IDENTIFICAÇÃO O meu nome é Carlos Sant’Anna. Nasci em 11 de agosto de 1930, na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. INGRESSO NA PETROBRAS Ingressei na Petrobras em cinco de fevereiro de 1958. Fui trabalhar no chamado Ecope, Escritório Comercial de Petróleo e Derivados, que era o setor responsável pela área comercial de petróleo e derivados. Para ingressar no Ecope tive que fazer uma prova. Antes de ingressar na Petrobras, eu tinha feito a faculdade de Filosofia, onde havia matérias de Geografia e História. Formei-me, depois fiz alguns trabalhos relacionados à pesquisa de mercado e, justamente, antes de entrar na Petrobras, tinha sido convidado para fazer um trabalho de pesquisa de consumo de solventes na cidade de São Paulo. Depois disso, a área comercial gostou do meu trabalho e, então, me convidou para ingressar no Ecope. Trabalhei alguns meses no Ecope sem ter sido concursado, mas o chefe do Escritório, Emerson Serbeto de Barros, achou melhor que eu fizesse uma prova para evitar qualquer crítica. Fiz essa prova e ingressei, justamente no Escritório. ECOPE / COMPRA E VENDA DE PETRÓLEO O Escritório era um organismo ligado diretamente ao diretor e, cuidava da área comercial, que supostamente não tinha esse nome. Tratava da compra e venda de derivados, sobretudo da compra de petróleo. [Isto] porque existia a Refinaria de Mataripe, que processava petróleo baiano, e a Refinaria de Presidente Bernardes, a RPBC, estava em construção e o suprimento de petróleo da Petrobras era todo ele comandado pelo Ecope. O Escritório funcionava na Praça Pio X, na Candelária, prédio de número 309 – eu não me lembro agora os andares – tinham dois ou três. A direção da empresa se localizava praticamente ao lado, na Praça Pio X, número 119. Quer dizer, o Escritório era na [Avenida] Presidente Vargas, número 309 e a direção, presidência e a diretoria, no número 119, no décimo primeiro andar. Era...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO O meu nome é Carlos Sant’Anna. Nasci em 11 de agosto de 1930, na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. INGRESSO NA PETROBRAS Ingressei na Petrobras em cinco de fevereiro de 1958. Fui trabalhar no chamado Ecope, Escritório Comercial de Petróleo e Derivados, que era o setor responsável pela área comercial de petróleo e derivados. Para ingressar no Ecope tive que fazer uma prova. Antes de ingressar na Petrobras, eu tinha feito a faculdade de Filosofia, onde havia matérias de Geografia e História. Formei-me, depois fiz alguns trabalhos relacionados à pesquisa de mercado e, justamente, antes de entrar na Petrobras, tinha sido convidado para fazer um trabalho de pesquisa de consumo de solventes na cidade de São Paulo. Depois disso, a área comercial gostou do meu trabalho e, então, me convidou para ingressar no Ecope. Trabalhei alguns meses no Ecope sem ter sido concursado, mas o chefe do Escritório, Emerson Serbeto de Barros, achou melhor que eu fizesse uma prova para evitar qualquer crítica. Fiz essa prova e ingressei, justamente no Escritório. ECOPE / COMPRA E VENDA DE PETRÓLEO O Escritório era um organismo ligado diretamente ao diretor e, cuidava da área comercial, que supostamente não tinha esse nome. Tratava da compra e venda de derivados, sobretudo da compra de petróleo. [Isto] porque existia a Refinaria de Mataripe, que processava petróleo baiano, e a Refinaria de Presidente Bernardes, a RPBC, estava em construção e o suprimento de petróleo da Petrobras era todo ele comandado pelo Ecope. O Escritório funcionava na Praça Pio X, na Candelária, prédio de número 309 – eu não me lembro agora os andares – tinham dois ou três. A direção da empresa se localizava praticamente ao lado, na Praça Pio X, número 119. Quer dizer, o Escritório era na [Avenida] Presidente Vargas, número 309 e a direção, presidência e a diretoria, no número 119, no décimo primeiro andar. Era relativamente grande, ocupava dois andares, me parece, [onde havia] um pessoal mais especializado nessa área. Era muito diferente do [que se tornou depois o] Departamento Comercial, que tomou outra invergadura. O Ecope tinha um contato permanente