Memórias do Comércio da Cidade do Rio de Janeiro
Depoimento de Francisco Cruz Loyola
Entrevistado por André Babaiof e Edivaldo de Melo
Rio de Janeiro, 30/06/2003
Realização Museu da Pessoa
Código: MCRJ_HV026
Transcrito por Denise Boschetti
Revisado por Ligia Furlan
P/1- Bom dia. Eu queria começar perguntando qual seu nome, local e data de nascimento.
R- O nome é Francisco Cruz Loyola , nasci em primeiro de setembro de 1948, em Sobral, no Ceará.
P/1- O nome dos seus pais?
R- Meu pai é Francisco Cruz de Souza, e minha mãe Adalgisa Dias Loyola.
P/1- E o nome dos seus avós, o senhor lembra?
R- Meus avós... Raimundo Dica Loyola e Rosa Maria de Souza.
P/1- Qual a atividade do seu pai?
R- Meu pai tinha fazenda, nós tínhamos sítio, fazenda, morávamos em Sobral e íamos para a fazenda fazer os trabalhos de agricultura.
P/1- O senhor sabe a origem do seu nome?
R- A origem do meu nome vem de espanhóis e italianos. Porque foi colonizado, Sobral, na época, e vem assim dos meus tataravôs, parece, mais ou menos.
P/1- E o senhor tem irmãos?
R- Só 16, comigo 17 (risos).
P/1- O Senhor lembra do nome de todos eles?
R- Lembro. O mais velho é Valdo, depois a Rosa, Raimundo, João, Raimunda, Conceição, José, eu, que sou o Francisco, Valdec, Vicente, Edilma, Antonia e Assis.
P/1- O senhor falou que o seu pai tinha Fazenda, mas vocês moravam em Sobral. Como é que era essa sua casa em sobral?
R- Era uma casa mais ou menos normal. A gente morava ali perto dos Arcos da Lapa, a entrada de Sobral, que tem ali o rio, que a gente vê da estrada; se chama os Arcos, é a entrada de Sobral, que tem os arcos, tem uma santa e tem uma igreja do lado, ali é a entrada de Sobral, a gente morava ali do lado.
P/1- Eu queria que o senhor descrevesse sua casa, como era; descrever fisicamente como era a casa.
R- Olha, era uma casa de quatro quartos, com alpendrezinho, sala, cozinha, Inclusive tinha um fogão à lenha. Era na cidade, mas tinha um fogãozinho de lenha, e o fogão... Nessa época estava começando esse negócio que a gente começava a ver de fogão a gás, esse negócio todo. Rádio tinha um rádio de pilha, que foi exatamente nessa época, quando foi fundada a Rádio Tupinambá do padre José Palhano, que foi governador lá. Tinha um radiozinho de pilha que a gente ficava com aquele radiozinho, nem televisão tinha, na época.
P/1- Como era o funcionamento da casa?
R- Amanhecia o dia, aquela rapaziada, aquela garotada, todo mundo ia tomar café. Depois meu pai já saía cedinho, ia pegar o Jeep. Os que estavam trabalhando iam com ele para a fazenda. Pegava o pessoal que tinha lá pra trabalhar, ia e voltava. Quando era cinco, seis horas, voltava de novo pra casa.
P/1- Como é que era essa fazenda?
R- Nossa Fazenda chamava-se Caiçara, e outra, distante, chamava-se Rasteira, o nome das Fazendas. Essa Caiçara é a que a gente mais cultivava. Tinha o gado, plantações, usina, aquele negócio todo. Inclusive, quando dava uma seca, aquilo se deteriorava muito, porque lá tinha muita seca de vez em quando.
P/1- Vocês plantavam o que lá?
R- Plantava milho, feijão, algodão. Colhia muita Oiticica, na época era uma das fontes de renda que a gente tinha. Milho, algodão, feijão, arroz, plantava tudo.
P/1- E as brincadeiras, quais as brincadeiras que vocês faziam?
R- As brincadeiras da gente era negócio de carrinho, aqueles carrinhos... Pegava uma vassoura, montava em cima dizendo que era um cavalo. Aquelas brincadeiras que hoje não são sofisticadas. O cara pega o vídeo game, vai brincar de... Naquela época era o carrinho, era brincar, era correr atrás um do outro, se esconder, passar o anel, as brincadeiras daquela época eram essas.
P/1- Como que era passar o anel?
R- Passar o anel, você... Ficam várias pessoas assim, e você pega um anel de quem tiver − um anel mesmo −, bota na mão e vai passando da mão de um pro outro. O primeiro começar a adivinhar, quem adivinhasse tinha o prêmio, e quem perdesse ia saindo da brincadeira.
P/1- Esses brinquedos eram feitos...
R- Normalmente pela gente.
P/1- Carrinho, do que era?
R- De madeira. Você pegava madeira, pegava umas rodinhas, fazia rodinha de madeira, furava... Entendeu? Fazia essas carrocerias de carro e saía puxando. Às vezes fazia um maiorzinho, cheio de madeira, e saía com ele na rua, como quem ia vender madeira, aquele negócio todo.
P/1- E a escola, como era a escola?
R- Olha a escola... A gente tinha uma moça que ensinava a gente dentro de casa, pra começar, porque eram poucas escolas que tinha, então tinha uma moça que ia ensinando a gente, ia alfabetizando a gente dentro de casa. Depois, dali é que a gente ia saindo para uma escola. E outra... Tanto é que a gente não chegou a fazer curso superior nenhum, porque tinha que dividir entre uma coisa e outra, e naquela época a gente achava que se alfabetizando já estava bom, porque eram poucos que conseguiam se alfabetizar, a maioria não sabia nada, realmente, nem escrever o nome. E a gente, devido à época, se alfabetizando já achava que estava bom. O que falta pra gente, hoje, o que vem acarretar problemas na vida da gente hoje, né.
P/1- O senhor se lembra de alguma dessas professoras que o senhor disse que foi pra outra escola? Alguma que marcou o senhor?
R- Lembro, lembro. A Conceição, era uma moça loura e tal. Ela começou a alfabetizar a gente, ia lá pra casa e começou alfabetizar a gente. Depois ela passou esse tempo todo... Inclusive ficou doente. A gente teve que pagar o tratamento pra ela, e ela ficou durante muito tempo com a gente, alfabetizou quase toda família da gente. Depois dela passou pra minha irmã, minha irmã passou a alfabetizar os mais novos que vinham, minha própria irmã.
P/1- O senhor falou que fazia os brinquedos, mas como é que seu pai fazia as compras naquela época? Na cidade?
R- A gente colhia tudo né, colhia milho, feijão, arroz, a mandioca, pra fazer farinha, tudo era feito pela gente. Ao contrário, a gente vendia, entendeu. Alimentação, em vez de comprar a gente vendia. Alguma coisa... Se fosse remédio sim, ia à farmácia e comprava, mas o resto a gente colhia, não se comprava.
P/1- Vendia onde?
R- Vendia pra um, pra outro. Chegava um comerciante, queria comprar tantos alqueires de milho, meu pai pegava e vendia. Chegava outro, queria comprar um alqueire de feijão, um negócio qualquer, a gente vendia.
P/1- O comerciantes eram da onde?
R- Do mercado, normalmente do Mercado de Sobral.
P/1- E roupa, pra vestir esse pessoal todo?
R- Roupa minha mãe fazia, minha mãe costurava em casa, fazia pra todo mundo.
P/1- Comprava o tecido e fazia?
R- Fazia pra todo mundo.
P/1- Eu queria que o Senhor descrevesse um pouco Sobral da tua infância. Como é que era a cidade?
R- Olha, Sobral é uma cidade baixa, metida no meio de uma serra, mas uma cidade muito gostosa, cidade limpíssima. Sobral sempre teve sorte, uma cidade sempre bem zelada. Nós tivemos prefeitos lá, durante muito tempo... O Chico Monte, que inclusive é padrinho de uma das minhas irmãs, durante muito tempo ele foi o prefeito de lá. Depois entrou o padre Palhano, da minha época, que também zelava muito por Sobral. E é uma cidade que é passagem pra Piauí, pra Maranhão, pra esse negócio todo. Então tinha um movimento muito grande devido essas coisas. E a segunda maior cidade do Ceará hoje é Sobral, com uma população bem grande, hoje.
P/1- O senhor visita muito?
R- Não, vou pouco. Depois que eu estou aqui eu fui lá umas três vezes e voltei. Há dez anos estive em Fortaleza, que eu abri um restaurante lá com meu irmão, abrimos uma churrascaria, inclusive fizemos Shows com a Roberta Miranda, aquele negócio todo. Mas depois não deu certo, voltei pra cá de novo.
P/1- Ainda tem muitos parentes lá?
R- Tem quase todos, só não tem mais meu pai e minha mãe, que já se foram, mas quase todos vivem lá.
P/1- Agora mais pra parte da juventude. A gente estava falando de infância, agora a gente vai começando a adolescência. Como é que o senhor costumava fazer pra se divertir?
R- Ia a festas, festa da roça a gente ia muito. Inclusive na fazenda de casa tinha um senhor que se chamava senhor Raimundo, que fazia o cabelo, o barbeiro, que cortava o cabelo da gente. Então a minha mãe, preocupada, chegava o final de semana ela levava ele lá pra casa, pra ele nos levar pra festa. Ele ficava na festa com a gente até a hora que a íamos... A gente com 13, 14 anos, mas já vinha da festa quase de manhã, dançava a noite todinha na roça, e ele levava e trazia a gente.
P/1- Que festas eram essas?
R- Era festa de forró. O pessoal trazia aquela latada de palha, batia o chão e a gente passava a noite todinha dançando naquilo ali. Erra muito gostoso, muito gostoso.
P/1- O ano todo tinha festa?
R- O ano todo.
P/1- E as festas religiosas?
R- Festa religiosa tinha a Festa do Trapiá, onde tem um cemiteriozinho, foi enterrado meu pai; a Festa do Foquilha e uma festa em Sobral. As festas religiosas mais eram essas, todos os anos. E Guraíras também. Era Trapiá, Foquilha e Guraíras, que a gente sempre ia todas elas. A do Trapiá era em Setembro, Foquilha em outubro e em seguida a de Guraíras.
P/1- E nessas festas o que tinha, o que as pessoas bebiam?
R- Muita cachaça, muita cachaça, sempre a cachaça. Eu, como não bebia, nunca bebi realmente, mas eu via o pessoal. Chegavam lá, botavam um barzinho assim, cada um botava uma coisa. Uns vendiam cachaça, outros vendiam aluá... Sabe o que é aluá? Aluá é um refresco feito de milho. Você pega o milho e deixa, bota dentro de um pote de um dia pra outro, vira aquilo tudinho, depois côa, bota açúcar e vende nas festas. (risos)
P/1- E comida, o que tinha lá?
R- Comida é aquele negócio, normalmente era pé de moleque, bolo de aipim que faziam e tapioca. Sempre as festas era isso, as comidas mais ou menos é isso.
P/1- E esporte, o senhor jogava bola com seus irmãos?
R- Jogava, a gente tinha um campinho na fazenda. Eu era ruim de bola pra toda vida (risos), mas a gente jogava muita bola. Inclusive, às vezes, quando a gente ia pra fazenda, que terminava o serviço, a gente ficava até seis, sete horas jogando bola. No campinho jogando bola, e se fazia os campeonatos , final de semana, dia de domingo, tinha a Caiçara, Arrebita, que era do meu avô, e a Vale da Cobra, que era a maior diferença que existia entre uma e outra. Era uma confusão danada, a rapaziada... Porque a Vale da Cobra achava que era a melhor que tinha de futebol, o Arrebita achava que era, e a Caiçara também achava, então a gente fazia o campeonato, e normalmente sempre dava uma brigazinha, no final sempre dava uma briga.
P/1- E como é que vocês se vestiam pra ir para as festas, como era a roupa?
R- Aquele negócio, minha mãe fazia roupa pra todo mundo e sempre fazia a roupa de sair: “esta aqui é de ir à festa, essa aqui é de ir na Igreja, essa aqui é de se confessar”, sempre tinha as roupas diferenciadas.
P/1- E como era essa roupa de festa?
R- A roupa de festa ela fazia... Uma camisa mais bonita, uma camisa mais apresentável, que essa era pra ir pra igreja. A de festa era uma camiseta qualquer, uma calça qualquer. O sapato tinha um de ir pra igreja e outro de dançar na festa, não podia se misturar um com o outro não.
