Entrevista de Verônica Cavalcanti Gemir Teixeira P - Verônica, primeiro você diz seu nome completo, a data de seu nascimento e onde você nasceu. R - Meu nome é Verônica Cavalcanti Gemir Teixeira, eu nasci no dia um do onze de 1972, no hospital e maternidade da polícia militar, meus pais trabalhavam lá, na cidade de Recife, Pernambuco. P - A gente pode começar falando do seu pai, então. O que você lembra dele, quando você era criança? O que ele faz, fazia? R - Certo. Meu pai sempre foi aquele paizão, o que me deu todo conforto, me dava tudo que podia. Minha mãe ficava às vezes meio enciumada porque ela fazia as coisas de um jeito e ele ia e passava a mão. A gente foi crescendo assim. Até hoje, hoje eles são separados, há algum tempo, mais de dez anos, mas ela ainda diz que agradece apesar de tudo, todas as dificuldades, porque a gente sempre dizia: “você gosta mais do seu pai ou da sua mãe?” A gente dizia que era do pai, porque era aquele que amansava. A mãe sempre foi a mais carrasca. E ele não, ele foi aquele que passava a mão, que abonava tudo. Mas sempre chamando pra responsabilidade. Até porque era militar, é ainda hoje, está voltando a ativa e ele sempre assim, foi firme nas posições, mas não era de bater, era aquela coisa mais de chamar no sério mesmo. E isso já deixava já tremendo. A mãe não, geralmente ia pro lado mais grosseiro, mais carrasca, e a gente dizia que gostava mais do pai do que da mãe. E ela dizia: “Eu acho bom, só assim ninguém fica atrás de mim E assim a gente ia. A gente sempre precisava muito dele, a questão de educação, mesmo. Ele sempre foi uma pessoa que procurou estar estudando. Passou muitas dificuldades, porque foi criado praticamente sem pai e sem mãe. A gente diz que é um exemplo de vida pra gente porque ele vivia muito com famílias, com tias, porque a mãe era meio aí, da vida:"não tô nem aí pro mundo”. E o pai dele não, já foi mais centrado,...
Continuar leituraEntrevista de Verônica Cavalcanti Gemir Teixeira P - Verônica, primeiro você diz seu nome completo, a data de seu nascimento e onde você nasceu. R - Meu nome é Verônica Cavalcanti Gemir Teixeira, eu nasci no dia um do onze de 1972, no hospital e maternidade da polícia militar, meus pais trabalhavam lá, na cidade de Recife, Pernambuco. P - A gente pode começar falando do seu pai, então. O que você lembra dele, quando você era criança? O que ele faz, fazia? R - Certo. Meu pai sempre foi aquele paizão, o que me deu todo conforto, me dava tudo que podia. Minha mãe ficava às vezes meio enciumada porque ela fazia as coisas de um jeito e ele ia e passava a mão. A gente foi crescendo assim. Até hoje, hoje eles são separados, há algum tempo, mais de dez anos, mas ela ainda diz que agradece apesar de tudo, todas as dificuldades, porque a gente sempre dizia: “você gosta mais do seu pai ou da sua mãe?” A gente dizia que era do pai, porque era aquele que amansava. A mãe sempre foi a mais carrasca. E ele não, ele foi aquele que passava a mão, que abonava tudo. Mas sempre chamando pra responsabilidade. Até porque era militar, é ainda hoje, está voltando a ativa e ele sempre assim, foi firme nas posições, mas não era de bater, era aquela coisa mais de chamar no sério mesmo. E isso já deixava já tremendo. A mãe não, geralmente ia pro lado mais grosseiro, mais carrasca, e a gente dizia que gostava mais do pai do que da mãe. E ela dizia: “Eu acho bom, só assim ninguém fica atrás de mim E assim a gente ia. A gente sempre precisava muito dele, a questão de educação, mesmo. Ele sempre foi uma pessoa que procurou estar estudando. Passou muitas dificuldades, porque foi criado praticamente sem pai e sem mãe. A gente diz que é um exemplo de vida pra gente porque ele vivia muito com famílias, com tias, porque a mãe era meio aí, da vida:"não tô nem aí pro mundo”. E o pai dele não, já foi mais centrado, como ele. Cuidou dele até um certo período, acredito que até os doze anos, e depois o pai falecei e ele ficou só. Não tinha como voltar pras mãos da mãe, porque a mãe já ninguém sabia seu paradeiro. E a família quem tomava conta, quando tomava. Na verdade ele dormia em banco de feira, por baixo, por cima, por não terem o acolhimento da família. Não ter pai , não ter mãe também, então o pessoal não ligava muito, não tinha quem tomasse conta. E aí ele carregava frete pra comer durante o dia, aquela coisa. Vivia muito independente, muito sozinho. Então ele se virava honestamente, como ele mesmo diz, a gente faz questão de ressaltar porque é um exemplo. Se nos dias de hoje, se salva um em mil, digamos, esse foi um. Ele foi um e foi muito importante pra gente saber dessa história, a gente faz sempre questão de colocar porque ele cresceu sozinho. Depois de um tempo, crescendo, vivendo carregando aquele balaio de feira de antigamente. Acho que alguém lembra, aqueles cestos são de palha, e ele carregava isso com mercadoria, fazendo entrega pro pessoal, pra ganhar um troco e aí ele podia comer desse jeito. Depois ele foi crescendo e na verdade o que ele queria era ser alguém. Que pra gente, e pra ele e pra sociedade ele é, hoje. E ele resolveu estudar sozinho, ele mesmo ia, se matriculava nas escolas; conseguiu estudar, tanto é que, depois já de grande, de adulto, ele fez a escola técnica federal, aqui, fez eletrotécnica. E ele dizia pra gente: que ele largava do quartel – que ele trabalhava no quartel da polícia militar, no quartel central, e ele dizia assim pra gente – largava de lá e ia estudar. E a comida dele no dia era uma cocada e água. Porque o dinheiro era pouco, porque ele era soldado, não tinha nada de promoção – hoje ele já é tenente, já esta reformado, já tá curtindo um pouquinho – mas a vida dele foi isso, estudar. E ele queria muito chegar e ter um diploma. Porque isso a vida dele foi em torno de ser alguém. P - E como ele entrou pra ser militar? R - O que eu sei um pouco é que ele foi servir o exército, as forças armadas na época, com 18 anos, e depois ele fez um concurso pra polícia militar, começou como soldado, como qualquer outra pessoa. E daí foi, há cada muito tempo, um período longo, ele ficava batalhando. Porque pra você ser um graduado e conseguir graduação você tem que prestar concurso dentro e vai aumentando a patente, que no caso, ele hoje está como tenente, reformado. Mas ele tá num processo de reativação no quadro, porque foi chamado aquele pessoal que era reformado pra fazer aqueles trabalhos mais burocráticos, aqueles trabalhos de supervisão de escola; aqueles trabalhos mais leves, mas que de qualquer maneira ia disponibilizar um efetivo pra isso, pra não tirar o pessoal mais novo, que aguenta o pique mais da carreira na rua, aquele trabalho mais forçado, mesmo, mais pesado, foi que chamaram o pessoal da, que no caso recebe o nome de guarda patrimonial, esse pessoal. P - E a sua mãe, dia. Você lembra da infância, até agora. R - Minha mãe, como eu já falei, ela foi sempre um pouco mais durona, mais exigente. Mas eu acredito que 50% da minha conduta hoje, da minha personalidade, tem a ver com meu pai e 50% com minha mãe. Ela sempre foi mais dura – eu sempre fui muito magrinha, hoje eu já tenho uma carninha, mas eu sempre fui magricelinha mesmo – eu no caso que era a segunda, meu irmão que era o mais velho – e ela: “vai cuidar, vai varrer casa, vai lavar prato” e meu pai não gostava, porque me via muito franzina, eu era muito miudinha. Ele dizia assim: “A menina não tem nem tamanho” “Bota uma cadeira, vai lavar o prato” E aquela coisa toda mais carrasca; não deixava a gente estar na rua brincando; geralmente a gente saia, por meu pai ainda: “Deixa ir ali na frente, brincar um pouco”, mas ela: “Não, menina tem que estar dentro de casa”, aquela coisa de menina ficar dentro de casa. Ela aprendeu assim, meu pai já tinha uma visão mais ampla, por ser um pouco mais estudado que ela. E a gente vivia assim, cuidando da casa. A gente dizia à ela – antes a gente não tava disposto a falar nada não, ou fazia ou apanhava – e hoje a gente já, assim, “ela vivia na vida boa”, a gente diz, que ela ia dormir à tarde, “vai lavar, os pratos do almoço é seu”, e aí a gente, “é, a gente lavava e você ia dormir”. Então, ela sempre foi muito assim. Sempre foi uma pessoa muito criativa, ela faz crochê, faz manicura, trabalha, sabe, é uma pessoa que faz confeitaria, costura; sempre foi muito dinâmica. Ela nunca foi muito de parar; sempre dentro dos afazeres domésticos, mas ela sempre conseguia ser eclética. Eu peguei um pouquinho disso; eu gosto muito de confeitaria, eu faço bijus, essas besteirinhas assim. Que inclusive eu faço por questão de criatividade. A gente vê e vou lá, vou fazer a minha, vou ver se consigo fazer. E ela é assim, quando a gente: “mãe, eu quero que a senhora faça uma roupa” – hoje ela não está muito com cabeça pra isso, não. Ela diz que agora que vai curtir a vida, porque cuidou muito da gente. Então ela não se preocupa muito com afazeres domésticos, ela diz que hoje a vida é pra ela curtir mesmo. E ela sai mesmo, vai dançar a noite e toma a cervejinha dela com os amigos no final de semana. Às vezes a gente pega no pé dela, que ela não tem idade mais pra isso. Mas ela diz: “Agora que eu tenho. Na minha idade, se vocês acham que não é mais, a idade que eu tenho eu cuidei de vocês". Aí a gente reclama que ninguém teve culpa: “ninguém mandou você fazer isso”. P - Quantos filhos? Quantos irmãos? R - É, hoje eu só tenho uma que mora no Rio, porque meu irmão mais velho, que era o único filho homem, foi assassinado. Foi um assalto, ele reagiu, não quis entregar uma bicicleta que nem era dele, ele com medo de não ter como dar conta da bicicleta resolveu não entregar. Levou dois tiros, ficou ainda três meses e treze dias na UTI de um hospital, mas infelizmente ia ficar com seqüelas, no caso ia ficar tetraplégico. Deus sabe o que faz. Isso tem uns cinco anos. P - Ele era jovem, então. R - Era, 27 anos. A minha mãe, hoje a gente diz que ela é meio agitada, a gente usa mesmo o termo, ela é alvoroçada porque ela não sossega em canto nenhum. P - Sempre foi assim? R - Foi um pouco mais centrada. Hoje eu acho que ela despencou do avesso. A gente diz isso pra ela, ela não gosta muito não, mas a gente consegue mostrar pra ela às vezes, que o negócio tá desandando demais. Ela acha que não viveu a infância. Que a mãe trabalhava na fábrica, que antigamente era a fábrica da macaxeira, aqui no Recife, veio do interior, aquela mulher que teve doze filhos, minha avó. Deixava um filho tomando conta do outro e ia pra fábrica. Então minha mãe trouxe isso pra gente, aquela coisa, um vai cuidar do outro. Quer dizer que quando minha mãe nasceu, a minha irmã caçula, que é a que mora no Rio de Janeiro, ela nasceu eu tinha sete anos. E ela quando nasceu, praticamente quem cuidava? Eu. Porque minha mãe mostrava, queria que a gente entendesse e soubesse como era cuidar de um bebê. Que a vida da gente ia ser igual à dela. Cuidar de casa e puf. A gente cuidava e gostava. Tanto é que a gente diz, depois de um tempo, quando houve a separação dos meus pais, minha irmã pediu pra ficar comigo, eu já estava casada. E ela disse: “vou ficar com Verônica”, porque eu cuidava dela como filha. Então eu protegia, quando tinha alguma bronca, algum problema, ela vinha conversar com a gente e eu dava aquele conselho, dizia. Ás vezes ela não dava muito ouvidos, porque tava na fase já de adolescência, a gente fazia a parte da gente: de mostrar qual era o melhor caminho. Mas sempre como fazia meu pai, a escolha é sua. Tem dois caminhos, você quem decide. A gente não vai dizer: “você tem que ir por aqui, nem você têm que ir por ali”. P - Seu pai fazia assim? R - Até hoje, até o dia do meu casamento. P - Depois a gente vai voltar na sua infância. Como foi esse momento, com seu pai no casamento. R - No casamento, eu tinha 18 anos, namorava a pessoa com a qual eu sou casada hoje, e engravidei do meu primeiro filho. Aí nós fomos lá falar. “E agora, como a gente vai contar essa história?” Então fomos pra minha mãe, porque nesse caso ela dava mais apoio. Ela deixava nós à vontade. “Então, agora, o que vocês decidem? Vão ficar? Vão se casar? Como é que vai ser?”