com a diretoria, o tempo todo. O ítem principal do Escritório era a compra de petróleo. A Petrobras importava praticamente 80% de suas necessidades, e comprava petróleo, sobretudo, do Oriente Médio, Arábia Saudita, da Venezuela, e também exportava um produto chamado óleo combustível de alto ponto de fluidez. O petróleo baiano produz esse derivado. O Brasil não tinha muita experiência ainda para absorver esse óleo combustível. Então, entre 1957 e 1963, a Petrobras teve que exportar esse óleo. Foi exportado para uma refinaria na Filadélfia, chamada Amerada Hess. Essa companhia tinha know-how para absorver esse óleo combustível de alto ponto de fluidez que saía da Bahia, da Refinaria de Mataripe. MONOPÓLIO DE IMPORTAÇÃO Na década de 1960, o Escritório foi diversificando as suas fontes de suprimento. Inclusive, quando a Petrobras começou a comprar petróleo, fazia a longo prazo: três, quatro ou cinco anos. Já na década de 1960, os petróleos passaram a ser comprados a curto prazo, seis meses a um ano, e passaram a variar também as fontes de suprimento. Começou-se a comprar petróleo do Iraque, o petróleo argelino e também o petróleo soviético. Em 1964, o Governo resolveu decretar o monopólio de importação de petróleo, ou seja, de toda essa atividade de compra de petróleo. [Isso porque] existiam as outras refinarias particulares – Capuava, a Refinaria de Manguinhos, uma no Rio Grande do Sul e outra em Manaus – e elas importavam petróleo diretamente. A partir do monopólio, todo o petróleo importado pelo Brasil passou a ser responsabilidade da Petrobras. Isso criou um problema sério, porque a empresa teve que renegociar todos os contratos dessas refinarias, e os preços que elas pagavam eram bastante elevados em relação ao que a Petrobras conseguiu depois. Mas ela baixou substancialmente os preços, evidenciando que, nessa ocasião, a implantação do monopólio de importação foi benéfico para o país. Quando a Petrobras ingressou passou a negociar o preço de petróleo, por exemplo, o petróleo que era comprado a cinco dolares por barril, foi baixado para dois dolares e cinqüenta. A ação da Petrobras aumentou o seu poder de barganha, pois antes ela comprava óleo só para si e passou a comprar paras as refinarias [privadas também]. Com o aumento de compra de petróleo, a empresa teve condições de barganhar e reduzir o preço. Houve um ingresso de profissionais que foram apanhados em outros órgãos da Petrobras, sobretudo na área de refino de petróleo, que chamava-se, Aref eu acho, que era Agência de Refinação de Petróleo. O Ecope solicitou aos responsáveis que alguns empregados, geralmente engenheiros especializados, fossem trabalhar com a Petrobras na compra de petróleo, função que passou a ser mais sofisticada. Em vez de ser aquela compra de um determinado contrato, tinha que fazer trabalhos para verificar quais os tipos de petróleo eram mais adequados a determinado tipo de refinaria. Não era só comprar o petróleo da Venezuela ou da Arábia Saudita, teria que selecionar petróleo para que fosse mais adequado, tanto às refinarias particulares, como às refinarias da Petrobras. ESTÍMULO À EXPORTAÇÃO Como a Petrobras realmente aumentou o seu poder de barganha, também começou a surgir a idéia de tentar vincular esse poder para estimular a exportação de produtos brasileiros. A primeira consequência disso foi é um decreto que o governo fez naquela época, elaborado pelo ex-embaixador e ministro Roberto Campos, segundo o qual, 20% da importação da Petrobras teria que gerar 20% de exportação, ou seja, todo o volume comprado pela Petrobras, [fazia com que] o fornecedor se obrigasse a comprar produtos brasileiros. Foi muito difícil colocar isso na prática, porque era uma coisa totalmente nova. Lembro-me de uma operação, um contrato feito com a Esso que obrigava a Venezuela a comprar ônibus Mercedez Benz. Mas isso foi uma tentativa que depois não vingou, porque precisava também da interferência do governo de ambos os países. O Ecope fez uma operação também de importação de petróleo [com] contra-exportação, mas aí foi uma operação de empresa estatal com empresa estatal. A Venezuela também