Projeto Memória dos Trabalhadores da Bacia de Campos
Depoimento de José Marques Moreira Filho
Entrevistado por Tânia Coelho
Rio de Janeiro, 27 de Junho de 2008.
Realização Instituto Museu da Pessoa
Depoimento PETRO_CB444
Transcrito por Flávia Penna
P/1 - Nome completo, o local de nascimento e a data.
R – José Marques Moreira Filho, nascido em João Pessoa, Paraíba em 15 de agosto de 1945.
P/1 – A sua Formação é engenharia?
R – Eu sou engenheiro industrial, metalurgista, engenheiro de petróleo, engenheiro de segurança, então ao longo da vida eu fui estudando.
P/1 – Vamos contar um pouco esse “ao longo da vida”?
R – Tá bom.
P/1 – Você fez a Universidade aonde?
R – Eu comecei na Universidade da Paraíba, depois eu me transferi para a Universidade Fluminense em Volta Redonda. Comecei em João Pessoa e terminei em Volta Redonda, Rio de Janeiro, onde tem a siderúrgica. Lá existia uma unidade da Universidade Fluminense para formar engenheiros voltados para a indústria metalúrgica e siderúrgica. Depois, fiz o concurso para a Petrobras e fui trabalhar com o petróleo.
P/1 – Foram duas grandes mudanças: a primeira de João Pessoa para Volta Redonda.
P/1 – É uma grande mudança, passando pelo ITA. Eu saí de João Pessoa e fui fazer um curso de férias no ITA em 1967, que era computação. Naquela época já se falava em computador, então o computador já me persegue desde 1967. Passando por lá, conheci uns colegas e me falaram muito bem desse curso que tinha lá e que foi montado na época do governo do Jânio Quadros. Como nordestino é um pouco cosmopolita..., eu fazia engenharia civil e achava que aquilo não ia ser uma boa e vim fazer um negócio que na época era top de linha que era Engenharia Industrial voltada para a área de siderurgia e metalurgia. Aí, apareceu o concurso da Petrobras e eu fiz. Fui o único da minha turma que passou. Na minha época, só passaram 18 para engenharia do petróleo. Em 1970, a...
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Depoimento de José Marques Moreira Filho
Entrevistado por Tânia Coelho
Rio de Janeiro, 27 de Junho de 2008.
Realização Instituto Museu da Pessoa
Depoimento PETRO_CB444
Transcrito por Flávia Penna
P/1 - Nome completo, o local de nascimento e a data.
R – José Marques Moreira Filho, nascido em João Pessoa, Paraíba em 15 de agosto de 1945.
P/1 – A sua Formação é engenharia?
R – Eu sou engenheiro industrial, metalurgista, engenheiro de petróleo, engenheiro de segurança, então ao longo da vida eu fui estudando.
P/1 – Vamos contar um pouco esse “ao longo da vida”?
R – Tá bom.
P/1 – Você fez a Universidade aonde?
R – Eu comecei na Universidade da Paraíba, depois eu me transferi para a Universidade Fluminense em Volta Redonda. Comecei em João Pessoa e terminei em Volta Redonda, Rio de Janeiro, onde tem a siderúrgica. Lá existia uma unidade da Universidade Fluminense para formar engenheiros voltados para a indústria metalúrgica e siderúrgica. Depois, fiz o concurso para a Petrobras e fui trabalhar com o petróleo.
P/1 – Foram duas grandes mudanças: a primeira de João Pessoa para Volta Redonda.
P/1 – É uma grande mudança, passando pelo ITA. Eu saí de João Pessoa e fui fazer um curso de férias no ITA em 1967, que era computação. Naquela época já se falava em computador, então o computador já me persegue desde 1967. Passando por lá, conheci uns colegas e me falaram muito bem desse curso que tinha lá e que foi montado na época do governo do Jânio Quadros. Como nordestino é um pouco cosmopolita..., eu fazia engenharia civil e achava que aquilo não ia ser uma boa e vim fazer um negócio que na época era top de linha que era Engenharia Industrial voltada para a área de siderurgia e metalurgia. Aí, apareceu o concurso da Petrobras e eu fiz. Fui o único da minha turma que passou. Na minha época, só passaram 18 para engenharia do petróleo. Em 1970, a indústria do petróleo era um marco, porque petróleo custava dois dólares o barril, então, exploração de petróleo naquela época, não era um negócio importante, porque o petróleo era abundante e muito barato. Naquela época, o foco do Brasil era o refino, abastecer o país com derivados. Exploração era a cozinha, fazendo uma comparação com a residência, seria a área menos nobre da residência. Depois, em 1973, veio a explosão do preço do petróleo e teve que se produzir mais profissionais da área de exploração e produção, porque o foco era ver o que era inseguro. O Brasil produzia muito abaixo da sua necessidade. Aí, a empresa mudou o foco dela para exploração e produção.
P/1 – Do ponto de vista pessoa, como você viveu essa passagem da cozinha para a sala de visitas?
R – Olha, não tivemos vaidades porque internamente na empresa diziam que eram os filhos pobres que passaram a ser ricos. O que a gente – dessa minha geração – foi forçada a fazer, porque entramos no curso com 18 e saímos 12, a empresa não estava formando mais engenheiros do petróleo. Então, o que a gente teve foi uma sobrecarga de trabalho. Tivemos que nos multiplicar para atender a demanda da empresa que era muito grande, com metas muito cobradas, porque a qualquer custo, o governo queria agora jogar dinheiro e que o petróleo aparecesse. Daí , eu terminei o curso de engenharia do petróleo e passei pouco tempo da região da Bahia. Só existiam duas regiões de produção: a mãe era a Bahia e o filho – que ficou mais educado que a mãe – era a região do Nordeste, RPN, Região de Produção do Nordeste. Na minha época, tinha uns colegas casados e outros solteiros. Os solteiros foram para Sergipe porque naquela época tinha residência nos campos. Então, para o casado, a despesa era menor. Então, nós fomos para Sergipe para uma unidade nova, relativamente nova, com poucos vícios. Quando? Quando surgiu a produção de petróleo no mar. Então, eu participei de uma das primeiras equipes a trabalhar em produção, em operação de plataforma marítima, nos campos de Sergipe: Guaricema, Caiopa e adjacências. Dali começou a surgir o protótipo, os primeiros conhecimentos sobre o que seria trabalhar em lâminas d’água de 40 metros, plataformas fixas, como se fosse um edifício ...
