00:00:01 AR
Ok, a gente começa a gravar a entrevista com a Kátia Cytrin.
00:00:08 AR
A gente começa aí com uma parte mais objetiva, Kátia, que é de você falar seu nome completo, a sua data de nascimento, onde você mora, esse tipo de coisa.
00:00:19 KC
Ah, todos os detalhes.
00:00:20 AR
(Risos)
00:00:22 KC
Bem, vamos começar.
00:00:24 KC
Eu, aqui em Israel, sou Kátia Cytryn Silverman, mas, originalmente, meu nome é Kátia Valéria Cytryn.
00:00:32 KC
Esse é o meu nome de nascimento.
00:00:36 KC
Sou nascida no Rio de Janeiro, 4 de março de 68. E eu vim para Israel em 1987. E…
00:00:48 KC
Estou fazendo aliá.
00:00:48 AR
E onde “cê” mora? Sim, me desculpa.
00:00:50 KC
Hoje em dia, acabei de me mudar para Tel Aviv, norte de Tel Aviv, até pouco tempo eu morava no centro de Israel chamado Hod HaSharon, do lado de Kfar Saba e Ra’anana, mas quando eu fiz a minha aliá, e por muitos anos, eu morei em Jerusalém, onde eu também estudei.
00:01:09 KC
Quando eu fiz a minha aliá, eu falei: “estou fazendo minha aliá para Jerusalém”.
00:01:15 AR
Ok.
00:01:17 AR
Conta aí um pouquinho para a gente o que você fazia no Brasil e o que você faz hoje em Israel.
00:01:24 KC
Ok.
00:01:25 KC
Bem, eu era ainda novinha. Eu…
00:01:29 KC
Quando eu vim pela primeira vez para Israel, eu vim com um grupo, né, com um Tapuz, em dezembro de 85.
00:01:36 KC
Então, durante 85, eu cheguei a cursar o primeiro ano de comunicação social na Praia Vermelha.
00:01:47 KC
Era novinha, eu também estagiei numa agência de propaganda chamada “Diller e Associados.”
00:01:55 KC
E eu falei assim: “eu sou muito nova para começar a trabalhar nessa vida de adulto”. Aí eu falei: “quero tirar um time off”, mas aí meu pai falou assim: “time off só Israel.”
00:02:11 KC
Falei: “ok, então será Israel.”
00:02:16 KC
Então, eu participei do Tapuz. E quando o pessoal do Tapuz foi embora, a gente fez dois meses. A gente chegou em Israel no...
Continuar leitura00:00:01 AR
Ok, a gente começa a gravar a entrevista com a Kátia Cytrin.
00:00:08 AR
A gente começa aí com uma parte mais objetiva, Kátia, que é de você falar seu nome completo, a sua data de nascimento, onde você mora, esse tipo de coisa.
00:00:19 KC
Ah, todos os detalhes.
00:00:20 AR
(Risos)
00:00:22 KC
Bem, vamos começar.
00:00:24 KC
Eu, aqui em Israel, sou Kátia Cytryn Silverman, mas, originalmente, meu nome é Kátia Valéria Cytryn.
00:00:32 KC
Esse é o meu nome de nascimento.
00:00:36 KC
Sou nascida no Rio de Janeiro, 4 de março de 68. E eu vim para Israel em 1987. E…
00:00:48 KC
Estou fazendo aliá.
00:00:48 AR
E onde “cê” mora? Sim, me desculpa.
00:00:50 KC
Hoje em dia, acabei de me mudar para Tel Aviv, norte de Tel Aviv, até pouco tempo eu morava no centro de Israel chamado Hod HaSharon, do lado de Kfar Saba e Ra’anana, mas quando eu fiz a minha aliá, e por muitos anos, eu morei em Jerusalém, onde eu também estudei.
00:01:09 KC
Quando eu fiz a minha aliá, eu falei: “estou fazendo minha aliá para Jerusalém”.
00:01:15 AR
Ok.
00:01:17 AR
Conta aí um pouquinho para a gente o que você fazia no Brasil e o que você faz hoje em Israel.
00:01:24 KC
Ok.
00:01:25 KC
Bem, eu era ainda novinha. Eu…
00:01:29 KC
Quando eu vim pela primeira vez para Israel, eu vim com um grupo, né, com um Tapuz, em dezembro de 85.
00:01:36 KC
Então, durante 85, eu cheguei a cursar o primeiro ano de comunicação social na Praia Vermelha.
00:01:47 KC
Era novinha, eu também estagiei numa agência de propaganda chamada “Diller e Associados.”
00:01:55 KC
E eu falei assim: “eu sou muito nova para começar a trabalhar nessa vida de adulto”. Aí eu falei: “quero tirar um time off”, mas aí meu pai falou assim: “time off só Israel.”
00:02:11 KC
Falei: “ok, então será Israel.”
00:02:16 KC
Então, eu participei do Tapuz. E quando o pessoal do Tapuz foi embora, a gente fez dois meses. A gente chegou em Israel no final de dezembro. A gente fez janeiro no kibutz, no Golã, e depois a gente passeou por um mês, em fevereiro. E o pessoal foi embora e eu fiquei.
00:02:36 KC
E eu já tinha avisado meus pais que eu ia ficar.
00:02:38 KC
Já fui embora do Brasil dizendo: “oh, provavelmente eu vou ficar, se eu gostar.”
00:02:42 KC
Aí eu fiquei mais seis meses aprendendo hebraico no kibutz, que até hoje tenho contato com esse kibutz, eu tenho uma família.
00:02:48 KC
Que aqui existe a família adotiva do kibutz, aquela família que te recebe.
00:02:53 KC
Até hoje tenho contato com a família Levi, Levi Ben-Siton. E…
00:03:00 KC
Fiquei lá estudando hebraico no Ulpan, meio ano.
00:03:06 KC
Quando terminou, também me perguntaram: “ah, cê quer se fazer mais alguma coisa?” Eu falei: “quero”.
00:03:12 KC
Aí foi quando eu pedi para participar de uma escavação arqueológica, em Gamla.
00:03:17 KC
E pelo fato de, antes mesmo de começar o Ulpan, no kibutz, naquele mês, passeando com o meu grupo. Eu curti muito arqueologia, a gente tinha uma guia paulista chamada Suzana, que ela era arqueóloga, ela estava estudando arqueologia em Tel Aviv.