. Aí o meu marido, “Não, a gente vai ficar junto”. Assumiu tudo, tranqüilo, sem pressão nenhuma. E inclusive minha mãe fez questão de dizer a ele: “Se não quiser, deixe viu. Agora você não vai ver o filho de jeito nenhum porque a gente vai cuidar e você não vai nem se meter; não fique atrás dela”. Chegamos pra contar a meu pai, né? Como conta? Porque ele nesse caso era mais sério. Por ser a moral da história, como a gente ia contar esse passo antes do tempo? Dos três eu era a mais velha no momento. P - Seu irmão já tinha falecido? R –Ele veio a falecer já estava morando comigo, depois da separação dos meus pais. Se ele tivesse arrumado uma namorada antes eu acredito não ia ter tanto problema. Meu marido chegou, sentou e paft Não dava pra enrolar muito, eu até fiquei preocupada. Vai que ele tem um “pire-paque”, então conta logo, não fica arrodeando muito. Aí meu marido falou com ele que eu estava grávida e que queria assumir, ia casar comigo, ia ficar comigo. Ele coçou a cabeça, a careca um pouco assim, olhou, se segurou um pouco lá na televisão – eu vi que ele deu uma apoiada assim – e ele disse: “Tá bom”. Disse que tava bom, tudinho, só que aí eu não conseguia olhar pra ele, eu não conseguia ver como ele estava reagindo. E depois de passados uns dias: vamos resolver, vamos dar entrada nos papéis, aquela coisa toda. E ele perguntou pra mim se era isso que eu queria. Foi interessante porque nem eu sabia se era isso mesmo que eu queria. Mas eu digo assim, até porque eu fiquei preocupada, eu já dei uma decepção, e dizer que não vou me casar. E ficar em casa com minha mãe e com barrigão, com tudo, e ele ter que criar meu filho. Não, aí vai ser mais uma pancada. Então, já que eu gosto do meu namorado, eu dizia pra ele que eu não amava ele pra casar não, mas já que ele dizia que me amava a ponto de suportar, então que ele agüentasse as consequências. E até hoje a gente diz isso. P - Você está junto com ele até hoje? R - Dezessete anos. P - E até hoje vocês dizem o que? R - Eu digo assim pra ele: “Ó, se não quiser, não agüentar o tranco”. Porque eu sou muito independente, eu sou muito de fazer minhas coisas. Eu não sou de perguntar, nem de combinar muito com ele. Até por ele ser uma pessoa mais paradinha. Eu digo a ele que ele não acompanha meu pique, então ele fique quieto. Ele realmente nem reage; porque sabe que é assim. Se ele disser a mim que não, que não quer que eu faça isso, que eu não vou fazer, aí eu digo: “pegue sua roupinha”. Eu acho que a gente está para evoluir, não é estacionar, não é parar onde acha que é. Quando a gente casou, uma noite antes, eu disse isso pra ele, pro meu marido: “Ó, a gente vai casar, mas não é aquele amor roxo, não, heim? Tu sabe com quem tu vai casar”. Porque se tu tá disposto tudo bem, mas eu não estou muito. Por mim a gente ficava aqui mesmo, cada um no seu lugarzinho”. Mas aí ele resolveu encarar e está encarando até hoje. Porque não é fácil, não. P - Você tinha que idade? R - Dezoito. P - Dezoito anos. Mas vamos voltar pra antes. Depois você conta de quando você casou pra cá. Você tava contando de quando você era criança. E as brincadeiras? Apesar da sua mãe não deixar muito vocês saírem, o que você lembra? R - As minhas amigas é que tinham que ir lá pra casa. Eu não podia ir pra casa das meninas, porque não podia sair de casa, não devia sair de casa. Então geralmente minha casa era cheia. Então a gente fazia muitas festas. Eu adoro dançar, gostava muito das festas. A gente inventava festa de quem não tinha aniversário. Inventava aniversário. Quando não era de gente mesmo, de um colega ou de outro, era de um boneco, aquelas brincadeiras de boneca. A gente tirava foto de mentirinha e tudo. Montava um álbum, tinha uma pessoa que tirava as fotos e montava aquele álbum, com aqueles rabiscos que a gente fazia, aquele bonequinho de palitinho. E a gente fazia muito isso. Agora a comida era de verdade. P - As fotos; vocês faziam o desenho como fosse foto? R - Era. A gente fazia o modelo da máquina, e depois: “revela, visse, a gente quer em tanto tempo”. Era contratado. Tinha uma pessoa contratada. A pessoa riscava nos papeizinhos e trazia as fotos lindas. Maravilhosas. E a gente guardava aquilo tudo como se fosse uma foto mais linda que tinha saído. A gente vivia assim, a gente brincava, a gente fazia desfile, a gente brincava de desfile. Tem um fato interessante que é assim: sempre tem aquele que se sobressai e aqueles que não se destacam muito ficam meio com raiva, enciumados: “Queria que eu fosse”. Por tudo acontecer muito na minha casa a gente tinha esse suporte de pai e mãe. Quando eu fazia festa. “Ah, vou fazer festa”. “Ah, sim”, minha mãe fazia o bolo. Isso tudo desde que a gente ficasse em casa. Eu tinha umas amigas que não gostavam muito porque a gente fazia o desfile e eu ganhava, ganhava outra amiga; e ela sempre ficava mais no finalzinho da pontuação. Então ela dizia: “Ah, não vou brincar mais”. Então isso era interessante, porque passou isso da gente pras nossas irmãs, que eram as pequeninas na época; e dava quem, dava minha irmã, dava outra; e a irmã dela nunca se enquadrava entre as primeiras. E aí ela ficava brava. Até hoje a gente se encontra e ela lembra da história. P - E o desfile era com as roupas de vocês? R - Não, a gente fazia produções. Pegava as roupas das mães e fazia aquele vestido todo incrementado, com laço, com “biju”. Usava tudo o que a gente tinha de criatividade. Desfialva de biquíni, de maiô. Fazia desfile completo, nós éramos as próprias misses. Mas era muito gostoso. P - E o irmão nessa hora? R - Meu irmão tinha os colegas dele. Sempre foi muito caseiro, tanto é que quando a gente mudou de bairro, quando a gente voltava para visitar, perguntaram uma vez assim: “Tinha um rapaz que sentava aqui na calçada e esse rapaz não senta mais”. Minha mãe diz: “Mas era o meu filho”. “Era o seu?” Porque eram tão reservadas as coisas, a gente mal falava, a gente mal se colocava, que o pessoal não sabia nem de quem era o filho. Já me conheciam um pouco porque eu brincava com as filhas dele. Mas como ele não tinha menino, então só me via por lá, quando a gente conseguiu acesso lá e cá. Mas meu irmão não tinha menino pra ele brincar já por lá. Os que tinham eram de outra família, não os que eu vivi, que a minha mãe tinha mais proximidade. Então isso acontecia muito naturalmente, ele era pouco visto na verdade. P - E vocês moraram aqui em Recife sempre? R - Sempre. P - E a casa, sempre a mesma? Como é que foi? R - Infelizmente não. A gente morava em casa de aluguel, não tinha casa própria e a gente morava na infância no bairro de Casa Amarela, aqui em Recife. Era muito gostoso, foi onde a gente nasceu. A gente conhecia todos os vizinhos, embora a gente fosse pouco lá. A gente conhecia todo mundo, todo mundo conhecia a gente. Era aquela família grande, ampliada um pouco. P - O bairro era como? R - Era tudo organizado. Porque Casa Amarela é um bairro muito evoluído. Comércio bem dinâmico, rede bancária completa. Tinha todo comércio, tudo que a gente precisava, tecido, roupa, calçado. A gente não precisava sair pro centro comprar, a gente comprava no bairro mesmo porque sempre foi muito diversificado. A única dificuldade é que é muito morro. A gente morava num desses altos, inclusive Alto de Santa Isabel, que era o nome do bairro, uma subdivisão de Casa Amarela, tinha muita ladeira. As casas geralmente eram no alto, no baixo. Mas era rua calçada, onde eu morava, de esquina, embaixo, ficava um comércio, que a gente chamava barraca do seu Bill. A casa que eu morava era no alto, era gradeada, tudo direitinho. P - Tinha vista? R - Um pouco, a gente via a parte mais alta do morro. Que inclusive a gente ia pro morro da Conceição, com dez minutos a gente estava lá. A gente ia a pé, era bem pertinho. Nem dizia que ia ali, sempre usava: vou subir, vou descer. Aquela coisa de realmente estar no baixo, no alto. Mas foi um lugar muito importante, muito marcante. P - O morro da Conceição? Você falou: “a gente ia no morro da Conceição”. R - O morro da Conceição. P - O que tem esse morro? Pra você dizer, vou lá no morro, vou lá em cima. R –A gente tem como data específica, oito de dezembro, que é o dia da festa da Conceição, que chama festa de Nossa Senhora da Conceição. Geralmente eu só ia lá quando era nessa festa. Porque era uma festividade, tinha doces, tinha tudo, brinquedos. Eu ia muito pro Largo da Feira, que a gente chama o largo de Casa Amarela, que é onde tinha a feira. Aquela feira de pinturas. A gente ia, brincava, tinha festa, tinha apresentações. Quando tinha coisas políticas era empre lá no largo. Largo de Casa Amarela, da feira. Então a gente ia, era tudo festão. Era o momento que a gente se inteirava do mundo, vinham uns artistas, a gente achava o máximo. Sentava lá em plena festividade. E o morro também tinha isso de importante porque trazia aquela coisa mais religiosa. Minha avó sempre foi devota de Nossa Senhora da Conceição; sempre levava a gente. Eu me lembro de um episódio terrível que eu vi nesse dia. Tinha tido um desastre no mar, um navio tinha naufragado e um dos marinheiros que tinha sido salvo, se não me engano tinham sido três, no momento do naufrágio tinha feito uma promessa a Nossa Senhora da Conceição que se se salvasse ia passar tanto tempo pagando aquela promessa, ia subir o morro à nado, como se estivesse nadando. A primeira vez que eu vi foi horrível. Cheio, muita gente vai mesmo, aquela romaria mesmo – e aí quando a gente está subindo o morro, que a gente olha. Todo mundo: “Afasta, afasta, afasta”, aquela agitação. Eu mesmo fiquei tremendo, porque eu achava que era assalto, alguma coisa. E lá vinha aquele homem de branco, arrastando, como se tivesse nadando no chão. Isso me chocou muito porque eu acredito até que não é isso que se deseja. Eu acho que a gente pode fazer muita coisa, pagar muita coisa, sem precisar estar lá, rastejando. É uma cena feia de você ver. Não é aquela coisa como se ele estivesse fazendo uma caridade, ajudando uma outra pessoa, estaria muito bem paga. P - Que idade você tinha quando você viu isso? R - Eu acho que eu tinha uns oito, dez anos. P - E você ficou impressionada. R - Porque foi horrível, o povo. Assustou primeiro porque o povo ficou: “sai da frente, sai da frente”, pra poder ele passar rastejando lá no chão. Antes de eu ver, até que ele chegasse naquele lugar, eu achava que eram mil coisas que estavam acontecendo no caminho. Quando ele passou, todo ensangüentado, porque se arranhava todo, ia como se estivesse nadando. Falei: “meu Deus, essa criatura vai chegar lá como?”. Eu sei que ele pagou essa promessa por vários anos. Toda vez que tinha eu ia ou um dia antes ou um dia depois, porque eu não queria mais ver aquilo. Terrível. Eu digo assim: “como é que a pessoa consegue vir esse caminho todo.” Porque era longe. Tinha uma parte de escadaria, de degraus, e tinha outra que era caminho, asfaltado mesmo. Mas todos os dois percurssos pra chegar na santa eram enormes e por serem cheios, muita gente, ficava difícil pra qualquer pessoa caminhar. Imagine naquela situação que aquela criatura estava. P - Eram danças mais tradicionais ou eram artistas mais modernos? R - Na festa do morro era mais questão religiosa mesmo. Embaixo, que era o largo do Pátio de Nossa Senhora, tinha mais bares e bebidas, aquelas farras. Vinham alguns artistas da comunidade; aquela coisa mais comunitária mesmo. Tinha dança, o pessoal que trabalhava na igreja freqüentava lá embaixo. Mas em cima, perto da santa, que tem uma capela, era a questão mais religiosa mesmo. Tinha santinhos, tinha a fitinha que a gente amarrava e fazia três pedidos. “Não tira dali enquanto se deseja”. Não sei se eu consegui algum deles, mas eu amarrei tantos na mão. P - E danças tradicionais? Ainda tinha? R - Tinha, capoeira, tinha o frevo, tinha o coco. O pessoal dançava muito lá embaixo o pastoril, que inclusive minha mãe fazia questão que a gente dançasse. Não na do morro, mas em outras, a gente participava de tudo. Tudo que é festa. P - E essas danças ainda existem hoje? Tem esse momento? R - Tem, muito. O frevo mesmo não é só na época do carnaval. A gente vê, tudo que é atividade. Às vezes em festas de confraternização, natal, fim de ano, essa coisa toda, o pessoal convoca um grupo de frevo, que o Recife tem, o grupo cultural, que faz esse trabalho, de dança do coco, dança afro. Sempre nesses eventos tem as danças típicas do nordeste. P - E São João? R - Eu dançava