P/1 – As primeiras?
R – As primeiras plataformas. Eu trabalhei nas primeiras plataformas de produção de petróleo no Brasil. Foi a equipe de operação, não de perfuração. A pessoa perfurava, preparava o poço e entregava parra esse pessoal novo que foi aprender trabalhando. Não tinha onde aprender.
P/1 – Eram todos jovens, não é?
R – Jovens. Nessa época, eu fui para o campo terrestre de Carmópolis, em Sergipe. Trabalhei em Sergipe e Alagoas, 1971, 1972 e 1973, fui premiado. Um colega adoeceu e eu fui convidado – eles convidam: “A partir de amanhã, você se apresenta em tal lugar!” – a trabalhar nas instalações marítimas e processamento de petróleo em terra, que era no terminal de Carmópolis.
P/1 – Como era a construção da tecnologia?
R – A tecnologia foi importada da Europa. Empresas que projetaram as plataformas e montadas por brasileiros, construídas no Brasil. Eram as primeiras jaquetas – a gente chama de jaqueta – que é um edifício, como se você fizesse o esqueleto de um edifício no mar e só em cima é que você tinha a ilhazinha onde se tinha os equipamentos de produção e os oleodutos e os gasodutos indo para a terra. Lá o petróleo é próximo a costa. Quem for à cidade de Aracaju e se hospedar na praia de Atalaia, vai ficar vendo à noite as plataformas. Naquela época [a plataforma] era habitada por só duas pessoas. Os caras não conversavam, um dormia e o outro trabalhava, só tinha dois. Durante o dia as equipes de manutenção iam e voltavam de lancha. Nós não usávamos helicóptero. Helicóptero era um negócio muito caro e petróleo era barato, então não podia usar aquilo. Os recursos eram escassos e a gente tinha que multiplicar. O petróleo era caro em relação ao petróleo terrestre. O terrestre é como uma fazenda, em que você tem as casinhas de fazenda, os currais onde tem, cada um, um cavalinho de pau ou uma bomba a gás. No mar era muito caro, então, os investimentos eram devagar porque tudo era exponencial e, naquela época, ficava negativo, não dava lucro, não dava retorno. A Empresa, como era estatal, bancava, tirava de onde ela tinha lucro e jogava ali, criticada pela área industrial que dizia: “para que? Compra o petróleo lá fora que sai mais barato. Para que fazer isso?”
P/1 – Havia uma resistência a esse investimento.
R – Havia muito, muito, na nossa época, 1972. Para você ter uma idéia, a gente usava equipamentos já utilizados pela área industrial. Para montar uma oficina, a gente usava as máquinas que iam ser alienadas das refinarias, porque não compravam. Se a gente pedisse para comprar: “Não, cara, não pode porque isso vai sair no preço do produto. O seu preço vai ficar mais alto que uma importação, então importa, (cerca?) teu campo!” Depois surgiu a Bacia de Campos. Pegamos experiência de quatro anos. Trabalhei até 1967 lá e, de repente, o nosso superintendente galgou a posição do diretor. Foi o José Marques Neto, que tem o mesmo meu nome. Era uma confusão na unidade.
P/1 – Não é seu parente?
R – Não é meu parente, mas são todos nordestinos, um é do Ceará e o outro da Paraíba. Era uma confusão grande. Era José Marques Neto e, quando eu cheguei lá, os colegas colocaram: “você é José Marques Filho.” Marques Neto e Marques Filho, então deu uma confusão, porque naquela época a gente usava telegrama. Produção de petróleo em Alagoas, eu colocava: “o campo produziu tanto. [Assinava] José Marques.” Aí, o Superintendente chamou: “que negócio é esse? Tem um cara concorrendo comigo?” Hoje nós somos colegas. Aí: “Vamos fazer um acordo: um é José Marques Neto e o outro é José Marques Filho. E pronto.” Porque colocaram o meu nome de guerra sem eu saber: “você vai ser chamado Fulano”, porque era Moreira, né, meu nome na escola era Moreira. “Não, Moreira é um auxiliar de escritório, vai se confundir.” Depois foi que eu vi que era brincadeira dos colegas. Mas hoje, tudo deu bem. Então, quando o José Marques Neto veio para a diretoria, ele pegou a Bacia de Campos e disse: “eu quero todas as pessoas sem experiência gerencial. A gente tem que montar na Bacia de Campos um negócio totalmente diferente. Temos que treinar as pessoas para eles serem gerentes.” Naquela época não era comum. Na nossa área, o cara era gerente e ia aprendendo, aprendendo e ...
P/1 – Era totalmente diferente, como?
