Um sonho para gerações

Projeto Memória nos bairros

Depoimento de Tomiko Gohara Sakumoto

Entrevistado por Stella Franco e Marina D’Andrea

São Paulo 6 de outubro de 2000

Código: MT_HV032

Realização Museu da Pessoa

Transcrito por Ronaldo Ventura Souza

P/1 - Projeto Memória nos bairros, depoimento de Tomiko Gohara...

R - Gohara.

P/1 - Gohara Sakumoto...

R - Sakumoto.

P/1 -Sakumoto, entrevistada por Marina e Stella, local Organização Educacional Nippaku, São Paulo 6 de setembro...

P/2 - Não, de outubro.

P/1 - ...de outubro, ah, é hoje, né, (risos) também estou errando bastante. (risos)

R - É que eu queria destacar isso: Nippaku Professora Massue... Isso é importante.

P/2 - O local?

R - É o nome da escola, da...

P/1 - Ah tá, Organização Educacional Nippaku Professora Massue.

R - É.

P/1 - Tá certo, 6 de outubro de 2000, entrevista “x”, realização Museu da Pessoa. Dona Tomiko, para começar nossa entrevista, por favor, a senhora diz de novo o seu nome, data de nascimento e onde foi que a senhora nasceu.

R - Data de nascimento é esse que a gente faz aniversário, né?

P/2 - Claro.

R - Mas o documento não é esse.

P/2 - A senhora pode contar as duas.

R - Ah não! (riso)

P/2 - Então o seu nome?

R - É Tomiko Gohara Sakumoto, dia do nascimento 14 de novembro de 1932.

P/1 - E onde a senhora nasceu?

R - É...

P/1 - A senhora nasceu onde?

R - Aqui, mas no documento...

P/1 - São Paulo?

R – É, São Paulo.

P/1 - No bairro do Lava-Pés, é isso?

R - Mas no documento fala que é Agudos.

P/2 - Ah é? Conta essa história, dona Tomiko. Não, depois a gente... se a senhora quiser, é só para a gente saber o que aconteceu.

R - Meu pai, eu perguntei para o meu pai, ele falou que gente não vai ficar muito tempo no Brasil, então era importante deixar legalizado no Japão, aqui qualquer jeito dá para... Parece que foi o dia, quando eu tinha cinco, seis anos, e marcou um dia mais ou menos, quase igual o da minha mãe, e eles não davam importância nesse documento, e quando ele foi para Agudos, parece que um amigo dele ia registrar o filho dele: “Então registre o meu também junto”. Parece que não tinha a certidão de nascimento, só no Japão ele deixou tudo legal. Então não tem nada de Lava-pés, não tem nada de 14 de novembro.

P/2 - Onde é o Lava-Pés, é na Liberdade?

R - Ai, é Cambuci, né? Cambuci.

P/1 - Quer dizer, a senhora na verdade nasceu mesmo em Lava-Pés?

R - É, Lava-Pés.

P/1 - E no Japão ele registrou a senhora também?

R - Registrou.

P/1 - Como nascida lá?

R - Não, nascida aqui e registrou no consulado.

P/2 - Duas nacionalidades então?

R - É.

P/1 - Ah, a senhora tem duas?

R - É.

P/1 - Bom, agora o nome do seu pai e da sua mãe e a data de nascimento.

R - O nome do meu pai é Shigueto Gohara, que ele usava Alipi Shigeto Gohara. É nascido no dia 25 de janeiro de 1900. Minha mãe é Massue Gohara, mas ela usava Maria Massue Gohara. Nascida no dia 17 de março de 1903.

P/1 - No Japão?

R - No Japão.

P/1 - E quando é que eles vieram para cá?

R - Meu pai chegou aqui no Brasil em 1915, e minha mãe, minha mãe quando tinha 21 anos, então 1924.

P/1 - Que ela chegou?

R - Sim.

P/1 - E eles faziam o que no Japão?

R - Ele era lavrador.

P/1 - Lavrador, tá certo.

P/2 – O que eles cultivavam, a senhora sabe?

R - É arroz, né?

P/2 - Em que lugar do Japão eles moravam?

R – Fukuoka.

P/2 – Fukuoka?

R - Bem no sul.

P/1 - Eles vieram pela imigração oficial, ou pagaram passagem?

R - Não, meu pai veio como imigração, agora minha mãe, o meu avô estava aqui, então ela não era, ela, minha mãe e meu tio veio como, não veio como imigrante.

P/1 - Pagaram passagem?

R - Pagaram passagem.

P/1 - E seu avô, como é que se chamava?

R - Massaemon Gohara.

P/1 - Ele já estava no Brasil e ele fazia o que aqui no Brasil?

R - Ele tinha aí... fundou uma colônia na cidade de Agudos e tinha muitos japoneses que chegavam aqui e procuravam ele e trabalhavam lá, né?

P/1 - Ah, tá. Mas a senhora sabe como foi que ele fundou a colônia, a terra era de quem?

R - Acho que era do governo, né, não sei, acho que era...

P/1 - Do governo japonês, acho que... Não sei se é o governo. Compraram a terra e eles entraram nessa terra e depois fundou uma colônia lá. E o meu avô ele era médico no Japão, né, então ele estando lá atendia aquele pessoal da colônia, né, e o meu avô também foi uma pessoa muito estimada.

P/1 - Ah, então ele veio, cuidava dos colonos?

R - É.

P/2 - Como é que chamava a colônia?

R - Monção.

P/2 - Monção?

R - Monção, agora não sei se é japonês ou...

P/1 - Monção?

R - Monção.

P/2 - Monção, sei e...

P/1 - Ficava perto de onde?

R - Agudos.

P/1 - Agudos.

P/2 - E era cultivo do que lá?

R - Acho que era café, né?

P/2 - Café?

R - É, isso eu não sei.

P/2 - Sei, tá certo.

P/1 - Aí como é que seus pais se conheceram e casaram?

R - Meu pai já tinha... estava com meu avô, né? Era como todos, depois minha mãe chegou e aí casaram.

P/1 - Mas era casamento arranjado, assim? Não sabe?

R- É, já entrou muita história aí e acho que eles gostaram, né? Não era casamento arranjado.

P/1 - Ah, tá.

P/2 - Porque tinha, né? Tinha bastante.

R - Tinha bastante, mas não era casamento arranjado.

P/2 - Eles se conheceram aqui em São Paulo?

R - Não, lá em Agudos. E quando ela chegou, ela lecionava japonês lá na colônia.

P/2 - Para as crianças?

R - Para as crianças.

P/2 - Tinha uma escola?

R - Parece que tinha.

P/1 - Ah tá, então por que as crianças já estavam falando português?

R - É, e ela ficou até vinte e um anos, já tinha formado, então...

P/1 - Ela já veio formada do Japão?

R - Veio formada do Japão.

P/1 - Professora. E aí eles se casaram. A senhora sabe a história, se teve festa, como é que foi o casamento? Não sabe. E aí quem é o primeiro filho? A senhora?

R - É.

P/1 - A senhora é a mais velha.

R - É, sou eu.

pai

P/1 - E depois vieram mais quantos irmãos?

R - Duas irmãs... Somos em quatro, e o caçula é meu irmão.

P/1 - E a senhora se lembra da sua casa de infância?

R- Eu lembro da Galvão Bueno.

P/1 - De Agudos não lembra?

R - Ah, não lembro.

P/1 - Ou seja, a senhora...

R - Acho que nem morei “no” Agudos.

P/1 - Ah, não?

R - Porque eu nasci aqui no Lava-Pés. E tinha uma escola em Lava-Pés que mudou para Galvão Bueno, parece que mudou em 1935 mais ou menos, então eu não lembro.

P/2 - Dona Tomiko, só uma, uma dúvida, por que o pai e a mãe da senhora saíram da colônia e vieram para São Paulo?

R - É, acho que tinha... Não sei explicar, eles eram só dois.

P/2 - Só os dois?

R - É, e depois minha madrinha era professora de Corte e Costura, ela era uma francesa e ela ficou na casa da madrinha, que ela tinha escola, e ajudava ela e depois ela formou e abriu a escola para ela.

P/2 - A senhora tinha uma madrinha francesa?

R - É.

P/2 - Como é que ela chamava?

R - Ana Lúcia. Ela casou com um alemão, né? Agora nome em francês não sei, ela casou com alemão.

P/1 - E ela, sua madrinha, como ela morava perto... Como é que sua mãe escolheu fora da colônia uma madrinha? Não sabe?

R - É, eu não sei. Como escolheu ela eu não sei, mas ela é uma senhora bem generosa, né? E (no) natal até juntava aquela criança pobre, aí ela presenteava todo o mundo.

P/2 - Onde que ela morava?

R - Ela morava na Vila Mariana, mas falecida também.

P/1 - E a senhora se lembra, aos pouquinhos, assim, da sua infância na Lava-Pés?

R - Lava-Pés não lembro.

P/1 - Não lembra de nada?

R - Só na Galvão Bueno. Acho que quando eu mudei, mudaram para Galvão Bueno, acho que eu tinha dois anos, não lembro.

P/1 - Ah, muito pequenininha. E a senhora ficou na... eles ficaram na Galvão quantos anos?

R - Galvão Bueno depois ficamos até 1940, 1942, que ele mudou para cá.

P/2 - Dez anos?

R - Dez não.

P/2 - Ah, um pouquinho menos, oito anos. E como é que era a casa da Galvão Bueno?

R - Era gostoso. Tinha quintal, tinha dois pés de goiaba, eu lembro essas coisas. (risos) Era gostoso, era bom lá. E aqui era... tinha plantação de nabo, aqui era um terreno grande.

P/1 - Aqui onde nós estamos agora?

R - Aqui. E tinha uma casa

(PAUSA)

R – Não era assim, não. É bem na rua, aquela casa antiga, né? E aqui no fundo era horta.

P/1 - Mas espera um pouco, a senhora morava na Galvão Bueno, aqui nós estamos na rua...

R - Castro Alves.

P/1 - Mas como é que é de lá para cá?

R - Aqui era interior para a gente. (risos) Morávamos lá na Galvão Bueno.

P/1 - Aqui era chácara?