P/1- E as cores, tinha muita variedade de cores?
R- Tinha. Normalmente as cores... Porque tem as épocas de festa, que aqui chama festa junina, lá chamava Xadrez, todo mundo ia de camisa listrada, chamava Xadrez, todo mundo era obrigado a ir de camisa listrada.
P/1- Obrigado?
R- Era, era necessário, tinha que ir, inclusive o pessoal chama a festa de Xadrez.
P/1- Tinha quadrilha?
R- Tinha quadrilha. A gente fazia a dança do Boi, o cara entrava em um coiso daqueles que fazia de Boi, aquele negócio todo, ali rolava um melão e vender fruta, vender um cabrito, vender uma coisa e outra.
P/1- Tinha competição de grupos?
R- Tinha, tinha. Às vezes a pessoa que ganhava levava a cabeça do Boi, ou levava um prêmio que tinha, um premiozinho qualquer.
P/1- E quais os outros lugares que o senhor frequentava? Lá tinha cinema, tinha sorveteria?
R- Não, na época nada disso. A gente só ia para as festas, a diversão realmente eram as festas de final de semana. Você escutava no rádio alguma coisa, “tal dia o Caxangá vai tocar num lugar e nós vamos numa festa. O Zé Raimundo − que era o sanfoneiro − vai tocar em tal lugar, a festa e tal e tal”, e aí vinham aqueles convites, e a gente ia pras festas, sempre acompanhando aonde o sanfoneiro ia.
P/1- Os sanfoneiros vocês compravam discos?
R- Não, não tinham discos, só tocavam nas festas.
P/1- O senhor lembra de algum... Qual foi o sanfoneiro desses que o senhor ouviu, que o senhor mais gostou?
R- Era os dois famosos lá, o Zé Raimundo e o Caxangá, que chamava... Era um grupozinho, eles tocavam oito baixos.
P/1- E como é que eles se vestiam?
R- Eles se vestiam... Botavam uma roupa qualquer, um chapeuzinho na cabeça, aquele chapeuzinho de vaqueiro. Eles sempre usavam isso, um chapeuzinho de vaqueiro e às vezes uns óculos escuros que ele botava. O Zé Raimundo sempre botava... Porque era o sanfoneiro, e os outros o triângulo e o pandeiro. E pronto, ali rolava a noite toda, com lampião, sempre lampião, porque não tinha luz, era um lampiãozinho colocado num... De vez em quando chegava um maluco lá, batia a mão ou a faca, quebrava um lampião daquele. Aí já viu, começava a confusão toda.
P/1- Isso é mais ou menos que ano, só pra gente botar data?
R- Isso era mais ou menos 60, por aí, 60, 60 e pouco. Mas lá o garoto passava de dez anos já frequentava as festas todinhas normalmente. Dançava...
P/1- E as paqueras, o senhor já paquerava muito?
R- Bastante, bastante. A gente lá em casa tinha uma sorte danada com as garotas, porque a gente levava uma vida mais ou menos, o pessoal... A família lá em casa sempre foi um pessoal mais ou menos parecido, escola, esse negócio todo ____________, então a gente levava muita vantagem, às vezes, sobre isso.
P/2- Como é que era a paquera naquela época, você lembra?
R- A gente ia pra festa, começava a dançar ali, começava de olho na menina, aquele negócio todo, aí tirava pra dançar, e ali começava. Às vezes a gente arrumava três, quatro paqueras, porque os pais chegavam com a menina, a gente começava a namorar e tal, aí a gente ia levar ela em casa, voltava pra festa, chegava, arrumava outra, estava na hora de ir embora, voltava com a outra. Era muito engraçado, muito gozado, realmente. A infância da gente era essa, mas valia, era muito válido, pra gente era a única coisa que tinha.
P/1- E os pais eram muito caxias, ficavam em cima?
R- Não, não, nessa altura eu já não tinha mais meu pai.
P/1- Não, os pais das meninas.
R- Ah! Sim, sim, eram exigentes demais. Inclusive, se a gente chegasse e fosse namorar uma escurinha, o pai dela falava, “não vai namorar com ele não, que ele não quer nada contigo. Tu não está vendo que o cara é um cara novo? Vai namorar contigo, que trabalha na fazenda e é preta?” Tinha essa complexão besta, essa burrice, tanto é que hoje eu sou casado com mulher escura.
P/2- Se queria namorar não podia?
R- Não podia.
P/1- A gente está falando da sua juventude. Um pedaço da sua juventude foi em Sobral, mas o senhor passou boa parte da sua juventude...
R- Aí eu vim pra cá, pro Rio.
P2- Com quantos anos?
R- Eu passei o que? Dos nove aos 14 anos eu fiquei lá no Ceará, nessas festas, nessa brincadeira toda. A gente não esquece, realmente. Eu sempre tive essa memória de tudo, desde quando eu tinha cinco, seis anos, minha memória... Eu sempre guardei. Aí eu vim pra cá e aqui eu quase acabei minha juventude. Se eu estivesse lá eu teria me (divertido?) bem mais, porque eu vim... Porque eu vim com aquele complexo, a minha mãe tinha dinheiro pra ir e voltar e eu não aceitava aquilo.
P/2- Explica pra gente essa decisão de vir pro Rio de Janeiro. Por que essa decisão e como foi essa aventura?
R- Você sabe o que acontece? Lá em casa era uma família muito grande, e quando a minha mãe casou a segunda vez − eu era muito garotinho −, foi um casamento contra a família toda. Eu não, eu sempre... Por incrível que pareça eu queria ver se harmonizava alguma coisa, porque uma vez que ela queria casar, paciência. E aquele negócio de herança, negócio de fazendas, os outros filhos não queriam aceitar. O meu avô não queria, porque o meu pai... O meu avô achava que era Deus no céu e ele na Terra. Ele morreu e minha mãe foi casar, e era um cara que foi empregado da gente, era empregado do meu pai na fazenda, aí foi aquele escândalo. O meu avô passou 16 anos em dar a benção à minha mãe.
P/2- O pai do seu pai ou o pai da sua mãe?
R- O pai da minha mãe, porque ela casou com ele. Então casou, aquele negócio todo, foram numa... Inclusive foi um casamento praticamente escondido que minha mãe fez. Eles foram pra uma Igreja lá no Trapiá, arrumaram um juiz, casaram lá. Quando vieram os dois, ninguém sabia de nada, aí começou, teve um infernozinho na vida da gente. Mas não é que o cara fosse má pessoa, absolutamente, ele não era má pessoa, o Geraldo Leite. Agora, é aquele negócio um pouco ganancioso, entendeu? Ali começou a desmantelar a vida da gente bastante, porque os filhos mais velhos não aceitavam e queriam a fazenda e queriam não sei o que. O que minha mãe fez? Deu uma fazenda pros filhos e ficou com a outra. Mas acontece que eles não queriam, eles achavam que eram donos de tudo, e começaram a fazer besteira. Vendeu um pedaço pra cá, vendeu uma casa pra lá, vendeu uma coisa, aí começou umas brigazinhas. Começaram umas briguinhas e eu não me sentia bem, aí quando foi um dia eu disse “mãe, eu vou embora”, “não, não faz isso, tu ainda é o único que a gente não discute”, eu falei “não, eu vou embora, não dá mais para segurar”. Eu tinha 14 anos, mas eu sentia que o negócio era complicado. Aí aquele negócio, eu vendi uma vaca que eu tinha, cada filho tinha umas vacas, eu deixei algumas lá e vendi, aí comprei a passagem, apanhei o ônibus e vim embora.
P/2- O que o senhor conhecia do Rio de Janeiro naquela época?
R- Nada, nada, absolutamente nada, nem informação eu tinha.
P2- Nem parentes o senhor tinha?
R- Nada.
P/1- E por que o Rio de Janeiro?
R- Porque é aquele negócio, algumas pessoas que saíam de lá, só saíam pro Rio de Janeiro. Eu sempre conheci algumas pessoas que de lá vinham pro Rio de Janeiro. Voltavam, realmente voltavam, mas eu não entendia por que, e eu queria entender por que vinham e voltavam, então é por isso, eu queria saber.
P/1- Eles voltavam como?
R- Voltavam, e só voltavam na mesma. E eu “não é possível, o pessoal vai...”. Só teve um pessoal lá que veio e mais ou menos ficou bem, que a gente conhecia. Agora, os outros voltavam não sei por que. Aí eu queria saber por que, cheguei aqui e comecei a ver por que eles voltavam: era saudade. Aquela coisa que a gente tinha lá, aquela liberdade que a gente não podia ter aqui, que lá a gente era livre, era solto, à vontade, aqui não, prendia bem mais a gente. Você tem que ter uma responsabilidade diferente, longe da família tinha que tratar por si mesmo. Lá não tinha que tratar por si, tinha quem olhasse pela gente.
P/1- E quando você chegou aqui no Rio, onde você foi morar, qual foi o bairro que você foi morar?
R- (Risos) Eu nem sabia que bairro existia. Cheguei... Não tinha rodoviária, cheguei no campo de São Cristóvão. Desci com a mala na mão e fiquei lá à toa, sem saber o que fazer. Eu disse “e agora, vou fazer o que?” Sabe o que eu trouxe de documento? O certificado que eu queria me alistar, mas não consegui me alistar lá em Sobral, porque eu era novo demais. Aí eu consegui tirar uma identidade, que eu tenho até hoje, com 13 anos eu tirei identidade, que é a mesma que eu tenho até hoje. Eu tirei na Secretaria de segurança, eu não, foi um irmão meu mais velho, porque eu não podia tirar, tinha que ter um responsável. Só cheguei com isso aqui. Quando eu cheguei fui pra um lado e não vi nada de... “E agora?”. Aí fiquei com aquela mala na mão, tomei um banho, fui numa pensão, dormi, amanheci no outro dia e saí por aí, sem saber... E a minha preocupação era saber como é que eu ia voltar pra onde eu estava. Fiquei por ali e tal, fui pra pensão, aí não tinha mais o que fazer. Fui pra esse negócio do anúncio, vim e fui trabalhar nesse negócio do caminhão de madeira. Quando chegou um dia, eu trabalhava, o sapato já estava acabando, eu digo “e agora? O cara não me paga nem nada”. Fui lá no escritório − eles desciam madeira pra lá −, falei com o cara − chamava-se Luiz − do escritório, ele disse “não, só tem uma coisa pra ti, eu não vou poder te pagar, porque pra quem tu trabalhou foi o outro, eu vou dar dinheiro pra tu ir embora”, eu disse “tá bom”. Ele me deu, parece que 50 reais, 50 centavos, qualquer coisa assim, dinheiro antigo. O que eu fiz? Eu disse “embora eu não...” − pra minha mãe eu disse que tinha dinheiro pra voltar – “e eu não vou.”. Peguei a mala e fui pra São Paulo, meu irmão! Quando eu cheguei em São Paulo, aí é que eu vi a coisa feia mesmo.
P/1- Por quê?
R- Porque cheguei em São Paulo de noite, sete horas da noite, aquela confusão toda. Desci na rodoviária: “e agora?”. Outra vez com a mala na mão de novo. Aí tinha um cara engraxando sapato, eu nunca tinha engraxado sapato assim, eu falei pra ele assim “meu irmão, eu estou chegando aqui agora, o que eu faço? Onde é que eu posso dormir aqui?”. Ele disse “a pensão da Dona Filó, chamava-se Filó, lá tem uma senhora que tem uma pensão, chama-se Filó, lá dá pra dormir barato.” O cara me levou, podia ser um pilantra. Fui, cheguei lá, dormi, paguei uma mixariasinha, dormi, passei o dia... Passei, depois, dias. Não tinha nada, peguei o ônibus de volta, em três dias eu estava de volta.
P/2- Pro Rio?
R- Voltei pro Rio. Cheguei na rodoviária e disse “procurar o cara da madeira não vou mais”. Sentei na praça Tiradentes com o jornal na mão, aí fiquei, olhei de um lado para o outro. Não tinha nada, o dinheiro já estava acabando. Fui no... Não sei o que era ali, um barzinho, eu sei que tinha pão. Comprei uma bisnaga e comi ali, “o que eu vou fazer aqui agora?”. Pensei, pensei. Peguei a mala, saí e fui lá no Restaurante “Cha, cha, cha”, foi aí que eu comecei.