R – Porque existia uma cultura baiana, que era da região de produção da Bahia, e existia a cultura da Região de Produção do Nordeste, que foi um filho que nasceu da região de produção da Bahia, que era um estilo gerencial totalmente diferente. Então, ele disse: “eu quero que na região de Produção da Bacia de Campos - que era distrito do sudeste, sediado em Vitória – tenha um negócio diferente dessas duas unidades. Então, vamos pegar aquelas pessoas que tem potencial gerencial e vamos investir.” Então, ele colocou pessoas para ser gerente nessa unidade começando e que nunca tinham sido gerentes de nada. A gente saiu lá do Nordeste e ele jogou a gente num internato ali em Itaipava, numa organização chamada Centrecom, no mês de julho – não precisa dizer o frio que tinha – e a gente ficava lá em quarentena, recebendo instruções com o pessoal da área industrial em cursos gerenciais. O primeiro curso gerencial que eu fui fazer chamava-se Gerencia Avançada, nunca tinha feito nenhum. Quando chegou aquele pessoal, superintendente de refinaria e chefes de divisões na época, que hoje tem outro nome, que começavam a falar naquelas teorias, eu dizia: “Eu estou no lugar errado! Nunca ouvi nem falar nisso! Será que para gerenciar pessoas precisa disso tudo?” Foi assim que surgiu a administração da Bacia de Campos, com pessoas que tinham potencial. Veio o Alfeu Valença, o mais experiente que tinha sido gerente era o Roberto Gomes Jardim – que está ali no depoimento – e eu, que estava na área de produção, fui para a área de apoio logístico. Dizia-se o seguinte – a gente não sabia também, não tinha conhecimento: “produção marítima, a alma do negócio é a logística. E o grande custo é a logística, então pega pessoas que tenham potencial para essa área e não fica pegando aqueles que não deram para isso e para aquilo.” Então, me pegaram, sem eu nunca ter trabalhado naquilo: “Agora você vai ser Chefe de Divisão de Apoio.” O Apoio era Apoio Logístico. Não é produção, é apoio. Eu ia tomar conta de manutenção, suprimento, transporte e administração dos escritórios e engenharia. Então, era a alma, se isso não funcionasse bem, nada mais funcionava. Não interessava o engenheiro de petróleo estar lá se não chegasse o suprimento para fazer o poço. Não interessava a plataforma de perfuração chegar lá, se os suprimentos para fazer a lama de perfuração e os equipamentos não chegassem para montar o poço. Então, montamos a equipe toda jovem, pinçamos alguns empregados com algumas experiências, mas 90 por cento era jovem. Tiveram pessoas na Bacia de Campos que chegaram num dia e no outro: “você vai ser chefe do setor de manutenção.” “Mas como? Eu nuca fui chefe !” “A gente vai ensinar e você vai aprender.” Por isso é que uma cultura totalmente diferente. Ela não foi herdada da região Norte, que a gente tinha... Quem veio de outras culturas terminou voltando, porque era um pessoal que... Como aquilo funcionava nos anos 1980, a base de Macaé começou em 1978, começou a operar em 1978, antes de terminar. Eu digo para o pessoal que cheguei em Macaé eu e uma caçamba de brita. Eu era o responsável por receber a obra pelo cliente e a área de engenharia era quem fazia. Então, chegou eu e o pessoal de engenharia. Em algum momento, a gente trabalhava em Vitória e Macaé, com aquela BR-101 toda estragada. Fazíamos as viagens e, por sorte, não tivemos acidentes. Viajávamos de Vitória para Macaé direto. Quando chegou em 1979, desinstalamos. A empresa marcou o dia 31 de dezembro de 1979: “Feche as instalações de Vitória. Todas as pessoas têm que estar em Macaé.” Como eu fazia parte da logística, tinha que promover essa mudança. Então, promovemos a mudança a partir de 1978, quando o primeiro píer terminou no porto. Quer dizer, a primeira área de atracação terminou, nós mudamos as embarcações de apoio, porque, com a mudança, havia uma redução do consumo de combustível da ordem de grandeza de 50 por cento, o que significava que a base de apoio, só com a economia de combustível – de óleo diesel, nós estávamos na crise do petróleo – ela se pagava em 12 meses. Então, mudamos para lá. Como a gente não tinha essa experiência toda, estávamos aprendendo, mudamos no mês de agosto que era um mês de temporal, com o mar muito agitado. Todas as embarcações que chegaram naquela Bacia de Macaé ficaram presas, não podiam sair. E balançando, e aquilo a fazer barulho e a cidade toda sem entender o que estava ocorrendo, Macaé era tão pequena... Nós tínhamos feito uma pesquisa antes de ir para lá, quando foi escolhida Macaé. Tinham diversas áreas onde poderia ter sido feito e Macaé foi escolhida, já tinha tido um porto lá, tinha como construir um porto. O outro local que poderia ter ido seria o Porto do Ferrolho, ali em Búzios, entrando ali por Cabo Frio, mas iria acabar uma área que era tradicionalmente turística, onde tinha uma unidade lá de sal. Então, foi escolhida Macaé, fez-se o projeto. Era uma instalação da Rede Ferroviária que tinha, e ainda tem hoje, dois galpões antigos e foram recuperados, onde era uma oficina de manutenção de vagão. Então, a Petrobras pegou aquela área e construiu a base. Não tinha nem um hotel na cidade e se você quisesse, inclusive, oito horas da noite, de segunda à sexta fazer uma refeição, não tinha onde fazer a refeição. Não tinha lanchonete, não tinha nada, só tinha o Hotel Panorama que hoje é um hotel novo, mas aquele era uma casa antiga onde a gente fazia os nossos alojamentos. Não existia residência, só existia residência de veraneio. Nós mudamos de Vitória para lá com 200 famílias. A Petrobras só levou 200, depois passou a fazer os concursos de admissão já para Macaé, no final de 1979, já planejando a mudança.
P/1 – Nesse momento, Macaé começou a entender o que estava acontecendo, quando a cidade começou a entender o que estava acontecendo?