R - Parecia uma chácara.

P/1 - Ah, era de vocês aqui?

R - Não, meu pai comprou depois, né? Mas era uma chácara, aquele tempo aqui era tão longe de Galvão Bueno. Uma vez por mês... mal a gente vinha para cá, né? Vinha para cá para colher a verdura da horta.

P/2 - Nossa!

R - Aqui era...

P/1 - Qual era a área, a senhora se lembra?

R - É toda essa área da frente até o fundo.

P/1 - Quanto é mais ou menos, a senhora não sabe não? Não sabe. Mas aí, quer dizer, o seu pai e sua mãe trabalhavam na Galvão Bueno e aqui era chácara?

R - Não, durante a guerra acharam que lá era perigoso, viver no centro. E tinham muitos japoneses que eram retirados de lá do centro, então...

P/1 - Como assim?

R - Que não podiam ficar muitos japoneses no centro, durante a guerra. Então todo mundo foi... Conde de Sá de Freitas, Conselheiro Furtado era cheio de japoneses, foram todos retirados.

P/1 - Quem retirou?

R - Os militares, né?

P/1 - Conta essa história.

R - Eu não sei, eu sei que meu pai achou que era perigoso ficar lá porque a gente... meu pai tinha a escola, tinha internato e tinha muitas moças do interior que vinham estudar, então ele comprou o terreno aqui para a gente mudar para cá, porque aquele tempo aqui era interior para gente, para vir até aqui a gente ficava planejando: “Nossa, temos que ir lá, então vamos na outra semana.”

P/2 - E vinha de quê?

R - Ah, vinha de carro. E aquele tempo ainda tinha bonde que passava na Vergueiro.

P/2 - A senhora tomava?

R - Tomava, viajava de bonde.

P/2 - Como é que era o bonde?

R - Aquele bonde que tem... que tinha banco assim, e a gente tomava bonde depois ia até a São João Mendes para fazer compra, assim... Até à João Mendes...

P/1 - Nesse tempo da guerra a senhora tinha quantos anos?

R - Ah, acho que tinha dez, onze, mais ou menos.

P/1 - E o que a senhora lembra dessa coisa da guerra, de vocês serem japoneses, fora isso que...

R - Meu pai era... “patriotismo” muito fanático, né? Então eu, nascida aqui no Brasil, eu sou brasileira, mas ele queria eu como japonesa. Então eu tinha medo de... é, por exemplo, na cidade, assim, quando encontra com pessoa a gente não podia cumprimentar em japonês, tinha que falar em português, né? Tinha todas essas coisas, né?

P/1 - Na guerra.

R - É, durante a guerra. Depois da guerra também.

P/1 - Também?

R - É. E eu estudava lá na Galvão Bueno, escola São Francisco, aí a... De lá contava para amiga: “Fim-de-semana eu vou lá no sítio, né? Vou colher... não sei, tinha nabo, essas coisas, né? Então vamos colher nabo lá. Então vamos?” Convidava, convidava e... Ah, aquele é meu irmão, acho que ele está ocupado. Será? E a gente programava passeio de lá até aqui perto da Galvão Bueno, fazia um passeio.

P/2 - Nossa!

R - Era tão longe! Por que será, não, que era longe?

P/1 - E seu pai então exercia Medicina na Galvão Bueno?

R - Não, meu pai não. O meu avô.

P/1 - Seu avô?

R - Meu pai não entendia.

P/1 - Mas pelo jeito vocês tinham já alguns bens, né? E vieram...

R - Não, meu pai e minha mãe vieram sem nada, vieram para São Paulo, lá no sítio talvez ele tinha, né? Meu avô já tinha uma colônia toda, mas meu pai e minha mãe vieram só eles para cá e não sabiam, não conheciam São Paulo, tudo... Eu acho que a minha madrinha era uma pessoa generosa, acho que acolheu ela. Isso eu nunca perguntei para ela, ela nunca me contou também.

P/2 - Dona Tomiko, como é que surgiu a ideia de sua mãe de montar escola?

R - Ela estava uns tempos lá no interior e ela lecionava lá o japonês, né? E ela via que as moças... apesar que ela também era do interior do Japão... Mas ela via que elas usavam muita roupa assim, né? Não tinha pano, então cortava aqueles trapos lá e fazia roupa. Então ela achava dó, e ela entendia um pouco de Corte, então costurava para ela. Então ela veio para São Paulo e queria aperfeiçoar o Corte dela e procurou, acho que, a madrinha, né? E a madrinha ensinou. Ela aprendeu tão bem, segundo a madrinha contava, que ela era uma boa aluna e logo ela pegou e começou costurar das freguesas também, né? E ela formou e abriu uma escola. Ela queria ensinar para a moça da colônia. Foi por isso que ela abriu a escola.

P/1 - Escola de costura?

R - É, escola de costura. Aí ela fez um acordo com o médico daqui, com outras professoras de Culinária e tudo, e a casa era grande, e essas professoras ensinavam lá na escola, então falava que era escola de noivas. É, para formar as noivas.

P/2 - Como é que chamava a escola, o primeiro nome?

R - É, Escola de Corte e Costura Nippak.

P/2 – Nippak? E de onde vem esse nome?

R - Nippak é grupo brasileiro, né? É Japão e Brasil, quer dizer Nippak.

P/2 - E foi fundado em 1932?

R - 1932.

P/2 - A senhora estava contando antes que teve que mudar de nome na época da guerra. Conta essa história.

R - Durante a guerra era Nippak, não podia continuar com o nome japonês. Porque Nippak é palavra japonesa, né? Aí mudamos para Internacional, Escola de Corte e Costura Internacional.

P/2 - E a senhora sabe por que escolheram esse nome?

R - Porque acho que Nippak já é dois países, né? Então Internacional ficava mais “grande”, né? Acho que isso que deu na cabeça dela. Eu, como era pequena, não sei bem, mas eu sei que a madrinha também estava aí, e a madrinha também ajudou a fazer isso também, esse trabalho, né?

P/2 - E era em que altura da Galvão Bueno, a escola?

R - 362.

P/2 - E como é que era essa escola?

R - Ah, era uma casa assim, tinha um fundo grande, tinha pé de frutas... Era gostoso. Eu gostava... era melhor do que aqui, porque a casa que tinha aqui era na frente, era uma casa antiga, e essa casa era mais nova, então...

P/1 - E esse prédio que tem aqui agora, hoje em dia, é no terreno que era a chácara?

R - É.

P/1 - Construíram no terreno?

R - É.

P/1 - Então era bem grande, né?

R - Era bem grande.

P/1 - Porque tem o prédio na frente e essa escola atrás.

R - Nós que construímos os apartamentos lá da frente.

P/1 - Isso, isso que eu perguntei é ao contrário, atrás. Aí ficaram com o fundo para fazer a escola?

R - É.

P/2 - Dona Tomiko, nessa foto aqui tem vários homens. Os homens também frequentavam a escola?

R - Não, é do consulado.

P/2 - Ah, eles são do consulado! Por que eles estavam lá?

R - Parece que tinha uma “viveta”... profissão de... não sei o que era “viveta”, mas eu sei que era... me contaram que era... tinha uma “viveta” do Japão. Em 1939 convidaram para a formatura.

P/2 - Ah, entendi. Uma formatura.

R - É formatura. Está de diploma na mão, né? Tinha brasileira também.

P/2 - Ah, é?

R - E era um curso rápido naquele tempo, né? Porque as noivas vinham aqui só para aprender mais ou menos, só para costurar algumas coisas. Tinha curso de três meses.

P/2 - Por que para casar tinha que...

R – É, japonesa era assim. Só costurar. Sem saber costurar não era boa noiva não. Dona de casa precisava costurar.

P/2 - E hoje é assim?

R - Hoje não é (risos) Hoje não é nem... Tem muita mais que nem cozinha, né? Nem cozinha.

P/2 - E tinha culinária na escola também?

R - Tem, tinha Culinária, tinha Ikebana, aula, assim, de Educação Física... Tinham vários cursos.

P/2 – O que é Ikebana?

R - Ornamento de flores.

P/2 - E como que eram as aulas?

R - A professora trazia as flores e ensinava para elas, como que... Nunca viu? Tem aquele espeto, vai espetando daquilo lá, que tem céu terra e a gente, vai formando...

P/1 - Entra numa filosofia, né?

R - É, tem filosofia na Ikebana. É bonito sim.

P/1 - Uma arte.

P/2 - Com quantos anos entravam as mocinhas na escola?

R - Não tinha idade lá. Mais ou menos de dezoito a vinte e dois, né? Vinte e dois anos. Era assim. E geralmente era com noivas, chegavam aqui e formavam e iam embora. E disse que era diploma, era uma fortuna, né? Porque acho que é 1930, 30 anos, assim. Ainda a colônia não era rica, né? Para mandar uma filha do interior para a cidade já era uma fortuna, né?

P/2 - Vinham moças de lá?

R – É, moça do interior e vinha lá de Marília, da região a noroeste, vinham todas para cá.

P/1 - Para fazer o curso?

R - Para fazer o curso.

P/1 - E onde se hospedavam?

R - Então, a escola tinha internato.

P/1 - E era grande assim, cabia todo o mundo?

R - É, cabia.

P/1 - Como eram os quartos, conta para a gente.

R – Era... Não era nada individual. “Tudo” cama assim, “um” atrás do outro, né? Mas tinha a disciplina, que meu pai era muito rigoroso, né? Todo mundo acordava cedo e a hora de começar as aulas eu sei que era às oito da manhã. Antes de começar a aula precisava fazer ginástica. Ginástica, depois tomar café, depois ir para a aula, e tinha o uniforme, era de gravata.

P/1 - De uniforme?

R - De uniforme.

P/1 - Mas é um curso de só três meses e tinha um uniforme?

R – É, tinha um uniforme.

P/2 - Não, pelo que eu entendi tinham uns que duravam três meses, mas tinham alguns...

R - Quem quisesse continuar ficava, né?

P/2 - Mais tempo.

P/1 - Até quantos anos, até quanto?

R - Ah, tinha gente que ficava cinco anos, seis anos, né? E ficava professora, né? Aí continuava mais.