criou uma empresa estatal chamada CVP, Corporação Venezuelana de Petróleo. Como era uma companhia nova, e era estatal, dentro de um país que particamente era comandado pelas grandes companhias estrangeiras, ela precisava obter mercado para o seu petróleo. Foi nessa época, e eu participei das negociações, que fizemos um contrato com a CVP comprando óleo oferecido por ela, vinculando à exportação de borracha sintética. A Petrobras já tinha uma fábrica de borracha sintética e com isso fizemos um contrato que foi bem sucedido. Isso foi antes de eu ser nomeado, porque depois da Ecope, veio o ano de 1964, a Revolução. Aliás, fala-se Revolução, mas foi um Golpe de Estado. GOLPE MILITAR Depois do Golpe eu estava na Petrobras, como superintendente do Departamento, Decom [Departamento Comercial]. Estava substituindo interinamente o superintendente que foi designado para chefiar o escritório da Petrobras em Nova Iorque. Eu comandava uma operação importante na Petrobras. Com o advento do Regime Militar, considerava-se que a Petrobras tinha muita gente de esquerda. Mesmo que a pessoa não fosse de esquerda e nem fosse comunista, o fato de estar numa função de confiança, [fazia com que] de repente passasse a ser esquerda, o que não era o meu caso Mas como eu estava em uma função muito importante, comandando o monopólio de importação de petróleo, resolveram me prender. Eu estava de férias e a minha mulher disse: “Você vai trabalhar? A revolução está rua”, eu falei: “Tem um navio de gás liquefeito [de petróleo], da Venezuela, e tenho que ir para a diretoria ver se consigo liberá-lo”. Fui para o Escritório, estava praticamente tudo fechado. Ainda tentei ir ao prédio da diretoria, no 119, mas alguns colegas me apontaram e disseram: “É aquele ali”. Colocaram-me no camburão e me levaram preso. (risos) Fiquei, mais ou menos, 10 dias preso, metade no antigo Dops [Departamento de Ordem Política e Social], local onde eram feitas as investigações. A diretoria da empresa ainda era a mesma, mas logo depois, [cerca de] uma semana depois mudou. Fiquei mais de uma semana [preso] na Ilha das Flores. Saí do Dops e fui para a Ilha das Flores. O mais incrível é que não tinha nenhuma acusação concreta. Tiraram a minha fotografia e tudo, mas acusação? Nenhuma. Felizmente eu [tinha um] colega de colégio, Hugo Levi, que trabalhava junto ao Governador, [Carlos] Lacerda, ele agilizou de tal forma que um delegado especial foi me apanhar na Ilha das Flores, eu vim de lancha... Retornei para casa, onde fiquei pelo menos uma semana, me resguardando, porque o clima era de insegurança total. Assim como eu fui libertado, de repente eles poderiam me prender outra vez. (risos) TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / DECOM O meu ex-chefe, que tinha ido para os Estados Unidos, com o Regime Militar, foi chamado para voltar, para assumir o Departamento Comercial. Eu o procurei, contei a história e ele me disse: “Eu lhe conheço há muito tempo, fui eu que lhe admiti e você vai continuar trabalhando comigo aqui dentro”. Lembro-me que a cúpula da Petrobras achou estranho, porque praticamente todo o pessoal que foi preso não conseguiu voltar na época. Voltaram muito tempo depois. Mas ele segurou a barra e eu voltei a trabalhar no Departamento Comercial. Alguns meses depois ele me deu uma função de confiança chamada de Assessoria Técnica, Astec. Era um cargo que examinava toda a área de compra de petróleo e derivados. Quer dizer, ingressei então no Decom e fiquei desenvolvendo essa atividade. Em 1968 fui nomeado superintendente do Departamento Comercial. Depois veio logo a década de 1970 e o Departamento já tinha se especializado não só na compra de petróleo e derivados, mas também na exportação; passou a coordenar, inclusive, todo o suprimento interno de derivados e passou a ter outras atribuições. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / BRASPETRO O fato de o Decom ter outras atribuições deu margem para que a direção da empresa pensasse em criar organismos mais adequados pra cuidar de certos tipos de atividades. Foi assim que na década de 1970, em 1972, foi criada a Braspetro [Petrobras Internacional S.A.]