Entrevista com Silma do Carmo Nunes, em 25/05/2022, na cidade de Uberlândia, a professora Juliana Alves de Andrade, na cidade de Recife, professora Célia Santana Silva em Pojuca, Bahia, e professor Cristiano Nicolini em Goiânia. O encontro foi realizado de forma online através da plataforma Google Meet.
Estavam presentes
- Pesquisadora: Juliana Alves de Andrade
- Pesquisadora: Célia Santana Silva
- Pesquisador: Cristiano Nicolini
Legenda da transcrição:
E1: Entrevistadora 1: Juliana Alves de Andrade
E2: Entrevistadora 2: Célia Santana Silva
E3: Entrevistador 2: Cristiano Nicolini
R: Entrevistada: Silma do Carmo Nunes
A transcrição foi realizada por Juliana Miranda da Silva e revisada por Yomara Feitosa Caetano de Oliveira. No entanto, estamos assumindo aqui uma transcriação com parcimônia, uma vez que algumas poucas limpezas de repetições de palavras foram realizadas, não configurando então, exatamente uma transcrição bruta do material audiovisual.
Juliana Andrade recebeu a professora Silma, apresentou e os demais participantes da equipe, e lhe explicou que a entrevista fornecida à ABEH - Associação Brasileira do Ensino de História, que visa integrar o trabalho do projeto Histórias de vida e memórias dos pesquisadores do campo do ensino de história e foram escolhidos profissionais referentes no campo.
E1 – Então, não é. Vou fazer novamente aquele preâmbulo, dizer não é, agradecer a professora Silma, em nome da ABEH, em nome da professora Célia, em nome do professor Cristiano, dizer que pra gente é uma alegria e uma honra encontrar mais uma vez uma das professoras, que contribuíram para a construção desse campo tão importante pra área da História e da educação, que é o Ensino de História. Professora, esse projeto como eu disse tem o objetivo de reconhecer ou conhecer a história do campo, da pesquisa em ensino de História no Brasil. Então, nós estamos ouvindo essa primeira geração de professoras, que fundaram esse campo aqui no Brasil. Essa sessão está sendo gravada, então nós vamos pedir a autorização da professora Silma. Há um roteiro pré estruturado. que foi de um trabalho de um projeto coordenado pela professora Raquel Alvarenga junto conosco, que fazemos parte da equipe. São dez ou doze universidades que participam do projeto, e nós vamos seguir esse roteiro, tanto eu, professora Juliana, que falo aqui de Pernambuco, quanto a professora Célia Silva, que fala da Bahia, quanto o professor Cristiano, que fala de Goiás. Então, é com muita alegria, professora Silma, que a gente lhe recebe e agradece a sua disponibilidade de nos fazer contar um pouco dessa história do campo. Sem mais delongas, a gente queria, não a gente quer que a senhora diga seu nome completo, o local onde a senhora nasceu e a data do seu nascimento. E, como a senhora quer ser chamada nesta entrevista, não é, como eu, Célia e Cristiano, a gente deve lhe chamar.
R – Não, tudo bem. Desde antemão já vou dizendo que autorizo a gravação porque vocês esqueceram, né. Mas, meu nome completo é Silma do Carmo Nunes. Que mais você quer saber? Vai repetindo aí. Local de nascimento, eu nasci em Minas Gerais, numa cidade aqui próxima à Araxá, que é mais conhecida, que fica aqui no triangulo mineiro, chamado Santa Juliana, uma cidade pequenininha, mas está no mapa, por enquanto, (risos) a data de nascimento é nove do sete se mil novecentos e quarenta e oito.
E1 – E como a senhora deseja ser chamada aqui nessa entrevista?
R – Silma. (risos)
E1 – O difícil, não é, Célia e Cristiano é chamar só Silma. Porque a gente chama professora, chama senhora.
R – Não precisa de formalidades não. Senhora não precisa, por favor.
E1 – O difícil é chamar por conta da minha formação, professora, não tem como, mas a gente tem que seguir a regra, não é Cristiano? Se disseram a gente, se a
entrevistada está dizendo que tem que chamar Silma, a gente, não é. Eu vou passar também uma palavrinha para Célia e depois para o Cristiano para ver se
eles querem fazer alguma observação ou alguma pergunta já do roteiro. Ou se, Célia.
E2 – Boa tarde colegas, boa tarde professora Juliana, Professor Cristiano e boa tarde, professora Silma. É um prazer tê-la aqui conosco hoje à tarde, desde já
agradecer sua disponibilidade e já percebi que a senhora é muito ativa, não é, intensa, também. Se a senhora, você, não é Silma, se sentir à vontade e quiser
falar um pouco. Assim, você recebeu o roteiro, nós temos um roteiro. Mas, como você falou da sua atividade, você está agora na Associação de Docentes da
Universidade Federal de Uberlândia. E se você quiser falar um pouco dessa sua militância, como ela começa e como ela está agora nos desafios que nós
estamos enfrentando agora não só para o ensino de História, mas todo esse retrocesso dessa sociedade, eu acho que poderíamos começar a partir do calor
desse momento, essa tentativa de aprovação de ensino em casa, de proposta de pagamento de universidade pública. Então, se os meus colegas permitirem e
você se sentir à vontade, gostaria de começar ouvindo isso.
R – Embora não esteja no projeto de vocês.
E2 – Os desafios sim, os desafios hoje.
R – Acho que os desafios são muito grandes. Eu estou na universidade desde oitenta e oito, tem muito tempo. Eu já militava no movimento docente, tá e chegando na universidade eu também continuei, já fui da direção do sindicato lá na década de noventa. Depois, fiquei até um tempo até um pouco distante, mas sempre acompanhando, participando de alguma comissão e tudo. E, agora resolvi retornar, atendendo aí ao convite da categoria, participando novamente, agora como secretária geral da nossa seção sindical, aqui em Uberlândia e, evidentemente, preocupadíssima, não é, com o que ocorre hoje com a situação do país, considerando aí o governo que temos, considerando a falta de política, eu não diria político, mas a falta de política para a educação, que é extremamente complicada nesse momento, os desmandos, as desconstruções aí do movimento, das questões relativas à universidade brasileira, seja ela pública. Eu acho aqui, vou falar aqui das privadas, embora eu esteja em uma hoje, mas eu tenho sérias críticas. Acho que inclusive eles têm bastante culpa em tudo que ocorre, com a universidade pública hoje, mas enfim. Eu acho que momento é bastante complicado considerando aí essa proposta, por exemplo, do ensino pago, da privatização da universidade pública, considerando a situação dos professores que estão hoje na ativa, que correm o risco de ir para o INSS ao se aposentarem, são questões assim seríssimas, sem contar, evidentemente, a questão salarial que nós estamos aí há quanto tempo sem reajuste. Não estou nem falando nem de aumento, estou falando de reajuste. Nós Temos uma proposta encaminhada pelo ANDES, encaminhada pelas demais associações dos servidores públicos federais, estaduais e municipais também de uma proposta de reajuste de praticamente vinte por cento, dezenove vírgula noventa e nove por cento, mas que enfim, que não é suficiente, mas enfim, é a proposta acordada com os movimentos dos trabalhadores federais. Enfim, acho que está muito difícil. Eu considero que o período de pandemia afetou imensamente a questão da universidade pública e o movimento docente também. Nós tivemos em Brasília nesse final de semana sexta passada e sábado e a gente viu o relatório, os relatos das instituições, das seções sindicais, todas elas argumentando dificuldades imensas para a mobilização. Então, é uma coisa contraditória porque ao mesmo tempo a gente tem uma situação, talvez uma das mais difíceis que eu tenha vivido na universidade pública brasileira
também por outro lado, muita dificuldade de mobilização muito grande de fazer com que a categoria... A categoria entende perfeitamente, a categoria está com
dificuldade de participação. Esses dois anos de aulas remotas isso nos causou um prejuízo tremendo. Nós estamos tentando voltar todas as atividades presenciais, lá em Uberlândia. Não só as aulas presenciais, mas também, as atividades sindicais, estamos tentando fazer eventos presenciais e a gente ainda está com uma participação muito baixa, por conta dessa coisa de ter ficado dois anos, com tudo remoto e aí as pessoas ainda estarem com essa dificuldade. Sem contar também que o Movimento Estudantil, que acho que a gente não pode esquecer, nesse momento ele tem um racha muito grande, digamos assim, entre aqueles que querem realmente acompanhar o movimento docente, o movimento dos servidores públicos, mas também tem muito estudante querendo aula presencial a qualquer preço, com dificuldade, defendendo inclusive contra o passaporte da vacina. Enfim, há um contexto, há uma dificuldade muito grande da gente até fazer uma análise conjuntural do que ocorre hoje, mas enfim. Eu acho que, não sendo esse o objeto da pesquisa de vocês, mas foi importante também porque isso também acaba compondo o que permeia a educação como um todo e o ensino de história, obviamente não pode passar ao largo dessas questões. Esse é o meu ponto de vista.
E1 – Muito obrigada, professora. Cristiano
E3 – Boa tarde novamente a todas vocês. Quero manifestar a minha alegria de estar participando desse projeto. Estou aprendendo demais com essas entrevistas. Já é acho que a quarta que eu estou participando. São muitas horas ouvindo histórias e memórias. Então, eu acho que a gente pode voltar para o roteiro, e começar lá onde tudo começou. A professora já informou onde ela nasceu, o lugar onde ela nasceu, a data, então acho que essas primeiras questões são sobre esses primeiros anos, a família, aí tem algumas questões sobre pais, avós, onde que viviam, como era a vida sua cidade, sua infância. Não sei se eu pulando algumas questões já fiz tantas vezes as entrevistas que eu já estou com o roteiro memorizado. Mas enfim, o foco seria isso, deixar a professora a vontade para contar esses primeiros anos de sua vida e depois a gente vai articulando até voltar para esse tempo presente, que a professora tão bem caracterizou já na sua fala inicial. Acho que a gente só não marcou a data hoje é vinte e cinco de maio de dois mil e vinte e dois. Não sei se a gente lembrou de falar apesar de ficar registrado na gravação. É isso, Desculpa, não me apresentei. Sou professor Cristiano, estou agora quase no finalzinho do estágio probatório aqui na Federal de Goiás cheguei às vésperas da pandemia, e estou aí participando, aprendendo muito conhecendo essas amigas virtuais, a professora Célia e Juliana, que ainda não conheço presencialmente também, mas espero em breve conhecê-las. É isso.
R – Então, vou complementar um pouco das questões que você... eu também vou chamá-los de vocês, professor e professas, eu nasci em Santa Juliana, que é uma cidade pequenininha, em termos de registros, mas na verdade eu nasci na zona rural. Então, assim, a minha família toda é de origem rural. Eu só fui pra cidade mesmo na idade de escolarização a partir dos doze anos, porque o início da minha escolarização também é de zona rural. Naqueles tempos era possível você fazer a alfabetização, permanecer no ensino rural até você quase finalizar nos anos iniciais, naquele tempo era o curso primário, depois você precisava de uma escola regular, que era na verdade, que estavam localizadas nas cidades. Então eu, saindo da zona rural. Eu já fui direto para Uberaba onde vivia meu avô até ... Daí eu comecei, eu fiz o resto da minha formação do ensino da educação básica em Uberaba. Estudei em colégios particulares. Nunca estudei em escola pública em Uberaba e depois eu ingressei na Universidade Federal de Uberlândia de pedagogia, não foi para fazer o curso de História. Como eu ficava viajando, são cem quilômetros Uberaba-Uberlândia, mas ainda assim era difícil aí eu tentei uma transferência para Uberaba, e não tinha vaga no curso de pedagogia, aí eu fiquei lá assim uns dias, quase um mês numa faculdade de freiras e elas falavam: - “Pode ficar nos cursos aí dando uma olhada ver o que você vai gostar”. E fui ali fui aqui, falei: “vou ficar no curso de história, gostei daqui”. Passei para o curso de história, fiz um ano nessa faculdade de Uberaba, particular ... E, depois eu falei: - “isso aqui não é muito bom não” resolvi voltar pra Uberlândia e aqui conclui a graduação, licenciatura. Naquele tempo não tinha bacharelado. Era só licenciatura e trabalhei na rede basicamente, eu trabalhei na rede estadual e na rede particular paralelamente, depois já ainda como estudante dava aula no ensino de história, para os anos finais do ensino fundamental, no ensino médio. A falta de professora de história era muito grande, então se você estava na universidade já conseguia pegar aulas tranquilamente. Também fui a professora alfabetizadora. Alfabetizei muita criança, daquelas que naquele tempo se dizia que eram as crianças que não aprendiam porque tinha uma separação, entre as crianças que não repetiam o ano, e aquelas que repetiam e repetiam várias vezes e eu acabei digamos assim me treinando pra alfabetizar crianças que tinham vários anos de repetência, e então aí eu fiquei como alfabetizadora com três anos com alunos com essas características. Achava bem legal, porque consegui fazer, eles ler e escrever. No dia que resolveram me dar uma outra turma lá que não era com aquelas crianças, não tive o mesmo sucesso. Aí falei: - “Não vou mexer mais com os anos iniciais, não. Aí fiquei só com o ensino de História. Fui professora de pré, também. Então
assim, minha carreira começa lá no prezinho e vem e é isso. Acho que devo ter esquecido de um monte de coisa. Vocês vão perguntando.
E1 – Não. Esqueceu não. O que a professora lembra dessa zona rural lá em Santa Juliana quase a minha xará a cidade. O que a senhora lembra lá dessa memória lá da sua família.
R – Ah, está.
E1 - Como é o nome do seu pai, nome da sua mãe, dos avós a família da sua mãe do seu pai. A senhora tem irmãos conta um pouco pra gente como era essa
vida na zona rural era uma cidade, sitio, fazenda, engenho. Conta um pouco pra gente como era essa vida em Santa Juliana.
R – Eu estava fugindo da pergunta porque eu sabia que eu ia me emocionar (choro). Porque na verdade eu perdi meu pai muito cedo. Eu perdi meu pai com
oito anos de idade, e eu sou a mais velha da família, mas eu lembro muito bem assim da vida rural, da minha vó dos meus tios do convívio familiar era bem
bacana, muito ligada a família da minha mãe. A família do meu pai era um pouco mais distante, outra região... (choro)
E1 – Se a senhora quiser parar, a gente para.
R – Tudo bem, mas enfim. Com a morte do meu pai, nós ainda ficamos na fazenda mais algum tempo. Eu acho que nós ficamos mais uns três ou quatro anos, aí minha mãe resolveu, precisou mudar para cidade porque meus irmãos também precisavam estudar. Era eu, meu irmão que já é falecido e tinha mais duas irmãs, minha mãe resolveu que deixaria a fazenda, por isso. Mas quando eu fui pra Uberaba, por exemplo, eu não fui com a minha mãe. (choro) Eu fui morar na casa do meu avô. Depois a minha mãe foi pra Santa Juliana. Mas Santa Juliana uma cidade pequenininha e não tinha um colégio ainda, dos anos finais do ensino fundamental e eu tive que ir pra Uberaba. Ela ficou com os irmãos menores, um tempo lá e que mais... O que mais... A minha mãe, na verdade, ela era dona de casa, mas acabou virando costureira. Ela, depois que deixou a fazenda ela resolveu que tinha que ter uma profissão, virou costureira. Meu pai, ele vivia de plantar, eram produtos básicos, plantava-se lá na fazenda arroz, feijão, milho que era para o consumo local e também não era exportação, era pra venda, criava-se gado, e era isso, os animais, cavalos...
