IDENTIFICAÇÃO Eu sou José Paulo Silveira, nasci em Bento de Abreu, no Estado de São Paulo, no dia três de janeiro de 1942. Eu sou engenheiro industrial metalúrgico e me formei em Volta Redonda, em 1964, na Universidade Federal Fluminense. INGRESSO NA PETROBRAS Ao sair da escola de engenharia, trabalhei dois anos em uma empresa privada, no interior de São Paulo. Depois fiz concurso para a Petrobras, aqui no Rio de Janeiro, para a área de manutenção de equipamento. A minha primeira missão foi na inspeção de equipamentos da Refinaria Presidente Bernardes, em Cubatão. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu fiquei oito anos em Cubatão, inicialmente trabalhando como engenheiro de inspeção. Depois eu passei um período no controle da qualidade das obras de ampliação da refinaria, num projeto importante da história da Petrobras: o projeto dos mil dias de ampliação do seu sistema de refino. Após essa missão, eu estive na França por quase um ano fazendo um curso de especialização, patrocinado pela Petrobras. Eu fiquei em Paris cerca de 10 meses, num curso de especialização em tecnologia da soldagem. Retornei ao Brasil em 1975. Nesse período, estava sendo implantado o Serviço de Engenharia Geral, Segen, que seria o órgão – como é até hoje – responsável pela implantação dos grandes projetos, das grandes obras da Petrobras. PROJETO DOS MIL DIAS Para fazer uma pequena contextualização: essas obras prioritárias de ampliação da Petrobras foram decididas na iminência da primeira crise do petróleo. Elas tinham por objetivo aumentar muito rapidamente a capacidade de refino da Petrobras, de forma que ela não dependesse de importação, importação massiva. Era uma medida de preparação para a nova realidade da indústria de petróleo com preços mais elevados. Então foi muito importante e fundamental, foi um conjunto de obras como: a construção da Refinaria de Paulínia, a ampliação da Refinaria de Duque de...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Eu sou José Paulo Silveira, nasci em Bento de Abreu, no Estado de São Paulo, no dia três de janeiro de 1942. Eu sou engenheiro industrial metalúrgico e me formei em Volta Redonda, em 1964, na Universidade Federal Fluminense. INGRESSO NA PETROBRAS Ao sair da escola de engenharia, trabalhei dois anos em uma empresa privada, no interior de São Paulo. Depois fiz concurso para a Petrobras, aqui no Rio de Janeiro, para a área de manutenção de equipamento. A minha primeira missão foi na inspeção de equipamentos da Refinaria Presidente Bernardes, em Cubatão. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu fiquei oito anos em Cubatão, inicialmente trabalhando como engenheiro de inspeção. Depois eu passei um período no controle da qualidade das obras de ampliação da refinaria, num projeto importante da história da Petrobras: o projeto dos mil dias de ampliação do seu sistema de refino. Após essa missão, eu estive na França por quase um ano fazendo um curso de especialização, patrocinado pela Petrobras. Eu fiquei em Paris cerca de 10 meses, num curso de especialização em tecnologia da soldagem. Retornei ao Brasil em 1975. Nesse período, estava sendo implantado o Serviço de Engenharia Geral, Segen, que seria o órgão – como é até hoje – responsável pela implantação dos grandes projetos, das grandes obras da Petrobras. PROJETO DOS MIL DIAS Para fazer uma pequena contextualização: essas obras prioritárias de ampliação da Petrobras foram decididas na iminência da primeira crise do petróleo. Elas tinham por objetivo aumentar muito rapidamente a capacidade de refino da Petrobras, de forma que ela não dependesse de importação, importação massiva. Era uma medida de preparação para a nova realidade da indústria de petróleo com preços mais elevados. Então foi muito importante e fundamental, foi um conjunto de obras como: a construção da Refinaria de Paulínia, a ampliação da Refinaria de Duque de Caxias, a ampliação de Cubatão, a ampliação da Relam. Era necessário que as obras fossem feitas rapidamente e, para isso, foi estabelecida uma meta desafiante de mil dias. Eu participei dessa equipe. E, de fato, todas as obras foram concluídas nos mil dias, a despeito de muito trabalho, sábados, domingos de noite. Foi um grande esforço de toda a equipe. Depois disso a Petrobras julgou conveniente criar um órgão permanente, um grupo de obras prioritárias, chamado de Geop – Grupo Especial de Obras Prioritárias. A experiência foi muito bem sucedida porque se utilizou pela primeira vez, em larga escala na Petrobras, a gerência de projetos. GERÊNCIA DE PROJETOS / IMPLANTAÇÃO Naquela ocasião, o responsável pelo Geop era o engenheiro Orfila Lima dos Santos. Ele teve a iniciativa de contratar um grande especialista, o professor [Russel] Archibald – um norte-americano, professor especializado em gerência de projetos, autor de vários livros sobre essa área. Este professor veio ao Brasil e treinou cerca de uns 20 gerentes. Eu não estava nesse grupo, eu sou da geração seguinte. Essa equipe foi o núcleo fundamental responsável pela implantação da gerência de projetos na Petrobras. Isso foi o ponto de nascimento do Segen. O Serviço de Engenharia já existia, era o Senge, mas com essa mudança em 1974, 1975, a Petrobras institucionalizou uma capacidade, uma tecnologia gerencial, um conhecimento de como empreender grandes projetos, utilizando o estado da arte da gerência de projetos. E, consequentemente, nasceu o Segen. Ou seja, quando voltei da França os dirigentes do Segen me convidaram para me transferir de Cubatão para a sede da companhia, aqui no Rio de Janeiro, para cuidar especificamente da questão da qualidade das novas instalações construídas pela Petrobras. Essa foi a minha primeira missão aqui no Serviço de Engenharia. Ela durou oito anos. SERVIÇO DE ENGENHARIA / GECAM Inicialmente o programa esteve fortemente concentrado na refinação e transportes. Depois, ao final desses oito anos, eu estive envolvido na construção das plataformas. Nesse período, houve uma mudança significativa na prioridade de investimento da Petrobras, que saiu do refino e transporte para se concentrar na produção do petróleo. Por volta de 1980, até um pouco antes, em 1978, já estavam sendo