Projeto Qual é o Seu Centro
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de João Marcos
Entrevistado por
São Paulo Centro Cultural Banco do Brasil 28 de abril de 2001
Código: CCBB_CB080
Transcrito por Lígia Aparecida Cristino Oliveira
Revisado por Valdir Canoso Portásio
P1: Boa tarde.
R: Boa tarde
P1: Por favor, seu nome completo, local e data de nascimento.
R: João Marcos, 16 de junho de 1960, tenho 40 anos e nasci aqui em São Paulo.
P1: Você frequenta o Centro de São Paulo?
R: Eu sempre frequentei, às vezes de passagem, às vezes a trabalho mesmo, né...
P1: Você conseguiria definir a área, os locais que você passa mais, os prédios, praças?
R: Eu trabalhava no Parque D. Pedro II. Então sempre descia na Praça da Sé, no metrô, e ia lá pro Parque D. Pedro. Era um trabalho com menores de rua. É trabalho bem representativo do Centro.
P1: Ainda trabalha com isso?
R: Não, não trabalho mais. Não tenho mais saúde, resistência física.
P1: Durante aquela época em que você trabalhou, algumas pessoas no Centro de São Paulo te chamaram a atenção?
R: Sim, me lembro bem, não chegava a ser um pedinte. Meio que aleijado, braços e pernas curtinhas que ficava tocando pandeiro para arrecadar dinheiro. Tocava com uma garra e era uma coisa assim: “taca, tacataca, tacatá.” As pessoas paravam para ver o cara todo deformado e a gente deixava um troco lá. Era um cara que não se entregava. Ele estava na luta.
P1: Que local era esse, você se lembra?
R: Era perto do largo São Bento, bem perto. Ele tocava com uma gana, era o trabalho dele, vinha no Centro trabalhar mesmo, não vinha pedir dinheiro. Castigava o pandeiro e cantava junto entre bizarro e esforçado. Era uma coisa [pausa].
P1: Ainda existe?
R: Não. Faz muito tempo que não vejo. Deve estar tocando em outras plagas.
P1: Um local, um prédio, uma praça, alguma coisa que te faça bem ou que te faça mal, mas alguma coisa que te marque...
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Projeto Qual é o Seu Centro
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de João Marcos
Entrevistado por
São Paulo Centro Cultural Banco do Brasil 28 de abril de 2001
Código: CCBB_CB080
Transcrito por Lígia Aparecida Cristino Oliveira
Revisado por Valdir Canoso Portásio
P1: Boa tarde.
R: Boa tarde
P1: Por favor, seu nome completo, local e data de nascimento.
R: João Marcos, 16 de junho de 1960, tenho 40 anos e nasci aqui em São Paulo.
P1: Você frequenta o Centro de São Paulo?
R: Eu sempre frequentei, às vezes de passagem, às vezes a trabalho mesmo, né...
P1: Você conseguiria definir a área, os locais que você passa mais, os prédios, praças?
R: Eu trabalhava no Parque D. Pedro II. Então sempre descia na Praça da Sé, no metrô, e ia lá pro Parque D. Pedro. Era um trabalho com menores de rua. É trabalho bem representativo do Centro.
P1: Ainda trabalha com isso?
R: Não, não trabalho mais. Não tenho mais saúde, resistência física.
P1: Durante aquela época em que você trabalhou, algumas pessoas no Centro de São Paulo te chamaram a atenção?
R: Sim, me lembro bem, não chegava a ser um pedinte. Meio que aleijado, braços e pernas curtinhas que ficava tocando pandeiro para arrecadar dinheiro. Tocava com uma garra e era uma coisa assim: “taca, tacataca, tacatá.” As pessoas paravam para ver o cara todo deformado e a gente deixava um troco lá. Era um cara que não se entregava. Ele estava na luta.
P1: Que local era esse, você se lembra?
R: Era perto do largo São Bento, bem perto. Ele tocava com uma gana, era o trabalho dele, vinha no Centro trabalhar mesmo, não vinha pedir dinheiro. Castigava o pandeiro e cantava junto entre bizarro e esforçado. Era uma coisa [pausa].
P1: Ainda existe?
R: Não. Faz muito tempo que não vejo. Deve estar tocando em outras plagas.
P1: Um local, um prédio, uma praça, alguma coisa que te faça bem ou que te faça mal, mas alguma coisa que te marque bastante aqui no Centro.
R: Ah! Tem alguns pontos que me marcaram: o Teatro Municipal. A gente ouvia os concertos nas escadarias. Os concertos eram nos domingos de manhã. O Teatro Municipal dava umas opções interessantes de concertos.
