Capítulo 59
PULA CERCA
Nas casas de pescadores da Aldeia de Geribá, repleta de moças e rapazes jovens, livres e bonitos; violões e pranchas de surf, era difícil ser fiel. Muitos namoros, e até casamentos, acabaram. Às vezes alguém simplesmente mudava de amor e de casa. Que alugávamos em grupos, para dividir a carona e as despesas.
Eu me lembro de ficar com uma amiga na varanda, deitada na rede, de manhã, só observando quem ia sair da casa de quem. Muita cerca pulada, muitas tentações, traições, encontros e desencontros.
Uma das casas era alugada por um grupo grande de estudantes de Medicina e seus pares. Eu os achava modernos porque casavam, recasavam, mas continuavam na sociedade. E um deles, psiquiatra, o Ricardo, não sei como, atendia todo mundo.
Lá, conheci meus dois amores de toda a vida, com quem falo todos os dias, por telefone ou pelo nosso grupo de WhatsApp. Gargalhamos muito, mas é com eles que choro, é pra eles que peço ajuda, quando a vida me maltrata: o Renato e a Leila.
Eu ainda não os conhecia. Tinha me apaixonado e namorava o Julinho, também violeiro, mas eu pulava a cerca e ele tinha uma namorada há muitos anos, antes, durante (?) e depois do nosso namoro.
Foi um encontro bacana. A gente conversava tanto e transava tanto, que era comum nos surpreendermos com o dia raiando sem dormir. E tínhamos que trabalhar no dia seguinte. No Rio, ele morava com o Fernando, aquele que levou um piano pra Aldeia, e que criou o Clube da Esquina de Búzios.
Julinho era animado e romântico.
Numa passagem de ano, talvez 1976, ou 1977, por aí, tínhamos uns vinte e três anos talvez, ele tocou violão - só ele de músico - no Geribar para uma galera enorme, a ponto do instrumento ficar com uns respingos de sangue dos seus dedos.
Escreveu um poema pra mim e me entregou num papel de carta com uma gota de sangue perto da assinatura.
Me deu de presente um quadrinho pequeno com um poema escrito atrás, a lápis:
\\\"Meu...
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Capítulo 59
PULA CERCA
Nas casas de pescadores da Aldeia de Geribá, repleta de moças e rapazes jovens, livres e bonitos; violões e pranchas de surf, era difícil ser fiel. Muitos namoros, e até casamentos, acabaram. Às vezes alguém simplesmente mudava de amor e de casa. Que alugávamos em grupos, para dividir a carona e as despesas.
Eu me lembro de ficar com uma amiga na varanda, deitada na rede, de manhã, só observando quem ia sair da casa de quem. Muita cerca pulada, muitas tentações, traições, encontros e desencontros.
Uma das casas era alugada por um grupo grande de estudantes de Medicina e seus pares. Eu os achava modernos porque casavam, recasavam, mas continuavam na sociedade. E um deles, psiquiatra, o Ricardo, não sei como, atendia todo mundo.
Lá, conheci meus dois amores de toda a vida, com quem falo todos os dias, por telefone ou pelo nosso grupo de WhatsApp. Gargalhamos muito, mas é com eles que choro, é pra eles que peço ajuda, quando a vida me maltrata: o Renato e a Leila.
Eu ainda não os conhecia. Tinha me apaixonado e namorava o Julinho, também violeiro, mas eu pulava a cerca e ele tinha uma namorada há muitos anos, antes, durante (?) e depois do nosso namoro.
Foi um encontro bacana. A gente conversava tanto e transava tanto, que era comum nos surpreendermos com o dia raiando sem dormir. E tínhamos que trabalhar no dia seguinte. No Rio, ele morava com o Fernando, aquele que levou um piano pra Aldeia, e que criou o Clube da Esquina de Búzios.
Julinho era animado e romântico.
Numa passagem de ano, talvez 1976, ou 1977, por aí, tínhamos uns vinte e três anos talvez, ele tocou violão - só ele de músico - no Geribar para uma galera enorme, a ponto do instrumento ficar com uns respingos de sangue dos seus dedos.
Escreveu um poema pra mim e me entregou num papel de carta com uma gota de sangue perto da assinatura.
Me deu de presente um quadrinho pequeno com um poema escrito atrás, a lápis:
\\\"Meu coracão avoado
estufa, gorjeia, e pousa na tua mão\\\".
O tempo apagou o lápis, minha memória, não.
Nadávamos da Ferradurinha até a Praia dos Amores, em frente, para namorarmos melhor na areia deserta.
Eu já escrevia poemas e contos, e estava tentando escrever um conto erótico para um concurso numa revista masculina que esqueci qual.
A ex-namorada, que tinha voltado a ser atual, com quem se casou depois, e teve filhas e netos, também frequentava a Aldeia. Ela era ciumenta, e nem entrava onde eu estivesse.
Quando ele me apresentou ao Juja, no Bar do Dorival, ela chegou, me viu, recuou imediatamente e chamou por ele, de longe.
Ele foi indo, mas ainda teve tempo de terminar de me apresentar:
- Conhece a Glória? Ela é poeta e está escrevendo contos eróticos.
Jogou a isca e saiu.
O que aconteceu no bar do Dorival, já contei.
Muitos e muitos anos depois, Julinho já estava no segundo casamento e com mais um filho, quando sofreu um acidente idiota, caiu de mal jeito de uma prancha de surf, em outra praia, no raso e sem ondas, e ficou tetraplégico. Talvez tenha desmaiado antes de cair, nunca foi possível entender. Tinha cinquenta anos.
A primeira mulher, namorada antiga e antiga rival, e eu, choramos juntas ao telefone, ela disse:
- O que aconteceu com o nosso Julinho!
Ele viveu cerca de dez anos, depois descansou, pulou a Grande Cerca, e voou.
A gente se conheceu de um jeito meio doido.
Eu estava dormindo na minha casa na Aldeia, com um namorado. Levantei no escuro e, com uma vela na mão, fui ao banheiro. Eu tinha experimentado um comprimido chamado Mandrix, que era um sonífero, acho. Mas dava uma onda boa, leve, se conseguíssemos ficar acordados.
Quando saí do banheiro, Julinho passava pelo corredor escuro, me viu e disse, baixinho:
- Uma princesa...
A gente se beijou muito e eu até esqueci o namorado que me esperava.
Quando lembrei, voltei pro quarto.
As paredes não iam até o teto.
Julinho era meu vizinho, a casinha da Dona Virgulina ficava no meio. Como ele estava no meu corredor? Não sei. Talvez tivesse mais gente lá na sala.
O namorado, cujo nome esqueci, me esperava, acordado e estarrecido. Só lembro que disse:
- Isso nunca tinha acontecido comigo.
E continuou falando, mas não me lembro de mais nada porque apaguei no meio do discurso.
Quando acordei, meu coração já era do Julinho.
#gloriahortapoeta
Trecho de um livro em construção
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