em todas as quadrilhas. Punha roupas e tudo. Minha mãe também adorava fazer, meu pai não gostava, porque a gente passava noites e noites se apresentando em vários lugares. Fazia apresentação em vários bairros, onde chamava a quadrilha junina se inscrevia e a gente ia dançar. Se fosse o concurso, se não fosse. Eu adorava a quadrilha que eu dançava por causa disso. Ela não esperava só pra ir pra concurso, a gente estava dançando em qualquer lugar. P - E essa quadrilha se formava como? R - Geralmente em abril a pessoa que coordena o trabalho da quadrilha começa a abrir inscrições. O casal que quiser entrar, se já não é casal, se já não tem o parceiro pode vir só, porque aí a gente junta, faz uma dupla, faz o casal. Em Casa Amarela a gente participava, e minha irmã só participava como sendo a filha da que se chama rapariga, do noivo, que adentra o casamento, interrompendo o casamento. Dizendo que ele não pode casar porque tem uma filha com ela. E no dia da apresentação, foi interessante, foi no SESC de Casa Amarela, a menina que fazia a outra mulher, que na verdade a gente chamava a prostituta da quadrilha, por que era a outra do noivo, não era pra estar lá, não era para impedir o casamento; e ela olhou para minha irmã, matutinha, toda prontinha, ela disse: “Vem cá”. E botou a menina no braço e foi embora com ela pra quadrilha. E foi mágico, porque esse dia era competição e a gente foi um dos melhores classificados. Selecionados para as finais. E pronto, incrementou minha irmã também, que na época tinha uns dois, três anos. A gente fazia altas fantasias. Se eu tivesse lembrado da foto, eu tinha trazido, que é horrível, mas seria engraçado de ver. P - E tem um concurso? R - Hoje tem mais, antes não tinha tanto, é mais específico para os SESCs. Hoje inclusive as grandes emissoras fazem aquele concurso global, tirando de todo o Nordeste a melhor quadrilha. P - O que conta para melhor quadrilha? R - A animação, a coordenação, se todo mundo está bem entrosado, se ninguém erra os passos. O marcador, que na época a gente chamava, o gritador, é a pessoa que chama, que vai ditando os passos, que vai dando aquela chamada na quadrilha para animar. Figurino também conta. P - E sua mãe fazia as roupas de vocês? R - Fazia. Adorava Fazia questão, sempre caprichava. E quando as meninas, as outras participantes da quadrilha viam que ficava melhor: “Ah, não, vou levar pra Dona Débora dar uma organizada. Porque o teu está bem acabado”. Porque ela fazia com capricho. P - Você lembra algum especial, algum vestido caipira? R - Lembro dois. Um que era longo, sempre vinha até a altura do joelho, mais ou menos, porque matuta era organizadazinha. Matuta, ela não tinha vestido curto. A gente botava aquele meião, meia-calça, aquela meia forte, grossa mesmo. A minha era branca. E a sapatilha, a sandália era uma sandália plástica, aquela de antigamente, aquela melissinha, aquelas coisas todas e fazia dois “pitós”. Menina, eu tenho uma testa saliente, quando vi essa foto, me marcou que nunca mais eu deixo ninguém ver. P - E o vestido era como? R - Era de babados, com bico na ponta, renda, aquela coisa toda. Aqui ele vinha fazia aquelas palas, aquelas flores. A flor aqui, belíssima. Vermelho O laçarote bem grande, aquela faixa enorme atrás, bico de renda em tudo quanto era canto, quanto mais fofo melhor. Fazia a manga bem fofona. A gente fica aquele balão com aquilo ali. A gente era o próprio balão da festa. Mas a gente se achava, não era nada feio, não. O outro foi assim, quando eu vim pra morar no Engenho do Meio, depois de adolescente a gente veio morar em Eugenho do meio, que eu odiava, detestava morar em Engenho do meio porque era completamente diferente do que a gente tinha em Casa Amarela. Não tinha nada, as ruas largonas, aquela coisa meio de interior. Eu via um interior completamente ali na minha frente. E eu chorava, e dizia: “Ah, meu Deus”. Eu gosto muito de mudanças, mas eu dizia assim: “essa não foi muito boa, não”. Eu fiquei super animada no dia que a gente estava fazendo a mudança, “ah, vou-me embora”. E na época eu tinha um namorado que foi o meu primeiro namorado, o segundo foi com o qual eu casei. Ele dizia a mim: “pôxa, tem que arrumar um jeito de ficar na casa da tua avó”. “Que nada, que eu vou ficar aí, eu quero é ir embora, eu quero é ir morar nesse Engenho do Meio, que lá deve ser tudo diferente, tudo melhor.” Teve muito estresse. E eu ficava meio martirizada porque eu olhava assim: só via barulho dos sapinhos. Eu dizia: “é coisa do interior mesmo”. Eu não via ninguém brincando, ninguém conversando. As barracas eu achava feias, sabe, aquelas barraquinhas do bairro. Umas barraquinhas que feias. Eu via muito bêbado lá. Eu dizia: “que lugar mais feio” P - Por que vocês mudaram lá da Casa Amarela? R - Eu acredito que foi por questão religiosa. Meu pai é cardesista. Espírita cardesista, nós somos. O centro que ele freqüentava era no bairro de Engenho do Meio. E ele saia de Casa Amarela pra Engenho do Meio, eram dois transportes. As reuniões eram feitas à noite e ele às vezes chegava em casa a meia noite, onze horas, onze e poucas. Largava do trabalho e ia direto pra lá. Inclusive eu, em um dos momentos, olhava o caminho, só via a Caxangá cheia de casa funerária. Porque tem muito hospital. Tem o hospital Getúlio Vargas, tem o hospital Barão de Lucena. Era onde eles ganhavam o pão com facilidade. Quando eu passava naquela Avenida Caxangá, todo dia no ônibus com meu pai, eu digo: “Ai, meu Deus, só tem casa funerária por aqui. O povo morre muito aqui”. Não entendia eu, na época, nem por conta dos hospitais. Eu não associava isso aos hospitais. E quando a gente chegava lá no bairro - pelo amor de Deus - Inclusive na segunda feira eu vim contando pro motorista que me trouxe, que a gente veio passando justamente lá, ele fez o percurso por onde eu morava. E eu me lembrei. Eu disse pra ele: “eu tenho planos de voltar pra aqui. Isso não vai tardar muito não”. A gente foi conversando e eu disse o porque. Lá o bairro é aquela coisa muito morta. Ninguém via movimento, não tinha um supermercado grande. Que eu via em Casa Amarela, tinha a rede Bom Preço. Em Engenho do Meio a gente não tinha. E eu achava engraçado porque o povo lá dizia muito assim: eu vou ao Bom Preço. P - É que você estava falando que o pessoal desse bairro que você mudou dizia que ia no Bom Preço? R - É, eles diziam assim: “a gente vai lá no bom preço”. E eu já tinha andado pelo bairro algum tempo, não vi nenhum Bom Preço lá. Eu dizia: “meu Deus, onde é que esse Bom Preço é aqui”. E eu ficava Eu começava a andar sozinha, com outras pessoas. Mas sem perguntar nada, tentando achar o Bom Preço. Certo dia a menina diz assim, “eu vou lá no Bom Preço”. Eu disse assim: “eu vou. Eu vou descobrir onde é o Bom Preço aqui”. Mas minha querida, quando eu cheguei, era um supermercado. Aquele do bairro, aquela coisa mais simples. Aí eu disse: “cadê o Bom Preço?”. Ela disse: “é esse aqui”, eu digo: “é, tá”. Para mim era o Bom Preço de verdade O supermercado da rede Bom Preço. Mas era um mercadinho de bairro. Por isso que eu não ia encontrar nunca o Bom Preço de lá. Eu digo: “Rapaz Vocês aqui moram no interior mesmo. Porque lá a gente tem um Bom Preço, e vocês não têm”. E um fato interessante é que na época de carnaval, eu sempre voltava pra Casa Amarela, porque lá tinha todas as comemorações. Eu ia embora atrás. P - Na rua assim? R - Na rua, na rua. E lá em Engenho do Meio não tinha nada. Eu vinha, eu ficava os quatro dias de carnaval em Casa Amarela, na casa da minha avó, na casa das minhas tias. Minha tia me paparicava demais, eu adorava Porque ela facilitava toda a minha vida. Quando era na quarta-feira de cinzas eu voltava pra Engenho do Meio, era o dia que tinha o resultado das escolas de samba do carnaval. E o pessoal, tome coça em mim: “Ó leva pra lá a informação Que a escola que ganhou esse ano foi tal, lá pro teu interior” Eu ficava morta, tiriririca, porque era fato. Não porque o pessoal não deixasse de ver, tinha televisão, isso tudo. Mas pelo lugar ser tão atrasado, não ser desenvolvido, aquela coisa mortinha mesmo. Ficava: “ah, que raiva que tenho que voltar pra lá” A gente brincava com essa situação. P - E o namorado? Acabou ficando lá? R - Ah, o namorado Foi o primeiro namorado. Mas eu achava que não ia dar certo porque iam muitas meninas atrás dele. Eu digo: “ai, essa coisa de estar dividindo não é comigo. Ou é ou não é”. Mas ele gostava muito de mim. Foi interessante porque, duas tias que me paparicavam muito, uma delas era manicura. “Eu vou fazer tua unha, quando ele chegar tu tá toda pronta”. Eu tinha treze anos - Não sabia nem - Me achava a dona da situação A gente marcou, ele chegou lá em casa todo nervosão; passando mal, coitado. Já via a hora dele cair duro no chão. E quando ele chegou eu ainda estava me arrumando. Eu ainda estava na manicure. Meu pai já estava sabendo do que se tratava e não deixou eu nem chegar perto da conversa deles dois. Foi lá na sala e conversou com ele. Ele foi lá e disse que queria namorar comigo, um namoro sério. Meu pai disse logo que eu não tinha idade pra isso, e que não estava com filha ali pra casar. Porque eu era muito nova, ia permitir o namoro porque eles não queriam que eu ficasse namorando no escuro. Foi toda aquela regrinha de dias e horas; aquela coisa toda. A gente ficou. Começamos a namorar, eu fiquei toda errada, toda tímida na hora. Porque minha tia estava trabalhando minhas unhas, me arrumando pra eu ficar bonita pra ele. Eu não queria que ele tivesse passado por essa situação. Queria estar pronta. Acabou dando tudo certo, a gente namorou por dois anos, quando eu vim pra Engenho do Meio, ele vinha de final de semana. Meu pai não gostava muito, mas como era mais distante, eu via uma distância imensa, porque eram dois ônibus que a gente pegava de lá pra cá. Eu achava que era um findão de mundo e que se ele viesse só no sábado, e voltasse no sábado, que horas que ia chegar lá? Eu via muita distância no caminho. Acabávamos convencendo meu pai dele ficar por lá, meio contra a vontade. Por ele ser novo meu pai tinha até medo que acontecesse alguma coisa no caminho. Querendo ou não, a gente estava morando longe. Namoramos por um bom tempo, foi muito legal. P - Ele vinha de fim de semana. R - É, ele vinha final de semana. Na época eu estudava no colégio da polícia - que meu pai era militar - e ele era escoteiro. A roupa da gente tinha as mesmas cores. Era interessante, a gente fazia planos, aquele coisa de fazer planos, e dizia assim: “quando fosse servir as forças armadas ele ia pra aeronáutica, porque continuava na mesma cor”. Minha farda era azul escura, marinho, a saia; e a blusa era azul claro. E a dele também era assim. A gente achava lindo, porque andava os dois combinando. Infelizmente a gente acabou um pouquinho antes dele ir pro exército. Uma bobagem, a gente vê depois, que é assim, questão da idade mesmo, mas a gente ainda ficou um bom tempo tentando, se olhava. Houve o desfile, eu desfilava de sete de setembro, na escola militar, ficava uma turma. Eu me achava Sempre me achei E quando dizia que ia passar a tropa, que era a tropa dele, ficava procurando. Na época a gente ainda procurava, e a gente se via sem poder se mexer. A gente sabia que tinha se visto. E depois a gente não se falava, mas a gente fazia com que chegasse a informação de que viu, o que foi que cada um fez naquele momento. Mas ficou por isso mesmo, a gente se viu ainda depois um bom tempo, só de relance, de olho. Ele disse uma vez pra mãe, uma coisa que às vezes eu fico triste até de conversar, porque eu acho que, não sei o que ele pensou de momento, mas ele disse pra mãe dele que não casava se não fosse comigo. E ele já teve outras pessoas, já tem filhos e resolveu não casar com ninguém. Eu acho que não é legal, ele está esperando ainda alguma coisa, acredito que não, porque ele já fez a vida dele. Tinha que deixar essa bobagem de promessas de infância. Mas ele está muito bem hoje. Sei que ele está lindo, continua bonitão mas não é mais o meu namorado. P - E quando você conheceu o seu atual companheiro? Como foi? Como você o conheceu? R –No Engenho do Meio. Estava lá, já tinha acabado o meu namoro e ele era um vizinho lá da rua que eu morava. Assim que a gente chegou para essa