Uma casa de mate. Eu era louco por mate com leite. Não sei se foram eles que inventaram, mas a gente ia lá, eu e um amigo, tomar mate com leite. Um amigo que morava no Centro, na Santa EfE o filé do Moraes. Hoje a gente foi almoçar no Moraes do Centro. Tem o da Alameda Santos, mas o do Centro é o do Centro. Tudo bem, as calçadas fedem e isso é desagradável. A mulher está grávida. Essas coisas desse tipo. Mas continua sendo o bom e velho filé do Moraes, adaptado à nova realidade, tem pratos mais econômicos, mas é muito bom. Aquele filé com alho e agrião junto. É bom demais [risos].
P1: Começa dar fome na gente.
R1: É, dá fome na gente.
P1: No Centro de toda cidade existe um som característico, música que chamou a atenção. Como você pode caracterizar isso aqui em São Paulo?
R1: Burburinho, balburdia, mistura de sons. É um Centro muito vivo e muito caótico. Os camelôs gritando. É uma mistura. Mistura sons agradáveis com sons desagradáveis, cheiros agradáveis com cheiros desagradáveis. É uma balburdia. Às vezes me incomoda e às vezes, quando estou mais receptivo, eu ouço, cheiro, observo.
P1: Nesse trabalho que você fez com os meninos de rua, teve algum caso especial que aconteceu, alguma interação interessante?
R1: Tem muita coisa, mas que chamava a atenção era de como essa moçadinha de rua, quer dizer, o Centro era a casa deles mesmo. Eu é que estava visitando a casa deles e não eram eles que estavam vindo a meu local de trabalho. Era onde eles se drogavam, riam, brigavam, pariam. Me lembro uma vez que eu atendi a uma criança, sou médico: “ah! tio, vou trazer para você dar uma olhada.” Falei: “pô! deve ser uma coitadinha.” Uma criança linda. Veio a mãe, era uma mocinha que tinha entre 14 e 15 anos. Veio a mãe com as amigas que moravam juntas no mesmo mocó, como eles chamavam. A criança era extremamente bem olhada. Cuidada, bonita. Todo grupinho se mobilizava para essa criança ter tudo. Eu esperava uma criança toda perebenta e nada, um bebê Johnson [risos]. Bebê Johnson do mocó.
P1: Que coisa interessante.
R1: É.
P1: Conta mais algum caso assim [pausa].
R1: A gente tinha um professor no projeto na Escola Oficina do Projeto Montoro. O professor era um negão chamado Fumaça. Ele dava aulas de dança, mas uma dança toda coordenadinha, meio militar. Era muito engraçado ver a moçadinha perfilada e, de repente, um se desperfilava e saía sambando. Aí começava a se desarranjar e o outro começava a sambar também. Então o exército estava sambando. Aí o Fumaça que estava lá, um cara muito bom. Ai o Fumaça falava: “vamos botar ordem nisso aqui! Volta aqui para a linha, não é para dançar isso aqui não! Aqui tem uma linha, tem uma coreografia”. Aí voltava lá, tentando botar limite! Eu achava muito engraçado, saboroso. Tem muita coisa lá, pena que acabou o projeto com essa coisa de troca de governo.
P1: Há muito tempo que acabou?
R1: Faz tempo isso. Era um projeto da Lucy Montoro. Primeira Dama no Governo de Franco Montoro. A menina nos olhos, mas que pena.
P1: Como você está vendo a revitalização do Centro hoje?
R1: Olha, eu acho ótimo, porque tem tantos prédios bonitos e que estão mal cuidados. Poxa! Se alguém cuidasse um pouquinho. Eu acho que dá pra transformar o Centro de um mero lugar de passagem em um lugar que dê prazer. O órgão maravilhoso do mosteiro de São Bento. O órgão da Sé que restauraram agora. Na mesma hora que o pessoal fala que é um câncer que se espalha, o contrário também acontece. Às vezes tem coisas boas que começam com um núcleo, por exemplo começou no Anhangabaú e de repente podem estar se espalhando coisas boas.
P1: E essa exposição que está acontecendo agora, o que você acha dela?
R1: Ah! Estou muito bem impressionado. A gente está começando aqui pelo subsolo. Que legal! Essas histórias são muito vivas. Esses depoimentos são de pessoas para quem o Centro não é um lugar de passagem. É um lugar de convívio e de trabalho. O rapaz que coloca o banquinho no orelhão para as pessoas telefonarem com mais conforto. É gente que vive aqui e que capta as coisas e que visivelmente quer melhorar isso aqui. Eu estou me sentindo ótimo. Dá vontade de frequentar mais o Centro, tendo lugares e oportunidades como este.
P1: Está certo, então.
R1: Eu é que agradeço.
“--- FIM DA ENTREVISTA --- “
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