P/2 - Que lindo, né? E quem preparava as refeições no internato?

R - Mas já tinha gente para preparar, né?

P/2 - Tinha funcionários?

R - Tinha funcionários, tinha bastantes funcionárias.

P/2 - E tinha horário certo para almoçar?

R - Tinha, tudo era organizado. Tinha hora de dormir, acordar, tomar café... Todo mundo janta, almoça, depois à uma hora começava outra turma, outra aula. Então uma aula é até às quatro horas, depois de quatro até sete, seis horas. Acho que era a hora da janta. Depois, às sete horas tinha outra turma, das sete às nove.

P/2 - E era...

P/1 - À noite...

R - À noite não ficava, assim, não. Por aqui não era movimentado como agora, né? A gente andava aqui, depois, no verão era clarinho e a gente andava aqui. Era gostoso. Eu ia acompanhada com as outras moças. (risos) Eu era pequena, então acompanhava as moças. Era gostoso.

P/1 - E tinha sem ser japonesas?

R - Eram só japonesas.

P/1 - Só japonesas. E a sua mãe era diretora?

R - Diretora.

P/1 - E o seu pai ajudava?

P/2 - Dona Tomiko, e lá na Galvão Bueno, a senhora e seus irmãos também ficavam entre as internas?

R - Ficávamos.

P/2 - E como é que era o relacionamento com elas?

R - Olha, lá a gente era criança, então já era bem diferente com elas, né? A gente chegava... Ah, meu irmão é que... meu irmão nasceu e veio para cá e também acho que não morou muito tempo. Agora, minha irmã de lá ia para o Jardim da Infância, então era já dividida. Agora, depois que mudamos aqui na Castro Alves, aí eu fui tratada como aluna, né? E fiquei no quarto das alunas e tudo. E muita gente nova, assim, não sabia, pensava que eu era aluna, né? E falava mal da minha mãe. (risos) Eu falando junto mal da minha mãe, criticando a escola, e eu lá junto criticando. Muita gente não achava que eu era filha, não conhecia como filha. Depois: “Nossa! Ela é filha!” Então...

P/1 - Já tinham falado.

R - Mas eu também falava junto. Eu me comportava como as alunas, né? Era gostoso, assim.

P/1 - E depois disso... Sua mãe lecionou quanto tempo ao todo?

R - Olha, ela faleceu... até falecer ela era professora.

P/1 - É mesmo?

R - Ela faleceu com noventa e seis anos e até os últimos dias... Ela faleceu no dia 20, o aniversário dela era dia 27. No dia 17 ela fez um presentinho num saquinho de balas, chocolates, assim, e entregou para todas as crianças. Um por um, ela entregou, ela...

P/2 - Para os alunos daqui?

R – É, para as crianças no Jardim da Infância. E no dia seguinte ela teve um... Ela fala... o médico falou que era derrame, né? Bateu (a) cabeça, bateu na... Caiu e ela começou a reclamar que estava com dor de cabeça. Aí, internando, no dia seguinte ela falou...

P/2 - Dona Tomiko, a senhora... queria que a senhora contasse um pouquinho mais da sua infância lá na rua Galvão Bueno. Como era a rua quando a senhora era pequena?

R - Era muito gostosa! Agora não sei. Tinha o internato, um pouquinho abaixo, acho que aonde agora tem hotel Nikkey. Tinha uma casa lá que era internato dos meninos, rapazes. Ai, surgia romance e tal, tal... (risos) Eu era pequena, não entendia nada, mas achava interessante, né?

P/2 - Tinha uma paquera?

R - É, tinha uma paquera, mas é paquera daqueles tempos, nossos assim, só de olhar.

P/2 - Já entendi.

P/1 - Mas eram japoneses.

R - Eram de japoneses.

P/2 - Também vinham do interior?

R – É, do interior. Todas que ficavam lá eram do interior e iam para a faculdade, trabalhar, né? Ficavam lá no internato, quem não tinha parente aqui em São Paulo, né? Então tinha lugar para ficar, então tinha rapazes e lá... Nossa! Nossa casa era internato para as moças, e não tinha muita distância.

P/1 – Nossa! Que bom! Aí saía muito casamento?

R - Eu acho que sim, acho que sim. Inclusive eu falei que uma professora que se formou em 1935...

P/2 - A senhora falou, como que ela chama?

R – Yawata.

P/2 - Ela está viva ainda?

R - Ela está viva, ela está trabalhando ainda.

P/2 - Ah, é?

R - É ela mesmo, o marido dela estava lá no...

P/1 - Conheceu lá?

R - É, conheceu lá.

P/2 - Que ótimo! E ela fala português?

R - Fala, fala bem, ela... eu não sei direito, mas acho que ela está quase alcançando oitenta.

P/2 - Olha, e ela trabalha aqui na escola?

R - Trabalha.

P/2 - Que legal! E onde que a sua mãe aprendeu Corte e Costura?

R - É com a minha madrinha, né? Ela, no Japão, ela aprendeu a fazer um pouco lá. Porque ela já tinha intenção de vir para cá, porque os pais estavam aqui, né, então ela já costurava algumas coisas, e veio para cá, depois de algum tempo ela procurou a minha madrinha, né, e ela aprendeu com ela, e ela era uma costureira muito fina, né, a madrinha.

P/2 - Ela tinha uma escola de costura?

R - Ela tinha escola.

P/2 - A senhora sabe o nome?

R- Ah nome assim eu não sei, eu sei que era na Vila Mariana.

P/2 - A senhora disse também uma hora que esse negócio da guerra, tudo, que o seu pai era meio fanático, né?

R - Ô, é meio não, bastante...

P/2 - Completamente.

R - ...bastante fanático.

P/2 - Como é que era uma pessoa fanática?

R - Aqui ele falava... aqui em casa é território japonês, fora é Brasil, mas aqui em casa é território japonês, vocês não podem falar português, a gente falava só japonês, não tem jeito de ficar, porque se saía um passo de casa já é tudo português, né? Então é mais fácil de conversar também, ficar falando. Caía uma bronca. E as alunas também, do internato, ninguém podia falar português, era só japonês. E agora que a gente está com o cabelo assim, mas não deixava cortar o cabelo, não deixava fazer permanente, e deixava assim meio cortado, né? Então quando tinha a gente puxava o cabelo, eu tinha uma trança assim comprida...

P/2 - Por que japonesa usava cabelo só comprido?

R - Não, ele achava que se cortar, se fizer permanente, né, então...

P/1 - Já nem cortava?

R - Nem, não deixava cortar. Mas era fanático demais!

P/1 - E se ele era tão fanático, quando o Japão perdeu a guerra como é que foi?

R - Ah, ele não aceitou não.

P/1 - Não?

R - Não aceitou.

P1 - O que ele dizia?

R - Ele falou que Japão não pode perder, é só por cima que perdeu, mas a verdade não é que perdeu, né, coitado.

P/1 - Não, mas aí houve algumas, houve alguns problemas...

R - Muito problema.

P/1 - Dentro da colônia, a senhora lembra alguma coisa?

R - Acho que essas coisas... acho que vedaram... (risos) Não pode abrir a boca.

P/1 - Mas por quê? Isso aqui faz tanto tempo, isso.

R - É, mas...

P/1 - Ah, por causa da própria colônia. Ainda tem isso lá?

R - Não, isso aí já... Não tem mais, não tem mais, mas o meu pai era rigoroso demais, ele veio assim, de novo, com quinze anos já estava aqui no Brasil, então ele admirava militar japonês, ele queria ir embora de qualquer jeito para servir o Japão, né?

P/1 - Na colônia tinha mais os japoneses que achavam que não tinham perdido ou os outros que eram realistas?

R - Não, acho que realista tinha mais, né? Porque o que achava que o Japão ganhou não queria ouvir a realidade, né? Ficava naquele... naquela turma com aquelas pessoas e não queria aceitar a realidade. Acho que... mas no fundo, no fundo acho que meu pai também pensava assim. Minha mãe pensava certo, mas meu pai não.

P/1 - Teve violência, alguma coisa assim, briga?

R - Não, eu sei que quando tinha alguma coisa meu pai era caçado.

P/1 - Como?

R - Caçado, já a polícia chegava aqui e levava ele embora, né?

P/1 - Era preso?

R - Preso, muitas vezes ele foi preso.

P/1 - Quem prendia o seu pai?

R - Policiais que chegavam aqui.

P/1 - Polícia brasileira?

R - É, porque aqui naquele tempo era inimigo, né, nós éramos...

P/1 - Quinta coluna.

R - ...quinta coluna. Então, né, quinta coluna...

P/1 - Eu também era, era italiana.

R - Ah, então, então... Agora italiano, os alemães...

P/1 - Não dá para aparecer. (risos)

R - ...mas japoneses.

P/1 - É verdade.

R - E naquele tempo chinês era muito pouco, (que) nem coreano que era muito pouco, a maior parte era japoneses, né?

P/1 - E o seu pai, sendo preso, assim, não ficava muito tempo preso?

R - É ele ficava, mas ele... torturaram ele. Ouvi muito das outras pessoas que ficaram junto com ele: “Nossa seu pai aguentou.” Falavam, né?

P/2 - Nossa!

P/1 - Torturado, é?

R - É.

P/1 - Eles queriam que ele falasse o quê?

R - Quê?

P/1 - Que ele era espião?

R - Não, queria que falasse que o Japão perdeu, que ele que era líder, né? Então queria que ele falasse para todo o mundo que o Japão perdeu, que não adianta ficar estourando, Japão vinha buscar, não sei, e para comprar, mas tinha muitas coisas. Mas isso já passou, né?

P/1 - Graças a Deus!

P/2 - Dona Tomiko, e quando o seu pai pedia para vocês falarem em japonês na rua?

R - Não, na rua não podia. Era português.

P/2 - Na rua é português?

R - É português. Em casa... entrou um passo em casa já era japonês.

P/2 - E vocês queriam falar em japonês ou em português?

R - Ah, ele tinha lá autoridade que nós nem contrariamos. Quando ele falava: “Isso é branco” A gente está vendo que é preto, mas: “É, é mesmo! É branco." A gente está falando...

