucura total e absoluta. Curso diurno e curso noturno. Então nós... acho que a minha chegada a Elza assim até acalmou um pouco, porque ela sozinha estava com todo esse montante de alunos. E aí nós começamos a reorganizar um pouco o curso, o próprio curso que nós vamos começando a discutir, não tinha bibliografia, a gente, a bibliografia éramos nós mesmas, não tinha muita coisa. Naquela época se discutia muito a questão, das questões mais sobre epistemológicas do conhecimento escolar.
E2 – Qual era o ano professora, mais ou menos? Você está entrando na uni...
R – Oitenta e quatro.
E2 – Oitenta e quatro.
R – Já oitenta e... A gente já fazia essas discussões, junto com a Elza, porque como eu recebia muitos estagiários, a gente estava organizando lá os estágios,
os estagiários e naquela época nós estávamos desenvolvendo um projeto que professor que recebesse estagiário devia diminuir a carga didática porque ele
tinha que receber os alunos, era assim. Depois eu vi isso na França, eles fazem assim, não é. Quando eu morei depois na França eu vi como que era a questão
dos estágios. Que entrava como uma, essa organização curricular, como a gente estava voltando o ensino de História, a gente estava construindo os conteúdos
também. Como eu falei para vocês lá em São Paulo, para o ensino médio, que chamava segundo grau, que desmonstou, como esse vai desmontar também,
tenho certeza de que essa coisa aí vai desmontar do jeito que aconteceu lá no, em mil novecentos e setenta e oito por aí, isso daí estava tudo desmontado, o
curso profissionalizante virou nada, dava aula de datilografia, a escola tinha duas máquinas de datilografia para quatrocentos alunos, uns absurdos, uns absurdos.
Não vira nada isso. Mas aí, a gente já tinha um projeto de fazer, introduzir História da América. Naquela época eu estava mais ligada no... eu estava, dois cursos
que estavam me interessando, que era o Ensino de História para, o curso do magistério, porque o curso do magistério era meio que o secundário, formação
de professores, então a gente estava preocupada com o ensino de História das séries iniciais, da primeira a quarta série, e daí no curso de formação de
professores e no segundo grau. Que estava, caiu, não virou mais profissionalizante, ele virou nada, durante uns cinco ou seis anos ele era nada, entendeu?
E1 – Professora, antes deu sair, a professora entrou em que ano como professora na USP?
R – Oitenta e quatro. Para dar Prática de Ensino, tá. Aí oitenta e cinco eu prestei o concurso. Eu entrei assim, meio substituta, que abriu uma vaga, eu entrei, daí
oitenta e cinco que eu fiz o concurso. Aí, oficialmente mesmo, acho que, não sei se conta, oitenta e quatro, oitenta e cinco, por aí. Bom, mas enfim, aí começaram, a gente começou a remontar também os cursos, ao mesmo tempo que a gente procurava reorientar o currículo de História na escola a gente montava o curso de formação de professores, não é. O novo curso daqui a gente ia atrás de algumas, de alguns autores, eram poucos, não tinha quase ninguém para gente se basear, tinha Nidelcoff, que era uma argentina que havia feito uns trabalhos interessantes lá na Argentina, mas ela também estava lá com a ditadura, ela tinha ido embora para a Espanha, porque as coisas também foram muito desmontadas nessa época da ditadura. Então o que estava caminhando foi brecando, e tal. Ainda tinha alguns estudos na... Eu achei um estudo em Portugal, sabe? A gente não tinha muita referência. E aí... bom, de qualquer forma fomos montando, refazendo esse curso, e ao mesmo tempo que a gente ia, naquela época a grande discussão na organização curricular, era qual fundamentação psicológica dentro da aprendizagem. Debatia-se muito Piaget, Piaget era o referencial na montagem dos currículos. E tinha aquele debate eterno, que me irritou sempre quando eu ouvia falar Piagetiano começou a me irritar, que tinha que ter onze anos para abstração, então como não tinha noção de tempo histórico você não podia dar História antes da criança ter onze, doze anos. E aí essa discussão: - Ah, o aluno nunca vai entender o que que é antes de Cristo, depois de Cristo. Confusão aí dos Piagetianos que sempre me irritaram bastante. E aí foi introduzido Vygotsky, finalmente, graças a Deus apareceu uma linha da psicologia, porque tinha o curso de psicologia da educação. Então entrou o Vygotsky na história eu falei: Graças a Deus apareceu aqui uma luz na cabeça dos psicólogos da aprendizagem. E aí nos fomos, a gente estudava muito os, eu tenho até um artigo, uma vez eu escrevi, olha, eu fiquei tentando pegar as minhas produções daquela época, para poder lembrar essas, essas pesquisas que a gente fazia no próprio curso de formação de professores os alunos, levantaram com os alunos a concepção de tempo e
espaço que esses alunos podiam ter, aproveitando o estágio, eles faziam esse levantamento, nós. Isso nós fizemos algumas pesquisas, a Elza e eu, ao decorrer
do curso de prática e ensino. Porque o curso de prática de ensino os alunos ficavam olhando, a gente não queria que aluno ficasse só olhando, a gente
queria que os alunos já entrassem para olhar dentro de algum problema, o curso tinha que ter uma problemática. Então durante alguns anos, as primeiras
montagens que a gente fazia, era essa ideia, de você fazer uma pesquisa de ensino de História baseada nas concepções e de tempo espaço, possíveis. E
assim com alunos de variadas turmas, de variadas, a gente tinha o colégio de aplicação que dava legal para gente trabalhar em uma continuidade com os
alunos inclusive no processo de escolarização, o colégio de aplicação dentro da faculdade de educação possibilitava isso com os professores de história de lá.
Então essas primeiras pesquisas na área de ensino um pouco, nossa, estavam relacionadas a essas, sobre os conceitos básicos, porque, olha, uma coisa que
eu não gosto, vou falar para vocês, quando começa a ficar perguntando para aluno de onze anos o que que é História. Eu detesto com essa, esse negócio,
uma perda de tempo, entendeu? Você acha que alguém começa o curso de Matemática perguntando para o aluno o que que é Matemática? É só história
que tem essa mania, não sei por que que apareceu esse treco, de o aluno ter que saber o que é História. Antes dele aprender História ele já tinha que saber o
que que é História, entendeu. Sei lá, isso aí é uma perda de tempo, uma abstração, coitado do aluno. Eu detesto aqueles livros que começa contando lá
contanto. Porque aquilo lá, na realidade você está trabalhando só com tempo histórico cronológico. Você não está trabalhando com tempo histórico, das
durações do tempo, como eu falo, o que que é noção de tempo? Por isso, e na relação tempo e espaço, porque também, de repente, hoje também não se faz
muito isso, é uma discussão que você ensina história deslocada de espaço, que esse negócio da globalização, os caras agora não tem mais noção de espaço,
perderam, é global. É a terra, acho que eles só sabem que a terra é redonda, ou se não lá os crentes lá não sei o que, que a terra é plana. Então a discussão de
espaço está por aí, se ela é plana ou não é plana. Eu falei: Escuta gente, vamos centrar a nossa, os nossos conceitos fundamentais para ensino da História.
Então essa foi uma grande preocupação que eu sempre tive. Quais são os conceitos básicos. Agora conceito de História você vai adquirindo, você não
precisa começar com o conceito, conceito se constrói. Você constrói. Não adianta na primeira aula perguntar para o aluno o que é História. Não estudou
História, como que vai saber o que é História, entendeu? O conceito ele se formula na prática, você pode perguntar para o aluno, depois que você der o
curso, no oitavo ano lá pergunta para ele, você sabe agora o que é História? Aí pode ser que essa pergunta seja formulada. Bom, possa ser formulada. Mas
enfim, aí esse debate de organização curricular estava muito intenso, não é, e ainda, a Elza tinha um problema, porque a Elza tinha sido quem fez o currículo
de estudos sociais, foi ela e a... a Joana Neves, que fizeram o currículo. Então hora que faziam o debate de história, o departamento de história ficava muito
bravo com ela, não é. Gisele, você quer perguntar? Eu não estou te ouvindo.
E4 – Pode continuar, pode continuar falando do currículo, depois eu ia fazer uma pergunta.
R – Tá.
E4 – Que me suscitou.
R – É, então aí... Por isso assim, a questão das pesquisas então que a gente fazia agora em um determinado momento foi exatamente junto com os professores, junto com as práticas de sala de aula, então essas primeiras pesquisas que nós começamos a desenvolver, em torno dessa noção de tempo histórico para gente estabelecer os critérios para se construir o novo currículo. Então estava um grande debate... Eu lembro, na... em São Paulo o Marcos Silva e a... Esse grupo, não é, que tinha também ligado a PUC, eu não sei se a... Bom. Criaram-se, criou-se um novo currículo, aí a temática fundamental foi o trabalho. Aí foi uma polêmica enorme em torno da História do trabalho que foi organizado o currículo, então desde os trabalhos escravos, trabalho, até virar o trabalho assalariado, dentro do capitalismo, o trabalho não capitalista, o trabalho capitalista, aí começou a fundamentar os debates historiográficos e a nova leitura que estava sendo dada pelo Thompson, o neomarxismo que estava mais ou menos fundamentada, fundamentando esse debate, não o marxismo, aquele da, mais linear, economicista, dos modos de produção, para esse novo marxismo da história sociocultural, não é, marxista também, baseado muito no Thompson e nessas leituras. E aí o tema, dos primeiros projetos foram esses... particularmente eu já, eu estava ainda, apesar de eu estar preocupada com a produção historiográfica, eu estava ainda na relação dessa produção com o conhecimento histórico escolar, eu queria saber como é que os alunos aprendiam. Eu nunca me preocupei muito só com o ensino, eu falei: Uma coisa é ensinar, outra coisa é o aluno aprender. Eu sempre fui muito ligada nessa questão, entendeu? Por isso, eu comecei a perguntar como que os alunos
aprendiam. Eu via pelos relatos dos alunos, as práticas, a importância do livro didático. Mas quando a, aí eu fui fazer o doutorado eu resolvi continuar essa, essa temática da história do ensino da História no pós-guerra, para aprender os currículos que apareceram no pós-guerra... e no caso brasileiro especificamente, essa relação, porque parecia que a gente tinha sempre uma fundamentação muito francesa, não é, e que eu já estava, que já era a minha hipótese, porque que a gente sempre procurava a França, nunca procurou a Inglaterra nem Estados Unidos. Bom, estados unidos é. E aí comecei a estudar os currículos de outros países, como é que eram. Foi quando eu fui para, eu tive por uma série de circunstâncias, eu tive, o meu marido era professor também, na USP, é professor, aposentado. Ele é de física. Ele tinha que fazer um pós-doc. de qualquer jeito, porque se não ele era mandado embora. Não adianta fazer doutorado, ainda tem que fazer o pós-doc. mediatamente ao doutorado, e ele era físico, precisava sair para o exterior de qualquer forma, aí eu consegui convencê-lo a ir para a França, porque ele ia para os Estados Unidos, eu não queria ir para os Estados Unidos, que eu não achava nada interessante no ensino de História nos Estados Unidos, eu queria ir para Europa, e aí eu consegui convence-lo a ir para a França, e aí eu tive uma bolsa sanduíche de dois anos e que foi assim muito importante para as minhas pesquisas, porque
coincidiu isso com, eu conheci, eu fui orientanda oficialmente de História da América Latina, mas... aí eu fui para conhecer a INRP e conheci o Chervel, Que
na época tinha escrito lá sobre a...
E2 – Professora a sigla significa o que? Que é sempre importante para a transcrição.
