Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de Paulo Augusto Vivacqua
Entrevistado por José Carlos e Cláudia Resende
Rio de Janeiro, 09 de junho de 2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número CVRD_HV041
Transcrito por Liamara Guimarães de Paiva
Revisado por Gabriela Ramos
P/1 – Então, a primeira pergunta, eu vou pedir para o senhor se apresentar. Data de nascimento e local de nascimento?
R – Eu nasci em Vitória, no Espírito Santo, em 1938, quatro de agosto.
P/1 – Seu nome completo?
R – Paulo Augusto Vivacqua.
P/1 – O nome dos seus pais?
R – Paulo Vivacqua e Juraci ____ Vivacqua.
P/1 – O senhor conhece um pouco a origem da sua família? Um pouco a história dela, ou não?
R – Meu avô veio do Sul da Itália, avô paterno, e casou-se no Brasil com minha avó, descendente de portugueses, no Espírito Santo – por parte de pai. Por parte de mãe: ambos os meus avós eram da Itália, então eu tenho três avós italianos e um de origem portuguesa, a minha avó.
P/1 – Você chegou a conhecê-los?
R – Conheci... Não conheci meus avôs, mas minhas avós, sim. ___ eu sou três quartos italiano.
P/2 – E todos foram para o Espírito Santo?
R – Todos. O meu avô, por parte de pai, veio pequeno com a família, com seu pai, vieram para o Rio, saindo do Sul da Itália por razões políticas. Ficaram na oposição muito tempo, faziam oposição ao governo e acabaram sendo muito pressionados, resolveram vender o que tinham e vieram para o Brasil. Chegando aqui, se radicaram no Sul do Espírito Santo, passando pelo Rio, lá o meu avô cresceu. Eles tornaram-se cafeicultores e comerciantes de café, construíram uma empresa que acabou tendo uma repercussão internacional grande, que é a maior exportadora de café do Brasil. Então eu fui criado num ambiente onde eu via armazéns de café, portos, barcaças, levando café pra navios, para os armazéns de pedra. Esse ambiente de comércio, cheiro de café, eu vivenciei muito na...
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Depoimento de Paulo Augusto Vivacqua
Entrevistado por José Carlos e Cláudia Resende
Rio de Janeiro, 09 de junho de 2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número CVRD_HV041
Transcrito por Liamara Guimarães de Paiva
Revisado por Gabriela Ramos
P/1 – Então, a primeira pergunta, eu vou pedir para o senhor se apresentar. Data de nascimento e local de nascimento?
R – Eu nasci em Vitória, no Espírito Santo, em 1938, quatro de agosto.
P/1 – Seu nome completo?
R – Paulo Augusto Vivacqua.
P/1 – O nome dos seus pais?
R – Paulo Vivacqua e Juraci ____ Vivacqua.
P/1 – O senhor conhece um pouco a origem da sua família? Um pouco a história dela, ou não?
R – Meu avô veio do Sul da Itália, avô paterno, e casou-se no Brasil com minha avó, descendente de portugueses, no Espírito Santo – por parte de pai. Por parte de mãe: ambos os meus avós eram da Itália, então eu tenho três avós italianos e um de origem portuguesa, a minha avó.
P/1 – Você chegou a conhecê-los?
R – Conheci... Não conheci meus avôs, mas minhas avós, sim. ___ eu sou três quartos italiano.
P/2 – E todos foram para o Espírito Santo?
R – Todos. O meu avô, por parte de pai, veio pequeno com a família, com seu pai, vieram para o Rio, saindo do Sul da Itália por razões políticas. Ficaram na oposição muito tempo, faziam oposição ao governo e acabaram sendo muito pressionados, resolveram vender o que tinham e vieram para o Brasil. Chegando aqui, se radicaram no Sul do Espírito Santo, passando pelo Rio, lá o meu avô cresceu. Eles tornaram-se cafeicultores e comerciantes de café, construíram uma empresa que acabou tendo uma repercussão internacional grande, que é a maior exportadora de café do Brasil. Então eu fui criado num ambiente onde eu via armazéns de café, portos, barcaças, levando café pra navios, para os armazéns de pedra. Esse ambiente de comércio, cheiro de café, eu vivenciei muito na minha infância, na família do meu pai. E a família da minha mãe teve um destino, um roteiro parecido. Vieram juntos, o casal, italianos, ele era um construtor e ele rapidamente entrosou-se na política do país e construiu estradas de ferro, estradas de rodagem em São Paulo e depois foi indo para o Espírito Santo. E levou uma vida de construtor. E, portanto, as irmãs da minha mãe foram nascendo em várias cidades do país: São Paulo, Minas, Espírito Santo, onde ele trabalhava em construções. Inclusive ele construiu um trecho da Vitória-Minas, da primeira Vitória-Minas. Chamava-se Serafim Derenzi.
P/1 – Que trecho, o senhor sabe?
R – Não sei, ficou perdida essa memória. Mas no Espírito Santo se encontram, hoje, pontes como Santa Leopoldina, a estrada que une Santa Leopoldina a ____ no Espírito Santo, a Santa Teresa, ele que fez, vários trechos ainda são originais, coisas assim. Ele teve filhos, minha mãe é um deles, ___ engenheiros, aliás, um engenheiro; e uma das irmãs da minha mãe casou-se com um engenheiro também. Esse engenheiro se destacou muito na engenharia brasileira, ele tornou-se um professor da Universidade de São Paulo, de Portos e Vias Navegáveis, e um homem que teve uma influência muito grande na questão da navegação fluvial. Ele é um engenheiro que projetou todo aquele sistema de barragens que se desenvolveu através dos tempos e deu Itaipu, Urubupungá e Jupiá. Eu tinha então um convívio com essa pessoa dentro da família.
P/2 – Qual o nome dele?
R – Paulo Mendes da Rocha, casado com minha tia Angelina Derenzi – de nascimento – que é minha madrinha. Esse homem teve uma influência muito grande na percepção da engenharia. Eu via o que ele fazia e me admirava com aquilo. Da mesma forma, minha mãe teve uma educação muito esmerada, porque minha avó materna cuidou que todos os seus filhos, que iam nascendo nesses acampamentos, estudassem no Rio de Janeiro. As moças, sempre no Sacre Coeur de Jesus, creio eu, é aquele que ainda existe lá no Alto da Boa Vista. Então uma educação muito esmerada, ela falava francês bem, me ensinou francês desde cedo. Eu já esqueci, porque o inglês acaba com qualquer outra língua. Mas eu lia os livros dela, quando criança, na escola, e dentre esses livros, tinham uns três de química e física em francês, livros antigos. Eu ficava fascinado com aquilo, olhando aqueles aparelhos elétricos, tentando decifrar química, o francês daquilo, eu vivia com aqueles livros na mão. Foi um outro lado, assim, que me levou para a tecnologia. E nessa época, criança, junto desses livros da minha mãe, os livros de escola dela, eu conheci o Monteiro Lobato. Comecei a ganhar livros do Monteiro Lobato. E muito me impressionou, imensamente, os Serões de Dona Benta, onde ele apresenta a ciência. Aquilo foi um mundo que se abriu pra mim. Quando eu comecei a ler aquilo eu fiquei absolutamente fascinado com a possibilidade de ser, construir coisas, de se criar substâncias químicas, de se fazer pilhas elétricas. Porque ele introduzia aquilo de uma maneira inteligentíssima, agradável e objetiva. Tanto que o meu cenário de gurus interiores, senta-se Monteiro Lobato, sem dúvida nenhuma, e o meu tio do lado dele. Um pouco mais para diante, ou quase nessa época, eu ganhei um outro livro, escrito pelo Júlio Verne, era, se eu não me engano, sim, Ilha Misteriosa. É uma história que se passa em torno de um engenheiro que, fugindo da Guerra Civil Americana, num balão, eles entram numa tempestade, ele e alguns companheiros, eles perdem o rumo e quando se vêem depois de uma tempestade enorme, de viajarem às escuras, caem numa ilha, sem nada, só eles e a ilha, e esse engenheiro, depois de alguns anos, tinha feito de tudo, ele tinha criado tudo. Ele produzia até energia elétrica, ele já fundia ferro, tinha olarias. Aquilo me fascinou, aí me encantou completamente, me levou totalmente para o lado da engenharia civil. Eu achei aquela figura fantástica, ele construía coisas a partir do nada. Então, desde essa época, o meu grande interesse foi a questão ciência, as questões da ciência, da técnica, da astronomia, da engenharia. Eu me vi fascinado por essas coisas e sou até hoje fascinado por isso. Daí fui me encaminhando nesse rumo. Eu me tornei, mais tarde, engenheiro, eu me tornei professor de escola de engenharia, professor de cursinho, professor de física, de hidráulica, de portos, _____. E, quando eu estava me formando, a Vale do Rio Doce entrou na minha vida, porque eu estava estudando, em Vitória, Engenharia na Escola Politécnica do Espírito Santo – de onde, depois, eu passei a ser professor – e lá tinham dado aula vários professores que eram engenheiros da Vale do Rio Doce. E ali falava-se em ferrovias e portos, mas a Vale tinha em Vitória as suas instalações corpóreas, e, naquele momento, ela iniciou a construção do chamado Porto de Tubarão. Quando eu estava me formando... Marcos Viana, engenheiro da Vale, me conhecia como seu aluno, me convidou. Eu, imediatamente, aceitei o convite para trabalhar na construção do futuro Porto de Tubarão.
P/2 – Em que ano foi isso?
R – Isso foi em 63. Nessa época eu até ___ convites melhores em termos salariais, como da Petrobras, que insistiu muito num concurso que eu fiz pra que eu fosse pra Petrobras. Mas eu fiquei fascinado com a idéia de mexer com água, portos, meu tio já tinha me inoculado com esse...
P/1 – Durante a faculdade você já tinha essa sensação de que você ia se encaminhar por aí?
R – Tinha, não muito. Eu, como sempre fui extremamente curioso, em termos da engenharia, eu sempre quis saber de tudo, então eu não tinha um foco em alguma coisa mais específica ainda. Nessa época, inclusive, de faculdade, eu dava aula de física, no cursinho, estava muito interessado na questão, nas questões da física. Mas quando estava me formando, ouvi falar desse projeto, fui convidado e, ainda até antes de formar como estagiário, que eu fui da Vale do Rio Doce, eu comecei a tomar contato com, novamente, navios, água. Aquilo ali me interessou e, quando me formava, a Vale iniciava Tubarão. E o Marcos Viana me convidou para fazer parte dessa equipe. Então eu entrei nessa obra no primeiro dia dela, do Porto de Tubarão. Inclusive o meu interesse era tão grande que a minha turma toda viajou quando se formaram, conseguiram um recurso lá, em dinheiro, e viajaram todos para a Europa, eu deveria estar com eles, três meses. Eu não quis, eu preferi ir direto para a obra. Eles foram, eu fiquei lá pra não perder um dia daquilo. E foram realmente anos interessantíssimos. Eu estava recém formado, entrei em contato com obras grandes, pesadas, de engenharia que mexiam com água, estradas de ferro, com dragagens, com sistemas mecânicos, tinha de tudo um pouco, né? Era um porto moderníssimo, tinha uma construtora estrangeira associada a ele que trazia uma tecnologia moderna, americana, ______ de muita coisa e eu, então... Na parte de mar, de hidráulica, por exemplo, veio muita coisa que os americanos já tinham desenvolvido, os cálculos dos quebra-mares, por exemplo, e eu fiquei muito interessado por esse ângulo também da questão. Daí passei a estudar muito portos, estudar bastante isso. E, na Escola de Engenharia, entrei, fui convidado para dar aula como assistente de hidráulica. Escolhi essa linha e encontrei lá uma possibilidade. E, também, de portos. Então eu casava o que eu fazia na prática com estudos que eu desenvolvia pra dar aula. Durante algum tempo, eu fui me aprofundando muito na questão portuária por essa razão. Eu via a coisa acontecer na prática, eu estudava teoricamente, eu lecionava aquilo. E, assim, eu fui até o Porto terminar.
P/1 – Antes do senhor entrar para o Porto de Tubarão, quer dizer, você tinha passado a infância e a juventude em Vitória mesmo?
R – Eu tinha passado uma parte da infância em Vitória. O ginásio eu fiz no Rio de Janeiro. Meu pai mudou muito de lugar, teve negócios em vários lugares. Nessas andanças eu fiz primário, uma parte em Vitória; o ginásio, no Santo Inácio, aqui no Rio; depois um ano no Mackenzie em São Paulo. Eu li uma reportagem sobre o Mackenzie, fiquei muito interessado naquilo, fui pra lá, fiz o terceiro científico. Meus pais em Vitória, eu voltei pra Vitória, fiz a Escola de Engenharia lá. Cursei a Escola de Engenharia em Vitória e, dessa forma e por essa razão, minha trajetória passou pela Vale do Rio do Doce e por portos logo de cara.
P/1 – Seu pai trabalhava com seu avô? Com café? Chegou a trabalhar com isso?
R – Meu avô morreu cedo, meu pai tinha dezenove anos. Ele se casou cedo, com 22, ele herdou bens do meu avô. Tinha muitas posses, fazendas, então ele começou explorando e desenvolvendo fazendas de café. Depois ele saiu daquilo, teve mineração de ___, também deixou aquilo, mudou e, mais tarde, ele fundou uma empresa, que existe até hoje, que é uma empresa que tem pedreiras, construções, estruturas pré moldadas. E ele desenvolveu a vida dele assim em Vitória, estabilizou-se dessa maneira. Mas nessas mudanças ele teve fazendas no Sul do Espírito Santo e aqui no Estado do Rio, em ______, ali por cima também. Mina de diamantes na Bahia e empresas de construção pré moldada no Espírito Santo, onde ele está até hoje.
P/2 – O senhor tem quantos irmãos?
R – Somos dois.
P/1 – Engenheiro também, ou não?
R – Não, é um advogado, mas, na realidade, é um engenheiro. Ele é muito engenheiro. Ele trabalha com construção mesmo, desenvolveu aquilo tudo, equipamentos, pontes rolantes, é um engenheiro nato.
P/1 – E esse período que o senhor conviveu... A Vale fez parte em algum momento da sua vida em Vitória? Quer dizer, antes do senhor entrar na faculdade, o senhor conhecia alguma coisa da Vale? Ou não passava isso?
R – Não, não passava muito. Porque Vitória, naquela época, era muito pequena, então o que eu conhecia da Vale é que era algo muito poderoso, muito interessante, era uma companhia respeitadíssima. Vitória era a Vale naquela época, tinha profissionais de nível muito bom, a empresa selecionava gente muito boa e eu tinha contato às vezes com essas pessoas, eram exemplos muito interessantes de engenheiros. E eu notava neles todos um profundo amor pela empresa e seriedade no que faziam e profissionalismo. Alguns davam aulas na Escola de Engenharia, era bons professores. Aí eu conheci alguns, por aí é que eu via a Vale, como uma empresa assim, de alto nível, de integridade, seriedade e de competência profissional. Eu tinha essa imagem da Vale do Rio Doce já, bem difusa, assim. E quando se falou num porto, era um porto que ia ser construído dentro da cidade onde eu morava, do lado da minha casa, foi realmente uma oportunidade raríssima, poderia até, em termos de engenharia, de uma engenharia variada...
P/2 – Você fez estágio na Vale antes?
R – Eu fiz um estágio de um ano, mais ou menos, como calculista de estruturas. Eles estavam precisando de um e eu fui convidado. Passei um tempo calculando estruturas, aquelas que a Vale usa, né? Edifícios, balanças ferroviárias, pórticos, pontes. E me formei já conhecendo um pouco a empresa, quando veio a obra de Tubarão.
P/1 – O senhor conheceu o cais anterior, essa mudança? Quer dizer, o que o Porto de Tubarão veio superar ali?