P/1 - Ele era bravo, né? Bravo?

R - Não sei, ele tinha um jeito lá, né? Ah, ele era assim.

P/2 - E a mãe da senhora, como é que era?

R - A minha mãe era fiel, era fiel. O que ele falou está falado, né?

P/2 - Mas ela era enérgica com os filhos também?

R - Não, não era assim. Ela é... quando eu tomava bronca, assim, ela dizia: “Não, tem que entender o seu pai. É o gênio dele, então vocês têm que entender.” Ela conformava a gente. Sempre tem que ser "sim", né? Que os dois, se for daquele jeito acho que tinha saído de casa. (risos)

P/1 - Agora, como é que você se distraía, o que é que tinha, tinha cinema?

R - Cinema tinha, mas meu pai não deixava sair no cinema, né?

P/2 - Não?

R - Não deixava, a gente ia escondido. É minha mãe que deixava, né? Daí a gente escapava.

P/1 – Em que cinema que vocês iam?

R - Olha, aquele tempo bem no Vergueiro tinha um Cine Paulistano. Agora nem existe já, é viaduto, então lá passava filme bom e a gente ia lá.

P/1 - Era Paulistano? Tem certeza?

R - É, Cine Paulistano, pode ver lá que eu tenho certeza.

P/1 - Ah, interessante!

R - E lá... lá na São Joaquim tinha Cine Capitólio. Hoje... há hoje em dia, né? Era gostoso.

P/1 Mas eram filmes japoneses?

R - Não, filmes japoneses não eram aqui.

P/1 - Ah, não eram filmes.

R - É, era um filme musical! Nossa, a gente ficava louca para ir assistir, né? Mas meu pai não deixava, esperava ele sair, a gente... (risos)

P/2 - E o Niterói, a senhora conheceu?

R - Não, o Niterói foi bem depois.

P/2 - Ah é?

R - É, bem depois, aquele lá foi bem depois. Niterói era para a colônia japonesa, tinha só filme japonês, agora Capitólio e Paulistano... ainda não existia Cine aqui, né, o Niterói.

P/1 - Ah, não ainda?

R - Não existia.

P/1 - Então a senhora lembra como é que era o bairro antes de passar o Metrô?

R - Lembro.

P/1 - Como é que era?

R - Aqui a Vergueiro tinha bambuzal, tinha... tinha córrego.

P/1 - Na Vergueiro?

R - É, “no” Vergueiro, aonde tem aquele hospital português da Beneficência Portuguesa era bambuzal.

P/1 - Ah, era aquele vale?

R - É.

P/1 - Passava um riozinho, não?

R - Passava... Tinha rio lá, era... aquilo mudou completamente.

P/1 - E a Praça da Liberdade, mudou?

(PAUSA)

P/1 - Como era antigamente? E agora?

R - Mudou, antes era centro mesmo, era João Mendes, né? Porque o bonde parava lá, o bonde entrava e fazia aquela... contornava e saía para a Liberdade, então a João Mendes que era a principal. Agora, não lembro muito da Liberdade, não. Para nós que morávamos lá na Galvão Bueno, para ir para o centro era João Mendes, passava Liberdade como rua comum, né?

P/1 - E vocês tinham religião, iam ao templo, vocês eram budistas?

R - Eu quando era pequena era católica, né? Tinha a minha madrinha, madrinha do meu batizado, e... mas meu pai era. Eu não sei por que ele mandava a gente na escola católica, batizava assim, né? Porque ele era budista. Mas tinha o santuário, tem o santuário, então ele queria que toda a manhã trocasse a água da flor, né? E eu fazia isso, mas eu nunca fui budista nesse tempo.

P/1 - Aquele santuário do Buda, aqueles bonitos que tem o Buda dentro assim?

R - É.

P/1 - Ah, sim.

R - E tem os antepassados, eu tinha o da minha avó, bisavó.

P/1 - Aqui também, eu vi, eu vi isso.

R - E ele obrigava, eu não sabia se eu estava certa ou errada, mas o que ele falava eu fazia, né? Então ele mandava trocar a água do vaso lá, eu cuidava direitinho e eu ia para a igreja, né? Eu não sei o que acontecia, o que tinha na cabeça do meu pai. E mais depois quando eu tinha uns quinze anos assim eu estava meio revoltada com isso, né? E quando ele era assim, eles viajavam na praia e me deixavam, porque ele queria... ele falava: “Não, você tem que ficar para cuidar de santo”. Santuário. Eu ficava, mas eu achava... não achava ruim porque eu ia no cinema quando ele não estava, né? Eu sou assim. Nossa senhora! Meu filho briga comigo: "A senhora nasceu para pegar negócio, voltou sem nada." (risos)

P/1 - Mas hoje em dia, hoje em dia todo o mundo está assim porque a vida é muito agitada mesmo.

R - Nossa, né?

P/1 - A religião não dá conta, a gente se entope de coisas e depois não lembra mais, né?

R - A minha mãe estava com noventa e seis anos, mas vinha com aquela forma, as ex-formadas assim, né? Ex-formadas, que falam, e tinha, acho que, quem formou na escola, acho que tinha mais de duzentos e cinquenta, dois mil alunos durante esse tempo, né?

P/1 - É mesmo?

R - Então era gente esperta. Lembro o rosto, mas sobrenome é era difícil eu guardar. Minha mãe guardava.

P/2 - Ela guardava?

P/1 - Que memória!

P/2 - Quantas alunas internas cabiam na...

R - Aqui também tinha, mas a gente não podia recusar porque já vinha com casamento marcado, então (a) gente: “Não, vocês é...”

(PAUSA)

P/2 - Mas lá na Galvão Bueno, quantas pessoas cabiam internas?

R - Ah, eu não lembro, mas sempre mudava, sempre mudava.

P/2 Mas eram mais de dez?

R - Mais do que dez.

P/2 - Ah, era?

R - Oitenta, quarenta para mais.

P/2 - Nossa!

R - Sempre muda, né? Porque já vem com o casamento marcado. Entra e depois de três meses já vai embora, já tem... já vêm outras alunas. Não agora, está lotado, mas não aceita, nós fazemos o que... num cantinho: “Eu quero ficar porque o casamento está marcado.” E ficava. Então sempre tinha gente, bastante gente.

P/1 - Quer dizer, todo o mundo que ia casar passava por aqui, pela escola.

R - Passava.

P/2 - Dona Tomiko, e a senhora ficava com as internas, mas a senhora foi para a escola tradicional, para a escola de alfabetização?

R - Ah, importante... É, quando eu fui para o Japão, eu fiquei alguma... a primeira eu fiz o Ginásio lá no Paulistano, depois eu comecei a cursar o Corte para ficar por causa da minha mãe, né? E logo que me formei em Corte eu fui para o Japão.

P/2 - Mas e o grupo escolar?

R - Grupo escolar foi na São Francisco.

P/2 - Como é que era lá?

R - Era escola de freira.

P/2 -Ah é? Lá na Liberdade?

R - Na Galvão Bueno.

P/2 - Ah é?

R - Não sei como é que fica, ali o prédio modificou, mas não tombou , tem alguma coisa.

P/2 - Ah é?

R - É.

P/2 - Que lembranças a senhora tem de lá?

P/1 - Que prédio é esse... desculpa, esse prédio que a senhora falou que ainda tem lá?

R - Era antigo Colégio São Francisco. Lá era feminino e masculino, tinha lá no Ipiranga, e é freira, é escola de freira.

P/1 - Não era o colégio São José?

R - Não, não, São José era mais para baixo.

P/1 - Ah, tá. A senhora conheceu aquele colégio? Que lembranças a senhora tem, e tinham outras meninas no outro colégio, assim?

R - Para São José aquele tempo iam só meninas ricas, né?

P/1 - Ah é?

R - É. Lá na São Francisco ia mais da colônia, né, porque lá tinha bastante japonesas, né? Famílias japonesas, então iam lá para São Francisco.

P/2 - O que mais marcou a senhora na escola São Francisco?

R - Eu sei que toda a manhã antes de começar, chovendo ou não chovendo, a gente ficava rezando um terço, né?

P/2 - Ah, é? (riso)

P/1 - Nossa senhora! O terço todo?

R - O terço inteiro a gente rezava e precisava rezar, depois entrar na sala... Nós, desde o Jardim Infância fomos lá, então já, já estava acostumada, né?

P/1 - Mas por falar em igreja, você lembra alguma coisa daquela Igreja das Almas lá?

R - Ah, eu não sei, eu não lembro, eu ia na Igreja São Gonçalo.

P/2 - São Gonçalo?

R - É.

P/2 - Onde era?

R - É na João Mendes, né?

P/2 - Na Praça João Mendes?

R - É.

P/1 - Ah, sim, aquela igreja lá.

R - É, eu estava no coral de lá, era pequena, mas eu gostava do coral de lá, estava no coral.

P/1 - Mas você frequentava aquela igreja?

R - Aquela igreja.

P/1 - E eram muitos japoneses que frequentavam. E depois que mudei para cá comecei a ir “no” Santo Agostinho, né?

P/1 - E os japoneses que continuaram budistas... e eram budistas. Onde eles frequentavam?

R - Aquele tempo não tinha igreja.

P/1 - Não tinha templo?

R - Não tinha templo, então nem padre tinha, então quem fazia era meu pai mesmo. Ele realizava as missas de sétimo dia, não sei, assim... Ele ia lá e cantava.

P/1 - Ah, ele fazia reza na festa?

R - É, ele fazia. E depois, todo o mundo gostava dele, pedia para ele rezar, então ele ia rezar. Aí nós fomos para o Japão em 1950... acho que, nós fomos para lá, aí meu pai, meu sogro era monge lá no Japão, né? Falou para ele o problema que era aqui, então trouxe um monge japonês de lá.

P/2 - Ah, é?

P/1 - Seu pai que trouxe?

R - É, meu pai que trouxe.

P/2 - Só em 1950 que foi ter um monge?

R - 1950, foi no 1950, quando ele veio era no 1954.

P/2 - Daí ele construiu o templo?

R - Construiu.

P/2 - Em 1954?