projetadas e construídas as grandes plataformas da Bacia de Campos, como as de Namorado. Eram construções imensas, com estruturas metálicas. A tecnologia daquele momento era de plataformas fixas para águas mais rasas e era uma produção pioneira no Brasil, em canteiros especializados na Bahia, em Paranaguá, no Paraná, aqui no Rio de Janeiro e no Nordeste também. Então, houve um envolvimento do Serviço de Engenharia. Era um período de transição e foi quando criaram também um outro grupo; assim como haviam criado o Geop para a ampliação do parque de refino, para implantação de obras na Bacia de Campos foi criado o Gecam, grupo executivo da Bacia de Campos, para o desenvolvimento desses grandes projetos. Houve um envolvimento progressivo do Serviço de Engenharia, o que foi muito bom para a Petrobras, porque se concentrou em um órgão toda experiência de grandes investimentos da implantação de obras do poço ao posto: desde a produção de petróleo, a refinação e do transporte. GESTÃO DE QUALIDADE Nesse período, eu estive fortemente envolvido na implantação dos sistemas de gestão da qualidade. Na França, eu já tinha tido oportunidade de observar que os países e as empresas mais avançados estavam mudando de enfoque sobre a garantia da qualidade dos equipamentos e dos sistemas. Anteriormente, havia uma visão de inspeção, de encontrar os defeitos e repará-los, antes que o equipamento entrasse em operação. Depois isso evoluiu muito influenciado pela indústria nuclear norte-americana, passando a ter uma abordagem gerencial sobre as causas dos problemas e não apensas para o reparo dos problemas encontrados. Em todo o mundo se difundiu essa visão de garantia da qualidade, “the quality management”, que consistia e consiste até hoje em uma série de medidas gerenciais para atuar sobre as causas dos defeitos, como, por exemplo, a capacitação das pessoas, o fluxo de informações, a rastreabilidade das decisões tomadas, todas as decisões de projetos e construção. Então, eu fui para o Segen com a tarefa justamente de ter essa iniciativa, eu diria, pioneira, de fazer com que as empresas construtoras do Brasil e até mesmo as equipes do Serviço de Engenharia, passassem a controlar a qualidade mediante a um sistema de gerenciamento preventivo. Eu trabalhei oito anos nessa atividade. POLÍTICA DE CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS Houve, na época, uma mudança importantíssima na forma de contratar serviços de construção pela Petrobras. Qual era a forma tradicional? Era contratar um empreiteiro para construir um oleoduto, a refinaria, os equipamentos, e uma outra empresa exercia o controle da qualidade, mediante ensaios, provas. Isto, na verdade, contrariava e se chocava com a nova visão, a nova filosofia de garantia da qualidade. A nova filosofia era e continua sendo a seguinte: quem constrói é o responsável. Porque quem constrói, quem fabrica é quem realmente acrescenta qualidade a um equipamento, a um sistema. Então, tendo um terceiro como uma espécie de um fiscal, isto faz com que quem fabrique quem participe ou conduza a montagem, se afaste da responsabilidade. Ele constrói, mas outro é contratado para controlar e dar um laudo. E esse laudo o exime da responsabilidade; em termos, porque tem o código civil garante a responsabilidade do construtor por certo período. Mas, de qualquer forma, tornava o construtor alheio ao grande desafio de assegurar a qualidade. Então se mudou a política de contratação e essa mudança provocou uma reação no mercado. As empresas construtoras achavam que essa nova política de contratação da Petrobras dificultaria o cálculo de seus custos, e que elas não poderiam assumir a responsabilidade por tudo. Era um pouco a infância das empresas brasileiras de construção. Essa nova metodologia de garantia da qualidade já estava se desenvolvendo no mundo, e previa a aferição da competência das pessoas. Antes havia uma equipe controlando a qualidade, agora a empresa construtora passaria ter os seus técnicos controladores, inspetores da qualidade. Então a Petrobras criou – e eu estive a frente disso – um laboratório em São José dos Campos, em São Paulo, para aferir a competência dos técnicos e inspetores das empresas empreiteiras, construtoras, do controle da qualidade para fabricação de equipamentos. QUALIDADE, GARANTIAS E CAPACITAÇÃO Nesse momento, o serviço de engenharia era para montagem das unidades, das refinarias, das plataformas, dos gasodutos e oleodutos. Isso provocou uma grande reação. Houve até um momento muito interessante – estou me recordando – que eu considero histórico na evolução dessa área de conhecimento na indústria do petróleo: os presidentes das empresas empreiteiras se reuniram e foram ao diretor responsável pela Petrobras, para pedir para parar esse processo de aferição da qualificação dos inspetores e técnicos. O diretor era o Orfila Lima dos Santos, e ele perguntou aos presidentes: “Por quê? Isso não traz o benefício da qualidade, da garantia da segurança dos equipamentos?”; “É porque não tem gente no mercado e entre os poucos que temos, há um desequilíbrio entre oferta e demanda, os salários estão subindo, isso está comprometendo os custos.” Aí o diretor disse: “Então a solução não é parar, a solução é treinar pessoas e treinar os brasileiros – porque em alguns casos eram inspetores estrangeiros – vamos treinar o pessoal, vamos oferecer treinamento.” Ele disse a todos os presidentes das empreiteiras ali: “Vocês escolham uma entidade sem fins lucrativos, para ser a entidade “guarda-chuva” de um grande programa cooperativo para formação de pessoal.” E ele pediu que as empresas liberassem engenheiros, liberassem equipamento, para formar um pool, para rapidamente treinar o pessoal das empresas e do mercado. E aí nasceu uma associação, aliás, já tinha nascido há muito pouco tempo, que recebeu um impulso fantástico: a Associação Brasileira de Ensaios Não-Destrutivos, a Abende. Eu também estive entre as pessoas que participaram da criação dessa associação. Nesse momento se criou um grande programa de capacitação, de treinamento e qualificação de profissionais, para suprir toda a demanda das empresas de construção. Essa reunião se repetiu e