R – Nós dávamos palestras. A gente tinha o compromisso com a cidade de ficar mostrando o que ocorreu com a cidade. Na época, como ainda era término de governo militar, até o Ministério do Interior ofereceu a uma área de planejamento, para planejar a cidade. Existia o Ministério do Interior que ofereceu urbanista para poder fazer um plano diretor para a cidade. A cultura da cidade não era essa. Tinha um prefeito com baixa escolaridade. Apesar de que o prefeito da época era um médico, era o Mussi, um cardiologista lá da cidade, e eles não quiseram: “Não, não, aqui eu faço tudo.” O prefeito também era o engenheiro da obra. A cidade cresceu desordenada. É só ver e agora estão tentando fazer uma ordenação. Muita coisa a Petrobras fez ali porque ela tinha o compromisso de não ser os forasteiros da cidade, entendeu? Criou-se até um grupo de integração para poder integrar quem chegou de fora. A gente era considerado como forasteiro, com estilo de vida totalmente diferente. Muito estrangeiro, muita empresa estrangeira. Teve que se ficar construindo a sua própria residência porque você não tinha a opção de alugar, a não ser alugar aluguéis de “Vieira Souto”. Muitas pessoas que acreditaram no crescimento da cidade ficaram ricas, foram criadas verdadeiras fortunas por causa desse boom da cidade. E nós não trazíamos nada, a não ser 200 famílias, só que de alta renda para a cidade e mais umas 200 de estrangeiros. Aquilo dali foi o suficiente para revolucionar a cidade. Como tinha muitos terrenos disponíveis, os preços subiram muito. Basta de dizer que na época de Serra Pelada, a Caixa Econômica que teve mais movimento, fora de Serra Pelada, foi lá em Macaé, que era um posto avançado de Campos. Daí se criou, ganhou a primeira agência e o edifício onde hoje ainda está instalada, por causa de boom de empréstimos habitacionais que foram feitos. A Petrobras conversou, fez um convênio com o governo para fazer aquele conjunto habitacional que hoje é chamado Parque Aeroporto. Ali surgiram, na época, acho que umas duas mil casas populares. Muito trabalhador nosso foi morar ali. Nós passamos a fazer os concursos regionais e a maioria da área administrativa foi da própria cidade. Criou um caos administrativo para a cidade. Todos os bancos perderam os empregados, porque não tinha como competir em salário. O comércio todo, escolas, professoras, os empregados que entraram em 1979, e que estão quase a fazer 30 anos, saíram desse mercado que tinha lá, para não criar um caos maior na parte de moradia. Então, passamos seis meses com esse pessoal em Vitória, treinando e eles criaram a massa crítica para voltar para a cidade. Tinha muita gente casada que viajava, por conta própria no domingo de madrugada para amanhecer lá na segunda feira e a Petrobras lá bancava o hotel deles. Isso criou uma massa crítica e as empresas também chegaram pegando pessoas daquelas cidades satélites.
P/1 – Então, você tem um grupo de funcionários, quer dizer, do ponto de vista do pessoal era uma nova cultura, do ponto de vista da cidade, era um novo momento, uma evolução, e do ponto de vista da tecnologia, o que dá para você contar? Tudo era novo?
R – Ninguém entendia nada.
P/1 – Houve ______ de tecnologia?
R – Hoje eu te digo que sim. Tem muito empregado nosso que é dali daquela região. Quem foi o grande fornecedor de força de trabalho para a Bacia de Campos foi Campos. Paralelamente, como era a única escola técnica que existia próxima à cidade – nós temos o hábito de ter a nossa universidade, que hoje é chamada de Universidade Corporativa, antes era Centro de Treinamento – nós levávamos o nosso instrutor para dentro da escola técnica. Eu não tenho a menor dúvida de errar o número que, na data de hoje, forneceu mais ou menos uns oito mil profissionais saindo da escola técnica para a Bacia de Campos. Então, esse foi o grande fornecedor da parte tecnológica, porque a gente foi para dentro da escola técnica, fez parceria e convênio com a escola técnica e os nossos profissionais iam dar aula dentro da escola técnica preparando a pessoa para vim. Fornecemos equipamentos...Depois, nos anos 90, é que nós montamos a Escola Técnica de Macaé, que não é uma escola técnica integrada, porque existe uma legislação que não pode ter uma escola técnica a mais, digamos, cem quilômetros – eu não sei bem o número – e ali já estava antes. Então, ali ficou uma filial de Campos.
P/1 – Deixa ver se eu entendi bem, cerca de 20 mil profissionais foram formados na década de 70 já por conta da tecnologia, já trabalhando...
R – Já voltados para petróleo. A pessoa terminava o curso, fazia o concurso, passava para a Petrobras e ainda fazia um curso dentro da própria escola técnica. Na área de eletrônica, onde nós – e o Brasil inteiro – estávamos aprendendo a andar, e tinha a secretaria que controlava, que era a SEI, não podia se importar nada, quem nos supriu, que entra a área de automação das plataformas era a Escola Técnica de Santos.
P/1 – Mas era tecnologia estrangeira?
R – Era, não tinha jeito. Depois nós fomos desenvolvendo a nossa própria tecnologia. Os instrumentos eram todos estrangeiros e nós não sabíamos trabalhar com aquilo. Então, nós tínhamos que pegar e enxertar pessoas de refinaria, porque a área industrial já era familiarizada com isso. Então, enxertamos pessoas experientes da área industrial, que já era automatizada. A nossa área de exploração e produção não era automatizada. Nós recebemos equipamentos automatizados, pegamos tudo jovem, tudo pessoal saindo de escola e jogávamos dentro da Escola Eletrônica, Escola Técnica de Santos, voltada para automação. O pessoal ia para lá e já ficava como estagiário, já ganhando como empregado. Terminado aquele período de curso, trazia eles para área de montagem e eles acompanhavam a montagem da plataforma. Eles também tinham um período de aprender os instrumentos, fazer o que nós chamamos de condicionamento assistido, o operador que vai trabalhar e ia operar a plataforma. Vinha com a plataforma, montava, instalava e acompanhava. A montadora saia e ficavam os trabalhadores. Tem muita gente que se aposentou jovem, porque entrou com 18 anos na Empresa. Por causa disso, nós tivemos muitos dissabores de ver, às vezes, um profissional jovem morrendo de acidente de carro. Nós tivemos