P/2- O restaurante “Cha, cha, cha” ficava aonde?
R- Na Praça Tiradentes, número dez, se não me engano, dez ou 12. Cheguei lá, entrei com a mala na mão, olhei e perguntei “quem é o dono?” Aí tinha um senhor sentado lá, ele disse “aquele, senhor Manolo”. Quando cheguei lá “Senhor Manolo, eu estou precisando trabalhar”. Ele disse “trabalhar?”, eu disse “é”. Ele perguntou “você sabe fazer alguma coisa?” Eu disse “não, não sei fazer nada,” eu disse logo, “não sei fazer nada”. Ele disse “você está onde?”, eu disse “estou aqui, na rua”, “e você mora onde?” “não moro em lugar nenhum. Eu cheguei do Norte, não tenho onde morar, fiquei por aí e ninguém quer me dar emprego”. Ele disse “você tem documento?” “Não, só tenho identidade”, aí ele disse, “mas se você não sabe fazer nada, como é que eu vou botar você pra trabalhar aqui?” Eu disse pra ele “eu aprendo, não nasci sabendo fazer nada, tenho que aprender”, ele disse “sabe que você foi muito sincero...” − ele falou assim mesmo − “você foi muito sincero, pode vir trabalhar, pega tua mala e bota lá em cima”. Isso era mais ou menos dez horas. Ele disse “quatro horas começa o outro expediente”. Aí ele chamou o cozinheiro, o senhor Pedro, que morava lá em Olinda: “dá almoço a ele ai”. Me deu almoço, aí eu almocei. Três horas eu voltei, ele me deu o uniforme, aí ele “vai na copa aí”, eu disse “e agora, o que eu vou fazer?”. Eu não sabia fazer absolutamente nada, mas sabe o que é nada? Não tem nenhuma noção da coisa naquele restaurante, trabalhar mais ou menos. Chegou... Eu lembro como se fosse hoje, tinha um garçom chamado Manolo, que a gente chamava de vagareza, que ele era devagar: “uma salada mista!” “eu sei lá que diabo é salada mista?” aí o senhor Pedro, que era o cozinheiro, disse “salada mista é isso, isso, vamos fazer”. Eu chamei o senhor Manolo: “eu não sei”, aí ele chamou o rapaz e disse “ó, você vai ensinar esse rapaz dois dias, se ele aprender ele continua”. Rapaz, esses dois dias... A necessidade era tão grande que eu aprendi tudo. Sinceramente, o que tinha ali eu aprendi tudo. Aí continuei, passei ainda um mês dormindo na pensão. Chegava na hora de fechar a casa os garçons queriam ir embora, cada um me dava 50 centavos pra lavar o chão pra eles, eu lavava e dormia na pensão com o dinheiro que eles me davam. Quando foi um dia, um cara que trabalhava lá, morava lá naquele morro de São José, em Madureira, “eu vou arrumar um quarto lá pra tu morar”. Eu fui lá. Meu irmão, lá em cima do morro não tinha água, não tinha luz. Fui para lá, saía daqui meia noite, chegava lá aquela cachorrada latindo de noite, aí eu entrava, fiquei lá um bocado de tempo. Fiquei no restaurante, aprendi a fazer salada, aprendi fazer tudo. Lá a gente fazia sorvete, o sorvete era feito lá e tinha o sorveteiro. O sorveteiro foi embora, o senhor Manolo chegou “olha, você vai trabalhar na sorveteria agora, você, pelo que eu vi, aprende tudo rápido.
P/1- Como que fazia o sorvete, fabricava o sorvete?
R- Fabricava.
P/1- Como é que era essa fabricação de sorvete?
R- Tinha a máquina, tinha os materiais, tinha o pó de chocolate, de creme, aquele negócio todo, todos os sorvetes. Você pegava aquilo tudo, botava dentro de uma máquina com gelo e ia fazendo o sorvete. Fazia o de creme, fazia o de morango, fazia o de chocolate. Aí eu fazia todas as marcas de sorvete, eu passei a fazer o sorvete, fazia o sorvete e tirava pra fora. Hoje não tem mais, acabaram, é banana split, banana Copacabana, banana Real, sundae de morango, sundae de chocolate, isso e aquele outro. Eu passei a fazer tudo, imediatamente passei a fazer tudo. Aí tinha um rapaz chamado Zé Baiano, que trabalhava na copa, na frente, ele estava esperando uma vaga de garçom há muito tempo. Quando foi um dia, abriu lá uma vaga de garçom, aí o Zé Maria disse que ia pra vaga de garçom. Eu não tinha especificação nenhuma, claro, não tinha nem direito, realmente. O Manolo, que era o dono do restaurante, chegou e disse “olha, você vai trabalhar de garçom”. Eu disse, “seu Manolo, mas o Zé está na frente”. Ele disse: “não interessa, nessa casa você vai trabalhar de garçom”. Aí esse rapaz aborreceu e foi até embora da casa, passei a trabalhar de garçom. Daí por diante eu tomei um fôlego.
P/1- Vamos voltar um pouquinho. Eu queria que você descrevesse aquele primeiro momento, que você ficou perdido, não conhecia nada. Como é que foi conhecer a cidade do Rio de Janeiro, nesses primeiros meses, em 65? Como é que era esse centro da cidade, a Praça Tiradentes, na época?
R- Olha, eu fui muito cauteloso, eu realmente passei a ser muito cauteloso, porque eu fiquei com medo de mim mesmo, entendeu? Comecei a ir devagar, comecei a conhecer a Praça Tiradentes, a praia de Ramos. A praia de Ramos não funcionava ainda naquela época. A Praça Tiradentes naquele tempo já tinha muito esse negócio, essas mulheres, “viado”, era cheio de “viado” ali, mas era um pessoal... Mexia um pouco com a gente, mas sempre tinha um pra cutucar. Se você se deixar levar, você vai mesmo, você vai, porque sempre tinha um cara pra oferecer uma coisinha, uma coisa e outra. Se você não souber... Na época, tomar conta de si mesmo era complicado. Aí que eu fui vendo, o Rio de Janeiro era bem diferente, realmente, do que é hoje. A quantidade de gente era menor, por incrível que pareça, o pessoal era mais... Sei lá, mais humano, te ouviam. Hoje não, você vê, o cara morre ali, o cara passa por cima, não quer nem ver. Naquela época não, socorriam um ao outro, qualquer coisa que tinha o cara estava servindo, olhando. Foi assim, às vezes dia de domingo − a casa trabalhava domingo −, eu, antes de pegar quatro horas, ia na praia de Ramos, que era a primeira praia que eu comecei frequentar aqui. Depois que eu comecei a conhecer as outras, e aquele negócio todo. Mas era complicado, de início.
P/2- E como era o transporte? O senhor se locomovia de que?
R- O transporte eu ia de trem pra Madureira, sempre pegava o trem.
P/2- Pegava ônibus?
R- Não, eu saía pela Tiradentes, ia pra Central... Às vezes o trem terminava meia noite, eu não sabia o que fazer, ficava até quatro horas da manhã esperando o primeiro trem pra poder voltar.
P/1- E pra Zona Sul, como é que você fazia?
R- Pra Zona Sul... Eu comecei frequentar depois de muito tempo, demorei muito pra poder ir pra Zona Sul. Eu apanhava o ônibus, aí comecei a ir pra Copacabana, Leblon, Leme, Gávea, entendeu?
P/1- Voltando ao Cha cha cha, como era esse restaurante? Eu queria saber qual público frequentava, como é que ele era fisicamente?
R- Era um restaurantezinho muito gostoso. Tinha o cinema João Caetano ali, então terminava a seção, todo mundo ia pra lá, era pertinho, era o único restaurante de mesa que tinha lá, na época, então todo mundo... Terminava a seção do João Caetano, ia pra lá. A gente trabalhava bem no almoço, trabalhava normalmente. O dono, o senhor Manolo, era espanhol, então era aquele negócio, fazia o cozido, fazia o peixe à espanhola... Fazia o que mais? Risoto de frango, que saía muito, risoto de camarão, essas coisas mais ou menos assim, que eles faziam na época.
P/1- Outra coisa que chamou atenção é o senhor falar que tinha um na fila pra ser garçom e o senhor Manolo chamou o senhor. Eu queria saber qual era a hierarquia dentro de um restaurante, porque eu vi que o garçom era uma figura que as pessoas disputavam o cargo.
R- Até hoje eu tenho esse sentimento. Apesar de eu ter sido _________, eu não concordei na época. O rapaz era escuro, eu acho que ele foi preconceituoso, o senhor Manolo. É o que vem na minha mente até hoje, mas eu não poderia deixar de ir, porque se eu dissesse que não queria a vaga, ele poderia me mandar embora de vez. Uma vez que ele me botou ali, eu achei que o direito era do outro, evidente, o rapaz estava esperando há muito tempo, mas se eu dissesse “não vou”, ele dizia “você não quer trabalhar, vai embora”, é o que veio na minha cabeça.
P/1- Mas como é que era essa hierarquia dentro do restaurante? O garçom ganhava bem, naquela época?
R- Ganhava. Naquela época o garçom ganhava mais ou menos bem, porque lá, pelo menos no Cha cha cha, ele botava dez na nota e ainda ganhava o salário, então dava pra sobreviver legal.
P/1- E a Praça Tiradentes, ela mudou muito?
R- Mudou, a Praça Tiradentes era bem movimentava. Você terminava, ficava sentado ali, aquelas mulheres todas, aqueles caras travestis, tudo, mas tudo numa boa.
P/1- Já tinha travesti naquela época?
R- Tinha bastante, tinha, e como tinha. Agora, parece que era um pouco mais educado, mais civilizado, na época. Eles sabiam distinguir as coisas. Hoje não, hoje está uma depravação total, mas eles sabiam distinguir as coisas legal.
P/1- E de comércio, o que tinha lá na Praça Tiradentes que não tem mais, que o senhor lembra?
R- Iiih! Rapaz, tem muita coisa que não tem mais. Pra você ver, o Cha cha cha acabou, tinha um restaurante chinês ali, acabaram. Do outro lado tinha a Estudantina, que era um tipo de festa que tinha lá.
P/1- Gafieira?
R- Era uma gafieira, mas não era Estudantina, depois veio esse cara e botou o nome de Estudantina, que acabou, agora há pouco tempo que refez de novo. Muitas coisas que acabaram... Tinha uma pastelaria ali do lado também que acabou. Essas coisas todas acabaram.
P/2- O senhor tava falando que chegou no Rio a sua juventude ficou de lado. O senhor não se divertia? Procurava festas que lembrassem Sobral, como era?
R- Olha, era difícil pra mim, porque eu não conhecia o Rio de Janeiro, e por eu não conhecer... Normalmente essas coisas ficavam mais afastadas pra um lado, pra outro, e eu não conseguia chegar às coisas, porque ficava difícil pra mim. E eu achava... Ficava complexado, eu tinha medo. A verdade era essa, eu tinha medo de ir e não saber o que estava fazendo, onde estava. Então muito tempo eu passei para poder fazer alguma coisa que eu fazia lá. Passei a me segurar mais, me preservar mais pra poder... Na mente eu sempre pensando na família, que eu tinha minha família, que eu tinha que voltar um dia pra ver minha família, pra ver minha mãe, então eu não podia chegar assim, porque podia acontecer alguma coisa desagradável comigo.
P/2- E à cinema, o senhor ia?
R- Ia. Às vezes eu ia ao cinema, sempre ao Odeon, ali na Cinelândia. O Vitória, que acabou hoje, inclusive. O Boa Vista também acabou, que era ali do lado da Mesbla, de vez em quando eu ia à uma seção de cinema.
P/1- Tem algum filme que marcou, daquela época?
R- Tinha alguns filmes que eu gostava... Na época teve um filme do Waldick Soriano, que ele lançou naquela época de loucura, que o Waldick Soriano apareceu lá do Norte. Me deixou muita saudade. Quando eu vim de lá o Waldick Soriano era uma loucura, e ele lançou um filme aqui, inclusive eu lembro que o filme chegou na hora “do coisa”, tinha tanta gente na fila, saiu um pau que quase morre todo mundo querendo entrar. Não sei lá o que aconteceu, saiu um pau danado que eu acabei nem entrando no filme, tive que ir no outro dia.
P/1- E como era o público do restaurante? Como é que eles se vestiam, nessa época?