R – Conheci sim. O Porto de Tubarão, ele... Os japoneses haviam assinado um contrato com a Vale do Rio do Doce e preparavam-se para receber minério dos maiores navios possíveis, que eram projetados por eles. Então eles instruíram a Vale do Rio Doce que construísse um porto para navios de cem mil toneladas, que eram navios que não existiam, mas que eles haviam projetado, e eles estavam construindo. Então, o trato com a Vale foi: a Vale constrói um porto para navios de cem mil toneladas e nós assinamos um contrato de longo prazo, que vai ser a garantia necessária para que a Vale invista nesse porto. E assim foi feito. O porto foi desenhado para atender esse “navio” japonês. Nós, na época, recebemos muitas missões de japoneses, muito grandes, que vinham fiscalizar tudo, examinar tudo o que se fazia em Tubarão, as especificações ____ técnicas. Eu era engenheiro júnior, mas já envolvido com a parte técnica do porto toda, né? Então eu estava sempre presente naquelas ocasiões. Eles examinavam tudo, os esforços que nós estávamos considerando nos cálculos, as profundidades, as dimensões dos piers, a capacidade de carga, o tempo do navio no porto, todas essas questões que são os parâmetros dimensionadores de um porto, os japoneses examinavam ponto a ponto conosco. E nós, então, fizemos um porto para atender a esse navio de cem mil toneladas. E mal ele ficou pronto, um navio praticamente desse tamanho, encostou e carregou. Então uma obra que foi feita dentro do prazo de uma maneira absolutamente precisa, foi acabada no dia exato previsto três anos antes. Naquele dia o navio carregou. Foi uma obra interessantíssima. E essa parte tecnológica do porto para navios grandes, os japoneses tinham na época uma política mundial de abastecimento de matéria prima. Eles já haviam perdido a Segunda Guerra Mundial. Durante essa guerra, eles haviam ocupado uma parte da China e da Ásia, de onde eles drenavam matéria prima para o seu crescimento, de todos os tipos, minerais e petróleo. Eles foram derrotados e restringidos à sua ilha pelos Estados Unidos. Com a Guerra da Coreia, os Estados Unidos pretendiam para aquele país um destino de potência de segunda classe fracamente industrializada. Mas durante a Guerra da Coréia, que logo em seguida se iniciou, depois da Segunda Guerra Mundial, quatro ou cinco anos depois, os americanos perceberam que eles precisariam de uma boa base local para apoiar o esforço de guerra na Coreia. Essa base foi o Japão. Então, do dia para a noite, a política americana em relação ao Japão mudou completamente. Passaram a comprar equipamento japonês, estimular os japoneses a fazerem equipamentos. Caminhões, por exemplo. A indústria de caminhões começou a se desenvolver rapidamente, porque eles precisavam de veículos ali. E a indústria começou se animar. O Japão, então, começou a desenvolver políticas de abastecimento, porque começou a crescer economicamente, via um destino industrial possível que se abriu, ele começou a traçar políticas de abastecimento de longo prazo, porque eles não têm nada quase na ilha. Em relação ao minério de ferro, eles estimularam o mundo todo a abrir minas e a implantar projetos minerais de minério de ferro. No Brasil, eles olharam a Vale do Rio do Doce como algo que tinha que crescer para abastecer a eles.
P/1 – Eles que vieram buscar a Vale?
R – Eles que vieram buscar a Vale. Isso eu ouvi de alguns japoneses da época, por exemplo, o falecido (Koishi Inada?). Me declarou isso textualmente. Bom, e outros. E essa política, está escrito um texto sobre isso. Então eles procuraram o Brasil, a Vale, e outros pontos do planeta, e investiram em minas. Por que? Como eles não têm minério, quanto mais oferta tiver, melhor para eles, sob dois ângulos: preço baixo e abundância. E conseguiram isso. Eles foram os impulsionadores disso. E a Vale teve a competência e a vontade de atender direito. Isso eu senti, como eu falava, no ambiente profissional da empresa. Porque eu entrei num grupo de engenheiros, e eu, recém formado, notava uma competência técnica alta. A Vale tinha, na época... Creio que conserva isso até hoje, ela tinha um preconceito contra a incompetência, vamos falar assim. Todo mundo só respeitava os competentes e era uma empresa de engenheiros. Então era um ambiente extraordinário, porque medíocres não seriam medíocres em condições de chefia ______, só gente com boa imaginação, criativa e muito dedicada. Tinha um espírito de corpo extraordinário. Isso atendeu perfeitamente aos anseios japoneses. A Vale já havia sido criada por brasileiros ilustres, que, no passado, fizeram o forjamento de ferrovia com as minas inglesas, formando os acordos de Washington, no governo do Getúlio Vargas, que criou coisas importantíssimas para o Brasil. Criou a Vale do Rio Doce, unindo as minas que eram inglesas com ferrovias, que tinham capitais também estrangeiros e fazendo, aí, uma companhia brasileira, negociando com todas as partes e formando uma companhia que era estatal para a produção de minério de ferro. Essa semente básica foi obra de estadistas, de presidente da República. Agora, depois, engenheiros competentes tocaram isso. Veio esse mercado derivado dessas condições japonesas. Esse grande mercado de minério de ferro que eles queriam desenvolver. Essa situação emergiu, casou-se, então, com essa empresa já forjada, pelo espírito maior estadístico brasileiro, e tripulada por bons técnicos responsáveis. Aí, ela só fez crescer, daí por diante. O Porto de Tubarão com um navio de cem mil toneladas. Por que um navio de cem mil toneladas? Porque dada a distância entre o Brasil e o Japão, para que o minério chegasse ao custo aceitável para os altos fornos japoneses, seria necessário que esse minério fosse transportado em quantidades grandes, navios grandes, de custos mais baixos. Inclusive, para que os japoneses pudessem dispor de um minério competitivo ao australiano, que é ali próximo, não ficar apenas nas mãos dos australianos, para os quais tinham perdido a guerra, inclusive. Então um grande navio condicionou a construção do Porto de Tubarão, por um lado. Por outro lado, permitiu que o mercado de minério de ferro japonês abrangesse o mundo todo. E como grandes construtores de navios, eles usavam o próprio minério para fazer navios, era um círculo fechado. Eu aumento os navios, vocês constroem os portos maiores e eu aplico seu minério na produção de aço que faz os próprios navios, enfim, todos ganhando alguma coisa com aquilo. E, até bastante, a Vale foi uma empresa que sempre soube tratar muito bem a sua questão comercial e financeira e cresceu sempre conscientemente.
P/1 – Na Vale, o senhor acha que era um risco? Quer dizer, era possível aquilo, naquele momento? Três anos para erguer o porto, atender àquele contrato, quer dizer, como é que se viveu isso dentro da Vale? A expectativa disso?
R – Olha, aquilo foi vivido da seguinte maneira: foi formado um grupo de engenheiros independentes em Vitória. O engenheiro chefe era o Clóvis (Dietzel?). Era o mais ____ de lá, com alguns anos de Vale do Rio Doce, com uma boa experiência de construção. E os demais, tinha o (Moris Brown?), também uma pessoa de experiência, um engenheiro experiente, e depois, jovens engenheiros, inclusive recém formados, como eu. Tinha acabado de sair da escola. Então esse grupo, de idade muito baixa, ficou ali com aquilo tudo nas mãos, e deu conta do recado. Em três anos nós fizemos aquilo.
P/2 – Seu Paulo, era perceptível para o senhor a dimensão da importância, a empresa, o empenho dela?
R – Era, era. Por esse grupo? Era. Porque havia ali fortíssimo isso. É uma coisa interessante, espírito de corpo e de responsabilidade, nós sabíamos com muita clareza o que aquilo representava. Aquilo representava abrir mercados enormes, novos, para o minério de ferro da Vale e do Brasil. Nós sabíamos disso. Os custos iam baixar muito de transporte. Nós tínhamos orgulho de saber que estávamos trabalhando, em termos de portos, na ponta da tecnologia da época. Aquilo era o maior porto do mundo para o maior navio do mundo. Nós tínhamos consciência plena disso. Nós sabíamos que a Austrália estava do lado do Japão, nós sabíamos que esse navio poderia levar esse minério lá à custo mais baixo. Isso tudo nós sabíamos. Havia essa consciência muito clara. Eu falaria um pouco, o ambiente, a cultura das pessoas da Vale do Rio Doce... Eu falo engenheiros porque era uma empresa de engenheiros, era uma cultura, uma boa cultura. A Vale do Rio Doce, como era uma empresa aberta para o exterior, trazia muito do exterior para si. As pessoas da Vale sempre viajaram para o exterior. Era uma empresa que tinha uma consciência do mundo, por ser uma empresa exportadora de minério de ferro do mundo muito boa. Isso era transmitido para nós, jovens, recém admitidos. Foi um processo bastante seletivo, diga-se de passagem.
P/2 – Para a admissão?
R – É, era muito seletivo. Eu, por exemplo, passei por uma bateria longa de testes.
P/2 – Mesmo tendo estágio lá?
R – Mesmo tendo feito estágio, conhecendo o pessoal, os engenheiros que davam aula lá. Eu fiz exames, uma série de testes. A Vale era bastante rigorosa, em geral, apesar de ser uma empresa estatal. Ela não era uma empresa onde permeava muito a questão política na operacional, não. Como a Petrobras, não acontece isso lá. É uma empresa especialmente eficiente.
P/2 – E o relacionamento entre as outras pontas desse processo, né? O senhor está no porto, tem a ferrovia e a mina. Como é que era o relacionamento desse todo?
R – O relacionamento desse todo... Dentro da companhia havia uma série de, eu diria, facções ou grupos, de pressão interna. Eu sempre fiquei no chamado grupo de desenvolvimentos de projetos. Havia um forte grupo de operação ferroviária e um forte grupo de operação de mina, os três disputavam sempre espaço, poder e posição dentro da Vale do Rio Doce, o tempo todo. Era uma competição dura e que era bom pra Vale.
P/2 – Significava produção, né?
R – Significava produção. Quer dizer, portanto, que incompetência era impossível, não sobrevivia em ponto nenhum do sistema. Porque a luta pela hegemonia interna era intensa, dura, violenta às vezes, mas ela tinha sempre no centro a questão competência. Havia, é claro, sempre um pouco de ambiente de clã dos formados numa mesma escola, num mesmo estado, se defendiam e isso sempre acontece, o que é humano e natural. Mas a questão competência permeava todas essas disputas e o resultado era um ambiente de eficiência para a empresa.
P/1 – Quer dizer, então essa concorrência ajudava a dar energia do sistema funcionando e coisa e tal?
R – O sistema sempre funcionou naturalmente. A Vale, eu percebia ela da seguinte maneira: (Moris Brown?), por exemplo, esse engenheiro que eu falei, foi incumbido desde logo de fundar um grupo de pesquisa operacional. Talvez tenha sido uma das primeiras empresas a usar isso maciçamente. Pesquisa operacional trata a operação como um sistema integrado, que é modelado matematicamente, então tudo tem a ver com tudo, é um sistema. Aquilo está descrito nos computadores, são feitos ali em cima ensaios daqueles modelos, que otimizam o funcionamento integrado de tudo. Isso, desde o início da minha entrada na vale do Rio Doce. Esse grupo foi formado logo depois pelo João Carlos Linhares, que o diretor de operações da Vale do Rio Doce teve essa visão, de maneira que nós estávamos sempre integrados. Quando nós dimensionávamos o porto, nós o estávamos fazendo em função da capacidade da ferrovia, que, por sua vez, se associava por capacidade à mina. Havia sempre esse fio condutor de alta tecnologia, de pesquisa operacional promovendo esse diálogo constante entre todos. Sempre foi algo de integrado, o sistema. E, mais tarde, entrosado naturalmente com a navegação, a companhia fundou a Docenave. Mais ou menos nessa época, já estava operando, e tinha seus próprios navios e podia colocar o minério, então, com mais competência e com melhores condições de competitividade em outros pontos do mundo com a sua própria frota de navios. Isso tudo veio sendo desenvolvido por agregações lentas, muito pensadas e profundamente embasadas nessa discussão interna entre gente competente. Uma companhia também onde a corrupção pouco entrou, nada de maior aconteceu lá nessa área. E, um pouco mais adiante, quando esse porto ficou pronto, o navio de cem mil toneladas começou a frequentar as águas de Tubarão, houve essa expansão toda de mercado, que daí se derivou. Ela saiu de navios de quarenta mil toneladas, era o máximo, mais ou menos, que ela podia operar dentro dos portos antigos, para esses navios de cem mil toneladas. E, logo em seguida, os japoneses começaram a falar em navios de 250 mil toneladas. Nós ouvimos uma palestra pessoal do professor (Shinto?), que frequentava a Vale do Rio Doce e que era, se não me engano, presidente da (Escavagima?), estaleiros japoneses. E ele fez uma série de palestras, _________, falando nas tendências dos tamanhos de navios, o que atende muito a eles. Navios de minério de ferro. E começaram a falar em navios de duzentas mil toneladas. Alguns americanos também, duzentas, 230 mil, como um navio que poderia surgir. Nós, então, recebemos, na área de engenharia da Vale, a instrução para estudar essa questão. Essa questão ficou já comigo, eu já tinha alguns anos de trabalho na Vale do Rio Doce e eu fui incumbido, então, de analisar a questão do navio maior.
P/2 – A viabilidade do porto?
R – A viabilidade do porto, a possibilidade de se fazer um porto para navios maiores que Tubarão. Então eu montei uma equipezinha, composta pelo Mauro ___ de Barros e o José Augusto Teixeira de Freitas, dois engenheiros, em Vitória. Nós encaramos esse problema e projetamos o Porto de Tubarão 2, que é para navios de 250 mil toneladas. Nessa época, porém, nós decidimos que esse limite poderia ir além de 250 mil toneladas, que era um navio que se imaginava. E, depois de muito pensar, discutir e calcular, nós desenhamos o projeto básico daquele porto para navios de 350 mil toneladas. E esse navio, mais tarde, apareceu, foi construído. As estruturas de atracação do píer número dois foi feita para resistir aos esforços de um navio de 300 e poucas mil toneladas, foi o que eu especifiquei e consegui fazer com que fosse aceita essa hipótese.
P/1 – Antes de ele existir?