00:03:36 KC
Hoje em dia ela está de volta em São Paulo, ela dá aula na USP, pelo que me lembro.
00:03:43 KC
Mas eu super curti o que a Suzana explicava.
00:03:47 KC
E aí depois de eu ter feito a escavação, quando terminou o Ulpan. Aí eu falei: “ah é o que eu quero estudar, vou deixar a comunicação”.
00:03:56 KC
Aí eu fui na universidade e me inscrevi, porque eu tinha que me inscrever para fazer o psicométrico.
00:04:04 KC
E foi mais ou menos assim. É…
00:04:06 KC
Aí eu liguei pros meus pais e falei assim: “oh, me inscrevi, tô indo no Brasil pra fazer as malas”.
00:04:13 KC
Aí minha irmã passou por aqui, a gente foi embora, passeou um pouco.
00:04:17 KC
Acho que em outubro eu fui embora.
00:04:20 KC
Em maio, eu já estava fazendo minha aliá, maio de 87, estava fazendo minha aliá.
00:04:26 KC
Então foi bem rápido, foi aquela coisa de jovem mesmo. Nós…
00:04:32 KC
Quando a gente quer uma coisa, quando a gente é jovem, tudo é possível.
00:04:36 KC
Somos, assim, super-heróis.
00:04:38 KC
Então foi mais ou menos assim.
00:04:40 AR
Maio de 1987, então, que você fez a sua aliá?
00:04:43 KC
87. 20 de maio de 87, que por coincidência também é o aniversário do meu filho mais novo, dia 20 de maio.
00:04:51 AR
E aí, você… o que que te levou a se entusiasmar, assim, de fazer aliá, deixar o Brasil?
00:04:59 KC
Fazer arqueologia ou fazer aliá?
00:05:02 KC
São duas coisas.
00:05:04 KC
São duas coisas.
00:05:06 KC
Eu, no Brasil, eu nunca fui assim ligada com grupo universitário, ou então com...
00:05:15 KC
Eu esqueci como é que se fala. [algo em hebraico]
00:05:19 KC
chômeur, drona, nunca fui ligada a isso.
00:05:23 KC
Eu jogava vôlei, então o meu tempo livre era tempo de esporte, então não estava ligada com essa parte.
00:05:32 KC
Meu pai, sempre muito sionista então, tanto que, quando falei que queria viajar, ele falou: “ok, Israel.” (Risos)
00:05:39 KC
Mas chegando aqui, ainda com o meu grupo, principalmente durante esse mês, passeando, eu realmente… vi as raízes, né? Eu vi, ok, eu entendo o quanto, na verdade, eu to ligada aqui, apesar de ser um país, estranho, que eu não conhecia antes, mas o quanto eu tenho aqui de coisas em comum com a minha tradição, que, por incrível que pareça, eu cresço no Brasil, mas no Brasil é onde eu me sinto estranha.
00:06:11 KC
É sempre assim, né? A gente sempre… A gente tem os nossos feriados diferentes, a gente tem, as nossas tradições, que são sempre tão diferentes, e por mais cosmopolita que eu sempre fui, que minha família sempre foi e meus amigos e tudo, mas sempre tem aquela parte que a gente fala assim: “ah, a gente é diferente...” A gente… tem aquela parte meio segregada. E aqui eu me senti super à vontade.
00:06:44 KC
E juntando a arqueologia que, na verdade, sempre gostei, nem me lembrava que eu gostava.
00:06:50 KC
Lembro que, quando me casei, a minha amiga, depois da cerimônia do casamento, que o Rabino Stauber falou tanto sobre arqueologia, nas três, em inglês, em hebraico e em português. (Risos) Ele fez um casamento em três idiomas, aí minha amiga veio para mim e falou assim: “Kátia, não sei se você lembra, mas quando a gente era pequena, no colégio” a gente estudou no Max Nordau… “quando a gente começou a estudar História e tal, você falou que você queria ser arqueóloga.”
00:07:18 KC
E então era uma coisa que “tava” lá dentro, né? Agora…
00:07:20 KC
É além disso. Eu queria ser arqueóloga, mas hoje em dia a minha especialização é em Islão.
00:07:28 KC
E o interessante é que quando eu “tava” na sétima série, eu e uma amiga minha fizemos um trabalho de classe que era sobre o Islão. E, com slides, que naquela época a gente era nova, 13 anos.
00:07:43 KC
E naquela época, “uau, usar slides!”. E fazer o negócio foi super avant-garde.
00:07:50 KC
Até hoje eu tenho esses slides que eu guardei.
00:07:53 KC
Ela guardou o trabalho, eu guardei os slides.
00:07:56 KC
Então, também, minha primeira aula na faculdade, primeira aula, na primeira hora da faculdade, foi justamente sobre arqueologia islâmica.
00:08:06 KC
Então, para mim, foi aquele… foi fechar um ciclo.
00:08:09 KC
Eu falei assim: “ok, estou aqui, é o que eu queria”.
00:08:12 KC
Eu queria arqueologia, sempre curti. Desde aquele trabalho de pequena, eu era encantada, com os edifícios islâmicos e com a arte islâmica.
00:08:23 KC
Então, tudo se juntou muito rápido e comecei a estudar.
00:08:29 KC
A minha professora, quando eu falei para ela que eu queria muito estudar, na verdade, como antes de vir para Israel, nesse período curto que eu tava no Rio, eu fiz um estágio na Gás Therme e eu pensei que eu ia trabalhar aqui na Gás Therme.
00:08:48 KC
E acabou que aqui era um esquema muito diferente lá do Rio e tal, mas lá no Rio eu tive um...
00:08:56 KC
Ai, como é que se fala isso?
00:08:59 KC
Adraha, não sei como é que se fala isso.
00:09:01 KC
Teve uma pessoa que me orientou. Uma orientação sobre...
00:09:05 AR
Tipo supervisão?
00:09:06 KC
É, sobre gemas.
00:09:10 KC
Assim, individual, e eu gostei tanto.
00:09:13 KC
Ela me ensinou tão bem. Então, quando eu “tava” aqui já, eu fui para a minha professora e falei assim: “olha, eu quero fazer algo ligado com joias islâmicas.”
00:09:23 KC
No final, até hoje não lidei com joias islâmicas.
00:09:26 KC
Eu tive um trabalho sobre jóias bérberes, e foi a única coisa que eu fiz até hoje sobre jóias.
