Usei o parênteses imposto pela quarentena de uma crise sanitária global para olhar para trás e refletir sobre meu percurso. Comecei a querer ligar os pontos da minha própria vida.
Fiz isso profissionalmente por tanto tempo, com pessoas, ideias, marcas e empresas, e nunca tinha parado para pensar no desenho que faltava eu completar. Para mim mesma. A *seguir puxo o fio da minha meada.
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Sou a filha temporona de uma família de cinco pessoas. Nasci em São Paulo, em 1962, 10 anos depois da minha irmã mais velha. Fui tia aos 12, mãe aos 27, e avó aos 51. E tive também muitos apelidos: Luluzinha, por causa das bochechas que tinha quando era criança; Bic, porque meu pai achava que eu era magra e comprida como a caneta; Mazinha, pelos sobrinhos pequenos que achavam meu nome difícil; e Coca, o mais atual, dado pelos sobrinhos netos por causa da minha paixão pelo refrigerante.
Sou também uma profissional de mais de 30 anos de experiência. No meu currículo, resumido em duas páginas, me apresento rapidamente como sendo capaz de fazer muitas coisas na minha área, a comunicação: “gerenciamento de crises, assessoria de imprensa e relações públicas; planejamento, gestão orçamentária e de equipe, branding, definição de estratégias digitais e offline, gerenciamento de campanhas e grandes eventos”.
Adolescente, eu achava que queria ser médica, queria cuidar dos outros, e acabei me formando aos 18 anos como instrumentadora cirúrgica e trabalhei ao lado de um obstetra: e eu adorava ajudar a trazer novas pessoas para este mundo.
Mas em 1981 eu era ainda muito jovem, e meu pai tinha uma gráfica promissora e vivia dizendo que um dia eu teria de cuidar dos negócios da família. Sempre resistindo ao caminho mais fácil, continuei dizendo não. Fui viajar para aprender francês, pensei nos conversas com “seu” Jaime e na volta ao país resolvi fazer uma faculdade de comunicação --talvez tenha sido uma das minhas primeiras aventuras de...
Continuar leituraUsei o parênteses imposto pela quarentena de uma crise sanitária global para olhar para trás e refletir sobre meu percurso. Comecei a querer ligar os pontos da minha própria vida.
Fiz isso profissionalmente por tanto tempo, com pessoas, ideias, marcas e empresas, e nunca tinha parado para pensar no desenho que faltava eu completar. Para mim mesma. A *seguir puxo o fio da minha meada.
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Sou a filha temporona de uma família de cinco pessoas. Nasci em São Paulo, em 1962, 10 anos depois da minha irmã mais velha. Fui tia aos 12, mãe aos 27, e avó aos 51. E tive também muitos apelidos: Luluzinha, por causa das bochechas que tinha quando era criança; Bic, porque meu pai achava que eu era magra e comprida como a caneta; Mazinha, pelos sobrinhos pequenos que achavam meu nome difícil; e Coca, o mais atual, dado pelos sobrinhos netos por causa da minha paixão pelo refrigerante.
Sou também uma profissional de mais de 30 anos de experiência. No meu currículo, resumido em duas páginas, me apresento rapidamente como sendo capaz de fazer muitas coisas na minha área, a comunicação: “gerenciamento de crises, assessoria de imprensa e relações públicas; planejamento, gestão orçamentária e de equipe, branding, definição de estratégias digitais e offline, gerenciamento de campanhas e grandes eventos”.
Adolescente, eu achava que queria ser médica, queria cuidar dos outros, e acabei me formando aos 18 anos como instrumentadora cirúrgica e trabalhei ao lado de um obstetra: e eu adorava ajudar a trazer novas pessoas para este mundo.
Mas em 1981 eu era ainda muito jovem, e meu pai tinha uma gráfica promissora e vivia dizendo que um dia eu teria de cuidar dos negócios da família. Sempre resistindo ao caminho mais fácil, continuei dizendo não. Fui viajar para aprender francês, pensei nos conversas com “seu” Jaime e na volta ao país resolvi fazer uma faculdade de comunicação --talvez tenha sido uma das minhas primeiras aventuras de traçar uma linha entre dois pontos. Uma gráfica serve à arte de comunicar.
Comunicação foi o óbvio. E eu pensava na direção que o negócio da família poderia tomar no futuro.
Foi ali, um ano depois de estar trabalhando na área de publicidade da gráfica, que conheci meu marido, com quem divido a vida até hoje. Em três meses resolvemos nos casar, e nossa cerimônia foi meu primeiro job de profissional da comunicação. De relações públicas.
“Só podia ser a Inês!”. Escolhi uma minissaia para dar personalidade a meu vestido e tinha certeza de quem seriam minhas duas madrinhas: minha cunhada (irmã do meu futuro marido) de um lado e uma amiga, que chamo até hoje de “mana”, do outro.