R – Antes de ele existir, muito antes. Inclusive, as fundações daquele píer estão hoje... Foram calculadas em profundidade para permitir o aprofundamento da dragagem do nível de 22 metros, atual, para 24 ou 25, se eu não estou enganado. Nós pusemos as fundações abaixo deste nível e fizemos a estrutura com capacidade suficiente para suportar o impacto de cargas deste tamanho. E essa segunda fase foi executada na década de setenta, final da de sessenta e setenta, e o porto ficou um porto para navio de 250 mil toneladas. E aí entra a questão da engenharia de sistemas. Um navio desse tamanho tem que ser carregado mais rapidamente. Nós teríamos que ter, então, estoques maiores de minério, com fluxo de trens compatível com esse estoque maior de minério. Então toda a parte desse operacional estudou isso tudo e, por ali, nós, porque eu trabalhava junto com o grupo de pesquisa operacional que era chefiado por um engenheiro genial, Eliezer Costa, que era o líder desse grupo, talvez a pessoa que mais compreenda a pesquisa operacional no Brasil. Hoje, é um consultor independente de São Paulo. E, eu trabalhava, eu pedi o apoio desse grupo, então tudo nosso ali foi dimensionado da melhor forma possível com esse instrumentos ________. Então nós decidimos que esses navios deviam ser carregados a dezesseis mil toneladas por hora, o que aconteceu. E optamos por um novo tipo de píer, com dois carregadores gigantes em vez de um só, e movendo-se como um (low quadrant?), são dois lanças que descrevem semicírculos, cobrindo todo o navio, ______. É um desenho novo, um projeto novo que eu tinha visto, lido um artigo técnico, de que um protótipo disso estava em operação na Tasmânia, em ________, um pequeno porto lá de uma ilha australiana, e fui lá ver aquilo, e travei contato, então, com o projetista do equipamento, que era o (Paul Sorus?) irmão desse (George Sorus?). E trouxe, então, o (Paul Sorus?) como projetista do sistema mecânico novo, esse. Fizemos uma comparação com os sistemas convencionais e eu propus essa decisão, que foi adotada nesse píer e está lá até hoje _______________, de quase trezentas mil toneladas, ou trezentas mil, já perdi a conta. Funciona bem. Aquele porto se estabilizou, então, como o maior porto do mundo de minério de ferro, em exportação, volume e tamanho de navio. Agora, por que um navio de trezentas e tantas mil toneladas? Eu analisei os portos japoneses e verifiquei que o máximo navio que eles poderão receber lá, economicamente, seria um navio desse tamanho. Acima disso, seria muito difícil construir um porto, muito caro, para o Japão, ou portos capazes de ir além disso. Mais ou menos se estabilizou por aí o tamanho do navio também. Um pouco depois, mais ou menos nessa época, isso já estávamos em 72, 71, o desenvolvimento na Amazônia estava acontecendo. A meridional de mineração, subsidiária da US Steel, usando pistas obtidas pelo Projeto (Radam?), que foi o radar da Amazônia, que o governo americano propôs para o Brasil. O Brasil aceitou e eles, acompanhados por nós, mapearam a Amazônia toda com radar, fotografia de radar. Os americanos fizeram isso e pouco depois desse trabalho pronto, que naturalmente foi analisado pelos americanos a fundo, a US Steel colocou a sua subsidiária, Meridional de Mineração, na região de Carajás. E eles contrataram geólogos no Brasil, vários são amigos meus, e começaram a pesquisar de forma extremamente competente aquela região ali, que era dificílima. Eles estavam à cata de manganês, como se sabe, ou diziam. E, um dia, “acidentalmente”, pousaram naquelas clareiras que era minério puro, já se sabe que instrumentados pelas prévias análises feitas através do Projeto (Radam?). Bom, aí, conversando depois com eles, o pessoal da US Steel, eles viram, eles disseram o seguinte... Quando viram a enormidade dos depósitos de Carajás, eles disseram o seguinte, isso declaração de um deles: “A US Steel vai perder esses depósitos. Nenhum governo, nenhum país entrega isso a uma empresa, especialmente estrangeira.” Isso eu ouvi de um deles. Realmente assim foi. O General Albuquerque Lima, falecido – o regime era militar – mas um nacionalista, íntegro e duro ____, induziu o governo brasileiro a dizer para os americanos mais ou menos o seguinte: “Vocês descobriram, pelas leis brasileiras vocês têm direito a requerer a pesquisa e a lavra, mas nós sugerimos que vocês se associem à Vale do Rio Doce.” Essa sugestão foi sabiamente aceita e formou-se, então, no início da década de setenta, uma associação da Vale do Rio Doce com US Steel. Nesse momento, eu fui convidado a vir para o Rio de Janeiro cuidar do assunto porto, com essa nova questão. E fui colocado num grupo cujo objetivo era fazer um estudo de pré viabilidade daquilo. Em Vitória, o falecido ex presidente da Vale, o Mascarenhas, Raimundo Mascarenhas, que tinha sido meu professor, me mostrou uma planta de 1971, da (USAF?), U. S. Air Force, Força Aérea Americana, da região da Amazônia, e ali em cima eles tinham desenhado as jazidas de Carajás. Eu olhei aquilo ali, quando vi aquilo, eu senti uma coisa estranha, eu senti uma onda de entusiasmo interior, uma coisa pouco explicável. Eu me senti tomado por uma emoção fortíssima, eu fiquei simplesmente encantado com aquilo, maravilhado: enormes reservas minerais no meio da floresta. Fiquei fascinado. E fui convidado, talvez por essa ___, também nunca manifestei isso, mas as emanações devem ser tão fortes que, de repente, eu recebo um convite para integrar esse grupo aqui, que ia fazer o estudo de pré viabilidade. Eu deixei um estilo de vida maravilhoso em Vitória. Eu morava numa casa enorme que eu tinha construído. _______________, está lá até hoje, gramado, jardins. Deixei aquilo tudo pra morar num pequeno apartamento aqui no Rio, com meus dois filhos pequenos, minha mulher, pra trabalhar nisso. Comecei a trabalhar. E aí foram anos. Nós acabamos e eu acabei ao final de quatro anos, cinco anos, chefiando todo o projeto. E aconteceram lances extraordinários em relação a esse projeto, porque, em primeiro lugar, não era mineral. Começou-se com manganês, descobriu-se essa serra de manganês, depois serra de minério de ferro, depois, logo ao lado, mais manganês, o chamado depósito do ____. Bom, eu me entrosei aqui no Rio, então fui colocado numa sala, entraram os americanos pelo outro lado, extremamente, o termo que ____ são arrogantes, senhores do mundo, do minério de ferro, a maior empresa siderúrgica do mundo, e nós junto deles ali. Uma grande arrogância, e começamos a trabalhar ________ no orçamento desse estudo de viabilidade. E, caminhando com aquilo, decidiu-se, os meus superiores... A Vale tinha como presidente o Mascarenhas, que era um homem extremamente inteligente, hábil, diplomático e íntegro. Decidiu-se criar ali uma empresa piloto de mineração. Foi criada a Amazônia Mineração, que cuidaria desse projeto. E a Amazônia Mineração, que deveria ser uma empresa pequenininha, e era, decidiu que a engenharia do projeto, os estudos, seriam feitos com um corpo de engenheiros da US Steel e da Vale e criaram, então, uma outra empresa de consultoria chamada Valuec, Vale and United States Steel Engineering and Consultants. Valuec tinha um escritório ali em frente o aeroporto Santos Dumont. E para lá eu fui para cuidar da questão porto. Um grupo de americanos, um grupo de brasileiros. Uma forte disputa pelo espaço o tempo todo e uma competição tecnológica onde eles se achavam os superiores e, nós, os seus, talvez, servos, creio eu. E nós começamos a trabalhar juntos. Foi uma experiência fantástica essa. Porque assim que eles foram visitar o Porto de Tubarão e eles viram o Porto de Tubarão, eles ficaram boquiabertos com ele. Voltaram de crista caída.
P/1 – Eles não conheciam?
R – Não. Voltaram... Mudou o diálogo.
P/2 – Começa por aí o problema, eles não conheciam o Porto de Tubarão.
R – Mas foi uma coisa visível. Fizemos uma viagem com eles pra Tubarão, eles olharam aquilo, voltaram, mudou. Depois foram às minas de Itabira, viram tudo funcionando da melhor maneira possível. Aí começaram a encontrar coisas que eles não conheciam e não usavam. Por exemplo, esse instrumento que nós utilizávamos, eu particularmente usava muito, de pesquisa operacional, isso eles conheciam pouco ou não conheciam. Então começaram a ver coisas que eles não conheciam. Depois, junto a área ferroviária da Vale, que, em termos de arte ferroviária, chegou a extremos extraordinários. Em cima de uma linha de tora de um metro, ela conseguiu verdadeiros milagres. Esses trens hiper longos com alta potência de tração, cargas enormes numa ____ estreita funcionando à perfeição. Eles, quando viram aquilo, mudaram completamente. O ambiente dentro do escritório... E começamos a desenvolver o projeto. E aí surgiram uma série de situações muito interessantes. A primeira, que eu me lembre assim, houve desde o início essa disputa entre americanos e brasileiros, que acabou se refletindo muito na forma pela qual o projeto foi se conduzindo daí para diante, apesar de eu, pessoalmente, fazer sempre um enorme esforço para que aquilo fosse uma equipe única de americanos e brasileiros, as tendências divergentes eram muito fortes e constantes ali dentro. Inclusive, às vezes, gerando inimizades entre pessoas, e que eu procurava cimentar sempre, porque não era por ali que passaria nem solução, só problemas. Foi um trabalho dificílimo que eu exerci o tempo todo.
P/2 – Qual língua se conversava?
R – Nós queríamos falar em inglês. Nós queríamos. Eles talvez quisessem falar em português, eu não sei, eu não perguntava. Mas nós queríamos nos expressar em inglês, de maneira que não era uma questão de ninguém impor nada a ninguém. O projeto, ele passou em determinado momento... Bom, começamos a estudar o projeto. A parte de porto era crucial, porque a mina era fixa, estava lá naquele ponto do mapa. Mas onde faria o porto? Podia desde a foz do Rio Pará até São Luiz ou abaixo. E eu, então, constituí uma equipe pequena para decidir onde seria esse porto. E começamos a vasculhar aquela costa toda, desde a foz do Rio Amazonas até o estado do Maranhão. E eu selecionei ali umas oito ou nove posições possíveis para portos.
P/1 – A primeira grande solução estrutural tinha que ser o porto? Essa era uma decisão chave?
R – Tinha. Chave. Especialmente chave, porque de Carajás, se você pegar um compasso e traçar um arco, praticamente esse arco cobre a costa. Então as distâncias eram muito pouco diferentes de um ponto de porto para o outro. Então o peso da ligação ferroviária ou hidroviária... Hidroviária seria apenas uma, impossível, tinha que fazer Tucuruí e outras barragens e até hoje ___ navegar, mas estudamos o Rio sim. Mas como era um arco, mais ou menos os portos eram equidistantes das possibilidades de porto do ponto, das minas, da organização das minas. Então a responsabilidade era escolher um porto bom. Eu elegi oito oportunidades, estudamos as oito, descartamos seis e nos concentramos muito em duas. Uma na foz do Rio Pará e a outra na Baía de São Marcos, no Maranhão. E aí eu percebi que o problema ia sair da área técnica. Não é que ele ia sair da área técnica, ele ia entrar num componente político pesadíssimo, e que entrou imediatamente. O estado do Pará queria o porto lá, o Maranhão nem se manifestava, mas o Pará era muito agressivo. Então eu montei uma equipe pequena, mas eu chamei a maior autoridade de hidráulica costeira no mundo na época, ou uma delas, professor (Johnson?), da Universidade de Berkeley, que já era meu conhecido, já tinha trabalhado comigo em Tubarão. Coloquei na equipe o (Johnson?); um geólogo brasileiro muito conhecido, geotécnico competente na época, Jaime Branco; e o Vitor Freire Mota, que era a maior autoridade brasileira em hidráulica costeira. Contratei os três e pedi aos três relatórios independentes sobre as duas posições. Eu já tinha minha posição pessoal. ____ os três relatórios, demonstrando que lá pela Foz do Amazonas, onde havia profundidade... Bom, antes disso, eu tinha fixado o tamanho do navio, seria de trezentas, 350 mil toneladas, nessa faixa. Igual ao de Tubarão, porque aquilo já era um limite, o estudo já estava feito. Os americanos concordaram com isso, examinaram aquilo e acharam que estava bom o tamanho. Então nós, com esse tamanho de navio, com o calado que ele demanda, selecionamos essas oito posições.
P/1 – Essas oito posições já foram selecionadas em cima dessa carga?
R – Desse grande navio, era uma condicionante básica. Além disso, eu queria águas abrigáveis, boas áreas, para as instalações terrestres, não seria o problema.
P/2 – Isso que configura um porto bom?
R – Um porto bom...
P/1 – Esses aspectos aí?
R – Boa profundidade, áreas abrigáveis, boas áreas adjacentes, que permitam bons acessos, desenvolvimentos colaterais. E, pela responsabilidade da questão, nós estudamos a fundo a foz do Rio Pará, que é um braço do Amazonas, junto ao mar lá na ponta, a fundo aquilo e a fundo a Baía de São Marcos. E apresentamos a nossa solução. Cassamos isso com ferrovias, os investimentos eram equivalentes para as duas por causa dessa equidistância, praticamente. Nós, então, apresentamos a solução escolhida, que seria São Luís, Ponta da Madeira. A outra foi descartada, porque apesar de ter profundidade e ser abrigável, os volumes de movimentação de areia e sedimentos do fundo são monumentais naquela região do Porto. As ilhas se transformam gradualmente com o tempo. É a descarga do Rio Amazonas, então os canais variam. Então não se poderia garantir que um porto feito numa posição ia manter profundidade, por exemplo. E, se começasse a perder, os volumes transportados são fora de qualquer dimensão normal, é impossível você dragar aquilo e manter aquilo na profundidade naquela posição, economicamente. Além do mais, isso já era um ponto contra essa posição. Como os investimentos eram equivalentes, São Luís ia apresentar uma outra vantagem, que eu coloquei como vantagem do projeto: o porto ia ficar junto de uma capital de um estado, dotado de comunicações, aeroportos, poder público, o que daria ao porto uma utilidade bem maior, porque ele poderia ser expandido para outras coisas e a ferrovia usada para muitas outras coisas além do minério de ferro. Então esse foi outro ponto, não quantificado economicamente no estudo de viabilidade do projeto, mas que eu coloquei como fator a ser pesado na decisão. Então a decisão de São Luís do Maranhão tinha a seu favor um porto de fundo estável, trinta metros de profundidade interna, tinha a seu favor as águas abrigadas, a proximidade com a cidade de São Luís, o que conferiria ao projeto da ferrovia utilidades muitas outras além de uma ferrovia exportadora simplesmente. Criaria ali em São Luís a base para muita coisa, aquela ligação com a Interlândia, uma cidade com empresários, com poder, ligada a uma ferrovia _____ grande é outra coisa, né? Então a Foz do Rio Pará não tinha nada, uma ilha isolada, como até hoje, na costa norte do Brasil. Bom, apresentada a solução, houve um clamor público alimentado pelo estado do Pará muito violento, o que tomou conotações de violência mesmo. Inclusive, movimentaram o meio político num nível tal que nós fomos acusados de termos escolhido aquela ferrovia para São Luís porque nós iríamos ganhar comissão na compra de trilhos. E nos acusaram disto e nos acusaram além deste absurdo de sermos entreguistas, maus brasileiros, sócios de americanos. E uma coisa desse tipo gerou uma CPI.
P/1 – Foi criada uma CPI?
R – Eu fui responder a essa CPI. O presidente da Vale foi convocado, Fernando Reis, na época, mas o responsável pela questão era eu. Eu fui responder isso lá, este absurdo. Bom, eu fiz uma apresentação completa do projeto, técnica, mostrando tudo. O presidente da comissão, que era o deputado Herbert Levy, pai do Luís Fernando Levy, da Gazeta ___, é deputado, ouviu aquilo lá. Lá para as tantas, ele abruptamente me interrompeu e encerrou aquilo ali.
P/1 – Acabou com aquela palhaçada?
R – Acabou com aquilo, aquela CPI e nos livramos daquilo. Mas pressão, pressão de imprensa. O que eles queriam, na realidade, é que nós saíssemos pelo rio com o projeto para o estado do Pará, pelo Rio Tocantins. Mas Tucuruí não estava pronto, ele não era navegável, até hoje Tucuruí não tem uma inclusa, o projeto não teria sido feito, simplesmente. Um absurdo e por aí é que a coisa terminou. Isso moveu, então, uma campanha de difamação constante contra o projeto, contra nós.
P/1 – Movida pelo estado do Pará? Pelas autoridades do Pará?
R – Movida por pessoas que se aproveitaram da situação para tomarem essa questão como uma causa e serem os promotores da causa, aparecerem nos meios de imprensa, enfim, serem até contratados como consultores _____.
P/1 – Mas esse debate político, a oposição, digamos, ao Projeto São Luís, além desse caráter do Rio Tocantins, eles tinham alguma outra defesa técnica? Não? Era uma debate puramente político da oposição?
R – Porque na parte técnica, quando eu fazia essa apresentação, eu estava coberto do que havia de melhor no mundo em termos de opinião. Eu não emiti uma opinião pessoal minha. Eu deixava falar, porque isentos não são empregados da Vale do Rio Doce, o professor Vitor Freire Mota, o professor (Johnson?) ____ relatório, Jaime Branco e eu fazia aceito aquilo o que as pessoas estavam dizendo. E mostrava, explicava, como professor de portos, o que estava acontecendo, os transportes, enfim. Aí ficava todo mundo parado. Acabava a parte técnica, aí vinha a calúnia de que nós tínhamos escolhido uma ferrovia para ganhar comissão na compra de trilhos. Os trilhos são da US Steel, que era nossa sócia. Troço maluco. Aí, bom, foi encerrado dessa maneira a questão CPI.
P/2 – Mas ficou circunscrito ali à região ou tomou todo o país?