00:09:35 KC
Mas aquele contato que eu tive com a minha professora, ela me colocou para trabalhar nas coleções do Instituto de Arqueologia.
00:09:46 KC
Então comecei a trabalhar no Instituto de Arqueologia já no começo do meu segundo ano do bacharelado, bem cedo. E…
00:09:57 KC
Como a gente fala em hebraico: “o resto é história”.
00:10:01 KC
Comecei a trabalhar naquilo, trabalhar na coleção islâmica das coleções do Instituto de Arqueologia.
00:10:10 KC
E trabalhei lá por muitos anos. “Muitos anos”. Para estudante é muitos anos. Trabalhei lá de 88 até 93, eu já “tava” no meu mestrado, e só parei de trabalhar lá porque, aí depois, quando eu terminei o mestrado, já fui trabalhar com outras coisas. Já “tava” sendo assistente da minha professora, tal e, mas sempre curti muito esse meu trabalho nas coleções.
00:10:42 KC
Até hoje, gosto muito de tá lá, dou aula lá, dou aula de…de cerâmica islâmica para os alunos, então é um lugar muito querido para mim.
00:10:54 KC
E foi bem o lugar que me acolheu no Instituto de Arqueologia, a curadora, a minha professora, que criou. Ela criou a subdivisão, a especialização em Arqueologia Islâmica, que eu pedi para ela.
00:11:10 KC
Eu falei: “eu não quero só fazer curso aqui e curso ali, eu quero me especializar, eu quero que no meu diploma esteja escrito que eu me especializei.” E esse é o legal da Universidade Hebraica de Jerusalém.
00:11:24 KC
Eu não sei se todo lugar “fariam” isso.
00:11:28 KC
Ela entendeu que eu tinha essa vontade, que eu era séria, e realmente foi criado uma especialização. E hoje em dia eu é que dou aula nessa especialização, eu que lidero essa especialização.
00:11:44 KC
Então, foi bem assim um caminho… legal, quando a gente olha para trás, como as pessoas foram abrindo as portas.
00:11:55 AR
Que legal, que bonita a sua história.
00:11:57 AR
E você tem filhos, né?
00:12:00 KC
Tenho.
00:12:00 AR
Que nasceram aqui em Israel.
00:12:02 AR
Conta um pouquinho da tua vida mais familiar.
00:12:05 KC
Isso.
00:12:06 KC
Então, a Maia é mais velha, ela é nascida em 97, então, até quando eu me formei, aí estava escrito assim, o meu ex-marido colocou na minha blusa, ele me trouxe uma blusa para o cerimonial: “B-A-M-A, Mama”, porque (risos) a gente meio assim programou. A Maia nasceu, eu estava terminando o meu mestrado. E o Amit, que agora vai fazer 19 anos, ele já tá no exército, e o Amit nasceu depois, no final… não depois, mas quase terminando o doutorado.
00:12:47 KC
Então eu tenho, na verdade… o negócio bem programado. E foi perfeito.
00:12:59 KC
E a Maya, hoje em dia, ela estuda na Universidade de Tel Aviv, ela estuda economia e estudos do Oriente, se especializando na China e estudando mandarim.
00:13:13 KC
E o Amit tá no exército, ele tá no cyber, na inteligência, e também muito contente com o que ele tá fazendo. Ele se preparou bastante para isso, era o que ele queria fazer.
00:13:27 KC
Então a Maia também, no exército… serviu na inteligência.
00:13:33 KC
Então, é simplesmente, assim, perfeito.
00:13:40 KC
A Maia é bem ligada com o Brasil.
00:13:44 KC
E quando ela terminou o exército, ela esperou o namorado dela também terminar, trabalharam para juntar a grana. E…
00:13:53 KC
Na verdade, eles praticamente financiaram toda a viagem deles, que foi por nove meses, pela América do Sul e América Central. E a Maia é muito ligada ao Brasil, muito ligada à minha mãe, à avó dela, que é a Rosita Cytrin.
00:14:09 KC
Então ela passou também… o começo da viagem foi lá, até fui me encontrar com ela, a gente desfilou no Sambódromo. A gente comemorou o meu aniversário no Sambódromo naquele ano. Foi é… 2019, antes do corona. E…
00:14:31 KC
Então ela é super ligada, ela fala português. Maia tem uma facilidade com línguas muito grande.
00:14:35 KC
Eu acho pelo fato justamente de a gente ter criado ela falando línguas, desde que ela nasceu eu falava com ela português, meu ex marido falava com ela inglês, porque ele é sul-africano. E o hebraico, então ela foi criada assim.
00:14:49 KC
O meu filho, o Amit, ele já é mais assim… é… diferente, então, ele tem inglês perfeito.
00:14:59 KC
Ele gosta muito do Brasil, mas ele já viajou menos para o Brasil. Então…
00:15:05 KC
Mas acredito que vai acontecer. Ele gosta, assim…
00:15:11 KC
Como ele gosta muito de comida, cultura, culinária, é… que nem o pai dele, então acredito que isso vai juntar ele mais à parte cultural do Brasil.
00:15:25 KC
E, em algum momento, eu tenho certeza, como eu falo sempre para eles: o português está lá na caixinha dele, porque ele ouviu muito português, mas ele já ouviu menos que a Maia.
00:15:33 KC
Com ele eu já falei menos português.
00:15:37 AR
Ontem você… a gente tava conversando e você contou uma história super interessante de uma vez que você foi com ele no Brasil, da experiência com a cana-de-açúcar que depois ele quis plantar.
00:15:49 AR
Conta de novo essa história que é muito interessante.
00:15:52 KC
Pois é, então eu quando cresci, a loja dos meus pais era na Siqueira Campos, e bem perto da loja tinha uma pastelaria que eles vendiam caldo de cana e tal.
00:16:07 KC
Então, desde pequena eu passava por lá, até mesmo do ônibus escolar, eu gritava da janelinha do ônibus, me traziam um toquinho de cana-de-açúcar para eu poder chupar.
00:16:18 KC
Eu cresci chupando e bebendo caldo de cana. E por coincidência, no meu trabalho arqueológico, eu lido com dois sítios que tão ligados com o começo da criação, não da criação, mas de usar a cana-de-açúcar para fazer açúcar.
00:16:39 KC
O começo da indústria “sucareira”, que foi aqui, nessa área aqui, aqui em Israel, são as primeiras indústrias, esqueci como é que fala isso em português, onde se faz o açúcar, usina, as primeiras usinas de açúcar.