um dos presidentes pediu uma audiência com o diretor Orfila Lima dos Santos e ele teve a bondade de me chamar para assistir a reunião. Era o presidente do Estaleiro Ishikawajima, já falecido, e ele disse: “Eu vim aqui para agradecer a Petrobras por não ter recuado, ter avançado na melhoria da qualidade, na qualificação do pessoal, porque hoje nós temos custos mais baixos e menos re-trabalho, porque há menos perdas de materiais. Então, para nós, hoje, a qualidade é um bom negócio. Estamos ganhando mais dinheiro, com qualidade.” Então veja a transformação. Depois, se observou estatisticamente que nas soldas e nas peças montadas o número de defeitos havia caído radicalmente, o que significava menos custos, mais rapidez e menos atraso. QUALIDADE E AVANÇOS Antes, área de soldagem era a mais sensível; a soldagem de tubos, vasos de pressão, tanques etc. Naquele período do Geop, de ampliação do parque de refino, daquele objetivo de mil dias, tínhamos um problema terrível: a qualidade deficiente da soldagem. E isso é extremamente importante na indústria de petróleo, porque existem recipientes com pressão, alta temperatura, hidrocarbonetos que precisam ter a garantia total de vedação e de resistência mecânica. Isso era um grande problema causador de custos adicionais e perdas de prazos parciais. Portanto, após essa evolução – que ocorreu em torno de uns oito anos depois – houve um avanço considerável tanto para a Petrobras, como para todo o conjunto das empresas. Também é importante notar que isso sempre foi próprio da política da Petrobras, da história de seu relacionamento com a indústria. Em todos esses avanços, nas exigências e normas, enfim, no aperfeiçoamento de procedimentos, a Petrobras sempre teve o cuidado de, antes da implantação, discutir os detalhes desses novos requisitos com as empresas, através de suas associações. No caso da construção e montagem era feito com a Abemi, Associação Brasileira de Engenharia e Montagem Industrial. Então foram uns oito anos de esforço para a implantação dos princípios da garantia da qualidade na construção de novas instalações da Petrobras. Eu fui, durante esse período, o responsável. Mais tarde, foi criada uma divisão chamada de Divisão da Qualidade, Diqual, que existe até hoje. Reuniu-se uma equipe de profissionais com a dedicação exclusiva para cuidar dessa questão da qualidade, no final dos anos 70, início dos anos 80. Esse laboratório qualificou o primeiro profissional em outubro de 1979. Hoje são milhares de inspetores qualificados. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / SERMAT Em 1982, o diretor da Petrobras me chamou ao seu gabinete: “Silveira, agora você tem que mudar de departamento, esses mesmos princípios adotados e implantados pelo Serviço de Engenharia precisam ser adotados no Sermat, no Serviço de Material.” A Engenharia cuidava da montagem das instalações, e o Sermat cuidava da compra e encomenda dos equipamentos; da inspeção e do controle da qualidade dos equipamentos e dos materiais. Então fui transferido, assumi a posição de chefe-adjunto do Serviço de Material, com a missão de, aproveitando a experiência do Serviço de Engenharia, aperfeiçoar os métodos da compra de equipamentos e o relacionamento com a indústria de bens e capital. Isso coincidiu também com um momento muito importante na economia brasileira, que influenciou fortemente a Petrobras. Em 1982, o México quebrou, porque não conseguiu pagar a sua dívida externa, provocando uma reação em cadeia no mundo em desenvolvimento. O Brasil, que vinha pegando empréstimos no exterior, teve a sua fonte de captação de recursos interrompida, a exemplo de outros países em desenvolvimento. Então, tivemos uma crise cambial. A Petrobras, reagindo a essa crise, implantou um audacioso Programa de Nacionalização de Equipamentos, exatamente, na época que eu estava no Serviço de Material. POLÍTICA DE NACIONALIZAÇÃO DE EQUIPAMENTOS Desde o início, a Petrobras conduziu uma política de nacionalização. Só que o problema de investimentos, antes da crise do petróleo, estava muito centrado na refinação. Então, no campo dos equipamentos utilizados na refino e no transporte, o Brasil tinha um alto índice de nacionalização, mas a produção de petróleo, como era minoritária nos investimentos da Petrobras, não tinha escala. Ela ainda importava os equipamentos. Com a crise do petróleo, mudou-se a prioridade, que passou à exploração e produção. Nesse momento, não se podia mais importar, a não ser em pequena escala. Toda a experiência de nacionalização de equipamentos do downstream, da refinação, foi transferida para a área de upstream, de produção. O Sermat recebeu a incumbência de empreender um programa de articulação com a indústria para fabricar aqui os equipamentos que estavam sendo importados, como, por exemplo, as sondas de perfuração, as plataformas e os grandes equipamentos. Nessa época, também, a Petrobras estava investindo na petroquímica e na produção de fertilizantes. A produção de fertilizantes demanda equipamentos pesadíssimos, que chegam a lembrar os reatores nucleares e esses equipamentos eram importados. A Petrobras decidiu nacionalizá-los e começar a produzi-los aqui no Brasil. Essa tarefa ficou a cargo do Sermat. Então, era justamente a área técnica do Sermat, a responsável por esse tema. Eu estive muito envolvido com isso, o que implicou transferir conhecimentos dominados na área de construção para a área de fabricação, como, por exemplo: a área de qualificação do pessoal, de certificação de qualidade, os princípios de garantia da qualidade. Eu fazia a articulação com a indústria de bens de capital. Agora não era mais com as empresas de construção; o Segen seguiu se articulando com elas. E aí se empreendeu um fortíssimo programa e, em poucos anos, a Petrobras atingiu 95% de nacionalização de equipamentos; ou seja, do montante de materiais e equipamentos necessários às instalações da Petrobras, a partir desse esforço, ela passou a comprar 95% em valor no mercado nacional. PARCERIA COM A INDÚSTRIA DE BENS DE CAPITAL A relação da Petrobras com as indústrias funcionava como uma parceria. Eu diria que, filosoficamente, era uma parceria, porque a Petrobras assumiu um