E1 – A senhora pode dizer o nome do seu pai e o nome da sua mãe?
R – O meu pai se chamava Orlando Lindolfo Nunes. Minha mãe Maria da Conceição Nunes. A gente tinha uma proximidade muito grande, eu já falei, com a família da minha mãe. A família da minha mãe era uma família grande. Minha avó era filha única, mas teve uma família grande. Ela tinha, acho que uns dez filhos. A nossa convivência era muito próxima, principalmente depois da morte do meu pai, que aí o apoio maior vinha deles. Do lado do meu pai também havia uma família grande, porque meu avô enviuvou e se casou de novo. Então, tinha uma família, que eram os irmãos de pai e mãe do meu pai e tinha. Eles são cinco ou seis e tinha outra família que era á que era um pouco mais jovem. E tinha irmãs do meu pai que era da minha idade, tinha mais novos. Era essa família. Os recursos financeiros da minha família então, eles são oriundos da vida rural. Casa, o que a minha mãe tinha, foi construído pelo meu pai enquanto trabalhador rural mesmo, ele plantava, colhia, vendia o excedente. Mas, era uma vida até bacana, tinha lá a criação dos animais, tinha muita festa, e a família era muito festeira, ainda é, até hoje. Hoje não tem quase ninguém mais na zona rural, mas o pessoal era bastante festeiro, muito parecido com o povo de Goiás. (risos) Até porque o triângulo tem uma proximidade muito grande com Goiás. Hoje eu tenho grande parte da minha família morando em Goiás, Itumbiara, essa região aí. Fica próximo aí da sua Goiana. Bom, então essa é a história assim, resumidamente, familiar.
E1 – E aí a senhora foi, a sua infância com oito anos a senhora vai para Uberaba,
é isso?
R – Eu fui com doze anos. Com oito anos eu estava na zona rural. Eu comecei a minha vida escolar, fui alfabetizada com oito anos, e aí aos doze eu tive que ir
para Uberaba porque aí já precisava ir cidade, não dava mais pra ficar na zona rural.
E1 – Então, e o que é que lembra desse processo de oito ou dos doze anos, como era a escola, como era a infância, as brincadeiras com esses amigos lá na
cidade, como era?
R – Então, vamos começar pela escola rural que é primeira. Eram vários pequenos fazendeiros que viviam ali naquela região e todos os pais com crianças na idade escolar resolveram abrir uma escola por conta deles. Eles construíram a escola, buscaram uma professora na cidade de Araxá, e ela dava aula pra todas as crianças ali, que os pais fazendeiros da região precisavam que os filhos fossem para escola. Então, eram mais ou menos umas vinte crianças, acho que não passava disso, ali a gente foi alfabetizado. A gente andava bastante a pé para ir pra escola. Algumas crianças iam a cavalo, mas a maioria ia mesmo a pé e era brincadeira de criança, de roça, era bem legal, a gente caminhava muito longe, muito junto. Longe que eu digo deveria ser uns dois quilômetros a pé então era tudo brincando, e tal e foi um período legal assim. Acho que a grande maioria de crianças que frequentaram aquela escola, acho que quase nenhum deles deve estar naquela região todos acabaram se mudando por ‘n’ razões. Hoje, aquela região foi praticamente inundada por uma usina elétrica. Então, parte das fazendas foram desaparecendo, e aí os descendentes dos fazendeiros tiveram que sair. Nós saímos primeiro porque para ela viúva era difícil, então, ela tratou logo de desfazer daquelas terras, e dar um jeito de procurar um lugar para educar os filhos melhor. Que mais?
E1 – E, quando chegou para estudar na cidade, como se diz, quando a gente chega para estudar na cidade como foi essa experiência? Lembra de alguma
coisa?
R – Foi tudo tranquilo, porque, pois, como eu disse, eu fui morar na casa do meu avô e na casa do meu avô...
E1 – É avô materno?
R – Não, paterno.
E1 – Como se chamava seus avós?
R – Meu avô paterno se chamava Lindolfo Nunes da Silveira e a madrasta do meu pai se chamava Geralda Nunes. Do lado da minha mãe, a minha avó que era assim, o eixo da família era Maria Joaquina Marra, e o meu avô era Joaquim da Fonseca Marra. Então assim, minha avó também ficou viúva muito cedo, mas
ela teve muitos filhos e como ela era filha única, eu lembro também da minha bisavó que era a mãe da minha avó materna, que também fazia ali, como eu
diria... fazia o ajuntamento, o agrupamento familiar do lado da minha mãe. Do lado do meu avô, a figura representativa era o meu avô paterno mesmo, então
lá em Uberaba não tive dificuldade porque fui na casa dele. As minhas tias tinham a minha idade, menores e a gente ia tudo estudava na mesma escola. Aí
pela primeira vez, eu fui estudar numa escola pública. Escola pública. Foi tranquilo, eu não tive nenhuma dificuldade, ao contrário. Naquele tempo tinha
sim uma história de classificação de alunos por nota, e tendo vindo da zona rural foi até um espanto da família como eu conseguia ficar nos primeiros lugares se
eu tinha acabado de sair da escola de zona rural com infraestrutura completamente diferente, mas eu não senti nenhuma diferença não, foi bem tranquilo. Agora, as minhas irmãs, mais novas, elas já iniciaram a vida escolar na cidade de Santa Juliana mesmo, e foi mais tranquilo.
E1 – Professora! Silma, o que é que a senhora lembra então dessa infância na casa do avô, como era o bairro, como era a casa, O que é que essas duas lembranças um trauma e como. A mudança a gente já viu. Como era a casa, como era esse bairro, essa escola, tem alguma lembrança, o pátio, a sala. Fale o que a senhora lembra desses dois espaços.
R – Eu me lembro muito bem e não tive nenhuma dificuldade de adaptação porque a minha avó também ficava muito na casa dos meus pais quando ele ia,
ele passava temporadas, meses, ele já levava um monte de crianças, os filhos do segundo casamento, e a gente já estava acostumado ali. Então, não tive
nenhum trauma com esta saída de casa, para ir pra casa do meu avô. Foi tudo muito tranquilo. Ele morava em um bairro na cidade de Uberaba chamado de
Boa Vista, era um bairro digamos assim que tinha uma boa infraestrutura, mas era um bairro de periferia, e era uma casa imensa porque tinha, ele tinha lá uns
cinco filhos, e mais eu que cheguei também e eu sei que as crianças, a gente deveriam ser uns três quartos, aquele tanto de cama de meninos esparramado.
Era bem tranquilo. A madrasta do meu pai era uma pessoa muito legal, conseguia articularem bem aquela criançada em volta dela, era bem bacana. A
escola, como eu falei era escola pública Grupo Escolar Juscelino Kubitschek. Eu fiz o quarto ano primário, depois eu fui estudar numa escola Ginásio Uberaba, aí
já era particular. Como era órfã, eu tinha bolsa, uma bolsa de órfão que existia na época, tive essa bolsa boa parte da minha vida. Acho que assim terminando
o ensino fundamental, o curso normal, ainda peguei um pouco dessa bolsa no curso normal. Fui uma aluna bolsista, estudei em ótimas escolas particulares. E,
sempre bolsista. Minha mãe não tinha recurso. Se pagar para um tem que pagar pra todos.
E1 – Não sei se Cristiano e Célia querem fazer alguma pergunta do roteiro.
E3 – Eu fiquei com uma curiosidade histórica agora. A professora falou grupo escolar Juscelino, Juscelino estava vivo ainda. O Grupo recebeu o nome.
R – Estava. Ah! Brasília foi inaugurada em mil novecentos e sessenta, não é. Eu estava em Uberaba, mais ou menos, nessa época ainda. Estava na casa do meu
avô e depois é que a minha mãe acabou tentando se mudar pra Uberaba, não dava para ficar empilhando a casa do meu avô de criança. O Juscelino era vivo
ainda. Acho que a minha veia política vem de infância. Lembro da eleição de Jânio Quadros. Me lembro muito por causa do símbolo da vassourinha. Acabei
dando aula de história falando disso várias vezes. (risos e silêncios). Podem perguntar.
E3 – Nós seguimos no roteiro, aqui?
R – Como vocês quiserem, à vontade. Agora a emoção já passou, pode falar à vontade. (risos)
E1 – Cristiano e Célia fiquem à vontade. Se a professora está falando fiquem à vontade, fiquem à vontade, não é professora?
E3 – Aqui pelo roteiro vem agora a adolescência.
R – Acho que já foi.
E3 – Mas aqui agora acho que já entra o casamento. Não sei se a gente já entra para essa fase. Nesse capítulo da novela. A novela da vida. Como foi essa fase
de juventude mesmo, de diversão? Juventude mesmo.
R – A adolescência era ótima. Engraçado era uma adolescência assim, que a gente era muito controlado, muito vigiado e tudo, mas por outro lado tinha
também outras coisas que eram bem interessantes. A gente tinha os grupos de amizades, os grupos de amigos, e as nossas diversões eram ficar à noite
conversando, fim de semana tentando fazer bailinho, galinhada, roubar galinha para fazer galinhada, ou roubar limão para fazer caipirinha. Era muito
interessante.
E2 – E a sua vida afetiva, professora?
R – Então, passou essa fase da adolescência, fui para universidade, vim para Uberlândia e tal aí a minha vida afetiva se construiu aqui em Uberlândia. Conheci
uma pessoa, me relacionei, tive um filho e não casei, mas também não reclamo não, muito pelo contrário.
E2 – Mas foi opção, professora? Porque assim, pelo que eu percebi na sua infância, adolescência foi muito sociável, muita gente, muitos grupos, muitos
primos e amigos, irmãos também. Então, isso pode ter sido uma opção ou aconteceram coisas que levaram a essa escolha.
R – Ah, então, mas a minha vida também afetiva ela foi bastante movimentada e o fato do não casamento foi opcional...
E1 – A professora é mineira, esconde o jogo. (risos)
R – Não estou escondendo nada não. Eu tinha dificuldade com essa coisa de casamento, eu não queria ter filho, mas aí eu engravidei, aí falei: - “não, vamos
assumir, não é?” Por acaso era um relacionamento, como pessoa, uma pessoa bacana, mas que tinha outra história de vida, que era um pouco conservador,
um pouco reacionário. Então, por exemplo, eu dava aula aqui em Uberlândia, mas eu também dava aula em Araguari, que fica há uns trinta quilômetros daqui,
aí ficava assim meio que um clima de dificuldade, querendo que eu parasse de dar aula fora, não mais ir para, não era dar aula fora, era basicamente um bairro
de Uberlândia, então, começou aquela coisa das discordâncias e aí eu achei melhor não me casar, que aliás, fiz muito bem, que acabou não dando certo mesmo, mas aí, todo fim de relacionamento é difícil, não é. Eu optei por ficar com o filho, claro, pra ele ficar comigo, mas assim, teve muita pressão, aquela pressão do machismo antigo: - “Você não quer casar, você também tem profissão, então não vou dar pensão. Então, desaparece”. E, foi ótimo, porque aí eu sempre tive o apoio da minha mãe, que, (pausa e choro) minha mãe optou por morar comigo. Ela basicamente criou meu filho. Criou mesmo no sentindo de cuidar, levar para escola, buscar, eu sempre trabalhei muito, sempre trabalhei três turnos, então foi um apoio imenso. Eu perdi minha mãe tem dez anos, mas ainda não superei. Essas questões me emocionam muito. (pausa e choro) eu peço desculpas, mas não tem jeito. Vocês já perceberam como eu sou, não vou ficar aqui me escondendo, não é. Então.
E1 – Não tem nada de pedir desculpas. A gente vai fazer uma pausa.
R – Então nessa separação aí, como eu não tinha casamento oficial nem nada, também não foi tão difícil, o fato das pressões psicológicas, financeiras, não me
afetavam. Eu tinha condições financeiras, tinha o apoio da minha mãe da minha família, então foi de boa. Eu fiquei muito tempo sem ter contato com o pai do
meu filho, mas depois, o menino foi crescendo, adolescência, necessidade da aproximação com o pai, acabei tendo que me reaproximar de certa forma. Ele
casou de novo, constituiu outra família, meu filho tem dois irmãos. Tinha. Um faleceu recentemente, então ele tem um irmão. Conviveu muito bem com essa
relação, não teve trauma, não teve nada. Convive bem até hoje, com a família do pai, com a madrasta. Eu também convivo muito bem com os filhos dele do
campo de lá. Gosto muito, convivo muito bem com a esposa dele, que aliás, cuidou dele até o fim da vida. Ele morreu tem três anos, e acho que ela fez assim.
Ela foi ótima, cuidou bem demais dele. Cuidou bem dos filhos e recebeu meu filho muito bem e eu também recebi os dela muito bem. Então, foi tudo muito
tranquilo. E também, depois que eu fiz a opção de que eu não queria não me casar, eu fiquei mais tranquila. Aí o caminho tomado, beleza, já sei o que eu vou
fazer da minha vida, vou me divertir, trabalhar, namorar, mas nada de compromisso sério, casamento e tal. É isso.
E2 – Fale um pouco de seu filho, professora.
R – Ah, meu filho. Meu filho tem 43 anos, ele mora em Belo Horizonte. Ele fez direito, advogou por algum um tempo em Uberlândia. Acho que chegou a advogar uns dez anos aqui, depois ele fez um concurso público no Espírito Santo, para analista do Tribunal Regional do Trabalho ele ficou lá um ano conseguiu uma permuta para Belo Horizonte, e ele já está em Belo Horizonte tem nove anos. Como Belo Horizonte é relativamente mais próximo, porque Espírito Santo era bem distante porque ele foi pra Nova Veneza, que era lá no norte de Espirito Santo, lá na divisa com a Bahia. Então, era mais difícil, mas naquele tempo do governo Dilma, que tudo era mais fácil, os voos eram baratos, ele vinha de quinze em quinze dias. Depois ele veio para Belo Horizonte, ele continua me visitando de quinze em quinze, quando muito três semanas. Nós temos um ótimo relacionamento. Hoje ele está com uma pessoa, relacionando, não casou ainda de papel, mas está morando com a menina, menina que eu gosto bastante, não tem filho ainda, mas é um companheirão que eu tenho. Eu também vou muito lá na casa deles, tem o meu quarto lá, meu apartamentinho. Mas na minha casa também não desfiz nada. Do jeitinho era que ficou. Então, quando eles vêm está tudo aí.
E1 – Coisa boa. Professora, a senhora foi de Uberaba para Uberlândia apenas?
R – Isso, isso.
E1 – Mudou de Uberaba para Uberlândia?
R – Isso, porque eu te disse no início. Eu comecei, eu fiz vestibular em Uberlândia para pedagogia, fiz um ano, o curso era anual. Fiz um ano e aí eu comecei a não gostar muito dessa coisa, porque eu viajava o curso era noturno. Então, eu saia de Uberaba no finalzinho da tarde, chegava na hora da aula e tal tinha que as vezes largar a aula pela metade para ir embora. Às vezes eu perdia a última aula, não podia perder o ônibus, então isso foi assim, de certo modo criando uma dificuldade e eu pensei: - “não, isso não tá muito bom”. Aí conversei com a minha mãe e tal, ela falou: - Uai, tenta, vamos ver se dá pra transferir, pra Uberaba. Aí fui pra Uberaba, igual te contei, não tinha vaga no curso de pedagogia. E, as freiras: - “Pode ficar por aí, olhando, qual curso você vai gostar”. E eu fui um dia na Letras, um dia na Filosofia, fiquei andando por lá e cheguei na História e gostei, fiquei. Falei “vou ficar aqui” Aí fiquei um ano, mas Uberaba era uma cidade, não gosto muto dessa expressão, mas vou usar, era uma cidade bem atrasada, sabe. Aí falei: - “ah, não, vou voltar pra Uberlândia”. Aí minha mãe falou: - “ah não, mas ficar nesse vai e vem de novo?”. Não, agora eu vou morar. Resolvi vir pra Uberlândia, mas aí eu vim para o curso de História. Acabei, cheguei aqui, tipo assim, janeiro, fevereiro. Em março já tinha conseguido emprego, tinha conseguido aulas, aí falei: - “então é por aqui mesmo que eu vou ficar” e fiquei.
