Em Juiz de Fora havia duas famílias muito diferentes. Moravam no mesmo bairro: Santa Terezinha. A linda santa-menina, que morreu aos 24 anos com tuberculose. Por sinal, foi o bairro onde nasci e fui criado. Minha referência maior de lar. Por mais que tenha morado em tantos lugares, Santa Terezinha permanecia intacta, um porto seguro que eu, ainda na infância, chamava de “Didifola”. Na realidade, minha “Didifola” não era Juiz de Fora, a Manchester Mineira, mas o pacato bairro de Santa Terezinha.
Essa história começa na rua Primeiro de Maio, exatamente no número 181 - Fundos, uma pirambeira que hoje termina no muro do Cemitério Parque da Saudade. Na última casa, do lado esquerdo da rua, morava a família de Fábio Rodrigues de Oliveira, atendente de enfermagem, casado com Lionina Testa de Oliveira e pai de Gilson Pedro de Oliveira, Gilséia Maria de Oliveira e Gilsely Ana de Oliveira.
O pequeno Gilson recebeu esse nome em homenagem ao goleiro do Botafogo de Futebol e Regatas de 1954, ano de seu nascimento. Aliás, essa história é uma história de futebol. “Se as coisas fossem como hoje eu provavelmente teria me tornado jogador profissional”, confessou Gilson, cinqüenta anos mais tarde.
O menino estudava no período da manhã e, quando chegava em casa, almoçava, fazia a tarefa de casa e começava um severo treinamento. “Riscava um retângulo no barranco, que era o gol, pegava minha bolinha número 2 e ficava uma hora chutando, sozinho”. Enquanto descansava, Gilson aproveitava para espiar o campinho da rua de baixo. Ele ficava ansioso, esperando a chegada dos meninos.
O campinho de terra ficava na rua do Jalão, hoje avenida Alencar Tristão, e podia ser visto de cima de um frondoso abacateiro, no quintal da casa de Gilson. Quando apareciam os primeiros amigos, ele descia correndo e começava “a segunda parte do treinamento”. Era preciso duas duplas para iniciar a brincadeira que, segundo Gilson, treinava todos os fundamentos do...
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Em Juiz de Fora havia duas famílias muito diferentes. Moravam no mesmo bairro: Santa Terezinha. A linda santa-menina, que morreu aos 24 anos com tuberculose. Por sinal, foi o bairro onde nasci e fui criado. Minha referência maior de lar. Por mais que tenha morado em tantos lugares, Santa Terezinha permanecia intacta, um porto seguro que eu, ainda na infância, chamava de “Didifola”. Na realidade, minha “Didifola” não era Juiz de Fora, a Manchester Mineira, mas o pacato bairro de Santa Terezinha.
Essa história começa na rua Primeiro de Maio, exatamente no número 181 - Fundos, uma pirambeira que hoje termina no muro do Cemitério Parque da Saudade. Na última casa, do lado esquerdo da rua, morava a família de Fábio Rodrigues de Oliveira, atendente de enfermagem, casado com Lionina Testa de Oliveira e pai de Gilson Pedro de Oliveira, Gilséia Maria de Oliveira e Gilsely Ana de Oliveira.
O pequeno Gilson recebeu esse nome em homenagem ao goleiro do Botafogo de Futebol e Regatas de 1954, ano de seu nascimento. Aliás, essa história é uma história de futebol. “Se as coisas fossem como hoje eu provavelmente teria me tornado jogador profissional”, confessou Gilson, cinqüenta anos mais tarde.
O menino estudava no período da manhã e, quando chegava em casa, almoçava, fazia a tarefa de casa e começava um severo treinamento. “Riscava um retângulo no barranco, que era o gol, pegava minha bolinha número 2 e ficava uma hora chutando, sozinho”. Enquanto descansava, Gilson aproveitava para espiar o campinho da rua de baixo. Ele ficava ansioso, esperando a chegada dos meninos.
O campinho de terra ficava na rua do Jalão, hoje avenida Alencar Tristão, e podia ser visto de cima de um frondoso abacateiro, no quintal da casa de Gilson. Quando apareciam os primeiros amigos, ele descia correndo e começava “a segunda parte do treinamento”. Era preciso duas duplas para iniciar a brincadeira que, segundo Gilson, treinava todos os fundamentos do esporte.