R- Era aquela época daquela calça boca sino. Normalmente os homens iam com aquela calça larga, sempre aquele cabelo black, que todo mundo mais ou menos, naquela época usava aquele cabelo black, grande. Inclusive eu, na época... Eu tenho fotografia lá em casa, com cabelo black, grande, e aquela calçona da boca larga, chamava-se boca sino. Sempre iam desse jeito, e normalmente de manga comprida.
P/2- O senhor comprava essa roupa onde, essa moda que o senhor fazia?
R- Comprava em qualquer loja que tinha, qualquer loja.
P/2- Tinha uma loja especial, alguma que fosse especial pro senhor?
R- A Impecável, a gente comprava sempre na Impecável, foi quando foi lançada a Impecável, na época.
P/2- Maré Mansa?
R- É, a Maré Mansa.
P2- Lembra do jingle dela, a chamada dela no rádio, na TV?
R- Ah, sim! Tinha muita chamada da Maré Mansa, aquilo era uma loucura, era uma explosão. A Maré Mansa começou a fazer crédito e sem precisar de avalista. Aquele negócio todo, inclusive eu cheguei a fazer crédito na Maré Mansa, comprar. Eram muitas músicas, a rádio inclusive tinha um programa que chamava programa da Maré Mansa, a rádio tocava a noite todinha, só forró.
P/2- O senhor ainda... Continua escutando forró?
R- Ainda escuto, lá em casa a gente brinca muito, hoje eu brinco mais do que na minha infância. Quando eu cheguei aqui, que hoje tem meus filhos, tem alguns amigos que gostam... Por acaso, sábado mesmo agora a gente ficou o dia todinho dançando forró, brincando, comendo um churrasquinho, na minha casa.
P/2- E a jovem guarda, aquelas músicas da época, o senhor pegou?
R- Sim, na época do Wanderley, do Roberto Carlos, Erasmo Carlos, aquela turma toda. Aquela outra também, a Ternurinha, que chamava a Wanderlea, todos eles a gente curtia muito.
P/2- Então o senhor curtiu forró, mas também a jovem guarda?
R- É que a jovem guarda era aquela loucura, tinha música que era o iê iê iê, aquele negócio todo. O Wanderley Cardoso cantava muito.
P/1- O senhor contou como eram as paqueras lá. E aqui, no Rio de Janeiro?
R- Aqui era mais complicado, a gente tinha medo de paquerar. Eu pelo menos tinha medo de chegar perto das garotas, porque a gente fica complexado. Eu, sinceramente, pra arrumar namorada a garota tinha que chegar perto de mim, sinceramente, porque eu tinha medo, realmente tinha. Mas a garota sempre tinha que chegar perto de mim, paquerar, porque eu tenho medo de chegar e levar um fora. Lá não, lá a gente sabia com quem estava lidando, fulano sabia quem era o pai, quem era a mãe. Aqui não, aqui o negócio já pegou.
P/1- E normalmente onde o senhor frequentava, que tinha essas...
R- Olha, normalmente, por incrível que pareça, até no próprio trabalho... De repente você via, a garota te dava um toque. Aí você pegava, dava o telefonezinho, aquele negócio; ela dava o telefone, marcava o endereço e a gente ia se encontrar no lugar que marcasse.
P/2- O senhor ficou quanto tempo no Chá chá chá?
R- Eu não tenho lembrança de quanto tempo. O seu Manolo morreu e entrou o genro dele, começou a fazer um bocado de bobagem, um garoto novo, e foi destruindo a casa, aí todo mundo foi saindo, foi indo embora. E era uma belíssima casa, viu? Mas aquele negócio, o cara já chegou, encontrou pronto e não deu valor àquilo que o cara deixou. Porque o seu Manolo zelava pela casa. O cara chegou, encontrou pronto aquele negócio todo, também já era filho de ______, casou, terminou destruindo aquele negócio todo.
P/1- E do Cha cha cha o senhor foi pra onde?
R- Do Cha cha cha eu saí e fui acho que pro Guanabara, se não me engano.
P/1- O Guanabara ficava onde?
R- Na Presidente Vargas
P/1- O senhor pode descrever como era o local, como o senhor chegou lá?
R- Eu cheguei lá através de uma pessoa, que disse “olha, lá no Guanabara vai abrir uma vaga de garçom”, inclusive era banquinho, aquele negócio todo. “Onde é o Guanabara?” − que eu não sabia −, aí ele me deu “Presidente Vargas, 392”. Lembrei agora, debaixo do Hotel Guanabara.
P/2- Ali perto da Candelária, né?
R- Perto da Candelária, bem pertinho, uma loja embaixo do hotel Guanabara. Hoje nem existe mais o restaurante, fecharam porque houve um problema, o cara fechou. Aí eu cheguei lá, falei com o Careca − a gente chamava ele de careca −, senhor Avelino, o nome do dono. Cheguei lá, falei com o senhor Avelino. Eu, por incrível que pareça, pela minha aparência, não tinha dificuldade de emprego pra mim. O pessoal era muito complexado naquela época, muito preconceituoso, chegava uma pessoa escura lá pra pedir emprego, era difícil, não davam não, aí chegava eu, loiro... Eu era bem loiro, cabelo, os olhos azuis, aquele negócio, o cara me dava logo a vaga. Não esqueço essas coisas. Eu acho coisa errada, mas acontecia, eu posso sentir isso, porque eu via. Chegava lá eu e outro escuro, era páreo mole pra mim, mas por preconceito dos outros... Talvez o cara fosse bem melhor que eu.
P/1- Qual era a frequência desse restaurante? E qual foi a tua função lá?
R- Garçom. Era bem comercial, a hora do almoço era aquele pau quebrando lá, o pau quebrava mesmo, e não tinha jeito, era direto mesmo.
P/2- Qual a diferença que o senhor sentiu de um pro outro?
R- A diferença que eu senti é que o Cha cha cha era mais sofisticado. Lá era mais pauleira mesmo, comida mais barata, aquele negócio todo. Então o pessoal chegava pra comer e trabalhar de novo. Agora, o Cha cha cha já era mais sofisticado, já era à noite, aquele pessoal do cinema, o pessoal da noite, a namorada, o casal.
P/2- O senhor entrou que ano, mais ou menos, no Guanabara?
R- Logo que eu saí do Cha cha cha, que era 60 e... Por aí, logo em seguida fui lá.
P/2- Mais ou menos 68?
R- É 68, 69, por aí, assim.
P/1- E 68 o senhor estava trabalhando no Guanabara. O senhor chegou a ter algum problema com as manifestações que estavam tendo naquela época, na presidente Vargas? Acabou sobrando alguma coisa pro senhor?
R- Ah, sim! Um dia eu fiquei encurralado ali. Eu me desliguei da coisa, pra mim estava normal, quando eu cheguei na Presidente Vargas, tinha uma confusão de um lado e do outro, eu fiquei no meio, e o pessoal dizendo, “sai fora, sai fora...”, e eu sem saber o que fazer. Soltavam bombas de um lado, sei lá que diabo era, depois que eu fui perceber. Saí feito doido e entrei no restaurante, mas realmente eu fiquei encurralado, só ouvia algumas pessoas dizerem “sai fora, sai fora”.
P/1- E quando o senhor se muda da Tiradentes pra Presidente Vargas, o senhor vai pra um outro trecho do centro da cidade. Como é que era esse trecho ali no Centro, a praça Mauá, a marechal Floriano, como é que era o comércio naquela região?
R- Olha, naquela época a praça Mauá vivia regida, praticamente nesse tempo de restaurante, em três coisas: a boate Cowboy, a (Esquedenavile?) e outro... Não lembro o nome, e outro restaurante, que era do português, era uma loucura. De noite só sabiam ir pra aquilo ali. Aquilo fervia, lotava. Era gringo, navio chegava e era tudo entupido aquilo ali. A mulher pegava aqueles gringos e ficava tudo ali dentro, era uma loucura, normalmente o garçom ganhava muito dinheiro, inclusive com as mulheres, porque aqueles gringos... Na época era gringo mesmo, não sabia nada, e as mulheres chegavam e combinavam com o garçom. O cara sentava na mesa, uma dose de wisky custava, digamos, cinco reais, o cara cobrava 20, a mulher mandava ele pagar, ela dava dez pro garçom e ganhava dez ela. Normalmente... Faziam sempre isso, eles ganhavam muito dinheiro naquela época, inclusive eu tentei várias vezes uma vaga na boate, nunca consegui (risos).
P/2- Era disputado, ali?
R- Era muito disputado.
P/2- E o senhor continua morando em Madureira ainda nessa época?
R- Nessa época eu estava, deixa eu ver... Estava em Madureira, ainda.
P/2- Lá no alto do morro, ainda?
R- É, lá no alto do morro. Depois é que eu desci. Porque eu sempre fui uma pessoa muito dada com todo mundo, fui um cara que sempre gostei de cumprir com minhas obrigações, então o cara que me alugou o quarto não queria que eu saísse de jeito nenhum, porque eu nunca faltei com ele, sempre fui muito cumpridor com as minhas obrigações, me esforçar pra não deixar os outros em maus lençóis, porque isso acho que não é dever, é obrigação de qualquer um, cumprir com seus...
P/2- Como que era Madureira nessa época, o senhor chegava a frequentar o bairro ou só era local pra dormir mesmo?
R-Eu praticamente ia só para dormir. Saía dali, apanhava o trem e vinha embora. Eu dormia lá em cima, tinha um restaurantezinho lá embaixo, que às vezes quando eu estava de folga almoçava lá, descia na subida do morro mesmo, na Rua Alves, esquina com a Gama da Fonseca, tinha um restaurantezinho ali, eu almoçava sempre ali.
P/2- Mas o resto, o senhor fazia as compras lá?
R- Não, tinha a Impecável, que era na Marechal Floriano... Depois que eu fui pra lá abriu uma lá, e às vezes eu comprava alguma coisa, mas não assim, de frequentar muito as coisa, não.
P/2- E mercado, por exemplo?
R- Mercado não tinha, só tinha a Sendas. O primeiro mercado que abriu ali foi uma Sendas, do lado da delegacia.
P/1- E antes disso, o senhor fazia compras de casa como?
R- Olha, eu não comprava quase nada. Eu entrava numa padaria, comprava uma coisa... Não fazia tipo de compra nenhum, eu, mesmo, não.
P/1- Ali, depois do Guanabara... Por que saiu do Guanabara e foi pra onde?
R- Eu saí do Guanabara, fui pra Erasmo Braga. Conheci um rapaz lá, aí eu conversei com seu Avelino e ele deixou eu ir, inclusive eu disse “o senhor não precisa me pagar nada”, aí eu saí do Guanabara e fui pro Erasmo Braga.
P/2- Na Erasmo Braga era o quê?
R- Era um barzinho também, um restaurantezinho.
P/1- Qual o nome do restaurante?
R- Era o Lá do Rio.
P/1- O senhor ficou quanto tempo nesse restaurante Lá do Rio?
R- Eu fiquei... Sempre eu ficava um ano, dois anos, sempre mais de ano. Eu saía sempre através de outros colegas, “vai pra tal lugar, vai pra tal lugar”, porque por incrível que pareça, a diferença de hoje, você era requisitado pra trabalhar, eles percebiam que você era uma pessoa responsável, sempre te chamavam, você nunca precisava procurar emprego, sempre chamavam, eu tive essa sorte.
P/1- E você saiu do Lá do Rio, você foi pra onde?
R- Fui para o Rosas.
P/1- Isso mais ou menos que ano?
R- 69, 70, por aí. Mais ou menos isso.
P/1- Então o senhor passou a Copa do Mundo de 70 no Rosas?
R- Sim, no Rosas.
P/1- Teve muita...
R- Teve muito fogaréu, aquelas coisas todas. Muita loucura, muita gritaria, aquele negócio todo.
P/2- O pessoal assistia ao jogo no restaurante?
R- Assistia, tinha uma televisãozinha preta e branca, o pessoal ia assistir o jogo lá.
P/1- E como eram essas confraternizações, vendo os jogos? Era muito diferente de hoje em dia?
R- É bem diferente, porque hoje o pessoal parece que endoida. O pessoal gritava no gol, ficava alegre com o gol, se abraçavam uns aos outros. Parece que aquele amor, aquele prazer de ser brasileiro e ver aquele negócio.