Naquele dia 5 de dezembro de 1988, sem me espantar com a sincronicidade do universo, sempre uma constante na minha vida, dividi o altar com duas estrelas do esporte, os pares das minhas madrinhas: Emerson Fittipaldi, na época bicampeão de Fórmula 1, prestes a ganhar seu primeiro campeonato mundial de Fórmula Indy, e José Montanaro, medalha de prata nas Olimpíadas de 1984 no vôlei masculino (primeira medalha do Brasil na modalidade), recém-chegado de Seul.
Meu primeiro grande evento de sucesso. Tive de gerenciar jornalistas em vez de apenas ser a noiva. E ninguém nem notou a minha minissaia.
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Emerson Fittipaldi, Montanaro, o ex-Beattle George Harrison, Helio Castroneves, Nadia Comaneci. Tenho uma fila longa de nomes de pessoas públicas com quem convivi na minha vida profissional. Mas tenho uma quantidade maior de histórias das conexões que fiz as pessoas, mais ou menos conhecidas, com quem cruzei caminho.
Olhando para trás, meu processo foi sempre um: a intuição abria o espaço para um novo projeto quando eu conectava uma ideia, uma razão, um porquê, uma “causa” a pessoas. Pessoas de carne e osso. Pessoas da vida real a quem eu também me conectava, pessoalmente.
Como quando eu me tornei oficialmente uma RP. O Emerson [Fittipaldi], na época proprietário da Hugo Boss no Brasil, onde eu era uma das gerentes, me liga um dia e diz: “Estou indo para São Paulo, Salão do Automóvel. Preciso que me acompanhe.” Pus uma roupa e um batom e fui. Quando chegamos lá e abri a porta do carro, vi que tinha me jogado na arena com os leões.
Aprendi assim. Entendi que ser Relações Públicas e trabalhar com Comunicação nada mais é que cuidar das relações com as pessoas e garantir a comunicação das, para e com elas. As pessoas são o ponto de partida e o ponto de chegada.
Mesmo durante o percurso ao lado do Emerson --em dois momentos, na sua carreira de piloto e depois na promoção da fórmula Indy no Brasil, eu sabia que estava costurando outras coisas dentro de mim. Desde muito cedo aprendi que os sinais que a vida nos dava era para serem ouvidos. Algumas vezes, obedecidos sem questionar.
Emerson sofreu um acidente em 1996 que quase o deixou tetraplégico. Recuperado, nós tínhamos de planejar sua primeira aparição pública --e fora das pistas-- no país. De novo, enxerguei e teci a linha que ligou dois pontos. A comunicação que ligou duas pessoas e suas causas.
Rani era o apelido de Ranimiro Lotufo, um desses deuses apolíneos, modelo famoso nos anos 90, que fotografou e desfilou para todas as grandes grifes masculinas. Era 1995, ele tinha 27 anos e acabava de voltar da Europa para se lançar no mundo do empreendedorismo no esporte radical, quando sofreu um acidente de parapente. Sem mais nem menos, durante uma competição se viu num emaranhado de fios de alta tensão. Rani teve a perna direita amputada.
O acidente tirou Rani das passarelas. Naquela época, ainda vivíamos a estética absolutista da moda, onde só a pretensa “perfeição” interessava. Rani estava sem trabalho e, portanto, sem poder pagar sua prótese e seu tratamento. Ele precisava levantar fundos para voltar a andar e se reinventar.
Quando eu soube da história, eu liguei dois pontos com uma linha reta e a Hugo Boss organizou, para a volta do Emerson, que se salvou do risco de nunca mais andar, um dos primeiros desfiles de moda no Brasil que teve como uma das estrelas, justamente, um lindo homem sem uma das pernas. A mensagem que fizemos passar ali era que o que importava, o que era bonito eram as pessoas, e ponto. Que as pessoas têm suas dores. Que o mundo avança assim, sem falsas perfeições.
Nada colou melhor na mensagem do Emerson, e Rani ganhou, não apenas uma cirurgia em Miami, no mesmo hospital que salvou o piloto, e uma nova perna, mas uma segunda vida profissional. Dele ouvi muitas vezes: “Por que dizer não consigo se você nem mesmo tentou?”
Grandes multinacionais, estatais recém-privatizadas, governos e relações bilaterais, cultura, varejo, engenharia, política. De ensinar George Harrison a fazer caipirinha, a conhecer de perto o papa (hoje santificado) João Paulo 2o a comer acarajé em um banquinho da praça Castro Alves com o ministro da Cultura a viajar o interior de São Paulo para assistir a chegada da energia elétrica pela primeira vez em um município. Foram muitas aventuras.
Uni deficiência a beleza, pioneiros à inovação, descobri uma diversidade para muito além da possibilidade binária entre o sim e o não. Nada além do que era minha responsabilidade profissional: conectar pessoas a ideias.
A gente não comunica nada se não for com as pessoas, pelas pessoas, para as pessoas. E isso faz sentido porque o que eu faço faz parte de quem eu sou: eu quero fazer com os outros e para os outros.