O jogo de “dupla” funciona da seguinte maneira: “Ficam dois no gol, um chuta de fora da área e outro fica dentro da área pra pegar o rebote. Se fizer gol direto, vale um ponto; se o goleiro der rebote, vale dois e se rebater no travessão o gol passa a valer três pontos. Cada jogador tem direito a três chutes e a dupla que fizer mais pontos ganha”. Realmente é uma brincadeira que treina todos os fundamentos do futebol e Gilson diz que era um dos melhores da turma. Também pudera, essa era sua rotina. “Fazia isso todo dia, naquela época a gente não estudava, só fazia a tarefa e tinha o resto do dia pra brincar de bola”.
Todo domingo, o garoto defendia o Estrelinha nos torneios de futebol da cidade. Pela manhã, jogavam os meninos mais novos e os jogos dos mais velhos eram realizados na parte da tarde. “Depois que terminava a pelada, alguns iam direto pra casa. Eu não. Eu ficava sentando na beira do campo e volta e meia era chamado por alguém do time dos grandes pra completar o jogo da tarde”.
Gilson poderia ter se tornado jogador de futebol, mas não teve oportunidade. Restava estudar para ser alguém na vida. As condições financeiras da família não permitiam que o garoto tivesse sonhos ambiciosos, mas, incentivado pelo tio Tatão, mais conhecido por Madureira, Gilson fez o vestibular para entrar no Instituto Cândido Tostes, ou Candinha, como todos chamavam. O tio, Sebastião Madureira, era porteiro do Instituto e convenceu Gilson de que poderia ser uma boa carreira.
O Instituto também se situava em Santa Terezinha e, na época, era a única escola de formação técnica em laticínios do País. Na escola, Gilson aprendeu um ofício pouco difundido, mas fundamental para a base da alimentação brasileira. Aprendeu a alquimia de transformar leite em variados produtos.
Assim que se formou, Gilson conseguiu um emprego na Bahia, estado brasileiro famoso por sua cultura e culinária. Na cidade de Itapetinga, Gilson morava em uma república com mais cinco rapazes. “Eram dois professores malucos, um gerente das Casas Pernambucanas e um funcionário do Banco Brasil”. Gilson trabalhava nos laticínios Leite Glória do Nordeste.
Albino, o bancário da república, certo dia emprestou seu Opala para Gilson sair no final de semana. “Ele só confiava em mim, apesar de eu ser o mais novo da turma”. Mas, Gilson nessa época, ainda não era muito bom motorista e bateu o carro na traseira de uma caminhonete F1000.
Na época de Cândido Tostes, Gilson era fumante, mas nunca teve dinheiro para comprar cigarros. “Eu fumava sempre o ‘simidão’. Quando alguém acendia um cigarro, logo gritava: ‘me da as 10’. O que significava que eu queria o toquinho do cigarro dele”. Sinal de status social elevado era ter um maço de Minister no bolso da camisa. Quando Gilson recebeu seu primeiro salário, na Bahia, realizou um sonho um tanto estranho. “Comprei um pacote de Minister, espalhei na cama e deitei em cima”.
Quando podia tirar férias, Gilson visitava os pais em Juiz de Fora, agora em outra casa, mas ainda em Santa Terezinha. Certa ocasião, enquanto observava a rua através da janela, percebeu que, todos os dias, no mesmo horário, uma bonita moça passava em direção à empresa de ônibus na qual trabalhava.
Essa moça era Lúcia Helena Perassi e também morava no bairro Santa Terezinha. Era primogênita do torneiro mecânico Lúcio Perassi, famoso no bairro por ser um dos melhores goleiros da cidade. Aliás, Lúcio também era apaixonado por futebol, mas torcia pelo Fluminense, na época, grande rival do Botafogo. A irmã da moça, Lucimar, costumava andar com Gilséia, fato que Gilson só veio a descobrir mais tarde. Ali começava a história de uma família.
Gilson não se tornou jogador de futebol, talvez tivesse sido um grande jogador, talvez tivesse jogado ao lado do furacão Jairzinho no Botafogo, ou feito o gol que faltou ao Brasil, contra a Itália, na copa do mundo de 82. Mas fico feliz que Gilson tenha seguido a carreira de laticinista. Assim ele conheceu Lúcia, com quem teve três filhos: Fábio Lúcio, Rafaela e Eu.
(História enviada em 1 de julho de 2009)
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