P/2- Como é que era esse restaurante Rosas?
R- O restaurante Rosas é um restaurante que tinha um salão lá dentro e ali fora tinha um café, que vendia café moído na hora. Tinha uma maquinazinha de fazer café, inclusive vendia café feito uma barbaridade, e vendia café em meio quilo pro pessoal levar pra casa, moído na hora, ali.
P/1- E a clientela, de onde é que vinha?
R- Era dali mesmo, do comércio, realmente tudo dali. Eu trabalhava muito. Eu cheguei lá... Sempre fui um cara que, apesar de não ter nada, sou um cara que sempre dei sorte com essas coisas. Cheguei lá, eu nem sabia que eles tinham aberto o restaurante, e botaram lá dois gerentes, o seu José de dia e o seu Manuel de noite. Eles estavam numa dificuldade terrível, e não me falaram nada da dificuldade, essa eu fui enganado. Aí ele foi, sei lá, por intermédio de quem, foi lá me chamar, perguntando se eu não queria trabalhar com ele, senhor Manuel Coelho. Eu digo “não”, “se você for trabalhar comigo você vai ser gerente”, eu digo, “não, o senhor já não tem gerente lá?”, ele disse ‘tenho”. Eu sei que ele conversou comigo, eu terminei, conversou inclusive com o outro patrão, aí eu fui pra lá. Chegou lá eu comecei trabalhar com o seu Manuel de noite. Eu comecei... Fiquei preocupado, porque não queria prejudicar ninguém. Aí é que eu fui saber que a casa estava em dificuldade porque não estava deixando lucro, não estava deixando aquele negócio todo. Eu digo “olha aonde eu vim me meter, aonde eu vim me meter”. O seu Zé, que era um _______ gente boa, gente fina mesmo, disse “alguma coisa está errada aqui”. Passou, peguei mais ou menos o serviço. Quando foi um dia o seu Manuel disse pra mim “Loyola, vem cá, está pronto pra tomar conta da casa”, “não, mas não é época ainda”, “não, é preciso que você tome conta da casa”, aí eu falei pra ele, “e o colega do senhor?” “ele está indo pra outra casa lá na Praça da Bandeira, ele vai pra lá”.
P/2- Onde era a outra casa?
R- Era ali perto do corpo de bombeiro, tinha uma casinha ali que era dele. Ele botou ele pra lá, aí eu dei sorte. Quando eu entrei de gerente, a Mesbla funcionava muito bem. Fui na Mesbla, conversei com o pessoal da Mesbla, que eles tinham aqueles ticket restaurante, estavam começando, na época. Eu fui, rapaz, aí deu aquela enxurrada dentro da casa, foi todo mundo pra lá. O homem ficou doido, quando viu aquilo. Aquilo era uma pauleira, rapaz, trabalhava feito... Eu pegava 11 horas da manhã pra poder fazer o almoço, e ia até duas horas da manhã. Aí explodiu aquilo, o homem lá comprou casa não sei aonde, carro não sei aonde. E eu estou na minha, porque eu sempre fui um cara sem maldade nenhuma, toda vida fui, nesse sentido. Não ter ambição com certas coisas, meu negócio era trabalhar e manter a minha responsabilidade. Eu disse “bom, enquanto eu for responsável, eu tenho o direito...” − eu pensava assim – “eu tenho o direito de chegar em qualquer lugar e alguém me dar emprego”, entendeu.
P/1- Eu queria que o senhor falasse um pouco dessa diferença. O senhor trabalhou de garçom, e no Rosas se viu gerente. Qual a diferença?
R- Olha, tem bastante, porque você tem que modificar totalmente uma coisa da outra. Você deixa de ser comandado para comandar, e é difícil. Você precisa modificar muitas coisas, primeiro pra você sentir o que passou sendo comandado e muitas coisas que não deveria ter acontecido com você, você não fazer com os outros, desnecessário. Porque pra comandar você tem que saber fazer, mas tem muitas coisas que o cara comanda e não há necessidade dele humilhar, dele menosprezar, não há necessidade disso, é simplesmente saber respeitar a pessoa que está trabalhando, porque se você respeita o funcionário, ele vai te respeitar sempre. Isso não adianta, isso é a coisa mais certa do mundo.
P/2- Teve mais dor de cabeça como garçom ou como gerente?
R- Como gerente. Eu tive mais dor de cabeça sabe por quê? O homem botou um cargo rígido em cima de mim, ele pegou, me botou como gerente lá, e como responsável total da casa antiga, carta pro ministério do trabalho dizendo que eu era gerente geral de lá. Quando tinha gente mais antiga, eu tinha que assinar carteira de funcionário, tinha que demitir, admitir. Ele deixou tudo em cima de mim, então eu realmente peguei uma responsabilidade muito grande, porque além disso, o que aconteceu? Ele tinha o Rosas, depois ele abriu o Angrense, abriu o Pico do Galeto, e disse “agora você vai ser gerente das casas todas”.
P/2- E como é que o senhor fazia?
R- O que eu fazia? Eu saía de casa quatro horas da manhã, passava no Angrense, fazia o café. Os funcionários chegavam para abrir seis horas, passava no Rosas, fazia o café, ia pro Castelo, fazia o café, aí botava todo mundo no seu setor e voltava pro Rosas, que era a hora que ia começar o almoço, assim eu fazia. Aí botava o gerente de cada casa. O Pico do Galeto funcionava de segunda à sexta, chegava sábado eu pegava o caixa de lá e trazia pra cá, pra trabalhar comigo, pra dar folga ao outro de cá que trabalhava domingo.
P/2- Como que é restaurante no centro? Final de semana tem movimento maior, menor?
R- Até sexta-feira trabalha bem, o restante... É assim mesmo, a gente trabalhava bem lá no Castelo, e quando dia de semana... O restaurante trabalhava bem, final de semana o Castelo a gente fechava. Depende do lugar, da concentração de gente pra outro. Lá ficava deserto, aqui enchia de gente, final de semana.
P/2- nessa época o senhor morava em Madureira ainda?
R- nessa época eu tava morando ali no Meyer .
P/2- Como é que o senhor mudou?
R- Eu mudei exatamente por isso, porque quando eu estava no Lá do Rio eu conheci o (doutor Lua?), que era um advogado, que de repente ele ganhou uma confiança muito grande em mim, e ele achou que tudo que ele ia fazer... Ele tinha que morar comigo. Impressionante, realmente. Ele tinha uma casa em Petrópolis e todos os anos ele dava uma festa, comemoração pros desembargadores aqui do Fórum. Só ia fazer a festa o dia que eu pudesse fazer a festa pra ele, todos os anos. Ele tinha escritório na Erasmo Braga, tinha uns apartamentos na Senador Vergueiro, tinha dois na Urca e tinha um na Rua da Passagem. Ele pegou e me deu a chave de todos os imóveis dele, eu disse “(doutor Luá?), eu não posso”, “você fica com todos os imóveis, o dia que eu precisar de algum, eu falo, você vai”. Quando ele ia alugar alguma coisa, eu ia lá resolver, alugar pra fulano, pra sicrano. Eu cuidava desses imóveis dele todinhos, porque ele confiava tudo em mim. O que ele fez? Me deu essa casa pra eu morar lá no Meyer. Como aquilo era uma casa de um pessoal de São Paulo, estava terminando pra venderem a casa, ele arrumou uma pra mim na Urca, lá na Marechal Cantuária. Fiquei dois anos também lá na Urca. Da Urca o cara terminou o prazo, venderam a casa, ele me botou num apartamentozinho dele, na mesma rua.
P/2- Como é que foi esse período no Meyer, conta pra gente?
R- No Meyer já era uma coisa melhor, porque eram casas boas. Eu, solteiro, aqueles casarões. Eu saía de noite, vinha trabalhar, voltava, pronto, não tinha...
P/1- E transporte?
R- Transporte sempre o trem, para aquela zona sempre o trem, descia no Meyer e ia pra casa.
P/2 – E na Urca?
R- Na Urca era difícil, porque só tinha o 107, o ônibus eu tinha que esperar o 107. Qualquer hora que fosse, só tinha ele, ou ia de ônibus ou ia de táxi. Foi nessa época, que eu já estava no Rosas, que conheci a minha mulher.
P/2- Conta a história pra gente.
R- Eu era gerente da casa, e naquela época, como eu te falei, era moda cabelo black. Eu era gerente da casa, com essa pinta toda, aí tinha duas funcionárias que moravam exatamente no Catumbi, moravam... Elas alugavam um quarto na casa da avó da minha mulher. Quando foi um domingo, ela estava de folga e passou lá no restaurante com a minha mulher, era neta da senhoria dela, aí eu conheci ela “essa aqui é neta da senhoria que eu alugo lá”. Comecei a conversar. Menina, muito menininha, 15 anos, tanto é que eu sou mais velho que ela... 14 anos de diferença. Começamos conversar, conversar, aí começamos o namoro. mas o que acontece − veja só o preconceito −, por ela ser escura e a mãe dela, na realidade, uma pessoa muito humilde, muito pobre... E essa menina que trabalhava comigo era cearense também, se apavorou, “tu não vai ficar com essa garota, né?”, eu digo “ué, por quê?”, “você vai ficar com essa neguinha?”, eu disse “qual é o problema?”. Começou o preconceito. Aí eu digo, “não é possível”, “não agora eu estou me sentindo culpada de você estar namorando.” “culpada por quê? Qual o problema de ficar com a garota?”, aí ficou aquele negócio, e eu namorando com ela. Eu já morava na Urca, quando foi um dia eu falei, “vocês vão pra praia amanhã, vão lá pra minha casa na praia, que eu estou lá na casa”. Elas foram, e eu sozinho, era uma casa belíssima. Esperei ela na praia, ali.
P2- Qual praia?
R- Na Urca, mesmo. Aquele paredão ali. Sentei ali, quando foi oito horas chegaram elas, eu falei “vamos lá pra casa” “mas tu mora aqui?” “moro aqui”. Aí todo final de semana ela ia, ia pra praia, porque eu trabalhava de tarde, antes de trabalhar a gente ia pra praia. Ficou esse negócio, eu namorando minha mulher e vem outra garota e diz “tu não pode se casar com ela”. Eu: “mas por que não posso , ela não é mulher e eu homem?”. Mas era preconceito, eu percebia que era preconceito, pois eu disse “é com ela que eu vou ficar”, aí o que fizeram, arrumaram uma loira bonita, mas uma loiraça.
P/1- Pra tentar o senhor.
R- E levaram lá pra mim, prima dela. Agora, realmente a mulher era bonita. Aí começou, disse que eu tinha que ficar com ela, namorar e tal. Eu disse “não, a minha namorada é essa”, e logo eu me sentia culpado, porque a menina era menor de idade, era uma garota, fui primeiro namorado dela. Arrumaram uma loira bonita, levaram lá pra namorar comigo, aquele negócio todo, eu disse “olha, é o seguinte, você é uma garota muito bonita, mas não adianta te iludir, a minha namorada é ela. Se vocês aceitarem ou não, a minha namorada é ela”. O que aconteceu? Terminou que eu acabei casando realmente com ela, hoje meu primeiro filho já tem 23 anos.
P/2- Qual o nome da sua esposa?
R- Sônia
P/2- E como foi esse período que o senhor estava trabalhando, namorando... Como era aquela época?
R- Normalmente ela ia namorar comigo no meu emprego. Eu não tinha tempo de sair.
P/2- O programa era namorar no restaurante?
R- Eu trabalhava domingo, como ela queria sair de casa e não podia, ela ia pro restaurante, almoçava e tal, quando eu saía deixava ela na casa da mãe dela. O dia que eu estava de folga, saía, passeava com ela. E foi assim. Depois, com 17 anos ela já ficou grávida, aí nós casamos. Com 17 anos teve o filho, meu filho nasceu desse tamanhosinho, um quilo e 400 gramas. Eu estava trabalhando e fui abrir uma casa em Manaus, com um amigo, ela estava com sete meses de grávida.
P/2- E ela ficou aqui?