casa - Quando a gente estava lá no portão, eu e minha tia, apareceu aquele rapaz, na verdade já era mais um homem do que um rapaz, e eu digo: “tá tia, finalmente apareceu um homem bonitinho aqui pra gente olhar”. A minha tia: “é mesmo”. Minha tia que ficou de olho. Eu, nem tchum Só achei simpático, bonito. De tudo que a gente já viu alguma coisa mais interessante pra gente olhar. “E aí minha filha, investe lá”. “É bonitinho, quem sabe? Vamos conhecer” Mas eu nem dei a mínima pra ele, só achei bonitinho e ponto. Mas minha tia foi investir. E nada, ele na verdade já tinha ficado de olho em mim, e eu nem tchum pra ele, e minha tia jurando. Minha tia marcava na praça, e queria que eu fosse, ele ia porque eu ia, não era por causa dela. E eu nem sabia, acabava indo. Na verdade ele tinha uma namorada. Eu sempre fui muito centrada nessas coisas, minha mãe: “não entra em carro de desconhecido, não dá carona; não pega carona com ninguém” E eu sempre fui muito receosa com essas coisas. Mas aí eu ia com ela e eu sabia que ele tinha namorada, depois ele disse pra ela, nesse encontro que eles tiveram na praça, que eu estava lá pra ser testemunha do namoro que só acontecia na cabeça dela. Ele disse à ela que não queria nada com ela, que tinha uma namorada, e que se fosse pra deixar a namorada ia deixar, mas não era por ela. E tentou insinuar que seria por mim, mas eu nem tchum pro louro. Aí pronto. Passou-se um tempo, ele continuou com a namorada, depois ele começou a ir mais lá em casa, aquela coisa de flertar mesmo, começou a rodear, rodear, rodear. Eu dizia pra ele: “ó, eu, primeiro que eu ainda gosto do meu ex-namorado, e segundo que você tem sua namorada e eu acho que não vale a pena investir em você. Acho que não vale a pena a gente namorar de jeito nenhum”. Ele não aceitando isso continuou insistindo, insistindo. Depois de um tempo ele rompeu com a namorada pra ver se ainda tinha alguma chance, mas eu continuei dizendo que não. A gente ainda passou um ano assim, nesse vai num vai, vai num vai. E aí eu aceitei namorar com ele e a gente ficou namorando. P - Como é o nome dele? R - Edvaldo. Bem mais velho que eu, diferença de onze anos. Na época eu não via isso, hoje eu digo assim: “se pegar um menino de onze anos - hoje eu faço essa comparação - e botar com a menina que nasceu É muita coisa viu, meu amigo?” E ele fica meio assim. O interessante é que as pessoas que não me conhecem, às vezes, chegam perto dele e vêm, acham que eu não sou a mulher dele. Eu finjo que nem percebi que ele levou aquela. Mas ele é muito gente boa, sabe? Eu digo a ele assim: “se não fosse por ele a gente não estava casado mais não”, porque ele é quem me suporta. Porque eu sempre fui muito de dizer as coisas, nunca deixei ele pensar que era uma coisa e era outra. P - Vocês tiveram quantos filhos? R - Três filhos. O primeiro é Edvaldo Junior, que tem dezesseis anos, e que hoje está morando com minha irmã, no Rio de Janeiro. Por opção. Minha irmã encheu a bola dele e ele, graças a Deus, está lá. Há um ano e meio ele está lá; o segundo é Jonathan, que tem doze anos, é o que mais se parece fisicamente e psicologicamente também, o estado do pai - minha filha - Brincalhão, aquela coisa bem extrovertida, sabe, eu já sou mais séria; e a minha filha de seis anos, Milena, e ela é, apimentada. Acho que é a que se parece mais comigo, de gostar de tudo, quer participar e é decidida, e vai lá e resolve as coisas dela; quando eu vejo já tá tudo resolvido. E é assim, ela: “não, porque a senhora ainda ia pensar, aí eu fui adiantando as coisas”. Dito, está tudo bem. Parece uma adulta conversando. Mas quem a conhece diz que é meu estilo, bem desenrolada. P - Verônica, você está estudando ainda? R - Estou, estou fazendo pedagogia, estou no terceiro período. E voltei, eu tinha feito magistério no colégio da polícia, me formei lá. P - Você estudou sempre no colégio da polícia militar. R - Não, o meu ensino fundamental, de primeira à quarta série, foi numa escolinha, aquelas escolinhas pequenininhas, que tinha aquela professora senhora, que era minha paixão. Alzira, o nome dela. Que a gente chama até hoje, que ela não está mais entre nós, mas a gente diz: “aqui é a Alzira”, porque a caligrafia, eu queria fazer igual a dela, eu admirava. Ela também, eu vivia na casa dela, como se não fosse aluna, eu era uma parenta lá da casa. P - Os quatro anos foram com a mesma professora? R - A mesma professora. Fiquei lá os quatro anos. A quinta série, que é o ensino fundamental dois hoje, eu fui fazer numa escola estadual, pense no impacto. Eu estava ali, quatro anos, com a mesma professorinha, sendo a dona da escola junto com ela. E lá vai eu para escola grande, estadual. Me perdi. Fiz a quinta série lá, mas aí eu dizia a meu pai que eu não queria ficar lá, porque entrava um professor e saia outro. Você tinha uma só, vem seis Vinha biologia, vinha inglês. Não sabia nem o que era isso Não sabia o que era aquilo. Mas graças a Deus passei. Mas aí eu disse à ele: “eu quero ir pra escola da polícia, porque é uma escola, que é privada porque ela é só para filhos de militares, de policiais militares. Mas é assim, do Estado. É pública, a gente não pagava, pagava uma taxa escolar, só. Para meu pai era tudo de bom porque era pouco. Porque é assim, pagava e não pagava. Ele disse: “é, vou ver.” Minha mãe sempre queria que meu pai tivesse colocado desde meu irmão mais velho lá. Só que meu pai não era muito de correr atrás dessas coisas. Eu bati o pé e disse: “Eu quero ir pra lá. Gente, o senhor não é de lá?” Eu vejo tanta gente. Eu achava lindo os meninos que vinham de farda aqui. Adorava. Engraxava o sapato, quem engraxava era eu. O sapato tinha que brilhar, que era sapato de couro; a meia preta que vinha aqui, horrível Mas o sapato era lindo A roupa era linda Eu me achava. Cinto de militar, aquele brasão de militar que vinha Tinha uma tarjeta com o nome da gente Era a própria militar? Quando teve o concurso, porque fazia teste seletivo pra gente entrar, fomos eu e minha irmã fazer. Minha irmã foi entrar no maternalzinho, que é a pré-escola, e eu fui entrar pra sexta série. Foi um engano nosso, porque eu fiz uma quinta série numa escola estadual, onde as coisas andavam a dura sorte e lá na escola militar era um ensino realmente de uma escola privada, rígido, puxado. Fiz o teste e não passei. Arrasei, minha irmã passou em primeiro lugar,no pré escolarzinho, tudinho. Minha irmã já começou a estudar, foi matriculada e tudo. Eu disse: “meu pai, o senhor vai arrumar um jeito, mas eu vou pra lá.” Foi quando ele, que não gosta de solicitar favores, disse: “tá bom, eu tenho uma pessoa que é professor de lá, um major, e eu vou falar com ele pra ver o que a gente faz”. Eu disse: “Veja mesmo, e veja antes das aulas começarem”. Sim, porque tinha toda a preparação antes, de conhecer a escola. Mas eu queria pelo menos no primeiro dia de aula estar lá. E assim foi. Ele graças a Deus conseguiu lá uns contatos. E estava eu lá, linda e loira, com a farda, fazendo posição militar, coisa toda. Tinha até foto na posição de sentido, junto com meu pai. A minha irmã também fez isso depois. P - E canta o hino, tudo? R - Essa era a pior parte. Meio dia em ponto, o horário era de uma hora, treze horas, e a gente ficava lá das treze às dezoito. E quanto a gente chegava, meio dia em ponto; a gente não usava nada na cabeça, os meninos na época eram quem usava, porque a escola na verdade estava começando a aceitar meninas. Eram mais os meninos que estudavam. E aí a gente fazia aquele trabalho de ficar assim, em posição militar, de quando vai fazer, como é que eu posso dizer? A gente formava lá no campo, era um campo de areia, não era um campo de matinho, de grama. E a gente ficava, fazia posição. Minha querida Que os superiores chegassem, que ficavam lá no púlpito, um púlpito coberto e a gente estava lá no sol. Era de quinta ao terceiro ano, que era o final do ensino médio. E o pessoal ficava por turma, enfileirados, em posição de sentido, em posição de descansar. Cantava o hino da escola, o hino nacional e o hino de Pernambuco. Esses três não podiam faltar. Dependendo da autoridade que fosse lá, dar os informes – era um informe só pra dizer hoje a aula vai começar tal – sabe, aquelas bobagens, que a gente não via sentido pra tanta coisa, mas a gente estava lá. Alguns dos alunos passavam mal, desmaiavam, não agüentavam o sol. E eu brincava com as meninas, dizia assim – só que eu tinha muita vergonha por ser muito magrinha – mesmo brincando, as meninas sabiam que eu ia desmaiar de mentirinha. Sair do sol, porque passava mal ia pra sombra. Era tudo de bom, sabe? Eu tinha vergonha de dizer isso, quando eu chegar lá na frente e tudo mundo ver quem foi vão dizer assim: ela desmaiou, mas foi de fome. Que eu era magrinha Então eu não vou fingir não, finjam vocês, eu não vou não. Vou ficar aqui no sol. Então eu aguentava o sol lá, ficava. P - Você se deu bem? R - Não me incomodei. Tinha alguns professores que eram civis, a maioria era militar, mas tinha uns civis. As professoras faziam atividade nesse nível bem festivo, tinham festas, aquelas calouradas e tudo mais. Tudo nos clubes da polícia. Nossa, era tudo mais regrado de coordenação, você está vigiado o tempo todo. Era interessante porque às vezes pra pegar o ônibus a gente se sentia vigiado, porque a gente não podia subir no ônibus brincando, fazendo brincadeira. Eu sempre aproveitava e gostava muito de brincar. A gente vinha no ônibus fazendo aquela farra, fazendo aquele barulho que hoje eu olho e digo assim: eu já fiz muito isso, mas como é feio. Quando chegava no dia seguinte, a gente sabia que isso ia estar lá na pauta da formatura, a gente chamava era formatura, todo dia. E aí a gente escutava: “Olhe, a gente vai botar soldados nos ônibus, viu, soube que o pessoal está brincando. Tem alunos inclusive pulando borboleta” Isso a gente não fazia, mas tinha quem fizesse. Aí eu dizia, “oh eu disse que ia sair hoje isso”. E a gente ficava um olhando pro outro, o que tinha feito no dia anterior sabia que tava errado. Eles geralmente não citavam nomes, mas sabiam de quem se tratava. P - E o que se podia fazer de brincadeira na escola militar? R –Nada. De brincadeira, de ficar brincando com o outro, não. A gente tinha a hora do intervalo, mas não podia ficar no corredor. A gente não ficava porque ficava um soldado lá tomando conta do corredor. Ninguém ficava no corredor fora de horário. Esse negócio de estar indo ao banheiro, ninguém ia muito. P - E aí você fez magistério lá? R - Fiz magistério lá. Quando eu terminei a oitava série abriu a primeira turma de magistério. Eu disse, gostava tanto, achava tão bonito ensinar. E devido a eu ter vindo de tia Alzira, que é como eu a chamo, a professora que foi de primeira a quarta, então eu digo assim: “eu quero ser professora”. Eu acho lindo escrever no quadro. Eu acho lindo você estar. E eu gostava de ser um pouco autoritária, eu gostava de dar um pouco de ordem, então o professor tem esse poder. “Vamos lá, faz agora”. Então eu fui fazer o magistério lá no colégio da polícia. O primeiro ano foi o ano que eu engravidei do meu filho, eu estava com dezoito anos. Mas eu não parei em momento nenhum. Eu tive ele no mês de março de 1991, e eu disse assim: “eu vou ficar só o período que é de repouso mesmo e depois eu volto”. Porque lá o prédio era grande e a gente subia muitas escadas. Então eu vou me poupar um pouco só das escadas. E no dia que eu estava completando 30 dias depois do parto, minhas amigas: “olha, vem que vai ter uma prova importante”. Eu digo: “mas eu não estudei, mas pelo menos na fila vamos embora; pior vai ser fazer sozinha depois, porque eu vou olhar pro lado e não tem ninguém que possa me ajudar, então eu vou”. Eu fui sem muita experiência da amamentação e tudo, como eu tinha dito em outro momento. Não preveni os seios. Eu parecia uma vaca derramada, meus seios ficaram tão grandes. Eu dizia que eu ganhava da Fafá de Belém, eu era magrinha ainda. Era muito leite, e eu na aula, o leite a derramar, e eu não sabia o que fazer. Achava que era pra ser assim mesmo. Não sabia que tinha que proteger. E as meninas ficaram, outras colegas já tinham filho já davam a dica. Porque na verdade, lá no colégio militar quem engravidava não podia ficar. E eu fiquei, eu fui