R – Não, _____________ de engenharia aqui era toda hora. Tivemos uns dois debates, porque esta campanha foi movida por pessoas daqui do Rio de Janeiro, para o Pará. Tinha ampla repercussão. Além disso, antes desse fato, o presidente anterior da Vale, Mascarenhas, anterior a Fernando Reis, já tinha sido convocado, o que é natural, pelo Congresso para explicar o Projeto, explicar essa associação com a Vale, os americanos. Uma coisa sem lógica, já que os americanos é que descobriram aquilo, o próprio governo brasileiro que botou a Vale lá, quer dizer, melhorou a posição. Mas apesar disso, a Vale ainda era questionada, volta e meia, por ser sócia da US Steel, em um processo absolutamente ilógico. Enquanto isso, dentro da realidade do projeto, começou a acontecer o seguinte: no meio disso que eu estou falando, a presidência da Vale foi mudada. Geisel assumiu a presidência da República e trocou o presidente da Vale. O Mascarenhas foi substituído por Fernando Reis, que já morreu. Fernando tinha sido meu professor na (Cepal?), fiz um curso de Economia também, eu conhecia ele e ele gostava de mim, esse é um detalhe interessante. Nessa época, eu passei a chefiar todo o projeto. Eu fui gradualmente tirando todos os americanos engenheiros daqui, na base do questionamento da competência, em alguns casos, de pressão técnica, gradualmente eu fui tirando os engenheiros americanos daqui. E o Fernando Reis assumiu, num ambiente onde já tinha saído metade da equipe americana. Nós fizemos essas pressões internas, porém pressões que faziam sentido, tinham razão de ser. Eles iam saindo, porque não eram mais necessários, porque não eram adequados, nós já estávamos com um número pequeno de técnicos americanos aqui dentro. Mas aí, com essa substituição, a presidência da Vale sendo substituída, Fernando Reis tomando posse no lugar do Mascarenhas, num processo que o Geisel fez ser traumático, ele quis aplicar um castigo a Vale do Rio Doce por razões ligadas a pessoas, motivos pessoais. O ministro de Minas e Energia anterior, do governo Médici, era Antônio Dias Leite, professor, homem notável, respeitadíssimo, competente, sério, trabalhador. Antônio Dias Leite tinha sido presidente da Vale do Rio do Doce, depois ministro de Minas e Energia. E Geisel era presidente da Petrobras nessa época, subordinado ao ministro Dias Leite, e nas relações do Ministro Dias Leite com o presidente Geisel, surgiram, como presidente da Petrobras, uma série de tensões que foram traduzidas quando o Geisel se tornou presidente da República, numa espécie de devassa dentro da Vale. Porque Dias Leite era muito ligado à Vale, porque tinha sido presidente da Vale. Então o Geisel, a primeira providência ao assumir, foi mudar a cúpula da Vale toda. Mudou a presidência, todo mundo. Então as camadas hierárquicas foram sendo cortadas até parar sobre a minha cabeça, parar no meu nível. Quer dizer, no nível técnico. Aí fiquei eu, nesse momento, com toda a responsabilidade do Projeto nas minhas costas, toda.
P/1 – Cortaram todo mundo aí?
R – O Projeto ficou todo sob minha responsabilidade, e aquilo que já tínhamos conseguido nessa época, fixar a ferrovia, esse debate todo que está sendo conhecido. Tínhamos conseguido obter a concessão da ferrovia, que aí já fixa mesmo. __________. Depois a concessão pra fazer a ferrovia de Carajás a São Luís, quando acontece esse episódio. Entrou uma equipe nova para dirigir a empresa a nível de diretoria e eles, pela primeira vez, desceram ao nível dos superintendentes, nessa época. Veio gente boa de fora também, não estou... Mas havia esse clima de revanche do presidente da República em relação à empresa, num primeiro momento. Então muita gente boa teve que sair, o próprio Mascarenhas foi substituído pelo Fernando Reis de uma maneira pouco elegante. Não é culpa de um nem de outro. Foram as circunstâncias políticas que envolveram aquela questão na época. A empresa ficou bastante chocada com aquilo, preocupada, ____ o corpo técnico todo da empresa. E aí eu li na última página da revista Veja uma opinião que ela tinha, não sei se tem, eu li o seguinte: o compromisso que o Fernando Roquete Reis tem com as classes produtoras de Minas Gerais, é paralisar o Projeto Carajás, que é um Projeto que desvia recursos da empresa, do sistema Sul de Minas para outras regiões do Brasil. Artigo grande mostrando as razões pelas quais as classes produtoras de Minas tinham apoiado o Fernando Roquete Reis para aquela posição. Homem, aliás, extremamente inteligente, brilhante. Bom, eu leio isso, eu estou como responsável por todo o projeto, presidindo a Valuec, com americanos ainda a bordo lá, mas agora subordinados a minha pessoa. Eu leio aquilo e fico preocupadíssimo e continuamos trabalhando. Aí começaram a acontecer pressões, o que eu não entendia, eu procurava decifrar, contra o Projeto, ameaças... E um dia eu sou chamado a sala do Fernando Reis e recebo a seguinte instrução: demitir todos do Projeto e encerrar o Projeto. Eu fiz que não ouvi aquilo, porque ele não colocou por escrito. E deixei passar algum tempo e cheguei de novo e falei: “Presidente – um teste – o que é melhor para o Projeto, na sua opinião, uma hidrovia ou uma ferrovia?” Ele olhou pra mim e falou: “Nenhum dos dois.” Bom, nesse meio tempo ele criou com os americanos, com a cúpula do US Steel nos Estados Unidos, os maiores atritos, provocou duros atritos, impasses, e, nós aqui na engenharia, continuamos trabalhando, desenvolvendo o Projeto. Mas esses impasses que ele provocava foram criando um mal estar nos americanos muito grande. Em determinado momento nós detectamos numa parte da US Steel uma má vontade em relação a construção da ferrovia. Eu detectei isso da parte técnica, de engenharia, quando nós tínhamos já o orçamento completo do Projeto. A ferrovia ia custar metade do Projeto. Um Projeto de três bilhões de dólares, a ferrovia custaria um bilhão e meio. Então, lá pelas tantas, um diretor da engenharia da empresa de Pittsburgh me diz o seguinte: “Não é razoável que a US Steel invista um bilhão e meio de dólares numa ferrovia que vai servir para outras finalidades além do transporte de minério de ferro.” Para encurtar bem a coisa: “Vocês façam a ferrovia e nós ficamos sócios da mina e do porto.” Bom, aí casou a fome com a vontade de comer, o Fernando querendo paralisar o projeto e os americanos não querendo fazer a ferrovia. Aí nós entramos com uma estratégia nesse meio que foi a seguinte: tirar os americanos. E aí eu consegui incentivar um movimento que era o seguinte: conduzir o governo a dar um xeque mate. Xeque mate seria: ou construam a ferrovia ou saiam do projeto. Era esse o xeque mate. Toda a questão foi encaminhada para esse lado. Este foi o assunto a ser tratado central daí pra diante. Novas reuniões em Pittsburgh, reuniões aqui, reuniões cá, ali, pressão – aí, nossa, né? “Queremos começar a ferrovia, queremos começar a ferrovia.” E pressão pra cá e pressão pra lá. Bom, aí eu falo o seguinte: “Se nós não começarmos a ferrovia agora, pelo trecho que sai de São Luís para o interior, que atravessa um mangue de quase oitenta quilômetros, se não começarmos agora a construir esse trecho de mangue, essa ferrovia não vai atender aos nossos prazos, porque esse trecho vai demorar muito tempo a recalcar e se estabilizar. Então, temos que começar agora.” Um argumento tecnologicamente falso, porque era uma forma de se apressar isso. Falso, mas esse virou o argumento. E eles: “Então botem o dinheiro.” “Botem vocês o dinheiro e nós, meio a meio.” Eles não botaram o dinheiro. Aí o Fernando nos autorizou a fazer tudo sozinhos, criando aquela confusão. Nós pegamos ____, fizemos uma concorrência e começamos a fazer sozinhos aquele trecho, então ficou uma situação absolutamente impossível e insustentável. Um sócio querendo fazer uma ferrovia de um bilhão e meio de dólares, botando dinheiro sozinho na sociedade, como é que fica a outra parte? Extremamente enfraquecida. E aí agravou-se a situação. A US Steel, irritada com o Fernando Reis, vendo a Vale, por um lado, botar dinheiro pra fazer aquilo ali daquele jeito antes de eles se decidirem. Reuniões em Pittsburgh, reuniões no Brasil, finalmente uma convocação do Geisel a eles. O Geisel convocou-os para uma reunião em Brasília que ia ser presidida e foi pelo ___, e foi uma reunião interessantíssima. Vieram de Brasília, nós fomos do Rio, chegaram num avião especial deles, pousaram era um _______ de última geração. Desceram de dentro o presidente da US Steel, diretoria toda, e até retroprojetor. Entramos numa sala com o ministro, eles estavam com o retroprojetor deles, ligaram na tomada tudo e fizeram uma apresentação sob o ponto de vista deles do Projeto, que no fundo, no fundo, era esse: “Vocês fazem a ferrovia e a gente fica sócio no minério.” Aí o ___ foi brilhante no que falou. Ele falou com postura, com competência verbal e lógica, em nome do Geisel, ele falou, sintetizando, o seguinte: “A Vale precisa iniciar essa ferrovia agora. A vocês, portanto, cabe duas opções: terem os direitos de lavra cassados por não cumprimento de prazo ou venderem a parte de vocês para a Vale do Rio do Doce. Pelos custos já gastos. À custo.” Falou assim, mas falou elegantemente, de forma bem sintética, eu estava presente nessa reunião, eu fiz até uma minuta de ata. Achei aquilo interessante. Correto. Eles ouviram aquilo: “Obrigado, boa tarde.” Foram para o aeroporto, pegaram o avião, sumiram daqui.
P/1 – Não tiveram nenhuma reação imediata ali?
R – Nenhuma.
P/2 – Só me esclarece uma coisa, eles perdiam os direitos de lavra se não cumprissem, isso estava no contrato?
R – Duas opções... Pelo seguinte, a lei brasileira dá prazo. Você acha uma jazida de alguma coisa, daí pra diante a jazida não é sua, você é concessionário da jazida, você tem prazo para pesquisar e dizer o que ali tem. Segundo, um prazo pra começar a lavrar. Se você não cumpre, volta, a propriedade é do governo. Volta, você sai como concessionário, o governo pode fazer o uso que quiser daquilo. Abrir concorrência, ou... Ele colocou diante dessas duas: ou a lei, ou a venda à Vale. Aí, eles sumiram e vieram na próxima reunião negociar. Aí, quando veio com uma negociação, foi pago cinquenta milhões de dólares pelo custo do que eles tinham colocado aí e nós ficamos senhores de cem por cento do Projeto Carajás.
P/1 – Mas esse negócio da ferrovia era quase um boicote, na verdade, ao Projeto todo, ou não? Ou era interesse deles mesmo em não participar?
R – Não. Interesse no minério eles tinham, mas era um bilhão e meio de dólares e eles não quiseram botar. Eu começava a ouvir histórias ________ está ___ de mais, tem os índios, tem a floresta, isso, riscos. Riscos de não sei o que, riscos daquilo, enfim. O fato é que eles, diante de um bilhão e meio, saíram do Projeto da ferrovia. Se a ferrovia fosse em cima do mar, ali, ____________, se a jazida fosse junto do porto, sem a ferrovia, eles não teriam saído desse projeto. Esse Projeto simplesmente atribuiu ao Brasil, descoberto por eles a jazida, pelo (Radam?) e depois pelo... Eles descobriram. Mas deu ao Brasil uma posição absolutamente ímpar no mundo em termos de minério de ferro. Nós temos, sabe-se, já se falou aqui, muitas pessoas já falaram sobre isso, são dezoito bilhões de toneladas de teor altíssimo, ___, um minério fácil de extrair na superfície, inesgotável. O Brasil tem uma posição hegemônica no mundo em termos de minério de ferro, de onde o risco que se correu ao se privatizar a Vale do Rio Doce. É, eu escrevi um grande artigo aí, foi até O Globo que publicou. Essa é uma outra questão, um pouco posterior. Agora, voltando a essa reunião do ___.
P/1 – E pra Vale era fundamental explorar Carajás? Naquele momento já tinha essa percepção?
R – Não. Dentro da Vale havia o seguinte, nesse momento: o compromisso de um presidente de não fazer o Projeto, que o levou a ações que foram acusadas pra tirar os americanos. Então agora a Vale ficou sozinha tomando conta do Projeto.
P/1 – Contradição. Foi pra acabar o Projeto...
R – Aí nós começamos a jogar um jogo complicado lá, de pôquer e de xadrez, fingindo que não estou ouvindo, por um lado. Bom, não adiantava ele dar uma ordem para demitir todo mundo, porque tinham americanos lá dentro. Então era uma ordem que a mensagem era a seguinte: “Dê um jeito nisso aí.” Bom, os americanos saíram. Deve-se a essa atitude de agressão do Fernando Reis, associada ao fato de que não queriam fazer a ferrovia mesmo, e essa “mentira” de que era preciso fazer logo os oitenta quilômetros e que gerou um fato terrível: um sócio fez os oitenta quilômetros e eles não fizeram. Aquilo foi o divisor de águas. Aí o Projeto ficou dentro da Vale com o Fernando Reis, sem americano, e eu na frente do Projeto. Mas aí... Eles estavam mandando os recursos para manter as coisas lá, ele nunca cortou os recursos, o Fernando, porque seria um ato de uma violência. Não podia ser por aí. E depois, também tinha uma outra coisa. Eu percebi, homem inteligentíssimo aquele, jogador de pôquer, eu percebi que ele passou a gostar do Projeto. No fundo, eu percebia que ele gostava do Projeto. Eles não podiam dizer isso pra Minas Gerais. Foi uma passagem, um período interessantíssimo pela riqueza de situações que nós vivemos.
P/1 – Quer dizer, essa pressão de Minas, a Vale era muito mineira também, né?
R – É mineira. Ela não é muito, não, ela é mineira. Naquela época era mineira mesmo. Mas ele gostou. Era um homem inteligentíssimo. Bom, aí fiquei eu, o Projeto e a Vale. Aí aconteceram várias coisas. Menores, mas graves. O grupo ___ da Vale de técnicos fez um estudo em Vitória mostrando que Carajás era desnecessário. E apareceu uma coisa suspeitíssima. Pela primeira vez, nós explicitamos o tamanho das reservas da Vale aqui no Sul, que era pequeníssima. Pela primeira vez dentro da Vale. Porque não se falava isso dentro da Vale. Era muito pequena.
P/1 – Isso foi quando?
R – Isso aqui foi 1978, 79. Não se falava nisso. Nós explicitamos isso. Como esse Projeto não é necessário se as reservas são tão pequenas assim? O que está por trás dessa afirmação de que esse Projeto não é necessário? Cadê o minério da Vale? Quem levantou isso fomos nós, diretamente. O grupo que estava com o Projeto Carajás. Na verdade, o meu grupo.
P/1 – Por que não se falava isso ____?
R – Não se falava. Como? Por que? Onde? Quando? Mas é... Aí o grupo interno da própria Vale contra esse projeto montou aqui nas paineiras um seminário de três dias para discutir o Projeto. E nós entramos naquilo como réus num tribunal, pré condenados. Nós, um grupo lá de engenharia, ___, ficamos três dias aqui dando explicações pra toda a Vale sobre o Projeto, sobre tudo. Sobre o tamanho do engate do trem, o tamanho da roda, o tipo de trilho, tudo, pra nos pegarem e derrubar. Não conseguiram, nós passamos pela sabatina aqui. Nós alugamos o Hotel Paineiras e passamos por isso, porque o nosso pessoal da equipe que trabalhava comigo, Maria de (Lourdes?), Zé Raimundo, cada um deles fazia a explicação da sua parte de uma forma tão profissional, tão completa, que era inatacável. Inclusive, quando chegava na questão das jazidas, não tinha resposta. Cadê as reservas de minério de ferro do Sul, que estavam há pouco tempo na... Uma coisa estranhíssima. Mas a gente não diz isso pra uma câmera, a gente sabe porque essas coisas acontecem. Eu sei, a história é suja. Mas acontece que... Bom, esse era um deles. Aí eu estou olhando aquilo, oitenta quilômetros de ferrovia prontos. O projeto, eu era apaixonado pelo projeto, uma coisa fabulosa, era o destino do minério do Brasil, do mundo. Era melhor que isso, era o mercado mundial de minério que nós estávamos olhando na nossa frente. Aquela ferrovia toda projetada, cruzando Tocantins, tudo pronto. O projeto dos píeres, tudo completo, viabilidade, o minério que os americanos, conosco, pesquisaram a fundo, estavam bem testadas aquelas jazidas. Amostras mandadas para ____ do mundo todo, voltando aqueles boletins, uns dos melhores elogios pela qualidade do minério. Um negócio assegurado, o porto solidamente selecionado num lugar ótimo. Está lá hoje, operando navios de trezentas mil toneladas, junto de São Luís. Tudo aquilo e aquilo parado. Por causa dessa reação interna. Aí eu fiz o seguinte, falei: “Como é que eu vou sair disso?” Aí disse para um diretor, meu amigo na Vale, meu amigo no Carajás, Costa e Silva: “Costa e Silva, vou fazer um lobby político nesse projeto. Farei um lobby político nesse projeto.” E o presidente... Tinha uma estrutura paralela que era a Amazônia Mineração. Tinha um presidente que era o Euclides Trichês e alguns diretores. Eu era o diretor desse projeto, diretor da engenharia, ela estava comigo, esse projeto. Mas Trichês, que tecnicamente era meu chefe, já morreu, tinha sido governador do Rio Grande do Sul, era um político e coronel, era sujeito muito íntegro, corajoso e duro, e nacionalista, num sentido bom, em termos _______, sempre é bom em me atender. E Trichês, eu falei isso, falei pra ele: “Vou fazer uma pressão intensa política por esse projeto.” Ele viu aquilo e ficou calado. Eu, então, interpretei como... Era um homem muito importante ele, porque era unido com o pessoal do Geisel e, portanto, ele daria proteção a o que eu fizesse, me garantiria um espaço. E esse espaço foi o seguinte: eu procurei todos os políticos possíveis e um deles foi o Senador Sarney. Cheguei para o Sarney e expliquei o projeto ao Senador, que não o conhecia.