R - 1954.

P/1 - Qual templo que ele construiu aí?

R - É lá no Cursino. Não, não, é uma paralela do Cursino.

P/2 - É aqui na Aclimação?

R - Não, não, é no Cursino, é Bosque, aquela lá do Bosque.

P/2 - Ah, tá.

P/1 - A senhora disse que o seu pai era muito querido, né? Mas também disse que ele era muito bravo. Como é que é isso?

R - Então, agora eu já... “maior” possível não encostava nele, né? Quanto mais longe era, melhor para mim. Eu pensava assim, mas agora encontro com amigos... naquele tempo era o menino, o garoto assim, a pessoa, todo o mundo admira meu pai, né, falei: “Nossa, vocês acho que não conheceram bem o meu pai.” Eu falo: "Não conheceu." Então eu falo: “Acho que ele era um dentro de casa e fora acho que era diferente”.

P/1 - Mas o que eles acham que era o seu pai lá fora?

R - Ele... que ele era corajoso, que não tinha medo de nada, que enfrentava tudo, qualquer problema ele resolvia... porque ele tinha muitos amigos, coronel, marechal, assim da política, né?

P/1 - Mas aqui?

R - Aqui, é. Brasileiros. Era essa ideia de querer conseguir a estabilidade. Então o problema, assim, ele quebrava muito galho, de todo o mundo, quebrou demais.

P/1 - Ou seja, como ele tinha conhecimento com os políticos, ele ajudava os outros japoneses?

R - É, e acho que ele tinha bandeira do Ademar de Barros, não sei... aqueles tempos, quando o japonês viajava precisava de salvo-conduto.

P/2 - O que era? Explica para a gente.

R - Era uma carteirinha para viajar. Estrangeiro precisava.

P/2 - Ah, é?

R - Sem essa carteirinha a gente não viajava, não sei se era libra.

P/2 - Não é que nem passaporte, não?

R - Não, é para estrangeiro, só.

P/2 - Ah, para estrangeiro.

R - Ainda para japoneses então era, é...

P/2 - Isso só na guerra, na época da guerra?

R - É, e meu pai andava sem salvo-conduto, só com bandeira de Ademar, eu não sei quem era o político e ajudava muito e...

P/1 - Ah, já sei, porque o seu pai era japonês?

R - É, japonês.

P/1 - O meu já não era nascido aqui, filho de italiano.

R - Ah, sim.

P/1 - Então não precisava de salvo-conduto.

R - Ele precisava, mas ele andava... Eu lembro que ele andava assim, a polícia parava ele, né, ele mostrava uma carteirinha que tinha um negócio de Ademar de Barros, não sei se era Getúlio, não sei, tinha um negócio lá, ele mostrava, aí a polícia ficava assim, tratava de outro jeito. Eu sei que com isso acho que ele conheceu muitas pessoas, né? Então nas eleições, assim, ele ajudava, ele não parava em casa, e para as colônias também, quando precisava de alguma coisa ele quebrava galho.

P/2 - Ele era muito ativo?

R - Ativo não, ele era um enérgico, né?

P/2 - E por que vocês mudaram para o Japão?

R - Não, não mudamos, nós viajamos, porque meu pai, ainda, ele tinha na cabeça que Japão tinha ganhado, né, a guerra.

P/1 - Foi lá ver?

R - Foi ver.

P/2 - Nossa!

P/1 - Isso em 1950?

R - 1950.

P/2 - E aí, quando chegou lá?

R - Ah, ele não queria descer lá do navio não, nós fomos, ainda aquele tempo era navio, né?

P/2 - Navio?

R - Navio. Fomos no navio, era o Navio Holandês. Fomos lá, ainda aquele tempo financeiramente estava bom, nós fomos de primeira classe, tudo, fizemos uma viagem muito bonita, tudo, né? Fomos tratados que nem... (risos)

P/1 - Que navio?

R - É Holandês, era navio grande!

P/2 - Quantos dias vocês ficaram viajando?

R - É, então... acho que em quarenta e poucos dias a gente chegava lá, mas deu... não sei o que deu no navio, eles precisaram entrar no..., não sei aonde lá, para consertar, aí eram três meses.

P/2 - Nossa!

R - Saímos daqui em fevereiro e nós chegamos em junho, quatro meses ficamos. Mais prejuízo para o navio, acho que teve, né, porque precisava ficar todo mundo lá dentro do navio, né?

P/1 - Mas espera aí, consertou e vocês dentro?

R - Dentro, mas a gente descia, ia... nós ficamos lá na África, também nós ficamos lá um bom tempo em Saigon, lá ficamos um bom tempo lá.

P/2 - Quem foi nessa viagem?

R - Foi a família inteira: meu pai, minha mãe e meus irmãos, minha irmã.

P/1 - Pararam em Saigon um tempão?

R - Acho que não sei se era... era uma cidade lá, um porto lá da África, ficamos um bom tempo. E todo o mundo já conhecia a gente, meu pai encomendou terno, fez terno lá, ficou pronto.

P/2 - É mesmo? E como é que era a senhora se lembra?

R - Como?

P/2 - O lugar.

R - O lugar era bem diferente do Brasil, né?

P/2 - É? O que a senhora achou?

R - Achei... mas nós não fomos ao centro mesmo, era no porto que tinha que ficar.

P/2 - Só no porto ficava?

R - Tinha de ficar só no porto, né, então não conheceu, nós não conhecemos a cidade, mas a cidade era bonita, assim.

P/1 - Muito tempo assim no porto, só naquele porto vocês ficaram?

R - Não, ficamos aí, depois saímos, depois entramos num outro porto, paramos de novo, não sei.

P/1 - Meu Deus, que loucura!

R - Demoramos bastante, né? Divertimos bastante, tudo ia... Eu, eu tinha dezesseis a dezessete anos, toda a noite tinha baile, tinha tanta coisa!

P/2 - Dentro do navio?

R - Dentro do navio.

P/1 - Mas conta, daí seu pai não queria descer no Japão?

R - Lá, depois que chegou, nossa! Ele ficou lá, depois ele... conclusão dele: “Não, só por cima que é assim, a verdade ninguém está sabendo, mas Japão ganhou.” Ainda ele não aceitava.

P/1 - Ainda não aceitava?

R - Depois ficou uns tempos lá, ficamos na casa do meu sogro, né? Que não era sogro, era amigo do meu pai, que depois virou meu sogro, mas ficamos lá. Ele conversou como foi a guerra, como foi o tratado, e aquele tempo, não sei como é que fala, cada família tinha uma quantia de arroz, cada pessoa, mas era só para uns quinze ou vinte dias, para aguentar um mês. Então quando a gente ia assim de fora não tinha arroz.

P/1 - Ainda em 1950 não tinha?

R - Não tinha, não tinha. O governo ficava regulando, né? Então a gente ficava comprando escondido. E acho que nós... é, não sei, ficamos cinco pessoa a mais, né? Acho que coitado, eles também sofreram bastante eu acho, e depois a gente comprava escondida, né? Pegava do marreteiro que fala, não sei.

P/1 - Mercado negro.

R - Aí não estávamos aguentando mais.

P/1 - Nem assim ele se convenceu?

R - Não, depois meu sogro foi falando: "Está assim, a gente está nessa situação porque perdeu a guerra.” Toda a noite meu sogro e meu pai ficavam lá conversando e acho que no fim ele precisava aceitar a realidade, né? Mas para ele acho que foi um choque demais, né?

P/1 - Mas teve uma entrevista, umas entrevistas por aqui que falavam que na época da guerra aqui no bairro da Liberdade havia muita briga entre os realistas e os que...

R - Depois da guerra, depois da guerra.

P/1 - Depois, como é que foi isso?

R - Depois da guerra, e meu pai era, estava convencido que o Japão tinha ganhado, né, mas no...

P/1 - Não, mas brigas, brigas assim?

R - Briga só de falar.

P/1 - Violência?

R - Ah, para começar, na porta da escola tinha uma tabuleta escrito que quem fala que o Japão perdeu é para não entrar.

P/1 - Na porta da escola, da sua escola?

R - Aqui. Não, ainda não tinha esse prédio, né? Era prédio velho.

P/2 - Mas vocês perderam alunos por conta disso?

R - Não, porque educação não mudou nada, ensinava direitinho o Corte, ensinava japonês... porque durante a guerra não podia ensinar japonês, mas nós, minha mãe sempre falava com orgulho que nem um dia ela deixou de lecionar japonês, toda vez... Era proibido, mas ela ensinava japonês sem parar, ela sempre falava.

P/1 - Ela podia ter sido presa?

R - Então, mas uma vez, quando chegava polícia a gente escondia, colocava outro livro na mesa, mas o livro, eu não assustava não, e meu pai, do outro tipo, uma vez veio o diretor da polícia, fiscal da polícia lá, veio lá, estava dando aula, meu pai estava lá na sala, a polícia abriu, aí ele viu que era a polícia: “Olha, eu estou estudando isso. Para ser bom brasileiro tem que ser bom japonês também.”

P/1 - Ele foi preso?

R - Dessa vez não foi, dessa vez não foi. (risos) Ah, ele falou para a polícia e ele veio revistar se estava estudando japonês mesmo, nem tinha tempo de guardar os livros, estava lá, abriu a porta, então ele foi lá, falou: “Para ser bom brasileiro tem que ser bom japonês também.”

P/1 - Dessa vez não foi preso. (risos)

R - Não foi, não foi. (risos)

P/1 - Então ele é um líder mesmo, né, seu pai?

R - É, ele não tinha medo de nada, eu ficava meio acanhada, sentia até vergonha do jeito dele. Ah, ele não tinha medo de nada mesmo. Eu não sei, ele era uma pessoa assim, né? E agora as pessoa que conheceram meu pai admiram ele: “Nossa, como seu pai era generoso!” Será? Acho que ele dentro de casa e fora, acho que era diferente. Eu acho, mas não é não, era assim mesmo.

P/2 - E ele não acreditava nem nas notícias que saíam nos jornais?

R - Não, porque a gente recebia outras notícias.

P/2 - Ah, tá.