E1 – Isso em que ano? Lembra?
R – Lembro! Eu me formei em setenta e seis. Por causa dessas idas e vindas, eu acabei atrasando a minha formatura, minha mãe não importava com isso, não. Estava tudo certo. Nisso, então me formei. Aqui em Uberlândia não tinha, a universidade tinha acabado de federalizar-se era uma universidade federal paga.
Já ouviu falar disso?
E1 – Sim, sim.
R – Então, pois é. Aí fiquei por aqui trabalhando. Sempre trabalhei muito. Sempre tive várias aulas, atuava, geralmente, em dois, três colégios. Aí de repente surgiu
uma especialização em História. Aqui não tinha mestrado, não tinha doutorado, não tinha nada. Quem quisesse ia para São Paulo, Belo Horizonte, tinha que sair
daqui. Foi uma especialização bem legal, bem voltada mesmo para questão, era sobre História Moderna e Contemporânea, mas teve um módulo bem interessante voltado para o ensino de História, que foi com o Marcos Silva. A partir dessa especialização, eu comecei a me interessar pelo ensino de História. Só que aí quase não tinha ninguém que estudava sobre o ensino de História aqui em Uberlândia, nem na região. Aí nós juntávamos grupos de professores da rede estadual e íamos discutir, conversar, debater como fazer com o ensino de História, como tentar melhorar o ensino de História e tudo. E, aí eu fui me interessando também pelo campo da educação. Porque aí eu comecei a perceber que somente no campo da História, eu não via possibilidade de ampliar estudos, propostas que trouxessem alguma transformação para o ensino de História. Então, comecei a enviesar um pouco para o campo da educação. Aí surgiu um concurso na escola de aplicação na UFU. E. então eu me propus a fazer o curso, o concurso, passei, entrei, fiquei no ESEBA até me aposentar. Depois de aposentada ainda mais um pouco, mas aí já fiquei mais na área da educação, na FACED. Nesse período que eu estava na ESEBA, começou também a aparecer algumas possibilidades de discussão sobre o ensino de História, as reformas curriculares dos anos oitenta, início dos anos noventa e nós como professores do Colégio de Aplicação, nós tínhamos que trabalhar muito com a questão da extensão da formação docente. E, eu acabei me envolvendo muito com essa coisa da formação do professor de História e durante um bom
tempo, eu fiz a formação dos professores da rede estadual, basicamente da região aqui de Minas Gerais. Nossa região é basicamente Triângulo Mineiro, Alto
Paranaíba e Noroeste de Minas. Como eu participei muito dessa discussão, eu e a Alexia. Alexia foi minha aluna da quinta série. Eu falo que a Alexia é meu
privilégio, foi a única que fez História, que foi para ESEBA, depois foi pra FAED a única que foi fazer mestrado e doutorado na área do ensino de História.
Escolheu a minha ex orientadora eu falo: - “Alexia, você não tem jeito”. Então, assim, a gente fazendo essa formação toda com o professorado todo da rede
surgiu o mestrado em educação, aqui em Uberlândia. Eu já estava me preparando para fazer em Campinas, mas eu falei: - “Vou tentar aqui”. Foi até uma fase difícil porque fui da primeira turma, e eu fiz o projeto na área do ensino de História. Aí acabei fazendo, não tinha orientadora na área.
E1 – Isso, em que ano, professora?
R1 – Isso foi em... Defendi o mestrado em noventa e três. Só que eu fiz rápido. Entrei em noventa, eu acho. Naquele tempo você tinha quatro anos, mas eu não
usei os quatro anos não. E, acabei sendo orientada por um psicólogo. Não tinha ninguém que orientasse no ensino de História, mas pelo menos, como ele era
também da área da Filosofia, ele dava conta de fazer umas discussões teóricas bastante interessantes, puxando aí para o curso da filosofia. A minha dissertação
de mestrado acabou se tornando um livro que é “Concepções de mundo no ensino de História” que é um dos mais conhecidos que eu tenho. E aí conheci,
na minha defesa de mestrado, que eu já tinha também alguns contatos... Nas minhas pesquisas, eu acabei descobrindo algumas pessoas que já trabalhavam
com o ensino de História. Conheci a Kátia Abud, Ernesta Zamboni, que foi minha orientadora, o Marcos Silva, enfim. Conheci o pessoal desse campo. E convidei
o Ernesto para minha banca. Ele veio, foi bem legal. Terminado, eu tinha feito a defesa e houve um congresso no Rio, logo em seguida. E, aí eu fui para
apresentar trabalho e tal. O congresso já era voltado para o ensino de História. Aliás, o primeiro evento sobre o ensino de História, que depois acabou virando
a ABEH foi aqui em Uberlândia. Depois podemos conversar um pouco sobre isso. Mas aí tem que ter um tempo só para isso porque é um pouco logo. Aí,
chegando ao Rio, eu fiz a minha apresentação e a Ernesta me chamou e falou: - “Escuta, seleção da Unicamp até sexta-feira” isso era segunda. Eu falei “não
Ernesta, não tenho projeto não. Ela falou: - “Vai embora hoje e faz, dá tempo”. Eu falei: “Ah é, então tchau, amanhã eu estou lá. Vim, fiz o projeto. Aí eu já
estava muito interessada em trabalhar com o ensino de História para os anos iniciais, até muito por conta dessa formação de professores que nós havíamos
feito aqui, já havíamos fazendo há muito tempo e aí inscrevi, deu certo e fiz o doutorado na Unicamp com o tema: - “Ensino de História nos anos iniciais”.
E2 – Essa sua fala, professora, ela já está ligada à sua decisão profissional de suas escolhas. O que você lembra dessas primeiras vivências que marcaram a
sua formação e a sua decisão. Já contou um pouco sobre a sua decisão sobre o ensino de história, suas aproximações.
R – É, me enveredei por aí, não é?
E2 – Exato, e seguindo no roteiro as suas principais referências mobilizadas no início e ao longo da sua trajetória. Aí a senhora já falou da sua relação com a
professora Ernesta Zamboni, que já conhecia sobre a professora Kátia. Se a senhora quiser falar mais um pouco das suas atividades e ações do início ao
longo da sua trajetória, ou seja, a senhora já falou um pouco da sua relação com a educação básica, mesmo no processo de formação de professores, mas se a
senhora quiser seguir por esse caminho, não sei se Cristiano e Juliana concordam.
R – Na verdade, o meu enveredamento para a questão do ensino de História foi a partir do momento, em que nós professores de rede pública municipal, estadual
éramos descontentes com o ensino de História. E, a gente começou a se reunir, conversar, fazer reuniões, finais de semana pra discutir a temática. Só que nós
tínhamos aqui na UFU, apesar de que na UFU não tinha nada relativo ao ensino de História, mas naquele tempo, a UFU era em departamentos ainda, nós
tínhamos um departamento de História, alguns professores que se interessavam pelo ensino de História, porque tinham sido professores da rede estadual. Então,
nós tivemos aqui alguns professores que nos ajudaram nessa discussão, embora não tivessem pesquisas na área nem nada, mas davam algumas pistas
de como a gente poderia pensar o ensino de História para os anos finais, para o Ensino Médio. Esses professores da UFU não eram muitos, eram três. Tinha a
professora Carmem Balbino, o professor Paulo de Barros Machado, que até faleceu recentemente, a professora Fátima Ramos, que hoje está no Rio de
Janeiro, mas aposentada, então nós acabamos construindo um grupo sobre o ensino de História. ... Acabou-se que fizemos alguns contatos com a Unicamp,
com a USP e acabamos tomando conhecimento de alguns professores, sobretudo, na Unicamp, que fazia uma discussão já pensando no ensino de História. O Edgar D’ Deca, que depois nem continuou discutindo ensino de história, mas ele veio aqui em Uberlândia, conversou bastante com a gente, nos ajudou bastante. Tivemos a Margareth Rago que também foi professora da Universidade de Uberlândia, que também não era da área do ensino de História, mas nos deu algumas pistas. Nesse meio campo é que nós tomamos conhecimento de que na USP também já haviam alguns professores e que na PUC também já havia professores se dedicando a pensar o ensino de História, e aí foi que nós conhecemos o Marco Silva, o Vesentini foi uma referência muito boa no ensino de História. Morreu cedo, o Vesentini. Quem mais, ver se eu me lembro, assim. Foram algumas referências que nos motivaram para essa trajetória aí no ensino de História.
E1 – Professora, lembra o período, isso era ano setenta, oitenta?
R – Não, não, isso já era anos noventa, oitenta, porque anos noventa porque aí já era outra fase na minha vida. Estava no mestrado, já tinha outros contatos, mas isso era anos oitenta. Foi antes que eu prestasse concurso para a UFU
E1 – E fala uma coisa para a gente aí na pergunta da Célia. Então, a senhora chegou a ser professora da rede municipal...
R – Não, estadual.
E1 – Rede estadual, em Uberlândia, em História
R – Isso.
E1 – E, depois prestou concurso para o colégio de aplicação da UFU.
R – Isso. Nesse período, em que nós estávamos discutindo ensino de História meio que amadoristicamente, porque não tinha área de pesquisa sobre isso aqui
em Uberlândia, a gente conhecia muito pouco. Com essas nossas conversas, a gente também foi pegando algumas pistas. Eu, por exemplo, acabei me interessando mais ainda por pesquisar ensino de História. Eu nem sabia que era pesquisa, aquilo era intuição, sei lá o que era aquilo. Eu dava aula para alunos,
tinha uma colega minha de turma, nós nos formamos juntas, nos dávamos aula no mesmo colégio, era considerado o melhor colégio da cidade, elite, não sei o
que, e a gente sempre assim... Ela pegava a quinta série, eu pegava a sexta, ela pegava a sétima, eu pegava a oitava. Aí um dia, eu falei assim: - “Vamos fazer
uma troca?” Eu trabalhei com a sexta, agora, deixa eu trabalhar com a sétima que agora eu quero fazer uma pesquisa. Ver o que esses meninos aprenderam.
Então, vamos trocar, trocamos e eu fui fazer uma enquete com esses alunos para ver o que é que eles lembravam daquilo que eu havia ensinado no sexto
ano para eles, sexta série, hoje, corresponde ao sétimo ano. Pois bem, qual não foi a minha surpresa é que aqueles alunos não lembravam de nada. Eu fiquei
tão triste, mas isso não pode, se eles não lembram de nada tem algum problema aí, tem algum nó aí, que a gente não está conseguindo perceber onde é que está
esse nó. Aí então eu fiz isso, digamos no mês de fevereiro, no mês de março aí como eu vi que eles não lembravam mesmo. Vi que não fica nada e... Guarda esse
livro aí que eu vou fazer, eu não vou mais dar aula desse jeito tradicional não... Posso contar a experiência, que as vezes nem interessa. Eu tinha acho quatro
turmas... trinta e seis, quarenta alunos. Eu falei: - “Vocês vão escolher as temáticas que vocês vão estudar”. E, e os meninos ficaram ouriçados ... Quatro turmas e aí eu dividi os meninos em grupos de cinco, grupo de seis. Cada grupo escolhia um tema. Aí tinha tema que não acabava mais. Aí eu falei: - “Oh, que eu vou fazer com isso”, e eu dizendo que eles iam escolher... escolhi aqueles que tinham alguma possibilidade de debate, de discussão, que pudessem caminhar um pouco mais para a História. Aí eu disse: - “Você quer saber, eu fiz a tabulação das escolhas de vocês e os temas mais votados foram esses”. Mentira, eu tinha escolhido as possibilidades de dar certo. Agora nós vamos estudar esses temas. Escolhi cinco porque cada turma tinha cinco grupos então cada turma ia ficar com uma temática. Ai um queria estudar, não sei o quê nuclear, o outro futebol, o outro não sei o quê. Fiz, elaborei mais ou menos como seria o trabalho durante um tempo eles iriam fazer a pesquisa, iriam trazer os matérias, porque não tinha livro. Então tá, vamos fazer as revistas, vocês vão sistematizando aí, fazendo roteiro de questões e vamos elaborando, o que vocês foram encontrando de acordo com o roteiro que vocês têm. Até aí estava indo bem até que segunda semana os pais vieram para escola, mas vieram em peso. Essa professora é louca, como vocês põe uma professora louca dessa para dar aula, os meninos não dão sossego, querem revista, querem jornal, aí a diretora me chamou, e disse: “Deixa que eu me viro com os meninos”. Era aquela escadaria bonita. Eu chegue lá: - “vocês estão preocupados à toa, se vocês puderem arrumar os materiais para os seus filhos, ótimo e se não puderem, paciência”. Vocês têm que se preocupar só com isso, o resto deixa pra lá que vai tá tudo certo. Aí os pais foram embora. Terminamos o trabalho, o trabalho ficou bonitinho, interessante. Aí agora tem que ter uma apresentação. Vamos fazer no anfiteatro um teatro bem legal, vocês vão apresentar. “Há! Professora e cadê suas notas?”, o supervisor fala. A professora responde: “Não tem nota. Os meus meninos estão fazendo os trabalhos.” Supervisor fala: já acabou o primeiro bimestre, o segundo bimestre, e você não tem nota. Não, a gente vai ter no fim. Aí, cansaram de tanto perguntarem. Tinha um detalhe, eu era presidente do Sind-UTE/MG eles me respeitavam um pouco, meio com medo do sindicado. E, tá precisei sair de licença, o Sind-UTE/MG disse que diretor agora é liberado. Aí que eu vou fazer: - “arruma um substituto”, a diretora abre uma vaga para minha substituição, aí chegava um professor. Vem cá, vou te explicar como é que é. Muito obrigada, não. Chegava outro. Não, também, não dou conta. Aí chegou um professor que até eu já conhecia, chamado Vianei. O Vianei era da sociologia, não era nem da História. Aí teve a apresentação, teve televisão e foi o ‘escambal’, foi muito legal, mas só que aí já estava no segundo semestre, não voltei mais, no ano seguinte já fui pro ESEBA. E, aí a experiência ficou. Eu não
sistematizei nada, naquele tempo nem pensava que era necessário publicar, nem fazia parte da nossa mentalidade não. Era muito diferente, então, essa foi
a minha primeira experiência voltada para a questão do ensino de História. E daí eu falei: - “não! Agora eu quero virar pesquisadora do ensino de História. Como
eu não sei, mas quero virar. Aí eu fui para o mestrado e fiz um projeto na área. Depois, fui para Unicamp. Na Unicamp a discussão já era boa. Aí nós já tínhamos aqui também em Uberlândia mais alguém, a professora Selva Guimarães, já tinha ido fazer mestrado e doutorado na USP com o Marcos Silva. E a Selva sempre foi minha amiga, e eu falava: “Selva, agora minha filha, vamos criar de pesquisa em Uberlândia”. Então vamos. Aí tinha a Aléxia, que já era professora da rede, depois foi para a ESEBA também e aí o negócio começou a melhorar e assim foi.