00:16:53 AR
Engenho de cana? Usina? Sim.
00:16:55 KC
As primeiras usinas de açúcar.
00:16:56 KC
Então eu muito ligada a isso, tal, os meus filhos vendo que eu lido com isso, e aí quando eu… tô tentando lembrar, foi há alguns anos atrás, eu tive com Amit no Brasil, no Rio, e eu falei: “vamos lá na feira, eu quero que você experimente caldo de cana.”
00:17:18 KC
E a gente foi, tinha aquela kombi lá, e dentro da kombi o cara com aquela… com aquela máquina de espremer a cana. Ele viu aquilo tudo, bebeu. Sim, achou super doce, mas com gelo e tal. Perfeito.
00:17:38 KC
Então ele foi introduzido à cultura da cana-de-açúcar.
00:17:41 KC
E aí eu levei ele também pra...
00:17:44 KC
E a minha filha também, ela tava também… para chuparem a cana.
00:17:50 KC
A gente foi numa outra pastelaria, na esquina da minha casa. E lá eu pedi para ela cortar para a gente e ele chupou. Achou, assim, superinteressante.
00:18:05 KC
E no ano passado, enquanto eu ainda “tava” na minha casa antiga, que era casa com jardim e tudo, um dia ele aparece com um toco de cana-de-açúcar que o pai dele trouxe para ele e falou: “mãe, vou plantar.”
00:18:19 KC
E ele plantou.
00:18:21 KC
E aquela cana bem rápido cresceu e, na verdade, antes da gente ir embora da casa, ele até chegou a cortar em Hanukkah passado, acho que foi em Hanukkah, ele cortou a cana e espremeu ela, a gente tem uma extra...
00:18:39 KC
Como é que se fala?
00:18:39 KC
Extração de suco?
00:18:42 KC
Um que a gente faz também, é… cenoura (pa pa pa).
00:18:45 AR
Com a máquina.
00:18:46 KC
Ele extraiu aquele suquinho daquela cana. Ainda saiu bem ralo, né? Porque é cana nova, então não é aquela coisa, que nem… aquela coisa verde, era um verdinho, mas, nossa, ele super feliz e ele… a gente trouxe a cana, ele deixou lá no jardim, mas ele tirou um toco, plantou aqui na minha… no meu apartamento e também no apartamento do pai. Aqui não tá crescendo muito, mas no apartamento do pai tá crescendo, ele tá super feliz, ele tem a cana de açúcar dele.
00:19:19 AR
Ah, que legal.
00:19:20 KC
Então a gente… a gente tem essa… essa relação direta com o açúcar. E essa história da cana-de-açúcar entrou na vida cultural do meu filho, que, como eu falei, gosta de cozinhar e tenta várias coisas.
00:19:45 KC
Então, para ele ter essa cana ali plantadinha, ele também planta pimenta.
00:19:51 KC
Então, também tem as pimentinhas (pa pa pa). Tem pimenta lá que minha mãe já trouxe há muitos anos atrás também, pimenta, sementinha para plantar, do Brasil. Então tem várias pimentas do mundo todo que ele planta junto do pai.
00:20:06 KC
Então é, assim, um pouco da África do Sul e um pouco do Brasil, que a gente tem.
00:20:13 AR
Interessante, que interessante.
00:20:16 AR
E me conta um pouco se você lembra alguma coisa da parte da adaptação, de logo quando você chegou aqui em Israel.
00:20:25 AR
Enfim, a gente está com um pouco esse foco na comida brasileira, nas saudades da comida brasileira.
00:20:32 AR
Você tem aí histórias sobre isso que você pudesse compartilhar?
00:20:39 KC
Bem… no começo, em termos de adaptação, eu era estudante. Então…
00:20:48 KC
Eu sendo estudante, eu era super dura, então eu nem podia muito abusar da parte gastronômica.
00:20:58 KC
E como ainda antes de vir para Israel eu tinha ficado vegetariana, a vida ficou um pouco mais complicada.
00:21:07 KC
Então, digamos que já antes de sair do Brasil, a minha vida culinária tinha mudado um pouco, já não tava comendo a carne, então não tinha saudade da carne, que nem muitos dos meus amigos…
00:21:18 KC
tinham, que naquela época...
00:21:20 KC
Hoje em dia é mais fácil. Depois da imigração dos russos, ficou mais fácil encontrar mais carne e não kasher, etc.
00:21:28 KC
Mas eu não tive esse problema de adaptação porque eu não comia carne. E…
00:21:35 KC
Então assim, coisas que eu pedia sempre, se alguém vinha do Brasil para mim, que eu tinha saudade, era Guaraná.
00:21:42 KC
Morria de saudade de Guaraná.
00:21:44 KC
E Sonhos de Valsa, não Sonho de Valsa, Garoto.
00:21:49 KC
Eu, até hoje, me bota uma caixinha de Garoto na minha frente, fico feliz. (Risos).
00:21:57 KC
Então, esse tipo de coisa…
00:22:02 KC
Eu acho que...
00:22:05 KC
Eu ficaria surpresa se tem alguém que fez alguma imigração de algum lugar que não tem uma conexão com a comida de onde essa pessoa veio.
00:22:17 KC
Acho que é uma das lembranças, uma das memórias realmente mais marcantes.
00:22:22 KC
É o que faz uma diferença grande.
00:22:27 KC
Mas, no meu caso, foi meio amortecida justamente por eu já “tá”, assim, de uma forma natural.
00:22:34 KC
Naquela época, eu “tava” mudando o meu gosto culinário.
00:22:40 KC
Agora… agora eu fui ficando mais velha e eu acho que o que acontece é que, quando a gente vai ficando mais velha, é… a gente começa a fazer um rewind.
00:22:52 KC
Então, já há muitos anos, graças a Deus, tem algumas meninas aqui em Israel que vendem comida brasileira.
00:23:01 KC
Então, já há alguns anos que eu compro aqui comida brasileira.
00:23:06 KC
Então, no meu congelador, se eu não tenho do Brasil, que eu mesma tenho trazido aquela massinha seca de pão de queijo da Ipioca.
00:23:17 KC
Então, eu compro aqui pão de queijo… congelado.
00:23:22 KC
Se você for agora na minha, no meu congelador, tem lá pão de queijo.
00:23:27 KC
E goiabada, eu nem sempre compro, porque eu era a única que comia na minha casa.