P/1 – Não conhecia?
R – Não.
P/1 – Ele já era pelo Maranhão?
R – Não conhecia. Conhecia assim, marginalmente. Procurei instruir o Senador em inúmeras reuniões. ______. O Senador ficou encantado com a ferrovia, cruzava o estado do Maranhão todo, ia desenvolver o estado. E o Senador Sarney comprometeu-se a vender o projeto para o futuro Presidente da República, que ia mudar, ia ser o Figueiredo. E o fez. Ele explicou o projeto para o Figueiredo, minuciosamente, através de vários documentos que eu preparei. Aí muda o governo. Muda o governo, primeira providência do Figueiredo: mandar a Vale fazer o projeto e acabá-lo no seu mandato. Porque a ideia que foi colocada foi a seguinte: seria o projeto – colocada por Sarney, junto a ele – que poderia... O grande projeto que ele poderia começar e terminar dentro do mandato dele. Isso aconteceu. Ele mandou a Vale fazer o projeto, o projeto foi completado dentro dos parâmetros que foi concebido, sem nenhuma surpresa de preço, de custo, de prazo, nada. Como foi previsto. E está lá e foi a salvação da Vale do Rio Doce e foi aquilo que fez o Brasil conservar a sua posição e ampliá-la no mercado mundial de minério de ferro. Agora passou por essas vicissitudes todas. A gente podia ter acabado _____, nesse período, por essas várias razões. Ou se atrasado de tal maneira que não teria sido feito. Se perdesse cinco, seis anos, ele não teria sido feito. Inclusive porque privatizaram a Vale agora, imagina. Empresa privada fazer aquilo.
P/1 – Não faria de jeito nenhum?
R – De jeito nenhum. Tanto que _____ não quis fazer. Aquilo só foi privatizável porque aquele projeto já estava pago e existia.
P/1 – Desde que vocês estavam montando o projeto, de viabilidade, quer dizer, pensando a questão da engenharia, tal, ___ comentou da sua equipe ____, já tinha a preocupação ecológica? Isso tudo já estava ali naquele momento ou não?
R – Eu até vou contar aqui um episódio interessante. Eu levei para sobrevoar o projeto um general inteligente e muito importante, o general Ivan de Souza Mendes, ele era assistente pessoal do General Geisel, um homem culto, correto e íntegro. E, por essas razões, por sabê-lo assim, de referências, eu comecei a voar sobre a linha de Carajás, tinha uns oitenta quilômetros feitos, então começamos o vôo de São Luís pra lá. Duas pessoa no avião, eu e ele. Eu estava mostrando a ele aquilo tudo quando: “Veja, senhor, nós vamos fazer aqui nessa ferrovia um porto, uma cidade, troncos de microondas, aqui, e tudo isso vai ser pago pelo minério de ferro. Essa região toda que nós vamos abrir dessa forma ao mundo, poderá abrigar, se nós fizermos um planejamento em torno dela, milhões de famílias de agricultores. Nós poderemos planejar aqui em torno, já que essas terras são vazias, comprar do seu eventual dono, ou são devolutas de governo, e fazer aqui um país agrícola num primeiro momento, e mineral, metalúrgico num segundo. E, nesse momento agrícola, enfim, deslocar pra cá algumas milhões de famílias de agricultores para começar aqui um projeto gigantesco, porque tem transporte barato, tem porto, tem tudo.” E eu acho que eu fui infeliz na minha conversa, porque lá para as tantas, eu falei: “Isso aqui poderia ter características de Kibutzens cooperativas.” Mas eu não tinha bem uma ideia do que era um Kibutz, só conhecia a palavra. Não sabia que era uma vida comunal, comunista, onde tudo é de todos. Aí ele falou: “É, tudo bem, mas...”
P/1 – O general arrepiou até as estrelinhas.
R – “Mas, nós só podemos falar disso aqui dentro desse avião, porque lá em baixo, vão dizer que nós somos comunistas.” Eu fiquei estarrecido com aquilo. Porque a ideia que eu tinha era dar um jeito de conseguir... Eu pensei uma coisa exagerada, cem quilômetros de faixa em torno daquela ferrovia reservado para essas coisas. Nos deram um mínimo ______, estreitinha ali, alemã. Agora, lá pra Carajás, eu consegui aquele quadrilátero, nova mentira. Ali tem um quadrilátero gigantesco, não sei se é, não me lembro mais, parece que é quarenta por cinquenta quilômetros que eu menti de novo, disse que aquilo seria absolutamente essencial ao suporte de operações da mina. Claro que não era. A ideia era pegar uma área ali e proteger a floresta _____. E conseguimos a duras penas obter aquilo do governo, como uma concessão também. Não me lembro mais qual foi o regime, mas foi complicado. Doutor Luís Costa e Silva participou muito disso, aquele diretor lá da Amazônia, entusiasticamente, conseguimos aquilo ali. Então era quarenta por cinquenta quilômetros. Parece, disse a revista Veja recentemente, que é a única área de floresta que restou lá.
P/1 – É a única área, a gente voltou de lá agora.
R – É único. E um crime foi cometido aí, se instalaram usinas de gusa na região. Aquilo é um crime. Na época eu escrevi um artigo para o Jornal do Brasil botando assim: “Amazônia Adeus.” Falando dessas coisas. O gusa não estava lá ainda. Mas eu já tinha observado o seguinte: quando eu voava de São Luís para a Serra dos Carajás, quando eu estava selecionando o porto, eu voava em cima de região virgem, eram oitocentos quilômetros em linha reta, virgens. Se saía de São Luís, São Luís tinha uma característica muito interessante, era uma cidade desconectada de uma interlândia, era uma cidade, uma ilha. Tinha uma estradinha ligando aquilo até Imperatriz, lá no fundo, uma estrada esburacada, em alguns pontos não estava nem pavimentada totalmente. E entre São Luís e Imperatriz não tinha nada, e aquilo enorme. Então São Luís estava ligado por avião a outros lugares, era um lugar desconectado de uma interlândia. Então, voando de São Luís para Serra de Carajás, era um terreno virgem. Era tudo vazio, você encontrava alguma coisa no cruzamento da Belém-Brasília, tinha a Sailândia, que era um vilarejo mínimo. Dali, Marabá, uma cidadezinha, e a Serra Norte. Tudo coberto de mata, ____, Baixada Maranhense, é aquele tipo de vegetação de baixada, que é uma espécie de cerrado, vegetação rasteira de babaçuais, depois entra no vale do Rio Pindaré já começa a crescer a floresta, depois é floresta Amazônica, dali até as margens do Tocantins e além. Bom, eu passava e via aquilo tudo. Aí nós definimos o eixo ferroviário, São Luís-Serra Norte. Isso passou ao conhecimento do público e eu estou volta e meia voando ali em cima, a trabalho, e um dia eu percebi, pela primeira vez, uma enorme clareira. Eu fiquei admirado. Depois eu passei, seis meses depois, tinham muitas outras clareiras enormes. Eu fiquei escandalizado e assustado com aquilo. Tempos depois, voando em cima, eu vi um incêndio, eu estava sem uma máquina fotográfica, era uma coisa tão violenta. Nós estávamos voando a cinco, seis mil metros, era um jato, aquilo ia além, parecia um cogumelo atômico, uma coisa assim, estúpida. Uma queimada na região foi feita. A Volkswagen fez uma queimada lá séria. Absurdo o incêndio que foi feito ali pra limpar a área. Tudo em volta do Projeto. Mas voltando ao ponto que eu estava, eu comecei a perceber que tinham umas clareiras surgindo. O que fazer, né? Preservar cem quilômetros, não pode. Fiquei desorientado. Estimulei o Jornal do Brasil a ir lá e fazer uma enorme reportagem. Até nessa época, Lurdinha... Conversei muito com Lurdinha, Lurdinha levou gente lá. E eles fotografaram à beça, saiu uma página inteira no Jornal do Brasil sobre isso aí. Nada adiantou. Em seguida, nós abrimos uma estrada. Eu contratei a estrada que liga Marabá a Serra Norte, porque era uma ponte aérea que havia ali. Aquela estrada foi construída. Quem ganhou a concorrência foi a Camargo Corrêa, que fez a estrada lá. Era caríssimo todo o abastecimento de tudo lá, pegamos um DC3 antigo, alguns aviões que eram do tempo da US Steel, que montou uma magnífica operação logística aérea, fantástico aquilo ali que a ____ montou, né? Helicópteros, três helicópteros e dois DC3, mas enfim, uma beleza, tudo funcionando. Mas aquilo tudo era caríssimo. Como foi feito, então, a rodovia ___ esse custo enorme? E eu fui lá receber. Quando ficou pronta, fui lá receber a obra. E, um dia lindo, comecei a caminhar pela estrada, _____ pavimentada e quando olho assim pra floresta, dos dois lados, comecei a ver umas tabuletas nas árvores, aí eu desci. _____ olhei a tabuleta, estava ali o nome: “Propriedade da…” não vou citar pra não falar mal dela, da firma que tinha feito o projeto, que eu tinha contratado para projetar a rodovia. Eu fiquei indignado com aquilo. Eu fui ver, ela tinha requerido aquilo tudo. Eu aí voltei para o Rio, conversei com o nosso serviço jurídico para tomar uma providência contra aquilo, aquela grosseira quebra de ética profissional. E não tinha jeito, eles já eram donos daquilo.
P/1 – Já tinham assumido tudo?
R – Assumido, já tinham as escrituras, tudo, já tinham assumido aquilo. Eu, então, num gesto inútil e patético, decretei a empresa (“Persona non grata”?) no Projeto Carajás e num gesto mais patético ainda proibi a entrada de qualquer funcionário executivo no edifício. Eles devem ter achado muito engraçado tudo isso, né? Devem ter comemorado isso na floresta. (risos)
P/1 – Queimando árvore.
R – Bom, voltando a questão ambiental. Aí, o que aconteceu? Como tem minério correndo, permitiu-se, eu vou deixar _____ pessoal, a construção de usinas de gusa. Deviam ter proibido. Quer dizer, a empresa devia ter dito o seguinte: “Não vendo minério para quem faz gusa aqui.” Isso não aconteceu, não. Permitiu-se o desenvolvimento do gusa. O gusa come hoje quarenta mil hectares de mata por ano. Aquele gusa que dá emprego, já criou um problema social, dá emprego a milhares de pessoas, carvoeiros, inclusive. Devorando a floresta. É como estar alimentando literalmente, usando a expressão de um dos executivos da Vale, “jacaré com filé mingnon.” Eu, pra fabricar um produto de valor baixo, uma matéria prima que é um gusa, um minério mais reduzido, pra falar mal dele, eu vou queimar árvores! __________ inteiros! Pra fazer uma porcaria. Tem um conceito que é o de riqueza integral nacional de um país, esse é um conceito interessante e real, que a soma da riqueza física, o PIB, com o valor dos seus recursos naturais e a qualidade do seu meio ambiente e o valor das pessoas, a qualidade das pessoas desse país, a soma disso é igual a riqueza nacional do país, o que é óbvio, é por aí que passa. Pois nós, nesse caso aqui, pra produzir um bem que é o gusa, estamos destruindo algo mais valioso, que é o meio ambiente. Nesse caso, nós estamos subtraindo da riqueza nacional ____. Um estudo visto recentemente, desses que existem, mostra o seguinte: nos anos passados, aí há pouco, a África teve a sua riqueza nacional, riqueza regional, reduzida quinze por cento ao ano. Porque a saúde deles está indo para o brejo, guerras, meio ambiente destruído, e o crescimento da América do Sul foi negativo. Não foi quinze por cento, mas não foi positivo. Então, quando se diz que o PIB está crescendo três ou quatro por cento, vamos ver, somar essas outras coisas e ver se realmente isso está acontecendo, se a população está sendo melhor educada, crescendo em termos de qualidade. O país é feito de gente, dependendo da qualidade das pessoas, o país é de um tipo ou de outro tipo, não é isso? Uma tribo de índio é de um tipo, tecnologicamente, completamente diferente de uma tribo de professores de Harvard. Tudo é gente. Mas qual a diferença entre os dois? Esses são professores de Harvard e esses têm a tecnologia da idade da pedra. E como inteligência é o que vale no mundo de hoje, principalmente, você tem que ter o maior cuidado com esse lado da riqueza nacional, que nós temos pouco. E meio ambiente. É a água, é a madeira, é clima, minérios, energia. Isso tudo tem um valor enorme. E os que querem desvalorizar o Brasil dizem que isso não tem valor. Tem muita gente que fala isso: “Tamanho, pra que tamanho? Pra que não sei o que? Isso é horrível, é grande demais.” A gente ouve essas bobagens. Tamanho é documento, riqueza natural é documento. Agora, queimar a árvore pra fazer ferro gusa é um absurdo. Já foi criado e criou um problema social. Tem que ser resolvido. E pode. Vamos plantar árvores agora para alimentar o gusa. “Ah, mas se plantar a árvore, é cara demais essa árvore para alimentar o gusa. Não dá pra vender o gusa.” Vamos inventar maneiras, dar um jeito de vender gusa. Vamos bolar tecnologia ou incentivar a ____. Vamos fazer o seguinte: pra não destruir a floresta, eu isento de imposto esse gusa. Pronto. Faço o seguinte: eu incentivo quem fizer plantio de árvore, não paga imposto de renda. Porque eu estou tendo um lucro por outro lado. Mas para você ter esse tipo de ideia, é preciso você ter uma mente muito mais ampla do que essa mente estreita: “Me dá o imposto agora.” Tem que pensar em termos integrais, o que não é feito nesse caso. Então esse absurdo está lá.
P/1 – Essa ________ do desenvolvimento sustentável é um pouco isso?
R – Desenvolvimento sustentável é isso, é olhar a coisa sob esse ângulo. Exatamente sob esse ângulo. E é curioso, dada a velocidade com que esses processos de degradação se manifestam, como esse caso que nós estamos falando, acabou, isso que eu vi acabou. Sobrou um quadrado de floresta que, eu, com pouquíssimo poder lá, como funcionário da Vale do Rio Doce, consegui a duras penas preservar. Foi o que sobrou. Quer dizer, esse processos são poderosíssimos. Esses destrutivos. Então, se eu não freio, o prejuízo é rápido e a curto prazo. Não é coisa com a qual se brinque. Então a questão ambiental lá tem esse câncer comendo a floresta, que é fruto desse projeto. Não é pra isso que foi feito. Foi um desvio grosseiro de rota.
P/1 – Porque o controle ambiental naquele momento existia, não se previa o que ia acontecer ou não?
R – Não, isso tudo é cinismo.
P/1 – Cinismo?
R – Ué? As florestas aqui do Sul não foram todas devastadas pelos polos de gusa aqui do quadrilátero ferrífero? Isso aí é mais do que conhecido. O polo de gusa do quadrilátero ferrífero colhe madeira, ou colhia, a mil quilômetros de distância. E é um tipo de atividade terrível, porque qualquer madeira serve, corta tudo. Então, enquanto a gente está falando de salvar a Mata Atlântica, tem gente no escuro cortando árvore, botando em caminhão e queimando aqui. Eu não sei se já acabou. Já deve ter acabado o combustível, foram pra lá. Estão lá. Eu estou aqui pra registrar pra câmera, isso não é pessoal, tem muitos amigos meus aí que devem estar envolvidos nessa operação do gusa, é apenas uma disfunção. Talvez as pessoas tenham feito isso até sem pensar, né? Dessa forma integrada. Precisam ganhar a vida. Mas a Vale poderia ter dado uma: “Não, minério para isso, não tenho.” Ou tem pra outros processos, auto sustentáveis. Gusa auto sustentável, dá um jeito aí: “Vamos bolar uma maneira de fazer um gusa auto sustentável, vamos fazer com que o governo volte a incentivar.” Incentivar é dar incentivo para as pessoas plantarem árvores, para salvar, pra não comer a Floresta Amazônica. “Vamos fazer uma vasta plantação de madeiras de crescimento rápido, eucalipto, ou o que seja, em volta dessas usinas, incentivado.” Como a Belgo Mineira fez aqui no Sul, que é uma empresa que cuidou disso decentemente e é antiquíssima, e ela plantou. A Acesita também, plantaram vastas florestas de eucalipto, porque consumiam madeira no seu processo siderúrgico. Isso tem que ser feito lá e tem tempo, né? Bom, sempre há tempo de se melhorar as coisas.