a única que fiquei lá. As meninas que já eram mães, antes de mim, quando engravidavam saiam. P - Porque não podia ou porque elas preferiam sair? R - Na verdade não foi encontrado, a partir de mim, nenhuma regra que impossibilitasse. Só que pela situação militar ser tão rigorosa o pessoal nem questionava. E eu sempre fui muito de polêmica então eu disse assim: “onde está escrito que eu não posso ficar?” P - Convidaram você a sair? R - Não, porque meu pai foi lá antes. Meu pai comunicou que eu estava grávida e o qual era o regimento da escola e onde é que tinha dizendo que eu não podia mais ficar. Porque eu dizia que não ia deixar de estudar por causa disso, não. E eu tinha um professor de biologia, um major terrível, aquele que chega, olha pra você assim e você não fala mais nada. E eu batia de frente com ele. Porque eu chegava grávida, às vezes vinha de consulta, de pré-natal e tudo, e ele questionava: “não, porque você chegou”. Eu digo: “Sim”. E eu não usava farda naquela época porque não havia farda pra nenhuma aluna gestante, porque nenhuma tinha ficado lá. E foi uma polêmica, todo mundo me conhecia, foi quando eu fiquei conhecida na escola, porque era a única grávida que tinha topado e tinha ficado na escola. Todo mundo falava quando eu passava, era aquele comentário. P - Você já era casada. R - Já estava casada, porque eu me formei em 1993, me casei em 1990. Porque eu casei logo quando fiz 18 anos, o dia do meu aniversário é o dia do meu casamento. Meu pai fez questão. P - Você casou na igreja? R - Não, só no civil. Até porque minha mãe tinha muito aquilo: “só casa na igreja virgem. Então tá, não é virgem, tá grávida, não vai fazer isso. Que é uma vergonha”. Minha mãe tinha muito isso. No momento não era interessante pra mim. Acho que talvez hoje fosse. Mas na época não era não, não dava muita importância a essa situação: casar. E foi um período muito bom do colégio militar, me formei lá. Em 1993 quando eu me formei já trabalhava, já estudava, já fazia estágio. Porque a gente tinha que pagar estágio por conta do curso de magistério. P - Você tinha trabalhado antes, em outra coisa? R –Eu morava na casa dos meus pais, ainda, passei um ano depois do casamento morando lá e meu pai dizia que não. “Vai estudar, vai estudar”. Eu digo: “não, eu não vou trabalhar”. Porque minha mãe não podia trabalhar, minha mãe não trabalhou fora nunca porque quando ele a conheceu, que ela trabalhava, ele a tirou do trabalho porque queria ele, homem, sustentar. Aquela coisa machista, ainda hoje ele é assim, é um sacrifício. Aí eu disse: “Não, eu vou sim”. Comecei a conseguir escolas, eu mesma saía, botava meu curriculozinho embaixo do braço e ia atrás das escolas. E os estágios que a gente tinha que pagar, só que eu dizia: eu pago remunerado porque hoje não dá pra fazer. E na época eu fazia já esses trabalhos. E meu pai não gostava, porque eu saia de casa pra ir trabalhar, eu passava o dia todo fora. Então isso pra ele era um martírio. Porque eu já estava trabalhando, eu não tinha idade pra isso e tinha que ficar em casa. Eu disse: “mas o senhor tá pensando é? Não, meu filho, agora que eu vou mesmo”. Comecei a trabalhar, com 19, 20 anos eu já estava trabalhando. Em 1993 eu já estava com a corda toda, com a mão na massa mesmo. E fui trabalhar em escolas, creches. Fiz muito trabalho em creche, eu adorava. P - Aí você teve outros filhos? R - Quando eu comecei a trabalhar na creche, de 1992 a 1993, eu engravidei da minha segunda filha. Mas essa eu perdi, de seis meses. E como eu estava preparada psicologicamente pra ter eu disse assim: “Junior já tava com três anos, eu disse: não, mas menina, agora que eu ia ter Agora que vou ter mesmo” Aí deixei passar um período e me deixei engravidar, foi realmente desejada aquela gravidez do meu segundo, que foi o Jonathan. E quando o pessoal me via com pouco tempo, um ano só de intervalo, que tinha sido diferente de Junior pra outra gravidez, eu dizia assim: “algum problema?”. No pré-natal que eu ia ver que o útero só está preparado com dois anos, tinha que dar pelo menos aquele intervalo, seria o ideal, mas eu digo agora já foi. Tanto é que ele foi prematuro, ele nasceu de oito meses. Porque minha mãe dizia que de oito era pior do que de sete. Aquela coisa. Porque nascia muito menino de sete, mas de oito era difícil nascer. Então era pior o que nascia de oito. Mas é o mais forte de todos. Mamou pouco também, porque eu tinha uma vida muito ocupada eu não me achava em condição de ficar quatro meses dentro de casa dando mama, não. Eu queria que passasse o primeiro mês, eu ficar mais fortezinha, ir-me embora cuidar da minha vida que não dava pra ficar cuidando de menino, não. P - As crianças ficavam com a sua mãe. R - Com a minha mãe. O primeiro só, porque depois de um ano eu fui pra minha casa. Eu dei uma prensa no meu marido: “resolve a bronca aí, porque se for pra ficar aqui tu vai pra tua casa e eu fico na casa de meu pai. Porque se for pra ficar, sob guarda do meu pai – que é o que eu não queria mesmo, eu queria cuidar da minha vida – vai-te embora que eu fico”. Ele disse: “não, a gente vai”. E fomos morar sozinhos, foi quando eu tive o meu segundo filho. Já estava morando sozinha. Quem cuidava eram as tias, por parte de meu marido, minhas cunhadas, elas é que vinham e a gente agradava da maneira que era possível, que tudo era pouquinho, e cuidava deles e eu ia me embora trabalhar. P - E aí depois nasceu a Milena? R - É, nasceu Milena. Eu tava trabalhando numa escola um pouco perto mais de casa, já, porque é assim, eu trabalhava em escola e de acordo que a direção via meu jeito, via que às vezes a escola era pequena pra mim, aí já me indicava a outras diretoras. E aí eu ia pra outras escolas assim, sabe? P - Dava aula no ensino fundamental? R - Isso, ensino fundamental. Eu adorava tudo o que eu fazia, e as escolas, sempre deixei tudo de bom. O pessoal sempre, aprendia muito também, e a última diretora com a qual eu trabalhei foi excepcional, trabalhou muito, ajudou muito a gente. Foi quando eu engravidei da Milena, em 99, que ela nasceu em 2000, e foi aquela coisa, foi a Milena, eu sempre sonhava com Vanessa Priscila, esse era o nome da minha filha, mas eu conheci umas Vanessas e umas Priscilas que não eram tudo aquilo que eu achava, então eu digo, não. Milena foi aquela historia do novo milênio. Ai eu dizia assim: ”que nome, que nome?” Tinha Milene, de Ronaldinho, que estava no auge também, disse: “eu não vou botar Milene não, mas vou botar Milena”. Meu marido dizia que era Milena dois mil, porque era aquela coisa toda e ela é de 16 de maio de 2000. Foi tudo bom. Foi uma gravidez assim cesariana, porque ela não quis nascer de parto normal, até isso a menina já nasceu com suas vontades. Fui pro soro, pedi o dilatador, porque eu queria ter de parto normal eu tinha tido dos outros, achei super bom, tanto o momento, achava lindo, acho lindo, gravidez, o parto, amamentar, acho lindo. Não tem coisa mais linda, sabe? E eu dizia não, e o médico olhava assim, e dizia: “você quer ter normal? A gente faz a cesária”, porque eu ia fazer a minha ligação, minha laqueadura de trompas, então eu digo: “não, a gente faz o parto normal e o senhor faz minha ligação umbilical”. Que era a que minha mãe tinha feito, e eu vi que ela não ficou de marca de nada, achava que ia ficar horrível. Ele veio me botou um soro e nada de dilatar, nada de Verônica sentir dor, ele veio e botou outro soro e nada. Ele via o tempo passar, já tinha feito todos os outros partos cesarianas, e eu lá esperando pra ter normal e ele vinha, e me examinava, e me olhava, e dizia: “olha, vamo fazer o seguinte, se não há possibilidade, eu vou pra cesariana, mas se eu ver que não há possibilidade”, porque o que eu quero mesmo é ter, mas se não há possibilidade, vamos esperar mais um pouquinho, ele esperou e ele viu que realmente não dilatava nada, eu estava nem ai pro soro, e aí eu fui pro parto Cesário, ser tranquilona, eu so tinha medo da rac, da anestesia que o pessoal fazia medo, que podia aleijar, que isso, que aquilo, que não deixa de ser uma realidade, uma verdade, porque depende muito de como é feita, e eu estava na mão de médicos amigos, alem de profissionais eram pessoas já conhecidas e tudo. Levantei e disse: “vamo simbora, então”. Me levantei, ah, eu vou buscar, eu digo, não, eu vou é assim, rapaz, eu não tenho nada, vamo embora. E a gente foi e fez o parto. A menina saiu já, lá com as pernas, ele botou ela entre minhas pernas, eu senti, ele disse: “olhe se prepare”. Eu disse: “cale a boca”. Tá ai, né? Meus três filhos. Foi a única que eu consegui amamentar exclusivo, sem uma gota de nada, alem do leite de peito. P - Quanto tempo? R - Seis meses e meio, como manda a regrinha. P - Você lembra de algum momento significativo como professora? R - Cada escola que eu passei foi um momento bem diferente, inclusive quando eu engravidei de Milena, eu estava trabalhando em outra escola que não a quando eu engravidei, eu fiquei e uma colega minha foi quem me indicou pra essa escola. Era uma escola de evangélicos, a direção era toda evangélica, só trabalhavam evangélicos, e eu não era evangélica, eu era completamente do avesso, eu gostava de me arrumar, eu ia emperiquitada, botava meu batonzinho, aquela coisa toda e eu disse pra minha amiga, eu disse: “olha, eu to grávida, tu vai lá e conversa com ela, porque se ela quiser, eu vou trabalhar, se ela não quiser, eu não vou, porque eu não quero que quando ela descobrir, achar que eu entrei enganando”. E minha amiga: “não, eu queria tanto que tu fosse, tu vai, menina, quando a barriga crescer tu já tá lá mesmo”. Eu disse: “não, você vai dizer, se ela quiser, se tiver de ser meu, se não, paciência, porque eu sei que aquela mulher, aquela diretora é muito chata e eu não quero ter problemas depois, então assim, ela vai me receber sabendo de tudo, porque depois eu não quero que ela grite pra mim, nem eu quero gritar pra ela”. Então minha amiga voltou e disse pra ela, toda cheia de dedo, e ai ela me aceitou e eu fui feliz da vida trabalhar nessa escola, era uma escola pequena, o bairro la, e ela disse assim pra mim, quando eu cheguei ela, toda carrasca, autoritária, evangélica, mas toda poderosa, tamanho não tinha não, mas tinha um salto bem maior do que esse meu. Quando eu cheguei ela queria me botar regras: “não ponha o batonzinho” e eu era discreta, eu gostava do batom vermelho, mas eu não usava pra trabalhar lá, porque eu via que ninguém usava, então eu não ia ficar eu chocante la, então eu usava tudo o que eu gostava de usar, só que mais discreto, eu sempre procurei lidar com a situação, me adaptar, eu sempre fui muito adaptável, eu não queria ser agressiva à escola, mas mesmo assim, ela começava: “esse batonzinho”, “é pra ficar bonita, a senhora não tá bonita? Por que eu não posso ficar?” E ai ela olhava pra mim já meia torta, mas eu não dava ponto sem nó, porque eu acho que quando a gente abaixa a cabeça uma vez, a gente vai baixar sempre, e a pessoa que se sentiu por cima vai pisar mais ainda. Eu nunca gostei da tal da humilhação, nem da injustiça, fico tiririca mesmo, eu parto pra briga, de tomar partido, seja quem for, não precisa ser comigo, mas se eu vejo que você esta sendo injustiçado, eu vou partir em sua defesa, porque justiça seja feita, então eu um pouquinho com essa professora, mas consegui, teve o desfile de sete de setembro, lá era coisa de vim o vestido, a roupa, a farda com a blusa begezinho, clarinho. Quando eu comecei a ficar de barrigão, eu não podia mais usar saia, eu digo: “eu vou comprar um tecido, vou fazer um vestido, né, de plush, assim, de gestante e vou usar”. E ai fiz ele na altura adequada, tudo bem organizado, e no desfile de sete de setembro estava eu lá com esse vestido, eu tinha feito dois, e guardei um para as ocasiões mais especiais e fiquei, fui toda arrumadinha, cabelo escovado, era um desfile, ia gravar, aquela coisa toda, eu achei que a gente tem que ter um momento pra cada coisa, quando eu cheguei ela disse: “olha, tá mais bonita do que eu”. Eu disse: “é, isso porque hoje a senhora não caprichou, tá vendo, esqueceu de caprichar”. Ai eu já tinha um pouco mais de intimidade, eu já nem partia tanto, eu já levava meio que na esportiva, sabe, ai as meninas tudo via que ela comentava e todo