. O Decom tinha, além de todas as atividades, uma [que estava se iniciando], era a distribuição de derivados, o início da BR [Petrobras Distribuidora]. Naquela época havia uma superintendência chamada Superintendência de Distribuição, a Sudist, que foi o início para a BR. Era uma superintendência inicialmente ligada ao Departamento Comercial. Nessa década de 1970 sucederam muitos fatos importantes. Em 1972, quando a Braspetro foi criada, fui convidado pelo General Geisel - o diretor da época era o Shigeaki Ueki - para ser o diretor da Braspetro. A Braspetro tinha, a rigor, dois diretores, o diretor da área, que cuidava da área técnica, de petróleo, e eu fui convidado para ficar com o resto, ou seja, fiquei cuidando da economia, da administração. Com a Braspetro se lançando na área internacional, essas operações no exterior passaram a ser [de sua responsabilidade]. Foi o caso, por exemplo, de refinação de petróleo na Itália, onde alugamos espaços de refino e processamos petróleo vindo, inclusive do Oriente Médio. Era uma experiência inédita em termos de Petrobras. O livro, comandado pelo Oswaldo Faria, mostra isso, aquela descoberta de Majnoon [no Iraque]. A Braspetro, além de ser uma empresa importante pra área de petróleo, ela deu o “ponta pé” na área de comercialização mais efetivamente. Ou seja, foi o que fez com que a Petrobras se lançasse no mercado internacional, utilizando o poder do petróleo. [Em função da] compra de petróleo, o País tinha um poder enorme, então, a Braspetro começou a fazer contatos com importantes fornecedores de petróleo, no sentido de convencê-los a comprar produtos do Brasil. Foi aí que surgiram as primeiras negociações com alguns países exportadores. O Brasil [conseguiu] convencer dois grandes fornecedores a comprar seus produtos. O Iraque comprava açúcar e [tinha também] a Argélia, que além do petróleo também era grande exportadora de fosfato. Através da ação da Braspetro foi que se viabilizou uma compra de fosfato, vinculada, por exemplo, à exportação de carros da Volkswagen. As operações foram realizadas na Braspetro. Sua a função básica era realmente descobrir petróleo no exterior, o que ela cumpriu muito bem, inclusive, descobrindo o Majnoon. Eu estava na Braspetro e, com a experiência que tinha do Decom, passei a pressionar, a tentar convencer o presidente, ou vice-presidente da Braspetro, o Geonisio Barroso. Falei que a Petrobras tinha que sair pra uma outra solução mais sólida, que era criar uma subsidiária para cuidar do comércio exterior vinculado ao petróleo, porque algumas companhias de petróleo já faziam isso, sobretudo as companhias estatais, a companhia francesa de petróleo e a ENI [Ente Nazionale Idrocarburi S.P.A.], da Itália. INTERBRAS Levando em conta esses exemplos, passei, inclusive, a dialogar com a diretoria, falando com o General Geisel e por fim, acho que pela minha insistência, a empresa acabou criando a Interbrás [Petrobras Comércio Internacional S.A.] em 1976. A Interbrás nasceu na Braspetro e depois se tornou uma subsidiária, plena da Petrobras. A década de 1970 foi muito complicada. Estávamos sempre tentando viabilizar a exportação. [Fizemos] operações totalmente inéditas, em termos da indústria de petróleo, uma delas começou na Braspetro e foi terminada já na Interbrás, que foi a exportação de carne para a Nigéria. Quer dizer, coisa inétita porque praticamente toda semana saía um avião da Varig levando toneladas de carne para a Nigéria, uma operação que consolidou a presença da Petrobras lá e consolidou a presença do Frigorífico Cotia, que já estava instalado na Nigéria. Além da exportação de carne, passamos também a exportar um produto que a Interbrás colocou o nome único, chamado Tama. A exemplo do que acontecia com as geladeiras, congregavam-se vários fabricantes no Brasil, e colocava-se uma marca única. Assim se conseguiu vender o produto Tama da Interbras, na Argélia, na Nigéria e em alguns países da América do Sul. [A origem do nome] Tama eu já não lembro, tinha uma origem indígena. Nessa época também, [acontecia vários] empreendimentos no Iraque, sobretudo na área de