P/1 – E ações externas, haviam antropólogos, ambientalistas? Em relação ao projeto, nesse período, nem se vazava a público isso?
R – Não, não. O que houve foi pressão do governo americano para não se fazer o projeto. Senadores junto ao Congresso Americano pressionando o Banco Mundial para que não emprestasse dinheiro ao projeto. Isso houve, porque eles viam como uma ameaça ao aço americano. O Brasil ser poderoso em aço, ainda tinha essa noção de que aço era poder, naquela época. Hoje poder é chip, é silício, software. Naquela época, ferro, aço. Eles tinham essas ideias da Segunda Guerra Mundial. A gente dá risada agora. Agora, como salvar a Amazônia de lá pra cá, eu continuei com... Eu trabalho nessas linhas. Sempre. Dali eu passei pra ferrovia Norte-Sul.
P/1 – O projeto de viabilização mesmo, você não chegou a participar? Operação, pré operação de Carajás?
R – De Carajás, não. Eu saí logo já com ele viabilizado, com trezentos quilômetros contratados de ferrovia. Eu saí dele, fui tratar de outras coisas. Mas, de obras mesmo, eu não participei. Aí já não teria muito interesse em fazê-lo. Mas ele foi feito e completado, aí entrou na rotina de produção magnífica, está lá. Salvou a Vale, colocou a Vale na posição que está hoje e ficará lá para todo o sempre e espero que jamais seja privatizado para o exterior, como é sempre possível. Por que eu penso assim? Porque é grande demais, é mineral demais, para que o país dê o controle a externos. “Ah, mas esse é um pensamento retrógrado. Controle a externos. O que é isso?” Controle a externos é o seguinte, por exemplo, eu tenho minerais em um país e subfaturo quando vendo pra fora e não faço lucro dentro de casa, faço lá fora. “Não, mas isso eu controlo.” Controla nada, nenhum governo controla isso. E você vai controlar países muito mais ricos e poderosos, capazes de fazer mil pressões? Você não controla. Por isso não se deveria colocar esse tipo de setor, uma coisa tão grande assim, lucrativa, pra fora. Privatize pra dentro. Faça o que eles vão fazer agora. Vão pulverizar aquele ____. Faça a mesma coisa. Não é uma questão de ser privado ou estatal. No caso, estatal e altamente eficiente, como tal. Mais do qualquer empresa privada, nesse ramo e nesse caso, fica esse fetiche, o que é estatal não presta, o que é privado presta. Não é isso, não. Têm excelentes empresas estatais, excelentes empresas privadas, péssimas empresas privadas, péssimas estatais, corrupção em empresa privada e corrupção em empresa estatal. A situação é inteiramente paralela. Só que, eu concordo, excesso de empresas estatais e empresas estatais vulneráveis ao tipo de política que todo mundo pratica é horrível. Acaba o dinheiro saindo do nosso bolso. Empregos, cabides, inúteis, salários absurdos em estatais ineficientes e pagos com o dinheiro do contribuinte. Isso aí a gente não pode permitir que exista. Mas tem outras que são úteis, necessárias, esse é um exemplo. Era.
P/1 –Bom, em termos de tecnologia, eu fiquei curioso com uma coisa. Pelo o que você comentou, a possibilidade de receber tecnologia era muito aberta na Vale. Quer dizer, você podia trazer técnicos de fora, trabalhar com isso? Em termos de difusão de tecnologia, quer dizer, a Vale exportar essa tecnologia aqui dentro, levar para outras ferrovias, outros portos, isso não acontecia?
R – Nada, nada. Eu e algumas outras pessoas da Vale, Márcio Paixão, poucas, falávamos sobre isso, mas eu ouvia, às vezes: “A Vale é uma empresa (Low Tech?).” É um absurdo isso. A Vale deveria ter... Isso foi um outro erro grave, óbvio, ela tinha que fazer o seguinte: estava ganhando muito dinheiro, ela deveria ter montado um programa de desenvolvimento e criação tecnológica de ponta em alguns ramos. Por exemplo, ciência dos materiais, por que _____? Ela vende um produto básico para a produção de um material que é o aço, então vou tirar dinheiro, estou ganhando bastante, e vou montar aqui um programa de pesquisa para descobrir materiais de ponta novos. Fibras de carbono de alta resistência e coisas por aí. E vou ser líder no mundo disto. Ué, a Finlândia não é líder no mundo em celular? Alguém ouvia falar de Finlândia dez anos atrás? Nem sabia direito onde ficava no mapa. Então a Vale poderia ter aplicado dinheiro para gerar inteligência. Inteligência em tecnologia dos materiais, por exemplo. Tecnologia de transportes, de tudo o que é tipo. Já que está mexendo com cargas, né? Energia cinética, os volumes, enfim. “Eu vou trabalhar transportes.” Tem futuro? Tem. As ferrovias de outros países desenvolveram tecnologias extraordinárias. A França é líder em ___, por aí. Enfim, eu não estou dizendo que seja essa a linha, mas linhas desse tipo ___ entrado. Nunca fez isso. Sempre se manteve como uma empresa ____ material. Vender minério de ferro e três ou quatro pessoas, muito poucas, trabalhando em pesquisa e descobrindo uma ou outra coisa. Tinha que ser maciça geradora de tecnologia, porque é por aí que todas as empresas do mundo caminham. Todas. Tinha que ser uma maciça geradora de tecnologia. Mas tecnologia não se compra. Isso é uma bobagem que se fala: “Comprar Tecnologia.” Você nunca compra tecnologia, você compra um produto que tenha tecnologia nele. Mas a tecnologia é um processo, não é um estoque a tecnologia. A tecnologia é um processo, ele é dinâmico, ele varia o tempo todo, cresce exponencialmente e gerado em centros de pesquisa e laboratórios. Tanto que quando você compra tecnologia, você compra um pacote de um instante da tecnologia, que é desvalorizado rapidamente em função de uma outra tecnologia. E, por isso, quem gera tecnologia é rico e quem compra é pobre. Nós somos pobres, a não ser num ramo aí, por exemplo, ramo aeronáutico, os militares tiveram um ponto positivo aí a favor deles, os da aeronáutica. Eles criaram aí um centro de geração de tecnologia de ponta, que foram o CTA, o ITA, e hoje o Brasil exporta avião. Isso é uma visão inteligentíssima da questão. Eu não, no mundo mineral, por que não fiz isto? Podia ter feito. Tinha dinheiro pra isso, corpos técnicos bons, foi falta de visão grosseiríssima. E aí estão cavando buraco até acabar e, ainda por cima, devastando floresta pra fazer gusa. Devia estar fazendo uma liga que ninguém faz no mundo, inventada por mim, que estaria inventando uma outra. Isso não foi feito assim com esse espírito, não aconteceu. Isso foi uma falha que eu acho que nós cometemos.
P/1 – Então o senhor estava contando, ___ passagem?
(Interrupção)
R – Após essa questão toda de Carajás, eu passei para uma empresa chamada (Vale Norte?), fui ser seu executivo. Ela é a empresa holding dos projetos de alumínio da Vale do Rio Doce, que se desenvolviam lá no Norte, Trombetas, Albras e Alunorte. Inclusive, o porto de Vila do Conde, onde está localizada a Albras, é um subproduto de Carajás, porque aquele porto... Eu tinha selecionado aquele lugar, se um dia o rio funcionasse, uma hidrovia fosse implementada no Tocantins. Aquele lugar, próximo a Cambetá e Vila do Conde, pode receber navios de até sessenta toneladas. Então seria um porto alternativo para uso da Vale, naturalmente, mas no caso de se referir a mercados mais próximos que pudessem ser servidos por navios menores. Então isso estava lá em reserva e foi usado, essa localização, como da Albras, porque navios de sessenta mil são suficientes ali, ____ até, né? Vem lá de Trombetas pelo Rio (Rouxeta?) e é processado ali, o mineral ou metal é embarcado para o seu mercado também por esse porto. Minha passagem por essa função foi breve, logo em seguida eu assumi as funções de superintendente de planejamento da Vale. O grupo de planejamentos estratégicos, nós montamos um, era então presidente o Mascarenhas. E prestigiavam muito esse grupo, acreditavam nisso. Então nós fizemos os primeiros modelos de planejamento estratégico do grupo inteiro da Vale do Rio Doce. Foram feitos ali com apoio de consultorias adequadas. Foi tudo muito interessante profissionalmente. Mas logo em seguida...
P/1 – O que previam esses planejamentos?
P/2 – De que data é?
R – Isso foi 1983. Esses planejamentos mostravam possibilidades e futuros possíveis para a empresa em várias áreas. Nós analisávamos tudo o que a empresa fazia e procurávamos projetar cenários desses produtos para o futuro e sugerir sempre alternativas, ou cenários alternativos, rotas alternativas. E o Mascarenhas fazia disso um evento importante. A discussão do primeiro paper, do primeiro trabalho que nós fizemos, foi feita no Hotel Meridian na presença de todos os superintendentes da Vale do Rio Doce. Foi debatido com todos juntos. E dali saíam idéias interessantes sobre cada um dos segmentos da Vale do Rio Doce, que eram muitos: madeira, celulose, minério de ferro, ___, titânio. E ali nós falávamos e discutíamos coisas como essa da tecnologia, ter um futuro tecnológico importante. Isso tudo saía. Mas a Vale se ateve, ao final, aos produtos clássicos, que ela detém até hoje.
P/1 – Cada pessoa desse grupo pensava um setor, uma área?
R – É. Nós tínhamos um grupo central que detinha a tecnologia do planejamento estratégico e que, junto a cada área da Vale, desenvolvia o específico panorama daquela área. Essa função continuou através dos tempos, sendo feita até hoje. Mas foi implantada nessa época.
P/1 – Essa idéia de planejamento estratégico é quase uma metodologia? Quer dizer, tem um conceitual, um instrumental?
R – Tem um instrumental. Tem uma metodologia que varia com o tempo, na medida que a arte do planejamento também se aperfeiçoa, né? É uma coisa dinâmica. Nós começamos aí, creio que foi uma tecnologia da... Tenho a impressão, foi da (Arthur ____?), na ocasião. Os consultores tinham sido da (Arthur _____?). Começamos por aí, montamos um modelo de planejamento. Esse modelo, de cara, revelou coisas interessantíssimas que eram desconhecidas de nós próprios. Nós mostramos que, por exemplo, num determinado... Primeira apresentação que nós fizemos, nós mostramos um risco altíssimo da Vale ficar sem capacidade de pagamento de suas dívidas de seus financiamentos. Uma aguda incapacidade a curto prazo. Saltou do modelo. Porque era um sistema muito complexo o da Vale. Muitas empresas, mais ou menos separadas, a agregação da performance dos resultados das empresas num quadro sintético que permitisse visualizar de forma simples o conjunto e dali tirar conclusões evidentes, isso não havia. Nós procuramos e conseguimos fazer isso com apoio desses consultores, discutindo com eles. A ideia era ter um documento com três, quatro, páginas que desse uma ideia do conjunto de forma simples e direta, que permitisse tirar conclusões. O primeiro modelo que nós apresentamos, havia lá um determinado, acho que eram fontes e usos, causou um impacto a nós, mas revimos aquilo mil vezes e acabamos pedindo ao Mascarenhas que apreciasse o documento. Ele convocou uma reunião de diretoria onde nós apresentamos aquilo e discutimos. Causou um impacto, uma surpresa muito grande. Mas dali se derivaram muitas decisões estratégicas em que a companhia se manteve sempre equilibrada. Essa é a grande verdade. Aliás, essa questão de apresentar alguma coisa de forma simples em que permita a visão clara da situação e dela se derive conclusões, essa é uma arte delicadíssima. Eu tive contato com ela aí, pela primeira vez. E, depois, eu sempre tenho procurado orientar daí pra diante o que eu faço ou que eu penso por esse ângulo. Inclusive esse desastre da (Charlenger?), que explodiu, eu li a história escrita por um especialista em Visual Explanation, explanações visuais, professor. Ele mostrou num livro como é que todas as informações que levavam à conclusão de que ia acontecer um desastre tinham sido atingidas. Essas conclusões, pessoas tinham chegado a essa conclusão, tinham informado gente sobre isso, mas a forma das informações fluírem e se combinarem era tão complexa e desconexa, que a cúpula que tinha que dizer lança ou não lança, não recebia argumentos que tivessem peso para autorizar algo dessa ordem. Então eles disseram: “Lança.” Depois, esse homem, analisando todo o processo, ele reagrupa as informações de forma visual, sintética, e bota na sua frente um quadro que qualquer leigo, leigo, olhando o quadro, não lança. É impressionante isso. Essa questão da qual eu falo foi o que nos impressionou muito. Uma empresa grande com muitas empresa subsidiárias, tinha lá celulose por um lado, ferro por outro, o alumínio pelo outro lado... Tinha dois alumínios: um no Norte e um no Sul. Dois sistemas de minério, um no Norte, outro no Sul, vários tipos de minério e outras atividades. Titânio, tinham pesquisas lá. Creio que na época teria já ouro, enfim, uma gama grande de produtos. E nós fizemos uma síntese desse tipo, analítica, profunda, da condição de cada setor, como estavam naquele momento e como estariam nos próximos seis meses. E olhamos sob vários ângulos e um dos ângulos, o de fluxo de caixa do conjunto, mostrou uma surpresa para todos, que a companhia estava numa situação de ficar sem caixa a curto prazo. Mas aí, uma vez detectado o problema, ele foi resolvido. Houve tempo pra se resolver. Bom, passado por essa fase, eu estava um dia em casa quando recebi um telefonema de que o presidente da República queria falar comigo. O presidente era o Sarney. Houve aquele acidente do destino, a morte do Tancredo, ele foi eleito presidente da República. Estava já com um ano de governo e eu recebi um telefonema dele. Nós tínhamos pensado que uma ligação entre o sistema de _______ discussões informais e o Sul do Brasil, porque existem aí planos desde do princípio do século, mostrando, desde o século passado, inclusive, né? Uma ferrovia ligando Belém até o Sul, vários planos de engenheiros foram feitos, integratórios do território brasileiro, mostrando o óbvio. Uma ferrovia ali, outra para os cerrados orientais, ocidentais, Rondônia... Então nós completamos Carajás discutindo. Conversando sobre isso, São Luís, surge a idéia de, um dia, ligar os sistemas por dentro. E isso era uma ideia, a meu ver, sólida e viável. O tráfego na Belém-Brasília era pesadíssimo. Toneladas. E aquela rodovia Belém-Brasília era reconstruída a cada quatro anos dado ao peso desse tráfego e ser regime de chuva torrencial, tropical, a manutenção é altíssima, muito cara. Então, aquilo ali, na época, eu me lembro, entre quatro, cinco anos, se gastava na reconstrução praticamente da Belém-Brasília, quatrocentos milhões de dólares para manter aquela rodovia operacional. Bom, então, a Norte-Sul em suma era viável. O Sarney, presidente... Eu, pra minha surpresa, recebo um telefonema, e vou a uma entrevista com ele. E ele quer implantar a Norte-Sul e me pediu que eu me incumbisse do projeto. Eu fiquei exaltado sob o ponto de vista da minha vontade de engenheiro e da utilidade _______. E, tendo em vista o que Carajás tinha produzido ali em cima, a riqueza daquela região, eu fico encantado. Imediatamente eu concordei e pedi licença da Vale. O Mascarenhas condenou muito, era o presidente, sobre a minha decisão, pediu que eu pensasse com muito cuidado. Eu nunca tive nenhuma dúvida, eu saí daquilo rapidamente, montei uma equipe com o apoio inicial da Vale, fundei uma empresa e, por acaso, era a própria Valuec antiga. Carajás já tinha sido arquivada, só tinha lá uns _____, estava na gaveta, aquela empresa foi passada para o Ministério dos Transportes e reativada com o nome sem o “u” no meio, ficou Valec, e existe até hoje. Com a Valec, eu montei uma equipe de engenharia e projetamos a Norte-Sul de cima a baixo, mostramos de forma muito clara a viabilidade dela. _______________ para o Brasil, como é que ela se pagava, e começamos a construir essa ferrovia. Aí tudo bem, __ entusiasmo, de repente o mundo desaba sobre nós. Começa a se mover uma campanha violentíssima contra essa ferrovia. Inventou-se um escândalo na primeira concorrência, que não aconteceu. Respondeu-se a sete inquéritos na CPI, passou-se por tudo isso construindo a ferrovia e conseguimos construir tudo o que foi possível com os recursos que nós tínhamos e vencendo uma campanha. Num determinado dia, todas as revistas tinham o projeto na capa como algo escandaloso, indecente, que favorecia as terras do Sarney e empreiteiros e que ligava o nada a coisa nenhuma. O nada era Carajás, Belém, coisa nenhuma era Brasília, a ponto do sistema ferroviário todo do Sul que chega a Brasília, que essa ferrovia toda une e puxa lá pra cima até o Amazonas. Quer dizer, coisas falsas, absurdas foram ditas aí. A carga era constante. Como responder a isso? Transparência total. Mas total a um ponto tal que nós abrimos uma sala onde todos os documentos da empresa estavam disponíveis para o público. Todos. A qualquer hora, tinha uma pessoa lá pra tirar xerox, qualquer coisa que se queria. Nós fomos ao tribunal de contas, em Brasília, no Supremo, fomos lá e falamos o seguinte: “Investiguem-nos, mas não investigue o escritório, porque roubo numa obra é feito no campo. Pode estar tudo correto no escritório, mas os volumes nos campos podem estar diferentes. Tem que ir gente medir lá, pra ver se está certo.” Eu, dizendo isso para o Tribunal.