E1 – Risos
R – Você acha graça... (risos)
E1 – Sim (risos). É tão bonito, não é eu, Cristiano e a Célia temos ouvido tantas histórias. É um processo. Hoje a gente se beneficia de pegar o campo já feito e
a gente tá vendo como é difícil montar.
R- Quando eu fiz mestrado, ei tive uma dificuldade imensa de bibliografia, não tinha quase nada. Eu fui pra Belo Horizonte, para UFMG, porque na UFMG pelo
menos tinha uma biblioteca mais ampla e tal. Naquele tempo tinha o sistema COMUT e, mas enfim, uma vez, mandaram, precisa ir para lá, fiquei lá acho que
uns quinze dias. Enveredei naquela biblioteca e aí acabei conversando com alguns professores. Não tinha ninguém da área do ensino de História, mas tinha gente
da educação, que davam umas boas pistas, por exemplo, o Neidson Rodrigues, com quem eu já briguei imensamente na vida, por conta de sindicalismos e tudo.
Mas, o Neidson era um filósofo, ele me viu lá na UFMG tentando catar as coisas aqui e ali. Ele sentou comigo, me deu umas dicas bem interessantes para eu
achar material. Aí eu comecei a descobrir umas publicações, algumas coisas que o pessoal não sei porque talvez não tiveram a oportunidade ler, não conheciam, não é? E, eu consegui trilhar isso e fazer a minha dissertação. E, depois já no doutorado foi mais fácil porque aí já o ensino de História já tinha se tornado um campo de pesquisa bastante interessante, em nível nacional, porque até então, a coisa estava muito restrita à nossa localidade.
E1 – Professora, o doutorado a senhora fez em que ano?
R – Ah, sobre o primeiro encontro do ensino de História aqui em Uberlândia vocês vão entender, um pouco, como é que foi essa trajetória.
E1 – Certo, e em que a ano a senhora fez o seu doutorado?
R – Eu terminei meu doutorado em dois mil e um. Eu comecei... Eu atrasei acho que um ano, pois foi o período que minha mãe adoeceu e tal, e eu tive que, é eu
sei que no meio da pesquisa eu tive um problema do início do adoecimento da minha mãe e com isso daí eu atrasei a pesquisa.
E1 – Mas a senhora fez o doutorado da UNICAMP, foi?
R – Foi, na UNICAMP.
E1 – No final da década de noventa e início dos anos dois mil?
R – Eu defendi em dois mil e um. Acho que foi março de dois mil e um. Eu me lembro bem da minha defesa. Assim, eu fiz a minha defesa no dia da morte do
Mário Covas. Eu lembro que São Paulo fechou, fechou tudo, a Universidade fechou.
E1 – Difícil?
R – Mas, a defesa já estava marcada e a minha orientadora pediu se poderia pelo menos fazer a defesa e tal aí eles falaram: - “Então tá, faz a defesa aí, mas
vê se não demora demais”. Sei que a gente estava ainda faltava um tempão pra terminar a defesa eles já começaram: - “A gente precisa fechar, a gente precisa
fechar e aí”.
E1 – Quem foi na banca, a professora lembra?
R – Na minha banca foi um professor da PUC de São Paulo, o Kazumi Munakata
E1 – Sim.
R - Selva Guimarães. E, quem que era? A Vera da UNICAMP e tinha um professor da Argentina, que eu não lembro o nome dele de jeito nenhum. Ele
estava, ele era um professor visitante na UNICAMP. Eu tenho que olhar na minha tese, não lembro o nome dele.
E1 – Tudo bem!
R1 – Eu não estava entendendo nada das perguntas que ele me fazia, aí o moço chegou: - “Oh, precisa fechar. Eu falei que bom, então vou responder tudo de
uma vez.” (Risos).
E1 – Risos
R – Aí o moço ficou assim, as perguntas dele não respondi nada.
E1 – Olhe...
R - Hoje é aniversário da Ernesta Zamboni.
E1 – Me fale uma coisa, entre o período da dissertação e a tese, o campo estava aí nesse movimento de surgir os pesquisadores.
R – Isso.
E1 - E surgiu o primeiro encontro. Começa a dizer para gente como é que foi a história desse encontro aí em Uberlândia.
R – Deixa eu falar. Esse encontro é muito polêmico, posso deixar para falar no próximo encontro?
E1 – Pode, claro
R- Rememorar algumas coisas também. Só posso dizer o seguinte. Nós na ESEBA já tínhamos contato com os Colégios de Aplicação de todo o Brasil, que
são vários colégios de aplicação, não é. E, nesses colégios de aplicação. Uma das coisas que a gente começou a movimentar foi sobre a questão do ensino de
História, e foi desta ideia de juntar os colégios de aplicação e outras instituições que tivessem pesquisa e tal no ensino de História é que nós tivemos a ideia de
fazer um encontro aqui. A ideia na verdade foi minha e da Selva, da Selva Guimarães. A Selva falou: - “Vamos fazer um encontro. Vamos, dá certo”. Eu falei, então vamos. Sem nenhuma infraestrutura, nada, mas tinha uma coisa naqueles períodos que era bom dentro das universidades. Você fazia os projetos e eles andavam rápido e se você tivesse recursos, os recursos também chegavam rápido. Então, a gente conseguiu fazer o encontro, mas eu vou contar mais do encontro na próxima.
E1 - Então conta para a gente só para terminar, para aproveitar os últimos minutos, se fosse dizer para a gente dessa trajetória, não é, lá daquela menina
de Santa Juliana até...
R – Da roça.
E1 – (Risos). Lá da roça, não é, até a menina que as freiras: - “olha vai vendo qual curso aí”, se fosse para lembrar ou daquela mulher já que estudou na
UNICAMP, não é, na UFMG, nessa trajetória escolar toda, professora Silma, você teve algum professor, alguma professora marcante assim que até hoje, na
sua memória se faz presente, e que te influenciou assim, a muita coisa, do que a senhora é aí na EDUF, aí, na ... como professora mesmo?
R – Deixa só eu te dizer, minha bateria está acabando e eu não sei. Esse computador não é meu, ela vai cair. Na verdade, acho que ainda dá para responder. Alguns professores, sobretudo, colegas de trabalho é que foram importantes, no contexto para eu me interessar pelo ensino de História, porque na minha formação mesmo, ensino de História era bastante tangenciado. A gente falava do ensino de História quando fazia estágio e olhe lá, e olha que eu fiz ótimos estágios, porque eu já fui para rede, fui para uma escola que logo depois eu já fui ser professora, e então. Eu tive lá nos anos finais do Ensino Fundamental um professor de filosofia, aliás um filósofo que dava aula de História. Você sabe que ele acabou me incentivando a gostar a de História, porque até então, eu não tinha interesse. Ele passava umas pesquisas interessantes. Naquele tempo não tinha internet. A gente ia para as enciclopédias e não sei o que, eu comecei a me tornar uma leitora de História. Então, esse professor, me lembro até o nome, professor Eufranor, lá em Uberaba, ele, posso dizer que me levou ao interesse de História, muito mais ao interesse do que professores de História propriamente dito.
E1 – É isso. Professora, professora Silma, professora, Célia e professor Cristiano. Pela questão do computador e pelo horário, nós vamos encerrar essa
sessão, a primeira sessão.
Entrevista com a professora Silma do Carmo Nunes, na cidade de Uberlândia, a professora Juliana Alves de Andrade, na cidade de Recife e professor Cristiano Nicolini em Goiânia. O encontro foi realizado de forma online através da plataforma Google Meet. O encontro foi realizado em 10/08/2022, de forma online, através da plataforma Google Meet.
Estavam presentes
- Professora: Juliana Alves de Andrade
- Professor: Cristiano Nicolini
- Professora: Silma do Carmo Nunes
Legenda da transcrição:
E1: Entrevistadora 1: Juliana Alves de Andrade
E3: Entrevistador 2: Cristiano Nicolini
R: Entrevistada: Silma do Carmo Nunes
A transcrição foi realizada por Juliana Miranda da Silva e conferência realizada por Yomara Feitosa Caetano de Oliveira.
E1 - Então, vou saudar novamente a professora Silma. Agradecer, em nome da Associação Brasileira de Pesquisadores de Ensino de História, a disponibilidade
dela participar dessa segunda etapa da entrevista do Projeto Histórias e Memórias de Vida de Pesquisadores do Ensino de História. Nesse segundo bloco da entrevista com as pesquisadoras, nós vamos para a etapa do desenvolvimento do trabalho profissional, não é? E nós queremos ouvir um pouco da professora Silma, como foi a escolha dela por fazer, não é, o curso de História e atuar nesse campo de fazer o mestrado e o doutorado. Ela contou um pouco de como foi a escolha da graduação e as escolhas, enquanto adulta, de ir para a cidade estudar, mas como foi fazer o mestrado e o doutorado no campo do ensino de História, e qual foi o período. A gente queria ouvir um pouco a senhora. Mais uma vez, em nome da ABEH, a gente agradece.
R - Boa tarde a todos e todas. É um prazer voltar a falar com vocês. Como vocês desejam saber sobre essa trajetória profissional, como eu já contei um pouco
como eu acabei indo para o curso de História, que foi meio que aleatoriamente, pois bem, quando eu já estava cursando, o curso era anual, lá pelo segundo ano
eu já comecei a ministrar aulas de História para a Educação Básica, na rede privada e na rede estadual. Ministrei aula para o Ensino Fundamental II e para o
Ensino Médio. Eu fiquei na docência da Educação Básica Estadual de mil novecentos e setenta e três até mil novecentos e oitenta e oito. Em mil
novecentos e oitenta e nove, eu fiz o concurso da Universidade Federal de Uberlândia para o Colégio de Aplicação. E aí, então, eu saí da rede estadual e
fui para a rede federal, para o Colégio de Aplicação, e foi no Colégio de Aplicação que eu me aposentei. Pois bem, mas o meu interesse pelo ensino de História,
quer dizer, eu já estava me licenciando em História, ministrando aulas de História, mas eu não tinha ainda a consciência dos problemas, que o ensino de
História, assim como também o ensino de Geografia, enfrentavam, porque ainda lá nos anos setenta, setenta e quatro, ainda havia um resquício dos chamados
estudos sociais. Então, veja, a minha primeira preocupação, meu primeiro interesse, por começar a pensar o ensino de História foi em relação a essa dificuldade que se estabelecia com os chamados estudos sociais. Eu não cheguei a ministrar aulas de estudos sociais, eu sempre ministrei aulas de História, mas eu via nesta política, que era baseada na Lei cinco meia nove dois, com muita influência norte-americana na educação brasileira, vindo do período da ditadura militar. Então, a gente percebia que o ensino de História, na verdade, ele era muito prejudicado por conta desta política, desta organização curricular moldada pela Lei cinco meia nove dois. Pois bem, depois eu me formei, e depois de formada eu continuei ministrando aulas de História, e aí começaram, como foi chegando o final dos anos setenta, e já se começou um grande debate em torno da luta pelo fim da ditadura militar. Então, os professores de História acabaram se envolvendo muito, mas a gente tanto se envolveu no campo da discussão política, da luta pelo fim da ditadura militar, como também nós nos envolvemos na discussão bastante profunda sobre a necessidade das mudanças na educação. Queríamos uma transformação na educação brasileira. E aí, claro que era uma vontade de uma mudança, na educação como um todo, mas evidentemente que isso acabava rebatendo em áreas específicas, e os professores de História, com certeza começaram também a discutir as dificuldades enfrentadas no ensino de História em relação à qualidade do ensino, em relação ao que se ensinava, como se ensinava, a questão dos livros didáticos. Tudo isso passou a ser objeto de discussão entre os professores, os professores da educação básica, da própria rede, e aí eu estou falando muito
especificamente, aqui de Uberlândia. Mas é claro que essa discussão não era somente localizada, essa era uma discussão que já estava bastante presente
em nível nacional, a partir da ANPUH, embora a ANPUH não tivesse ainda, ela não tinha uma preocupação específica com o ensino de História. Pois bem,
mediante estas observações e estas tentativas de fazer alguma coisa, eu comecei a me interessar pelo ensino de História em termos de estudos. Eu nem
falava em pesquisa ainda, porque na minha formação acadêmica, formação de professora de História, não tinha essa conversa de formar pesquisador.
Formava-se o professor licenciado, e ponto. Mas aí essa nova discussão que foi surgindo, ela me levou a ter essa preocupação. E, eu passei a estudar,
inicialmente, muito por conta própria, é claro, a partir do que eu ouvia dizer, a partir de uma bibliografia, de referências que nos chegavam por meio das nossas
discussões, dos nossos debates, de amigos que também já conheciam um pouco mais as dificuldades do ensino de História. Então, eu comecei a estudar,
a estudar bastante por conta própria, mas aqui em Uberlândia, a Universidade Federal de Uberlândia, ela não tinha pós-graduação, nem na área da História,
nem na área da Educação. Então, veja, eu... O primeiro curso de especialização, a pós-graduação lato sensu, que surgiu aqui na UFU, e que discutiu bastante a
questão do ensino de História, foi em mil novecentos e oitenta e nove, está? Oitenta e nove, noventa. Então, este curso, que, aliás, era ministrado por professores, basicamente da USP, mas alguns da Unicamp, mas quase todos da USP, e tínhamos aí, nesse curso, alguns professores que trabalhavam muito a questão do ensino de História, e aí eu destaco o Marco Silva, porque o Marco Silva, que ministrou aula nesse curso, ele já pesquisava o ensino de História e ele nos deu, assim, algumas dicas de como é que nós poderíamos começar a desenvolver um trabalho, mais aí, caminhando para pesquisa, para pensar um pouco o ensino de História. Pois bem, feito isso, eu já comecei com algumas experiências. Antes mesmo deste curso, considerando que, eu... Não sei se o tempo aí que eu tenho é longo, porque se dá para contar a experiência ou não, pode cortar, se você quiser.
E1 - Não, professora, a senhora tem a tarde toda, à noite, fique tranquila, aqui tem bastante tempo.
R - Está bom.
E1 - Está ótima a história.