vários acidentes na Bacia de Campos, inclusive o de Enchova, que foi lamentavelmente foi no dia do meu aniversário (pausa), mas a grande maioria morreu de acidente de carro. Eram jovens que tinham o primeiro emprego e o sonho era comprar um carro. Tivemos muita, muita, muita gente... Morria nas folgas. Era 14 por 14 então, durante as folgas, eles se acidentavam. Como eu trabalhava no apoio, também era um trabalho que tinha que ser feito. A gente fazia tanto as coisas nobres, comemorar as metas, que era como o atleta que está aprendendo a correr mil metros, e quando chegava em mil, a baliza andava para mil e quinhentos. Era meta em cima de meta. Hoje, quando a gente ouve falar em indicador de desempenho, para gente que trabalhava em produção... O meu indicador era por seis horas: “qual a produção nas próximas seis horas ou qual a produção nas outras seis horas.” Porque nós contávamos por hora a produção. O indicador era claro. Hoje em dia é a tônica: “Qual o indicador de desempenho daquela unidade?” Nós éramos medidos pelo que produzia, pelo potencial que tinha para produzir e, se produziu aquela quantidade. Tivemos muita liberdade administrativa, por isso que hoje se diz que o pessoal da Bacia de Campos é meio rebelde. Não é não. É porque a atividade exige. A gente tinha que ter a solução dos problemas na cabeça dos dedos, não dava tempo para pensar. A empresa deu chance de a gente errar também, por isso que a gente acertou. Se só pudesse acertar, não ia se fazer nada. Ninguém foi penalizado por erro. Era a tentativa de aprender. Hoje a Bacia de Campos já gerou diretores e presidentes da Companhia pelo modo com que foi montada aquela gestão. Era uma gestão participativa. A gente dizia que era liberdade vigiada. Nós tínhamos liberdade com cobrança. Quando a gente ia para reunião com nossos pares de outras unidades era comum perguntar: “Quais os problemas?” O cara era medido pela quantidade de problema que ele não conseguia resolver. Quando chegava na nossa área, perguntavam: “quais os problemas?” A gente dizia: “os problemas que tinham, nós já resolvemos. Só os que forem surgir.” A gente tinha autonomia de ir até conversar com o diretor, by passando todas as gerencias, porque o diretor cobrava da gente. Era uma cobrança sistemática que a gente já estava tão acostumado que a gente trabalhava de segunda a sexta, e sábado e domingo o diretor ia visitar a área. Chegou um ponto que ele disse: “Olha, eu venho com o pessoal de obra, mas não precisa vocês virem, porque senão, vocês vão trabalhar sete dias por semana.” Mas o diretor Orfila marcava uma reunião sábado, dentro da plataforma. Então, a gente tinha que estar lá, porque era o diretor, a autoridade máxima, fora o Presidente, era ele e nós acompanhávamos. Ele dizia: “está dispensado. Vocês têm problemas demais aí. Vamos resolver o dia a dia.” Porque aquilo ali funcionou muito tempo e ainda funciona hoje como uma base militar. O pessoal militar que chegava ali e dizia: “cara, isso aqui é uma base militar, porque vocês moram aqui e estão disponíveis 24 horas por dia.” Se tivesse um poço descoberto, ou um poço parou ou um acidente, qualquer hora você estava disponível para aquilo ali. E todas as famílias se envolviam naquele problema. As mulheres ajudaram muito porque elas que tomavam conta da família. A gente não tinha tempo. Esse horário, oito horas por dia. A gente estava na cidade em que o lazer era trabalho ou ir a praia. Como a noite ninguém poderia ir a praia - e nem no frio e no vento, que aquela região venta muito – então era o trabalho. Fizemos até quadra de esportes dentro da instalação que era pra os empregados que iam dar plantão sábado e domingo, levava os filhos e deixava eles lá jogando bola e tinha quem cuidasse Era como se fosse uma creche porque era todo mundo com filho. Todos tinham o mesmo problema: moravam fora da cidade dele, não tinha pai nem mãe lá e nem a mulher tinha pai nem mãe para cuidar. Um tinha que cuidar do outro. Se você queria sair, vir ao Rio, você deixava o filho na casa do colega. Havia uma solidariedade, porque todos tinham aquele mesmo princípio.
P/1 – Houve alguma mudança de gestão, você falou na questão do período militar, na década de 80, quando já começa o processo de abertura, teve alguma mudança de gestão?
R – Olha, eu te digo que nessa atividade do petróleo, como nós sempre estávamos abaixo do consumo, a cobrança foi eterna. É uma matéria-prima, uma commoditiy que o mundo todo deseja, então quem trabalha na exploração e produção é cobrado permanentemente. O estilo de cobrança, mesmo no regime militar, o que a gente tinha era recurso disponível e cobrança das metas a cumprir. A região da Bacia de Campos, quando a sede veio de Vitória para Macaé, fechou Vitória e ficou só São Mateus, Linhares aquela região dali todos são terrestres, nós tínhamos status, na época, de uma região de produção e tínhamos nome, registro de Distrito de Produção. Na época, o presidente Shigeaki Ueki disse: “vocês só passam a ser Região de Produção do Sudeste quando atingirem a meta de 500 mil barris de petróleo.” Até os salários eu coloco iguais à região de produção da Bahia, mas enquanto não chegar a 500 mil barris de petróleo, não é região” Atingiu a meta de 500 mil barris de petróleo e, no outro dia, passou a ser Região de Produção do Sudeste, era RPSE. Hoje, passamos a chamar de UN-Bacia de Campos e UN-Rio. Dividiu-se. A gente já discutia nos anos 80 – eu saí de lá em 1988, não em 1986, fiquei dez anos na Bacia de Campos – que aquilo ainda ia ficar inadministrável pelos campos que estavam descobrindo. Era humanamente impossível um gerente tomar conta daquilo tudo. Tanto é que hoje ela está divida em três regiões: Bacia de Campos, UN-Rio e UN-Espírito Santo. Não dava para administrar aquilo tudo porque ela estava se espalhando, então passou a ser Região de Produção do Sudeste com metas. Quando a gente atingia essa meta, já era traçada uma outra meta, do mesmo jeito que foi a meta de um milhão de barris e do mesmo jeito que foi dois milhões de barris. Essa área te dá recursos mas cobra resultado e o resultado não é mensurável assim ao desejo de quem investiu porque são coisas que só a geologia, só a natureza é que vai explicar.
P/1 – Quando você saiu em 1988, você foi para onde?