R – Instituto Nacional, Instituto Nacional de Recherche, é Pesquisa... pedagógica (Institut National de Recherche Pédagogique) INRP, era um órgão muito
importante, é como um INEP, para nós corresponde ao INEP, só que eles sempre tiveram um referencial de pesquisa com professores ligados às pesquisas das escolas. Era um dos grandes, que lá não tem, você sabe lá não tem curso de pedagogia, na França. Os cursos de formação são dentro dos cursos de História, de Matemática etc., não tem, não existe escola, não existe curso de pedagogia. Então não tem faculdade de pedagogia lá, você faz dentro dos conteúdos mesmo. Então lá tinha os especialistas dentro de cada área dentro do INRP, lá em Paris. E aí eu conhecia assim por casualidade, assim conheci lendo primeiro, não é, na biblioteca, na biblioteca, depois eu comecei a procurar as pessoas que podiam me auxiliar. Naquela época também, concidentemente, foi aberto na Sorbonne um curso de História do Brasil é... Que a Kátia de Queirós Mattozo foi a primeira professora, então coincidiu de ter muito brasileiro, a Katia começou a chamar, vir com ela os baianos, foi uma época muito interessante, não é, de convivência com pessoas do Brasil todo, porque tinha lá os baianos, tinha gente do Espírito Santo, de Santa Catarina, foi bastante interessante aquele período, não é, a gente se reunia nos cursos da Katia, a Kátia foi assim absorvendo bastante dos pesquisadores brasileiros que estavam na ocasião e aí levantavam um pouco, muito essas questões para mim também, desse, dentro desse referencial. E no instituto de altos estudos, onde eu estava sediada que é da América Latina, Institut des Hautes Études d'Amérique Latine. Aí, também eu encontrava com gente de vários países da américa latina que também de História, historiadores que também possibilitava uma discussão também como que estava o ensino de História nos outros países da América Latina. Mas aí, por outro lado, comecei a me dedicar, eu continuava com a questão da aprendizagem para mim, não era só o ensino, era essa relação
ensino aprendizagem sempre foi muito forte para mim. Então chegava as pesquisas, que estão muito preocupadas com o ensino, elas acabam indo só para o conteúdo, eu queria a relação conteúdo e método. Não sei se porque eu tinha feito curso em metodologia, não é, para mim isso era fundamental, não adianta só saber o que você vai ensinar, mas você tem que saber como você vai ensinar. Aí que eu fui achando nas... nos levantamentos que eu fiz... eu estava muito preocupada na época porque eu sempre fiz estudo do meio, minha vida e vida foi, eu acho que eu contei isso, nas minhas pesquisas, que eu vivia fazendo
estudo do meio, eu adoro fazer estudo do meio, fiz estudo do meio de tudo que é canto, e aí eu aprendi também os métodos que, de estudo de meio, a França
tem muito estudo do meio, e eu via, os meus filhos estavam na escola, na França, então eu acompanhava o currículo de História, na França. Os meus filhos já
estavam na, começando o ginásio, ali entre primário e ginásio, no meio daquela ocasião, e eu acompanhava, e eles fazia muito estudo do meio também, e eu
queria saber a origem exatamente desses métodos todos lá na França, que eram legados ao Freinet, eu já conhecia o Freinet. Mas aí eu fiquei estudando um
pouco dessa história do pós-guerra, vocês já ouviram falar no, tinha um ministro Zay, Zay, Zay, era nome dele, já ouviram falar, desse ministro? É um ministro
que foi assassinado, ele tinha feito toda a reforma da, curricular da França entre trinta e seis e trinta e nove, aí veio o Hitler, invadiu a França, ele foi preso
evidentemente, ele fugiu, aí foi para Vichy e ele acabou sendo assassinado. Com trinta e nove anos, era um ministro assim, sensacional, ele que fez toda a
reforma, a grande reforma educacional da França foi ele que fez, ele era socialista, e mataram, foi assassinado o Zay, nunca até hoje descobriram quem
matou, é claro que o próprio governo Vichy também é um governo fascista. Então eu comecei a ver a, porque que esse método de ensino de História é sempre
muito perseguido entre, assim, porque que a História é uma disciplina perseguida e esses métodos de aprendizagem inovadores, que faz o aluno efetivamente
pensar é perseguido, como o Paulo Freire, entendeu. Essas questões começaram a me... ser, acho que me clarear um pouco dentro da própria história da educação francesa, e eu sempre gostei muito do Freinet. que é, em quem o Zay se baseou para organizar o currículo da França. Esporte, como educação, sabe, essas questões do corpo também ser educado, a mente, o corpo. Umas coisas bastante interessantes no meu entendimento, e aí eu, bom. Mas aí eu fui, por que que... Eu fui procurando, porque a gente quer saber como é que isso aparece, e eu tinha visto alguma coisa disso nas escolas anarquistas aqui no Brasil, eles faziam o estudo do meio. Aí comecei a ler um pouco o Tolstoy, os projetos comunistas, aí comecei a derivar tanto que eu meio que falei assim: Ou eu vou me concentrar em uma coisa, ou eu vou ficar louca. E não tinha na França, nem não fazia pesquisa em ensino de história, tinha o... quem começou a fazer história da disciplina foi, que eu conhecia, era o... De historiador não tinha, como assim não tinha no Brasil, e na França também não tinha. Porque o... como chama lá o meu amigo? Tanto o Choppan, que eu também conheci lá no INRP, aí o Choppan fazia história do livro, mas ele era literato, ele não vinha da história, ele já estava virando historiador, mas ele era literato. E o... e então nesse período eu comecei a ler também outros autores ingleses, o Ivor Goodson, que eu pegava a bibliografia lá no INRP, o Ivor Goodson era um deles, o David Hamilton era outro deles, eram historiadores ingleses que faziam história da educação. E eles vinham também de uma analise já de uma historiografia, o Ivor Goodson por exemplo, ele era aluno do...
E2 – Foi o Chervel que você encontrou lá, não?
R – Chervel, Chervel eu encontrei, primeiro. O Chervel também não é historiador, ele é linguista. Ele fez História do ensino de francês. Eles se tornam historiadores
dentro da História das disciplinas, mas a formação deles não é de historiador. Então eu digo assim, não tinha ninguém de História, fazendo pesquisa de ensino
de História, entendeu. Lá, na França eu não achei, e também mesmo os ingleses, porque o... O Chervel que me apresentou, me apresentou os textos, que ele também não conhecia pessoalmente o Ivor Goodson. Mas o Chervel perguntava – Assim, por que que agora em vários lugares está todo mundo preocupado com isso? Quer dizer, você no Brasil, você não me conhecia, você está preocupada com ensino de história, eu estava preocupado com ensino de francês, porque que isso de repente acontece, entendeu? Sem a gente se conhecer. Nós não nos conhecíamos. Eu conheci ele depois, quando eu fui para lá, por isso que eu falei, foi uma felicidade eu ter ido nesse período, uma extrema coincidência. Eu ter ido nesse período para lá. Está certo? Foi assim, eram em outros lugares também. Aí eu comecei a pensar e discutir também com o Alan, que eu conheci o Alan Choppan, fui em cima do livro didático, porque o livro didático tinha conteúdo e método, entendeu? Que eu queria era algo que me fizesse levar a conteúdo e método, aí eu fui fazer História do livro didático. Só que daí eu, uma loucura que foi, porque eu achei em Paris, na biblioteca de Paris, livros didáticos brasileiros do século dezenove, fechadinho, nunca ninguém tinha mexido, um livrinho, pequeninho. Não era só de História, era História, Matemática, tinha cartilha, tudo em português, eu falei: Mas o que que está fazendo esses livros aqui na biblioteca nacional da França? Aí... Voltei para o século dezenove. (risos). Procurar porque que aqueles livros foram, por isso que eu revirei todo o meu projeto por causa do achado dos livros didáticos brasileiros, as vezes eles eram produzidos para o Brasil e Portugal, outras vezes não, por exemplo, História do Brasil só tinha, Geografia, Matemática, Ciências. Às vezes você achava que era para os dois países, em língua portuguesa. E aí, mas era um volume, não era pouco, não é. E tinha várias edições inclusive do livro. Aí eu falei: Mas o que que esses livros estão fazendo aqui? E daí eu parei de estudar só História e fui História do livro didático, e foi por isso que eu, fiz um estudo mais aprofundado evidentemente, quando se trata de conteúdo, eu sou incapaz de discutir conteúdo de física, porque, por mais que eu fosse casada com um físico eu não conseguia entender nada de conteúdo de física. Mas aí eu fui fazendo História do livro didático e... E é assim, porque os estudos que tinha de livro
didático são assim, aí ele é ideológico, ah o livro didático é ideológico, só que você pesquisa a pessoa que fazia isso, ah isso aqui é ideológico... Está bom, e
aí constata que é ideológico e daí o que você faz com isso. Está bom, constatei, isso aqui é ideológico, pode ser também que não seja ideológico, pode ser
contraditório, ideológico, de esquerda, de direita, sei lá, é confuso isso, não é. É, e para mim era muito simplista. Uma análise simplista. Como eu falei para vocês
eu fui criada na minha mente com a Emília Viotti, então a minha mente é assim mesmo. Aí a Emília tem que deixar mais complicada a coisa, não pode simplificar
muito que não da certo. Aí eu fui fazer essa pesquisa que deu origem a minha tese de doutorado, aí foi uma pesquisa enorme que eu acabei fazendo, depois
eu vim para o Brasil, continuei, eu terminei a tese em noventa e três, defendi a tese em noventa e três. Aí é muito difícil achar livro didático, não é. Você não
acha, a biblioteca nossa do Rio de Janeiro, não tem. Por exemplo, a França tem todos os livros didáticos, o Alan fazia, eu falei: É, para você é fácil, não é meu
bem? Você está aqui, todos os livros didáticos estão aqui na tua mão, para você fazer a pesquisa. Mas a gente não tinha isso. Não tem até hoje, no Brasil. Por
isso que eu, depois quando eu fui, eu montei a biblioteca do livro didático na faculdade de educação que eu estou outra vez, voltei outra vez com o projeto,
estou outra vez trabalhando lá, um novo projeto financiado aí pela FAPESP, porque agora nós estamos com a... Digitalizando as obras, que o meu medo é
de jogarem todos os livros fora, eu sair, não ter ninguém para tomar conta da biblioteca, e aí eles jogam isso daí tudo fora. Vai ver o que, com livro didático
velho aí. É... então nós estamos agora, eu estou em um projeto ainda ligado, não, e outra coisa, que aconteceu também que eu fiquei preocupada. O Alan
Choppan morreu em dois mil e nove, mas ele já estava muito doente desde dois mil, ele teve um câncer muito prolongado, ele morreu jovem, relativamente jovem
e... E ele morreu, o que aconteceu com a biblioteca do livro didático da França e com o banco de dados que ele criou que era a Emanuelle? Sumiu. Parou.
Acabou. Na França! Aí eu falei: Bom, se eu morro, o que que vai acontecer com essa biblioteca, com esse bando de livro?
E2 – Gente, que coisa incrível assim.
R – Não é impressionante?
E2 – É impressionante.
R – Então eu estou ligada a um grupo, atualmente da Alemanha, que é o Instituto de Jorn Rusen?
E2 – Do Jörn Rüsen?
R – Ahn?
E2 – É o instituto do Jörn Rüsen?
R – Da onde?
E2 – Se é o instituto que foi criado pelo historiador Jörn Rüsen?
R – Não. Jorn, Jorn. É.
E2 – Que é um, atualmente um grande pesquisador ligado aos livros didáticos.
R – Não, é assim, esse Jorn... ele era professor como eu de prática de ensino de História, e ele no pós-guerra, Alemanha dividida, e ele era professor de prática
de ensino de história, ele ficou - Como é que nós vamos dar aula de História na Alemanha? Que história é essa que nós vamos contar aqui para os nossos alunos, e os nazistas de um lado, temos um livro nazista, o que que você faz com o currículo nazista, enfim. E aí ele criou, ele foi ligado a UNESCO, com a criação da própria UNESCO... O (?) era... assim, mas ele morreu rápido, mas ele resolveu criar a, os livros para a paz. Aliás eu estou com um orientando meu trabalhando isso, esses livros.
E2 – Ah, então é outro pesquisador que estou falando, que esse está vivo.
R – Ah não, (? 39:03)
E2 – Ah então é outro, porque esse é Jürn Rüsen.
R – Quem? O Jorn?
E2 - Jörn Rüsen, que se escreve Rüsen, com aquele U com os assentinhos em cima.
R – Rüsen?
E2 – Isso.
R – Ah, é o Rusen, esse que todo mundo fica estudando aí.
E2 – Sim.
R – É, mas esse daí eu não sei se ele entende alguma coisa de ensino de História não, nem de livro didático ele não entende.
E2 – Ele tem algumas pesquisas traduzidas no Brasil sobre.
R – Em livro didático?
E2 – Sim.
R – É, uma que eu li me mostrou que ele não entende de livro didático. (risos). Ele trabalha com livro didático ideal.
E2 – Eu acho que é aquela questão...
R – Não existe no mundo um livro didático ideal. (risos).
E2 – Sim, claro
R – Ah, você está falando do Rüsen, não. É (?)
E2 – Ah.
R – O instituto, é um instituto na Alemanha, em uma cidadezinha chamada (?), fica perto de Berlim mais ou menos. E agora ele está pertencendo a uma
universidade, esse instituto ele tem, ele só trabalhava na época com os livros da área de humanas, aliás só tem livro da área de humanas, de tudo quanto é
língua. Eles trabalham com estudos comparados de livro didático. Então ele foi fazer, fez a pesquisa e tem um aluno meu que está trabalhando nesse período,
porque daí foi ligado com a UNESCO, esses livros didáticos para a paz. Porque falou assim – A História nos livros didáticos é a História de guerra. A guerra do
Peloponeso, guerra dos cem anos, guerra do não sei o que, Segunda Guerra, Primeira Guerra, só tem guerra. Guerra, e era mesmo, a... o fim da guerra, a
guerra é o motor da história. Então ele, o (?) foi um, um professor, da... de como eu, de prática de ensino de história, metodologia de história... Que foi então fazer
esses estudos, não é, para junto com a UNESCO internacional para ter um modelo para parar com a história da guerra nos livros, guerra, não ser
considerado o motor da História. Mas ele morreu, mais ou menos, poucos anos depois que ele começou a criar esse instituto. Ele foi, ele morreu, um ataque
cardíaco, morreu relativamente, acho que com cinquenta anos mais ou menos ele morreu. E... mas aí o instituto continuou, existe até hoje, nessa cidade... de
(?) e é... É, ela tem mais de duzentos mil livros didáticos de todos os países. E eles fazem muitos estudos comparados. Agora nós estamos dentro de um
projeto, e aí também a gente faz, nós começamos a fazer os bancos de dados, eu fiz o Livres, baseado no Emanuelle, da... do Alan Choppan. Ah... Não sei e
vocês conhecem o Livres, para entrar porque ele tem uma, ele tem uma concepção complexa de livros, quer dizer, autorias, é o autor, mas também é o
editor, é o desenhista, é o cartografo, enfim, todo mundo que faz parte da produção do livro, todos os sujeitos que fazem parte da produção do livro. Então
a gente tem uma, a informação não é aquela bibliográfica comum que a gente da, a gente da as informações, porque ele é, primeiro ele é um livro da história
do livro didático. Então a gente procura dar todas as edições da obra, a duração da obra, que outra coisa importante de livro didático é que livro didático não é
como um livro, um romance, ele é datado, ele é ligado a um currículo, então a gente dá a informação a qual currículo ele esta articulado, então ele tem um
período de duração o livro didático, ele não é para durar cem anos. Ele não é nenhum Lusíadas, não é nenhum livro assim que tem que durar sempre, são
livros datados ligados à história dos currículos. Então ele, a disciplina pode sumir, não é, não tem mais livro de latim. Está certo. Agora, na biblioteca do livro
didático tem, porque a biblioteca de livro didático é um a biblioteca de livro didático histórico, então você vai ter livros lá de latim, livro do século dezenove,
do século vinte, etecetera e tal, e agora nós estamos em um processo de digitalização das obras, é isso que é o problema, e a gente está fazendo junto
com o (?) também. Aí teve, aí a sequência dos outros bancos de dados, o pessoal do Manes, na Espanha, que a Gabriela Ossembar trabalha, que pega
os livros da Espanha, mas de toda a América latina também, de vários países da América Latina. Então, a gente trabalha junto com o Mexico, os livros didáticos
do Mexico, é, da... Argentina, Chile, Colômbia, Cuba, acho que são esses, não me lembro mais, são vários países. Aí tem o da Itália, que é o Edisco, que é o,
o... o grande companheiro Paulo Bianquinni, que trabalha com os livros didáticos Italianos. Tinha do Canadá, mas ele, mas só do Canadá, só de língua francesa,
só de Montreal.