00:23:32 KC
Não sei porque que vou engordar sozinha.
00:23:35 KC
Mas eu agora, justamente, falei assim: “ah, tô comprando.”
00:23:38 KC
Tô comprando goiabada.
00:23:40 KC
E dessa vez também comprei bolinho de bacalhau.
00:23:44 KC
Cada vez eu vou comprando alguma coisa.
00:23:45 KC
Sonho de Valsa.
00:23:46 KC
E...
00:23:49 KC
Não falta chocolate bom aqui em Israel?
00:23:51 KC
Não falta.
00:23:52 KC
E aqui vende chocolate do mundo inteiro.
00:23:54 AR
Tem razão.
00:23:54 KC
Eu ainda quero comer o Sonho de Valsa, não adianta.
00:23:57 KC
Se tivesse o Garoto, eu estaria comprando a caixa do Garoto.
00:24:00 KC
Não há dúvida nenhuma.
00:24:02 KC
Agora, feijão, por exemplo.
00:24:04 KC
Muita gente tem maior saudade do feijão.
00:24:07 KC
Eu, como eu tenho várias, assim… sensibilidades à comida, eu não posso comer feijão, então eu não sou das brasileiras que ficam morrendo de saudade da feijoada, porque eu não posso.
00:24:17 KC
Agora, eu adorava feijoada, mas eu simplesmente não posso, então prefiro nem pensar muito na feijoada, porque não posso comer feijoada.
00:24:26 KC
Agora, fruta brasileira também, que aqui tem menos, mas, se eu tenho a oportunidade, eu… vou encontrar mamão, e vou… a papaia, pequenininha. Ou agora… abacaxi, todo esse tipo de coisa.
00:24:43 KC
Chego no Brasil, vou correndo para a praia porque quero água de coco.
00:24:48 KC
E na minha casa antiga, eu plantei fruta do conde.
00:24:54 KC
Nem a fruta do conde, a outra, mas que está ligada com a fruta do conde.
00:24:58 AR
Graviola?
00:25:00 KC
Não é a graviola, é outra, tem outro nome.
00:25:02 KC
Ela não tem aqueles gominhos separados, mas do lado de fora ela é bem parecida.
00:25:08 KC
Esqueci o nome agora.
00:25:10 KC
Mas o engraçado é, assim, que a gente plantou aquela árvore quando a gente se mudou para casa, que era 2006, 2007, mais ou menos por aí a gente plantou a árvore, e ela nunca dava fruto, nunca dava.
00:25:23 KC
Falei: “nossa, isso daí é só para ver, não vou desfrutar dessa árvore.”
00:25:28 KC
E… justamente, um mês antes de eu me mudar da casa agora, deu um monte de frutos.
00:25:37 KC
Então, eu pude desfrutar, então me senti meio no Brasil, antes de mudar aqui para Tel Aviv.
00:25:44 KC
Então, pelo menos, eu tive essa… esse prazer.
00:25:50 KC
Que é engraçado que, como minha mãe é de Campos, e ela falou que, quando ela foi embora da casa dela, ela tinha plantado…
00:25:57 KC
uma árvore de ata, fruta-do-conde, e não deu fruto enquanto ela tava lá.
00:26:04 KC
Ela foi embora e, quando ela voltou e pediu pros novos moradores da casa, ela não recebeu a fruta-do-conde.
00:26:11 KC
Então eu liguei para a minha mãe e falei: “Mãe, olha aqui, tô comendo a minha fruta-do-conde antes de ir embora da minha casa.”
00:26:16 KC
Então, pelo menos, também foi outro desfecho da história.
00:26:22 AR
Olha que interessante.
00:26:26 KC
Eu acho assim, eu ainda sou bem light nessa história de comida, porque tem um monte de coisa.
00:26:32 KC
Eu não comi carne por muito tempo, hoje em dia eu como, eu voltei a ser carnívora, então eu como carne. E…
00:26:41 KC
Adoro uma churrascaria, adoro um rodízio, quando vou no Brasil.
00:26:48 KC
Mas, assim, as coisas pequenas são as coisas que mais me dão prazer.
00:26:52 KC
É assim, sou a mulher do café e todo mundo acha engraçado isso.
00:26:57 KC
É cafezinho com mil colheres de açúcar. Que é aquela coisa bem brasileira, essa história de café sem açúcar.
00:27:05 KC
Falei assim: “gente, vocês não são brasileiros, porque no Brasil a gente bota o cafezinho, a gente bota um monte de açúcar ali dentro e é açúcar com café.” (Risos)
00:27:15 KC
E é mais ou menos por aí.
00:27:17 KC
Então tem muita tradição alimentar que eu preservei.
00:27:25 KC
Me botam um brigadeiro na minha frente, eu… Não, mais ainda do que o brigadeiro.
00:27:29 KC
Me bota o beijinho de coco e assim, faz o meu dia.
00:27:33 KC
Estou feliz.
00:27:34 KC
Não precisa mais nada.
00:27:35 KC
Tô feliz. (Risos)
00:27:39 AR
E você tem conexão com outros brasileiros, grupos de brasileiros, assim?
00:27:46 KC
Tenho. Eu tenho…
00:27:48 KC
Teve época que eu… quando eu cheguei em Israel, eu vim sozinha, eu não vim com grupo.
00:27:57 KC
Eu vim sozinha, sozinha, então eu não tinha um grupo base de brasileiros, mas eu tinha algumas amigas, mas não muitas.
00:28:08 KC
Eu tinha um amigão meu que ainda tinha sido o meu madrir do tapuz. E até hoje ele tá em Israel.
00:28:17 KC
A gente, assim, a gente é família.
00:28:21 KC
Então, a gente sempre teve em contato.
00:28:25 KC
Mas como também me casei com um sul-africano, a gente tinha um grupo diferente.
00:28:32 KC
Tinha alguns amigos brasileiros, não é menos, mas justamente nos últimos anos...
00:28:36 KC
Eu acho que, como falei, a gente vai ficando mais velho, a gente começa a...
00:28:42 KC
dá mais valor ainda às nossas raízes.
00:28:44 KC
Acho que, quando a gente é jovem, a gente olha para frente, né? Olha para frente, olha para frente, olha pra… e não direi menosprezando, não mesmo, porque eu sempre gostei da minha cultura brasileira demais.
00:28:57 KC
Sempre fui super feliz e super...