construção de estradas, de oleodutos, de gaseodutos, e no mês de julho, por exemplo, ele conseguiu grandes contratos de construção de ferrovias e rodovias, graças à ação da Interbrás. CRISES DO PETRÓLEO / IRAQUE Creio que a segunda crise [foi a pior], porque o País passava por um período em que a inflação estava muito alta. Não tínhamos como conseguir empréstimos, pois a caixa estava muito baixa. Houve época que a Interbrás - que tinha uma subsidiária no exterior, num paraíso fiscal, nas Ilhas Caimã – teve que transferir recursos para o Banco Central. Na segunda crise, no segundo choque de petróleo em 1979, a coisa ficou grave, foi quando o preço do petróleo atingiu 32 dólares [o barril]. Hoje está voltando a 60, mas 32 dólares era um absurdo O Brasil tinha que pagar 10 bilhões de dolares em termos de petróelo. Uma vez eu estava no gabinete do Ministro da Fazenda e ele me disse: “Sant’Anna, você me desculpe, mas nós estamos com a caixa em baixa, não temos como pagar o petróleo”, eu falei: “Mas se você não tem...Eu não fabrico dólar”. Ele disse: “A nossa condição está tão ruim que não temos como conseguir empréstimo, nem dólares para comprar petróleo. Faz o seguinte: vá para o Oriente Médio e convença os árabes, para ver se eles dão um prazo maior, de quatro, seis meses, para pagarmos esse petróleo”. O pagamento do petróelo era feito praticamente à vista ou apoís trinta dias. Realmente fui para o Oriente Médio, sobretudo para o Iraque, com quem tínhamos uma boa relação. Com o Iraque foi [semelhante ao que aconteceu] com a Venezuela, pois quando ele nacionalizou as companhias estrangeiras, tinha que vender o petróleo, e as companhias estrangeiras avisaram a todos os consumidores que aquele petróleo era delas e que aqueles que o comprasse iriam ser acionados na justiça internacional. O Iraque procurou a Petrobras. Eu fui [para o Iraque] depois, [nessa ocasião] foi o superintendente e também um dos responsáveis pela área de petróleo, o Renato Magalhães. Expusemos à Companhia Estatal Iraquiana - responsável por exportar o petróleo que o governo tinha nacionalizado – que nós nos comprometíamos a comprar o petróleo. Eles nos deram seis meses para o pagamento, uma coisa totalmente inédita. Vender petróleo para pagar em 180 dias foi inédito Foram cerca de 400 mil barris por dia, que era uma enormidade, para pagar em seis meses. Tudo isto tem uma história anterior, pois quando o Iraque tentou vender o petróleo, a Petrobras comprou. O navio chegou e o General Geisel mandou descarregar e, embora tivessem advogados das companhias estrangeiras, o petróleo foi descarregado. Só o fato do Brasil ter sido o primeiro a comprar um petróleo que foi nacionalizado, dentro da história do [mundo] árabe, [gerou] uma gratidão eterna. Então, quando o Brasil ficou com dificuldades pra pagar o petróleo, o Iraque já estava vendendo normalmente. Acho que isso ficou gravado na mente deles e eles retribuíram. Quer dizer, essa segunda crise foi forte, violenta. A Petrobras conseguiu realmente [superá-la], graças às suas ligações. Inclusive, porque já tinha ligações comerciais fora da área de petróleo, o que criou um clima que favoreceu a não interrupção, quer dizer, em todas as duas crises, o suprimento de petróleo ao Brasil não sofreu soluções de continuidade. Nós tínhamos com esses países uma espécie de contrato, em que havia um comprometimento, por exemplo, o Iraque vendia 160 mil barris por dia para o Brasil, 25% do valor dessa compra era paga com produtos brasileiros. Nessas crises, os portadores de petróleo continuavam comprando produtos brasileiros, embora a inflação em 1983 tenha chegado a 211% e ficado em 200%, 210% nos anos iniciais da década de 1980, o que foi um fator complicador, inclusive. FORMAÇÃO DE PREÇO / SUBSÍDIOS Havia um problema interno, porque o sistema de reajuste de preço dos derivados não seguia nem a inflação, nem o aumento do preço do petróleo. A Petrobras tinha que arcar com o custo mais elevado do petróleo e também com a inflação, tinha que arranjar esquemas de sobrevivência, [semelhante ao que] está havendo agora mesmo com os preços de derivados no Brasil, pois