R - Então, mas antes mesmo deste curso de especialização, ou diríamos, durante o decorrer desse curso, com o qual eu fiquei bastante empolgada. Eu comecei a pensar algumas coisas em relação aos meus alunos da rede estadual. Eu ministrava aula numa escola, considerada a escola de elite da cidade. Cujos alunos pertenciam à burguesia local, pequena burguesia, mas sobretudo a burguesia mesmo. E era uma escola que recursos materiais, se solicitados, era possível adquirir. Ainda que a escola, o Estado não oferecesse, mas com os pais era possível conseguir muita coisa. Até porque quase sempre eram filhos de médicos, enfim, dos profissionais liberais da cidade, que tinha, era a classe endinheirada da cidade. Pois bem, então, nós éramos duas professoras que formamos juntas. A professora Gerônima Augusta, que não foi para a carreira acadêmica, e eu. Então, nós fazíamos uma dobradinha. A professora Gerônima ministrava aula para a quinta série, eu, que hoje é o sexto ano, eu ministrava para a sexta série, que hoje é o sétimo ano. Nós íamos assim, ela na quinta, eu na sexta, ela na sétima, eu na oitava, eu pegava as turmas consideradas mais difíceis em termos de disciplina, porque eu sempre fui a professora brava. Então, era sempre os nônos anos, as antigas oitavas séries, que eram os adolescentes, eu sempre trabalhava com eles. Pois bem, um dia eu resolvi fazer a seguinte experiência, bem no início do ano, pensei, como é que eu vou começar o ano com os meus alunos? Aí, conversei com a professora Gerônima, falei: - Gerônima, eu ministrei aula para eles na sexta série, você vai ministrar na sétima. Vamos fazer o contrário? Deixa, eu ministrar para eu ver o que é que ficou daquilo que eu ensinei e tal? Aí ela concordou. Concordou, então eu pensei, antes de fazer planejamento, antes de qualquer coisa, que é aquilo que se fazia no início do ano, você sentava, planejava, não conhecia os alunos, conhecia nada, não sabia quem eram esses alunos, o que eles sabiam ou não sabiam, qual era o conhecimento deles e tal, mas você fazia o planejamento. Aí eu falei: “Não, vou fazer.” Aí tinha uma história de supervisão na escola, criou se um caso, eu falei: Não, não vou, eu vou fazer uma sondagem primeiro, depois eu entrego. Aí, nas primeiras aulas, eu fiz o seguinte levantamento, comecei a conversar com eles sobre o que eu havia ensinado no ano anterior, e o que é que eles lembravam, o que é que eles aprenderam e qual não foi a minha surpresa. Sabiam nada, ou quase nada. Então, isso para mim foi assim, um
horror. Eu fiquei desesperada, angustiada, porque ou eu achava que eu fazia as melhores aulas do mundo e depois, no ano seguinte, eu perceber que esses
meus alunos não adquiriram conhecimento, não aprenderam a pensar historicamente falando, eu fiquei assim, chateadíssima e pensei: “Ah, então vou fazer o seguinte, não vou fazer, não vou seguir o programa tradicional da escola. Vou fazer tudo diferente.” Aí eram quatro turmas de sétima série, que hoje seria
o oitavo ano. Bom, cada turma tinha trinta e seis alunos, era padrão. Eu pensei: - O que eu faço? Ah, vou fazer um trabalho diferente, vou ver qual é o interesse
desses alunos, o que eles gostariam de estudar, de fato. E aí, então, só um minutinho, por favor. (Interfone toca)
E1 - Fique tranquila.
R- Pois bem, então sabe o que eu fiz? Eu fiz uma pesquisa entre os alunos. Falei: - Vou fazer o seguinte, vamos organizar a turma em seis grupos, cinco ou
seis grupos, vocês formem os grupos aí à vontade, e cada grupo vai indicar um tema que gostaria de estudar. Pois bem, então as quatro turmas se organizaram
desta forma, discutiram entre eles e colocaram os temas que seriam do interesse de estudos. Bom, imaginei também onde é que eu iria me meter, porque aí
apareceram lá muitos temas diferentes, muitos. Aí eu pensei: - E agora? O que vou fazer? Com tanta temática. E, eram temas, assim, que às vezes... De certo
modo, eu acho que tudo tem ligação com a História, mas eles pediam para estudar futebol, música, energia nuclear, então eram coisas assim. E, aí eu fiquei
desesperada, falei: E agora? Como eu vou fazer? Fui para casa, no dia seguinte pensei, eu já sei, eu vou dobrar esses meninos. Eu juntei todos os temas, falei,
olha, vários temas apareceram, então o que eu fiz? Eu fiz uma seleção de acordo com aqueles que apareceram em maior quantidade. Na verdade, eu tinha
selecionado aqueles que eu achava que dava para trabalhar. E assim fizemos, separamos cinco temas e cada turma iria trabalhar com esses temas. Bom,
começamos o trabalho. Primeiro, não tinha o livro didático, porque eu não tinha um livro para os temas. Eu sei que um dos temas que foi, que foi... Eu não lembro
todos os temas, mas eu sei que futebol foi um deles, eu sei... Eu não me lembro quais são, não me lembro mesmo. E aí eu falei: Bom, então vamos fazer o
seguinte, não há material, não há livro, não tínhamos internet naquele tempo, então vamos ver o que a gente faz. Vamos procurar jornais, vamos procurar
revistas, e assim, nós vamos fazer um trabalho de pesquisa e nós vamos trocar os materiais. Tudo que você achar sobre os temas aqui que serão trabalhados,
vocês vão trocar entre si. Porque se você acha uma coisa que não é para o seu grupo, para o seu tema, mas serve para o outro grupo, nós vamos fazer a troca,
então, do material. Começamos aí, daí há quinze dias, uma chuva de pais na porta da escola. Por quê? Porque a professora de História era maluca! – “Como
é que ela faz uma coisa dessas? Como é que nós vamos fazer com esses meninos que estão nos deixando desorientados? Porque eles querem material.
Onde nós vamos arrumar isso?” A diretora ficou muito inquieta, eu falei: Deixa comigo. Fui lá, conversei com os pais, falei: Olha, não se preocupe, vocês
ajudem no que puder, e a história, o negócio é o seguinte, é para eles aprenderem a construir conhecimento. Aí eu já tinha, pelo menos, lido um pouquinho de Piaget, aí os pais deram por encerrada a questão e tocamos o trabalho. Quando está, eu falei: “Olha... E também não tem mais essa coisa de final de bimestre, vai ter a nota pronta e registrada no diário oficial, porque não vai poder ser assim.” No final do semestre, o trabalho encerra com as apresentações, e aí nós vamos atribuir notas para primeiro e segundo bimestres. Foi outro drama, porque a escola não permitia uma coisa dessas. Mas também, já com a coisa adiantada, e outra coisa, eu era presidente do sindicato dos professores do Sind-UTE/MG, em Minas Gerais, aí tinha um certo receio do sindicato, aí deixaram, ficar por isso mesmo. Pois bem, terminando o semestre, as apresentações deveriam ser em agosto, porque não daria tempo. Nisso, veio a liberação do governo de Minas para eu ficar liberada para o sindicato. Pois bem, e agora? Então, vamos arranjar o substituto. Aí foi o caos, não é, porque... Oi professor Cristiano! Aí todos aqueles professores que apareciam para pegar essas aulas, quando eu contava como é que ia ser, o que é que eles teriam que fazer para terminar, para encerrar aquela experiência, eles não queriam, não pegavam, iam embora. Falei: Agora pronto, vou perder minha liberação. Apareceu um colega meu, por sorte, da Sociologia, não era historiador, depois acabou até fazendo História. Ele era um professor bem antenado e tal, ele falou: - Bom, eu vou pegar. Falei: - Ótimo. Ele se chama Vianei: Então beleza, Vianei, então você pega, vou te dar todas as orientações. E, ele pegou, e ele terminou o trabalho, só que ele falou: - Só que de agora para frente vai ser assim, livro didático na mão. Falei: - Está tudo bem! Mas, enfim, eu, qual foi o desfecho dessa primeira experiência minha conhecendo História? Que, na verdade, era uma pesquisa, mas eu não tinha muita noção disso. Tanto é que eu não registrei essa experiência, ela está registrada só na minha mente. Então, eu disse: - Não, tudo bem, já encerramos, já deu para eu ter uma noção. E, a partir daí, eu já comecei a pensar o ensino de História numa outra perspectiva. Queria fazer mestrado em História, não pensando ainda em ensino de História, eu achava que o mestrado na História me ajudaria a responder as minhas preocupações com o ensino de História. Aí eu fui para... Fiz a seleção na UFMG... Fiz na História, nem era História, era Ciências Políticas, lá não tinha mestrado em História. Aí eu fui
aprovada, mas aí a pessoa que eu tinha escolhido...
E1 - Que ano, professora?
R - Oi?
E1 - Que ano foi a aprovação?
R - Foi em mil novecentos e oitenta e sete, oitenta e sete. Aí, o professor que eu havia escolhido para ser meu orientador, ele falou assim: - Olha, sinceramente.
O meu projeto era voltado para o ensino de História. Aí ele disse: - O seu projeto não se encaixa muito aqui, eu acho que você deveria ir para a Faculdade de
Educação. Mas já tinha passado a seleção da Faculdade de Educação. Aí eu fui para a Goiânia fazer a seleção, mas aí Goiânia estava meio fora de mão, então acabei não fazendo, larguei. Aí veio o concurso da universidade, eu fui para a escola básica, logo em seguida veio um curso de especialização na educação, eu fiz por fazer, porque não era bem a minha área, mas eu falei: - Ah, vou fazer. Eu não tinha direito a férias, falei, então, já que não tenho férias mesmo, vou estudar um pouquinho, que quem sabe, dá alguma coisa. Aí tinha um professor do Rio, ele não é da História, da educação mesmo, ele, ao quase encerrar o curso, ele me chamou e falou: - Olha, acho que você deveria ir para o mestrado. Eu falei: - Tá, professor, mas não sei, aqui está difícil, não tem liberação, ainda estou no probatório. Aí ele falou: - Não, mas dá um jeito, vai pensando aí, porque não perde essa oportunidade, não. Aí, neste mesmo ano, surgiu o mestrado em Educação aqui na UFU. Eu resolvi concorrer, fui da primeira turma, e o projeto já estava pronto, era um projeto sobre Ensino de História, eu investigava o Ensino de História do quinto ao nono ano, que eram os anos finais do Ensino Fundamental, e, a partir daí, então, foi interessante, porque eu já tinha as leituras praticamente prontas, porque essas... A base bibliográfica e tal, eu vinha pegando há muito tempo, e interessante que, como o mestrado era em Educação, mas a gente tinha uma dificuldade de orientador, era o primeiro ano do mestrado, e o orientador acabou sendo o cara da Psicologia. Mas ele era muito legal, ele falou para mim o seguinte: - Olha, eu te oriento metodologicamente, agora essas coisas aí que você fala, de historiador, de não sei o quê, isso aí fica para a sua conta. Falei: então, está beleza. Mas como a minha necessidade era de uma orientação teórica no campo da pesquisa, foi ótimo, ele era muito bom nisso. Aí terminei, qualifiquei, chamei para a qualificação, acho que a qualificação era só interna, sei lá, não lembro mais disso não, mas enfim. Eu tinha três anos, eu já estava com o trabalho pronto para defender com dois anos e meio. E aí, com dois anos e oito meses eu defendi. Aí chamei a professora Ernesta Zamboni para a banca, pedi para
chamar ela, convidar, ela aceitou, e aí, como a Ernesta já tinha uma trajetória boa encaminhada aí na questão do ensino de História, eu comecei a conversar
com a Ernesta, e nos tornamos amigas e fomos conversando, e no ano seguinte teve um congresso. Aí, assim, a gente já... Tínhamos avançado bastante na
questão do Ensino de História aqui em Uberlândia, porque no Departamento de História, naquele tempo, não era instituto ainda, a faculdade era dividida em
departamentos. Então, o departamento de História, ele tinha um laboratório, laboratório de Ensino e Aprendizagem em História. Nesse laboratório, como era
de Colégio de Aplicação, eu acabei me metendo nesse laboratório, e nós criamos... E, lá tinham dois professores que eram muito interessados na questão
do Ensino de História, e nós, então, a partir daí, criamos uma revista, que se chamou Cadernos de História, hoje ela não existe mais, mas esta revista, ela foi
muito importante, porque ela começou a agregar as produções, as reflexões, os resultados de pesquisas já voltadas para a questão do Ensino de História, tá? E
aí, com isso, nós acabamos fazendo um contato bastante amplo e expandindo uma rede pelo Brasil, que discutia, que tinha interesse no Ensino de História.