P/1 – Ensinando o caminho.
R – Em obra se rouba no campo, não é no escritório. No escritório está tudo perfeito. Se o Tribunal de Contas vai e olha o que está na nota, está tudo certo, ele vai lá no campo e tem metade do volume. Tem que medir. Enfim, a nossa arma foi transparência total, responder a todos os tipos de questionamento o tempo todo. Eu fiz 120 palestras, enfrentando todos os tipos de fórum, explicando a teoria e convencendo, de um ambiente hostil a um ambiente de apoio, em geral.
P/1 – Da onde surgiu essa campanha difamatória? Da onde que ela...
R – Ela teve como membros pagos, dois engenheiros aqui do Rio de Janeiro, um já morreu, outro está vivo, que edita uma revista de portos, ___ editava. E ela surgiu da seguinte forma: ele começou dizendo que tinha que ser uma hidrovia, porque a ferrovia era paralela ao Tocantins e ao Rio Araguaia, começou, por aí, a fazer uma carga contra a ferrovia. Ele já tinha feito e nos atacado no Carajás promovendo aquela CPI, partiu desse senhor aqui. Ele mesmo, este, de novo, levanta a questão de hidrovia versus ferrovia. Uma questão que não existe, uma coisa é hidrovia outra é ferrovia. E sempre as ferrovias acompanham as hidrovias, porque os vales dos rios são os lugares onde se fazem ferrovias. Têm finalidades diferentes. No mundo todo é assim. A questão era torta. Ali era absolutamente necessário uma ferrovia. Bom, tanto que nós criamos a soja do Sul do Maranhão na época. Fizemos os cem primeiros quilômetros da Norte-Sul, eu levei pra lá os dezoito grupos que compraram terras e foram pra lá pra plantar soja e que, hoje, exportam setecentos mil toneladas de soja. Isso foi criado nessa época, dessa forma.
P/1 – Pelo porto de São Luís?
R – Pelo porto de São Luís. E foi criado dessa maneira. Aquilo lá era desconhecido da soja. Nós é que tornamos aquilo. Nós procuramos, descrevemos a região, procuramos investidores, espalhamos informação ao meio agrícola todo, fizemos palestras dizendo quanto é que ia custar produzir soja ali, ou quanto é que custava a terra, o tipo de clima. Eles foram se movendo para lá, rapidamente comprando terras e plantando agricultura, enfim, hoje está lá aquele polo de grãos. Aquilo é o nada dos críticos. Bom, essa guerra, primeiro, veio por esse lado. E aí os outros se agregaram. Nós temos convicção hoje de que tinha a soja americana no meio, (American Soye ____ Association?), que tinha feito um estudo mostrando que o Brasil podia produzir um volume gigantesco de soja a preços mais competitivos do que eles, porque aqui nós podemos ter até duas safras, duas e meia safras por ano, de grãos diversos no mesmo terreno, portanto nosso custo de produção é mais baixo que o deles, por causa do _____, mas nós somos pobres no mercado em termos de incomodá-los, porque o custo do transporte brasileiro era muito alto. Esse relatório surgiu, nós sabemos que eles estavam no meio disso, a questão dos rios, e vimos também um movimento político para derrubar o Sarney através de um projeto. Um escândalo forjado, principalmente isso. O setor rodoviário ficou todo contra, mas aí é uma oposição difusa que não se... Não acredito que tenha se estruturado para fazer isso aí. Todo mundo contra. Naturalmente que nós íamos tirar do mercado milhares de caminhões, porque aquilo ali... Para o cara chegar a Belém num dia são dois mil quilômetros, você tira de estrada, aí é substituído por trilho, fora o resto indo para o Sul. Então um setor que obviamente não gostaria de um projeto como esse. Mas não creio que ele tenha se estruturado. Eu acho que a campanha foi levantada por esse tipo de questão, hidrovia-ferrovia, depois voltou-se para derrubar o presidente Sarney, que estava ali por acaso e contra a vontade de todo mundo, né? Ele entrou numa chapa como um candidato de direita, enfim, foi um acidente, ele não era simpático a ninguém. Então houve a campanha contra ele através da ferrovia. E a denúncia falsa contra a primeira concorrência foi colocada, eu não vou colocar o nome, por um frequentador da minha casa, jornalista, amigo, ele botou isso lá. Através de um outro, através de um outro jornalista. Sabe o nome dele? E não me ouviram nunca sobre aquele episódio. Nós demonstramos à exaustão a clareza daquilo tudo, nunca saiu uma linha, todos os tipos de inquéritos administrativos feitos, tudo concluído de forma inteiramente clara, satisfatória. Nunca saía a notícia positiva. E aquela campanha furiosa contra. Chegou a um ponto tal. E aí, o que nós fazíamos? Nós… Por sorte, eu contava com o apoio pessoal lá da minha equipe, de um jornalista muito íntegro, muito competente, chamado Robson Pereira, que tinha trabalhado um tempo no Estadão, sujeito muito sério. E, por acaso, ele tinha que ficar no Rio, o Estadão queria ele em São Paulo, e eu contratei o Robson para me ajudar em pensamentos estratégicos, porque ele tem uma cabeça estratégica também em relação ao uso do território, tinha sido engenheiro operacional da Petrobras, e ele que me deu esse conselho: “Vamos abrir tudo. Aqui entra todo mundo a qualquer hora. Vamos falar com todo mundo pra mostrar o que é isso.” E nessa campanha de falar com todo mundo, eu acabei conversando com todos os diretores de jornais, donos e editorialistas e, um deles, que eu simplesmente levei-o para visitar a região numa viagem, sem falar nada, ele foi comigo, olhou, voltou. Ele, quando ia me criticar, ligava antes: “Olha, Vivacqua, eu vou ter que falar isso, isso e aquilo. O que você poderia dizer?” Eu falava a realidade. Ele, aí, fazia um editorial que começava metendo o pau no título e fazia um texto incompreensível. Esse é um grande jornalista do país, infelizmente vou deixar ele incógnito. Mas aí tem um livro escrito dele. Porque viam as coisas ______, ficavam pressionando com a necessidade. Aí faziam aquela campanha terrível contra.
P/2 – Esse “vou ter que falar”?
R – Hein? Vou ter que?
P/2 – “Vou ter que falar.” Ele falava isso com o senhor? Quer dizer, “vou ter que falar isso”?
R – Literalmente, “vou ter que.” “Vou ter que dizer isto.” Porque era encomendado que se ____.
P/2 – Pois é, que não era a realidade, o que ele viu.
R – Pois é. Que não era a realidade. “Vou ter que.” Porque era encomendado que se dissesse. Eu estou falando dos maiores jornais do Brasil. Pessoas conhecidíssimas. “Vou ter que.” Porque ele já tinha visto a região, ele passou a fazer isto comigo. Ele me ligava: “Olha, vou ter que falar isso.” Uma questão de honestidade comigo. E eu falava o que era e ele também retribuía falando algo incompreensível, desde o começo.
P/1 – Você não entendia nada.
R – Ninguém entendia. Tudo meio confuso. Agora, o título estava contra, metia o pau. Quer dizer, era a linha editorial, era para meter o pau. Era algo contra o presidente da república, e derrubá-lo através disso é uma obra faraônica, é inútil, e por aí. Mas aí, como isso tudo vinha de São Paulo, eu tive uma ideia que foi a seguinte: bom, eu tinha traçado uma outra ferrovia, saindo de Brasília, dessa região aqui entre São Paulo e Brasília, e indo até o Peru e cruzando os Andes no Norte do Peru. Essa segunda parte, para depois. Nessa fase eu imaginei essa ferrovia indo até o Rio Madeira, porque essa região toda aqui é o cerrado da que vai para o Oeste. É uma região monstruosamente grande, daqui até lá cabe Kiev e Lisboa. Fica lá no Acre. Kiev aqui, na Rússia, né? Então esse território gigantesco é servido por caminhão, absurdo, ele não pode ser usado. Ele existe, é nosso e nós não podemos usar, porque o frete impôs uma censura à economia. Eu não posso, porque os fretes são altíssimos. Eu posso usar muito mal e ganhando pouco dinheiro. Esse valor econômico dessa natureza toda é depreciado violentamente pelo preço de lá. A ferrovia resolve. Eu, então, tracei uma ferrovia daqui de Brasília, vem mais ou menos até aqui, por trilha até o Rio, Vitória, São Paulo, até o Rio Madeira, que chama-se Ferronorte. Aí eu pensei o seguinte: a crítica a essa ferrovia vem toda de São Paulo, essa gritaria toda. Eu vou procurar um grande empresário em São Paulo pra fazer essa ferrovia, essa nova, que nós chamávamos de Leste-Oeste, Ferronorte agora. Fui pra São Paulo. Projetei essa ferrovia, obtive a concessão pra Valec e fiquei procurando um empresário que quisesse empreendê-la. E eu sabia que o Olacyr de Moraes tinha soja dele lá na Chapada dos (Parecis?). Além disso, era um homem de construção, de engenharia, de obra. Eu fui conversar com vários, ele se interessou pelo projeto. Veio aqui no Rio, no escritório, ficou umas duas horas aí conversando, explicando tudo pra ele, depois saiu dizendo o seguinte: “Gostei muito dessa conversa. Estava acompanhando o seu diretor...” Saiu, depois eu o levei a Vale do Rio Doce, mostrei trens para ele, vagões, locomotiva, o que era, apresentei a gente. Bom, pra encurtar uma história que não foi muito longa, ele, depois, mandou uma equipe pra cá, ficou aqui no meu escritório, no nosso escritório, três meses. Depois de três meses: “Vou fazer essa ferrovia.” Nós, aí, passamos essa concessão para ele. E ele começou a ferrovia, continua até hoje, chamada Ferronorte. Depois disto, um pouco mais adiante, eu, mais recentemente, fazendo uma palestra, um seminário no Clube de Roma, em Barcelona, sobre integração continental, isso foi em 85 já, um peruano do Clube de Roma me procura, também estava presente lá, e fala: “Olha, eu tenho um projeto de cruzamento dos Andes lá pelo Norte, uma ferrovia...” E aí eu aprendi ali naquela hora que os Andes, no norte do Peru, são baixos. Bom, daquele momento para diante, nós projetamos já uma ferrovia cruzando os Andes ali, apenas 1800 metros, um porto em (Baiobar?), profundo, onde existem vastas jazidas de minério de fosfatos. A terceira jazida do mundo de fosfatos está ali; águas profundas, uma baía, o Deserto de Sechura, não tem nada ali, tem um terminal petrolífero. Projetamos uma ferrovia que emenda um dia nessa _____, um dia. Isso pode parecer um sonho, mas também poderia parecer um sonho o próprio Olacyr existir, mas está aí. Ele está continuando. Então é viável. Isso vai acontecer um dia. Já até pré projetamos e estamos promovendo esse projeto, tentando conciliar gente que faça. Já existe nesse mesmo lugar, nessa baixa dos Andes, uma rodovia que liga esses portos, porque são três. Esse grande e futuro, que nós pré projetamos, e no Brasil tem mais dois, menores, funcionais, ligados por rodovia até o Rio Maranhão, uma rodovia de 680 quilômetros de comprimento, só, cruzando os Andes a apenas 2144 metros. É uma rodovia de baixa altura, que vai a (Saramerisa?) sobre o Rio Maranhão, que daquele ponto até Belém é navegável. Então já existe um eixo transcontinental lá no Norte pronto para ser usado hoje e que poderia acoplar a economia do Nordeste, que é de 110 bilhões de dólares com a economia dos andinos ali, que vai a quinhentos bilhões de dólares. E, entre essas duas economias, nada acontece de relevante e existe uma comunicação direta entre elas, porque o transporte por água é oito vezes mais barato do que por caminhão. Isso para padrões de Europa. Então uma distância que é grande, entre o Nordeste e o mercado andino por dentro, se você reduz os custos de transporte que são os brasileiros, que é tudo rodoviário, por oito, aquilo fica próximo. Isso é um projeto nosso chamado Eixo Via Oceânico da Amazônia, ____ vendo agora. Mas voltando a Norte-Sul, voltando ao (Acer?), na mesma época nós projetamos uma outra ferrovia ligando (Suapi?) e Recife, indo no sentido Oeste, e tocando a Norte-Sul lá no interior. Essa ferrovia teria as seguintes razões para ser feita, pra ser feita urgentemente: o Nordeste é seco e está aqui e é populoso. Imediatamente, em região adjacente aqui ao Nordeste, tem um Nordeste úmido, onde chove, onde as terras são vazias, tem água. É possível produzir alimentos, é possível produzir indústria de alimentos integradas verticalmente, há emprego, portanto potencial aqui e alimentos que vão alimentar o próprio Nordeste e serão exportados para os portos do Nordeste. É ligar gente com terras e água, e não __________, e mercados. Então essa é a razão da ferrovia transversal Nordeste, que nós projetamos, vendemos a ideia para os governadores todos da época, mas que são transitórios, mudam. Mas nós estamos retomando esses projetos todos. Isso aí já é uma outra coisa.
P/1 – Essa empresa, a Valec, ela pensa o projeto e aí ela vende o projeto. É isso?
R – Isso foi o que eu fiz lá. Hoje ela faz a obra da Norte-Sul continuar.
P/1 – Ela faz a obra?
R – Hoje. Hoje ele está, porque depois que acabou o governo Sarney, eu saí, eu pedi demissão da Valec. No governo Collor, eu pedi demissão e fui cuidar de outras coisas.
P/2 – O senhor não voltou pra Vale?
R – Não, não. E nesse meio período, eu me aposentei pela Vale. Saí nesse meio tempo __________, não voltei pra Vale. Eu fui cuidar de assuntos privados, da empresa do meu pai, da família, por um período de seis meses e, logo em seguida, o governador do Espírito Santo, o (Albuíno?), que tinha sido meu aluno na Escola de Engenharia, me convenceu a ser secretário de Desenvolvimento ________. E depois de incessantes convites eu acabei aquecendo, porque mudava de rumo e passei a fazer uma ponte aérea daqui pra lá, toda semana, durante quatro anos, e fiz um plano lá de desenvolvimento do Espírito Santo. Mas era dessas coisas. Nós conseguimos criar lá o corredor Centro-Leste, que é uma união dos portos do Espírito Santo com a ferrovia da Vale e a ferrovia da rede. Uma ideia que sempre andou em pauta na Vale do Rio Doce.