E4 – Professora, eu ia fazer algumas perguntas, mas a senhora acabou respondendo felizmente, a respeito da experiência da senhora na França, quais
tinham sido as suas referências também, a senhora também já respondeu. Eu tenho uma outra pergunta. É... após essa estadia na França, essa percepção a
respeito dos livros didáticos, do currículo escolar, além também da própria experiência vivida através do seus filhos que estudaram lá, e também possibilitou
a senhora pensar na História do meio e tudo o mais, eu gostaria de saber, é, após esse retorno aqui ao Brasil, quais foram as suas principais atividades e
ações em relação ao ensino de História, uma delas a senhora já disse, que foi a própria defesa da sua tese, e o que mais, o que mais a senhora poderia nos
destacar?
R – Aí, aí sim, aí eu fui virar professora para formar professor pesquisador, não é. No curso de pós-graduação. Aí comecei imediatamente quase, junto com a
Elza, mas a Elza infelizmente morreu muito cedo.
E2 – Deixa eu aproveitar o gancho que a Giselle falou, para querer saber que lembranças que você tem professora, desse seu retorno, após todo esse percurso que você está falando, e que Giselle pontou, quando você chega de volta ao Brasil, como foram as relações, digamos assim, de disputa no campo da ciência, porque era algo, assim, diferente do que a pesquisa de ensino hoje, eu acho que já temos um espaço consolidado por referencias diversas, como foi voltar com essa bagagem e chegar em um espaço da ciência com uma temática totalmente nova assim, como, que lembranças que você tem desse, dessas relações?
R – Está bom. Quando eu voltei para o Brasil, claro eu estava lá concentrada na minha pesquisa, e a Elza já era doutora, e ela já estava, aí ela começou a ter
coragem de começar a orientar na área de Ensino de História. E aí nós começamos a tomar articulação também com o departamento de história, porque afinal eu tinha feito o meu doutorado no departamento de História, está certo. Então lá eles também tinham que tomar ciência disso, eles brigaram, eles não gostaram do Chervell. Porque a grande disputa é que o conhecimento histórico é... Escolar, ele é decorrente do conhecimento histórico científico. E não é bem assim. Então nesse campo epistemológico eu comecei a ter umas disputas mesmo com a minha própria orientadora, a Raquel. (risos). Porque eu era mais da teoria do Chervell mesmo, existe o conhecimento escolar, que tem as suas especificidades, e nem sempre ele tem que estar, ele é um ensino de categoria inferior. Ele não é um conhecimento inferior, de segunda classe, então conhecimento historiográfico acadêmico é de primeira classe, escolar é de segunda classe, essa foi a minha disputa. É a disputa eterna que eu tenho. Mostar que são conhecimentos que se interrelacionam, um depende do outro, porque o conhecimento histórico ele é importante quando ele vai para a sociedade, porque se ele ficar só dentro da academia ele não serve para nada, e uma das formas para ele ir para a sociedade é pelo conhecimento histórico escolar, está certo. É um dos caminhos mais importantes que ele tem, de chegar a Sociedade. É pelo, por isso que a História tem que estar no currículo, esse conhecimento. Agora, as temáticas, as problemáticas e os métodos principalmente a questão metodológica é que foi o embate que eu tinha, porque não é uma simples transferência, por isso que eu brigo com esse negócio de ter, essa, o que que é ensino de História na, no primeiro tópico, porque isso é decorrência do projeto do currículo acadêmico, isso sim importa ter essa disciplina, Metodologia, lá no departamento de História, como curso iniciante,
está certo? Aí no caso da escola, você fica com teoria de História para aluno de onze anos, não serve para nada, entendeu. A gente tem que, o conhecimento
histórico ele se constitui de uma outra forma, esse é um dos meus embates, inclusive eu tive alguns embates com o próprio Marcos Silva. Nós tentamos fazer
uma pós-graduação conjunta, para pesquisa de ensino de História, porque já começou a aparecer muita gente querendo fazer. Mesmo os professores que já
até davam aula de prática de ensino... a Katia por exemplo, a Katia fez, outra, ela fez como historiadora só, ela não fez pesquisa de ensino de História para
chegar ao doutorado, mas outros professores, não é, a, é... Quem que vocês conversaram agora? Com a Selva? A Selva fez com o... com o, como é que ele
chama, acabei de falar o nome dele.
E2 – Marcos.
R – O Marcos Silva. A Selva, outros professores, estavam chegando também procurando, porque era uma demanda que não era minha particular, eu acho que todos os professores estavam, sabe? Como eu falei o movimento estava acontecendo na França, estava acontecendo em vários espaços, na Argentina depois eu fiquei sabendo a mesma coisa, entendeu? A gente estava buscando uma referência, não é, de caráter mais embasado cientificamente para nossa área, nosso campo de conhecimento. Que eu não achava que era, porque até então, para o departamento, para muita gente, era um conhecimento de segunda classe, sorte que a Emília depois foi me apoiar. (risos). A Emília, ela voltava sempre, ela falava – Vai, muito bem, tem que fazer isso mesmo. Não sei o que. Emília foi professora do secundário, então quem foi professora do secundário tinha assim, mais essa sensibilidade para discutir. E aí, esses, essa pós graduação, aí eu montei, montei com a Elza, não é, e já tinha muita demanda, vinha, começaram a chegar os alunos. Professores, não é, que chegavam procurando a... A Elza e eu. Só que a Elza em noventa e cinco ela morreu, e nós nesse nós estávamos já acertando as pontas com o departamento de História para fazer uma pós-graduação conjunta. Com a morte da Elza eu falei: Gente, eu não vou aguentar. Porque aí quem entrou também, olha, veja que gente que estava entrando, o Ulpiano, estava entrando, que era de Arqueologia, professor de História Antiga e Arqueologia, que ele achava fundamental essa questão do ensino. As metodologias de ensino nos museus, sabe, ele, ele era preocupado com essa questão. É, fora a, em geral pessoal mais de teoria de História que gostava, de teoria e metodologia que se aproximava, mas também de América, porque a gente contou com a Maria Lídia Prado, então houve uma série de interesses naquela ocasião. Só que daí chegou em um ponto em que eu falei: Eu vou ficar sozinha na faculdade de educação, eu tenho que ficar dando curso sem parar, de pós-graduação. Entendeu? Porque eu era a única, a Elza tinha morrido. E toda a parte metodológica, quem conhecia currículo, e esses teóricos todos dessa área mesmo, Vygotsky, mais as questões de aprendizagem mais as questões curriculares, era eu. Eu tinha que dar, eu fui fazer as contas, eu tinha que dar cinco cursos por ano, em pós-graduação. Eu falei: Eu vou ficar louca. Porque eles não davam isso, eles davam os conteúdos mesmo. Então eu... Ficou inviável uma pós-graduação conjunta, a gente acabou se afastando, desse
projeto. E eu acabei dentro da faculdade de educação me, a... A gente criou, eu com a professora de Geografia, nós críamos um curso, um laboratório de ensino
e pesquisa, que era História e Geografia, das Ciências Humanas, e também entrava a professora de Ciências Sociais, porque aí a gente daria conta, aí sim,
de fazer intercâmbios com os departamentos, mas acabou, isso daí, se desmontando lá na, no departamento de história.
E2 – E como foram as primeiras orientações que foram chegando, assim, o seu ingresso na pós...
R – Eu queria mostrar para vocês exatamente uma foto.
E2 – Aí que ótimo, nos mostre.
R – Eu queria, mas eu não tenho, eu tenho mas eu não sei como passar para vocês, eu sou completamente incompetente, viu.
E2 – Você pode nos mostrar na tela e depois você pode nos passa para ficar no acervo.
R – Como assim?
E2 – Se você mostrar assim pertinho dá para gente ver daqui.
R – Ah, assim.
E2 – Depois você nos envia. Ah... Dá para ver, testamos, eu estou vendo, estás vendo, Giselle?
R – Esse era o nosso laboratório de ensino, meus primeiros orientandos.
E2 – Quem são eles?
R – Oh, aqui nessa ponta daqui é o Paulo Eduardo Mello.
E2 – Ah O Paulo, sim, sim.
R – Sabe quem é o Paulo.
E2 – Sim, conheço, claro.
R – O Nonato, lá do Rio Grande do Norte. Eu comecei a receber do Brasil inteiro, gente, entendeu?
E2 – Ah que legal, o Paulo está desde o início.
R – Eu fui dar, o pessoal que já era da prática de ensino, alguns do Rio de Janeiro, o Biratan, foi meu orientando também, la do Rio de Janeiro, da... Como
é que chama? O Bira, que a gente chama de Bira. Bom, aqui, esse menino aqui, o Marquinho é o primeiro negro que fez mestrado e doutorado na Faculdade de
Educação.
E2 – Uau.
R – Aqui é o Cássio. Cássio trabalhou, a pesquisa, e cada um vinha com uma pesquisa. Eles com os próprios temas deles. O Paulo no começo, acho que a
pesquisa dele foi sobre a questão, ele estava preocupado com a avaliação, ele trabalhou com os vestibulares.
E2 – Ah, que legal. E esse outro quem é?
R – O Nonato já estava muito preocupado, ele já veio com um doutorado, com a questão da História Regional, ele trabalhou com História da Constituição do
curso de História no Rio Grande do Norte, junto nos cursos de formação de professores e a questão da História Regional. Então cada, é, esse outro meu
aluno aqui trabalhou com livro didático. O Marquinho e esse...
E2 – Quem é ele, você lembra?
R – Deixa eu ver como que é o nome dele, agora eu não estou muito lembrada. E o Cassio também, esses três aqui trabalharam com livro didático. Mas já tinha
outros já. Ele trabalhou com aquele livro do Júlio Erme, para ver as ilustrações nos livros didáticos e etecetera. O Marquinho já a questão do negro no livro
didático, imagina, até o mestrado dele, é de, acho que ele defendeu em noventa e nove, noventa e oito, ele já estava falando dessa questão. O Cassio, ele depois
trabalhou com a obra do Sergio Buarque de Holanda, com toda a produção do Sérgio Buarque de Holanda.
E2 – Ah legal.
R – Mas eu tinha vários outro, eu tinha, aí eu tive o, eles me procuravam e já vinham com uma ideia na cabeça e eu ia me adaptando.
E2 – Sim.
R – Eu tive um aluno que queria trabalhar com História Ambiental, foi ele que me puxou para História Ambiental, entendeu? Aí eu tinha um, o Bira, que fazia, a
Sonia (?) também foi a minha orientanda, olha, eu não sei, eu já tinha, eu comecei eu já tinha dez, doze orientandos. (risos).
E2 – (Risos). Havia uma demanda, não é, ela veio...
R – Uma avalanche assim de alunos que apareciam, aí eu tive, depois com a questão do livro didático, que o livro didático ele é muito elástico, não é, assim,
ele libera margem a muita pesquisa.
E2 – Muita, muita.
R – Então eu tive uma orientanda que um dia chegou para mim, a Rosélia, ela é de Pernambuco, ela é da federal, rural, não é? Rural de Pernambuco.
E2 – É, deve ser.
R – Faculdade Rural Federal de Pernambuco. A Rosélia era veterinária, chegou totalmente, falou assim – Eu, sou veterinária, dou cursos de... professores para
área rural, para o interior do Pernambuco, do nordeste de modo geral, não só em Pernambuco, e aí eu comecei a perceber... Porque ela, e ela ia para ensinar,
sobre as doenças transmitidas por animais, para as escolas, principalmente as escolas rurais. E aí ela falou assim, que tudo que os professores sabiam é o que
estava no livro didático, se não tivesse um livro didático os professores das escolas rurais não sabiam nada, só sabia da raiva, não sei o que. Aí tinha esquistossomose, essas, não sabiam, porque se não está no livro didático não sabe. Aí ela falou que ela queria estudar livro didático, entendeu? E ela acabou
virando historiadora viu, ela foi largando e virou historiadora, ela foi lá para o século dezenove, para ver lá como é que se trabalhava com os animais nos livros
didáticos, e foi, olha, ela virou historiadora. Então aparecia gente de todo lado trabalhando, procurava lá na Faculdade de Educação e vinham, o mestrado e já
logo em seguida eu já comecei a fazer também o doutorado. Aí depois veio a Katia, que entrou no lugar depois que ela, mas eu fiquei sozinha, eu fiquei louca,
quase enlouquecida, porque eu tinha cento e cinquenta alunos sozinha dando aula, na prática, no curso de pratica, ainda tinha a pós-graduação que vinha
acumulado gente. E aí eu entrei ainda em uma outra linha, que foi História Indígena. Outro percurso.
E2 – É verdade, é verdade.
R – Eu falei, as vezes sabe o que eu fico pensando, eu não sei como é que eu tinha tempo para fazer tanta coisa, porque eu continuava, continuava viajando
para a França, eu fiz dois pós-doc. na França, depois disso o Chervell me chamou para fazer um pós-doc. com História das Disciplinas com ele, eu fui ao
contrario, eles que me chamavam, porque eles queriam saber o que que estava acontecendo na América Latina, nos países subdesenvolvidos afinal. E depois
eu fiz um com o Alan também outra vez para organização dos bancos de dados, dessa parte tecnológica que é que eu enfrento eternamente, porque você tem
que estar sempre adaptando desse ponto de vista tecnológico. E a manutenção do banco de dados, que é o Livres que, a gente tem que ter verba, tem que ter
gente, sabe, aquelas brigas que você sabe dentro da universidade como é que são. E eu não sai da USP, eu fiquei na USP... dois mil e sete eu fui para a PUC.
Eu me aposentei, não é. E aí eu fui para a PUC. Por que que eu fui para a PUC? Exatamente por causa da questão da pesquisa sobre História Indígena e
educação indígena. Na USP, e aí também começaram, eu comecei a dar, paralelamente, desde mil novecentos e noventa e um, eu comecei a trabalhar
com, com os indígenas. Mas assim, eu fui trabalhar com os indígenas eu não tinha nada, sabe assim... Eu já contei para vocês essa História como é que eu comecei?
E2 – Para mim você contou uma vez naquela outra entrevista que nós fizemos, mas eu acho que, eu acho super bacana essa, esse relato, se quiser contar de
novo.