Pois bem, a professora Selva e eu, a Selva, que é também minha colega, desde a Rede Estadual, a Selva tinha saído do Colégio de Aplicação, tinha ido para a
Faculdade de Educação, mas continuava com interesse na pesquisa sobre o Ensino de História. Aí, nós nos sentamos, Selva e eu, lá em momentos de
discussão, mesa de boteco, aí a Selva falou: - “Vamos fazer um congresso de Ensino de História?” Eu falei: “Aí, Selva, vamos!” E, nós fomos atrás da
universidade. Aí, como o Colégio de Aplicação era bastante aberto para isso, o Departamento de História deu maior força, a gente foi para a reitoria, foi atrás, e
conseguimos fazer o primeiro congresso do Ensino de História do Brasil, aqui em Uberlândia. Isso foi em mil novecentos e noventa, noventa, entre noventa e
noventa e três, por aí. E, a partir daí, deste primeiro congresso, que foi, assim, um espetáculo, nós não esperávamos, mas teve gente do Brasil inteiro neste
congresso. E, a partir deste primeiro congresso do Ensino de História, dos pesquisadores do Ensino de História, era assim que chamavam o congresso,
esse congresso foi se repetindo. E, a partir das repetições do congresso, é que se criou a primeira Associação dos Professores do Ensino de História, criando,
de certo modo, também um conflito com a ANPUH, porque a ANPUH não gostava dessa ideia, achava que era uma... E eu tenho uma tendência a
concordar com a ANPUH, acho que se fazia uma divisão interna na ANPUH. Mas, enfim, acabou prevalecendo a ideia de ter a associação dos professores,
pesquisadores do Ensino de História, pelo fato da ANPUH não encampar essa linha de pesquisa dentro da ANPUH. Então, foi assim que surgiu, no Brasil, isso
que nós hoje temos aí, que é a Associação dos Professores e Pesquisadores no Ensino de História. Bom, de uma coisa eu pulo para a outra, mas... (risos). Falar
assim é meio complicado, não é? (risos) Bom, voltando um pouquinho, nessa trajetória aí de formação profissional, nas minhas conversas com a Ernesta, e aí
também com o segundo encontro dos professores, pesquisadores no Ensino de História, que foi no Rio. Eu acho que foi na Universidade Federal Fluminense, se
eu não estou enganada. Era no Rio. Aí nós fomos para o congresso e, chegando ao congresso, que tinha trabalho para apresentar e tudo. Tinha apresentação já
no primeiro dia. Ernesta me chamou e falou: - Olha, abriu a seleção de doutorado, você vai fazer. Eu falei: - Não vou fazer, porque eu não tenho projeto, não fiz projeto, não fiz nada, que dia que encerra? Ela falou: - Daqui a cinco dias. Eu falei: Mas como eu estou aqui? Se eu estou aqui, encerro daqui a cinco dias, eu não tenho projeto nem nada, como é que eu vou me inscrever, Ernesta? Ela falou assim: - Simples, você vai embora hoje à noite e dá um jeito de fazer esse projeto e mandar. Eu falei: - Ah, é? Você acha que dá? Ela falou: - Dá. A Ernesta era meio assim, né? Meio adoidadinha. Aí chamei meus colegas e falei: Gente, vou embora hoje. – Você está doida? Não tem passagem? Eu falei: Não, vou de ônibus mesmo. Não consegui trocar a passagem de avião, eu falei: Vou de ônibus. Comprei uma passagem, vim do Rio a Uberlândia, de ônibus, cheguei aqui, encostei as malas, fui para o computador e fui montar o projeto. Mas eu já tinha uma ideia, eu já estava interessada, como no mestrado eu investiguei o ensino de História nos anos finais do Ensino Fundamental, e pelo fato de estar na Escola de Aplicação, e pelo fato de que havia acontecido as mudanças curriculares no Brasil, em Minas Gerais, aquela confusão toda de mudança curricular, e eu já havia trabalhado muito na formação de professores, fazendo a extensão com os professores da rede, praticamente, eu posso dizer que eu fiz a formação dos professores de História, com as mudanças curriculares de Minas Gerais, lá no início dos anos noventa, em toda a região de Minas Gerais. Pelo menos Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba, Noroeste de Minas, fiz tudo por meio das superintendências regionais. Como eu fui a pessoa que, a professora que se interessou por essa área, participou do início até o fim, participou da elaboração, da mudança curricular e tudo, eu fiz essa formação... Desses professores... E isso daí me despertou interesse por investigar uma coisa que ninguém tinha interesse, que era o ensino de História para os anos iniciais. Porque eu ficava pensando... Os meninos chegam lá, as crianças chegam na chamada quinta série, que hoje é o sexto ano, sem a menor noção do que é História, não tem noção de nada, mas tem a carga horária de História nos anos iniciais, ela é definida em termos de quantitativo de aulas, carga horária, então, o professor tinha que ministrar essas aulas, mas não ministrava, e aí era o caos. Então, eu já tinha isso na cabeça e fiz um projeto para doutorado, para investigar o ensino de história nos anos iniciais, aqui na região do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba e Noroeste de Minas, uma região bastante ampla, com... Naquela época, tinha sete superintendências regionais, eu acho que ainda continua o mesmo número, então, eu fui pesquisar em sete cidades, não... Sete cidades, cada cidade tinha que ter sede de uma superintendência regional, que tinha o controle ali do programa e tudo, e tinha que ter três escolas de cada uma dessas cidades, e nessas escolas, nessas três escolas, eu tinha que trabalhar
minimamente com três professores, e de cada professor, no mínimo, com três alunos. Então, foi isso a pesquisa. E, a partir daí, quer dizer, já estava consolidada também a minha linha de pesquisa. Bom, mas, enfim, voltando à história da Ernesta, que falou: - Vai embora, faz projeto. E como eu tinha o projeto mais ou menos na cabeça, eu fiz o projeto, sim, deu tempo, nos cinco dias, porque valia a data de postagem, aí, mandei e tal. A minha entrevista demorou, foi a última, falei: - Ah já esquece, não estou nem mais preocupada com isso, não. Aí, um dia, me liga lá, a secretaria da UNICAMP: - Ah, professora, sua entrevista é amanhã. Falei: - Como assim? (risos) É amanhã? Falei: - Ah, não, ninguém me avisou nada! - Não, professora, mas não dá tempo, não? Não, falei: - não, dá, não é? Tem que dar! Fui. Aí, eu me lembro, era a Vera Sonja. Sonja? Sonja? Era a Vera. Carolina Bolvério, que já se foi, não é? E a Ernesta, eu sei que eram três. Aí, elas falaram, não, o projeto já está delineado, está definido, a metodologia está tranquila, a referência bibliográfica... a sua referência está acertada. Falei: - Então. Então, está bom? - Está. Então, vai me orientar, Ernesta? - Vou. Falei: - Então, está, pronto! E assim, fui eu para o doutorado, viajar de Uberlândia para Campinas. Viajava domingo à noite,
chegava lá de manhã, assistia aula segunda dia inteiro, voltava, chegava na terça, e ia dar aula no Colégio de Aplicação, porque a liberação era só parcial. É
essa coisa. Então, assim foi. Acho que é assim um pouco a minha trajetória para, em termos de interesse pela pesquisa no ensino de História, trajetória
profissional. Bom, mas aí tem uma outra coisa que eu acho importante também. Onde que a ESEBA foi importante. A ESEBA é o Colégio de Aplicação, Escola
de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia. Onde que ela foi importante na minha trajetória de pesquisadora no ensino de História. Foi
importante por quê? Como é um colégio de aplicação, como colégio de aplicação tem obrigação de fazer pesquisa, tem obrigação de fazer extensão, e eu
realmente gostava de tudo isso, não é? Então, eu comecei. Além de fazer a extensão de forma bastante forte, paralela aí com mestrado, depois com
doutorado, eu também continuei pesquisando a própria sala de aula, transformando a minha sala de aula em laboratório de pesquisa. Tanto é que,
como eu contei da revista Cadernos de História, eu tenho um artigo publicado que é um relato de várias experiências que foram feitas, que eu fiz, no espaço
da sala de aula, com os adolescentes. Eu ministrava aula para adolescente, para os alunos aí na faixa de treze, quatorze, até quinze anos no máximo. Então, é
isso a minha trajetória. Agora, hoje... (risos). Hoje eu já fico... (risos) Eu nem sei mais o que eu estou pesquisando. (risos). Eu tenho muita preocupação com o
ensino de História. Por exemplo, agora nós estamos com um projeto, entreguei essa semana o projeto no nosso espaço de pesquisa, lá na Faculdade de
Educação da UFU. Nós temos lá o Observatório do Ensino de Geografia e de História. Então, eu faço parte do projeto. E, agora, junto com a Selva e mais um
professor da Geografia da ESEBA mais alguns professores, nós vamos investigar o ensino de História a partir da BNCC. Eu, particularmente, estou com
a parte de pesquisa ligada à questão do Ensino Médio, o chamado Novo Ensino Médio, que é, assim, loucura total. Mas, enfim, o projeto está pronto, eu não
comecei ainda a pesquisa, porque eu saí da Covid, embora a Covid, para mim, tenha sido uma gripezinha, né? Como dizia o Bolsonaro. Para mim, foi porque
eu já tinha quatro doses de vacina, então, foi tranquilo. Mas aí já veio o final do semestre, vocês sabem que eu sou diretora acadêmica de faculdade particular,
tem a ADUFO, não é? Eu sou secretária geral da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Uberlândia, toma muito tempo, a gente viaja muito
(risos). Esse final de semana mesmo...
E1 – É muita atividade.
R - A gente está em Brasília, discutindo lá as questões relativas às questões docentes, mas, enfim, então, eu entreguei o projeto, não comecei a pesquisa
ainda. A minha parte...
E1 – Oh, professora.
R - Mas é uma pesquisa que eu tenho que dar conta... Só um minuto. Tenho que iniciá-la agora, nesse segundo semestre, não tem jeito.
E1 - Mas, só para retomar um pouco da história que a senhora estava contando, nesse processo de se preparar para o mestrado, doutorado, de estudar, de olhar
a sua prática, não é? Quais eram as referências teóricas? Quem eram os autores? A senhora falou em Piaget, mas no campo do ensino de História, a senhora lembra quem era que a senhora lia, quem era que, assim, não, era um nome, a senhora falou do professor Marco Silva, ele também foi entrevistado, não é? Por exemplo, quando a gente entrevistou a professora Selva, não é, Cristiano? Ela falou bastante da senhora, então, mas quem era que a senhora lia, naquele, no período que a senhora fez, para fazer seu projeto, tanto de mestrado quanto doutorado, que são dois períodos diferentes? Então, no mestrado, quem a senhora leu para fazer seu mestrado, não é? Tanto para a metodologia, para fazer a pesquisa, quanto para pensar o ensino de História, e no doutorado, quem é que a senhora lia? E como foram as aulas lá no doutorado?
R - Boa pergunta. Olha, as minhas leituras, elas foram bastante diversificadas. Mas o que me ajudou muito a pensar e a repensar o ensino de História, eu não
vou lembrar todas as leituras agora, mas eu posso dizer que algumas referências foram fundamentais, embora elas não tratem especificamente do ensino de
História, mas elas fazem a discussão sobre a questão da História. Então, eu gosto muito do Thompson. O Thompson foi uma grande influência na minha vida.
Hobsbawm. Foram, assim, digamos, os livros de cabeceira. Mas eu também sempre tive uma aproximação com a filosofia bastante forte, sempre gostei. E,
embora numa outra perspectiva, diferente do Thompson, mas que se aproxima um pouco do Hobsbawm, Gramsci foi a grande referência para o meu mestrado.
Gramsci foi a minha grande referência. Também não discute História, mas as discussões teóricas, as discussões políticas, sociais, que o Gramsci faz, eu acho
que elas me ajudaram muito a pensar a questão da formação do professor, a pensar a organização da sociedade e ver como que o ensino de História transcorria no meio de tudo isso. Então, foi, assim, fundamental. Agora, nacionalmente, é claro, o Marco Silva foi uma grande referência, mas não só o Marco Silva, eu li, eu li muito. Não vou dar conta de citar agora o que eu li, mas, olha, posso dizer em termos de confluência, de instituição. Por exemplo, a produção “USPiana”, ela foi muito marcante na minha formação. E também da Unicamp. Então, talvez o meu interesse em ter ido para a Unicamp, em ter corrido atrás da Ernesta, foi muito por conta, com certeza, foi por conta da influência das leituras, que eu acabei me envolvendo nelas durante toda a minha trajetória de formação e eu diria que principalmente depois da graduação, mesmo quando eram, digamos, eu posso dizer que eram estudos autônomos, porque não tinha um curso de formação, de especialização, não tinha nada, né? Então, a gente ia fazendo as leituras conforme as sugestões iam chegando. Às vezes, você lia um livro, aquele livro falava de um outro autor que discutia, aí eu corria atrás, entendeu? A minha formação se deu muito por aí. Então, é uma coisa interessante. Agora, é claro que aquelas pessoas que estavam interessadas no ensino de História e que nós nos reuníamos, mesmo antes do Laboratório de História da UFU, como, por exemplo, Selva... Selva e eu, a gente sempre conversamos e discutimos e estivemos juntas a vida inteira, é uma irmã. Tinha a Fátima Ramos lá na História, que hoje ela está no Rio, mas era uma pessoa muito interessada. Nós tivemos vários professores que passaram por aqui, que se aposentaram, foram embora, que eram aí de São Paulo. Nossa relação com São Paulo é muito forte, não é forte com Belo Horizonte, nós não temos muita proximidade com BH, acho que por causa da distância, e é difícil de ir, então, por exemplo, semana, quinze dias atrás, estava em Belo Horizonte, gente, que dificuldade, um aeroporto muito longe, aquela... Eu preferia ir de
carro, vou sozinha e volto, porque é mais rápido! Então, assim, essa... A PUC de São Paulo ajudou muito. A Maria Auxiliadora Schmidt... Olha, eu gostava demais,
gosto da discussão que ela faz, ela era uma pessoa que trabalhava muito com a questão do ensino de História. Ela foi da minha banca de concurso. Então, assim,
é difícil de listar agora as leituras, mas se você olhar os meus trabalhos, você vai ver a influência que está por aí, mas eu destaco, eu destaco muito, no campo da
História, Thompson, do Hobsbawm, e aí no campo da Filosofia, Gramsci, mas, enfim, tem muito mais coisa.
E1 - Então, já falamos... Não sei se Cristiano quer falar alguma coisa, mas já vou emendar uma pergunta na outra. Então, pensando isso, nessa confluência de
autores que lhe influenciou, dessas mulheres também não é, dessas autoras, e se a senhora pudesse destacar seus trabalhos, não é, qual foi o que mais a
senhora acha: - “não esse fez uma diferença para o campo”, e por que ele fez uma diferença? Ou eles fizeram uma diferença? Esses trabalhos são diferentes
para o campo? Então, a gente queria que a senhora falasse um pouquinho desses seus trabalhos acadêmicos de produção. Aí, a dissertação, a tese, os
artigos, escolha um e fale sobre. Por que a senhora... Não, esse aqui é meu xodó, geralmente tem um que é mais destacado.
R - Olha, sinceramente, não tem um xodó. É, eu acho que esses trabalhos, eles se entrecruzam, eles têm momentos, eles foram produzidos em momentos
diferentes, mas que, querendo ou não, há uma ligação entre todos eles. Por exemplo, a minha dissertação de mestrado, eu diria que, para mim, foi assim, o
máximo, porque foi a minha primeira publicação com um teor científico mais elaborado. Tanto é que acabou virando o livro, que é o “Concepções de Mundo
no Ensino de História”. Foi importante porque foi publicado no momento que a publicação no Ensino de História era ainda muito pequena. Hoje nós temos
várias. Também tenho muitas críticas a ela. Mas não vou dizê-las aqui agora, porque não é o espaço. Mas, eu acho que ele foi publicado no momento em que
a gente procurava, quase que como agulha do palheiro, alguma publicação sobre Ensino de História, e não encontrava quase nada. Quando eu estava fazendo o
mestrado, encontrei, assim, eu era rato de biblioteca, eu ficava semanas na UFMG, porque a biblioteca da UFMG era muito boa. Eu ficava enfiada lá. Eu fui
ao Rio, eu fui a São Paulo, eu fui a Campinas para tentar descobrir alguma coisa, e não tinha quase nada, praticamente nada. Mas encontrei algumas três
dissertações, uns três ou quatro artigos, que eu não me lembro mais, mas são pioneiras essas professoras, mas eu até tenho que pegar o meu livro para olhar,
relembrar quais são essas referências. Sinceramente, foi muito difícil, muito. Teve um momento que eu pensei: Mas está difícil, acho que eu não vou
conseguir fazer isso, não. Ninguém fez, por que eu tenho que fazer? Mas aí já tinha começado, vamos acabar. Bom, depois, a minha disserta... A minha tese,
eu já considero que ela, eu acho ela importante, eu não a publiquei, mas hoje eu até arrependo. Agora eu estou até pensando em retomá-la, mas tem que ser
dentro de uma nova abordagem, refazer uma pesquisa aí, por causa da questão dos anos iniciais. Eu achei que é uma produção que eu tenho um carinho muito
especial, porque eu sempre tive muita preocupação com o ensino de História nos anos iniciais, ou eu até diria, com a falta do ensino de História nos anos
iniciais, porque é uma aberração. E, até porque nos anos iniciais não há professor de História ministrando aula de História, não é, é o pedagogo. Então
isso aí me levou, inclusive, a pensar, a fazer algumas discussões sobre a formação do professor dos anos iniciais, que se ele tem que ministrar aula de
História, então ele precisa ter uma formação nesse campo, uma formação melhor pensada, do jeito que é colocada hoje, quase que assim, de modo muito
superficial. Gosto muito. Eu sou apaixonada pelos meus filhinhos, né? Eu gosto muito dos meus artigos, sabe? (risos) Tem um artigo que eu te falei, que é sobre
as minhas experiências no Colégio de Aplicação, na ESEBA, que é uma coletaneazinha de vários tipos de trabalhos que eu fiz com os meus alunos, utilizando história em quadrinho, charge, poema, música, enfim. Usando aí as diferentes linguagens, como se diz, não é? Gosto muito da expressão não, mas usando as diferentes linguagens em ensino de História, então eu gosto muito desse artigo. Ele é um artigo até curto, mas eu pedi autorização para os pais dos alunos e eu consegui colocar as produções dos alunos. As pesquisas, pesquisinhas que eu fiz com eles, pesquisa, por exemplo, como viviam os trabalhadores na cidade de Uberlândia na década de noventa, então é superinteressante. Então, eu gosto muito desse trabalho. Hoje eu tenho escrito muito, como eu tive também um tempo, eu não contei isso, eu tive na gestão do prefeito Gilmar Machado, do PT aqui em Uberlândia, no período de dois mil e treze a dois mil e dezesseis, eu fui assessora de Secretaria da Educação, e nós fizemos um projeto muito interessante para a Secretaria de Educação, para a Educação Básica, para a Educação Municipal. E, hoje eu tenho muitos artigos publicados dessa experiência, que também gosto. Tem um também que é sobre o ensino de História nessa rede. Enfim, eu tenho dificuldade de falar qual que é o meu trabalho preferido. Acho que cada um deles tem uma conotação, e que naquele momento eu considerei importante trabalhar aquilo que está contido ali nesses trabalhos.
E1- Professor Cristiano, que a gente se encontrou também nas reuniões aí das associações, deu um abraço bem grande nele. Que legal.
