Eu tenho uma história, trata-se de um relato de transformação e de importância de pequenas coisas que às vezes a gente menospreza, né? A gente trabalhou lá com uma pessoa em Salvador, o nome desse interno, chamava-se Gerson. Gerson era um enigma pra gente porque Gerson era uma pessoa que você olhava para a cara dele tinha vontade de chorar, da expressão de tristeza que ele passava, de angústia, ele tinha, assim, uma aparência sofrível, não é, e Gerson era mais do que analfabeto, Gerson era “analfabruto”, era uma pessoa que não se comunicava, não expressava as suas emoções... A gente tem o costume, assim, de fazer comemorações, acaba-se criando, realmente, um vínculo de amizade com aquelas pessoas, então época de aniversário a gente celebrava, esperava assim, quem era aniversariante do mês a gente fazia aniversário e ele só conseguia expressar os sentimentos dele através dos olhos. A gente olhava pra ele e via aquela pessoa assim sofrível, na hora dele receber um bolo, receber uma coca-cola, se você não se dirigisse para ele, ele não tinha expressão e, lógico, a gente está dentro de um local aonde as pessoas estão na verdade em fila esperando a oportunidade de trabalhar, de gerar alguma renda, de ter a remissão da pena... Tem vários benefícios que o Projeto trás pra pessoa, né, e Gerson não se dava bem em oficina nenhuma, foi para a pintura, não se dava bem: Gerson, meu irmão... Foi pra vela, não dava certo, foi fazer trabalho com embalagem, também não dava certo, a única coisa que restava era o menos provável que era o mais difícil que era serralheria e chegou lá ele se deu bem. Ele começou com os ferros, batendo, torcendo e foi surpreendendo. Nós tínhamos lá, trabalhava conosco, um italiano que passou 8 anos preso lá na Bahia, né, e o italiano adotou o Gerson como, né, pupilo dele e aí cuidava, zelava e tratava e Gerson foi se desenvolvendo e com o trabalho ele começou a se expressar também, ele...
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Eu tenho uma história, trata-se de um relato de transformação e de importância de pequenas coisas que às vezes a gente menospreza, né? A gente trabalhou lá com uma pessoa em Salvador, o nome desse interno, chamava-se Gerson. Gerson era um enigma pra gente porque Gerson era uma pessoa que você olhava para a cara dele tinha vontade de chorar, da expressão de tristeza que ele passava, de angústia, ele tinha, assim, uma aparência sofrível, não é, e Gerson era mais do que analfabeto, Gerson era “analfabruto”, era uma pessoa que não se comunicava, não expressava as suas emoções... A gente tem o costume, assim, de fazer comemorações, acaba-se criando, realmente, um vínculo de amizade com aquelas pessoas, então época de aniversário a gente celebrava, esperava assim, quem era aniversariante do mês a gente fazia aniversário e ele só conseguia expressar os sentimentos dele através dos olhos. A gente olhava pra ele e via aquela pessoa assim sofrível, na hora dele receber um bolo, receber uma coca-cola, se você não se dirigisse para ele, ele não tinha expressão e, lógico, a gente está dentro de um local aonde as pessoas estão na verdade em fila esperando a oportunidade de trabalhar, de gerar alguma renda, de ter a remissão da pena... Tem vários benefícios que o Projeto trás pra pessoa, né, e Gerson não se dava bem em oficina nenhuma, foi para a pintura, não se dava bem: Gerson, meu irmão... Foi pra vela, não dava certo, foi fazer trabalho com embalagem, também não dava certo, a única coisa que restava era o menos provável que era o mais difícil que era serralheria e chegou lá ele se deu bem. Ele começou com os ferros, batendo, torcendo e foi surpreendendo. Nós tínhamos lá, trabalhava conosco, um italiano que passou 8 anos preso lá na Bahia, né, e o italiano adotou o Gerson como, né, pupilo dele e aí cuidava, zelava e tratava e Gerson foi se desenvolvendo e com o trabalho ele começou a se expressar também, ele começou a abrir mais a boca, ele começou a falar, e aí ele contou o drama que estava vivendo que era o fato de que ele não poderia voltar pra cidade onde ele tinha vindo, né, porque durante uma briga ele acabou cortando o braço de alguém e essa família era uma família muito influente lá no local, ele teve que sair da penitenciária, da cadeia daquela cidade porque iam matar ele dentro da própria cadeia e apesar de ter muita vontade de volta pra família dele, ele não tinha condições de fazer aquilo, entendeu? E ele não sabia o que era que ele ia fazer da vida e aquele momento, nós ainda não tínhamos o apoio do Wal-Mart, agora a gente tem uma cooperativa de egressos dessas pessoas que trabalharam conosco lá, então a gente estava assim naquela expectativa, todo mundo que saia a gente queria saber muito da história: pra onde é que ia, o que era que ia fazer, se a gente podia encaminhar em algum desses processos e a liberdade sempre vem assim, né, de repente chegou a liberdade e o camarada vende as coisinhas que tem lá, de última hora, e sai correndo e né... E de repente a gentinha tinha aquela expectativa em relação a Gerson: o que seria que seria da vida dele, né? E quando eu chegou lá, num belo dia, o Gerson sumiu, recebeu a liberdade e ninguém sabia de Gerson, mas ele era tão “analfabruto” que a gente imaginava: o que ele ia fazer quando saísse da penitenciária? A gente ficou assim uns dois dias, todo mundo: “você tem alguma notícia de Gerson, alguma situação?” – Não, não, saiu, conseguiu liberdade e aquilo não saia de nosso pensamento. Um belo dia quando eu to entrando na penitenciária, vem um camarada correndo assim: “irmão, irmão, irmão...” Aí, parei assim, falei: Gerson Falou: “irmão, saí, já to trabalhando numa serralheria aqui nesse bairro aqui do lado, consegui alugar um quartinho...” Porque o dinheiro que ele ganhava ele guardou: “estou trabalhando numa serralheria, diga pros companheiros lá, diga pro gringo que eu já estou trabalhando.” Aí, aquele negócio marcou de mais, entendeu, porque uma pessoa que não tinha perspectiva nenhuma, de repente agora começou a caminhar com as próprias pernas, já falava – que mesmo dentro do próprio Projeto durante o período de quase um ano a gente não ouvia a voz de Gerson, entendeu, e ele conseguiu entrar num mercado informal, sei lá o que foi, mas, e cuidado dele de voltar e informar os companheiros que ficaram lá dentro, entendeu, como é que eles estão, sabe, então, isso foi algo assim que serviu para estar cada vez mais fortalecendo o desejo de lutar por essa causa quase que impossível, né? Eu queria deixar isso contado.
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