R – Esses cursos de Prática de Ensino, de Metodologia de Ensino, eu já tinha os alunos que eram muitos, as classes eram cheias, cinquenta, sessenta alunos,
ainda a gente abria, era uma pratica na, na USP de modo geral, departamento de História também fazia isso, quando você queria assistir a aula, você podia se
inscrever, chegar lá, para o professor, falar – Posso assistir? Sou de tal lugar. E assistir aula. Aí um dia estava lá dando aula apareceram, apareceu uma
antropóloga, hoje sou muito amiga dela, Maria Eliza Ladeira, e... Com os indígenas. E perguntaram se podia assistir a aula, não sei o que, assistiram a aula, depois vieram conversar comigo, dizendo que, porque isso foi noventa e dois, mais ou menos, desde oitenta e oito os indígenas podiam montar os seus
currículos nas suas escolas, já tinham, estavam construindo as escolas indígenas com os seus currículos próprios. Aí eles vieram para mim falaram, os
terena, eram professores. Os terena são indígenas de Mato Grosso do Sul, o território deles é ali bem, Aquidauana, chegando na Bolívia, até Miranda, esse
território que é dos terena. Bom, aí eles chegaram para mim perguntaram se, porque que eles não estavam na guerra do Paraguai, estão na História do Brasil,
estão no Brasil, viveram, mas só de conflito pela terra etc. e tal e por que que eles não estão em lugar nenhum em nenhum livro de História. E aí que eles
queriam, não é, eles não sabiam montar o currículo de História na escola deles, que nem ele falou - Nós não vamos dar história indígena na nossa escola, eles
já sabem a História indígena, ela é contada pelos velhos, nós vamos botar esse currículo dentro do nosso currículo para gente ficar contando o que? Queremos
nós na História do Brasil. Onde estamos nós na história do Brasil? E aí eu comecei a me envolver com a questão de montagem de currículos com os
indígenas. Aí é, naquela época, nesse projeto ai que é, que a... é dos CTI´s que chama, Centro de Trabalho Indigenista, elas são muito importante, por que esses
centro de trabalho indigenistas estão muito ligados, eu fui nesse território aí viu, eu fui lá. Nesse lugar terrível, não é, do Javari. Eu conheço aqueles indígenas
de lá, trabalhei lá uns tempos por causa dos CTI´s, conheço bem aquela região, é um horror, porque é Colômbia, Peru e Brasil. E a cidade, não é. É um lugar da
tríplice fronteira. E é um território de conflito, de um lado tem um super aeroporto e do lado uma cidadezinha que é grudada, a Tabatinga que é a cidade brasileira,
ela é ligada em Leticia que é a cidade colombiana, grudada. Que lá você só chega de avião ou de barco, não tem estrada, e quase não tem carro lá. Quase
não tem automóvel lá, nenhum, tinha uns tuk tuk lá que você andava lá e bicicleta. E ali, é o lugar também de droga. Então... Bom, eu nem vou contar que
é uma situação complicada, mas enfim, tinha problema de droga. Olha, ali é um território terrível, e esses índios, que eu trabalhei, são os matses, acabou, tem
um livro viu? Saiu um livro de História dos Matses. É um livro didático, que eles fizeram, que eles quiseram fazer, da mesma forma que eu fiz com História do
povo terena, eu fiz com os matses, também, eu fiz isso com uma equipe, se quiserem consultar, são esses indígenas aí que estão nessa região do Javari. É
um território muito complicado. Muito complicado mesmo. E a FUNAI chegou tarde lá, porque eles eram rechaçados, não é. E a FUNAI, só do lado, porque
esses matses, por exemplo, esses indígenas, eles andam no Peru e no Brasil, entendeu? O território ali, eles são muito contactados, recentemente, quer dizer,
recentemente, eles foram na época da, dos militares, que eles foram contactados, e em uma região complicadíssima, porque tem petróleo, do lado do
Peru é explorado o petróleo. Do lado do Peru é explorado o petróleo. Oh, não, eu nem vou contar a história, que eu fiquei tão mal com essa história, porque
aqueles, e eles são maravilhosos assim, são fortes, bom, nem sei o que está acontecendo por lá. Enfim, me deixou muito mal essa, essa, essas últimas, esses
últimos acontecimentos, mas aí eu fui trabalhar com os terena, primeiramente. E aí foi o único livro didático que eu fiz na minha vida, porque eu fiz com eles,
porque eles quiseram. Nós não queremos livro didático em terena, porque daí só nos vamos ler, tem que ser em português. E aí nós, eu que fui escrevendo
com eles, não é. Demorou acho que uns sete anos. (risos). Para gente fazer o livro. Os alunos meus faziam o estágio, eu consegui também que os alunos meus
em uma certa época, quem quisesse, trabalhar com os indígenas, eles podiam ao invés de fazer escola e ensino, eles fazerem estágio nas escolas públicas da
cidade de São Paulo eles iam lá para os índios, porque a gente conseguia, tinha uma verba na... uma verba da Suécia? Não. Da Noruega, que financiava, financiou muito a produção desse livro, foi um livro difícil de fazer, que era uma pesquisa enorme, os alunos ajudaram na pesquisa, os estagiários iam fazer o estágio montavam junto com eles, bom, enfim. Aí eu fui começando a trabalhar na organização de currículos de História nas escolas indígenas, com as quais o
CTI, que eu comecei a partilhar com as escolas, curso de formação de professores, então São Paulo, os guaranis, mas aí eu, maior trabalho que eu fiz,
que assim eu fiquei mais tempo, que eu me dediquei muito, foi com os índios Timbira. No sul do Maranhão. Em um pedacinho do Tocantins. Timbira é uma
língua, as etnias são krahô, (?).
E4 – Canela.
R – Canela. Você conhece Giselle?
E4 – A minha avó.
R – É o que? Canela?
E4 – A minha avó é canela. Minha família é do Maranhão. O meu pai, o meu bisavô e a minha avó, no caso. São, são dessa etnia canela, eu sou descendente
de indígena.
R – Então, eu conheci, adoro. Meus prediletos. (risos). Minha paixão, minhas grandes paixões. Então o CTI, eles têm uma escola lá perto da cidade de
Carolina, (? 1:08:55), eu não sei falar nada, mas eu, a língua que eu mais entendo um pouco é deles, é... a Timbira, porque eu convivi muitos anos com
eles, eu acho que eu fiquei com eles mais ou menos uns vinte anos, e aí eu fazia o currículo dando curso com eles, entendeu? Eu ia, demorou oito anos para
gente montar o currículo porque, montar o currículo é assim, série por série, fomos montando, junto com eles, e eles produzindo o material junto, de história,
mas também tinha de matemática, tinha gente fazendo de uma forma muito articulada, muito, foi uma experiência muito interessante, nessa escola do
território, que fica lá, tem lá documentação está toda lá na, nessa escola lá, desse território, é um pequeno território deles. Tem canela, tive um aluno
brilhante, brilhante, brilhante, eu não sei se ele foi para faculdade viu? Preciso saber dele. Tem um, Gavião, que está fazendo pós-graduação lá na Universidade Federal Fluminense, de Linguística. Então muitos deles se tornaram professores, conseguiram ir para a faculdade, foi muito, foi uma experiência muito grande que eu tive com eles, muito importante, eu perguntava para eles o que que eles queriam aprender de história, o currículo foi montado assim, vamos lá. Então o primeiro tema deles, foi História do Dinheiro. Eles não sabiam como que apareceu o dinheiro, porque você não faz troca de produto, entendeu? E aí a gente foi montando assim, eles pegavam os problemas que eles queriam, a história do poder, qual a diferença de um chefe indígena e do presidente da República, por exemplo. Mas eles tinham uma, a memória deles era do Dom Pedro II, eles sabiam que teve rei no Brasil. Então a gente ia trabalhado assim, foi montando assim o curso, foi uma experiência assim maravilhosa, até hoje as vezes a gente conversa, com um ou outro assim que a gente consegue conversar, mas foi muito bom. Depois eu trabalhei com esses matises, da região do Javari, foi o último grupo que eu trabalhei para montagem de currículo de História. Mas aí, e aí quando eu saí da USP, eu me aposentei, por quê? Eu queria que os alunos que já estavam, já tinham feito o curso, queriam fazer pós-graduação, os indígenas, mas na USP tinha que fazer o curso de, era, não sei se é assim ainda, você tinha que fazer uma língua estrangeira, ou inglês ou espanhol, eu falei: Gente, a língua estrangeira para eles é o
português, presta atenção.
E2 – Exatamente. É.
R – E aí, mas não, não abriam brecha, sabe aquela, paquidérmica a USP, não é, eu falava: Gente, mas abre uma exceção, eles são indígenas, eles têm direitos. Nada. Olha, batalhei, batalhei. Na PUC a pós-graduação me convidou, lá do EHPS, História da Educação, é um curso que só tem pós-graduação. Educação, Política, Sociedade, Historia, Politica e Sociedade. O Kazumi Munakata está lá assim, então daí eu fui para lá, fui para a pós-graduação e recebi muitos indígenas, aí eu orientei vários indígenas. Aquele Edson Kaiapó foi o meu orientando, aí tive vários indígenas que fizeram o mestrado e o doutorado, e também quilombolas, é, foi, também, orientei alguns alunos das área de quilombo porque o currículo permitia a entrada deles de uma... E porque eles precisavam de bolsa também, porque, você imagina, como é que eles vão estudar em São Paulo, tem que ganhar uma bolsa, não é uma bolsinha, é uma situação complexa, naquela época a gente teve o apoio também da Fundação Forte, nessas primeiras, foi de mil, é, dois mil e oito até dois mil e dezesseis. A gente teve esse apoio. Aí, mudou a política do governo, pronto, descambou tudo. Mas aí foi também essa experiência que eu tive de trabalhar com essa educação indígena, com História indígena, com a História em educação indígena, História dos quilombolas também, foi essa pós-graduação. Eu fazia também de livros didáticos, fazia de outras coisas de ensino de história, mas eu basicamente, nesse período que eu fiquei na PUC, a maior parte dos meus orientandos eram indígenas e quilombolas, de áreas de quilombo. É... o que foi outra experiência assim, muito... muito rica, não é. Muito importante. Aí, mas experiencias importantes que eu tive, que, que se acumulavam nesse meio, foi o fato de eu ter participado de muita constituição de currículos. Como... é, como uma, na área de história, para montagem dos currículos de História. Então, mais importante que eu tive, quer dizer, primeiro e mais importante, foi a reorientação currículos pela via da interdisciplinaridade, com a Erundina, com o Paulo Freire, em que a gente trabalhava essa questão desse tema que para mim é muito importante que é da interdisciplinaridade, que é uma questão que eu digo, a interdisciplinaridade só existe se tiver disciplina, por isso que eu defendo o ensino de História como disciplina, a hora que você mistura, por isso que eu brigo, não tem estudos sociais, o que que são estudos sociais? Sociologia, História, Geografia... Psicologia, sei lá o que que é, que que é? Então essas minhas, essa experiência da reorientação curricular, dentro da metodologia freiriana, e outra coisa que eu defendo muito, que é o método dialético, no ensino. Não só na pesquisa. Porque que a gente defende o método dialético na pesquisa e não defende no ensino? Não é? E... e depois eu participei também de umas experiências muito interessantes, uma no PCM, quase me bateram quando eu fui para o PCM, eu quase apanhei. Porque eu aceitei participar, todo mundo sabia que eu era do
PT. Aí que que eu vou falar? - O que você vai fazer lá no governo Fernando Henrique? Eu falei: - Eu vou fazer currículo, olha, se eles estão chamando e estão
aceitando as minhas ideias, eu vou para lá. É a chance que se tem, não é. A Yara Prado era coordenadora, e a Yara Prado já era uma conhecida, ela é historiadora, ela foi professora de história, ela fez a USP. E... estava lá no governo, me chamaram, me convidaram... E foi uma equipe muito boa, não era sozinha, eu não era a única que foi fazer o currículo. É... É, bom, enfim. Eu, vamos... Fiz essa experiencia, que aí, que é a questão da gente organizar o currículo por eixos temáticos, e começar sempre com a História Regional, que é uma coisa complicada, quer dizer, que a gente tem que ter a História Local, História Regional. E não é uma vez, não é, por isso que eu não gosto daqueles círculos concêntricos lá, detesto aquilo. Você estuda história local com o aluno no processo de alfabetização, aí é a casa, não sei o que, a escola, a cidade, o bairro, vai, vai, vai e depois nunca mais volta, agora, você estudou lá quando você tinha seis anos, sete anos, depois você não estudou mais história local. Foi embora? Acabou? Entendeu. Não sei se vocês já leram o PCN, todo mundo fala mal, na verdade nunca ninguém leu, eu acho (risos), tenho quase certeza. Ele é interessante, porque ele começa sempre problematizando a história local. É, porque que eu digo, a gente atua politicamente a onde? No local. Você não atua, está bom, está certo... Eu vou lá, atuar na UNESCO, mas quantas pessoas vão atuar na UNESCO? No geral? A sua vida particular, é ligada a uma vida política para as melhorias das condições de vida locais, não é? Eu vou fazer lá o protesto na África, tudo bem, mas, posso apoiar, mas não é lá que eu estou atuando, está certo? O cidadão comum, o cidadão comum está lá mexendo no seu local, então você tem que fazer uma história política começando sempre pelas problemáticas locais. Aí esse é o princípio dos PCN´s, os quais nós... trabalhamos. Lembro o meu, eu não gosto de citar todo mundo, porque as vezes,
do PCN, porque as vezes, mas enfim, a Ângela de Castro Gomes trabalhava comigo, ela também achava ótima essa ideia, da gente começar sempre
problematizando primeiro o local, e abrindo aí. E... América Latina, não é, nossas identidades regionais, nacionais, latino-americanas e internacionais. A projeção,
a progressão é nesse nível, não é?
E2 – É. Eu estou muito envolvido em um projeto, você falando agora lembrei, estou envolvido aqui em um projeto, nós estamos construindo a rede
pan amazônica para a formação e o ensino de História. E a gente tem contactado colegas da Colômbia, Venezuela, Peru, Bolívia, Equador... é, Equador. Nossa, e
assim, é um desafio pensar essas questões, por exemplo, uma das questões que a gente tem feito, nos encontros, é... que Amazônia tem sido temas de
ensino, de... Sabe? Que tem a ver com essa questão, a nossa necessidade de se pensar, o que que nós estamos ensinando para os nossos jovens, aqui na
Amazonia por exemplo? Bom, é uma...
R – É, eu estou escrevendo também um, eu participei de um curso lá do Acre, sabe? Baseado, com a, conhece aquele projeto?
E2 – Quem?
R – Ahn?
E2 – Quem lá do Acre? Com quem, qual projeto?