(pausa) ( A gravação dá um salto)
R – Então, quem trabalha na área de exploração e produção não se dá bem nem sempre numa área industrial porque é uma área muito repetitiva e essa área de exploração é uma área dinâmica. Quase todos os dias você tem um desafio que no dia de amanhã você tem que estar com a solução. E a solução não existe em nenhum livro, tem que ser criatividade. Na época de crise do petróleo, que também pegamos no início dos anos 80 com o petróleo a sete dólares o barril, a gente tinha que produzir muito equipamento, criativo. Era isso que diferenciava do americano. Eles olhavam assim: “cara, o brasileiro tem uma criatividade que é um negócio.” O primeiro poço que produziu Enchova, isso é um fato pitoresco que o [Roberto] Jardim deve ter mostrado um telegrama, eu tinha sido transferido da área de produção de Sergipe, trabalhando em plataforma, e fui colocar o primeiro poço em produção. Viajei direto, embarquei e fiquei 30 dias na plataforma. Era o primeiro poço, Enchova I. O Jardim deve ter falado sobre o Enchova I. Era o chamado Projeto Produção Antecipada, uma bolação de brasileiro. A gente colocava uma plataforma flutuante, que era uma Sedco, SS-8, colocamos ali uma ilha e ali passou a produzir. Tinha um separador de óleo e gás, tirava água, óleo e gás, é um equipamento. Na hora em que esse poço ia produzir, teve uma operação que não foi bem correta e a bóia que dá o nível de óleo e gás colapsou, murchou. “E agora?” Uma pecinha dessas que hoje é fabricada no Brasil em quantidade, tinha que ser importada, porque o equipamento era importado e não tinha nenhuma. Como eu vinha já de área operacional, trabalhando com plataforma, eu disse: “não é isso. Vamos pegar essa bóia, tirar essa bóia.” Nisso o americano que estava ensinando a gente ficou assim: “O que é que esses caras vão fazer?” Então, peguei a bóia, pesei e fabriquei a bóia, eu mesmo. Como eu tinha habilidade para trabalhar em torno e tinha aprendido na Escola Técnica Pandiá Calógeras, em Volta Redonda, fabriquei uma bóia em madeira que tivesse o mesmo peso e só usei a haste e o tampão dela para poder aparafusar. Apareceu lá no telegrama: “Poço entrou em produção com a bóia fabricada. José Marques fabricou uma bóia em madeira.” Aí, todo mundo ficou maluco, como é que vai colocar ... Então, eu peguei a bóia, naquela época era araldite, impermeabilizamos com araldite e depois ninguém mais queria parar o equipamento para tirar essa bóia e colocar a original que chegou. Esse era o diferencial, a gente não trocava só uma peça por outra, a gente melhorava a peça e às vezes, na dificuldade de importação, tinha que fazer. Nesse período de pouco dinheiro, grande deficit pela importação de petróleo, muitos equipamentos nossos eram trocados em café. Na Bacia de Campos teve muito equipamento que o Delfim Neto foi lá com o Shigeaki Ueki para fazer em Paris troca de mercadoria nossa com equipamentos que vieram. As primeiras turbinas, turbo gerador, hispano-suiça que foram instaladas nas plataformas fixas da Bacia de Campos eram troca de mercadoria, pago com mercadoria nossa: café, soja. Não existia dinheiro e o Brasil não tinha crédito na praça para poder se endividar mais. A conta petróleo era muito grande. Nós tínhamos que trabalhar sem contribuir muito para o aumento dessa conta. Era outra dificuldade. A importação não era fácil. Tinha que permear um caminho muito longo e se tivesse uma eletrônica lá dentro, tinha que abrir aquele pacote porque não podia existir uma reserva de mercado. Isso dificultava também muito e trouxe alguns complicadores.
P/1 – Quando a reserva de mercado acabou, isso facilitou?
R – Facilitou porque aí a gente conseguia comprar os componentes. A gente teve muito engenheiro eletrônico que a profissão deles era copiar cartões que queimavam. Teve um caso até pitoresco que um colega, o Robert Eisemberg, trabalha no Cenpes, que a mulher estava para ganhar o primeiro nenê. Ele morava em Rio das Ostras e ela estava na frente do nosso edifício e ele estava na oficina fazendo cartão para a plataforma: “diz a ela que espere um pouquinho...” O vigia falava: “Ela vai ter a criança dentro do carro! Você tem que levar ela para a casa de saúde!” O pessoal se desligava de outros problemas... Então, esse foi um fato que ocorreu e que a gente teve que levar a mulher porque o cara estava copiando um painel que nós não podíamos importar, porque esse entrasse no mecanismo de importação, não ia atender e a plataforma ficava parada. Eram coisas complicadas.
P/1 – Hoje...
R – Hoje, você tem. Justiça seja feita, com a abertura do mercado, a gente consegue trazer o equipamento completo, comprar o sobressalente, chega a tempo. O mercado brasileiro numa época deu uma recuada porque o petróleo caiu muito e quando o preço cai, tira-se o pé do acelerador, dos investimentos. É uma área dinâmica. Agora, ultrapassando, como ultrapassou a barreira dos 100 dólares o barril, está a 130 dólares o barril, quem tem reservas provadas, vai produzir.
P/1 – Hoje, eu já posso falar em tecnologia nacional...
R – Sim, o nosso centro de pesquisa também era focado para a área industrial, que naquela época era a meta. Quando a gente pedia uma pesquisa para o nosso centro de pesquisa, para nos tirar de um sufoco, a gente não tinha tempo para estudar, a gente era operador, os caras vinham com soluções que não eram aplicáveis. Então, também teve que mudar a cabeça dos pesquisadores para ele fazer uma pesquisa aplicada. Hoje, as plataformas, as refinarias, as unidades industriais saem tudo trabalhando junto. A tecnologia fez com que as equipes sejam multidisciplinares: você tem desde o engenheiro de produção, engenheiro de processo, de instrumentação, engenheiro de segurança, você tem o engenheiro de projeto, você tem o ergonomista, a assistente social. Ficou bem mais agradável. Eu sou da época em que nós também éramos assistente social. No campo não tinha assistente social, então, a gente tinha que ouvir os trabalhadores, os problemas deles e, às vezes, levar para a assistente social porque ela não podia estar em dez lugares ao mesmo tempo. Nós éramos treinados também para dizer: “olha, tem que tratar também das pessoas humanas, não é só dos equipamentos não. Os humanos também têm que ter tratamento, eles também têm problemas e, às vezes, os problemas são maiores que as máquinas porque você não pode substituir.” Foi um aprendizado. Passamos mais de dez anos sem admitir pessoas e com isso houve uma sobrecarga para quem tem experiência. Agora você tem que colocar um experiente com dois sem experiência para poder haver uma transferência de experiências, se o outro quiser aprender. Eu estou com quase quarenta anos de trabalho e não estou nem pensando em parar.