papel além dos limites naturais de uma empresa de petróleo. O que cabe a uma empresa de petróleo é especificar os equipamentos, comprá-los, controlar e ver se todos os itens estão de acordo, e pronto. No caso, a Petrobras montou equipes técnicas para trabalhar em conjunto com os fabricantes, de modo a induzir e apoiar a sua capacitação. Então, concretamente, funcionava da seguinte maneira: se determinado fabricante de um equipamento importado passasse a fabricá-lo no Brasil para fornecê-lo à empresa, a Petrobras enviava uma equipe para verificar todas as condições técnicas de projeto e da fabricação do equipamento. Essa equipe verificava se o fabricante tinha realmente a tecnologia aprovada própria, ou contratada, ou em associação com uma empresa estrangeira; se tinha os laboratórios, as pessoas, as máquinas, os procedimentos de fabricação, os equipamentos de medida. Enfim, a Petrobras verificava se haviam todas as condições humanas, técnicas e de conhecimento para a produção com garantia da qualidade desses equipamentos. Tudo isso acarretava para a Petrobras um esforço adicional, indo além dos limites de uma compradora de equipamentos, para, em parceria, gerar essa capacitação no Brasil. Era muito interessante, chegava ser cômico às vezes, porque dificilmente a Petrobras dizia não a um fabricante. Então a avaliação era feita e já havia uma carta-padrão no Serviço de Material, que dizia: “Temos a satisfação de informar que avaliamos a sua empresa, tendo em vista o seu desejo de produzir tal equipamento e nós estamos de acordo que você passe a fornecê-lo, desde que atenda as exigências do anexo tal.” Havia uma lista enorme que, na verdade, era um roteiro para a empresa galgar um outro patamar de competência técnica para produzir, o que foi extremamente importante para o desenvolvimento da indústria. Inclusive, isso abriu as portas para a exportação mais tarde. FORNECEDORES DE EQUIPAMENTOS E PRODUTOS Entre as indústrias, trabalhávamos com a Confab, em São Paulo, fabricante de vasos de pressão, de tubos, com a Mecânica Jaraguá, em São Paulo, com a CBC no Rio de Janeiro, fabricante de válvulas, mais tarde fabricante de árvore de natal, e ainda uma quantidade imensa de empresas. Na época, a Petrobras tinha cerca de mil fornecedores, desde grandes equipamentos até materiais muito específicos, especialidades de produtos químicos e aditivos para a lama de perfuração. Isso também é muito interessante, porque cobria um leque amplo da indústria, passando pelo setor de química, de metalurgia, de mecânica, de elétrica, de eletrônica; na verdade, percorria quase toda a indústria de bens de capital do Brasil. Houve um esforço; se na área de serviços de construção, a interação se fazia debaixo do “guarda-chuva” da Abemi, no caso dos equipamentos, o diálogo foi com a Abidib – Associação Brasileira de Indústrias de Base –, que ainda existe em São Paulo. Ela nasceu por sugestão da Petrobras nos anos 50, 60. E aí, também, se estabeleceu uma cooperação grande com os fabricantes, de tal forma que as iniciativas, as normas técnicas e todas as exigências da Petrobras refletissem uma cooperação técnica entre as empresas e a Petrobras. Então, sintetizando a minha participação nesse momento: se no Segen o desafio era implantar a garantia da qualidade na construção, no Sermat o desafio foi implantar a garantia da qualidade na fabricação dos equipamentos, numa condição especial, porque eram fabricações pioneiras; um grande percentual desses equipamentos estava sendo comprado pela primeira vez no Brasil. Eu fiquei no Sermat até 1985. DESCOBERTAS E INCERTEZAS Em 1985, ocorreu um outro fato altamente relevante na Petrobras: a descoberta dos campos gigantes nas águas profundas. Esses campos foram descobertos em 1985, se não me falha a memória, por aí. Foi um fato extremamente inusitado na história da Petrobras e também muito importante para a tecnologia e o conhecimento empresa, pelo seguinte: a auto-suficiência era um sonho, mas até a descoberta de Marlim e Albacora era um sonho impossível. A empresa com toda a sua bagagem histórica da sua criação, da campanha do “Petróleo é nosso” e a vontade do país de ter uma produção expressiva de petróleo nunca, até esse momento, havia encontrado respaldo na geologia. Então, todos nós, técnicos da Petrobras, almejávamos a auto-suficiência, mas não era um objetivo tecnicamente sólido, era mais uma meta mobilizadora da indústria. Quando se descobriu Albacora e, logo em seguida, Marlim, dois campos gigantes, um com mais de 500 milhões de barris, outro com mais de um bilhão de barris, a auto-suficiência passou a ser um sonho possível, desde que tivesse tecnologia para produzir em grandes profundidades. Naquele momento, houve um estado de perplexidade na empresa: uma grande alegria, mas com uma grande incerteza quanto à capacidade de se tomar uma decisão sobre os investimentos em equipamentos de produção de petróleo em águas profundas com segurança, com garantia de retorno. SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES Aí eu tenho que relatar também outras decisões das quais eu não participei, mas que foram decisões iluminadas da Petrobras. No final dos anos 70, o Brasil empreendeu um grande programa de nacionalização de equipamentos e desenvolvimento industrial, chamado de “Programa de bens e capital de insumos básicos”, no governo Geisel. Ele foi muito polêmico, porque os mais ortodoxos diziam que a forma de controlar a economia, tendo em vista os novos preços do petróleo, era freiá-la. Mas o Geisel disse: “Não, vamos acelerar o processo de substituição de importações.” Então, foi implantado um programa imenso com financiamentos, com a ajuda do Governo Federal e com a participação do BNDES, para desenvolver a capacidade de produção de bens de capital e insumos básicos: siderurgia, fertilizantes, petroquímicos etc. Naquele momento, mais para o final do programa, o governo tomou iniciativa de induzir a nacionalização da engenharia. A implantação da indústria do petróleo na sua fase inicial foi feita com tecnologia comprada no exterior. Na fase da montagem das refinarias Cubatão, Relam, Reduc, os projetos e a tecnologia eram comprados de empresas estrangeiras. Mas