mundo, sim senhora, sim senhora, e eu não, questionava: “Por que tem que ser assim? Por que um pode outro não pode? Por que paga assim? Por que não junta? Por que vale?” Ela tinha uma história lá de vales, de dar vales a todo mundo final de semana, e eu era a única que não pegava. O que é que eu vou fazer o com o dinheiro dividido por quatro? Nada, então assim, segure, não, é porque pode chegar, ai não é minha responsabilidade, ai é sua, então a senhora tem que guardar. Tanto é que a primeira pessoa do mês que terminava, porque pagamento de escola é geralmente dia cinco, e a gente, a primeira pessoa era eu, e uma vez ela veio me pagar com um cheque de um aluno, e eu disse a ela que eu não ia receber porque eu ia ter que ir pra banco, e não cabia a mim fazer isso. E ela desesperada, minha amiga levou de volta e ela mandou no mesmo dia o dinheiro. Ela tinha se cuidado, porque eu batia de frente, eu mostrava pra ela que não tinha necessidade de tratar os funcionários da maneira que eram tratados. O pessoal não servia? Então que cada um fizesse a sua parte. Quando ia receber, que chegava o dia de pagamento, tinha que ficar atrás do pessoal de porque o dinheiro não chegava a gente. A gente tinha que ficar pedindo: “não, eu trabalhei”. Eu não tenho que ficar indo atrás não, e eu ia pra casa, e as meninas ficavam lá esperando que ela resolvesse dar atenção. Ela ia pra casa, jantava, sabe, e as meninas às vezes iam na casa dela e eu não. P - Como que foi, você saiu rápido da escola, continuou mais um tempo, como é que você chegou, hoje, a agente de saúde? R - Essa escola ela fechou. Ela não conseguiu se manter, foi quando surgiu o processo seletivo de Agente Comunitária de Saúde lá na comunidade onde eu estou morando. Eu não gosto muito de negócio de concurso não, que eu achava sempre uma marmelada, sabe, eu achava sempre que quem entrava primeiro, era os “peixe” mesmo, e eu sempre via dessa forma, e eu gostava mesmo era de trabalhar, mas eu ia atrás, lutar pra conseguir uma função, um espaço. E aí, minha mãe disse: “faz” , eu disse: “faço, eu vou fazer por uma única situação, não é pago. O que não é pago não vai sair puxando muito, então eu vou fazer”. E aí, fui. Minha mãe é que ficava na fila pra inscrição porque eu não dava muito importância, e fiz inscrição, tudinho, o processo seletivo, e só foi chamado na época o pessoal, 2001, só quem tinha sido o primeiro colocado de cada área. E eu fui uma, fui a primeira colocada da minha área. P - Primeira? R - Primeira. P - Olha só, área é região? R - É, não, é micro região é da comunidade, você tem o seu espaço, você vai coordenar o que você vai trabalhar. Então, tantos concorreram pra aquele espaço, e só o primeiro colocado que seria convocado. Se a pessoa por algum motivo não quisesse, já tivesse em outra função, aí ia descendo, ia chamando o segundo e aí por diante. P - E você foi a primeira? R - É, eu fui fazer a prova sem muito estudar, porque eu vi um pouquinho do conteúdo, do assunto do concurso, eu disse assim: “não tem muita coisa que eu não conheço”. Até porque eu estava ensinando, então eu estava vivenciando aquilo, então realmente eu não estudei, eu não me preparei, não fiz assim de estar lá, não li livro, não. No dia da prova eu rasurei uma questão que fui apagar e terminou manchando, aí eu disse pronto. Quando eu cheguei em casa eu disse que as outras eu tinha total certeza que estava tudo certo e essa que eu tinha tentado corrigir, eu sabia que na hora de marcar, eu sabia a resposta correta, mas na hora de marcar eu marquei o quesito, a opção que não era pra ser, tentei corrigir na hora, mas eu disse: “essa questão eu perdi”. Quando eu cheguei em casa eu disse: “minha nota é nove e meio”, minha mãe disse: “Como? Por que?”, “eu sei o que eu fiz, sei que rasurei uma questão, então não vou tirar dez, mas tudo bom.” Teve um dez que foi de um rapaz que trabalhou um pouco tempo com a gente e saiu porque não se adaptou ao trabalho, agora eu vou te confessar, viu? Foi uma luta a minha aceitação ao trabalho, porque eu sou muito reservada e eu tinha que bater na porta das pessoas, eu tinha que ir na casa, eu tinha que invadir a casa das pessoas e me sentia invasiva, e eu digo assim: “pôxa, e quando começaram as pessoas assim a vir a minha casa?” Eu dizia assim: “ah, meu Deus me daí paciência”. Eu acho que foi uma lição de vida na verdade, porque eu tive que aprender a ser mais simples. A ser mais humilde eu acredito. Porque eu era muito assim: eu saia seis da manhã pra escola, e chegava sete, oito horas. Trabalhando, quando eu saia de casa, estava todo mundo dormindo, a rua, minha família, as pessoas, não via ninguém na rua e quando eu voltava já estava todo mundo recolhido, geralmente era o horário da novela das 8:00 então todo mundo estava assistindo, não via ninguém, nem ninguém me via. E sábado e domingo era o dia que eu tinha pra cuidar da minha casa. Então eu não me sentava na calçada, eu não via ninguém, eu não sabia praticamente nem nome de vizinho, A e B porque eu não tinha esse espaço. P - Onde é agora a sua casa, qual é a comunidade? R - Roda de Fogo, na verdade o bairro é Torronhos, mas foi uma invasão que o pessoal na época fundou, na verdade já tem praticamente vinte anos essa comunidade. Eu só tenho treze lá. Quando eu cheguei já estava todo mundo nos seus devidos lugares. Eu comprei esse espaço lá, essa casa. Quando eu comecei a trabalhar, o pessoal me via, o pessoal que já trabalhava lá, porque lá era uma Unidade que foi fundada pelas pessoas da comunidade. P - Uma Unidade de Saúde? R - É, a Unidade de Saúde foi fundada por pessoas que eram lideranças na comunidade, os fundadores da comunidade. Minha mãe era vinculada com um outro grupo que também era liderança. Eu era vista dentro da comunidade como uma pessoa do lado do contra. A oposição. Mas eu sempre fui muito de reivindicar, questionava o porquê. Quando eu cheguei pra trabalhar lá, eu sentia, eu via nos olhos, eu ouvia coisas, depois que a gente começou a trabalhar e criou aquele vínculo. P - Você ouvia o que por exemplo? R - “Não confia não, porque tá aqui pra ver o que acontece pra contar lá. O que o distrito, a gerencia vai ficar sabendo, é ela que vai dizer pra o pessoal da Associação”, que no caso o grupo que minha mãe era meio vinculado, era presidente da Associação de Moradores. E esse grupo da Unidade de Saúde, era um outro grupo, que era chamado, que tem o nome de COSIROF, que é Comissão de Saúde Independente de Roda de Fogo. P - Que tinha, fazia parte da comunidade? R - Fazia parte da comunidade. P - Mais alguém, não. Só o pessoal da Comunidade? R - Só o pessoal da Comunidade, são os fundadores, cada grupo quando fundou, invadiu aquele espaço, cada grupo se direcionou meio que pra resolver. Pronto, a gente vai atrás de água, um vai atrás de energia, e depois houve uma votação pra quem no caso seria liderança comunitária, da Associação. Presidente da Associação que ia ser fundada. E aí se tirou esse grupo e outro grupo resolveu formar uma comissão pra saúde, que foi esse onde a gente está hoje. Ficou aquela meio que disputa, cada um querendo engrandecer o seu espaço. A Associação trazia trabalhos culturais, aquela coisa, mas a área de saúde ela cuidava mais, mostrava que cuidar da saúde era mais importante, e ficou meio que aquela disputa. Era interessante só que a gente via que hoje parou um pouquinho, porque eles brigavam em conjunto pra o engrandecimento da comunidade. E hoje isso não acontece muito. Hoje eles brigam mais pra que aquele espaço que ele coordenam cresça. Sem se preocupar muito com os outros. Antes eles lutavam mesmo, a gente vai fundar o Posto, a Unidade de Saúde, o Posto, mas a gente vai todo mundo brigar pra o posto crescer. Mas aí, depois que se conseguiu mais ou menos o que se queria, então ficou meio dividido. E minha mãe fazia parte desse pessoal que era da Associação e não da Saúde. Quando eu entrei lá o pessoal achava que tinha sido indicação. Eu ficava brava com isso, porque eu já não gostava de concurso por causa de marmelada, e o pessoal dizia justamente que eu tinha entrado de marmelada, eu ficava brava. P - Quantos agentes são por unidade? R - Depende de cada área. Na nossa são duas unidades, duas equipes trabalhando dentro do mesmo espaço com 14 ACSs, cada qual com sete. P - ACS é agente? R - Agente Comunitário da Saúde. E ai tem a medica, o medico, o enfermeiro, que é aquele enfermeiro supervisor chefe, e tem a auxiliar de enfermagem. P - Uma médica? R - É, uma médica, um enfermeiro, e um auxiliar. Um de cada. Então cada equipe é formada assim, por seus agentes. Depende da quantidade de famílias que você vai trabalhar, pra quantidade de agentes que a unidade vai ter. No caso a nossa equipe tem sete, na minha equipe, que somos 14. P - No começo você começou a contar que você tinha que bater na porta das pessoas. R - Foi muito complicado, porque como eu já morava lá há algum tempo e eu não conhecia ninguém, eu via o pessoal meio de calçada, aquelas mulheres de calçada. O pessoal que eu não agüento parar. Eu digo assim: “eu quero parar pra dormir pra fazer um outro serviço da casa e não consigo, tem sempre alguma coisa pra gente fazer”. E o pessoal, eu via as mulheres tudo lá nas calçadas conversando, a tarde toda era gargalhada. E para piorar, o que me incomodava, era na minha calçada. Porque a única casa que tinha calçada era a minha, a maioria eram barracos ainda. Então a única casa feita, que tinha laje, aquela coisa mais organizadazinha era a minha. Então eu era a metida da rua, a dondoca da rua, a rica da rua. Aquelas expressões mais populares porque eu não tinha acesso à elas. Eu não vivia no meio, eu morava no meio, mas não vivia nele. Então quando eu comecei a trabalhar, que me mostrou como era o serviço, eu disse: “meu Deus, vou entrar na casa daquela vizinha que eu nem gosto tanto, como eu vou fazer isso?”. Eu ia tremendo, eu ia orando. Quando eu chegava no portaozinho, eu dizia: “meu Deus, me dá coragem pra chamar”. Foi uma lição de vida. Tinha que entrar casa delas. E eu achava isso muito invasivo, eu não queria ninguém na minha casa. Às vezes, a pessoa por que o único contato que tem com a Unidade de Saúde ser eu, o pessoal ia lá. E chegavam, infelizmente aquelas pessoas “pá-pá-pá”. Meu portão é todo fechado, meu muro é alto; e ele é um portão de zinco, aqueles ferros que você bate, ele faz barulho só em você ser delicada, e o pessoal não era. No começo tudo era reclamação. Porque tudo era adaptação, o porto estava sendo ampliado, tudo mudança e o povo não aceitava muita coisa. P1 – E o trabalho de vocês qual era, e qual é? Como é que é esse trabalho que você no começo ficava assim? Como é que ele foi acontecendo? R - No começo a gente tinha que cadastrar, identificar as famílias. Numerar, identifcar, quantitativa de pessoas. Quem era quem, o que eles faziam. E eu acabei conhecendo até o dia-a-dia, a alimentação de cada um. Porque a gente tinha que se informar disso pra ver de que maneira a gente ia ajudar que aquela pessoa tenha a sua condição de saúde melhor. Se ela estava se alimentando de maneira incorreta, às vezes desviando um dinheiro que já é pouco, ao invés de enriquecer a alimentação distorcia para bobagens, aquelas alimentações que não são as que a gente considera adequada. Nosso trabalho é exatamente esse: de orientar. É a educação realmente voltada para saúde. De mostrar, de tentar sensibilizar a pessoa para o que é melhor. P - E vocês aprendem isso em alguma formação? R - Sim, fomos capacitados. Passamos por várias etapas, desde saúde da criança, saúde da mulher, saúde do idoso. Doenças, doenças mais complicadas, tuberculose, ranseníase. As pessoas tem um certo preconceito e a gente foi capacitado pra mostrar que a gente está ali, que ninguém ia estar morrendo só porque ia conversar com HIV, AIDS, e isso tudo. P - E você começou a conviver com todas essas situações? Como foi esse processo? R - Eu sempre tive facilidade de me adaptar rápido às situações. Pra mim o pior era chegar e entrar na casa do meu vizinho, o qual eu nem falava. Só tinha na verdade uma vizinha que a gente se dava bom dia, boa noite, porque final de semana eu estava no quintal, ia lavar minha roupinha lá, e ela no dela. Então o muro do quintal ainda era um pouco baixo, era a única. Eu me sentia