P/1 – Você trabalha aonde hoje?
R – Hoje eu trabalho na área de segurança, meio ambiente e saúde. A minha trajetória quando eu sai da Bacia de Campos, pela experiência que se adquiriu na Bacia de Campos, dez anos que a gente dizia que aquilo ali equivali a 30 porque era três turnos de oito hora, sete dias por semana, então um profissional embarcado adquiri uma experiência que um em terra vai gastar três anos para adquirir em um ano. Com a experiência que eu tive, eu vim para a Sede, para a área corporativa montar uma área de contratação de bens e serviços. Depois, eu saí e fui para a presidência, para ser assessor do presidente. Depois eu voltei para a área administrativa, vim administrar isso que é hoje o Edihb. Passei seis anos nisso. Então, eu já dei as minhas contribuições. Hoje eu trabalho numa área técnica. Há dois anos atrás, eu achava que, como eu entrei na área de segurança, meio ambiente e saúde, era engenheiro de produção, tinha uma série de formações, mas não tinha de segurança, voltei a Universidade e fiz outro curso de engenharia de segurança. O pessoal fica me perguntando qual vai ser o próximo. Eu digo: “eu estou me preparando para fazer o mestrado em Meio Ambiente, porque só quando eu tiver 100 anos, eu vou esperar parar.” Eu tenho um colega que ele passou 57 anos de previdência e tem um outro agora que está com 52”. Eu disse: “cara, você não aposenta, eu não vou ser o benchmark da empresa. Você tem que se aposentar, porque eu estou esperando você sair, você diz que não sai, que não é negócio sair, que a cabeça tem ficar funcionando.” Hoje eu trabalho com muito pessoal jovem.
P/1 – Trabalha em que função?
R – Eu estou trabalhando na área de planejamento, mas eu tenho uma liberdade que, quando tem um problema que não é de ninguém, ele passa a ser meu e eu corro atrás. Hoje eu faço muita contratação de serviços, trabalho com um grupo multidisciplinar, com médicos, dentista, assistente social, com biólogo, então eu acho que é um negócio muito gratificante e não estou pensando em parar ainda não. Enquanto a saúde estiver em cima e eu não estiver preocupado em acordar para vir para o trabalho, se aquilo não estiver me incomodando, não vai pensar em sair fora não. Eu tenho ouvido muito depoimento de colegas que pararam antes do tempo e ficam dizendo: “Olha, cara, fica aí, porque aí está melhor”.
P/1 – E qual foi o maior desafio?
R – Maior desafio? O maior desafio foi no final de julho de 1977, um colega me chamar – e eu estava com toda a minha vida estruturada, com família da mulher e os filhos todos em Aracaju – e ele dizer: “Zé Marques, eu estou precisando que você vá para Vitória do Espírito Santo e depois vá para Macaé tomar conta da área de logística da Bacia de Campos.” Eu: “como? De logística aqui, eu só pego essas lanchinhas, vou até a plataforma, volto e tomo conta do helicóptero. Eu nem sei o que é aquilo!” Então... A gente tinha uma mentalidade meio militar. Eu acho que o próprio regime trouxe isso. A gente fazia um concurso e dizia que era para o Brasil inteiro. Independia se ia ter prejuízo financeiro, se a família ia gostar ou não. Chegava em casa e dizia: “Arruma as malas, que agora eu vou para tal lugar.” Então eram os cosmopolitas dessa área de exploração. E o desafio era ir para uma área nova, sem nunca ter gerenciado nada, a não ser a minha casa. Naquela época, o pessoal dizia: “Você é dono daquele campo.” Era como se fosse uma fazenda, onde você tinha lá os seus animais, seus galhos, que eram os cavalos de pau, e: “tudo aquilo ali é seu. Eu só quero a produção.” Então, a gente aprendeu a gerenciar assim. Ali você ia ter que ter supervisor – naquela época era capataz – e o operador de estação de poço. Então, a gente começou a aprender. Alguém deve ter visto as habilidades que você tinha e só fez investir depois em estudo acadêmico.
P/1 – Você já se sentia petroleiro naquela época?
R – Já. Interessante, teve um colega dali que faleceu, que o filho dele deu um depoimento, que era o Paulo Espínola. Quando eu morava em João Pessoa, tem um irmão mais velho que fazia engenharia e estudou com ele. Como ele sempre andava com meu irmão, ele disse: “Passei no concurso para a Petrobras e estou indo para a Bahia fazer o curso de um ano.” Ele era professor de matemática e disse: “eu vou deixar você como professor, mas como substituto, porque de repente eu sou reprovado lá no curso e tenho que voltar...” Aí, ele vinha e me contava o que era a Petrobras. Quando eu passei para a Universidade, no primeiro ano eu tinha uma visita à refinaria de Salvador. A gente ia fazer um pouco de turismo com estudo e fomos ver uma refinaria. Lá eu encontrei outro colega que era contemporâneo também do meu irmão. Eu disse: “Olha, um dia eu vou voltar lá.” Então, eu vim para Volta Redonda e estudei. E fiz o concurso sem estudar nada, só com o que eu sabia da faculdade. Como eu dava aula, eu também era professor, eu tinha uma facilidade de estar com as coisas mais gravadas. Então, passei numa equipe muito reduzida de 18, que terminei o curso com 12, seis saíram. Hoje, da minha turma, só tem um aqui, que eu dei o nome para ela.
P/1 – Se você tivesse que traduzir o que é ser petroleiro hoje, como você traduziria?