R- Ela ficou aqui, e ficou nervosa pensando que eu não ia voltar. Olha o que aconteceu, o gerente da Caixa Econômica abriu um restaurante em Humaitá e sismou que eu tinha que inaugurar o restaurante pra ele. Eu pedi licença aqui na casa uma semana, apanhei o avião e fui lá em Manaus inaugurar a casa pra ele. Inaugurei a casa, mas ela ficou nervosa pensando que eu não ia voltar, começou passar mal, teve o menino de sete meses. Quando eu liguei pra cá, disseram “a Sônia está no hospital”, “mas o que é que houve?”, “ela não se sentiu bem e foi pro hospital. Não aconteceu nada, voltou pra casa”. Quando foi dois dias eu voltei, cheguei em casa, ela estava no hospital de novo. Fui no hospital, ela estava passando mal. Quando foi no outro dia, eu já estava trabalhando, meu filho nasceu. Ligaram pra mim da Santa Casa, “teu filho nasceu”, “mas como nasceu? Tem sete meses.” Meu amigo, cheguei lá que eu fui ver, desse tamanhosinho, ________ teu filho, um quilo e 400, desse tamanhosinho. Eu digo “não se cria”, mas o menino saiu com uma saúde perfeita, ficou 15 dias, veio pra casa, até hoje está aí, com 23 anos.
P/2- Qual é o nome dele?
R- Ricardo.
P/2- Só tem ele de filho?
R- Não, tem a minha filha com 12 anos, tem uma diferença grande de um pra outro, a Natasha com 12 anos... Hoje ele trabalha na Aeronáutica.
P/1- O senhor ficou no Rosas até quando?
R- Até ir pro Bar Luiz, foi em 80, mais ou menos, 79, 80.
P/1- E como é que foi que o senhor foi pro Bar Luiz?
R- Olha, aconteceu uma coisa engraçada no Bar Luiz. Eu saí do Rosas... Sabe por que eu me aborreci no Rosas?
P/1- Diga.
R- É incrível, vocês vão achar que é loucura. Um dia o patrão passou no restaurante, eu com as chaves dessas casas todinhas, o patrão passou no restaurante e disse “eu vou à Portugal”, “como o senhor vai à Portugal?”, eu pensei que era brincadeira. Quando foi três dias depois ele ligou pra mim de Portugal, “estou aqui em Portugal”. Eu digo “mas como o senhor está em Portugal? E as casas aqui?” “Toma conta”. Eu fiquei doido, rapaz, não é possível, o cara me deixar... O seu Manoel me deixa no rolo aqui sozinho. Eu digo “está bom”, guardei aquilo. Fiquei, aguentei tudo, aí quando foi três meses ele voltou, dois meses e pouco. Chegou o dia de sábado, eu estava com as chaves todinhas. Quando ele chegou lá, logo eu cheguei já, “estão aí suas chaves”, “tu não é maluco”, “não trabalho mais pro senhor”, “não faz isso, não sei o que, tu está de cabeça quente. Vai descansar”. Ficou com as chaves. Eu disse “não mande me chamar que eu não venho.” Eu sei, meu amigo, quando foi no outro dia, oito horas estão batendo na minha porta lá em casa. Eu falei para o porteiro: “eu não estou em casa”. Era oito horas da manhã, não tinha nenhuma casa aberta ainda, aí ele “e meu prejuízo, como eu vou fazer com meu prejuízo?” eu digo “e o meu? O senhor viu? Não vou mais trabalhar para o senhor.” Não fui mesmo não. Ele ficou doido, me pediu pra voltar, eu não voltei. Nunca recebi fundo de garantia dele, não recebi nada, desse tempo todinho. Aí fui para o Bar Luiz. Fui pedir vaga, tinha o Pedrão, que fica na porta até hoje, me apresentou lá o gerente. Eu falei com o gerente e o gerente “não tem precisão, mas pode vir trabalhar”. Fui trabalhar, aí fui pra cozinha, comecei fazer aquele negócio todo, o cara que tomava conta da cozinha achou muito bom, disse “até que enfim apareceu alguém pra me ajudar”. Quando o contador do escritório, que era o doutor Cleber, pegou minha carteira e viu lá “gerente”: “você não pode ficar”. Eu digo “mas por quê?”, “você é gerente, não pode ficar aqui.” Eu digo “não tem nada a ver uma coisa com outra, eu quero trabalhar, qual é o problema?” E foi uma confusão danada, aí decidiram que iam me mandar embora.
P/2- Qual era a justificativa deles?
R- Que eu era gerente, e se quando abrisse uma vaga de gerente, tudo bem, mas de garçom eu não podia. O cara que tomava conta da cozinha, que era o Salvador, aquilo trabalhava que era uma loucura, e pouca gente aguentava. Foi lá, chamou o homem e disse “não tem motivo, não mande o cara embora, vocês arrumaram uma pessoa que sabe o que está fazendo, está me ajudando, vocês vão mandar embora? Vocês vão tirar só porque era gerente? O cara está se propondo a trabalhar de garçom”. Eu sei que fizeram uma reunião lá, aí disseram: “Então vai ficar. Tira uma carteira nova, pra não assinar de gerente, como garçom, tira uma carteira nova e tu vai ficar.”. Mas tiveram _______ pra me mandar embora, não podiam me aceitar porque eu tinha vindo de gerente. Eu sei que nessa coisa eu fiquei lá até hoje.
P/2- Vamos contar essa história do Bar Luiz. Como era o Bar quando você chegou lá?
R- O Bar Luiz, quando eu cheguei lá, era uma casa que era uma loucura, realmente. Trabalhava feito uma loucura, era um pouco desorganizada, mas trabalhava demais. Eu acho que a desorganização era pelo fato de trabalhar tanto. Trabalhava muito, mas muito, muito mesmo. A gente entrou lá, comecei a trabalhar inclusive de dia lá no Bar Luiz. Quem faz sanduíche são os garçons, quem faz salada de batata são os garçons, quem faz o bolo são os garçons, tudo lá é feito pelos garçons, tudo. O cozinheiro só bota pra fora as comidas, se mandar ele fazer alguma coisa daquelas, por incrível que pareça, ele não sabe, que tudo é feito pelos garçons.
P/2- Explica pra gente isso. O garçom entra na cozinha e faz?
R- A gente entra de manhã. Chega à tarde, tem que começar limpar tudo, ajeitar tudo, estar tudo prontinho; rosbife pronto, molho pronto, até a costeleta, que é o prato principal com (cebola?) _________, a costeleta defumada, você já dá cortadinha na cozinha.
P/1- O Bar Luiz... Como era a frequência do Bar Luiz naquela época?
R- O Bar Luiz sempre foi muito bem frequentado. Olha, é uma casa que é praticamente um botequim, mas o pessoal gosta parece que da história. Porque tudo quanto é político que você imaginar frequenta o Bar Luiz, tudo quanto é artista que você imaginar – nacional, como internacional − frequenta o Bar Luiz. Você chega, qualquer tipo de gringo que venha, de qualquer lugar do mundo tem que passar no Bar Luiz. A história contando aquele negócio todo, o pessoal quer ver, tem curiosidade, o que é a salvação do Bar Luiz até hoje.
P/1- O senhor sabe um pouco dessa história?
R- Sei mais ou menos, porque quando eu entrei lá, pelo papo, de eu ver aquele negócio todo, eu procurei saber. Pelo que eu sei, começou em 1987, abriu na rua da Assembleia, 105, inclusive não foi nem a família (Broscovis?) que começou, quando eles abriram logo que eles abriram eram uns senhores chamado Rodnick e Jacob. Com poucos dias que eles tinham aberto aquela casa... Eles botaram inclusive o nome de Braço de Ferro, foi o pioneiro de chope aqui, não existia casa de chope aqui. Aí veio a ideia “não tem chope, vamos botar chope”. Só tinha cerveja. O que eles faziam pra poder atrair a clientela? Ele era um cara forte, bom de braço, aquele negócio de queda de braço, naquela época não existia muito isso, então o que ele fazia: ficava sentado numa mesa. O cliente que chegasse e derrubasse ele de braço tinha direito a um chope de graça. Se ele derrubasse tinha que pagar um chope pra ele, mas ele dificilmente perdia (risos). O cara era bom, realmente. Quando entrou o pai do Bruno, esse rapaz, o Rodnick, teve que viajar, sair. O Bruno chegou, ficou com ele ali, aí passaram pro nome do Bruno, porque a casa não podia ser registrada no nome desse senhor.
P/2- Qual era o nome do senhor?
R- Rodnick. Parece que não podia ser registrada, não sei por que, isso aí não sei. O que fizeram? Passaram pro senhor Adolfo, que era o pai do Bruno.
P/2- Era Adolfo de que? Qual o sobrenome dele?
R- Adolfo (Broscovis?). Ficou dele, a casa, inclusive esse Jacob ainda trabalhou bastante com ele. Depois, quando foi em 92 ele veio pra Rua da Carioca, teve que entregar o prédio lá e veio pra rua da Carioca, 39, até hoje, ficou. Quando foi em 45 houve a Guerra, quebraram aquilo tudo lá, e pelo o Adolfo ter um filho chamado Luiz, aproveitou e pôs o nome de Luiz, como o bar é conhecido até hoje.
P/2- E nessa trajetória que o senhor entra na década de 80, o senhor falou que vão muitos artistas. Que pessoas o senhor sabe que frequentavam a casa antes do senhor chegar e depois que o senhor chegou?
R- Ah, sim! Inclusive, quando quebrou, em 45, não acabaram tudo, quem salvou foi o Ary Barroso, que no dia, por acaso, ele estava lá. Quando chegaram e começaram aquele negócio todo ele subiu em cima de uma mesa e disse “espera aí, vocês estão confundindo as coisas, não é assim. O Bar se chama Adolfo porque o dono é Adolfo, não tem nada a ver com Adolf Hitler”, aí pediu “vocês estão confundindo, vocês não devem fazer isso, vamos parar por aí”. Disse que quando ele desceu da mesa, explicou a todo mundo o que era, foi quando pararam, mas já haviam quebrado um bocado de coisa. Tava ele, numa mesa, e o Pixinguinha, em outra, na mesa de número cinco o Pixinguinha. Foi quando explicou que não era nada disso, quando houve esse quebra quebra todo que o Ary Barroso pediu pra eles acalmarem, foi o que salvou o bar Luiz, na realidade. Como não tinha jeito fecharam e abriram uma semana depois com o nome de Bar Luiz.
P/1- Pintaram de verde e amarelo, mudaram as cores, né?
R- É, pra evitar... Porque o pessoal confundiu, naquela época era do Adolf Hitler, aquele negócio todo, e confundiram uma coisa com a outra, os estudantes... Ou confundiram ou levaram de brincadeira, e botou Bar Luiz.
P2- Depois da chegada do senhor, quem são os notórios frequentadores?
R- O Luiz morreu, ficou o Bruno, que eram dois sócios. O Bruno e a Dona Gertrudes, a mãe deles, a velhinha, gente finíssima. Ficaram eles dois comandando aquele negócio, aí a casa trabalhava... Aquela loucura. E o Bruno sempre bebia muito. Ficamos trabalhando, trabalhando, e era aquela loucura. Aquela casa vendia 30 barris de chope por dia, na época. Vendia o que podia, inclusive tinha o senhor lá, o Miguelzinho, que trabalhou 45 anos no chope, todo mundo conhecia ele. Ficamos trabalhando, aquela loucura, trabalhando, trabalhando, o Luiz morreu, ficou o Bruno e a Dona Gertrudes. Passou-se determinado tempo a dona Gertrudes morreu, foi quando começou desmoronar um pouco a história da casa. Não a frequência, porque o pessoal... Não levaram, não souberam quase nada, é bem frequentado até hoje, mas com 10 por cento de movimento...
P/2- O senhor falou que tinha um rapaz no chope. O garçom não tira o chope?
R- Não, quem tira o chope é o seu Miguelzinho, um crioulinho desse tamanho. Mas era uma pessoa fora de série, inclusive ele esteve em revista na Itália, e era analfabeto, não sabia escrever nem o nome, mas esteve em revista na Itália, na Espanha, em toda parte, quem vieram aqui, fizeram filmagem com ele.
P/2- O chope era fabricado por quem?
R- Pela Brahma, sempre pela Brahma, que foi quem primeiro lançou chope dentro do Brasil.
P/1- Senhor Loyola, pro senhor, qual o segredo do chope do Bar Luiz?
R- Olha, é só tirar, tem que saber tirar o chope. Às vezes a pessoa pensa, todo mundo acha o seguinte “eu vou abrir um bar que é mole”. Não é não, não é bem assim não, tudo tem seu segredo, tudo tem que saber fazer as coisas. O segredo do Bar Luiz é assim, a serpentina, realmente, que é boa, e o tirar o chope.