invasiva mesmo. Tanto é que de pouco tempo pra cá, a gente vem conseguindo que as pessoas realmente fiquem a vontade pra conversar seus problemas. P - Quanto tempo já? R - Eu tenho seis anos já. P - E você diz há pouco tempo? R - Digamos de uns dois anos atrás que a gente se sente à vontade, tanto a gente quanto o comunitário, o paciente. Que ele conversa e diz realmente qual é o seu problema de saúde. Porque a gente quando sabia que uma pessoa teve ranse era por outros. O vizinho é que contava, porque ele não se sentia a vontade de conversar. Achava de repente que a gente ia comentar com os outros vizinhos. Por eu ser do espaço mesmo. Porque têm outras amigas que elas trabalham dentro, mas não são exatamente como eu que trabalho na rua que moro. Então tem aquela coisa: “minha vizinha vai estar sabendo que eu tenho problema, por exemplo, uma DST, e eu vou contar pra ela que eu e meu marido estamos com problemas”. A gente desde o começo sempre deixou bem claro que o trabalho da gente é sigiloso. Que a gente tem pra quem passar, que é a equipe médica, que são as pessoas que vão ajudar, e que se a gente chegasse na sua casa escutasse seu problema chegasse na do vizinho, contasse a dele, e assim sucessivamente, quem ia agüentar escutar tanto problema? Quem ia gostar? A gente estava ali pra resolver o problema da melhor maneira possível, o problema dele. E que o problema do vizinho A e B, não interessava a ninguém. Tanto é que quando a gente chega pra fazer a visita e tem outras pessoas, a gente pergunta se pode ser ali, porque às vezes a pessoa pergunta se tem que entrar, “vamos fazer aqui Vera”, eu digo, “bem você é quem sabe. Porque eu posso sentar com você até no meio da rua, ficar em pé no sol, a gente não tem o menor problema. Agora será que o que você tem pra me dizer você quer que outras pessoas ouçam, então fique a vontade pra decidir”. P - Quantas famílias você acompanha? R - Cento e noventa no momento. E não é legal, porque a media é pra ser cento e vinte, estourando no máximo, cento e cinqüenta. E a gente já passou disso. P - Você visita as famílias, você tem que visitar as famílias de quanto em quanto tempo? R - Uma vez por mês, P - Você dá conta disso? R - Nem sempre, ás vezes acontece esse tipo encontro que a gente sai muito, capacitações que a gente sempre está fazendo mais aperfeiçoamento, é muito bom que a gente sai com o IMIPE (Instituto Materno Infantil de Pernambuco), eles chamam muito a gente pros encontros. E a gente sempre está saindo pra alguma coisa. P - E você consegue visitar assim a media de quanto tempo cada família? R - No normal, o agente consegue fazer 80 a 85% todo mês. Aqueles que ficam são as famílias que a gente acaba deixando um pouquinho, por não ser tanta prioridade. São pessoas orientadas, são pessoas esclarecidas, são essas que não necessitam muito da nossa visita. Mas no mês seguinte ou a cada três meses a gente tem que ir lá, porque de repente, às vezes sente falta mesmo. “É, nem veio mais, é que nesses meses teve outras prioridades.” P - Todas as casas daquela comunidade, daquela região que vocês atendem, todas tem que ser visitadas? R - Todas. Todas. Na verdade, a gente considera uma cobertura de equipe de saúde de 100%. P - Independente se tem ou não algum problema de saúde? R - É. Isso. E tem muita gente que tem plano, porque a comunidade embora seja uma comunidade carente, tem muita gente que tem plano de saúde. Então a gente quando vai, é pra saber, pra conversar. “Como é que você está?” Aquela parte terapêutica mais. “Ah, então tá ótimo, não tô precisando de nada não”. Porque geralmente no começo a gente marcava consulta também, além do trabalho educativo, a gente tinha o marcador de consulta. Quando a gente chegava o pessoal só se preocupava em saber se a gente tinha uma consulta pra ele. A gente foi tentando desmistificar isso. Até chegar ao ponto da gente não marcar mais. Foi um trabalho muito difícil, porque é o seguinte: a gente marcava, mas pelo número de famílias ser grande, sempre tinha uma agenda de espera. E isso não era bom. E a gente mostrava isso pra comunidade. P - E eles ainda vão na sua casa hoje? R - Vão. Vão. Bem menos, mas vão e já chegam com outra postura, e ás vezes, eu tento mostrar que estava numa situação que não podia receber, na lavanderia, tá lavando um prato, eu vou até com a mão cheia de sabão, pra mostrar que eu não posso me demorar muito. Até porque é minha hora, meu espaço, eu vou te dar atenção, mas eu não vou ficar aqui, contigo tendo uma conversa longa que eu teria na sua casa. Eu me sinto mal de tomar essa atitude, mas se a gente não freia, se não a gente não para... P - Como é a Verônica, você contou quando você começou, e nesse tempo todo o que é que pra você é uma situação que mostra tudo isso que você aprendeu ate agora, o teu trabalho, como se desenvolveu? R - Por eu ter tido essa dificuldade de acessibilidade às famílias, hoje eu já entro com naturalidade, a gente já brinca, porque às vezes a pessoa está num momento de desabafo, e a gente tem que esquecer do lado saúde naquele momento e finge que veio ali realmente pra conversar, e assim eu amadureci muito, eu cresci muito como pessoa, porque hoje eu já passo, dou bom dia, boa tarde, boa noite aos meus vizinhos. Às vezes eu ia dormir à tarde, descansar no domingo à tarde, eu dizia assim: “poxa nem descansar eu posso”, às vezes era dominó, e era o pessoal bebendo, era aquela coisa que encomoda, e hoje eu já chego, “poxa gente eu quero dormir, deixa eu descansar um pouquinho”. “Ah, desculpa dona Vera”. Acho que é de personalidade porque os senhores e as senhora é dona Vera, e eu fico toda encabulada, é uma questão de respeito. Eles me respeitam mesmo como pessoa, mas eu acho que eu também me pus isso. Desde o começo, antes mesmo da área de saúde, tratava com muita educação, o pessoal não tem costume disso, de receber um bom dia. E assim a gente dá e o pessoal já olha com outro olho. Às vezes, voce tá fazendo aquela bagunça, tem aquelas crianças, aqueles adolescentes, que vivem no mundo das drogas, por lá né. São poucos hoje, já foram bem mais, P - Mas você acha que tem alguma coisa a ver com esse trabalho de vocês diretamente? R - Porque a gente orienta pra redução de danos. A gente não diz, você não pode, a gente diz o que você pode melhorar se você fizer assim ou assado, a história de mostrar opções. “O que você quer pra você. Você quer continuar assim? Você se vê bem assim, ou de repente você gostaria de ser diferente?” Eles hoje já não fumam, não usam droga quando a gente está por perto, eles escondem, guardam, antes não. A gente passava e tinha que prender o fôlego, pra não respirar aquele ar bem poluído de droga, eu tinha receio de passar pelo caminho porque ás vezes eles estavam tirando, vendendo no momento aquela coisa de estar lá escondidinho, e eu passava no momento que ele estava descobrindo o lugar. Mas a gente nunca se deixou abater nem eles nunca foram encomodar não. Sempre mostraram muito respeito, e agora muito mais. Às vezes a gente até brinca: “rapaz, essa brincadeira”. “Ah, desculpe dona Vera, desculpe”. A gente hoje se dá muito bem com a comunidade. P - E você acha que com essa conversa, a relação deles, dos jovens com a droga mostrando, pedindo pra eles pensarem um pouquinho, como é que desenvolve? Fala um pouquinho mais. R - A gente foi capacitado por um pessoal que trabalhou no CAPS – AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas), para redução, um pessoal de redução de danos, tem um trabalho muito bom, eles nos orientaram. A gente chega junto, ás vezes eles estão em roda, jogando, fazendo aquelas bagunças ali meio deles lá, e a gente diz: “e aí, como é que vocês estão?” A gente vai chegando: “ah, tá tranqüilo aqui”, e aí a gente conta: “e esse cigarro como é que está?” E a gente leva pros trabalhos inclusive no posto, na Unidade de Saúde, a gente fez teatro, trabalhou com a parte das crianças, a gente pegava as crianças trazia pro trabalho, pra mostrar a Unidade, que eles poderiam ajudar o meio ambiente, a casa deles como é que eles podiam se comportar, como é que eles podiam ajudar, os pais que não tinham aquele entendimento que eles já tem, que a gente sabe que é a base, e a gente fazia isso com os adolescentes da mesma forma. A gente sentava às vezes no meio lá, e dependendo da situação, tem momento que não dá pra você nem chegar perto, porque é mais agressiva a situação, mas tem momento que você conversa. Um ou outro, sempre reage mais caro, mais brusco um pouquinho, mas ai o pessoal: “eta rapaz, mas não sei o que” a gente conversa mostrando pra eles realmente que eles podem ter um espaço, como o CAPS AD que é álcool e drogas, que eles tem como eles reduzirem essa situação, porque da forma que eles estão se prejudicando. Não precisa abandonar, até porque eles nem querem, porque o vicio é muito forte, você não consegue impedir que use, mas de que forma você poderia usar, em que ambiente, em que local você deveria. Porque às vezes está junto de outras criancinhas, crianças que as mães deixam mais à vontade, as crianças estão lá e levam isso numa boa, como se nada fosse prejudicial. A gente tenta mostrar a eles que ele está prejudicando não só a si próprio, mas a criança que está ali brincando e não está percebendo a gravidade da ação. Os pais, a gente tem muita família que usa, pai e mãe, e a gente pede pra evitar de usar perto das crianças, o trabalho é mais voltado realmente pra que eles evitem os danos dessas drogas. P - E em relação ao projeto, porque esse programa que você trabalha, como Agente Comunitário de Saúde, tem um nome esse programa, é da Prefeitura? R - O próprio programa em si de PSF (Programa de Saúde da Família) , que foi uma lei federal que foi criada, Programa de Saúde da Família, que a gente chama de PSF e ele veio realmente pra dar um suporte não a um indivíduo, sem lhe conhecer, mas à família como um todo, conhecendo desde seus pais, avós, e a gente estuda na verdade a família como um todo. O cidadão ele não é só, então ele tem uma história, e a gente tenta resgatar um pouquinho dessa historia também, quando a gente fala com eles da situação da família como um todo. A gente, não vê só a mãe, a gestante, a gente não vê só a criança, então a gente tem lá um senhorzinho, lá no cantinho, que geralmente, eram mais tratados assim. O vô fica lá, no cantinho, hoje o vô já vem pra roda já senta na sala, já conversa com a gente e a gente mostra pra eles que a gente está ali pra ajudar, ajudar a família. Não é te ajudar. É ajudar a família. P - É o projeto que tem parceria coma UNICEF? Como é que ele chegou até você nesse seu trabalho, me fala um pouquinho dele até agora, como é que ele tem sido feito, desenvolvido? R - Foi mais uma mão na roda como a gente diz, foi mais uma ajuda que a gente recebeu. Porque a gente quando receber através do INIP, primeiro, porque o INIP tem um vinculo maior com o UNICEF, aquela coisa só de Ong. Foram capacitados enfermeiros e médicos primeiro e daí pra gente. Pra capacitar os ACSs (Agentes Comunitários de Saúde) , e na verdade foi todo mundo descobrindo junto o programa Família Brasileira Fortalecida. A gente viu que tinha muito a ver com o trabalho que a gente já fazia. Só que a gente precisava aprofundar um pouquinho mais. Ou ampliar também, porque às vezes a gente olhava um individuo mais, do que a família como um todo. Não deixando a família de lado, mas a gente centrava mais numa situação. E depois do programa do projeto que veio pra gente do Família Brasileira Fortalecida, a gente viu que a gente tem que centrar e que a gente só pode resolver a situação, resolvendo a situação coletiva. Muitas vezes, a gente vê que um paciente, uma pessoa, tem um problema, mas que não é um problema que é dela, é um problema que ela já adquiriu de acordo com a situação da família. Então a gente passou a ver isso como uma situação realmente social. De trazer mais a família, de mostrar pra família que ela pode crescer junto. Então aquele indivíduo que está de alguma forma prejudicando ou se prejudicando, ou sendo o prejudicado da história, na verdade ele não está só se prejudicando, ele está atrapalhando a família inteira na verdade, e que a gente pode juntos, eles e nós, fazer com que essa família se resgate. Que essa família se