a gasolina está muito mais abaixo do que no hemisfério norte, nos Estados Unidos. Lá fora, quando o petróleo sobe, também sobe a gasolina, aqui no Brasil não acontece isso, para falar a verdade, acho que nunca aconteceu. (risos) A matéria-prima sobe, mas a Petrobras segura, [não repassa]. Quando assumi a Presidência da Petrobras, em 1989, quase me expulsaram da empresa, porque eu ficava o dia inteiro no jornal. Eu fui presidente no fim da década, em 1989. Vendo nos jornais da época, diziam isso aqui: “A Petrobras suspenderá o pagamento à União”. “A Petrobras repõe estoque e a crise aumenta”. O dirigente de uma empresa, [que] via os custos aumentando e não podia aumentar, porque quem fazia o preço era o Governo. Ainda havia outro problema: era a Petrobras que fornecia produtos para as grandes empresas estatais, as siderúrgicas, as redes ferroviárias... Esses também não pagavam à Petrobras. Era uma época terrível. Houve época, inclusive, que passamos a atrasar certos compromissos e tivemos que deixar de cumprir compromissos com o Governo também. Tivemos que fazer isso porque a Petrobras era como a Santa Casa de Misericórdia, todo mundo achava que (risos) ela podia aguentar o tranco. Não dava Essas operações que a Petrobras realizava, até através da Interbrás e do exterior, realmente geravam receitas adicionais que lhe davam uma certa folga de caixa. Eu disse aqui: houve época em que até a própria Interbrás chegou a passar parte da receita que ela tinha no exterior para o Banco Central. CRISES DO PETRÓLEO / OPORTUNDADES [As crises trouxeram oportunidades] no mercado interno, como por exemplo, a criação da Petrobras Distribuidora e também seu avanço. Empresa que depois se tornou o que ainda é: a principal distribuidora de derivados. Foi realmente uma iniciativa importante, embora muito criticada. Dizia-se que a função da Petrobras era descobrir e produzir petróleo, que o negócio de distribuição não era com ela. Mas essas atividades são da indústria de petróleo. Creio que a Petrobras Distribuidora ainda é a segunda maior empresa em termos de faturamento, porque em primeiro vem a Petrobras. INTERBRÁS Depois dessa crise de petróleo, em 1980, veio o Governo Sarney [com] os planos econômicos e a Petrobras foi se adaptando. Em termos de comércio, de comercialização, a atução da Petrobras, sobretudo através da Interbrás, sempre articulada com o Departamento Comercial, realmente possibilitou uma série de negócios e vantagens que beneficiaram não só a Petrobras, mas até as empresas voltadas para a exportação. A Interbrás, durante o tempo que existiu, era a principal trader em compra do País, porque tinha atrás dela o poder do petróleo, e sempre dizíamos: “Se eu compro, eu também vendo”, quer dizer, compro, logo vendo. [A Interbras tinha essa ligação estreita] com o Departamento Comercial, o Decom. Na época do Presidente Ueki, essa área de exportações de derivados ficou um período com a Interbrás, mas depois voltou-se atrás. O Departamento Comercial cuidava especificamente de tudo que era ligado ao petróleo e aos derivados. Já a Interbrás tinha um leque muito maior, porque ela atuava tanto na área de produtos e mercadorias, como também de produtos agrícolas. Atuava também na área de serviços. Quando ela abriu caminho para a Mendes Júnior, no Iraque, quem assinou o contrato da estrada fui eu. Fui ao Iraque e assinei o contrato da construção da rodovia e ferrovia. Ou seja, a Petrobras, através da Interbrás, era um braço de abertura para a iniciativa privada. Por isso que se estranha, e não teve muita justificativa, quando chegou o Governo Collor e fechou a Interbrás. (risos) DECOM / MELHOR MOMENTO Curiosamente, justo durante as crises, o Departamento atingiu o seu melhor momento, porque ele conseguia demonstrar a sua presença em realação à Petrobras toda. A Petrobras estruturou-se dessa maneira, Ecope, depois Decom, e o Decom é que comprava petróleo para todas as refinarias da Petrobras. Tinha uma responsabilidade muito grande, porque as refinarias tinham um papel de articulação com o Departamento. O responsável maior era o Departamento Comercial. Em todas as crises, o