R - Eu não sei da onde que chegava essas notícias. E agora quando a gente pensa que é assim, a gente procura as notícias que falam o que eles estão pensando, né? E não aceita: “Não isso é mentira. Isso que é certo." Então sempre procura...

P/1 - Mas que curioso! Algum jornal japonês dizia que tinha ganhado a guerra?

R - Não, não, não.

P/1 - Não dizia.

P/2 - Era notícia de boca a boca?

R - Não sei, chegava panfleto, chegavam livrinhos, chegava muita coisa, não sei, não sei da onde que o jornal vinha, né? Não sei de onde chegava, mas que chegava sempre, e a gente lia de ponta a ponta essas revistas, né? Agora jornal, assim, a gente mal passava os olhos.

P/1 - Mas aí a senhora ficou lá no Japão, ele se conformou que o Japão perdeu, e depois o que aconteceu, voltaram?

R - Depois eu fiquei no interior, meu pai e minha mãe ficaram em Tóquio, na casa do meu sogro e nós ficamos na cidade em que eles nasceram, lá em Fukuoka. Aí, um belo dia ele liga e fala assim: “Viu, você vai casar com o filho do senhor Nakahara para voltar.” Sem consultar, sem consultar nada e eu não tinha outra escolha, né?

P/1 - Teve que casar?

R - É.

P/1 - Casou lá mesmo?

R - Casei lá.

P/2 - E como é que foi o casamento, dona Tomiko?

R - O casamento ainda o Japão não estava bom assim da situação, né? Então foi entre famílias tudo, mas...

P/2 - E qual o nome do seu primeiro marido?

R - Nakahara.

P/2 - Nakahara.

R - É o pai dos meus filhos.

P/2 - Em que ano foi o casamento?

R - Era 1953.

P/1 - Aí vocês ficaram lá um pouco, depois veio todo o mundo para cá?

R - A condição do meu pai era para ele vir para cá para ajudar a escola, condição dele, meu pai, e ele talvez, não sei, do jeito do meu pai era, acho que, nem deixou falar que queria morar lá, né?

P/2 - Ele queria morar no Japão?

R - Eu não sei, nunca perguntei também. É, não podia, ainda bem que eu não tinha namorado nesse tempo. Se tivesse namorado, que confusão, né?

P/1 - Ia ser.

R - Então, mas meu pai...

P/1 - Você já veio casada?

R - É. E meu pai, eu estou lá no interior, ele em Tóquio, e ele manda uma carta lá falando: “Você vai casar antes de voltar para o Brasil. Antes disso você vai casar”.

P/2 - E no começo a senhora gostou dele, a senhora achou ele bonito?

R - Olha, ele era bem mais bonito, né? Ele era bonito, mas não sei, ele é uma pessoa... pessoalmente era uma pessoa muito educada, né? De boa família, né?

P/2 - Então seu pai escolheu bem?

R - Ah, escolheu bem.

P/2 - E o que ele fazia primeiro, antes de vir ajudar na escola?

R - No Japão?

P/2 - É.

R - Ele trabalhava na polícia.

P/1 - Polícia?

R - É, trabalhava na polícia lá de Tóquio e veio para cá, mas ele fez, ele estava cursando... o que era mesmo? É para depois ser sociólogo.

P/2 - Sociologia?

R - É, Sociologia.

P/2 - Lá?

R - É, lá no Japão. Ele se formou e depois veio para cá.

P/1 - Aí já veio trabalhar na escola?

R - Queira, não queira, meu pai falou, está falado, né?

P/1 - É verdade. E sua mãe, o que dizia?

R - Ah ela... Ela adorou ele, né, porque o meu marido era uma pessoa bem educada, sabe? Ah, nossa! Sempre eu falava que se misturar meu pai com ele dividido por dois acho que...

P/1 - Ficava bom.

R - ...ficava bom. Ele era... ele era bom demais! Agora, meu pai... mas assim, é por isso que ele tinha essa fama, né, eu acho.

P/1 - A senhora... eu estava falando antes lá, a senhora disse que conheceu o Takayama. O que a senhora fala sobre ele, o Takayama?

R - Ele é... quando começou, acho que ele não tinha nada. Também que nem meus pais, né? Ele lutou bastante, mas ele tinha uma técnica lá que, em São Paulo, tinha a Foto Tucci, não sei se é esse o nome, na rua da Glória, e ele tinha técnica melhor do que ele.

P/1 - É mesmo?

P/2 - E o Tucci era japonês?

R - Não, acho que era italiano, né?

P/2 - Italiano.

R - É. A gente tirou bastante foto lá, mas depois o seu Takayama visitava a família, assim, ele guardava... até hoje: "Hoje é aniversário do seu pai, vamos reunir família, vamos tirar a foto."

P/1 - Ele lembrava, falava com a pessoa e ia lá tirar?

R - É, tirava. E depois ele andava assim, no interior também. E aqui era a escola, né? Então ele tirava de formaturas das meninas, ele tirou “muito foto” aqui com a gente.

P/1 - Ele era, na época, ele era assim bom fotógrafo?

R - Era, desde o começo ele era um bom fotógrafo, era diferente, né? Técnica dele, era, foi.

P/1 - Diferente por causa dele não telefonar?

R - Não, não, não, saía foto mais...

P/1 - Qualidade.

R - É, qualidade.

P/1 - Ah, sim, sim...

R - Dele todo mundo gostava. Quem tirava com ele uma vez, tira uma vez, todo mundo voltava.

P/1 - Voltava, ah! Tá certo.

P/2 - Dona Tomiko, a senhora conhece as festas lá da Liberdade, as festas tradicionais que acontecem lá na Liberdade?

P/1 - Festas japonesas.

R - Algumas eu conheço, né?

P/2 - Quais a senhora conhece?

R - A ano novo, fim do ano, né? Tem ano novo, tem Tanabata... Tanabata é 7 de julho, né? E o que é que tem mais lá?

P/1 - A festa do banho do Buda?

R - O quê? Ah, eu participo “nesse”.

P/1 - Ah, sim? Conta então.

R - É no dia 8 de abril.

P/1 - Como é que é que a senhora participa? Conta.

R - Ah, tem aquele palanque e lá a gente ferve o chá para pessoas que vem lá, né? E sobe lá no palanque e depois joga água no buda, depois faz um pedido e depois... ah, não. Isso é uma semana antes, começa, depois, no dia 8 a gente faz a procissão com aqueles elefantes... Puxa, elefante, tudo... a gente anda.

P/1 - Elefante branco?

R - É elefante branco.

P/2 - O que significa?

R - Diz que o buda chegou em cima de um elefante branco. Eu não sei quando nasceu, mas choveu pétalas de flores, né?

P/2 - Que lindo!

P/1 - E vai puxando? É um carrinho?

R - É no carrinho não, tem em cima de um carrinho um carro que vai puxando e todo o mundo segue atrás, né?

P/1 - Sei. E onde guarda esse... do elefante?

R - Esse... ah, esse evento que fala que é do budista não é só de uma seita. Então esse ano é de uma igreja, outro ano é da outra igreja, da outra seita... e vai se virando, né? Então esse ano acho que está no Cursino, o templo lá do Cursino, que esse ano eles que comandam, né? O ano que vem já é outro templo que comanda.

P/1 - E vai o elefante para outro lugar?

R - É.

P/1 - Como é que leva esse elefante?

R - Não é muito grande, não. Pequeno ele também não é, mas dá para transportar na caminhonete.

P/2 - E a Tanabata?

R - Tanabata é 7 de julho.

P/2 - O que acontece?

R - A gente faz pedido no papelzinho. Não assistiu nenhuma vez?

P/2 - Eu vi só a foto.

R - Ah sim, a gente pendura o pedido e diz que tem uma estrela que só no dia 7 de julho se encontra no céu, né?

P/1 - Duas estrelas?

R - É, duas estrelas. E quando encontra geralmente chove, então eles não podem... dizem que não conseguem, então a gente reza para eles, para que dê certo, então pede o que a gente quer também, faz o pedido. Mas o gozado é que esse do budista, que é o dia de vida, né, muita gente volta e fala assim: “Nossa! No ano passado eu fiz o pedido, estava num desespero, eu fiz pedido, consegui, então vim agradecer.”

P/1 - Olha! Que coisa!

P/2 - Ah, volta para agradecer?

R - É, então.

P/1 - Mas quer dizer, pede no buda, pede no Tanabata, pede sempre?

R - Pede, pede.

P/2 - E qual é a festa que tem o saquinho de arroz?

R - Saquinho de arroz é no fim do ano.

P/2 - Fim do ano, essa do ano novo?

R - É. Não... Qual?

P/2 - Ah, antes do ano novo?

R - A do saquinho é no fim do ano, dia 31.

P/2 - 31?

R - É.

P/1 - Agora, essas festas começaram a partir de que ano, você lembra? Não é desde que você era menina, não?

R - Não, não, não, não, acho que eu me lembro que é lá por 1970, não é há muito tempo, porque agora já até interdita lá o trânsito, mas naquele tempo não. E nem era na rua, era lá na Aliança Cultural que a gente fazia.

P/2 - Ah, é?

R - É.

P/1 - As mesmas festas?

R - É.

P/2 - Depois passou para a rua?

R - Depois passou para a rua.

P/2 - E têm muito movimento as festas?

R - Curiosidades, depois têm barraquinhas de comida, tudo, né? Então eles aproveitam e vão lá.

P/2 - Mas é cheio de gente?

R - Cheio!

P/2 - É?

R - Cheio de gente e é bonito.

P/1 - E tem mais alguma festa fora essas três que nós falamos?

R - Que eu lembro, acho que tem, né? Eu não sei, mas eu não lembro... Então é tão perto, a gente trabalha... assim, é difícil de participar, né?

P/1 - E quando vieram os príncipes japoneses ou vem alguma personalidade japonesa, tem alguma coisa para contar sobre isso?

R - A colônia recebe com muito carinho, tudo.

P/1 - A senhora viu os príncipes?

R - Eu... a minha mãe estava ainda, né? Na última vez, quando o príncipe veio... Não, não era príncipe não, era imperador, já era. Não era mais príncipe, já era imperador.

P/1 - Já era, ele já era?

