Eu, viajante de mim
Em qual estação, afinal, desembarcarei? Por duas vezes, a miragem do meu destino se desfez. As plataformas estavam fechadas, como portais lacrados, e o trem apenas seguiu em frente. A primeira vez, há trinta e cinco anos, uma vida inteira se desenrolava; a segunda, agora, no início de julho. Diante da porta, esperando o silêncio que precede a chegada, vi dezenas de pessoas na plataforma, uma parede invisível entre nós. Ninguém entrava, ninguém podia sair. Seus gestos, olhares e atitudes me direcionavam, com uma força etérea, de volta à poltrona vazia que eu havia deixado.
Quinze dias de uma lentidão quase palpável se arrastaram até que eu pudesse, enfim, retomar meu lugar e seguir adiante. Setenta e cinco anos se foram neste mesmo comboio, mas os últimos dias... ah, os últimos dias transbordam de uma luz nova, um ar mais puro que inunda cada fibra do meu ser. Há uma leveza, uma quietude, quase uma sabedoria ancestral, pairando no ar. Sinto a liberdade desabrochar, ainda que emoldurada por janelas, revelando paisagens inéditas.
Rostos, aromas, risos e alívios dançam diante dos meus olhos, tecendo a promessa de novos projetos. Já não me debruço sobre a questão da estação final, nem sobre a extensão desta viagem. Sei apenas que as duas paradas, negadas por um destino sutil, foram marcadas por uma sincronicidade assombrosa, com exatos trinta e cinco anos de intervalo. Em ambas, presente estava “aquela que traz a felicidade”, e foi seu brilho que me impulsionou a dar meia-volta e a seguir, passo a passo... com Fé.
Rio de Janeiro, 24 de julho de 2025
E. Senra