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Aos 49 anos, fui dirigir a comunicação de uma empresa de consultoria internacional que queria inovar seu diálogo com as pessoas mas, acima de tudo, queria propor colaborar para um mundo corporativo melhor.
Minha senioridade foi tratada como tal: muito mais como uma vantagem que a experiência traz, de maturidade, de caixa de ferramentas, de aprendizado, do que de receio sobre o ritmo ou a produtividade. De novo voltei a pensar, e a conectar, sobre a importância de enxergar as pessoas de forma inteira. No mundo corporativo, essa não é a regra. Eu estava disposta a comprovar que eles não apenas estavam certos, apostando em mim, mas que a maioria estava errada.
A idade não fez diferença, mas a bagagem profissional, que eu trouxe com ela, foi imprescindível para os desafios dos projetos que teria pela frente. O patrocínio dos jogos olímpicos e paraolimpicos, a promoção das atletas mulheres e o novo programa de mulheres líderes em um contexto onde os homens sempre chefiaram. A nova marca buscava uma causa. Eu via novas luzes no meu horizonte.
Foi nesta multinacional de mais de 5 mil colaboradores, com a imagem da excelência do mundo corporativo, em que, mais uma vez, a vida me mostrou que somos sempre seres humanos e que precisamos ser tratados como tal.
No final de 2014 descobri um câncer de mama quase por acaso. Por sorte a tempo de fazer a cirurgia e me recuperar. Naquele momento, todos nós, nossa família, eu, meu marido e meus dois filhos, experimentamos a fragilidade, dividimos o medo de ter de nos separar. Foi um susto.
A doença me pegou desprevenida, principalmente porque eu achei que lidaria melhor com ela. Fiquei também impressionada em como todos estavam, ou pareciam estar, muito mais preocupados com o resultado estético da cirurgia. Eu não pensava nisso. Minha única escolha era que eu queria viver!
Depois de receber a alta, em meados de 2015, outras novas luzes tinham se aceso no meu caminho e eu sabia que nós, neste universo das empresas, não poderíamos mais viver ignorando a humanidade de cada um. Nós tínhamos separado o lado profissional do do pessoal. Ou seja, neste modelo, aceitamos que a maior parte de nossa vida nós viveríamos reduzidos a sermos eficientes, evitando sermos humanos. Sermos o que somos, inteiros.
Intensifiquei minha busca em descobrir como ser ainda mais humana, porque era isso que ia dar sentido a todas essas coisas que pareciam não se conectar. Eu continuava procurando os pontos que poderia ligar.
Mais uma vez, a vida se impôs a mim. Meses depois, quando ainda comemorávamos a minha vitória sobre a doença, em uma noite de outubro, meu filho mais novo saiu de casa para ir encontrar com uns amigos em um barzinho. Meu marido recebeu a ligação da polícia duas horas depois com a notícia do acidente fatal.
Vivi meses, nós três vivemos, de paralisia. O tempo passava ao redor de nós, não para nós.
Levei alguns meses para conseguir voltar a algum tipo de rotina profissional. O que mais me impressionou foi descobrir que a grande maioria das pessoas não está preparada para recomeçar porque, acho, nem sequer aventam a possibilidade de um dia terem de passar por isso.
No trabalho, quando eu falava do meu luto, da minha perda, alguns colegas não sabiam o que responder. Em geral, as pessoas sabem seguir os protocolos que alguém algum dia disse que eram adequados. Não sabem mais sentir o outro, usar a sua humanidade pra reconhecer no outro a mesma humanidade.
Eu sei que muitos e muitas colegas olhavam pra mim, depois da doença e em seguida após o luto, e diziam ou pensavam que eu não ia conseguir voltar, que não ia conseguir voltar a levar uma vida “normal”.
Com o tempo, acabei me tornando uma referência e ajudei colegas que tiveram de passar por suas próprias tragédias --porque a vida é assim, a gente não tem um roteiro pré-aprovado. Ninguém tem.
Em 2019 uma amiga de infância, de Atibaia, me avisou sobre um tal Congresso da Felicidade. Nunca tinha ouvido falar, mas, de novo, entendi que era alguma sincronicidade que me fazia me conectar em um outro ponto.
Ali, descobri que a certeza que eu tinha sobre essa noção abstrata não era só minha. Era compartilhada por muitos. Era estudada, era monitorada, era avaliada, era refletida e era quase “ensinada”. Cientificamente. E estou falando de uma felicidade que não se limita a alegria e prazer. Esse bem-estar que é físico, mental, emocional e espiritual não é externo a nenhum de nós. Mas a gente precisa ser relembrado disso.
Aprendi que somos inteiros, e só assim consegui retomar uma vida que me traga alegria. Porque tudo faz parte dela.
Para mim, o papel de um RP sempre foi“construir, promover e preservar” uma imagem, uma ideia, um valor, um discurso, uma missão, uma causa. Meu objetivo, a partir de agora, é conectar as pessoas às pessoas, com elas e por elas. As ideias, os valores, as causas serão o fio que vai me auxiliar nesta costura.
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