R – Olha, foi um curso que foi dado, bom, depois eu falo, porque se não a gente vai muito (risos). Bom, não, é verdade, depois eu, depois eu dou para você as diretrizes. Eu estou escrevendo, que tem muito de... eu fui chamada mais para questão de História Indígena, não é. Mas também história dos ribeirinhos, não é,
porque essa História também, não é, de todos esses sujeitos que fazem parte da história da Amazônia, mas então, só para pegar esse que você está dizendo,
eu também participei do currículo do Mercosul, não é. Que foi em noventa e oito, noventa e nove, que alias tinha um documento muito interessante, até para você
talvez interesse, deixa eu ver, eu estava até achando, se chama assim Ensino de História e Geografia no contexto do Mercosul. Foi feito pelo MEC.
E2 – Uhum.
R – Porque foi a criação do Mercosul, e daí só a questão do ensino de história e geografia tem uns textos bastante interessantes, da Silvia Finocchio. Foi quando
eu comecei a entrar muito em contato com esse pessoal da América Latina. Historiadores e geógrafos, não é? A... Quer dizer, que temas que você vai tratar, que história que você vai fazer dentro dessa regionaliza e já se questionava, naquela ocasião, nós já questionávamos o pessoal de história e geografia... porque que o Mercosul estava naquela época era só o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, e o Chile entrava mais ou menos, que não era para o resto, não é. Que a... Então, é, tem uns textos, exatamente falando já do neoliberalismo.
E2 – Uhum.
R – Por que ele que está tentando fazer a globalização e como é que fica as questões regionais? E aí, para nós, é isso. Porque que nós não temos identidade com essa América Latina? É por causa da língua? Não sei, sabe?
E2 – Uhum
R – Essa falta não é, de... E a gente ter uma identidade com a Europa. (risos). Que é essa discussão aí do eurocentrismo, e aí isso aí era muito interessante, nós éramos muito desse debate, alguns textos bem interessantes aqui, não é, das propostas, porque ficou as proposta, ela não se concretizou, mas foi uma experiência muito interessante. E daí teve uma, na sequência, teve uma outra que eu participei, que é, era, aí já está muito ligada também ao projeto de globalização, não é, que foi a... Iberoamericana. Foi um... um projeto que nós fizemos junto com Espanha, Portugal e países da América Latina. A gente chegou a fazer uma proposta, quer dizer, aí você vê, aí não é a discussão do eurocentrismo, do eurocentrismo, não é, mas é, porque a gente também é europeu, mas a gente é europeu ibero, ibero. (risos).
E2 – Uhum.
R – É de Espanha e Portugal. Não é, não é da Inglaterra, sei lá. A nossa língua, a nossa religião, a nossa cultura, não é, ela também, ela também é europeia,
mas é dessa, ibéria. Europa Ibérica.
E2 – Um.
R – Não é de qualquer Europa. Também tem uma, foi um debate, foi um... foi até dois mil e dois mais ou menos, aquela época que também Satander está entrando, sabe, a Espanha está se... Portugal também já está melhor, economicamente e tal, e aí nesse ponto, e também fiz uma vez um projeto que eu participei de currículo de países só de língua portuguesa. É, com países africanos, era Portugal, Brasil, países africanos e entrava até Timor Leste.
E2 – Um.
R – Que também foi bem interessante, nos fazendo alguns temas comuns que deviam entrar em nossos currículos, de estudos e de intercâmbios. Isso aí
também foi tudo nesse período entre final do século vinte, início do vinte e um. E daí sumiram todos esses projetos. Mas foram experiências que eu considerei
muito interessantes do ponto de vista do debate, das, dos temas significativos que a gente devia estar tratando, como tratá-los, nesse, nesse projeto, digamos,
neoliberal.
E2 – Uhum. Professora eu queria...
E2 – Pode falar, é... Enquanto você falava, recuperando um pouco a sua memória, dos seus orientandos e orientandas, as temáticas, suas, suas exceções nessas experiências de currículo, eu estava pensando, ao mesmo tempo, como que o campo do ensino de história, tem alguns colegas que, que preferem chamar de campo já mais do que uma temática, mas é um campo de construção de saber, é, como que você vê que, que, que memórias você tem desse processo de que vai se consolidando, é, com a chegada de outros colegas em diferentes instituições nessa configuração do campo, como é que você vê isso, como é que você se recorda desse processo já mais de, de se não consolidação mas de robustas que o campo vai ganhando no final dos anos noventa, o início dos anos dois mil, e até, bom, um pouco nisso, como é que você se lembra, como é que você vê?
R – É, eu acho que esse campo se constituiu mais, se consolidou, não é, nos últimos dez anos eu diria. É... Com essas, ou nos últimos quinze anos talvez. Acho que foram, se consolidando por razões regionais talvez, inicialmente regionais, inicialmente, talvez, por onde eu era ligada. A USP ela sempre teve uma característica de receber gente de todo lado, não é, de, de muitos lugares. São Paulo tem essa característica, assim, bem mais forte do que acho do que outros estados, não sei, o Rio de Janeiro também recebe bastante gente de outros lugares. Eu acho que isso tem uma influência de quem está fazendo os cursos, de onde estão sendo feitos esses cursos, como que esses cursos estão se, esses cursos de pós-graduação estão se consolidando, não é. Em que lugar que eles estão. Uma delas, que eu acho que é uma questão que a gente tem que pensar, se ele é na Faculdade de Educação ou se ele é nos departamentos de História, no caso, nos departamentos específicos de cada um. Porque eu acompanhei também muito, eu acompanho de vez em quando, eu participo muito desse negócio de livro didático, eu acabo participando muito de pesquisa na área de física, da matemática, sabe, assim, por conta dessas, eu vejo mais ou menos o campo, de Geografia, eu participo bastante de teses da área de Geografia. E também, ainda mais, eu mexo com essa área de indígena também, então eu acabo vendo outras áreas de pesquisa de ensino, não é, de diferentes locais. Agora no campo da História, eu acho que desde que houve a expansão dos cursos de História, eles muito ligados aos cursos de licenciatura, eu acho que aí a gente tem que pensar nesse momento, porque você está formando efetivamente uma pós-graduação para professores que vão trabalhar na licenciatura. Nos cursos de licenciatura, de formação de futuros professores. E aí, aí o referencial, do ensino, tem essa variação. Não é? Eu não sei por que... é aí que eu falo que, esse grupo que segue o Rusen, não é, porque que eles precisam tanto do Rusen assim? Uma vez que o grande debate é o rompimento com o eurocentrismo, com os currículos nossos serem, com terem, inclusive os currículos universitários. Porque eles estão mais resistentes do que a área de ensino, não é? É... eu não sei se precisa de referencial teórico europeu outra vez para dizer para gente como é que a gente tem que trabalhar, sabe? Eu acho que nos estamos, se nos temos que se voltar, se voltar para América Latina, para os nossos, esse tema da descolonização, eu acho que esse merece ser pensado. Na questão do conhecimento histórico que a gente está produzindo para o ensino. Não é? Que conhecimento histórico é esse que nos estamos querendo
dar para a nossa sociedade, para os nossos jovens, para as nossas crianças. Porque é... No momento em que você fica muito preocupado com referencial que
serve para os cursos de formação, de historiador, eu acho que aí fica, fica meio complicado, não é. Eu acho que a gente tem que situar melhor os nossos problemas essenciais, da nossa realidade educacional e da nossa realidade dos cursos que nos formamos professores. Uma delas, não é, que é esse tema do currículo, quais são as grandes temáticas que a gente tem que abordar na pesquisa de ensino de História? Não é? Eu acho que esse é um momento crucial de nós estarmos pensando nisso, quais são as temáticas básicas? Atualmente, quer dizer, atualmente não, já faz tempo, é esse rompimento com o eurocentrismo. Eu, por exemplo, defendo uma História Antiga com a população indígena da América. Eu tenho, eu acho que tem que ter História Antiga, mas começando aqui, nós temos uma história antiga no nosso território, no nosso continente. Entendeu? Agora, para romper isso, eu acho que a gente não tem que se basear nos teóricos, a gente tem que se basear nas práticas. Entendeu? Nos nossos conteúdos significativos. Aquilo que diz o Paulo Freire, interessa você trabalhar com os conteúdos significativos, agora, por que sempre são um referencial externo para te dizer como é que você tem que fazer isso? Um? Acho que nos não precisamos tanto assim. Tem que ler, está tudo bem, mas o que que a gente aprende com isso? Como eu falei para vocês, eu vim de uma professora, que ela era de Teoria de História, que ela falava – Se vocês começarem com teoria de História eu acabo com vocês, eu reprovo vocês, eu dou zero para vocês, eu picoto o texto de vocês. Vamos aos assuntos, História são acontecimentos, você tem que aprender como contar esses acontecimentos, como você apresentar esses acontecimentos. Como você problematiza, como você chegou nesse conteúdo. É claro que eu vou ter referenciais marxistas, europeus. É claro que eu vou ter referenciais dos, da... eu não gosto muito de
referencial ao neoliberal, então (Risos) eu não vou para o Fukuyama lá que a história acabou, está certo? (Risos). Que é o fim da história. Eu não vou para
esses referenciais, evidentemente, mas nós temos que conhecê-los todos, tudo bem que a gente conhece. Eu acho que o grande debate, por exemplo hoje, da
decolonização tem que ser muito bem feito. Para referenciar... a questão do ensino, da aprendizagem do conhecimento histórico para a nossa sociedade.
E2 – É. Eu estava, enquanto você falava agora eu estava lembrando de algumas questões que eu tinha levantado no projeto que eu desenvolvo, analisando os
saberes que são colocados nas matrizes curriculares dos cursos de licenciatura das Federais, dos campus sede no Brasil, e assim, tem configuração assim assustadoras assim, onde predomina Europa, tipo, oitenta, noventa por cento das, dos conteúdos e das referências. E depois a gente até escuta alguns colegas falando da decolonização, só que a gente vê que essa questão também acontece quando a gente percebe a relação interna ao Brasil, como a um predomínio também do eixo sul e sudeste, sobretudo Rio e São Paulo, em relação aos outros, as outras configurações também. Por exemplo, eu fiz recentemente um levantamento, sobre o que que esses cursos oferecem, e, termos de disciplinas obrigatórias que discute a Amazônia. Não se discute, entende? Só tem História Regional em algumas universidades, porque o que se passa no Rio e São Paulo continua sendo nacional, então há também um Brasilcentrismo com todas as aspas, que foram expressas lá pelo (? 1:33:45)
R – Ainda tem, não é? Uhm... Então, eu acho que se é para estudar... mais profundamente, você tem que estudar quase que a produção dele, porque ele
nunca escreveu teoricamente, é o Sergio Buarque, entendeu? Sergio Buarque é um cara que pensa o Brasil, nunca ele pensou, aquilo que o Chico canta – Meu
pai era paulista, minha mãe pernambucana, meu tataravo baiano. Aquilo que está na cabeça do Chico é a cabeça do pai dele, entendeu. Quando ele fala a
História, não é da... a História da civilização brasileira, um nome que ele deu, História da civilização brasileira, ele falava isso, sempre. Então ver quais autores
são fundamentais para gente ler. A gente dava um curso...
E2 – Falando nisso, o que você anda lendo agora?
R – Uhm?
E3 – Curiosidade, o que você anda lendo agora? Curiosidade.
R – O que que eu ando lendo?
E2 – Sim. Que livros, que artigos, que textos, que pessoas, que discussão. Curiosidade.
R – Bom, eu estou... eu estou lendo muito Tolstoy. Eu voltei para os anarquistas. (risos).
E2 – (Risos).
R – Para uma leitura do final do século XIX, inicio do século XX. É... Que são projetos socialistas, no sistema capitalista também imperialista.
E2 – Uhum.
R – De dominação, entendeu. Um... Mas, estou lendo um pouco autores de outros, da Índia, não é, estou lendo um pouco assim de outros lugares, um pouco
da África. É... Para pensar outros lugares como estão pensando a História. Pena que eu não leio chines, eu queria muito. Uma vez que eu fui para, para França,
que eu trabalhei lá com... No ENRP, eu acho que foi dois mil mais ou menos, dois mil e um, por aí. Eu fiquei lá, eu é... uns meses, eu trabalhei com uma chinesa, estava trabalhando livro didático na China junto com o Alan Choppan. E... mas eu não leio em chines, eu queria muito saber (risos), historiadores, historiadores... chineses, de outra, sabe? Como é que eles constroem esse pensamento histórico, sabe? E, evidentemente, eu estou lendo, eu gosto muito do Jack Goody ultimamente eu tenho lido, li bastante o Jack Goody que eu não sei se vocês conhecem, um historiador inglês?
E2 – Não.
R – Ele era antropólogo, de origem ele era antropólogo. Ele trabalha com História da alfabetização. História da... é, e aí ele, ele tem esses estudos antigos dele
que ele vai mostrando, e aí ele muda nos últimos, tem dois livros dele, mais novos, pera um pouquinho que eu vou trazer.
E2 – Está bom.
R – É O roubo da História: Como os europeus se apropriaram das ideias e invenções do Oriente. Porque ele é um inglês que fica, ele estudou muito História da África, ele estudou muito História da África, por causa de sociedades sem letramento, como é que eles fazem, procuravam a história, mais ou menos em uma linha que seguiu (? 1:38:01). Mas, ele, ele faz em uma linha da questão de como, em que a alfabetização é. E daí, no último livro dele, chama, ele morreu em dois mil e quinze, chama Renascimentos: Um ou muitos? É do Jack Goody. Então ele vai mostrar que o capitalismo não nasceu na Europa. O capitalismo nasceu na Ásia, na China (risos), especificamente na Ásia, ele fala assim – Os Portugueses, os Europeus estavam lá procurando a rota para chegar na Índia por que? A rota da seda? Os chineses já tinham, eles já vendiam em larga escala, eles já tinham uma indústria de cerâmica, de porcelana, eles tinham navios, não é, eles tinham rotas comerciais intensas, tanto a marítima quanto essa rota da seda, que ele vai falar que passa pela Ásia, não é, e ele fala – Então esse renascimento cultural que os Europeus se dão, não, ele, essa, a China já estava na frente. A Índia, a Índia já tinha, segundo o livro dele aí, tinha uma, uma enorme, uma enorme produção de tecidos de algodão, não é, de... de seda também, mas mais algodão. É... Produtos, e alimentos, os Europeus estavam atrás do que? Os Portugueses saí lá, como diz o, eu, eu fazia muito trabalho interdisciplinar, eu gosto da interdisciplinaridade, eu fazia estudo lá com um professor de Química, que ele trabalha com os conservantes, então, eles estavam atras dos conservantes, canela, cravo, no geral o que que é? Conservante, para, de alimento. Um... E esses produtos que eles faziam todas as navegações para chegar lá para pegar, eles já tinham um comércio disso daí. E eu acho que é a gente estudar. Porque eu sempre falo assim: Porque a gente tem que ensinar para os alunos. Eu sempre digo: A gente tem que ensinar o que que é o capitalismo. Entendeu? E o que o capitalismo, ele se originou, portanto ele vai morrer também. (risos). Ele nasceu, ele morre.