00:29:01 KC
Como se fala?
00:29:03 KC
Proud, orgulhosa, muito.
00:29:06 KC
Mas a gente tá sempre… quando a gente é jovem, a gente quer olhar pra cá, pra lá, pra lá, a gente olha pra frente.
00:29:11 KC
Chega uma hora na vida que a gente já absorveu muita coisa. E a gente começa a ter a nostalgia e olhar para as nossas raízes e diz “ok, aprendi tudo isso, mas onde é que tá, em inglês se fala our core, onde é que tá a nossa raiz, o nosso eixo, né?”
00:29:31 KC
E o eixo é de onde a gente veio.
00:29:35 KC
Nos últimos anos, eu acho que tenho mais amigos brasileiros ainda.
00:29:38 KC
Eu gosto muito de falar português, com erro, com sotaque, mas eu gosto de falar português.
00:29:46 KC
Eu gosto muito de um Brasil.
00:29:48 KC
Minha mãe mora até hoje na mesma casa que eu nasci, cresci, em Copacabana.
00:29:56 KC
Então, é uma (falha na conexão) casa onde você cresceu.
00:30:06 KC
Então esse elo, e eu como arqueóloga, para mim é algo perfeito de poder tocar no passado.
00:30:15 KC
Então eu me relacionei aqui com Israel, com as minhas raízes judaicas, e com as minhas raízes com Israel, justamente por poder tocar.
00:30:24 KC
Eu acho que uma das razões também que a arqueologia me fez me sentir, assim tão especial.
00:30:32 KC
Mas ir no Brasil também, poder estar na minha casa, onde eu cresci, também é minha arqueologia particular e algo super especial.
00:30:40 KC
Então, até a corona, eu viajava duas vezes por ano, desde que meu pai faleceu, em 2005, eu tava indo duas vezes por ano.
00:30:49 KC
Eu ia para o Brasil, tal, para ver minha mãe.
00:30:51 KC
Minha mãe também...
00:30:55 KC
vinha para cá, participava das minhas escavações arqueológicas.
00:30:59 KC
Então o corona também fechou as portas para ela.
00:31:02 KC
Então agora ela também já é mais velha e tal, mas, enquanto ela pôde, ela também.
00:31:08 KC
Ela pegava o avião e vinha para cá. E…
00:31:12 KC
A minha cunhada também veio várias vezes participar das minhas escavações.
00:31:17 KC
Então… minha irmã mora na Itália. Então, é…
00:31:23 KC
A minha irmã eu vejo muito, mas também não durante o corona.
00:31:31 KC
Mas, então, esse elo com o Brasil eu sempre “manti”, eu tinha esse sonho de desfilar no Sambódromo.
00:31:38 KC
Então, em 2019, que acho que foi até um dos últimos carnavais de fato, né?
00:31:45 AR
Sim, sim.
00:31:45 KC
Eu pude fazer isso.
00:31:46 KC
Eu pude fazer isso porque era exatamente o dia do aniversário.
00:31:49 KC
Falei para a minha filha: “eu vou comprar fantasia para você, para o teu namorado, para mim.”
00:31:54 KC
Nós fomos desfilar e ainda tivemos a oportunidade também de desfilar duas vezes, porque a gente também foi no Desfile das Campeãs. Então foi assim…
00:32:00 KC
Ou seja, todas essas coisinhas que me ligam com o Brasil, para mim, são importantes.
00:32:07 KC
E eu gosto de passar isso.
00:32:09 KC
Você vem aqui na minha casa, você encontra muito Brasil na minha casa, em termos de decoração.
00:32:15 KC
Tem gente brasileira que fala assim: “ah tua casa tem jeitinho de casa de Brasil.”
00:32:21 KC
Falei assim: “é verdade.”
00:32:22 KC
Então, é por aí.
00:32:24 KC
Ou seja, eu já tô aqui há tantos anos, mas… eu ainda me sinto, em termos culturais, muito brasileira.
00:32:36 KC
Muito.
00:32:38 AR
Que legal, que interessante.
00:32:40 AR
E tem aí alguma outra coisa que você queira contar, complementar?
00:32:49 KC
A coisa interessante a gente sempre fica falando do… da, como é que se fala? Da sina do judeu errante, né?
00:33:02 KC
A gente tava falando ontem dos brasileiros que tão aqui.
00:33:07 KC
Eu falei assim: “é, mas antes da gente tá aqui, né, a gente chegou lá no Brasil.”
00:33:13 KC
Então como é que chegou lá no Brasil?
00:33:15 KC
Acho que também a minha imigração para Israel tem umas coisas interessantes.
00:33:20 KC
Meu pai veio cedo da Polônia, então ele tem aquela história conhecida dos judeus que vieram antes da guerra ainda.
00:33:29 KC
Chegaram no Brasil, tal.
00:33:31 KC
Então, essa é a minha parte paterna, que é polonesa.
00:33:37 KC
A parte materna é muito interessante, que o meu avô, por parte materna… minha mãe perdeu o pai quando ela tinha 14 anos.
00:33:50 KC
Ela não sabe tanto da história dele, mas a parte mais importante ela sabe, e até temos fotos.
00:33:58 KC
O meu avô, ele foi embora da Palestina Otomana, Palestina Turca, em 1909, com o tio.
00:34:05 KC
Então, na verdade, as minhas raízes estão aqui.
00:34:08 KC
Em 1909, ele foi embora do que hoje é. Hoje em dia tem Hiroshpina e hoje em dia tem Tzfat, mas na época do turco otomano era praticamente a mesma coisa, Hiroshpina, Tzfat.
00:34:23 KC
Então era uma época difícil não só por causa das condições naturais, mas também o… a administração otomana era muito dura com os residentes locais, os residentes judeus, tal.
00:34:37 KC
Então, o meu avô com o tio foram embora para o Brasil.
00:34:43 KC
O interessante, então, lá ele conheceu a minha avó.
00:34:46 KC
A minha avó é assim… veio de Odessa, “Ucraina”, pra a Argentina.
00:34:54 KC
Então, eu tenho também a minha parte portenha de Buenos Aires e de Buenos Aires-Porto Alegre.
00:35:02 KC
E Porto Alegre, aí ela conheceu o meu avô, eles moraram em Campos.
00:35:05 KC
Agora, olha que bonita a história.