R - É o atual, né? É, então eu fui com minha mãe.

P/1 - E aí, como é que foi? Conta.

R - A minha mãe ficou “todo” emocionada.

P/2 - Por quê?

R - Ah, é para... Não sei, a gente, assim, como é que fala? Aí, já perdi. O imperador é...

P/1 - Símbolo?

R - Para ela é um símbolo, né? Então para ela já é outra coisa, né? Aparecer qualquer pessoa que ela não fica emocionada, mas ela ficou emocionada, assim. E quando foi aquilo, era 1990...

P/1 - Eu não sei.

R - Minha mãe faleceu em 1998, né? Então eu acho que foi em 1996, 1995. Ah, entrevistaram lá da televisão japonesa.

P/2 - Ah, é?

P/1 - Lá do Japão?

R - É, do Japão. E ela falou muito bem, saiu bonitinha.

P/2 - Dona Tomiko, e lá na Liberdade a senhora lembra quando começaram a construir o Metrô, como era... A senhora ouviu falar?

R - Só na Liberdade não, né? Vergueiro... tudo começou junto, né? Vergueiro, São Joaquim...

P/2 - E o que a senhora acha do Metrô ter ido para lá, ter passado aqui e ter ido para o bairro da Liberdade?

R - Acho que foi bom, né? Porque o trânsito que está agora, de carro, está congestionado. Era até... melhoria até, né? Até Galvão Bueno, assim, eu chego em quinze minutos. De carro com vinte minutos ainda estou no meio. Agora, de Metrô, em sete minutos já está chegando. Não tem farol, não tem nada, né? É uma maravilha!

P/1 - E quando estava construindo deu muito transtorno?

R - Olha a...

P/1 - Houve rebuliço?

R - Acho que teve, né?

P/1 - A senhora se lembra?

R - Não lembro, mas nós morávamos lá perto da Vergueiro. Logo na entrada, indo para a Vergueiro tem um apartamento desse que chama vila e a gente morava na vila. Nossa! Quanto rato vinha fugindo! Nossa senhora! Não sei quantos ratos que apareceram.

P/2 - Grandes?

R - Grande!

P/1 - Fugia do Metrô e ia para a sua casa?

R - Ele andava aquela vila inteira, né?

P/2 - Rato preto, assim?

R - Rato preto!

P/1 - E como é que fazia para acabar com isso?

R - Ah, a gente matava, jogava veneno, mas era um nojo, por isso é que ela falou: “Vamos sair logo, vamos sair logo daqui, né, para lugar que não tem Metrô.”

P/2 - E por que aparecia tanto rato?

R - Acho que lá era brejo, lá, pra lá... onde tem hospital Beneficência, lá tinha um córrego todo lá, acho que tinha um monte de rato.

P/2 - Foi porque eles furaram, será?

R - Acho que sim, não tinha aonde ir, então saíam e invadiam a casa da gente, né? Nossa Senhora! Quanto aparecia! A gente tinha um cachorro lá, sabe que o rato brigava com o cachorro?

P/2 - É mesmo?

P/1 - Enfrentava o cachorro?

R - Enfrentava cachorro, de tão grande que era, né?

P/2 - Isso onde era, dona Tomiko?

R - Ali no Castro Alves. Tinha aquele prédio, ainda estava em construção. Depois, do lado tinha uma vila.

P/2 - Sei.

R - Descia uma vila gostosa... Era tranquilo, né? Mas quando, depois que começou o Metrô...

P/1 - Acabou o sossego?

P/2 - Dona Tomiko, a senhora lembra a primeira vez que a senhora andou de Metrô?

R - Ah, não lembro! Porque eu estava no Japão e no Japão a gente andava muito no Metrô, né?

P/2 - Ah, foi lá no Japão a primeira vez?

R - Aqui nem tinha.

P/2 - O que a senhora sentiu a primeira vez?

R - Tinha medo.

P/2 - Medo?

R - Porque pensava: “Nossa! Estou aqui embaixo, se acontecer terremoto, alguma coisa, o que vai ser de mim, né?” Pensava isso.

P/1 - No Japão é de dar medo mesmo.

R - Mas ninguém tem medo lá. "Acontece, aconteceu, né?” Eles falam assim. Não tem lugar para fugir. E eu, no começo, quando cheguei lá, tinha medo de andar de Metrô, eu evitava. Falei: “Nossa! A gente está aqui dentro e não pode...”

P/1 - Mas a senhora pegou algum terremoto lá?

R - Ah, terremoto é sempre.

P/1 - Pegou algum?

R - Peguei.

P/1 - Comparando o metrô de Tóquio com esse aqui, o que a senhora acha?

R - Aqui, “tudo comparando” com Japão e Brasil... Brasil não, mas São Paulo, a cidade é mais bonita lá no Japão, é mais conservado, prédio é limpo, rua é bonita, tudo... A única coisa que eu tenho orgulho é o Metrô, é o Metrô daqui. É bonito...

P/2 - Mais limpo?

R - Limpo e bem conservado. Em questão de segurança, no Japão quase não tem segurança.

P/2 - Dentro do Metrô?

R - E dentro de estação mesmo. Já ligam uma estação com outra dentro, embaixo, né? E é cheio de lojas, né? Então eu acho... Nossa! Aquela linha da Paulista, nossa, eu acho uma beleza!

P/1 - Quer dizer, a senhora achou mais bonito que o do Japão?

R - Ah, Los Angeles e Nova Iorque também. Bem mais bonito o Brasil. Quando os japoneses chegam, estão vindo do Japão, em todo lugar tem lugar para levar. No Rio... Mas aqui em São Paulo, onde a gente leva?

P/2 - Aonde?

R - Aonde? Não tem lugar para levar. É Butantã, mas não sei, está meio assim, né? Então leva no Ipiranga para ver museu. Não tem mais. Quando tem orquídea, tudo bem. O único lugar que eu falei é: "Vamos no Metrô."

P/1 - Ah, leva no Metrô?

R - E depois eu vou até o Paraíso, do Paraíso eu ando até metade da Paulista. Ah, “tudo admiram”.

P/1 - E eles?

R - Admiram.

P/2 - Eles gostam, falam: “Nossa! Que desperdício! Tanta... Como é bem construído, podia ter uma loja aqui.” Falei: “Não, nada de loja!” (risos)

P/1 - Ah, é o espaço, né?

R - É o espaço, é muito espaçoso.

P/1 - No Japão o que não tem é espaço.

R - Entre uma e outra estação, embaixo é tudo ligado. Embaixo, não. Em cima é ligado com as lojas.

P/1 - Assim... Como assim? Então desce na loja pelo Metrô e sobe na loja?

R - É, tem aquele... Como é que fala? Loja grande...

P/1 - Magazine?

R - Magazine, é. Para “no” magazine, no metrô.

P/2 Nossa! Já sai do Metrô e entra no magazine?

R - É assim.

P/2 - Nossa!

R - E eu tenho orgulho do nosso Metrô.

P/2 - Que joia! Dona Tomiko, me conta uma coisa, a senhora falou que a senhora voltou a se casar depois. A senhora teve os filhos no primeiro casamento?

R - É.

P/2 - Quantos filhos a senhora tem?

R - Só quando do meu primeiro casamento, três filhos, né? E quando eu fui lá, casei, depois eu fiquei..., quantos anos fiquei? Quatro anos, eu fui, “estudei profissional”, depois cursei faculdade Madureza, que fala?

P/2 - Madureza?

R - Que fala assim em português, né? Então cursei o Madureza, depois voltei, e tive filhos tudo aqui no Brasil. Estava grávida quando... na viagem estava grávida, mas não sabia. Cheguei aqui... logo depois, cheguei em fevereiro e ela nasceu em agosto. E depois meu marido se foi, eu casei de novo, mas quando eu casei com o segundo marido, já tinha neto.

P/2 - Ah é?

R - O Rodrigo, já. Ele adorou meu neto, né? Coitado. Era o primeiro casamento para ele, né? É, tenho neto. Ele apresentava para amigo... Amigo, todo mundo...

P/2 - E ele é japonês também?

R - Ele era japonês.

P/2 - Nascido onde?

R - No Japão mesmo.

P/2 - Ele também é falecido?

R - É falecido. Coitado dele! Os amigos tiraram sarro dele. (risos) "Mas você..."

P/1 - Fala um pouquinho como é a sua escola hoje, quantos alunos tem, que idade?

P/2 - Espera aí Marina, só te interromper... Quando a senhora começou a trabalhar com sua mãe na escola, como é que foi isso?

R - É... Olha, antes de ir para o Japão estava me formando em Corte e Costura como professora, e acho que lecionei quando tinha dezessete anos.

P/2 - Ah é? Começou a dar aula de Corte e Costura?

R - Com dezessete anos comecei a dar aula e depois fui para o Japão, parei, estudei outra coisa e voltei e continuei de novo, né? E depois, o primeiro marido faleceu, depois o segundo marido viu que era muito serviço na escola, porque ele achou que eu não ia aguentar, minha saúde não estava muito boa, né? Então ele mandou parar e aí eu parei, depois meu marido foi, aí voltei de novo.

P/2 - E aí como é que é hoje a escola?

R - É porque acho que a gente tem que ampliar para Curso Superior... Superior que fala: a Primeira Série, Segunda Série... Porque nós temos só até o Pré.

P/1 - E só vêm japoneses aqui?

R - Não.

P/1 - Não?

R - Não, como minha mãe colocou nome Internacional...

P/1 - E é de verdade, né? Não é só por causa da guerra?

R - Não, não, não.

P/1 - Ah, tá certo. Ah, então, e são quantas crianças?

R - Olha, agora está... Porque a parte da manhã vem mais é japoneses, que vêm trabalhar aqui no Brasil com a família, então eles colocam os filhos deles aqui, né?

P/1 - Aqueles que vêm por uns tempos só?

R - É, uns três anos e já vão embora. Mas agora a indústria está indo embora, né? Muitas, muitas indústrias estão indo embora, então poucas famílias que ficam, né? Então está diminuindo.

P/2 - E não tem mais... enfim, a escola não tem mais aquele caráter de antes, de preparar para o casamento?