com o desenvolvimento industrial brasileiro e com o avanço nessa fase final do programa de bens e capital de insumos básicos, a indústria estava se tornando praticamente completa, muito pouco dependente da importação, mas dependente da tecnologia. Então, o governo estimulou a Petrobras a tomar uma iniciativa. Assim como a Petrobras havia nacionalizado a construção, a fabricação dos equipamentos, porque não nacionalizar também a engenharia? Era o primeiro movimento para se criar uma empresa associada às empresas de engenharias existentes. Mas essa negociação não surtiu efeito. Eu creio que as empresas privadas de engenharia brasileira se sentiram um pouco temerosas do desafio, porque elas operavam em parceria com empresas estrangeiras. ENGENHARIA BÁSICA / CRIAÇÃO Havia na política da Petrobras uma forma de contratação que assegurava a liderança das empresas brasileiras no fornecimento da engenharia, mas sempre havia uma empresa estrangeira associada. Esse vínculo seria rompido ou diminuído. Mas essa negociação não deu resultado. Então, a Petrobras decidiu fazer os seus próprios projetos de engenharia básica e criou um grupo com três pessoas: Irineu Soares, Roberto Villa e João Batista Moreira. Esses três técnicos foram as sementes da Engenharia Básica e a Petrobras decidiu que ela ficaria no Cenpes. Foi criado então o órgão de engenharia básica que inicialmente realizou uma série de projetos de transferência de tecnologia com empresas estrangeiras e depois começou a fazer os seus projetos. Isso aconteceu, não tenho certeza das datas, no final dos anos 70. Esta foi uma decisão iluminada, especialmente por ter sediado fisicamente a Engenharia Básica no Cenpes. Isso estimulou e favoreceu a capacitação tecnológica da empresa, porque juntava a pesquisa com a engenharia. A pesquisa gera o conhecimento e a engenharia gera os projetos para o programa de investimentos. Então, quando há uma articulação perfeita entre pesquisa, geração do conhecimento e geração de projetos com o plano de investimento, cria-se um fio condutor que induz para frente e para trás o desenvolvimento. Nesse momento, o Cenpes passou da condição de um centro de pesquisas para a de um centro de tecnologia; para “PD&E”’, pesquisa, desenvolvimento e engenharia. DESCOBERTAS EM ÁGUAS PROFUNDAS Chegamos num ponto muito interessante. Em 1985 ou 1986, veja o contexto: de um lado uma experiência já de décadas de desenvolvimento de equipamentos; também uma experiência de décadas de engenharia de construção, uns cinco ou seis anos de Engenharia Básica e aí surgem as descobertas em águas-profundas. O primeiro movimento da Petrobras diante do desafio das águas-profundas foi buscar idéias. O mundo todo sabia que a Petrobras tinha descoberto esses campos gigantes. Então a Petrobras foi bombardeada por empresas de engenharia e outras empresas de petróleo, que queriam oferecer tecnologia, serviços, equipamentos e idéias. Só que nenhuma delas tinha a comprovação comercial do uso efetivo em grandes investimentos em águas-profundas em outros países. Até então, o limite era cerca de 300 metros de lâmina d´água e a produção se desenvolvia com plataformas fixas. E aí surge essa situação, quer dizer, havia um cabedal de conhecimentos, as equipes na Petrobras e um imenso desafio, que tinha um prêmio fantástico: a auto-suficiência da produção de petróleo. O mundo oferecendo propostas, mas quase nenhuma das proposições tinha o respaldo da comprovação comercial e técnica. Então, a Petrobras decidiu enfrentar esse desafio. Eu fui um privilegiado, porque a Petrobras me mandou para o Cenpes; fui indicado como superintendente-geral do Cenpes, exatamente nesse momento fascinante. CENPES / ENFRENTANDO O DESAFIO O Cenpes tinha três áreas: a área de exploração e produção, a área de refinação petroquímica e área de engenharia. Eu fui indicado como superintendente, eram três superintendente-adjuntos: um para área de Exploração e Produção, o Guilherme Estrella, hoje diretor da Petrobras nessa mesma área; o Antônio Portinho, da Engenharia Básica; e o Fernando Barbosa, da Refinação Petroquímica. A minha missão era a de propor um modo de organizar esse esforço. Foi fascinante. De um lado havia um grande desafio e do outro lado, uma história de capacitação e de conhecimento. E como encarar a superação desse desafio? Era evidente o seguinte: seria um desafio não só para o Cenpes, mas para toda a empresa. Então, foi estabelecido um programa de domínio da tecnologia de produção de petróleo em águas profundas – na época, definido como além de 400 metros até 1000 metros de lâmina d´água. Esse desafio não era para o Cenpes, nem tão pouco para a Engenharia, era um desafio que deveria ter a contribuição de toda a empresa. Mas não só isso, era um desafio que deveria ser enfrentado pela empresa e seus fornecedores: os fabricantes de equipamentos, as empresas de engenharias. Deveria ainda envolver a inteligência brasileira, as universidades e os institutos. Hoje, mais de 20 anos depois, nós sabemos que inovação depende da “’supply chain”’, da cadeia de suprimentos. Uma empresa não é inovadora isoladamente, ela será inovadora quando o conjunto de relações com seus parceiros – fornecedores, prestadores de serviço, universidades e institutos – formar toda uma cadeia, uma rede multidisciplinar e multi-institucional. PROCAP 1000 / CRIAÇÃO Então, decidimos estruturar um programa, o Procap. Ele recebeu esse nome: Programa de Capacitação em Tecnologia de Produção em Águas Profundas, que nasceu no Cenpes, mas desde o seu nascedouro, ele envolveu vários órgãos da Petrobras e, no segundo momento, várias instituições, empresas, fornecedores, engenharia, institutos, universidades do Brasil e de fora do país. Isso foi feito pela primeira vez. Participaram do Procap: a UFRJ, seguramente, era a mais presente ali – o Cenpes está dentro do campus dessa universidade –, a Universidade de São Paulo, a Unicamp. Em temas específicos, participaram a PUC do Rio de Janeiro e várias outras universidades. Eu me lembro de quando saí do Cenpes, em 1989, a Petrobras interagia com 30 universidades e também com institutos tecnológicos, empresas de tecnologia, que foram agregadas a esse