E2 – É.
R – Então, agora, para entender o capitalismo, tem que saber antes o que que não era o capitalismo, e como é que ele surge. Isso eu sempre ensinei, também,
eu fiz isso com as escolas indígenas, quando os alunos, o porquê que os alunos lá da escola Timbira me perguntam o que que é o dinheiro? Eles querem
entender o que que é o capitalismo. Por que que não fazem troca de produtos? Tem que ter dinheiro? Então, eu acho que é essencial isso, e todos os autores
que nós estamos procurando hoje é para a gente discutir a questão do capitalismo e desmistificar que o capitalismo é europeu, entendeu? Ele, ele tem
uma configuração diferenciada historicamente e o que que é o não capitalismo? Por isso, eu falo que é fundamental nós estudarmos tudo os conceitos mais, o
que que a gente tem que ler mais? Sobre a América Latina. Eu estou lendo outra vez, você está me perguntando, Gabriel Garcia Marques, outra vez estou relendo
o Garcia Marques. Tem... Autor, romancistas para mim hoje estão me interessando muito.
E2 – Ah é ótimo, é ótimo. Aprender com os romancistas assim é maravilhoso.
R – Tem um romancista, que eu tenho, é um trabalho que eu, que nós fizemos uma vez na escola de interdisciplinaridade, que é Bom dia para os defuntos. É
de um autor peruano, que é uma revolta de camponeses que aconteceu no Peru em mil novecentos e cinquenta e oito, cinquenta e nove, durou uns três anos
essa revolta, e ele relata, não é, essa, essa história, de uma forma muito, tipo Gabriel Garcia Marques, em um estilo assim, e nós demos, é um livrinho, ele é
pequeno, nós demos para os alunos do curso noturno do segundo grau do ensino médio. A professora de Português deu, e a de Geografia trabalhava lá o
altiplano andino, que se passa lá naquelas altitudes, era uma companhia miradora, aliás o livro começa assim. Um... Na bolsa de Nova York, a introdução
é assim, uma noticia de jornal, estão comemorando que subiu a bolsa, não sei quanto, pipipi popopo, parara parara parara parara, aí, e na seguinte, está assim,
na cidadezinha lá, na cidade tal do altiplano peruano, criaram mais dois cemitérios, porque os camponeses tinham se revoltado, e na mesma data, e
foram assassinados, mortos, chacinas enormes, então teve que aumentar o número de cemitérios lá do Peru, com a exploração que essa companhia ganhou
lá em Nova York, na bolsa de Nova York, entendeu? O livro começa assim. Eu acho que... Eu estou lendo então esses romances também, é... Esses grandes
romancistas, mas eu estou mais preocupada com América Latina. Inclusive agora as minhas leituras estão muito voltadas para estudos da América Latina,
eu leio esses outros, não é, mas o que eu, apesar de eu ler Tolstoy, eticetera e tal, eu estou preocupada com estudos da América Latina, da Amazonia, não é,
por exemplo, eu estou lendo também mais sobre tudo o que está sendo pesquisado sobre arqueologia.
E2 – Uhum.
R – Na região Amazônica, não é. Não sei se você sabe da hipótese que tem, por que que chama Rio das Amazonas?
E2 – Não.
R – Vi em uma revista, fico lendo aí essas revistas de arqueologia. Tem do MAE, aqui da USP, tem do México que eu leio também. A... Porque, a hipótese que,
que eles viam mulheres a cavalo, não é, e depois chamou Rio das Amazonas, elas estavam a cavalo, sei lá, montadas em alguma coisa, na beirada dos rios e
elas eram fortes, mulheres dominantes. Quase não viam homens, por isso passou a se chamar Rio das Amazonas. A hipótese então que eles criam que esses nomes nunca são, não vem do nada, é que sociedades agrárias mais... mais consolidadas digamos assim, sem grandes problemas de alimentação, porque quem criou a agricultura foi a mulher. Quem criou a cerâmica, foi a mulher. Então, as mulheres que plantavam e tudo o mais. Aí, quando a sociedade, quando não tem disputa, e o homem servia para quem, nessas sociedades? Ele é o guerreiro, ele vai proteger, ele é o protetor, para que as mulheres possam trabalhar, então ele que vai brigar para é manter o território. Então eles são guerreiros. Agora se está tudo calmo, qual que é a função do homem? Nenhuma. A não ser procriar, ajudar na procriação. (risos). Mas também quem cria o filho é a mulher. Então eles dizem que na região das Amazônia, há, como não tinha muita disputa de terra, elas eram as dominantes, eu que estudei História Indígena eu sei o tanto que mulher manda na tribo. E agora você vê, a quantidade de liderança feminina nos temos entre a população indígena. Porque não tem guerra. O homem só serve para fazer guerra, ele não é para plantar, ele não é para nada, entendeu. Então essa história, não é, então não é a toa que chama Rio das Amazonas. Talvez naquele, nos contatos iniciais as mulheres estavam em uma sociedade agrícolas mais tranquilas, e elas eram as lideranças mesmo. São elas a liderar, os homens ficam em segundo plano, porque não tem guerra. E aí enfim, por que que estuda História da Guerra? Porque no fundo aí é contar uma História masculina, entendeu? Não é contar uma História das mulheres. Que as mulheres ficam em segundo plano em história das guerras.
E4 – Professora, em relação a atividades de extensão, qual foi a mais significativa para a senhora?
R – De extensão? Eu acho que foi mesmo essa questão da formação dos professores indígenas.
E4 – Dos professores indígenas.
R – Eu trabalhei muito com formação contínua de professores, mas a que mais me, a que eu achei mais significativa, que tinha mais a minha presença digamos
assim, mais significativa e com a qual eu me envolvi muito, que eu falava assim: Eu não sei o que vocês estão aprendendo comigo, mas eu estou aprendendo
muito com vocês. (risos). Porque eles me ensinavam muito também, então eu acho que foram os cursos todos, eu dei muito curso de formação para professores indígenas. Agora na USP a gente não dá muito curso de extensão, não é. Porque a gente, como eu falei para você, a gente tem um curso de graduação muito intenso, porque a gente tem muito aluno, e tem a pós graduação, que também é muito aluno. Então eu não fui muito de dar cursos de extensão, eu via as vezes, quando é questão de reformulação curricular, eticetera e tal, mas eu nunca fui muito assim de dar cursos de extensão. Já trabalhei junto com secretarias de educação, na da de São Paulo, secretária municipal, vários municípios. Mas... Não... Agora eu estou assim, vendo, não sei se é assim que eu me coloco, eu estou preocupada, eu acho que a gente devia parar e pensar um pouco no ProfHistória. Eu queria bastante fazer um debate, eu acho que vai ter o encontro agora aí em setembro, porque eu acho muito interessante dessa formação do professor, em serviço, não é. De um, em um sentido de um mestrado, de um, de agora estão pedindo até doutorado. E eu acho que a gente tem que pensar bastante nesse mestrado do ProfHistória, fazer um balanço realmente, mais significativo. Eu acho que ele é quase que um curso de extensão, mas sistematizado dentro de vamos dizer assim, de um currículo ligado a formação também de um professor pesquisador. Que eu acho que é isso que a gente tem que estar formando, esses professores sempre pesquisadores, um professor intelectual, se formando, se constituindo como produtor de conhecimento, eu vejo muito nessa linha.
E4 – Em relação as instituições, as associações de classe, associações científicas, qual foi que a senhora teve uma participação mais decisiva, mais direta, mais intensa? A senhora falou do Centro de Estudos Indígenas, que auxiliou a senhora é, nessa percepção do estudo dos nativos, é, mas eu também gostaria de saber, até o Eri, é uma pergunta nossa que faz parte do projeto, a respeito de instituições, associações, serve a ANPUH inclusive, mais essas associações de classe, sindicatos, enfim.
R – Bom, eu acho que a ANPUH sempre foi muito importante. Eu acho que a ANPUH, ela nasceu para ser uma associação de pesquisadores, de historiadores pesquisadores das universidades, lá nas suas origens, e eu participei bastante da luta, não é, para que professores da rede também pudessem participar da ANPUH, que isso foi nos anos de setenta e oito, setenta e nove, foi na época em que a ANPUH, se deu conta, não é, os historiadores mais famosos, porque os historiadores que criaram foi o, alguns historiadores ligados a eu acho que a universidade do Rio de Janeiro, mas principalmente da USP mesmo. Foi nos anos... setenta eu era aluna, eu participei de um evento da ANPUH, até vou contar uma história engraçada. As brigas dos grandes nomes lá dos catedráticos, era o Sergio Buarque e a gente tinha um professor, de História da América, tentar lembrar o nome dele... Ele era muito reacionário. Ele era, só para você ver, ele era salazarista, ele adorava o Salazar, o ídolo maior dele era...É, o Manuel Nunes Dias, é o nome desse professor, História da Civilização Americana. Aí esse Manuel Nunes Dias, hm... Era assim, detestava o Sérgio Buarque, eles não se topavam. Mas aí... e nem podia chamar o... eles, sempre, não gostavam do Sergio, o Sergio não era marxista, então não podia chamar ele de comunista, então. (risos)... Só que não podia xingar o Sérgio de comunista, porque ele não era marxista. Bom, mas aí teve lá o evento, e o, era em uma cidade, não sei, uma cidade do interior de São Paulo, e nós estávamos lá, nós, alunos, eu estava no segundo ano da faculdade, acho que foi sessenta e cinco, estávamos lá assistindo lá, e foi em um auditório lá de um teatro lá da cidade, eu não sei se foi Bauru, uma cidade lá do interior de São Paulo. E aí o locutor, era locutor do rádio lá da cidade, foi apresentar lá a mesa e não sabe o nome de todo mundo que estava ali, dos professores que estavam ali na mesa, que iam se apresentar, perguntou para o Sergio, que o Sergio era meio conhecido por causa do Chico. Aí ele perguntou, falou assim: – Como que é o
nome desse? Aí ele foi falando, ele falou assim, quando era Manuel Nunes Dias, ele falou – Manuelito Salazar. O Sergio falou para o locutor. E o locutor:
professor não sei o que lá Manuelito Salazar, de História da Civilização Americana, Manuelito Salazar. (risos). Olha, quase que saiu tiro lá dentro, do
palco lá, entendeu? O Sergio e o Manuel Nunes Dias, então eram brigas assim. Mas isso dentro da ANPUH, a ANPUH no começo era, não é, aparecimento dos
historiadores apresentarem os seus, as suas pesquisas e tudo o mais. Aí quando ela, aceitou, quando foi a briga pelo retorno da História, a ANPUH foi se
posicionar, e precisava dos professores, evidentemente, de História da rede, eu sei que eu fui uma das primeiras, representantes como professora da rede dentro
da ANPUH, isso foi em oitenta e um, por aí. E aí acho que a partir desse período a ANPUH, acho que ela, tomou mais uma visão política, foi a Deia, não é? Foi
muito importante nessa época, não é, professora Deia. A... nessa visão assim de professor e do historiador, estarem juntos na ANPUH, da necessidade dessa
união, e a luta política da ANPUH sempre foi muito forte, depois na época que se seguiu ai, a Deia como eu falei, foi uma pessoa muito importante. Porque eles
começaram por exemplo, a produzir, a ajudar na produção de livros. Eu lembro que o Marcos Silva organizou aquele Repensar, acho que chamava, Repensando História, não sei, uma das primeiras obras assim que vai falar de ensino de História produzidos pela ANPUH. Eu tenho por aqui um, um livro dele, deve estar tudo sem capa, porque está tudo, eu estava fazendo um balanço um pouco dessas obras, dessa produção quando começa sabe, de ensino de história serem publicadas. E esse é um dos primeiros livros que aparece, e no Rio de Janeiro também, que vai, não sei se é, a ANPUH no Rio de Janeiro não sei se ela era muito ligada ao ensino, a de São Paulo sempre foi muito ligada, mais do que eu acho que, inicialmente, não é. Ela sempre foi muita ligada, e uma figura de algumas pessoas sempre foi muito importante, a própria Emília, por exemplo, ela sempre me incentivou a fazer essa pesquisa na área de ensino, porque ela foi professora do Colégio de Aplicação, ela tem textos sobre o ensino de história, ela escrevia sobre ensino de História, o uso de documentos na sala de aula, antes dela ser professora da, do departamento de História. Então, são professores que têm uma vivência, com a área de ensino, que se tornam historiadores e vão participar da ANPUH, muitos deles, deixa eu ver se eu tenho, estava com um só... (professora se levanta para procurar o livro). Ah bom, eu não tenho... eu não tenho aqui, não é, esse, essa outra obra, deixa eu ver, ele é um livrinho que eu acho que não tem quase mais ele, não está mais sendo produzido. Ah, aqui, chama Histórias do ensino de História no Brasil, do Ilmar Rohloff. O Ilmar foi uma pessoa muito importante também para o ensino, nesses primórdios do ensino de história no Rio de Janeiro. Então, aí essas ANPUHs, de qualquer maneira, ajudavam na produção desses primeiros livros da área de ensino, primeiras produções da área de ensino, eles divulgavam tanto na publicação da revista, na revista de História, porque a gente precisa produzir, a gente sabe que a gente tem que divulgar, tem que, isso aí tem que, o que se faz tem que ser divulgado, não é? E as ANPUH´s nesse momento elas foram importantes nesse processo de divulgação. Ah... e, eu me lembro, quando eu comecei a fazer, por exemplo, a questão dos eventos. Eu acho que tem que ter sempre um diálogo com o campo historiográfico com o campo do ensino, está? Então, uma das coisas, nós... Eu com a Elza produzimos o primeiro encontro Perspectivas do ensino de História, que foi mi novecentos e oitenta e oito. Que
era o quê? Era o momento que estava fazendo a reformulação curricular, estava voltando a História, a História que tinha saído na época da ditadura, estava
voltando, mas qual História que ia voltar. Nós fizemos um encontro, tinha professores de História, os pesquisadores que estavam começando, oitenta e
oito ainda, tinha pouca gente, mas tinha pouca área de pesquisa de ensino de História ainda, mas tinha alguma coisa acontecendo, a, acho que a Selva estava
fazendo, eu não me lembro quem que estava, eu já tinha feito o mestrado, enfim, estava ali começando a circular a questão do ensino de História. Mais os
historiadores, eles têm que estar junto com a gente. E a ANPUH favorecia esse encontro. Nós, eu chamei o pessoal da ANPUH, foram lá debater como é que
está a produção de história da América, entendeu, essa historiografia. Eu lembro que estava muito a discussão sobre a introdução da música no ensino de
história, quem é especializado nisso vem aqui conversar, participar dos eventos, nessa produção, não é, cinematográfica, quem está trabalhando com História do
cinema, esse negócio todo. Para gente estar dialogando, porque é fundamental esse diálogo. Nós temos as nossas especificidades, evidentemente, e as nossas
articulações. Então, a ANPUH serviu muito tempo para isso, não é, a ANPUH São Paulo eu posso garantir que sempre fez. Eu acho que depende das
ANPUH´s regionais, me parece. Mas ela sempre articulou muito bem e produzia na revista, não é, tem uma revista que tem dossiês de ensino, não é, coisas
assim que é para divulgação mesmo. Eu acho que a gente não pode desassociar, sabe? Eu não gosto muito dessa, dessa separação de ensino de
um lado, historiografia do outro, todos nós somos historiadores, não é, e todos nós somos professores de História. Os nossos historiadores estão dando aula
de História também lá, estão formando professor. Querendo ou não querendo estão formando professor. Então, eu acho que mesmo tendo uma associação só
de professor de História, mas eu não sei se, não sei, eu gosto mais da ANPUH. Eu acho que ela agrega mais, eu acho que a gente tem que agregar, a gente
não tem que separar, sabe. Eu tenho muito medo de separação. Principalmente nesse momento que a gente está vivendo. Porque, eu, eu tenho medo dessa...