reintegre que ela se fortaleça, realmente, inclusive o nome tem tudo a ver, porque às vezes a família ela está assim meio que dispersa, cada um cuidando da sua vida e nem tchum, pra o outro. A gente mostra que é importante a gente o que o outro tá fazendo. Tanto é que a gente muitas vezes ia fazer uma visita domiciliar e aí tinha um ou dois naquele domicílio naquele dia, e dois dias depois, ou no mês seguinte, ia lá na unidade de saúde reclamar porque não tinha visto a gente, e era aquele meio mundo de confusão. E aí a gente dizia: “você conversou com Fulana, você perguntou se a gente foi lá? Olha tá aqui”, a gente tem uma ficha que a pessoa assina quando a gente visita, até pra confirmar, inclusive pra não ter aquele problema de dúvida, então eu mostrava. “Ó tive lá, Fulano, que assinou, não lhe disse nada você também não perguntou antes de vim aqui saber”. O programa trouxe essa interação familiar, pra que a gente mostre que é importante que a família se comunique, que um passe informação para o outro. Porque se não a coisa não flui. Eles querem crescer, mas tenho certeza que eles não querem crescer e deixar a mãe lá em baixo, deixar um filho lá em baixo. Então se você quer crescer e quer que a sua família cresça, então vamos trabalhar juntos, vamos ver qual é a importância de você orientar com relação a alimentação. É um alimento é orientar, levar as crianças pra escola, que as crianças estejam estudando, não é só o Bolsa, não é só esses programas sociais do governo federal que fazem com que você esteja interado das coisas. Mas você pode sim estar interado das coisas vivendo o seu dia-a-dia, vivendo com a sua família, um pode ajudar o outro desde que a situação seja dividida. Que seja multiplicado, que você aprenda e a dividir, a multiplicar toda a situação. Desde os problemas às coisas boas. Porque a gente não vai só dividir problema, que o pessoal tem mania de pegar o problema jogar pra cima e cada um pega um pedacinho pra socorrer. A gente mostra que é importante que cada um, da família, todo integrante é importante naquela família. Não é só uma pessoa, ele ali é uma parte integrante daquela família. P - Verônica, eu ia perguntar assim: Tem o kit, e tem uma formação. Se você puder contar um pouquinho como o kit contribui e a formação, porque o kit vai até uma certa idade, e a formação. Qual é o conteúdo da formação que contribui pro trabalho? R - O kit ele é dividido em álbuns seriados, são cinco álbuns que vão desde o primeiro, do pré-natal ao pós parto, acompanhando a mulher e o neném, tem o de zero ao primeiro mês, que no caso é o segundo kit, o segundo álbum, que trabalha da criança do zero ao um mês, que é justamente, todos os cuidados com o pré-maturo como é que a mãe pode lidar, a importância da amamentação, é o que mais, no primeiro, que é o de parto, pré-natal ao pós parto ele fala muito da importância da consulta, da importância dos exames, e às vezes a gente vai falar pra algumas pessoas, aquelas mulheres, tem gente que não aceita muito as informações, e o kit, ele fortalece o trabalho, porque a gente mostra que é um estudo, não é do nada que tirou as informações, e aí a pessoa já acredita, já fica mais confiante naquelas informações, na confiança de que fazer pré-natal, que o quê? “Não, tá tudo bem”, e não vai, e a gente consegue mostrar através desse álbum, que realmente é importante. Que às vezes na hora do parto alguma complicação que podia ter previsto, durante o pré-natal e não foi, esse é o primeiro álbum. Ele fala muito de como é a situação e de como é o parto também. Os partos normais, parto cesário, qual é os benefício e o contra-indicado na situação, e o de número, o segundo álbum que é de zero a um mes, que fala de muitos cuidados mesmo com o RN, que é recém-nascido, que são os bebezinhos, aqueles que estão amamentando, cuidados com o umbigo, as vacinas que o neném tem que tomar. O terceiro álbum, ele vem do segundo mês ao décimo segundo que é quando a criança completa um ano. Ele fala toda a parte de amamentação, dos benefícios, e vacinas até o primeiro ciclo, que é o primeiro ano de vida. Quando a criança sai, que a gente considera diária de risco. E aí a gente mostra a introdução de novos alimentos. A dentição, os cuidados com a higiene pessoal, com a do neném também. Os cuidados que precisa ter para manter os dentes fortes. O segundo álbum ele fala muito dos cuidados, ate um ano, que ai realmente a criança já passa daquela fase de bebezinho pra ser a criança da casa. O terceiro álbum, ele vem falando mais da criança de um a dois anos, até três anos, que é geralmente quando ele começa a entrar na escola a gente mostra mais a questão social dele. Que ele não é só a criança da casa , ele é um cidadão, no segundo que é de um ano ele fala da Certidão de Nascimento, que é muito importante, que mesmo sendo gratuita, tem muita gente hoje que não vai de imediato. A gente precisa estar cobrando às vezes que vá registrar. E aí no terceiro álbum que é de um ano aos três a gente mostra que ele é um cidadão, ele já vive em sociedade, fala mais da questão social mesmo, da criança, voltada para a família a importância dele dentro da família de como a família o aceita, da relação com os coleguinhas, da forma que ele se adapta, que ele está convivendo com outras crianças, e, não deixando de ver sempre cartão de vacina, alimentação, nutrição, peso, tudo isso a gente vê muito em todos os álbuns das crianças. Tem o quarto álbum que vai dos três aos cinco, se eu não me engano. P - Mas pode falar no geral. R - Ele vai falando mais da introdução dele na sociedade, com outros meios sociais. Porque a gente sabe que o primeiro, é a família. Aí ele parte pra escola, pra religião, e naquilo tudo, então o terceiro álbum, ele fala muito disso. Da importância da criança como um cidadão mesmo. Que já se entende, já se reconhece. E o quinto álbum, ele vai até os seis anos. É de cinco a seis anos e fala que que a criança já se conhecendo, se relacionando, diretamente com os pais, com a família, já independente, a gente fala muito também que a criança, o espaço, de liberdade de lazer, dos direitos, na verdade dos direitos da criança, dentro da família, dentro da sociedade. P - Verônica, e teve uma formação também além do kit? R –A gente foi capacitado. Esse kit chegou pra gente através de uma capacitação, a enfermeira fez esse trabalho com a gente, e a gente foi conhecer os álbuns. A gente viu que o álbum ele contem tudo bem claro. O que é que a gente poderia orientar, o que a mãe precisa saber, o que a criança vai precisar no seu desenvolvimento, de que forma a família e nós podemos ajudar. A gente foi bem orientado, sensibilizado, pra importância de como a gente estava vendo aquela família que a gente já acompanhava. A gente olhava mas não olhava com aquele olho bem especifico para o que a gente queria identificar. Como aquela família sendo parte da sociedade. Sendo parte do nosso trabalho. E o programa Família Brasileira Fortalecida, ele nos mostrou, nos fez esclarecer dentro da nossa concepção que a família a gente tem que trabalhar, mas não com aquele individuo que a gente encontrava sozinho. E que a gente precisava fazer com que aqueles outros integrantes da família, soubessem da nossa visita, soubesse o que a gente contou de novo, naquele momento. O que foi que a gente conseguiu ajudar, então isso tem fluido bem, porque hoje a gente já encontra com outros integrantes da família em outros dias, em outro caminho. A gente questiona às vezes: “E aí?” A gente esteve lá já, e você não estava, e a gente se preocupou, perguntou pro outro: “Ah Soube, gostei muito, dessa semana, como ficou resolvido”, e de repente tem até alguma outra novidade. E a gente fica sabendo assim no decorrer do mês. Foi uma questão mais assim, eu acredito que abrir mais o olho. Aquela coisa assim da gente, trabalhava, mas devido a gente já ter tanta dificuldade, e mesmo superada, mas às vezes a gente percebia que não ficava muito fácil de trabalhar o álbum, a gente quando chega com ele a coisa flui. E a pessoa senta, não senta só a mãe a pessoa com quem você tá direcionada, vem a criança, acha interessante, ouve o que você fala, o adolescente ele é mais difícil da gente chegar perto. Mas ai já meio que olha meio de lado, e a gente convida e acaba vindo meio que sem querer vir, meio que com vergonha, às vezes quer falar uma particularidade, não quer que a mãe saiba, e aqui a gente dá esse espaço. Passo pra procurar a gente nesse horário: “olha tô sempre lá nesse horário”. A gente não via tanto assim, e o projeto ele só fez foi abrir o olho da gente, foi olhar a família, como o centro social, a gente dizia até que é o coração, o pulmão da sociedade, porque é dela que fluem as outras coisas. Quando você sai da sua casa pro trabalho, quando você sai da sua casa pra escola, e quando você sai da sua casa pra ir na venda. Tudo isso tem um porque, tem a pessoa que já vai diferente quando ela sabe que naquela lama ela não deve pisar, que ela pode calçar um chinelinho, não precisa ir descalça como ela ia. As crianças que viviam muito na lama, na areia, e hoje a gente já vê menos. A mãe quando sabe já tem mais aquela parte de cuidar mesmo, porque a gente diz assim, as vezes a gente encontra em outras situações, numa festa uma festividade da comunidade, e ai a pessoa vem e fala com a gente, e a gente diz assim: “essa hora essa menina nessa frieza, né? Cuidado”. As avós, quando vê que as filhas adolescente tão assim meio que dispersa, vem já pede que a gente converse. Porque às vezes eles ouvem mais a gente, porque a gente está capacitado a gente mostra que fez cursos, que está ali preparado pra te ajudar. E o projeto é esse. P - Muito bom, muito bom. Bom Verônica, qual o seu sonho pra você agora? Daqui pra frente. R - Eu quero voltar pra área da educação direta. Porque eu digo que é assim, eu não deixo de estar nela, porque eu faço um trabalho de educação também na saúde, mas eu tenho vontade de voltar pra sala de aula. Sabe, a minha parcela de ajuda na comunidade, eu acho que eu já consegui dar. O que eu encontrei, da forma que eu encontrei, minha comunidade, minha área de abrangência que eu trabalho, a pessoa que vier depois, já vai encontrar bem amaciada, não vai encontrar tanta repudia, a pessoa aceitando a sua chegada mais fácil, sua interferência naquela família de você dizer até, pra o adolescente: “Oh Olha o respeito”, assim de chamar daquela pra uma responsabilidade, a família como um todo, da mulher que as vezes faz o alimento do marido cheio de [sal, ai ele pertence a ela], ele come, todo mundo come. E a gente diz assim: “oh, se acontecer alguma coisa , você é responsável”e a pessoa dá aquela freada. Foi tudo de bom, sabe, foi difícil chegar até aqui, e as vezes quando eu digo assim: “poxa, vou voltar pra educação direta, que eu considero a minha área”, eu digo “vou voltar pra sala de aula”, mas eu digo assim, as pessoas, elas, eu já vejo diferente, já sei que elas me vêem diferente, não vêem mais aquela rica da rua, dondoca da rua, aquela coisa. E eu também os vejo com mais humanidade e a pessoa que chegar eu espero que consiga com o tempo se adaptar porque não é fácil. Não é fácil porque você está na vida do outro e o outro querendo ou não acaba estando na sua vida. E quando você passa, passa pra encontrar uma pessoa na rua, debaixo de chuva, seja lá como for, numa festa, o pessoal ali questiona, e ai a gente diz: “eu tenho que mais tomar conta da tua vida do que você da nossa”. Então na verdade eu sou corresponsavel pela sua vida, você estar bem hoje, a responsabilidade de você estar bem ou não é minha, então vamos nos ajudar, porque eu tenho que estar bem. E pra eu continuar te ajudando você tem que me ajudar. Então é por aí que a gente consegue trabalhar. P - Muito bom. E o que você achou de participar dessa entrevista, que agora já acabou. R - Ah Foi tudo de bom, no começo quando eu me vi sozinha, achava que ia ser aquele grupo, todo mundo ia estar junto de novo, mas ai eu disse: “eu só, né? Só eu nesse horário?” Digo, ai que pena, vou ficar nervosa, suei um pouquinho ainda, mas eu acho que é assim, deu pra fluir tudo assim tranqüilamente, foi ótimo. Muito bom. P - Então, pra nós também, viu, Verônica. R - Obrigada
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