esforço, bem como fabricantes de equipamentos, que eram fornecedores da Petrobras. Eles tinham uma competência em determinados equipamentos e entraram no programa para o desenvolvimento também de temas inovadores. Então foi isso que articulou o programa PROCAP / ESTRURURA No seu início, o Procap tinha cerca de 110 projetos – para não errar o número, entre 105 e 110 projetos – e algo como 80 instituições, 50 brasileiras e 30 estrangeiras. Foi um grande programa. Ele foi montado com esquema de gerenciamento e aí a diferença está na gestão. Porque ou a competência existe, mas se não existe, ela tem um potencial de desenvolvimento em várias áreas. No Cenpes, havia competência na área de pesquisa, na área de engenharia, no departamento de produção, no departamento de perfuração, no serviço de engenharia, no serviço de material, mas era preciso articular isso de tal forma que a soma tivesse como resultado o domínio da tecnologia. E isso depende da gestão, da gestão tecnológica. A grande inovação do Procap é justamente essa, é a capacidade de gerir um esforço multidisciplinar, multi-institucional, nacional e internacional, para se chegar a objetivos pré-estabelecidos. Foram estabelecidos três objetivos: o desenvolvimento de uma plataforma fixa, o desenvolvimento do sistema flutuante de produção e um terceiro objetivo inovador, completamente inovador, do bombeio multifásico. Foi feito como numa carteira de investimentos: onde há maior risco, se põe menor esforço e onde há menor risco, mais chance de sucesso, se dedica maior o esforço. Esses três objetivos foram desmembrados em 105, 110 projetos conduzidos pelo Cenpes, pelos departamentos, pelas empresas de engenharia, pelos fabricantes de equipamentos, pelas universidades e institutos. A gestão partia do Cenpes, a gestão da inovação. Os projetos são sinérgicos, um projeto influencia o outro, que precisa ser re-programado. Então há que ter um fluxo de informações muito eficiente, há que ter uma capacidade de administrar pessoas, muito especial. São instituições diferentes, equipes diferentes que têm culturas diferentes, princípios e valores diferentes; tem as fraquezas humanas, a vaidade, tudo isso. E há disputas. Se isso não for bem administrado, não há cooperação. Então há que se conduzir o projeto, não é só uma questão técnica. PROCAP / DESAFIOS A maior dificuldade? Com os técnicos, não havia muitas dificuldades, porque eles abraçaram esse desafio com todo ardor. O maior desafio foi vender a idéia de que era um esforço cooperado dentro e fora da empresa. Porque as empresas, principalmente as empresas grandes, os seus departamentos, as suas equipes, acabam tendo lógicas próprias, são verdadeiras famílias, que buscam os seus objetivos, as suas metas, o que é muito bom. Mas era preciso fazer com que essas grandes equipes cooperassem, e isso era a principal dificuldade. Era preciso também que os dirigentes entendessem que o esforço tinha que ser cooperado, o ganho seria da área dele; o ganho da empresa e, consequentemente, o dele também. Mas isso não é tão simples assim, é lógico, mas emocionalmente não é tão, tão claro. Houve, na verdade, um acoplamento do programa de desenvolvimento da produção, dos investimentos e o Procap foi programado em função deste cronograma, de tal forma que o conhecimento pudesse ser gerado em tempo de contribuir para uma determinada etapa do plano de investimentos. Foram seis anos de trabalho no Procap 1. Hoje nós já estamos no Procap 3. Mas no primeiro foram seis anos de trabalho, algo como 50 milhões de dólares aproximadamente, de gastos, a mobilização de 400 pessoas, técnicos da Petrobras, eu já citei as 80 instituições. Qual foi o benefício disso, o que realmente contribuiu para a Petrobras? Hoje, a empresa produz a 2700 metros, é líder mundial em águas profundas e divide um pouco com a Shell a liderança – elas estão sempre concorrendo, uma passando a frente da outra. A Petrobras transformou essa riqueza em algo exportável, comercialmente exportável. Hoje, o Brasil tem a auto-suficiência em petróleo, é praticamente suficiente. Foi um prêmio extraordinário. PROCAP / ESTRUTURA O Procap foi estruturado para gerar conhecimento para todo o programa de desenvolvimento da produção. Porque não se tratava de ter uma capacidade autárquica, quer dizer, de fazer sozinho, e desenvolver todos os aspectos da tecnologia. Na essência, a capacitação tecnológica é a capacidade de tomar decisão e para isso é necessário ter o conhecimento. Então é um programa de desenvolvimento de conhecimento de todos os métodos, equipamentos, produtos, soluções, de tal forma que a empresa possa decidir: ou ela faz, ou ela compra, mas ela compra sabendo e ela faz sabendo. Então, no final das contas o objetivo era exatamente gerar o conhecimento necessário, que permitisse a tomada de decisão de investir num campo de águas profundas com confiança, com confiabilidade, com garantia de que o retorno desse investimento fosse realmente ocorrer. Isso é autonomia tecnológica, na verdade, é uma autonomia de decisão. Não significa decidir só. Inclusive, o Procap teve a participação da Petrobras em vários projetos no exterior, associada a outras empresas de petróleo. Isso também foi uma dificuldade. Agora estou me lembrando. Porque, no começo, o desejo era o de ter isso tudo circunscrito à Petrobras. Levou um pouquinho de tempo para as pessoas compreenderem que era um esforço amplo e que a Petrobras ganharia, porque ganharia o quê? Ganharia a capacidade de tomar decisão. Mas o conhecimento foi desenvolvido aqui em cooperação com a instituição PADRÃO PROCAP O país e outras empresas também ganharam. Então, esse objetivo foi atingido plenamente pela empresa. Um subproduto muito importante do Procap foi aprovar um método e um modelo de gestão tecnológica depois aplicada a vários outros programas da Petrobras, como no refino, meio-ambiente, etc. Hoje o Cenpes tem uma dúzia de programas com o mesmo “DNA” do Procap, eles têm a mesma concepção. Houve a criação de um padrão, sem dúvida, a incorporação de um modo de gerir tecnologia, com um sucesso que é reconhecido internacionalmente. COERÊNCIA E CONTINUIDADE Foram seis anos, e o objetivo foi obter condições de produzir em 1000 metros de lâmina d´água. Depois houve um pequeno hiato até o Procap 2000, para produzir até 2000 metros. Hoje os técnicos da Petrobras trabalham no Procap 3000, para produzir em lâminas d´água de até 3000 metros de profundidade. A linha inicial do Procap foi mantida. Isso é uma coisa fantástica da Petrobras, ao longo de toda a sua história ela sempre manteve uma coerência, uma continuidade e uma persistência, no tema conhecimento. Seja na capacitação de recursos humanos, seja nas pesquisas de desenvolvimento, na engenharia, na gestão de todos esses ativos para gerar conhecimento, ela sempre deu continuidade. São 50 anos de uma contribuição fantástica. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Depois eu saí da Petrobras, fui para o governo ser secretário de tecnologia do Ministério de Ciência e Tecnologia nos Governos Collor e Itamar, num breve período. Eu fui com essa experiência para o governo. E lá, então, eu tive contato com o esforço de desenvolvimento tecnológico do Brasil. Os desafios foram aparecendo e eu fui mudando de lugar. TECNOLOGIA DE PONTA Não tenho dúvidas em afirmar que, se tiver que escolher, entre as três grandes realizações da tecnologia brasileira, seguramente, terá lugar a tecnologia de produção em águas profundas. Eu penso que nós temos, pelos menos, três grandes realizações em relação às quais os brasileiros se orgulham: águas profundas, a Embrapa, que transformou o cerrado brasileiro em terra fértil – eu não trabalhei na Embrapa. Ela é uma empresa estatal fantástica também, se semelha às águas profundas, mas no solo. Nós temos uma imensidão de cerrados, que há 40, 50 anos atrás, era considerada terra infértil, não servia para nada, hoje se produz grãos em produtividade mais alta que a produtividade norte-americana. E, a terceira é a indústria da aeronáutica, a Embraer, na fabricação de aviões, uma enorme realização brasileira. CONTEXTO / DÉCADA DE 80 Vou contar uma pequena passagem que também está ligada à questão do conhecimento. Só para restituir as datas, nós falamos de águas profundas. Eu estive no Cenpes de 1985 a 1989. Em 1988, foi aprovada a nova constituição brasileira. Em 1989, teríamos a primeira eleição para presidente da república. Na constituinte, se discutiu o monopólio do petróleo. Ficou evidente que o monopólio seria alterado em função das discussões. A constituição foi aprovada, e se estabeleceu uma nova data, 1992 ou 1993, quando seria feita uma revisão constitucional e o tema do monopólio seria rediscutido. O processo de abertura já estava bem avançado e, em 1989, seria eleito o novo presidente, com eleições diretas. A Petrobras sempre teve uma grande proteção dos militares e do monopólio. Naquele momento, no ambiente externo à Petrobras, se verificou claramente que essas condições iriam mudar. O monopólio poderia ser revisado e a empresa seria administrada dentro das condições da realidade da democracia brasileira. Nessa época, a Petrobras não tinha ainda um plano estratégico, ela administrava todos os seus negócios, mas o órgão de planejamento cuidava essencialmente do orçamento da Petrobras. E, diga-se de passagem, cuidava muito bem, porque havia um controle rigoroso do Governo Federal sobre o plano de investimento da Petrobras. “FUNDO DO BARRIL” Um ponto que eu não mencionei: no Cenpes, o desafio de águas profundas não foi isolado, porque simultaneamente a Petrobras enfrentou o desafio da entrada do álcool no mercado. A entrada do álcool no mercado alterou a estrutura de mercado, a proporção entre gasolina, diesel, óleo combustível, e fez com que o parque de refino tivesse que se adaptar a essa nova estrutura do mercado. A Petrobras estava com suas refinarias desenhadas para produzir numa determinada proporção de gás liquefeito, gasolina, nafta, óleo diesel, mas precisaria mudar isso. E mais uma vez, o acervo presente: pesquisa, engenharia básica, a experiência de projetos e também ali se organizou um plano chamado “Fundo do Barril” – uma expressão da indústria de petróleo, que se refere às situações pesadas. O objetivo era re-processar, diminuir essas frações pesadas e produzir mais produtos médios e leves. Para isso, foi preciso mudar o parque de refino, as unidades, alterar os catalisadores. A Petrobras empreendeu um grande projeto. Teve um líder desse movimento que foi o José Fantine. Vale a pena entrevistá-lo. Então, Petrobras encarou também esse desafio de ajustar o seu parque de refinos à nova estrutura de combustíveis líquidos do Brasil. Com isso, houve avanços consideráveis na capacidade tecnológica da Petrobras de aperfeiçoamento das unidades de craqueamento e da produção de catalisadores. No bojo desse esforço foi negociado um acordo com uma empresa estrangeira de produção de catalisadores. O Brasil passou a ser primeiro país em desenvolvimento a produzir catalisadores de craqueamento, com uma fábrica aqui no Rio de Janeiro. A parte da pesquisa foi feita no Centro de Pesquisas, no Cenpes. Isso também é extremamente importante para o desenvolvimento tecnológico da indústria de petróleo. PLANO ESTRATÉGICO / ANTECEDENTES Então, tudo isso estava acontecendo – águas profundas, “fundo do barril” – o que provocou uma mudança no modelo de gestão do Cenpes. Quando um centro de pesquisas se lança em temas inovadores, ele tem que ter uma capacidade de antecipação. Se um centro de pesquisa deseja ter competência em um determinado tema, ele tem que se antecipar cinco, 10 anos; formação de equipes e a acumulação de conhecimentos leva tempo. Portanto, um centro inovador, inovador em águas profundas, inovador em refinação, em catalisadoras, tinha que ter uma grande capacidade de antecipação e um modelo de gestão voltado para a prospecção tecnológica e planejamento estratégico. Então o Cenpes iniciou esse processo entre 1985, 1986, no período que eu estava lá. Teve um técnico muito competente à frente disso, Dorodame Leitão. Ele foi responsável pelo planejamento do Cenpes. Nesses anos, se fez um grande esforço de introduzir a prospecção tecnológica, o planejamento estratégico para tecnologia e a gestão de projetos no Cenpes. Muito concentrado no Cenpes. Então, esse é o antecedente. PRIMEIRO PLANO