Dessa questão, ficar de um lado, ou se não fica muito teoria de História de um lado, sei lá, eu não sei. Porque a gente tem que estar a par, nós que somos do
ensino, de todos os conteúdos. É obrigação nossa a gente estar atento a uma produção historiográfica, seja de História da África, seja de, sei lá, do que, da
História da fotografia, a gente tem que estar atento a isso, que é difícil para nós. A nossa área de ensino é muito difícil por causa disso, você tem que estar atento
a tudo o que está sendo produzido no campo historiográfico. Eu falo para eles – Vocês são fichinha, nós sabemos mais que vocês. (risos). Eu sempre mexia com
eles. A gente tem que saber o que está tendo de história da América, a gente tem que seguir tudo isso. Entendeu. E a gente precisa de vocês para isso, não
é. Então, por exemplo, eu sou uma pessoa que fico muito atenta a tudo que é produzido, está, surgiu um livro de História da América, eu vou lá ver o que está
produzido, entendeu. Eu tenho que saber isso. E... porque a pesquisa nossa, se ela fica muito só no campo epistemológico, mas a gente precisa dominar os
conteúdos. Nós não podemos abrir mão dos conteúdos. Por exemplo, eu agora estou preocupadíssima com História Regional. E uma história regional que não
é só brasileira, uma história regional mesmo, assim, como você está dizendo, a história da Amazônia, uma região, Amazônia é uma região. Ao menos a gente
fala assim, a região do Caribe, é uma região, então... Eu por exemplo, não sei se é porque eu trabalhei, eu aprendi muito com os indígenas, não é essa coisa
de não é, de você ser, assim, você ser Timbira, tá, você ser Canela, você ser indígena. Entendeu? Isso aí é um grande problema que eu sempre achei para
gente discutir em História Indígena. E agora nós estamos na dimensão de identidade latino-americana, porque eu acho que a gente tem que estar muito preocupado com as nossas identidades. É... Eu, eu, e eu com os indígenas aprendi muito o que que é a gente, nem ser só brasileiro, nem ser só paulista,
nem ser só carioca, nem ser só gaúcho, nem ser só argentino, sabe assim? Eu aprendi isso muito com eles. Eu acho que a gente tem que ter uma dimensão
histórica identitária mais plural. E eu tenho medo desses fechamentos, ser sincera para dizer para vocês. Eu tenho medo. Ensino de História só falar com o
pesquisador de ensino de história, entendeu.
E2 – Uhum.
R – O que eu estou falando? Eu acho que a gente tem que falar com os historiadores, os antropólogos, sabe? Com todos os, com os geógrafos. Eu trabalhei muito com uma geógrafa amiga minha que infelizmente morreu, estou até escrevendo agora, tenho que escrever sobre ela, eu não sei o que eu escrevo, eles estão me pedindo para escrever, eu falei: Gente, mas eu vivi a minha vida fazendo estudo do meio com a Nídia, nós, a gente fazendo estudo de campo, teve inteiro, a vida inteira. Porque nós trabalhamos na escola, e depois nós fomos, nós duas viramos professoras, ela de, de... metodologia de Geografia lá na Faculdade de Educação e eu de História. Nós ficamos na mesma sala. Nós trabalhamos doze anos em uma escola depois nós fomos ser professora de, de Metodologia de Ensino, ela de Geografia, eu de História. E nós trabalhamos nesse laboratório. Por exemplo, uma das coisas que eu fiz com ela, muito, porque, aliás que eu queria até, esqueci até de contar, isso foi sobre história ambiental. História e meio ambiente, porque nós temos que estar, isso que eu acho difícil no campo de ensino, a gente tem que estar atento a tudo que está, é um campo muito difícil, nós não podemos fechar nosso campo. Então, eu fui trabalhar com a Nídia. A Nídia que me pôs lá em um projeto de educação, de História Ambiental, ela falou – Não, têm que ter História Ambiental. Aí nós fizemos um projeto com uma escola, isso dentro ainda do projeto da Erundina, lá da reorientação curricular, e aí nós fizemos a História, era uma escola, é a partir do problema da escola nós fomos montando lá o currículo, porque era assim a reorientação curricular, a problemática local. E era uma escola que fica perto da Billings da represa Billings, lá em São Paulo, e da Guarapirã. Guarapirã é uma represa natural, e a Billings é construída, não é, o fluxo do rio Pinheiros, que era uma represa construída para uma usina hidroelétrica lá em Cubatão. E aí o rio Pinheiros ele corria ao contrário, porque eles puxavam a água, ao invés de ele ir para a foz, que era lá no rio Tiete, ele virava para cair lá na Billings e essa escola, no meio dessas duas represas, é perto ali de Interlagos. Qual o problema da escola, e do bairro? Não tinha água. (risos) Quer dizer, duas represas e não tinha água. E a população lutava para ter água encanada, para a SABESP chegar lá, entendeu. Aí nós fomos fazer História da água, eu fui me
meter no meio ambiente, de História Ambiental com a questão da água. É... Bom, é complexo, complexa a história, mas no fim eu, a gente conversando com as
crianças, não sei o que lá, fomos, e a luta das mulheres, que era muito forte, era elas que lideravam lá no bairro a luta pela água, porque elas que lavavam roupa,
elas que cozinhavam, quer dizer, cabia a luta das mulheres na organização política para isso. E aí, nós fomos fazendo, e nós tínhamos uma equipe grande, a gente estava com uma verba, a Nídia tinha conseguido uma verba enorme lá, do pessoal lá da CAPES, sei lá da onde. E aí nós fomos, pegamos para fazer filmes. Qual a produção que a gente ia ter? Não só textos, mas a gente queria que aquela produção também se voltasse para a própria população local, sabe? Para a comunidade. Esse é muito o projeto da reorientação curricular da freiriana, que é o produto da escola também tinha que ser socializado. Aí nós fomos fazer vídeos, aí chegou, tivemos uma equipe técnica ótima, maravilhosa, aí nós produzimos três vídeos, o terceiro vídeo foi bem histórico, foi quando eu comecei a ter que estudar história ambiental, o que que é, onde estava, não sei o que lá. Que nós fomos formar a história água, em São Paulo. Então o vídeo, nós chamamos de Chafariz, a água encanada. Aí nós conseguimos ver dentro da História de São Paulo, porque que São Paulo é uma cidade que não tem chafariz. Rio de Janeiro tem, várias cidades dessas antigas aí tem chafariz, porque que São Paulo não tem. Aí nós fomos ver, com a abolição dos escravos, por que quem que carregava a água? Era o escravo. Então nós fomos pegando desde a história da água indo para as casas, como é que eram, do século dezenove, lá os escravos levando, pegamos as fotos do Debret, aquelas coisas todas, levando a água para casa. Aí quando a abolição dos escravos, quem é que ia levar a água para as casas? Não tinha mais escravo para levar água para casa. Aí elas vão começar aqueles burricos, e não sei o que lá. E aí começa já o sistema Cantareira que começa a cobrar a água. Aí a população falou – Como assim pagar a água? Aliás os indígenas eles acham isso um absurdo. Mas a água é de quem? Como é que você paga a água? Que absurdo pagar a água. Então isso aí é a coisa mais horrorosa que eles sempre acharam. Aí fazer... É, aí tem uma revolta em São Paulo, que nunca ninguém conta, no início dos, aí o sistema Cantareira já... Para transportar a água eles cobravam. Aí a uma revolta da população, o, a polícia vai lá e quebrou todos os chafariz de São Paulo para população não pegar água nos chafariz, por isso que São Paulo não tem chafariz. E aí nós fomos contando, até depois no acesso a ABESP, a gente entrevista lá a SABESP, é um filme, super legal, chamado Chafariz: a água encanada, ou, Roupa suja se lava em casa, chama o vídeo. Que é história ambiental, está certo? Quer dizer, como é que historiador vai trabalhar com História Ambiental, entendeu, do ponto de vista pedagógico, para a escola, para a sala de aula, também, não é uma pesquisa acadêmica, é uma pesquisa para a sala de aula. Então eu acho que a gente, é importante talvez ter assim essa discussão interna do tema, mas desde que, não é, por exemplo a ABEH, se.... Abra para debates com as outras áreas, com os próprios historiadores, com geógrafos, enfim, com antropólogos. Agora, pela questão indígena a gente tem que discutir com antropólogos, não tem como, fazer história indígena sem antropólogo você não faz, você tem que trabalhar com arqueólogo, entendeu. Essas áreas a gente tem que estar agora se comunicando esses encontros, porque nós temos no ensino de História, discutir menos teoria e mais conteúdo. Aliás, porque eu tive essas, eu tive isso com a minha, acho que é porque eu tive isso com a minha formação com a Emília, a gente tem que conhecer teoria de História, todos, por exemplo eu tive que ler o Marx inteiro, eu tive que ler lá tudo do Marx, ideologia alemã, li tudo, eu sei Marx, eu conheço o marxismo digamos assim, conheço o neomarxismo, leio todos esses caras, gosto muito do Perry Anderson, leio tudo isso, não sei o que. Mas... A gente lê de uma determinada forma aqui. É para as nossas práticas, é para gente construir um conteúdo histórico significativo com método de ensino significativo. E a gente sabe que o método de ensino de História não é o método de pesquisa de historiador. Você pode ter bases nele, saber o que que é uma fonte histórica, como que faz leitura de documento e tudo o mais, mas para uma situação, eu acho que eu ponho isso claro, nesse livro que eu tenho lá, Ensino de História: Fundamentos e Métodos. O que que é você trabalhar com documento com uma sala de aula, o que que é que historiador trabalha com documento, são coisas diferentes, mas você tem que saber como é que historiador trabalha com documento. Então eu acho que esses encontros eles são muito importantes e tal, para ver o estado da arte digamos das pesquisas, mas... Eu acho que a gente tem que se aproximar mais, sabe? Das... desse conhecimento produzido na nossa área, o que que os
historiadores afinal estão estudando? E a gente cutucá-los também, eu vivo cutucando. Tem pouquíssima História Indígena no Brasil, quem é que faz história
indígena no Brasil?
E2 – Professora, aproveitando essas questões que você tem falado, não é, e queria fazer, fazer um apanhado já no sentido de irmos para os encaminhamentos finais, estamos a duas horas e vinte minutos falando.
R – Eu falo muito, não é?
E2 – O tempo passa e a gente nem percebe. É, como que você avalia então os atuais avanços do campo, do ensino, o que que você destacaria como questões
de avanço mesmo, de conquistas, ao mesmo tempo de desafios, que em alguma medida eu acho que você já falou um pouco, não é, então pensando aí para os
encaminhamentos finais, como que você pensa essas questões ligadas a... a... ao campo, não é, o que que, quais os nossos, desafios futuros, os atuais e os
futuros, como é que você vê essas questões?