E2 - É diferente, não é? Professora, sobre a revista que você citou, os Cadernos de História, acho que é o título, ela teve só a versão impressa, provavelmente,
não chegou no digital. E, você tem exemplares caso a gente... Porque a gente vai ter também um acervo, né, Juliana? Com materiais que vocês mencionaram.
Se for possível, futuramente, talvez escanear, não sei como a gente poderia fazer, porque eu fiquei bem curioso para conhecer, eu não conheço esse material. Ela circulou durante quanto tempo e teve quantas edições?
R - Então, Cadernos de História foi uma publicação muito importante porque foi também a primeira do Brasil específica sobre ensino de história. E tem
publicações de pesquisadores do Brasil inteiro. Então, assim, me parece, caso a memória não me falhe, ela durou de mil novecentos e noventa, quando ela foi
criada, até por volta de quase o final dos anos noventa. Mas eu tenho vários exemplares, não sei se tenho todos, porque eu sempre fui muito envolvida com
a revista, eu sempre fui do Conselho Editorial dela e tal. Depois, quando eu me aposentei, acabou que eu também fiquei um tempo trabalhando fora de
Uberlândia, e aí eu deixei um pouco a revista, então eu não posso dizer que eu tenho todos os exemplares. Agora, eu tenho os contatos, o laboratório de ensino
de História, ele existe ainda. Tem um amigo meu, o Newton D'Ângelo, que também andou passeando pelo ensino de História, mas aí acabou tomando outro
rumo também. Então, eu chamei de Niltinho. Posso ver com o Niltinho como que anda, qual foi a última publicação, e o que eu tenho, eu coloco à disposição.
Posso dar um jeito de reproduzir, mas também posso ver lá no laboratório para vocês a possibilidade de também conseguir aquilo que, por acaso, eu não tenha.
Eu fiquei com muita pena dessa revista acabar, mas ela acabou justamente por conta da dificuldade de que nós temos muito poucos pesquisadores sobre o
ensino de História. E, estes pesquisadores, eles não estão na História propriamente dita, eles estão nas faculdades de educação, o que é também complicado, porque embora todos os pesquisadores que eu conheça, eles sejam historiadores. São historiadores que, no contexto da educação, fazem as pesquisas sobre o ensino de História, fazendo o cruzamento da questão da História com a educação. É o meu caso. Não por acaso eu acabei fazendo até um pouco por influência da UFMG, que acabou me empurrando, achando que o meu projeto não tinha muito a ver com a história, nem com assistentes políticos, mas deveria ser da faculdade de educação. E eu fui pensar isso e achei que estava correto, e não me arrependo, acho que a minha trajetória acadêmica, ela me ajudou muito nessa linha de pesquisa aí. Achei que foi bem legal. Mas os cursos de História, acho que eles precisariam... Acho que já estou entrando em outra pergunta que vocês vão fazer. (risos) Não é, não?
E1 - Mas, fique à vontade, não é Cristiano? Aqui a gente tem um roteiro.
E3 – O roteiro é só para a gente não se perder.
E1 - Um roteiro é só para a gente não se perder. Para a gente não se perder e também não ficar sem ter o que perguntar. Fique à vontade, professora, aqui
pode falar o que a senhora quiser. Uma coisa que eu ia retomar aqui, perguntar à professora, é que ela contasse um pouco, que ela falou que era aposentada,
mas continua em ativo. Explica um pouco para a gente aí essa aposentadoria que está trabalhando mais do que quando estava na ativa. Conta um pouco para
a gente como é esse vínculo. Porque uma das...Já é no finalzinho, mas aí a gente vai antecipar. A nossa bolsista, quando for transcrever, não é Cristiano, vai dizer “a professora Juliana fez antes a pergunta”. Mas como é esse vínculo, professora? Como é que a senhora está atuando hoje no campo do ensino de História, no campo profissional? A gente faz essa pergunta para todas as professoras.
R - Pois bem, eu me aposentei em... Tentar lembrar aqui... Mil novecentos e noventa e oito. Aí, antes de me aposentar, eu fiz concurso para professor substituto na Faculdade de Educação. Aí eu passei em primeiro lugar, mas a aposentadoria não tinha sido publicada, eu pedi para o segundo lugar assumir primeiro. Aí eu me... A minha aposentadoria foi publicada, por exemplo, hoje, amanhã eu assumi na Faculdade de Educação. Aí eu iria ficar lá dois anos, com direito a renovar por mais dois, mas aí apareceu um emprego na rede privada, e eu resolvi. Aí pedi exoneração, foi um caos, porque a UFU. Nossa, mas eles ficaram bravos demais comigo. Eu falei, ah, mas eu quero ir, não quero ficar, né? Fui, trabalhei em Caldas Novas, fui para lá coordenar curso, uma faculdade nova, lá eu fiquei de dois mil, acho que até dois mil e quatro. Aí voltei para Uberlândia, fui para a Faculdade Católica, enfim, eu não consegui parar. (risos). Paralelamente à Faculdade Católica, eu também fui criar uma faculdade nova aqui, da Rede Unipac, e eu fiquei só nessa faculdade até hoje. Eu comecei lá em dois mil e três, fiquei paralelamente um tempo, Unipac e Católica, depois eu fui criar o curso de História na Faculdade Católica, aí eu pedi demissão da Unipac, porque eu saí de lá em dois mil e nove, e fiquei na Católica até dois mil e doze, aí veio a gestão do PT em Uberlândia, a gestão Gilmar Machado, eu fui para a Secretaria de Educação, quando estava terminando a gestão Gilmar Machado, eu voltei para a Unipac em dois mil e quinze, estou lá até hoje. Mas, enfim, por que é que eu não consegui parar? Eu não sei, (risos) eu fico pensando. Ah, eu vou ficar aqui em casa fazendo o quê? Eu gosto da minha profissão, eu gosto de fazer formação de professor, eu gosto do movimento sindical, eu sempre fui sindicalista, desde a década de oitenta, final dos anos setenta. Na verdade, eu iniciei mesmo o movimento sindical, como participante mesmo, na década de oitenta, iniciozinho dos anos oitenta. Então, venho fazendo essa trajetória, quando eu vim para a UFU, eu já logo, logo me engajei também no sindicato. Eu entrei em oitenta e nove, noventa, eu já fui para a direção do sindicato. Depois, eu sempre tive em conselho, colegiado, essas coisas. Mas, assim, com esse negócio de trabalhar na rede privada, às vezes também eu fiquei um pouco sem tempo. Mas também nunca deixei de participar das coisas da UFU, ou de qualquer universidade que me convide. Banca de concurso, banca de defesa de mestrado, doutorado, sempre que eu posso, eu dou a minha
contribuição. E, também, assim, participar de núcleos de pesquisa, como é o caso do Observatório do Ensino de Geografia e História. Eu nunca estive
desligada, porque a UFU é a menina dos olhos para mim. Foi aqui que eu fiz a minha carreira, grande parte dela, fiz boa parte da minha formação, desenvolvi,
me aposentei lá, desenvolvo pesquisa até hoje lá. Então, assim, isso é isso que eu respondi, é isso. Agora, eu sei que eu tenho que parar uma hora, mas não sei
que dia nem que hora não. Tem muita pressão, sabe? Para eu parar, porque eu estou agora, completei setenta e quatro anos no dia nove de julho. Então, assim,
está na hora, mas não está. Então, assim, eu não tenho marca para parar. Não pensei em fim. Há hora que eu falo assim, não quero mais isso. Mas aí, depois,
eu falo, não, mas eu preciso, eu quero terminar, não, eu quero fazer isso, eu quero ver, eu quero isso aqui e tal. E aí vai, vai tocando, não é? O fato também,
eu acho que isso tem um pouco a ver com a questão familiar, não é? Como eu só tenho um filho, ele mora fora, não é? Eu tenho meu sobrinho que fica aqui em
casa comigo por enquanto, porque ele é de Uberaba, faz faculdade aqui, fica aqui em casa até, foi eu atender a porta, era coisa para ele. Mas, enfim, a minha
liberdade é muito grande. Então, como eu tenho essa liberdade imensa, esse tempo, não é, disponível, e eu acho que ainda vou tocando, vou fazendo as
coisas que são do meu interesse, do meu agrado. Eu não faço nada porque eu preciso, ou porque me obriguem a fazer. Eu acho que isso daí é ótimo, porque
uma coisa é você, por exemplo, se eu estivesse trabalhando na rede privada. Rede privada é muito diferente, gente, muito diferente. Mas, por incrível que
pareça, vocês sabem que eu me saio até bem com todas as minhas... (risos). Eu sei que eu sou meio, às vezes, radical, mas mexendo com o movimento sindical,
mexendo com o partido político, mas eu consigo me sair bem. Então, assim, enquanto eu tiver vontade, interesse, eu vou ficando. A hora que aquilo me
cansar, também eu largo, porque eu não tenho esse compromisso, essa necessidade, não é? Então, assim, eu costumo dizer para as pessoas, e estou
dizendo aqui para vocês agora, que a minha vida, como felizmente ela é uma vida tranquila, eu vou tocando até onde der. Mas também não gosto, não faço
nada assim... Hoje eu acho que estou até com muita coisa, estou com muita coisa mesmo. Mas eu não gosto de fazer nada que atrapalhe também as minhas
questões pessoais, por exemplo, sair, não é? Sair com os amigos, ir para o boteco no fim de semana, beber uma cervejinha, um choppinho, não é? Viajar.
Então, se não me atrapalhar nesses pontos, para mim está ótimo. Agora, o lugar que vocês menos me acham hoje é em casa, eu estou aqui hoje para atender
vocês, porque no dia que eu atendi lá no computador, eu falei, vou para o meu que é melhor.
E1 - Professora, que bom, é inspirador, não é, Cristiano? Essa coisa do trabalho, que bom que tem uma marca positiva, acho que a gente tem entrevistado as
professoras, todas ainda são muito ativas, não é? Algumas já passaram dos setenta anos e todas são muito, nem parecem ter setenta anos. Que bom que o
avanço da idade, as marcas do tempo estão sendo generosas. Porque a gente sabe que num país marcado pela desigualdade, a passagem do tempo às vezes
não é tão generosa como tem sido na sua vida, não é? Mas, professora, fala um pouco também nessa grande, nesse grande processo que a senhora teve, a
gente está chegando ao finalzinho, nesse processo que a senhora teve de formar muita gente, de dar aula para muita gente, de fazer curso, de formação
continuada, de produzir artigo, de trabalhar em secretaria, a senhora teve experiência de orientação, como foi essa orientação? O que foi mais marcante?
Hoje, quais são os trabalhos, digamos assim, que a senhora poderia destacar? Quais são esses orientandos? Que, olha, isso é legal, prestem atenção nesse
tipo de trabalho, o trabalho desenvolvido por fulano, e sicrano, ao longo dessa sua trajetória. Fala um pouco dessas suas orientações para a gente.
R - Então, você fez uma colocação aí bem interessante, porque, olha, eu considero um privilégio poder trabalhar na área de formação docente. Eu gosto
muito, e quando eu falo trabalhar na formação docente, não é só na questão do ensino de História. Hoje, eu lido com o curso de pedagogia, e a formação dos
pedagogos é para atuarem na educação infantil, nos anos iniciais, e eu aproveito também para fazer um gancho aí com, sobretudo, a questão curricular, com a
questão do ensino de História. Então, acho isso fundamental. Isso também me deu também uma base muito grande para fazer a extensão por aí afora. A minha
extensão sempre foi também na área da formação docente. As orientações. Então, por exemplo, eu não atuei no mestrado, doutorado, como orientadora,
porque eu era do Colégio de Aplicação. Não era da faculdade de educação, era do Colégio de Aplicação, mas eu sempre participei como banca e tudo. Agora,
eu já orientei demais aluno de lato sensu, e aí, lato sensu, hoje, me dá uma tristeza de ver como isso funciona, porque lato sensuo, que eu atuava orientando,
orientava muitos alunos, era muito interessante, porque os cursos eram presenciais, os cursos eram duradouros, tinham os PCCs tudo organizado, muito bem organizado, os meninos faziam trabalhos excelentes, e aí, tem uma coisa que eu considero muito importante, aqueles alunos que eu pegava lá nos cursos
de especializações, principalmente da Católica, da Unipac, e mesmo na UFU, eu fazia uma certa triagem daqueles que eu sabia que podiam se tornar... Avançar
na vida acadêmica. Então, tem hoje uma infinidade de pessoas que fizeram mestrado, doutorado, porque eu empurrei. Eu tenho consciência disso. E, eles
agradecem, são pessoas... Hoje, olha, é muito... Outro dia, estavam, eu fui num velório de um ex-aluno meu, aluno lá do ginásio ainda, que tem colégio estadual,
menino até jovem, e é, por ter sido meu aluno, não é? Mas, enfim. E aí, foi interessante porque... E, às vezes, também, eles fazem encontros de ex-alunos
do Colégio Escola Estadual de Uberlândia, mas conhecido como o Museu. Eles fazem encontros, eles nos convidam, a Aléxia também. A Aléxia foi minha aluna
dessa época. E a Aléxia, ninguém quer falar, você tem que andar no meu caminho, porque você fez a minha trajetória, você me copiou (risos). Às vezes,
igualzinho. Mas, enfim, eu fico observando e ouvi lá nesse velório o seguinte, os meus alunos, tudo em volta ali, aí um falou assim: - Ah, você também foi aluno
da Silma? Aí a menina respondeu: - Mas quem é nessa cidade que não foi? Então, assim, é muito interessante, porque boa parte dos professores dessa cidade acabaram... Foram meus alunos em algum momento. Hoje, quase que os profissionais que eu utilizo, por exemplo, médicos, dentistas, são meus ex alunos. Então, assim, para além da questão do ensino de História, essa coisa da relação com a educação, com a formação do jovem, do adolescente, eu acho que isso é muito importante. E eu considero que isso foi muito legal na minha vida. Eu não sei se é isso que você perguntou. (risos). É tanta coisa. Pode perguntar de novo, se quiser.
E1 - Não, é isso, assim, Cristiano, se quer perguntar alguma coisa, eu já vou para a parte da finalização, Cristiano, que é aquela parte que a professora vê, ela disse que não ia falar sobre as diferenças, mas tem, professora, a gente quer ouvir um pouco. A senhora é bastante crítica, não é? A gente quer ouvir como é que a senhora avalia, o que é que mudou? Eu vou fazer, são duas perguntas, mesmo que a senhora depois esqueça um pouco, mas eu retorno, né? São dois desdobramentos. O que é que a senhora avalia, o que mudou em relação ao ensino de História da época que a senhora iniciou, então, o que é que a senhora
vê de mudança do ensino, da prática, enfim, da cultura, não é? Dentro da cultura escolar, o que é que muda o ensino? E de quando a senhora pensou a pesquisa
do ensino de História aí na década de noventa, o que é que mudou? Então, são as duas dimensões de pensar o ensino. Quais são as mudanças, pensando o
ensino enquanto objeto de estudo de crianças e adolescentes, ensino dos professores e objeto de pesquisa de muitos pesquisadores. Tudo isso em
relação a essa pesquisadora que acumulou bastante coisa, não é? Como é que a senhora vê isso?