R - Não.

P/2 - Mudou?

R - Mudou, é. Agora ninguém quer costurar, ninguém quer cozinhar, né? A gente ensinava a cozinhar, ensinava a costurar, mas agora já mudou, né? Então as mulheres mesmo querem trabalhar fora.

P/1 - Já não tem mais moças?

R - Não.

P/1 - Só crianças?

R - Só crianças. Com isto, muitas mães trabalham e não têm onde deixar os filhos, então a gente começou com o berçário.

P/2 - E tem mães que vêm lá da Liberdade trazer os filhos aqui?

R - Tem! Justo lá na esquina da Rua dos Estudantes... Eu também não sabia que era loja do pai do menino, tem uma casa de fotos, aquela casa de fotos também... Foto Matura, descendo, do lado direito, na esquina, é do lado esquerdo. Eu passei lá e tinha foto do menino. Eu falei: “Nossa! A foto do menino está aqui, mas disse que era loja do parque.” (risos)

P/1 - Ai, que coincidência!

R - Eu não sabia, né? O menino é bonitinho. São gêmeos, né, e...

P/2 - Desde que idade que eles vêm?

R - Ele acho que quando... está com dez meses agora.

P/2 - Ah, mas entra desde pequenininho na escola?

R - É. Não, porque os pais trabalham, né? É berçário.

P/1 - Berçário e depois vai ficando?

R - É.

P/1 - E fica até que idade?

R - Agora nós estamos ampliando. Eram três anos, agora estamos ampliando para quatro, cinco, e vamos ver se vamos colocar Pré também, né?

P/1 - E a família inteira sua trabalha aqui com a senhora?

R - É, a gente quer continuar, porque a mãe, a minha mãe com tanto esforço, ela chegou sem nada aqui em São Paulo e deixou isso, então a gente tem que continuar, né? E graças a Deus, não acabou só comigo, foi na mão dos meus filhos e eles têm, eles querem continuar, então eu estou dando graças a Deus e estou muito feliz com eles.

P/1 - Lógico.

P/2 - O que a senhora gosta mais lá do bairro da Liberdade?

R - Lá são compras, fazer compras. A comida japonesa que eu gosto, né?

P/2 - É? E a senhora não gosta de alguma coisa do bairro?

R - Não, também eu trabalho até tarde.

P/2 - Fica aqui direto?

R - É, fico direto aqui, quando eu preciso comprar uma coisa, eu vou correndo e volto.

P/1 - Nem dá tempo?

R - Nem dá tempo.

P/2 - A senhora vai até aonde comprar lá?

R - Hein?

P/2 - Quando tem que comprar a senhora vai comprar lá?

R - Vou.

P/2 - E como que a senhora gostaria que fosse o bairro daqui a cinquenta anos, assim, no futuro?

R - Ah, não sei não, não sei não! Não sei não... Agora, mesmo quando quer comprar alguma coisa assim, com Internet compra tudo, né? Não precisa nem sair, já está entregando, né? Eu não sei mexer, mas meu filho... E eu estou precisando estudar... "Deixa comigo, já está entregando." Eu falei: “Nossa! Como é o negócio, né?” Então acho que o futuro vai ser assim, né, não acha?

P/2 - A senhora acha que vai ser lá na Liberdade assim também?

R - Acho que muita loja vai ser assim, eu acho. Tem que acompanhar, não acha?

P/2 - A senhora acha que é bom, então?

R - Não sei se é bom ou ruim, não sei, mas acho que todo mundo vai ficando assim, tem que acompanhar, né?

P/2 - Tá certo. E como é o seu dia a dia hoje, dona Tomiko?

R - Ah, eu estou batalhando mais, estou fazendo o que eu gosto, estou muito feliz, eu gosto de criança.

P/1 - A senhora mora com quem hoje?

R - Ah, eu moro sozinha, né? Mas do lado mora meu filho, então eu falei: “Olha, se tocar isso você tem que me atender porque eu estou morrendo." (risos) Falei isso para ele. “Pode deixar”, ele fala.

P/2 - Nossa! A senhora está...

R - Não é, não é nem apartamento meu, é "apertamento", né?

P/1 - É bem pequinininho?

R - É pequeno.

P/1 - A senhora mora aqui nesse prédio seu, né?

R - É.

P/1 - É seu, né?

R - É. Não... e já quando construímos, nós fizemos um trato. Não eu, meu pai fez um trato que até tal andar é para a gente e o terreno... Não é o terreno, então...

P/1 - Ah, e depois o resto vende?

R - É.

P/1 - Sei como que é.

R - Foi assim.

P/2 - A senhora tem netos?

R - Tenho seis.

P/1 - Ah, são seis?

R - Olha, eu tenho um neto maravilhoso.

P/2 - É?

R - Oh! Como é bonitão!

P/2 - Como é que ele chama?

R - Rodrigo.

P/2 - E quantos são ao todo?

R - Seis.

P/2 - Seis?

P/1 - É o mais velho?

R - É, o mais velho, porque está numa idade também, né? E bonito! Agora, os outros também estão bonitos, mas para... (risos)

P/1 - O primeiro, né?

R - É, então.

P/2 - O que eles fazem, dona Tomiko.

R - O primeiro está cursando lá na USP e está trabalhando no banco, e ele tem um banda, ele é baterista.

P/2 - É mesmo? O que ele toca, que tipo de música?

R - Toca tudo! Ali ele deixava... Vão para uma festa, tem que tocar, já convidam ele para tocar.

P/2 - É o xodó da senhora?

R - Eu não falei isso, senão... (risos)

P/2 - Os outros netos ficam bravos?

R - É, todos têm xodó.

P/2 - Dona Tomiko, só para terminar agora, a senhora tem algum sonho que a senhora gostaria de realizar?

R - Ah, eu tenho bastante sonho.

P/2 - É? Que sonho que a senhora tem?

R - Ah, eu queria abrir a escola... Aqui nós temos até esse... Eu queria abrir até a rua de baixo, a outra entrada lá de baixo, Ai, o meu desejo é isso. Comprar a terra embaixo e ter duas entradas, a de baixo e a de cima, né? É uma maravilha, né?

P/2 - Ah, vai conseguir. É só batalhar.

R - Esperar... Agora vou deixar com meus filhos, eles que lutem, que façam a vontade da mãe, né? (risos)

P/1 - Agora que chegou a vez, né?

P/2 - A senhora tem alguma coisa mais para dizer que a gente não tenha falado?

R - Ah, acho que não, nós falamos...

P/2 - Sobre a sua mãe, se a senhora quer dizer alguma coisa?

R - A minha mãe ela era... Faleceu com noventa e seis anos, mas ela sempre estava agradecendo... Por exemplo, a gente trabalha, a gente fica cansado, né? Faz para os outros... Aí vem a queixa, fica se queixando: “Ah, eu fiz para fulano de tal e ele nem reconhece.” Aí ela ficava brava, ela falava assim: “Você está fazendo para ela, você não pode pensar assim. Ela que está deixando você trabalhar, então você dá para fazer isso, então você tem que agradecer.” Ela falava assim.

P/1 - É incrível, né?

R - Ela era uma pessoa... Muita coisa tem para... o que ela falava ficou na cabeça, né?

P/1 - Ela era uma pessoa otimista, né?

R - Otimista, muito otimista.

P/1 - Confiava.

R - É, muito otimista.

P/1 - Alegre, talvez?

R - Alegre! Gostava... esse shiguin que eu estou praticando agora, ela que começou, ela que era professora, ela ensinava tudo para as pessoas, e eu falei: “Ih, aquele tanto de pessoal, o mesmo ritmo, né?" Não dava valor. Mas quando entrava ela ficava contente, então só para o lado dela e cantava, agora eu estou meio sem ritmo, né?

P/2 - Conta para a gente, que a gente não sabe, e para outras pessoas que também não sabem, o que é o shiguin?

R - Shiguin é uma poesia que fala muito de estações: primavera, verão, né? E fala muito “do” história do samurai: canta, tem poesia de sentimento do samurai, né? E agora, já, talvez não é uma coisa assim... Por exemplo, tem uma dessa aí que é assim: estão em guerra dois samurais, são inimigos e então solta uma bala e já está morto, né? Mas um fala para o outro: “Sua armadura está arrebentando.” Então ele fala para o outro que ele está perdendo. Aí ele responde... já está vindo a morte porque ele está para matar ele, e ele fala: “Sua armadura está descosturando.” Então ele responde: “A linha estava muito fraca.” Aí "puf", mata o outro, né?

P/1 - Aí mata o outro?

R - Tem... Não sei, agora não fica, assim, quando o outro está matando, né? Na guerra isso, né? Tinha aquele... Não sei, eu admiro.

P/2 - E vocês representam isso ou vocês cantam isso?

R - Nós cantamos. Tem gente que representa, mas nós não representamos, né? E quando dança isso usa com aquele quimono, com espada bonita.

P/1 - Bonita?

P/2 - É japonês?

R - É japonês. Tem muitas poesias chinesas.

P/2 - Chinesas. E como é que os japoneses adquiriram?

R - Porque, na verdade, a China é professora, são mestres dos japoneses, né? A cultura veio da China, da ilha, lá, do primeiro. Não é... Tudo: letras, tudo veio da China, né? Então a cultura tem muito a ver com os chineses. Eles são professores, são mestres dos japoneses, né? É bonito! Na semana passada tinha apresentação e os pais querem passar para os filhos, então as crianças também dançam. Eu acho muito bonito!

P/1 - Muito bonito!

R - É, essas coisas tem que manter, preservar, né? Mas muita gente... eu mesma não dava valor. Agora falam: “Porque você está velha, por isso que está afetando, né?” (risos)

P/2 - Depois quando eles ficarem mais velhos vão fazer. (riso)

R - Eu acho que também está feita, né, acho que fui.

P/2 - Tá certo, então, você tem mais alguma coisa para colocar?

P/1 - Não.

P/2 - Bom, então a gente queria agradecer muito essa entrevista...

R - Eu que agradeço muito

P/2 - Foi muito boa, tá bom?

P/1 - Maravilhosa! Foi ótima.

R - Muito obrigada. (risos)