ESTRATÉGICO Em 1989, quando a Petrobras sentiu falta do planejamento estratégico, ela tinha experiência no Cenpes, no planejamento estratégico não da empresa toda, mas voltado para o conhecimento da tecnologia. Por essa razão, eu fui transferido para o serviço de planejamento. Eu fui superintendente do Serplan por aproximadamente um ano. A missão era elaborar o primeiro plano estratégico da empresa. Então eu comecei no Serplan em agosto de 1989. O presidente da Petrobras era Carlos Sant’Anna. Ele disse: “Silveira, em dezembro conclui-se o processo eleitoral. Em março, assumirá o novo presidente, seguramente vamos ter grandes mudanças dentro da Petrobras. Então, nós temos seis meses para produzir o primeiro plano estratégico da Petrobras.” Nós fizemos um esforço com uma equipe mista do Cenpes e do setor de planejamento e assim se fez o primeiro plano estratégico da Petrobras, que foi concluído em novembro, dezembro de 1989, no mesmo ano em que caiu o muro de Berlim. O mundo estava passando por uma grande mudança dos sistemas econômicos; a visão de uma economia centralmente planificada de proteção estava ruindo diante da globalização. Tudo isso teve um forte impacto sobre a própria visão ideológica, da indústria de petróleo no Brasil. Então foram elaborados cenários de longo prazo, se estudou as tendências internacionais, nacionais. Você pode encomendar um plano estratégico a um conjunto de especialistas, mas essa é a pior solução. A melhor solução é quando os próprios executivos debatem, discutem e elaboram o plano. E foi por esse caminho que nós seguimos. Então o plano estratégico foi elaborado pelos executivos do segundo escalão, os superintendentes, a diretoria e o presidente, além da comunidade de técnicos da empresa especializados em planejamento. Isso levou seis meses, porque foi um processo participativo, de muita discussão. As discussões deixaram muito claro que estava em marcha uma mudança conceitual de nacionalismo, porque a Petrobras é fruto do nacionalismo dos anos 50. Naquele momento era. Era um nacionalismo centrado na soberania; o ímpeto nacionalista era a para garantia da soberania e para o desenvolvimento do país. EFICIÊNCIA E COMPETITIVIDADE Nessas discussões – olhando para o mundo, para as tendências e para o que esta acontecendo – se observou que o nacionalismo estava mudando de face, ao se referenciar na eficiência. É Lógico que a soberania nacional está sempre acima de tudo, mas você não assegura soberania se fechando e sim interagindo com o mundo. Para isso, é fundamental ser eficiente, ser competente. O primeiro plano estratégico da Petrobras tinha quatro opções de estratégia, quatro eixos. A primeira, chamava-se eficiência e competitividade. Aquela era a mudança mais importante. Eu não me lembro bem dos nomes outros eixos, mas eles estavam muito ligados à integração da empresa, em manter a empresa integrada, o upstream, o downstream, os recursos humanos e a capacitação tecnológica. Mas a estratégia que merece destaque é a primeira: eficiência e competitividade. Por quê? Porque, naquele momento, a Petrobras devia ter 34, 35 anos, ela estava acostumada a viver num ambiente fechado, de monopólio, só ela operando, com proteção do país, com barreiras alfandegárias, com proibições de importação de determinados produtos e atuação de empresas aqui. Ficou evidente que a empresa tinha que se preparar para ser uma grande empresa de petróleo, competente, mas competitiva, para atuar no exterior em competição com outras empresas de petróleo, para fazer associações no mesmo padrão de competição. Hoje ela é isso. O que é a Petrobras hoje? É uma empresa internacional, operando no exterior, muito competente, muito eficiente, é procurada por outras empresas estrangeiras para estabelecer parcerias. Tudo isso vem dessa mudança, uma mudança institucional, da nova constituição. Logo a seguir, nos primeiros anos da década de 90, houve a mudança, com a nova lei de petróleo, o que só trouxe benefícios a Petrobras. Ela se tornou mais forte ainda. Mas ela estava preparada. Assim como o Procap incorporou o método de gestão tecnológica, a Petrobras também incorporou o planejamento estratégico. A empresa o utiliza até hoje, está aí, com sucessivas revisões, aperfeiçoamentos. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL O planejamento terminou em março de 1990, quando eu fui demitido. Fui afastado do serviço de planejamento, porque assumiu o Governo Collor, que adotou uma diretriz de substituir toda a diretoria, o presidente e a metade dos superintendentes. Então eu voltei a ser engenheiro, puro e simples, lá no Cenpes. Mas foi muito bom, porque algumas semanas depois, eu fui convidado pelo Governo, para trabalhar no Ministério da Economia e depois no Ministério de Ciência e Tecnologia. No final dos anos 90, começo do ano 2000, eu fui secretário de planejamento do governo, durante seis anos. Então foi uma experiência extremamente estimulante. Eu gostei muito de ter sido afastado. IMAGEM PETROBRAS A Petrobras representa uma escola; uma escola extraordinária. A imagem que me vem à mente é a do aprendizado. Eu faço parte de uma geração privilegiada, que passou pela Petrobras num período em que a empresa e a economia brasileira enfrentaram grandes desafios e nós fomos chamados a contribuir. E não há nada como um desafio para a aprendermos mais. É uma grande escola. Outra imagem que eu tenho também, além de escola, é a de um local aonde se compartilha um objetivo nobre, porque não é o objetivo de uma empresa de petróleo, é objetivo do desenvolvimento do Brasil. Trabalha-se com emoção, nesses objetivos. Não é a emoção de uma só pessoa, é a emoção de toda a empresa. Eu já estou ficando emocionado só de lembrar. Então há esse aspecto também, é um privilégio. É um espaço de superação, de motivação, de contribuição aos temas relevantes para o país, que a Petrobras oferece, ofereceu e continua oferecendo aos seus profissionais. São essas duas imagens que tenho bem aqui, no fundo do coração. MEMÓRIA PETROBRAS Eu agradeço a oportunidade. Estou sempre à disposição. Parabéns para o Museu da Pessoa e para a Petrobras por essa iniciativa.
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