R – Eu não quero que ninguém me tome como benchmark, porque eu digo o seguinte: “não é para ter o pique que eu tenho, não é para ter a produtividade que eu acho que tenho, e não é para fazer as coisas que eu faço porque eu sou autodidata.” Eu nunca fiz um curso a não ser no ITA de computador e lido com todo o computador. Eu acho que ser petroleiro hoje é você vestir a camisa, ter orgulho daquilo que faz e ir em frente. Procura fazer isso porque alguém vai reconhecer, porque eu saí de uma família humilde, do interior do nordeste e só não fui na Empresa, diretor nem presidente. Assumi todos os cargos que um profissional poderia assumir sem fazer concessão nenhuma. Então, é estudar a vida toda. Eu ainda estudo hoje e nunca vou parar de estudar. Então, tem que estudar a vida toda e ter desafios. Um dos outros grandes desafios que eu tive, foi quando eu tirei umas férias em 1972. Naquela época eu não tinha dinheiro para andar de avião, porque avião não era tão comum, vim do Nordeste para cá de ônibus para buscar o meu diploma que estava na universidade e a Petrobras me cobrava. Ao retornar, encontrei na Rodoviária um colega de trabalho: “o que está fazendo por aqui, rapaz?” Era um cara que era carioca e morava na Ilha do Governador. “não, não, não sei o que lá...” “Mas você não estava em Londres?” Quando eu cheguei lá no trabalho, disseram: “o Fulano adoeceu e teve um problema aí. Você vai tomar conta da estação do compressor de gás. A primeira estação do compressor do Gasoduto Sergipe-Bahia. “Mas de compressor eu não sei nada!”; “Não, olha, todo projeto está em tal lugar – era mais ou menos um quarto de três metros quadrados e cheio de projetos – e você vai estudar aquilo e, daqui a um ano, coloca em operação.” Eu não fui chorar. Eu fui numa biblioteca e encomendei os livros de compressores que tinha e fui estudar. “ Peguei essa época e fui estudar sozinho. “Aonde tem compressor semelhante?” Lá na Bahia. Fui lá e passei três meses instalado dentro da estação do compressor. No dia, hora , tudo estabelecido, os equipamentos foram operar. Eu montei a equipe todinha de operação e pré-operação. Esses são os desafios. Eu digo: se quer realmente ser petroleiro, assuma os desafios na área de exploração ou em qualquer outra área, assuma os desafios como coisa natural, como sendo um momento de crescimento.
P/1 – Tem algum ponto que a gente não tenha tocado que você queira falar?
R – Tem coisas que eu acho que a Bacia de Campos deu muitas glórias, muito orgulho e também tem as coisas tristes que eu acho que não vale a pena recordar, os acidentes que tiveram, que às vezes, foram acidentes banais. Aquele acidente mesmo de Enchova, que marcou muito a equipe que trabalhava, jamais poderia ter ocorrido um negócio daqueles. Eu participei de todas as simulações, acompanhei todas as investigações de acidente. A gente ficava boquiaberto sem saber como um erro daqueles poderia ter ocorrido, mas foi erro humano. Aquilo serviu de aprendizagem, que em momentos de pânico, por mais que você treine, a pessoa tem uma amnésia instantânea. Outros foram acidentes em que a pessoa trabalhava tanto e depois se acidentava em carro. Desnecessário, mas fazia parte de uma coisa chamada juventude. Então o gás que a gente tinha era muito grande, ninguém conseguia saber de onde se encontrava tanta energia acumulada. Porque tinha dias de trabalhar 20 horas. Não tinha nem casa, você chegava em casa e saía. Era como você morasse numa vila e tem o administrador da Vila. Ali que toda hora o cara vai bater na sua porta para dizer que faltou água, faltou gás. Mas é muito gratificante. Eu acho que quem passou na Bacia de Campos tem história a contar. Tem muitas áreas que, às vezes, a gente conversando a pessoa diz: “eu não tenho nenhuma história a contar”. Eu digo, “olha, se você quiser, a gente pode ficar aí alguns anos contando todo o tipo de histórias, boas e más.” É muito bom. Convivemos com todas as culturas, tivemos que colocar francês, alemão, português, coreano, angolano... Tivemos todos os tipos de mal. Hoje eu ouço muito falar que Macaé foi invadida por drogas. Tinha mais droga lá antes da gente chegar porque era final de área de veraneio. Macaé nunca foi uma cidade de veraneio, era veraneio do campista. Rio das Ostras, sim, mas Macaé era o final e, como tinha pouco policiamento, era mais fácil de ter tráfico de drogas. E, realmente, o desenvolvimento poderia ter sido melhor se, naquela época, os administradores enxergassem o que era petróleo, mas nem nós enxergávamos o que seria a Bacia de Campos, nem a gente que tinha aquelas informações. Demos muita palestra nos Lyons, nos Rotarys e clubes para mostrar para a sociedade o que era aquilo dali. Hoje, eu acho que a própria cidade já está gerando seus engenheiros, seus médicos. A área de saúde de Macaé e de todos os distritos tinha duzentas pessoas, pegando Macaé, Quissamã, Carapebus e Glicério. Hoje deve ter milhares. Eu acho que tem prós e contras. Favelizou a cidade, porque você levou o trabalhador para lá e teve uma época em que não teve obra, um período de crise, de petróleo em queda, então houve umas paralisações e o trabalhador ficou lá. Eu acredito que deve ter tido uma perda de qualidade de vida para o macaense propriamente dito, mas no cômputo geral, o ganho foi muito grande
P/1 – Qual é a sua avaliação desse projeto de resgatar a memória?
R – Eu acho importante, acho muito importante. Pena que tem pessoas que poderiam ter contado outras histórias, mas já se foi. Existia um aposentado, que eu não sei se chegaram a falar nele, funcionário da Fronape, que era o Cleber, que a gente chamava de Pai João. Era o mestre de manobra de navio e se você olhasse a figura não dava nada por ele. Foi o cara que foi o responsável por toda a atracação dos navios na Bacia de Campos, uma profissão que nós não tínhamos no Brasil, que chamava Mestre de Manobra, Mooring Master. Esse já se foi, mas eu acho que no cômputo geral é muito importante para a empresa esse resgate da memória. Tem um colega que está chegando ali que é o Dimas, que é o homem da geologia, geólogo...
(Fim do Cd)
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