P/2- Explica como é essa questão da serpentina e o que tem no Bar, pras pessoas que não conhecem. Quais são os instrumentos, os equipamentos que tem no bar, que são fundamentais?
R- A serpentina no Bar Luiz é uma serpentina velha, antiga. O pessoal hoje moderniza, mas só modernizam pra pior, a serpentina do Bar Luiz ainda é uma serpentina de bronze, aquele bronze amarelo. Então quando acontece alguma coisa, quando fura, conserta e deixa a mesma coisa. E aquela serpentina, por ser de bronze, por incrível que pareça... Mas parece que ela tira o amargo do chope. E tem aquela serpentina que gira por dentro, passa pra outro compartimento que tem em cima, que também tem outra serpentina pequena e dali é que faz o gelamento do chope. Porque hoje o pessoal tem em mente o seguinte, se você tomar um chope tirado gelado pelo gelo, é uma coisa, e gelado por energia é totalmente diferente.
P/2- E do Bar Luiz é como?
R- É gelo, até hoje. Muita gente faz essa serpentina elétrica que não funciona, tenta, mas não adianta.
P/1- E os outros equipamentos lá do Bar Luiz, eu queria que o senhor descrevesse a cozinha e a copa do Bar Luiz.
R- Olha, é aquele negócio, o bar Luiz ainda hoje trabalha com aquele material bem antigo, aquelas travessas inoxidáveis antigas. Hoje eles já mudaram o prato, mas o prato era um prato feito exclusivo para o Bar Luiz. Hoje eles já mudaram, depois que o Bruno morreu o pessoal parece que não soube dar valor à sequência daquelas coisas, aí mudaram o prato. Mas as coisas antigas são as mesmas coisas, os mesmos fogões, a copa. Tem aquele chope, copo antigo, hoje ninguém tem ele, só o Bar Luiz tem. O Bar Luiz e se não me engano o Bar Brasil, que é a caldereta. A caldereta e o garoto continuam com esse chope até hoje, que muita gente vai, inclusive, só por causa desse chope.
P/2- E como é que são as mesas?
R- As mesas são as antigas, por incrível que pareça são aquelas mesas pretas, e o freguês chega lá e diz “tem que tirar esse negócio daqui, porque está atrapalhando”, eu digo “não, isso não pode sair daqui nunca”. Porque é feito... A mesa... Aquilo tem uma coisa que dá um relevo em cima da mesa, e às vezes o pessoal mais moderno diz “isso aqui está atrapalhando”, “não está atrapalhando nada”.
P/1- A iluminação?
R- A iluminação também é antiga. Aqueles conjuntos de fluorescente, antigo, que desce um fio assim e pega todos os conjuntos de luz, todos continuam antigos. Aquela claraboia que tem, ninguém vê mais aquilo em lugar nenhum hoje, aquilo é feito de um vidro cristal que é uma maravilha!
P/1- E a decoração do salão?
R- A decoração do salão nunca mudou, sempre ficou aquilo. A única coisa que mudou foi que embaixo era madeira e eles botaram pastilha, mas isso há um bocado de anos já.
P/1- Mas e a decoração, o que tem nas paredes, como são as paredes?
R- As paredes, embaixo é ______, em cima é aquela faixa verde, que aquilo é gesso. Passou da coisa de cima tudo é gesso, então eles botaram o que? Uma parte amarela e uma parte verde com as portas e as mesas pretas, e continua a mesma coisa até hoje.
P/1- E quadros, tem quadros lá?
R- Quadros, quadros antigos, quadros de quando a rua da Carioca começou a ser alargada. Aquelas árvores, que foram plantadas, você vê a rua sem árvore, a rua plantando as árvores e a rua com as árvores já com dois anos. E aquelas escavações, daqueles lados, que por incrível que pareça a rua era mais estreita ainda, era igual àquelas ruas que têm ali na Praça Mauá, estreitinha. Tem as escavações todinhas lá, os quadros, e aí plantaram as árvores, que hoje é aquelas árvores centenárias que tem lá. Mas a gente vê todinha, de quando não tinha, de quando começaram, com um ano, dois anos, tudinho.
P/2- E a clientela?
R- A clientela é aquele negócio, é sempre de pai pra filho, sempre vem girando. Os pais levam, os filhos levam, os avós levam, os netos levam e vai se girando, a mesma coisa sempre.
P/2- E tem algum caso interessante que o senhor tenha pra contar pra gente?
R-Sempre tem. De vez em quando tem, a gente escuta alguma coisa que acham que a gente não está escutando, sempre escuta alguma coisa de política, negócio de o cara com mulher do outro isso... Não tem nem muito tempo, chegou lá um casal, sentou na mesa três, aquela mesinha escondida. Rapaz, não demorou duas horas eles estão lá na maior coisa. Chegou lá o marido da mulher, “e aí, meu chapa” (risos).
P/2- E como é essa questão da mesa, tem um cliente que só vai numa mesa? Ele só quer ser servido pelo senhor, como é que é isso?
R- Tem, tem. Só senta naquela mesa... Tem cliente que chega, se a mesa estiver ocupada ele disfarça, dá uma volta por ali... O cliente chega, senta, não pede, você tem que saber o que ele quer, tem que botar o que ele quer, inclusive esses fregueses mais antigos chegam na mesa... Está acostumado a ser servido muito tempo, ele faz questão de não pedir nada, você tem que levar o que ele quer, saber mais ou menos o que ele já aceita.
P/2- Tem que ser o garçom dele, mesmo?
R- Tem que ser o garçom dele. Inclusive eu tinha um cliente aí que era um cara muito rico, ele morava ali no Jardim Botânico. Ele chegava, vinha ali na Bolsa de Valores do Rio, vinha e chegava “Loyola, uma mesa pra mim e pro meu pessoal” falava baixinho. Sentava ali, quando alguém pedia ele falava “não peça nada, não quero que ninguém peça nada, o que o garçom trouxer você come”. Assim mesmo, não aceitava. Na hora de pagar ele dizia, “o garçom não dá conta a ninguém”, nunca pagou em cheque, nada, só em dinheiro. Eles tomavam 250 chope, 300 chopinho, era uma loucura. Também era um cara, ele pagava a conta, a conta dava 300 reais, ele me dava 400, não tinha problema, aí chegava pra mim e dizia “não me roube porque se você me roubar, amanhã você vai estar com o pescoço quebrado e uma perna quebrada” (risos), era um cara 100 por cento. Mas ele não aceitava que ninguém fizesse pedido na mesa dele e nem que reclamasse de alguma coisa que o garçom levasse.
P/1- E gorjeta, como é que era gorjeta lá no Bar Luiz?
R- Olha, gorjeta normalmente o freguês sempre coloca, um ou outro que às vezes se recusava, também não tem problema, não quer dar não tem problema, não precisa justificativa. Às vezes o cara não está em condições de dar, entendeu. O tratamento é o mesmo, que ele volte da mesma maneira, não tem problema nenhum.
P/1- Ainda essa história dos causos do Bar Luiz, teve algum caso assim, especial que senhor queira falar?
R- Olha, o Bar Luiz tem uma carreira de mesinha no canto, uma de mesas menores, mesas maiores no meio e uma de mesa média lá na outra ponta, então aquelas mesas da ponta, escorada na parede, toda vez... Não permitimos que o freguês sentasse atrapalhando a outra mesa. Chega, senta um do lado do outro do outro, dou uma cadeira, ele bota. O Nino batista, quando era governador do Rio de Janeiro, quando o Brizola saiu, que foi se candidatar, ele fiou como governador. Chegou lá, sentou e botou a cadeira do lado. Eu disse “doutor, o senhor poderia botar a cadeira do outro lado que está atrapalhando”, “você sabe quem eu sou?” “sei, inclusive ajudei a lhe eleger” (risos), “e como é que você manda eu sair?” eu digo: “porque o senhor é uma pessoa comum como outra qualquer, ou o senhor não é? Por que o senhor se acha melhor que todo mundo? Está certo o senhor é governador, a gente tem que respeitar, mas pra eu respeitar o senhor, primeiro o senhor me respeite”. Ele foi na caixa reclamar, chegou lá o Jaime disse “olha, se o senhor quiser insistir e sentar o senhor senta, mas o garçom está certo, não pode fazer isso não”. Ele saiu de uma mesa pequena e foi pra grande, eu disse “agora o senhor fica à vontade do jeito que o senhor quiser”.
P/2- E os outros políticos que frequentam a casa?
R- Ah, sim! Os outros políticos, todos eles... O Chico Alencar é frequentador assíduo de lá sempre. O Brizola é frequentador assíduo de lá. O Jaime Lerner, quando ele vem no Rio de Janeiro, ele não sai sem ir ao bar Luiz. O Espiridião Amim, quando vem aqui, não sai sem ir no Bar Luiz. E todos são pessoal que chegam e tratam a gente da melhor maneira possível.
P/1- Eles pedem alguma coisa especial?
R- Normalmente eles chegam e pedem “eu quero aquela costeleta ou aquele eisbein”, porque chama eisbien, o joelho e a salada de batata, sempre é o que eles pedem.
P/1- E a especialidade do Bar Luiz, qual é?
R- Os pratos alemães, que é a salada de batata em primeiro lugar; o kassler, que é uma costeleta defumada grande, e os frios e rosbife.
P/1- Qual a diferença da caldereta pra um chope comum?
R- A caldereta é um copo (agulhado?) que leva 400ml e aquele comum é um chope que leva 290 ml. É uma tulipa que tem em qualquer botequim, qualquer bar tem, e lá não, lá e algum bar se tiver, ninguém sabe quem é.
P/1- O senhor entrou lá em 1980. Tem muita diferença de cliente do início pra agora? Eles gastam menos, gastam mais?
R- Olha, realmente tem essa diferença. Nesse período de tempo houve uma queda de poder aquisitivo muito grande em todas as classes, a gente percebe isso. É aquele negócio, o cara chegava naquela época, não queria saber de nada, pedia um pratão pra ele. Hoje não, hoje normalmente o pessoal divide, esse negócio de ticket o pessoal chega e tem que medir até onde pode ir, realmente teve uma queda brusca em termos de finanças.
P/2- Em falar em dinheiro, quais as formas de pagamento?
R- Lá a gente aceita todo tipo de cartão, ticket e dinheiro em espécime.
P/2- Tem o crédito, na casa?
R- Não, não.
P/2- Tem algum cliente que possa comprar fiado?
R- O cliente que possa comprar fiado a gente já conhece. Muitas vezes o cliente chega, vez e meia acontece, o cara senta, come e bebe e vai embora. Mas a casa não quer saber, o cara come e bebe e vai embora, aí às vezes liga “ô, eu não te paguei não”. Eu digo “não pagou não”, aí volta e paga. Veio um cliente de São Paulo, sentou, comeu, bebeu, depois tchau, tchau, foi embora, aí ligou de São Paulo, “pô eu não te paguei?” eu digo “não”, “e agora?’, “quando você voltar você paga”. Ele sempre vem aqui, ele disse “e como é que fica?” “eu já paguei tua conta”.
P/2- Qual o cliente mais antigo que o senhor conhece lá hoje?
R- Olha rapaz, tem tanta gente antiga lá. Tem um senhor que mora aqui em Copacabana, que eu atendo ele lá desde que eu comecei. Tem outros que moram em Niterói, que desde 45 ele frequenta a casa, toda sexta feira ele vai pra lá.
P/2- O senhor lembra o nome dele, pode dizer?
R- Não sei. A gente conhece, mas o nome dele agora não lembro, sexta−feira agora ele vai ta lá. Ele vem uma sexta-feira sim uma sexta-feira não, ele vem lá de São Gonçalo, ele e o irmão, era médico, ele.
P/2- Quais são as exigências dos clientes, eles pedem alguma coisa especial no Bar do Luiz?
R- A exigência do freguês até hoje, por incrível que pareça, é porque não tem café. Sempre essa.
P/2- E por que não tem café?
R- Porque nunca botaram café, nunca teve (risos).
P/2- O senhor usa uniforme lá?
R- Uso.
P/2- Como é que é o uniforme?
R- É a calça preta, o paletó branco e uma faixa azul.
P/2- Essa faixa azul que é a diferença dos garçons.
R- É, é totalmente diferente, só o Bar do Luiz tem.