que o Departamento conseguia, inclusive, através dessas articulações, o que ele fazia com os países produtores, era uma construção. Inclusive, o ex-presidente Shigeaki Ueki foi muito importante, porque ele tinha a cabeça comercial, ele foi diretor da Petrobras, ministro e, depois presidente da empresa, sempre articulado. Houve época, por exemplo, numa dessas crises, que tivemos quase que mudar o executivo do departamento para a Europa. Ficamos lá durante um mês sediados em Paris, porque a Petrobras tinha um escritório em Paris e, dali passamos a articular e negociar com a Líbia, com a Argélia, com a Arábia Saudita e com o Irã, porque o Brasil fica muito longe, (risos) e também para evitar os fuso-horários. Então, resolvemos o disk ponto Shigeaki Ueki, é... Podia até ser uma ousadia, mas tínhamos a vantagem, pois o General Geisel já havia sido Presidente da Petrobras. Fizemos as articulações na Europa, com a presença marcante da Petrobras [junto] a todos os outros países. Esses momentos foram realmente únicos e históricos e geralmente provocados pela crise. Hoje a Petrobras tem uma vantagem: ela já tem praticamente a auto-suficiência de petróleo. Mas quando se depende de 80%, 70% da compra do exterior, às vezes, sem dinheiro para pagar, (risos) realmente é um [desafio], [ainda mais] quando falta dólar. PETROBRAS E AS GRANDES COMPANHIAS Quando a Petrobras começou, na década de 1950, como eu disse antes, ela fazia contratos de longo prazo, de cinco anos, de três anos. Só depois, na década de 1960 que ela começou a fazer contratos a curto prazo, de três meses. As grandes companhias sempre viram um mercado muito promissor no Brasil, em termos de petróleo. Como a Petrobras se estruturou, se consolidou, ela adquiriu confiança dos países produtores de petróleo, porque se iniciou comprando dessas grandes companhias, das multinacionais. Logo depois, os países produtores nacionalizaram as [companhias] e a Petrobras passou a comprar dos estados produtores. O fato de a Petrobras ser uma companhia do Governo, realmente fazia com que ela tivesse mais acesso do que as multinacionais, porque, no fim, os grandes produtores, as grandes empresas multinacionais tiveram um litígio com os produtores, e a Petrobras entrou numa época que os grandes produtores precisavam de mercado. Isso a beneficiou perante os grandes produtores, cujas empresas estatais procuraram também vender o petróleo para as empresas estatais. É o que eu falei, comprar petróleo que pertencia [anteriormente] à empresa multinacional, no fim era considerado como quebra da lei internacional. A Petrobras realmente teve a vantagem de ser uma grande compradora de petróleo. Teve um período que ela era considerada a empresa que mais comprava petróleo, porque um país pode comprar petróleo de várias empresas, mas a Petrobras comprava para um único país, isso lhe dava um poder de barganha muito grande, e podia utilizar esse poder de barganha para vender os produtos brasileiros, foi aí que surgiu a Braspetro, surgiu a Interbrás, justamente para isso. TRAJETÓRIA / MOMENTO MARCANTE Tem uma marcante negativa, que foi a minha prisão. (risos) Têm umas marcantes positivas, que realmente foi chegar à Presidência Afinal de contas, eu me formei em uma faculdade para ser professor, consegui ser professor seis meses, depois ingressei na Petrobras fazendo prova. Ingressei como assistente administrativo, lá em baixo. Você há de convir o seguinte: entrar em uma empresa como assistente administrativo e chegar à Presidência, não sendo engenheiro... Quando fui preso houve colegas que falaram essa frase: “Bem feito, ele não era engenheiro nem nada”. Então, de repente, um assistente administrativo chegou à Presidência. Creio que não podia ter coisa mais gratificante. O Sarney era o Presidente, ele me escolheu. Eu estava com ele em Manaus e ele falou uma frase, e essa frase está [comigo] até hoje: “Eu te confesso que me arrependo, devia ter lhe colocado como presidente a mais tempo”. Essa frase é um prêmio e um exemplo que, até hoje, pode ser dado às pessoas que ingressam na Petrobras.
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