R – Olha, eu acho que tanto o, o nosso... O nosso... O momento que é um momento que está muito complexo, não é, por causa da própria ausência da História no currículo, corre esse risco, não é? Está muito atento também a, a... a discussão do ensino da história nas suas relações com conteúdo e método. Essa briga contra métodos dialéticos, seja, seja o freirianos, marxista nem fala, porque se eles já não gostam do Paulo Freire, imagina dos métodos mais marxistas, digamos assim, aqueles mais ortodoxos. Mas enfim, ao mesmo tempo, eu acho que essas, esses debates, não é, da, por isso que eu acho importante a gente fazer sempre essa História do ensino nosso sabe? Essas pesquisas do historiador do campo da, do ensino da História, a gente estar atento a própria história, porque a um retrocesso, do ponto de vista metodológico, muito intenso. Aquilo que a gente vinha construindo, ao longo desses trinta anos, eu acho que está em um retrocesso muito grande. Basta ler os livros didáticos. Eu estou fazendo leituras, você está perguntando agora de pesquisa, eu continuo pesquisando livro didático, eu estou discutindo agora sistema apostilado também, o que que é isso, está certo? Então nós temos que estar muito atentos aos nossos currículos atuais, aos materiais didáticos que estão dados. Se eu fiz pesquisa de livro didático, seja, você pega hoje um sistema apostilado, você cai duro. Tem uns de São Paulo que eu estou vendo, eu não conheço do resto do Brasil, não é, mas eu conheço aquele Sistema Ângulo, aquela coisa lá, não sei se percorre o Brasil inteiro ou não percorre. Eu acho que nós temos então que estar muito atentos as problemáticas próprias do nosso campo. Mas ao mesmo tempo, temos que estar articulados a essas outras áreas... digamos assim, de fundamentos mais... não apenas teóricos, mas de conteúdo mesmo, nós temos que estar atentos ao que se está produzindo sobre história da américa por exemplo. Então, se eu estou me propondo, que eu acho que nós temos que ter uma maior identidade latino-americana, agora eu gostei, a Colômbia lá mudou lá os ares dele, uma mulher negra daquela fantástica falando. Sabe? A gente tem que estar atento a tudo isso, não é, essa história atual, isso é uma coisa que é... a gente tem que estar ligado, não é, e nossa, nos nossos espaços que nós, com os quais nós queremos, com as quais nos identificamos. No momento que eu digo: Eu quero romper com o eurocentrismo. Eu vou por o quê? Quais são as nossas identidades? Não é, com as quais nós temos que batalhar? E a gente tem que estar atualizado com esse campo historiográfico dessas outras sociedades. Então eu acho que a gente precisa, nesses encontros, estabelecer
diálogos, não é, nessas associações, nesses eventos, estabelecer constantes diálogos nesse sentido. Porque é, apesar dos nossos avanços no campo do
ensino, ela tinha avançado do ponto de vista metodológico, mas do conteúdo eu tenho muita dúvida. Esse negócio de introduzir História da África e História
Indígena até hoje não vai, não vai para frente isso. Até hoje, a lei é de, do início do século XX, bom, dois mil, uma é dois mil e dois e a outra é dois mil e oito.
Cadê a História Indígena na escola? Cadê História da África na escola? Entendeu? Então eu acho que os encontros, os eventos, as produções tem que
estar voltadas para isso, não é. E aí, chamar quem que nós temos que chamar. Por exemplo eu tenho, escuto muito o Edson falando, o Edson Kaiapó, e o Edson
sempre falava nesse negócio da História Indígena, E eu tive também uma aluna Terena, ela era muito preocupada com a questão metodológica do ensino, por
quê? A nossa área tem esse problema também, além do conteúdo, assim o que fica... Os métodos de ensino, então, como é que são? E agora esse material, o
que quê é? Os alunos vão aprender com que instrumentos? Nós temos que estar atrás dessas questões todas e teorias de comunicação, o que que é o celular?
Como é que é a aprendizagem por celular, nós temos esse problema também. Então os nossos eventos, nossos encontros, nossas associações etc. e tal, tem
que estar articulado com todos esses problemas, chamar especialistas em comunicação e discutir, para discutir conosco, não é? Para as nossas pesquisas
avançarem, e para nós termos um diálogo mais consistente com a escola. Com a formação dos professores. Em uma luta, não é, eu sempre digo, que é uma
luta aí, uma luta política mesmo, que é o professor ter a sua formação contínua. Porque o nosso campo de pesquisa ele está voltado tanto para a formação inicial
quanto para a formação contínua dos professores, é um compromisso que nós temos. E não é o que eu fiz na minha vida, e fiz bastante, que é pós-graduação.
Tive muitos alunos, fiz uma contagem outro dia, tive mais de noventa orientandos. Mas não é isso, eu queria mais, é uma formação, entendeu? Porque é uma formação contínua, o professor precisa ter uma formação continua, e nós, as nossas associações, os nossos problemas, nós temos que estar atentos a isso, também. Quer dizer, as nossas pesquisas se voltarem, não é, para dialogar com quem? Porque também nós temos que saber, a nossa pesquisa está servindo para quem ler? Entendeu? Os professores leem? Professor da rede leem as nossas pesquisas de ensino? Não sei.
E2 – E aí acho que nesse ponto há aquela concepção bem, não é, história... historiográfica para historiador pesquisador só.
R – Não, a gente tem que dialogar, estar dialogando com os, com os professores que estão em ação. E estão na rede, e estão dando aula. Agora, e ainda mais,
que é uma outra luta política, complexa que nós temos que assumir. Esse ensino e essa educação, nas mãos de empresários não dá. Aí é uma luta política
violenta. A hora que educação virou mercadoria do jeito que está, cabe a nós, aí não é isolado professor de história, sendo que é uma, não é, mas nos temos que
engajar também, dentro dos sindicatos, e da luta com outras associações, eticetera e tal, para a educação sair da mão dos empresários. Desde quando
currículo tem que ser produzido por empresário? Eu sei que é uma luta muito complicada, é uma luta do neoliberalismo. Mas nós temos que brecar isso daí.
E4 – Sim. Fundação Airton Senna, Fundação Leman, são um problema, não é.
R – O que esse pessoal entende de educação? Agora deixar nas mãos deles? Isso começou com a Margaret Thatcher. E os Estados Unidos também teve, eu
estava lendo um outro dia um texto do... de um... aí... Maicon Apple, que é um teórico de currículo, não sei se vocês conhecem, mas eu, eu sempre lia o Maicon
Apple, até conheci. Aliás, eu tenho um trabalho que eu queria mostrar um dia para vocês, apresentar, que os alunos, um orientando meu, Geraldo, ele foi meu
orientando logo na, logo nesses primeiros tempos aí, nessa foto que eu mostrei ele era meu orientando, ele, ele é de Santos. Em Santos não tem faculdade, não
tinha, acho que nem tem até hoje não tem. Tem alguma parte da UNESP, mas não tem nada público, todas as faculdades eram particulares. E ele brigava muito, que não tinha, não sei o que. Sei que lá, a época que tinha a... A ANPUH e também o próprio sindicato, a POESP, que é o sindicato dos professores era mais forte, que fazia, ajudava na construção de cursos, etc. eles montaram lá, e esse, o geral de outros professores, e eles tinham um jornal. Chama Bolando Aula. Aí ele fala, Bolando Aula de História, era os professores que escreviam nesse jornal, jornal eu não sei se saia por mês, ou a cada dois meses, eu não sei como é que, eu tenho a coleção inteira aí do jornal, que eles duraram muito tempo, e ele circulava. Agora, com as mídias a gente pode fazer isso muito mais simples, dos professores, era produção dos professores, das práticas dos professores, dos debates. E ele chamava, Maicon Apple para discutir, ele arranjava lá uns dinheiros lá com um negócio de café de exportação, não sei como é que o Geraldo arrumava lá, eu sei que ele sempre arrumou os dinheiros. E aí esse Bolando aula, ele vinha, aí eu lembro que veio o... Goodson. E aí a gente lia os textos só que a gente achava que eles estavam assim exagerando, principalmente o Maicon Apple. Eu lembro de um texto dele de mil novecentos e noventa e nove, que ele já falava disso, da entrada dos empresários na escola. Lá nos Estados Unidos. Eu falava: Maicon Apple também está exagerando, não é. Que estava exagerando? Já era a realidade deles, que como para nós, no governo Lula, vamos e venhamos, deu uma brecada nisso tudo, entrou História da África, entrou... Os movimentos sociais começaram a atuar, inclusive na organização curricular e tudo mais, sem terra, tudo isso, aí... A gente não sentiu a barra, a gente só está sentindo a barra agora, quer dizer, depois de dois mil e quinze. Aí essa entrada total e absoluta, não é, desse currículo avaliado. O
Maicon Apple sempre denunciava esse currículo avaliado. É o que eu falo, o que que é teste? Como que se avalia aluno? O professor perdeu o poder da avaliação
do aluno? Então, o nosso combate na área de ensino ele é maior do que ficar situado apenas no produto chamado História, com o ensino de História. É quem
está produzindo isso daí, e atuação da prática, não é, das aprendizagens. É aquilo que eu falo, voltamos ao ensino catequético, o aluno sabe responder no
X. Ele sabe, eles criam mecanismos para fazer isso, e não sabem nada. Não aprendem nada. E o professor perdeu total o poder. Tanto, eu não sei, hoje saiu
uma notícia, aqui em São Paulo, veja você, que está faltando, isso o governador do estado que eu nem sei o nome, o... O idiota qualquer aí, não sei mesmo, eu
já estou com memória fraca, agora já nem sei o nome do governador do estado. Dizendo que está faltando professor de História, de história, saiu hoje a notícia,
nas escolas públicas, então que agora qualquer um pode dar aula de História. Pedagogo, qualquer um. Para preencher as vagas. Não sei. Entendeu? Então,
a luta política ela tem que estar par e passo, não dá para gente se abster. Não dá.
E4 – Verdade. É o Rodrigo Garcia, não é. Professora, eu tenho uma pergunta, também ao lado do Eri, caminhando para o final da nossa entrevista, é... o que
que a senhora achou de relatar essa história para gente, a sua história profissional, a sua história de vida, é, fazer esse retrospecto, tão carregado de
emoção, que para mim, para o Eri, para a Gabriela, para Juliana e até mesmo para a Sônia na primeira fase dessa entrevista, foi um aprendizado tão grande,
qual foi a sensação? É, para a senhora, como foi fazer essa viagem no tempo e expor a sua história de vida para gente? E ao final disso, eu gostaria de que a
senhora dissesse para nós, qual o seu maior sonho na atualidade. Então, contar qual é essa sensação de poder narrar essa, essa história de vida que se
confunde com esse campo, que se confunde não, que se entrelaça de uma maneira singular com o campo do ensino de História, com a disciplina História
no Brasil, qual é essa sensação de poder narrar para gente, essa história e qual o seu maior sonho na atualidade?
E2 – E no final, deixe expresso que está permitido o uso da entrevista, como de praxe acontece com quem trabalha com História Oral, é importante também, eu
sei que a senhora já concordou, mas é bom deixar expresso também na gravação.
R – Bom, primeiro eu quero, parabenizar vocês todos, pela organização dessa... Com esses, eu sei que, outros... são só mulheres? Só uma perguntinha, vocês
só estão trabalhando com mulher, ou tem homem?
E2 – Predominantemente assim, é tipo, noventa e nove (risos), os homens estão entrando como cota. (risos)
R e E3 – (Risos).
R – Então, eu acho isso da parte dessa, vocês que são a nova geração, que estão aí assumindo certos poderes, claro... Realizarem essa, essa história, não
é, da formação do campo, em senti... É... Eu falo assim, eu me sinto honrada e me sinto assim, é comprometida, não é, com essa atividade de vocês e muito
feliz. De estar podendo relembrar também o meu percurso. Olha, eu sou terrível, não é, porque eu falo muito, e eu me perco muito, eu tento até escrever, você
sabe que eu até escrevi um roteirinho, mas eu me perco muito nos roteiros. Então eu quero agradecer vocês, e parabenizar ao mesmo tempo. A equipe de
vocês, porque isso, esse trabalho eu sei que é longo, depois que a gente fala, tem que transcrever tudo isso, e sistematizar, eu sei que é muito difícil. E... E eu
vejo, e eu fico pensando, porque que isso é importante para vocês também, ou para as futuras gerações, vocês estão produzindo esse tipo de informação, não
é, que, e... e me parece que é esse compromisso mesmo de a partir disso vocês é terem, vamos dizer, o material para refletir sobre a continuidade dessa área,
não é, desse campo nosso de conhecimento que é do, do ensino e da aprendizagem da História. Então eu quero, antes de mais nada, dizer que eu sei
que é um trabalho difícil que vocês estão fazendo, porque coordenar tudo isso, e eu acho que são, eu não sei quantas pessoas vocês estão fazendo, devem ser
muitas, não é... É um trabalho muito importante. Acho que, que o que que eu posso dizer, desse percurso, não é, que vocês estão, percurso que vocês estão
fazendo, um percurso que é, é interessante, é isso que você falou Giselle. Quer dizer, vocês também vão aprendendo com a gente e a gente também vai
tentando entender quais são os problemas que vocês estão vivenciando, não é?. Porque eu, apesar de eu não parar, eu não parei ainda, continuo, não estou, eu
estou uma aposentada que não consigo parar, eu preciso parar, mas não consigo. Mas, então eu tenho uma certa dificuldade de sistematizar o que eu já
produzi. E também tem uma outra coisa que a gente fala muito, vocês tem que prestar atenção, a gente fala com uma certa emoção, a gente fala com emoções,
não é, por exemplo quando eu falo da Elza Nadai, das minhas, da Nídia, com quem eu trabalhei, pessoas que já morreram, não é? Então a gente, eu por
exemplo, eu tento me controlar emocionalmente quando eu falo desses momentos vividos com essas outras pessoas em que foram muito significativas
na vida da gente. Eu agora infelizmente, até tenho, agora nesses últimos dois meses, eu estou muito triste porque perdi aluno, um orientando meu. Que foi até
meu editor, meu editor daquele livro que chama Ensino de História: Fundamentos e Métodos. O Amir, que é o meu editor, foi o meu aluno, ele era de História, foi meu aluno na pós-graduação, faleceu. Então eu estou até com essa obra meio parada, eu não sei o que eu faço, eu estava em um processo de reedição, atualização da obra, mas agora está tudo parado, eu não sei o que faço. Então são muitas emoções quando a gente está falando de todos os percursos que a gente teve. Mas então quero dizer para vocês que o trabalho é fundamental, não é, eu acho que para as pessoas de alguma forma, todos que estão empenhados nesse campo, não é. Acho que refletir mesmo sobre quais são os novos percursos, quais são as novas perspectivas e os novos percursos. Então para mim, foi muito... Importante pesar de que eu não consigo ordenar, eu queria ordenar mais, ser mais, ter um poder de síntese maior, que eu não tenho, porque esse problema que acho que vocês estão sentindo, eu não sei, ele mexe muito com as emoções da gente. Então para mim é uma, uma fala... Que procura ser racional, mas ela é muito... Intrínseco, não é, à questão emotiva. Então eu agradeço vocês de terem feito o convite para participar, e parabenizar vocês por esse, por essa organização dessa, dessa memória. Que é uma memória e ao mesmo tempo vai se tornar uma memória histórica. Então, é isso que eu tinha que falar para vocês. E agradecer o convite mais uma vez participar com vocês aqui desse trabalho que eu sei que é, é difícil. (risos).
E2 – A gente que agradece professora. E aí, é... Falta, a senhora então fica liberado, que está gravado na gravação, a utilização para o projeto, de suas memórias, só para deixar expresso?
R – Está certo, está bom.
E2 – Então é isso professora.
R – Um grande abraço para vocês.
Fim da transcrição.
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