P/1- Tem variação na época do ano, de frequência?
R- Tem, tem. Na época de férias é muita família. Agora, o mês que vem vai começar, muita família, com o negócio de férias. As famílias vêm com os filhos, com os netos, aquele negócio todo. Muitas mesas de gente... Muita família que vem de Manaus, da Bahia, do Ceará, sempre com as famílias, de São Paulo, de todo lugar. Tem uma família de Manaus que todos os anos eles vêm, já ligaram pra mim avisando que vêm agora.
P/2- É um ponto turístico.
R- É exatamente isso, eles ficam aqui durante dez dias, todo dia eles vão comer no Bar Luiz.
P/1- Tem muita gente que comemora aniversário?
R- Tem, tem muita, sempre tem. Final de semana, inclusive sexta feira, quinta e sexta sempre tem gente aniversariando lá.
P/2- Qual é o horário de funcionamento do Bar Luiz?
R- Onze horas da manhã às 11 e meia da noite.
P/1- De Segunda à...
R- Segunda à sábado.
P2- E os funcionários são muito antigos, tem um pessoal novo, como é?
R- Muitos não, porque muitos morreram. Uns morreram, outros aposentando... Aquilo ali tem um mistério, o cara não pode parar de trabalhar, sai dali, morre (risos). É incrível. O miguelzinho que eu falei, do chope, trabalhou 45 anos, saúde perfeita. Saiu, passou um ano, morreu. É incrível, realmente, os copeiros antigos ali, o seu Noel, seu Djalma, trabalhavam muito, 30, 35 anos. Saía, a gente sabia: notícia que morria. Coisa desagradável, inclusive, pra gente. Mas hoje tem, tem gente lá com 20, com 25, 28, mas são poucos, porque vai renovando, vai entrando aquela rapaziada.
P/1-Tem uma coisa que acabou passando. Lá serve pratos alemães. Quais são seus fornecedores? Porque é uma mercadoria que não é muito comum.
R- É, antigamente a gente trabalhava só com o frigorífico Eder, Kassel, essas coisas, que vinha de Santa Catarina. O Eder faliu, aí estão trabalhando com a Hanssen, que é um frigorífico que serve exclusivamente pra esse caso, porque você não encontra. Essa costeleta que você come no Bar Luiz e a salsicha que você come lá não tem em mercado. O mercado não bota acho que por causa de ser mais caro, provavelmente, não sei. Então tem fornecimento direto pra gente, normalmente vem de Santa Catarina, é um fornecedor de Santa Catarina.
P/1- Qual é o prato que tem mais saída lá no Bar Luiz?
R- É o kassler, com certeza. O kassler com salada de batata ou com chucrute.
P/1- Tem um monte de funcionários lá na casa?
R- Tem hoje, hoje eu acho que tem, inclusive a semana passada a gente fez uma reunião lá, mas não foram todos, são 38 a 40, uma coisa assim, mais ou menos.
P/2- São quantos turnos?
R- Dois turnos.
P/2- Como que é esquema de folga dos funcionários?
R- Todo domingo, a casa fecha domingo, então folga todo mundo no domingo.
P/1- E como é que são esses horários?
R- Os horários... Pega uma turma sete horas da manhã, vão até quatro horas, nós pegamos às três, vamos até às 11 e meia.
P/2- E como é que é o acesso ao Bar Luiz? Como é que os clientes chegam, tem estacionamento?
R- Olha o problema ali... Realmente tem um problema sério de estacionamento. Antigamente você podia estacionar na rua da Carioca, depois proibiram. É uma dificuldade terrível, porque o freguês chega ali, às vezes não fica, porque tem que sair e não sei aonde pra estacionar. Agora só depois das oito e meia da noite que pode estacionar. Mas realmente, (há?) problema de estacionamento ali, é um negócio terrível, inclusive prejudicou muito o Bar Luiz, muito mesmo.
P/2- E o metrô, teve alguma alteração depois que o metrô começou a funcionar?
R- É, o metrô que ainda ajuda um pouco, porque normalmente quem mora na zona Sul, quem mora na Tijuca vem pra ali, até onze horas ele pode pegar outro metrô. Muitas vezes acontece de “fecha aí que eu tenho que pegar o metrô”, acontece muito isso.
P/1- E ali a Rua da Carioca, mudou muito desde que o senhor entrou lá?
R- Mudou bastante, mudou bastante. O movimento ali era bem maior. Mudou muito, porque depois dessa onda de violência, mesmo que não haja violência, mas o pessoal tem aquele complexo na cabeça e fica preocupado. Fica preocupado: “eu não posso sair tarde, porque isso, aquilo...”, realmente mudou muito, nesse sentido.
P/1- E de comércio?
R- O comércio está bem mais fraco ali hoje.
P/1- Mas quais são as lojas que tinha e que não tem mais?
R- Por acaso a Mala Moderna, famosíssima, acabou. A Sapataria Sapasso acabou, que era famosíssima. O Piscinês de ouro muito antigo também acabou. O Cinema São José acabou, só ficou o Íris, está aguentando o Íris até hoje. E todas eram lojas famosíssimas que tinham e acabaram fechando. O Rei do Queijo, famosíssimo, todo mundo queria comprar queijo do Rei do Queijo, acabou.
P/1- E abriu algo novo?
R- Abriram as pastelarias. No lugar do Rei do Queijo é uma pastelaria, no lugar da Mala Moderna é uma casa de instrumentos musicais, o Piscinês de Ouro continua fechado.
P/1- E a fachada do Bar Luiz, teve alguma alteração?
R- Não, veio ordem pra derrubar aquela fachada. Foi uma confusão terrível ali, veio gente pra derrubar, mas aí entraram com o mandato, e o governador terminou aceitando que ficasse como estava. Mas teve muita polêmica, muita ordem pra derrubar.
P/1- Mas por que tinha essa ordem pra derrubar?
R- Porque eles inventaram de modernizar, de botar aqueles toldos, e o Bar Luiz, embaixo tem uma lajezinha com aquelas lâmpadas antigas colocadas lá dentro, então eles queriam que botasse um toldo. Mas aí o Bar Luiz entrou com uma ação e foi atendido pelo governador, porque aquilo ali é tombado.
P/2- Senhor Loyola, está chegando na parte final dessa entrevista. A gente entra agora mais na questão da vida do senhor mesmo. Eu queria saber um pouco sobre o senhor do outro lado do balcão, do consumidor; como é que o senhor se diverte, como é sua happy hour?
R- A gente se diverte, às vezes chega dia de domingo, pega a família, vai comer fora, vai num restaurante, um amigo chama pra uma festa, uma brincadeira, qualquer coisinha que tem no bairro. Eles chamam a gente e a gente está sempre indo. Vai ao cinema, às vezes pega a família, vamos ao cinema. Eu vou com minha mulher até hoje, eu continuo frequentando à minha maneira, que eu frequentava, que eu (conhecia?). Levar os filhos... Os filhos é aquele negócio, uma hora atrapalha bastante, mas outra hora ajuda bastante.
P/2- E que restaurante o senhor frequenta?
R- Olha, eu gosto muito do Capela, apesar de já ter modificado também, pra pior, por incrível que pareça, mas é uma casa bem gostosa.
P/2- O senhor, então, é um cliente exigente?
R- Não eu não sou exigente. Eu acho que você sentir as coisas não é ser exigente, é querer... E as coisas, certas normas... Porque hoje você quer as coisas normais, já acha que é exigente. Não é exigência, a normalidade você tem que seguir.
P/2- Como é que é normal? Explica pra gente, como é o atendimento normal?
R- O normal é, se você é atendido por mim hoje, daqui a dez anos você é atendido da mesma maneira, não vai modificar. Você tem que ter o mesmo respeito com o cliente, independente da casa, porque a gente tem essa função. Infelizmente, às vezes a casa te mete no sufoco, porque o cliente chega e quer ser atendido daquela maneira, e a casa não te dá mais condição pra atender. Tu tem que fazer uma neutralização pra que o cliente nem perceba, e fica difícil pra gente, entendeu? Acontece muito, inclusive no próprio Bar Luiz acontece muito isso.
P2- E seus filhos, trabalham?
R- Meu filho trabalha. Minha filha não porque é nova ainda, tem 12 anos. Mas meu filho trabalha e estuda também.
P/2- Ele trabalha com que?
R- Ele está servindo, está há seis anos lá, desde 14 anos, 15 anos ele já foi pra lá, está lá até hoje.
P/2- O senhor gostaria que eles seguissem... O seu filho o senhor falou que está encaminhado, mas sua filho o senhor gostaria que seguisse alguma profissão que levasse ao comércio, ao restaurante, administração?
R- Olha, eu fiz tudo na vida e continuo fazendo pra que meus filhos não pensem nesse ramo que eu vivo, porque é difícil. Você às vezes pensa que é fácil, mas é difícil. Eu não sei se o meu filho iria aguentar o que eu tenho aguentado pra seguir nesse ramo. Porque eu conheço muita gente que tentou pensando que era mole e não é, não dá pra coisa, não é por aí, não tem como lutar com... Porque você luta com todo tipo de público que existir, você pega o mau caráter, pega uma pessoa civilizada, pega o bicheiro. Sempre tem alguém diferente, então você tem que saber neutralizar todos os tratamentos.
P/1- Qual o perfil do cliente mala? Qual o perfil dele, geralmente qual a reclamação que eles fazem?
R- Olha, o cliente mala, que você disse, ele já chega querendo botar banca. A primeira coisa que... Ele chega querendo passar por cima de ti já: “estou aqui, tenho que ser atendido da maneira que eu quero”. Tudo bem, só que quando chega no final, é um problema. “Ah! Porque não devia ser isso, assim, assim, está me cobrando muito caro”. Não é nada disso “não, porque eu frequento tal lugar e não é assim...” “mas aqui é assim, o sistema da casa é esse, se eu for lá pro outro lugar que você está falando, vou te atender da mesma maneira que é lá”. É preciso que você saiba neutralizar, senão você vai arrumar confusão, isso não tem dúvida. E normalmente o cara... Chega três, quatro, na mesa, que não vai pagar a conta. Exige tudo, quer saber tudo. Enquanto aquele que vai pagar não quer saber de nada, quer comer e beber e se divertir, o cara que não vai pagar a conta sempre está dando uma cutucada.
P/1- Se o senhor pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, o senhor mudaria alguma coisa?
R- Em termos de trabalho?
P/1- Gerais.
R- Olha, eu vou dizer uma coisa, em algumas coisas sim. Eu acho que se eu não tivesse entrado nesse ramo, talvez tivesse sido melhor pra mim. Agora, em termos de família não, em termos de família a pessoa não pode exigir mais do que eu tenho com minha família. tenho dois filhos, uma mulher maravilhosa, dois filhos que são uma beleza. Meu filho tem 23 anos, não fuma, não bebe, não me dá trabalho, não me dá preocupação em termos de eu me preocupar por que ele vai sair, então eu acho que até aí eu não teria do que reclamar.
P/1- O que o senhor acha de ter participado do projeto de memórias do comércio aqui do Rio de Janeiro, falando da sua experiência e sobre comerciário?
R- Olha, eu acho e espero que sirva pra alguma coisa, pelo menos no futuro. Talvez até algum filho meu, filho ou neto venha de repente cair na mão deles uma entrevista dessas e eles lembrarem “meu pai!”, ou “meu avô!”. É isso que a gente espera que possa acontecer, ou que alguém veja e saiba o que é a vida, o que a gente passa. Porque se você for analisar, for prestar bem atenção no que nós conversamos, vocês vão ver que não é fácil. Então que todos prestem atenção e saibam como tem que levar a vida, saiba respeitar todo mundo e saiba como tem que lutar com o público pra conseguir sobreviver e dar um exemplo pra tua família. Porque meus filhos seguem meu exemplo de saber respeitar os outros, de saber as obrigações dele que ele tem que cumprir. Eu tenho um filho no quartel, que ele nunca faltou um dia, porque eu nunca faltei um dia no meu trabalho nem saí atrasado. Eu acho por aí ele deve tirar, “pô, meu pai nunca chegou, por que eu vou chegar?”.
P/1- Senhor Loyola, eu quero agradecer em meu nome e em nome do Museu da pessoa, foi um prazer.
R- O prazer foi meu, eu espero que vocês tenham algum sucesso com o que vocês estão pretendendo.
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