R - Então, olha, vou começar falando da mudança em relação à formação de professor de História. Veja, na época em que eu fiz curso de História,
licenciatura, não havia uma perspectiva crítica da História. Era uma coisa mais tradicional. Entretanto, havia uma coisa que eu hoje acho que se perdeu demais
nos cursos de História, que é a questão do conhecimento, da transmissão e da construção, transmissão mesmo, e da construção do conhecimento histórico. Eu
acho que hoje está numa superficialidade impressionante, e isso, de certo modo, faz com que os professores recém-formados, eles cheguem para atuar na
educação básica sem saber por onde começar, sem saber o que fazer. Então, eu avalio, isso é uma avaliação minha, e é uma avaliação a partir de observações
dos professores iniciantes. Porque eu também lido muito com essa coisa de trabalhar com a pesquisa de formação de professor iniciante e tal. Pois bem, então, isso é uma coisa gravíssima do meu ponto de vista. Porque hoje há uma tentativa de se formar um professor de História crítico. Ótimo, eu concordo plenamente que tem que ter essa pegada. Mas, formar um professor crítico que realmente tenha conhecimento, porque eu estou percebendo, mas não é só no campo da História, não. Estou percebendo muito isso no campo das licenciaturas. Está havendo um rebaixamento da questão do conhecimento impressionante. Então, há uma tentativa de formar um professor crítico e tal, mas como é possível formar um professor crítico? Como é possível que o sujeito desenvolva essa criticidade se ele também não tem o conhecimento, se ele não tem nenhuma pista, pelo menos para buscar esses conhecimentos? Então, isso está, assim, fazendo com o quê? Eu vou falar mais do ensino de História. Eu acho que isso está muito difícil, está prejudicando demais o ensino de História. Daí, a gente continua com o mesmo problema que nós tínhamos lá na década de setenta, oitenta, de que ninguém gosta de História. Os alunos continuam não gostando de História. Quando o quê? Olha, nos anos noventa, isso começou a melhorar. Eu acho que no final dos anos noventa, início do século vinte e um, isso deu uma melhorada, só que agora voltou quase que a estaca zero. Então, isso, para mim, merece uma pesquisa. Merece uma pesquisa. E eu estou falando de quem esteve à frente de uma secretaria de educação, de quem faz essa observação no dia a dia, dos próprios docentes que chegam hoje no ensino superior. Que não está muito fácil, está complicado. Então, essa mudança, eu não poderia deixar de registrá-la. Agora, qual é o outro veio aí que você queria que eu falasse? Na questão da pesquisa, né?
E1- Que falasse um pouco do que a senhora observa sobre o próprio ensino, a História ensinada, né? O que é que mudou desse tempo que a senhora era
professora, década de setenta, oitenta, noventa e hoje? Mudou alguma coisa da história ensinada, do currículo, né? E das pesquisas, né? Dos objetos de
pesquisa, enfim. O que é que mudou dentro do campo, assim?
R - Excelente pergunta. Veja, lá no final dos anos, lá na década de setenta, nos anos oitenta, a História ensinada, eu vou falar na educação básica, era uma
História acrítica. Entretanto, era acrítica, era conteudista, era cheia de problemas ligados à questão de memorização, enfim, vou não fazer aqui a recapitulação de
todas as críticas que já foram feitas enormemente. Houve um momento, eu diria que, segunda metade dos anos noventa, teve uma certa preocupação em fazer
uma mudança, e houve um movimento para essa mudança, em relação ao ensino de História. E se tornar o ensino de História uma coisa mais crítica. Um
ensino de História que apontasse para a perspectiva da compreensão da realidade, da sociedade, de modo mais abrangente, não é? Nós usamos muito
a expressão de modo crítico. Enfim, acho que o que contribuiu para isso foram as mudanças curriculares. Então, veja, essas mudanças curriculares, inicialmente, elas se deram em contextos estaduais, ainda nos anos... Início dos anos noventa, depois na gestão, no governo FHC, na gestão do ministro Paulo Renato, nós tivemos dois movimentos que eu considero importantíssimos para a mudança, para melhorar o ensino de História, que foram, que foi a elaboração do Currículo Nacional, os PCNs, e análise do livro didático. Os PCNs, por quê? Eles, eu tenho muitas críticas. Não tantas quanto a BNCC, que essa é muito pior. Mas isso gerou, de certo modo, obrigou o professor a repensar o que é que ele, de fato, iria ensinar. E, de certo modo, rompeu com aquela linearidade de conteúdos que eram colocados para que o professor pudesse ensinar em cada ano escolar. Seguindo aquele, seguindo o livro didático. Na verdade, os conteúdos ensinados em cada ano eram feitos de acordo com o livro didático. Então, os PCNs obrigaram os professores a, pelo menos, rever essa postura, e a análise do livro didático, que, aliás, a Ernesta, coitada, respondeu o processo durante anos sobre isso, porque ela coordenou isso, não é? Das editoras... A Ernesta sofreu com esse negócio. E, então, os livros didáticos passaram a ser um pouco... Ter um pouco mais de qualidade, em termos daquilo que se iria ensinar aos alunos. Então, hoje, agora, isso aí durou bastante, assim, começou lá em meados dos anos noventa, caminhou um pouco para o início do século vinte e um, depois deu uma, parece que uma esfriada, e os professores voltaram a seguir o livro didático como bíblia de novo. Que ocorre muito ainda hoje. E, para piorar, veio a tal da reforma dos currículos nacionais, agora com a BNCC. E a BNCC, ainda que se a gente analisar profundamente, você vai ver que ela segue muito a linha dos PCNs, mas os PCNs também são parcerias de críticas, eles não são perfeitos, de jeito nenhum. Mas a BNCC conseguiu piorá-los. E, agora, as publicações, os livros, sinceramente, eu não sei como anda o livro
didático hoje, porque eu não tenho feito pesquisa sobre o livro didático. a Aléxia gosta de mexer com isso, mas me parece que, pelo que eu ouço as minhas
alunas, que já são professoras, contarem, parece que piorou. Então, eu acho que essas transformações, elas têm um viés interessante. Num determinado
momento, houve um avanço, mas parece que, agora, nós estamos vivendo um retrocesso. Mas, aí, também, eu acho que isso tudo tem a ver com o contexto
político, social, cultural do país nesse momento. Num governo Bolsonaro, queria o quê? Que houvesse algum avanço para algum campo? Aí, da perspectiva de
uma educação de qualidade, crítica etc.? Acho que isso, querendo ou não, acaba rebatendo na questão aí da educação, e, no caso, do ensino de História
também? Por exemplo, o que nos levou a construir o projeto que eu acabei de dizer, que está lá no Observatório do ensino de Geografia e de História, foi
exatamente as conversas de colegas, pesquisadores, que também são professores na rede e que contam absurdos de como é que está sendo desenvolvido o ensino de História. Então, são coisas assim. Não dá para você pensar que houve um regresso, que houve um... Em vez de avançar, retrocedeu desse jeito, sabe? Então, acho que essas são as mudanças que eu gostaria de pontuar, porque elas me preocupam muito. Elas me preocupam e eu acho que não se consegue explicá-las apenas analisando programas curriculares, políticas públicas educacionais e livros didáticos, etc. É uma coisa muito mais ampla. É preciso contextualizar tudo isso com a conjuntura nacional, que se vive nesse momento. Caso contrário, nós não vamos dar conta de responder isso. Essa é a minha opinião, claro.
E1 - Com certeza. Cristiano quer fazer aí um... Tem mais um e mais outra, só.
E3 - Sim. Muito bom ouvir a professora Silva, não é? Como a Juliana disse, ouvimos já a professora Dolinha, a professora Marlene, tantas narrativas,
histórias. E o mais incrível é, sim, toda essa vitalidade, essa energia que vocês passam, e a gente aprende muito também nessas entrevistas. Mas a parte final
aí, Juliana, não sei se eu vou me precipitar, se eu estiver equivocado, você me ajude aí. Mas seria justamente então, sobre as perspectivas, não é? Quais são
os sonhos ainda que, como a professora disse, que às vezes pensam em parar, de repente, não, eu vou terminar tal projeto. Então, o que ainda a move nesse
contexto, apesar de tantas dificuldades? As perspectivas mesmo do futuro, tanto para a sua trajetória ainda, para o ensino, para nós que estamos aqui no meio
da jornada, no meio do caminho, não é, Juliana? Não no começo, mas no meio. No meio. Então, é, no meio. Ficamos ainda. Vocês estavam longe. Qual seria o
recado que você teria, assim, para passar para as pessoas que vão ler e conhecer essas narrativas e histórias de vida? Seria mais nesse sentido. Não sei
se eu esqueci algo, Juliana. Depois é a parte final, não é, da autorização?
E1 - É isso, e emendar, assim. Qual é o recado que a senhora deixa para a geração da gente? E aí, qual é o sonho que a senhora tem para a sua vida, assim, que a senhora ainda não realizou e que a senhora quer realizar ainda e tem muita vida ainda e quer realizar? Então, o recado para a gente, qual é o sonho que a senhora quer realizar?
R - Tá bom, então assim, eu não vou partir de sonho, tá? Eu não sei que dia, que hora que eu vou parar, eu tenho comigo, que eu não quero mais pegar nenhuma tarefa nova em termos de trabalho, mas tem ainda uma coisa que eu quero fazer, e vou fazer com certeza, que é ainda publicar uma série de coisas que estão paradas, mas que já estão assim encaminhadas para construção de alguma coisa que será publicada. Acho que... Tenho a intenção de publicar assim, não quero ficar publicando livro, quero ficar publicando artigos, umas coisas mais leves, mas tem muita coisa parada, que eu preciso... Preciso não, eu tenho vontade, eu quero e eu acho que eu vou fazer, só que eu estou num momento de falta de tempo para isso. Por exemplo, eu não quero parar com a pesquisa, e não tenho intenção de parar enquanto eu puder pesquisar... Então acho que isso ainda vou levar por um bom tempo. Não sei, a gente fala, na minha cidade, setenta e quatro você não pode falar do futuro, você também não pode achar que a vida acabou, que agora... Então, esses são sonhos. Quero continuar me dedicando ainda e vou continuar no movimento sindical, eu gosto. Eu gosto muito de atuar na ADUF, no ANDES, e é uma coisa que eu vou permanecer por um tempo ainda, até, sei lá, não sei o que vai, a hora que eu vou querer parar, vai chegar o momento que eu vou falar, não quero mais não, tchau. Mas, por enquanto, eu ainda tenho esse sonho e vou indo caminhando nessa perspectiva. O que que é a outra coisa mesmo? (risos) Velha é assim, esquece. (risos)
E1 – (Risos) A gente agradece, né, Cristiano, ela militando aí no sindicato.
R – Não é fácil nessa conjuntura.
E1 - Para que a gente tenha a revogação de atrocidades que foram aprovadas nesses últimos três anos, que têm um impacto enorme na geração da gente,
professora, na reforma trabalhista. Então, é muita luta. Então, a senhora diz que não tem um sonhão, mas a gente, ó. Então, a senhora diz que não é um sonhão,
para a gente é um sonho, revogação, tudo que a senhora está dizendo que é aí. E é um trabalhão, imagina o seu cotidiano. Mas a última pergunta, Cris, eu vou
aqui colar. O que foi que a senhora achou de contar essa história para a gente? É isso, assim. Como é, o que é nessa... Definir, assim, que é contar a história
para dois colegas de História, três colegas de História, que já tinham passado por essa experiência? E deixar aqui um recado final, sobre a importância de
projetos como esse. Porque a gente conversa bastante entre a gente, porque a gente recebeu nove, Cristiano, no edital do CNPq, mas a gente não ganhou
dinheiro. E, a gente precisa do recurso para financiar os bolsistas, para transcrever, para comprar computador, não é? E, a academia, ela não entende que projetos dessa natureza, eles são importantes. E, eles são muito importantes, não é, porque eles dão a possibilidade da gente entender como é que o campo do conhecimento, ele se forma. Ele não se forma por grandes cientistas como as pessoas estão. Mas grandes cientistas, no feminino, como a gente está entrevistando. Então, como é que é contar um pouco dessa história? Como foi para a senhora, assim, contar um pouco dessa sua história?
R – Então eu vou abordar duas coisas. Primeiro, o que eu havia esquecido, mas que eu acabei rememorando aqui, que é o que eu diria para vocês. Olha, eu diria
que este trabalho, esta pesquisa, ela tem uma importância, do meu ponto de vista, assim, enorme. Porque, e aí já emenda também com o que eu achei, né,
de participar. Foi um prazer, foi uma honra poder dividir com vocês aqui, de forma desordenada, não é, as questões referentes à minha trajetória de vida, de
trabalho, de produção acadêmica, de formação docente, enfim. Então, isso para mim foi de uma riqueza enorme. Porque se a gente também não participa desses
projetos, você acaba não contando, não é. Você vai sair por aí contando esse tipo de coisa? Ninguém tem interesse em ouvir isso, não. Só pesquisador, não
é? Então, (risos) eu diria para vocês que o trabalho é um trabalho magnífico, um trabalho de muito fôlego. Acho que vocês foram corajosos demais de fazer uma
pesquisa deste tamanho. Eu fico imaginando como vocês vão transcrever tudo isso, como vocês vão sistematizar tudo isso... Então, quero cumprimentá-los e
dizer que eu fiquei encantada com o projeto e com a capacidade que vocês têm de organizar, sistematizar, enfim. E, mesmo com a vontade e o interesse, porque
sem essa vontade política também não se faria isso. Então, isso é fundamental. Então, eu deixo aqui o meu respeito pelo trabalho de vocês e dizer que é um
trabalho muito bonito, é lindo. Agora, o que é mesmo a outra? Está vendo? Já esqueci. (risos) Então, o que eu queria falar para vocês é isso. Agora, o que eu
achei de participar? Eu já falei, eu achei muito bom. Porque essa... Rememorar isso, eu me lembro que a última vez que eu tentei contar alguma coisa assim,
rememorar o passado, foi quando eu escrevi um memorial para minha tese, para minha defesa. Então, a gente não faz isso no dia a dia. Então, acho que assim,
é um registro histórico. E para mim, olha, foi assim, gratificante participar do projeto, ser uma pessoa que vocês quiseram ouvir. Então, assim, foi muito bom
falar com vocês, adorei. Espero conhecê-los pessoalmente nos próximos eventos aí do ensino de História, não é, dos pesquisadores. Agora, o próximo é
em Pernambuco, não é?
R – Eu desejo que vocês não desistam da pesquisa, que depois desse projeto venham outros, porque olha, são contribuições fundamentalmente importantes
para a educação, para a educação brasileira, para a educação nacional, internacional. Porque na verdade eu custei a entender essa discussão, e a pesquisa, em todas as áreas, mas pegando ai nosso campo, ela não pode ser uma coisa isolada. Então, quanto coisa que eu já li, publicada em outros países e acaba tendo um cruzamento interessante com os problemas que temos aqui. Então, o campo é muito vasto. E o número de pesquisadores nesta área é muito pequeno. Então, eu desejo que vocês continuem neste campo de pesquisa, porque é uma área muito vasta e o número de pesquisadores é muito pequeno. Então, eu cumprimento pelo interesse e é muito bom saber de pesquisadores que querem saber dessa temática. Então, eu fico muito feliz de perceber que vocês, dois jovens, todos jovens que estão aqui e os que não estão, interessados na temática, excelentes pesquisadores, só esse projeto já deu para perceber como vocês têm o feeling para pesquisa fundamenta, eu me alegro muito de saber que tem gente, e que tem pesquisadores aí caminhando neste campo, e fazendo alguma coisa tão importante para a pesquisa brasileira, e para a pesquisa educacional. Meus parabéns.
Recolher