00:35:07 KC
Não só que eu voltei. Eu voltei pra onde o meu avô veio, e, na verdade, onde eu escavo é tudo lá por perto, né? Eu, eu…
00:35:18 KC
Não em Tzfat, não Horoshpina, mas durante o meu doutorado eu trabalhei, eu estudei em vários sítios perto.
00:35:25 KC
Eu sempre falava assim: “ah, meu avô com certeza passeou por aqui.”
00:35:30 KC
Mas o interessante é que Campos é um dos lugares do Brasil da cultura açucareira, né?
00:35:36 KC
Então, eu falei assim: “olha só”. Também, eu lido hoje em dia com esse tema nos meus dois sítios arqueológicos. O começo da industrialização da cana e, na verdade, as minhas raízes estão em Campos.
00:35:52 KC
Então, o tempo todo estou falando, várias vezes vou no Brasil, vou no Rio e falo assim: “oh, tenho que ir a Campos.”
00:35:59 KC
Só que é três horas do Rio, não é tão fácil assim, mas eu ainda vou fazer isso, tenho que…(Risos) tenho que visitar. Mas eu acho, é legal a gente ver como as coisas vão se… associando. Então eu acho legal.
00:36:17 KC
E eu, de novo, como arqueóloga, eu gosto muito de ligar essas coisas, da gente tá fechando certos ciclos e ligando.
00:36:29 KC
Olha só o quanto longe Israel, Brasil, mas, na verdade, a história do Brasil foi traçada pelo que começou aqui.
00:36:39 KC
Na verdade, a história do Brasil foi traçada pelo açúcar, né? Então…
00:36:44 KC
Desde escravidão, as diferenças sociais, economia brasileira, colonização portuguesa.
00:36:53 KC
E tudo isso começou porque o açúcar começou aqui e daqui, Chipre, Rodes, Ilha da Madeira e, eventualmente, as Américas, né?
00:37:03 KC
Então, isso também é legal. Ver essa...
00:37:06 KC
ligação do que eu faço, do que eu estudo com o Brasil.
00:37:10 KC
Ainda vai acontecer de ter um trabalho que eu consiga, no trabalho como acadêmica, conseguir ligar a academia, tanto a parte acadêmica brasileira com a israelense, isso ainda é um sonho, de poder fazer algum trabalho conjunto com o brasileiro nesse assunto.
00:37:31 AR
Que legal, muito legal, Kátia.
00:37:34 AR
Bacana.
00:37:35 AR
Tem mais alguma coisa que você gostaria de acrescentar?
00:37:41 KC
Humm… Pergunta.
00:37:44 KC
Outra coisa brasileira, mas também durou pouco.
00:37:48 KC
Quando eu cheguei aqui, eu joguei vôlei, porque quando eu cheguei aqui eu precisava de dinheiro, eram aquelas meninas orgulhosas.
00:37:56 KC
Eu falei: “se eu resolvi emigrar e deixar a minha casa, eu tenho que conseguir me sustentar.” (Risos)
00:38:05 KC
Só que naquela época Israel já era mais cara do Brasil.
00:38:08 KC
Agora está horrivelmente mais caro do que o Brasil, mas naquela época já era mais difícil.
00:38:15 KC
E eu estudava o dia todo, tal.
00:38:18 KC
Eu me lembro que, isso já bem no comecinho, eu falei: “bem, em que que eu posso trabalhar?”
00:38:25 KC
Eu falei assim: “ah, eu vou tentar trabalhar no cabeleireiro.” (Risos) Porque assim tenho o meu cabelo cortado legal e, ao mesmo tempo, vou estar recebendo as gorjetas boas lá, porque não é qualquer cabeleireiro.
00:38:41 KC
Fui no cabeleireiro de Jerusalém.
00:38:43 KC
E se chamava Roots, e fui recebida para trabalhar, me senti super orgulhosa, falei: “uau, vou trabalhar na Roots e tal.”
00:38:51 KC
Mas, no caminho de volta para pegar o ônibus, eu passei pela filial da… do município, dos escritórios da prefeitura, e eu vi que “tava” escrito ali que era o departamento de esportivo. E eu falei assim: “ah vou entrar e perguntar se tem algum lugar que eu possa jogar vôlei e tal, nas minhas poucas horas vagas.”
00:39:13 KC
Aí eu me lembro que eu subi, botei a minha cara dentro do escritório e falei assim: “ah, sou Olah Radasha, tem algum lugar que eu possa jogar vôlei?”
00:39:23 KC
Aí tinham lá dois caras, eu me lembro do nome deles, Heitor e Ike, que eles eram os responsáveis pelo vôlei de Jerusalém, Hapoel Shaarayim, era o time. E eles falaram: “hoje à noite você aparece no Hotel Aritziono, que a gente tem o nosso primeiro encontro do time de vôlei do Hapoel Shaarayim.”
00:39:47 KC
Falei: “Ok.”
00:39:51 KC
Aí, naquele dia, eu já tava dentro do time, dentro da seleção de vôlei do Hapoel Shaarayim, que não era, como meu pai diria, não era groismetsia, mas preservou um pouco do meu vôlei por dois anos, dois-três anos.
00:40:12 KC
Mas aí depois eu me machuquei e tava prejudicando muito meus estudos, porque eu vivia entre jogo e fisioterapia.
00:40:22 KC
Então eu falei: “chega.”
00:40:26 KC
Mas foi um bom começo.
00:40:28 KC
Aí, você lá atrás perguntou para mim como é que eu me adaptei, como é que eu me senti no começo, como é que foi a minha… o começo da minha aliá, tal.
00:40:38 KC
Então tudo isso, o fato de eu ter começado a jogar vôlei, então eu direto tava dentro da cultura israelense, eu tava jogando vôlei com o pessoal local.
00:40:53 KC
E eu pra…
00:40:55 KC
Chegou uma hora que eu falei para eles, falei assim: “gente, se vocês querem que eu continue jogando, vocês vão ter que me ajudar a sustentar, pelo menos para comprar a comida, tal, porque eu não tenho tempo de trabalhar em outra coisa se eu estou jogando vôlei.”
00:41:08 KC
Ah, obviamente que naquela mesma noite eu liguei para o Roots para dizer que eu não ia trabalhar no cabeleireiro. Esqueci de falar isso.
00:41:14 KC:
Mas eu falei para eles, eu falei assim: vocês vão ter que me ajudar com a grana, porque eu não vou ter tempo de trabalhar.
00:41:22 KC
E realmente eles concordaram, que era uma coisa também...
00:41:25 KC
Geralmente não se pagava para a menina, para jogar, mas eles me ajudaram.
00:41:30 KC
Mas eles falaram assim: “você vai ter que então dar aula de vôlei.”
00:41:35 KC
Então eu dei aula de vôlei em dois lugares, que também me fez entrar dentro da cultura israelense, porque eu dei aula de vôlei em dois bairros com, como se fala? Com poder socioeconômico muito diferente.
00:41:51 KC
Então eu conheci essa cidade israelense bem rápida.
00:41:54 KC
Fora isso, quando você começa a estudar na faculdade de Jerusalém. Acho que em qualquer faculdade, a sua forma de retornar a bolsa que você “tá” ganhando, é fazer o que se chama PERAR.
00:42:08 KC
PERAR (Inaudível)
00:42:09 KC
Você, na verdade, dá auxílio a alguma criança com dificuldade.
00:42:15 KC
Então, eu, por um ano inteiro, ou talvez até mais que isso, também fui PERAR de um menino que estudava também em outro colégio.
00:42:26 KC
Então também conheci um outro colégio em Jerusalém. E eu ajudei ele a aprender inglês, principalmente.
00:42:36 KC
Então, essas coisas me fizeram...
00:42:37 KC
A mãe dele era super fofa e eu manti...
00:42:40 KC
Eu tinha ainda o meu contato com o Kibutz, que também...
00:42:45 KC
A mãe do Kibutz, ela mandava coisas pra faculdade e tal, para eu ter os bolinhos dela, etc.
00:42:53 KC
Ter os docinhos dela.
00:42:54 KC
Então, deu para eu me sentir bem em casa. Eu morei nos dormitórios no começo, então isso foi mais difícil, porque eu treinava e jogava vôlei, aí eu voltava muito tarde. E aí foi ficando difícil, foi quando eu me mudei.
00:43:12 KC
Mas é… eu acho que essa foi a melhor parte, eu entrei direto na sociedade israelense nesse ponto.
00:43:21 KC
Então eu acho que isso foi importante.
00:43:24 KC
O hebraico melhorou direto.
00:43:27 KC
O único problema que foi difícil demais para mim foi que praticamente...
00:43:36 KC
Direto.
00:43:37 KC
Cheguei em Israel quando… como falei, em maio.
00:43:41 KC
Eu tive que voltar para o Brasil por um pouco de tempo por causa de doença na família.
00:43:45 KC
Retornei.
00:43:46 KC
Quando retornei, começou a (inaudível).
00:43:52 KC
E aquilo foi muito chocante para mim.
00:43:56 KC
Então, aquilo foi muito difícil.
00:43:58 KC
E talvez se eu não tivesse todo esse apoio que eu tinha justamente de pessoas locais, me explicando a situação, me vendo… me fazendo ver o que que tava acontecendo, etc., me colocando à par da política e da...
00:44:20 KC
E assim, de toda tensão.
00:44:24 KC
Então, não é que isso diminuiu a minha tensão, mas pelo menos quando você entende, né, não é só pneu pegando fogo.
00:44:34 KC
E não é só gritaria, e não é só correria, e não é só pedrada.
00:44:39 KC
Você entende o que tá acontecendo.
00:44:41 KC
Então, não é que o negócio se torne fácil, mas o negócio, pelo menos, você entende.
00:44:47 KC
E se você quer ser parte daquela sociedade, você já pode...
00:44:53 KC
começar a elaborar a sua própria forma de ver.
00:44:57 KC
O que muitas vezes, quando chega imigrante, imigrante muitas vezes fica alienado por muito tempo, fica daquele grupo, o tempo todo ainda falando a língua natal e não entrando direto na sociedade.
00:45:13 KC
E acho que nesse ponto pro bem e pro mal, eu fui absorvida bem rápido.
00:45:22 KC
Essa parte foi difícil, de ver a intifada e sentir na pele, porque o bairro da universidade é bem do lado de Beit Hanina e Sauia. Então lá tinha muita bagunça, a Porta de Damasco.
00:45:41 KC
Eu cheguei ainda, curti um pouquinho da Porta de Damasco, e Tomah Sarlab e etc., mas foi praticamente nada, porque logo depois começou toda a bagunça, então já não dava mais para ir para lá.
00:45:54 KC
Então foi uma pena, foi difícil, eu tive pensamentos...
00:46:00 KC
de ir embora, por pouco, mas eu falei, vou para Tel Aviv, eu não sabia o que fazer com aquela situação, mas, no final, fiquei em Jerusalém até 2001.
00:46:11 KC
E só em 2001 é que a gente se mudou para Hod HaSharon, para o Santo Israel, e por outros motivos.
00:46:18 KC
Por outros motivos, e não...
00:46:22 KC
já fugindo, tanto que o meu ex-marido, ele era fotógrafo-jornalista.
00:46:26 KC
Então, parte da história era justamente documentar aquela loucura toda.
00:46:31 KC
Então, não só que eu não fugi da situação, como aquela situação veio para dentro de casa, né?
00:46:39 KC
A gente vivia 24/7 a situação, porque era o Bipper tocando etc., e isso já desde 91.
00:46:48 KC
Quando ele começou a trabalhar como fotojornalista. Então…
00:46:53 KC
Só que aí a gente entende a situação de uma forma diferente.
00:46:56 KC
Aquilo era, para nós, uma coisa bem real, dentro de casa.
00:47:01 KC
Mas é por aí. Então…
00:47:04 KC
Tudo isso faz parte da rota de um imigrante, do imigrante brasileiro.
00:47:11 AR
Legal. Sim.
00:47:12 KC
Sim.
00:47:12 KC
É isso aí.
00:47:14 AR
Ah, Kátia, muito obrigada aí pelo teu depoimento.
00:47:18 AR
Muito interessante ouvir tuas histórias.
00:47:22 KC
Isso aí.
00:47:22 AR
E depois, se você tiver fotos, alguma imagem, objetos que de repente você pudesse fotografar alguma coisa assim...
00:47:29 KC
Aham. Tá bom.
00:47:32 KC
Fora a goiabada.
00:47:34 KC
Fora a goiabada.
00:47:37 AR
É! (Risos) Porque daí a gente também coloca na exposição, enfim, coloca essas informações.
00:47:43 AR
E depois eu vou te… vou interromper aqui a gravação.
00:47:49 KC
Esqueci…
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