P/1 – Projeto Cerrados, né?
R – Projeto Cerrados. Aquilo ali estava sempre indo e nunca acontecendo. Eu, como secretário do Estado... Nós temos que unir realmente esses portos a essas ferrovias. E como fazer isso? Estamos cansados de ouvir falar disso e de ter visões, vamos agora fazer isso funcionar. Eu proponho a formação de um conselho de dez governadores de Estado. Foi formada, daqui até o Acre. E esses dez governadores formam uma bancada, uma frente parlamentar, de 150 parlamentares, e esse grupo pressiona pra fazer esse negócio funcionar. Era tudo estatal. Então criamos esse grupo. Criei na secretaria o Escritório do Corredor Centro-Leste. Escritório operacional... O que era isso? Era uma mesa. E chamei a mesa de mesa de integração. Colocamos ali uma líder, ______, Sandra (Steling?), _____, e ela liderando esse projeto. E esse projeto, esses governadores, eles tinham a capacidade de induzir a presença na nossa mesa de quem a gente necessitasse que ali estivesse. Então vieram os portos federais, _____ a Vale do Rio Doce, ferrovias, a rede, sindicatos portuários, trading de soja, todos. Começamos a discutir uma coisa que era impossível, um negócio cheio de impossibilidades. Era impossível um trem da rede entrar na Vale e um da Vale entrar na rede. Umas bobagens dessas, mas que não deixavam as coisas funcionarem mesmo há décadas. As taxas que o porto federal cobrava sobre a soja eram absurdas. Ele tinha o direito de fazer isso. O porto de Tubarão, que eu tinha deixado em 1970, um projeto que eu fiz pra expansão do porto, eu previ vastas áreas enormes para outras coisas. Eu voltei lá como secretário do Estado anos e anos depois. Duas décadas depois, aquilo ali tinha um capinzinho baixo, cobrindo aquilo tudo vazio. Eu cheguei para o governador: “Vamos dar vida a isto.” Exportar grãos por Tubarão era impossível pela lei, porque os grãos não eram da Vale e Tubarão era da Vale. Porto da Vale só pode exportar mercadoria da Vale. Absurdo. Imagine se nós íamos nos curvar dentro dessa lei. Uma lei absurda. Nós demos um jeito nisso, rapidamente batizamos a soja com o nome da Vale através de... Tem mil formas de fazer as coisas. Forçamos a rede e a Vale a assinar um contrato operacional conjunto, forçamos a (Codesa?), Companhia ______ do Espírito Santo, a baixar a tarifa da soja, que ela impôs a esta operação, de seis dólares e meio para 45 centavos de dólar. Aí viabilizou o projeto.
P/1 – Vocês não criaram dois canais de exportação, o da Vale e o da (Codesa?)?
R – Que existem. Exportavam-se trezentas mil toneladas lá, pulou em dois anos para um milhão e meio. Bateu no limite. E passamos a exportar pelo porto de Tubarão. Conseguimos atrair para Tubarão, ao permitir que por lá embarcasse a carga de terceiros, três investidores que construíram três grandes (silos?) de grãos lá em Tubarão e passou-se a usar o píer número um, o primeiro, para navios de cem mil toneladas, também para grãos. Inclusive, batem-se recordes de exportação de grãos em tamanho de navios por lá, navios de 120 mil toneladas. Isso tudo foi viabilizado por essa mesa de integração. Quando impasses ocorriam, impasses graves, nós convocávamos uma reunião no Palácio da Liberdade, por exemplo. O governador de Minas convocava pra gente. O governador de Minas tem uma influência poderosíssima, especialmente sobre a Vale. Então, as reuniões eram feitas lá. Em uma memorável reunião, não vou citar nomes aqui, houve um absurdo, a reunião foi patética, porque o governador de Minas convocou e o grupo que tinha causado o programa, presidentes de empresa, já entraram pela sala – sabiam da pauta, porque foi anunciada antes – dizendo da porta que o problema já tinha sido resolvido na véspera. A sala cheia de gente. Com isso, os trens fluíam e aquilo foi se desenvolvendo e aquela região, Vitória, converteu-se no segundo polo exportador de grãos do Brasil. Nós, na época, derrubamos, pela introdução desse sistema, o custo do transporte da soja de setenta, oitenta dólares, para 27 dólares por tonelada, sendo que nesses 27 estão incluídos ali o custo de embarque. Quer dizer, modificou a economia da soja. Mas pra conseguir isso, pra captar a confiança das pessoas nisso, nós tivemos, por exemplo, que promover uma reunião em Araguari, Oeste de Minas, Triângulo Mineiro, para onde levamos doze líderes sindicais de sindicatos diferentes da área portuária, que chegaram lá, fizemos um seminário com produtores, tradings, as ferrovias, os portos, a Vale presente, todo mundo ajudando e os sindicalistas declararam textualmente o seguinte: “Os senhores podem mandar a soja para Vitória, porque se o fizerem, nós garantimos que não vamos fazer greve por um ano.” Coisas assim aconteceram. Bom, isso viabilizou aquilo que começou a funcionar, os ___ foram feitos, se esgotou a capacidade de embarque e nós, rapidamente... E aí outros começaram a investir mais (silos?) e mais píeres, embarcadouros. Deslanchou aquilo lá. Esse foi o projeto que nós chamamos de Corredor Centro-Oeste. Esse projeto, desde o início, eu ponderei ao governador Albuíno, o seguinte: “Nessa altura do campeonato, eu não gostaria de participar de projetos que tivessem descontinuidade por motivos políticos. Então eu proponho que esse projeto seja colocado no âmbito de uma sociedade privada sem fins de lucro, porque ele continua depois do governo desse mandato.” Ele concordou com essa ideia, os outros governadores concordaram e nós criamos essa entidade chamada Consórcio Operacional do Corredor Central Leste. Entidade privada sem fins de lucro, que é mantida por contribuições privadas de empresas que se interessem pelo o que ela faz e ela continua fazendo isto. Ela continua promovendo o uso desse sistema, a expansão desse sistema, que é esse corredor, mantém esse conselho de governadores que já está no seu terceiro mandato. Portanto obteve-se a continuidade, dentro de um estado ____, com tudo estanque. ____ acabou tudo que estava sendo feito, aí começa do zero, acabou. Isso precisa de continuidade, então está tendo. E nesse meio tempo, nós imaginamos estender esse conceito para a América do Sul como um todo. Porque é o seguinte, em Vitória nós tínhamos o porto, mas era um porto da Vale e do minério. A sociedade nada tem a ver com esse porto, ele é alheio a ela. Tem um porto da Companhia Docas do Espírito Santo, que é de Brasília, do Ministro, do administrador, a sociedade mesmo nada tem a ver com aquilo. A Universidade, os empresários, esses não têm nada a ver com o porto. O porto fica entregue, é uma unidade isolada da sociedade. Inclusive a própria sociedade vira as costas para o porto, de uma forma tal que o porto é uma espécie de cloaca da cidade. Ele é cercado por tudo de ruim. Ele tem rato, poeira, prostituição, bares, lixo, isso que é o porto no Brasil. Não é feito Barcelona, que é um jardim, ou Cingapura, que é tudo limpo, ou Vancouver, ou Sydney, onde os portos são lugares magníficos. Inclusive frequentados, turismo, vai-se lá passear, comer, visitar aquários, ver navios, que é uma beleza, aqui no Brasil não, é porto da Idade Média. Uma coisa assim. Nós chegamos lá em Vitória, vamos transformar o porto num centro de desenvolvimento da região Centro-Leste. De retórica, o mundo está cheio. De poesia, que é importante, porque a poesia cria um mundo, também temos muitas já feitas, agora vamos criar um mundo virtual, vamos transformar isso num mundo real. A mesa de integração, esse é o nome, vai integrar a cidade, o estado e a região ao porto. O porto tem que ser olhado por todos como um meio de ganhar a vida e ganhar dinheiro. Os empresários têm que olhar o porto como forma de fazer comércio. As empresas de prestação de serviços, de prestarem serviço. A universidade tem que olhá-lo como objeto de estudo e desenvolvimento. Como pé em Roterdã, no ___, qualquer lugar desses? Você vai lá, você se mistura com o administrador do porto, com prefeito, com governador, está tudo junto, a universidade, está tudo junto, tratando das mesmas questões, porque é do porto que eles vivem. E não veio aqui que é o porto da Vale, o porto de não sei o que. Parece esses terminais de país comum, como é realmente, subdesenvolvido, onde há um terminal pra sair coisa. E é o mínimo ali, o porto tem que ser motivo de desenvolvimento da região. Como há tanta terra, tanto recurso natural em volta da região, se a gente descrever tudo isso de uma maneira adequada e fazer isso se conectar bem com o porto através de quem? Da sociedade, não é de um iluminado que tem ideias, é a sociedade toda. A gente levanta isso aqui. Pois foi o que aconteceu lá. Eu tenho prazer de ver gente em Vitória: “Poxa, mas em Vitória...” – que nem me conhece, não sabe – “...só se fala em porto, em comércio, corredor.” Porque é o discurso permanente dessa mesa de integração lá. Nós, aí, tivemos a seguinte ideia: “Vamos fazer isso para toda a costa da América do Sul, porque o Mercosul é um bloco econômico, que em tamanho, é o sexto país do mundo. Não é pouca coisa. Agora, ele é grande economicamente. Ele pode ter renda pessimamente distribuída, e tem, e renda per capita baixa, e tem. Mas o volume econômico é grande. Isso significa grandes volumes de transportes. Isso existe no Mercosul. Agora, ele tem a peculiaridade de ser uma salsicha atlântica. Com seiscentos quilômetros de grossura, de profundidade, e cinco, seis mil quilômetros de comprimento atlântico, ou seja, com seiscentos quilômetros você chega no mar. E nessa faixa está incluído quase tudo, quase todas as cidades grandes, quase toda a produção. E essa salsicha atlântica tem o seu sistema circulatório terrestre, caminhoneiro, e ela é longuíssima. Ela paga um custo pra se integrar absurdamente alto. Enquanto que a economia inglesa, que é um pouquinho menor que a do Mercosul, tem mil quilômetros de comprimento e mar pelos dois lados e, dentro, rios, canais e ferrovias. Essa salsicha anda por caminhão, cinco, seis, sete mil quilômetros. Mas faz isso raspando o mar, o que é um absurdo, e junto a uma série de portos, o que é um absurdo. Mas o que é um porto? É um grupo humano, quer dizer, essas pessoas é que são o porto e elas não sabem que são um porto. Então o que nós estamos procurando fazer é: em todas essas comunidades costeiras, fazer com que as pessoas virem porto. As pessoas virando porto, aparece cabotagem, aparece, ____ naval, aparece integração de fato, aparecem reduções enormes de custo – os custos, mais ou menos, costumam cair à metade, em média – e aparece crescimento econômico adicional, que nós imaginamos que seja superior a meio por cento ao ano do PIB. Isso já foi medido por outros lugares. Então a ideia que nós estamos desenvolvendo é instalar em cada porto uma mesa de integração que faça esse trabalho que foi feito em Vitória. Nós já estamos com 25 mesas instaladas, desde Puerto Madre, em _________, lá no Sul, até Recife, (Suapi?), em cima. São Luís, algumas de interior que captam carga, a do Rio sendo reinstalada agora, São Paulo funcionando muito bem. E elas fazem isso. Nós vamos assinar agora, dia 29, um contrato grande que envolve uma porção de portos ligados entre si por empresas de navegação e empresas terrestres de ____, chamado Contrato Espinha Dorsal. E tem um componente interessante nisso que é o seguinte: se vier a Alca hoje com a velocidade que os americanos querem, nos apanham num contrapé completo, porque o Nordeste é uma ponta de Mercosul muito distante e é rico em termos absolutos, são 110 bilhões de dólares. Esse Nordeste, dentro da Alca, vai por navio se comunicar com os Estados Unidos e não por caminhão com são Paulo, com Buenos Aires ou com o Mercosul, porque não há comparação de preço. Aquilo desgarra economicamente. Então esse contrato que nós vamos assinar já é um primeiro passo para permitir uma pequena ou média empresa do interior de qualquer uma dessas regiões servidas por portos de usar o porto gradualmente e ir se desenvolvendo e poder, então, haver uma integração a custo baixo do Mercosul. E o vice-presidente ficou tão entusiasmado com isso, o Marco Maciel, ele é de lá, é do Nordeste, e nós descrevemos esse projeto no Jornal do Brasil, num artigo. Ele leu, me chamou lá, abriu o gabinete dele, já foi a três reuniões desse projeto pessoalmente e esse contrato, que nós chamamos de Espinha Dorsal, vai ser assinado no gabinete dele dia 29 desse mês, em Brasília. E nós criamos uma Segunda sociedade privada sem fins de lucro, chamada Consórcio do Corredor Atlântico do Mercosul, também já está funcionando há vários anos e está desenvolvendo isso. Eu tenho a impressão que eu falei demais.
P/1 – Não. Eu queria te perguntar só uma coisa em relação a isso, quer dizer, você está comentando da questão portuária, né? E a gente vê uma movimentação hoje em torno, por exemplo, da ferrovia, grupos com a hidrovia, rodovias, quer dizer, como você cria essa junção de todos esses grupos pensando a infraestrutura e trabalhar num grande projeto global? Ou é essa a intenção? Como é que está isso?
R – Isso funciona da seguinte maneira. Existe, associado a tudo isso, hoje, num país desenvolvido, o que nós aqui gostamos de falar: logística.
P/1 – Nem usar esse termo. Porque não se trata de levar o produto daqui até lá.
R – O que acontece com o mundo das comunicações da informática, desenvolvido no nível que está, onde a gente fala com todo mundo, já se desenvolveram sistemas de informação e comunicação “eficientíssimos” e que fazem a suave integração entre esses diferentes modos de transportes. Se controla por computador. Então o caminhão chega no momento certo onde a carga está, na hora certinha, a carga já está lá, com a sua identificação eletrônica que já entra na rede, entra também no caminhão, a informação começa a fluir, o caminhão começa a andar, a informação já chegou lá no terminal que o caminhão vai chegar, o caminhão chega, a informação faz com que aquela carga saia direitinho dele, entre no pátio, passe para o caminhão... Isso que é a logística. A logística é a utilização de sistemas de transportes diferentes modais, de diferentes modos, integrados informacionalmente por sistemas inteligentes, inclusive sistemas capazes de decidir ____ por que lado manda, por onde é mais barato ou por onde o tempo é menor, se for o caso. Otimiza a função. É assim que funciona esse conjunto de infrestruturas no Primeiro Mundo. Portos, ferrovias, hidrovias, está tudo lá. Agora, o que interliga inteligentemente é esse sistema de operação integrada e análise que é baseada em software. Isso nós estamos aplicando a esse contrato que eu estou falando. Isto. Um parceiro do contrato é uma empresa que faz isso, esse trabalho. Então fica simples, porque o contrato é assim: aderência ao contrato, empresa de transporte rodoviário A, rodoviário B, rodoviário C, ferrovia um, ferrovia dois, ferrovia três, armadora A, B, C, está tudo lá. Agora, como é que isso liga? Aí tem um operador que faz isso através de computadores, softwares, as tarjetas eletrônicas, magnéticas, os cartõezinhos e a carga aí...
P/2 – Opera a informação?
R – Opera a informação. Tem um fluxo de informação paralelo a um fluxo físico. Isso que é a tal da logística.
P/1 – Sim, mas isso é em termos de estrutura. E em termos políticos, quer dizer, como você não cria um centro de excelência que vai irradiar sozinho? Você age globalmente, quer dizer, começar a mobilizar as forças ferroviárias para agir em conformidade com o grupo de vocês, que está com o foco no porto, como é que você cria essa...
R – Não, nós temos o foco no porto. A mesa de integração, nela se assentam todos, necessariamente. Transportadores rodoviários, portos, ferrovias, empresas aéreas, infraero, ___ por avião, todos se assentam. Ela não dá preferência ao porto. Por que o porto é importante nessa questão? Porque no caso brasileiro aconteceu o seguinte: o sistema de transporte no Brasil ficou refém do seu centralismo. Como tudo era centralizado e num ponto só, Brasília, em termos de transportes, foi fácil o segmento rodoviário se apossar disso tudo. E como ele é muito rico, já envolve as maiores empresas do mundo, que são fabricantes de caminhões e os maiores empreiteiros, que são os fabricantes de rodovias. O Ministério de Transportes converteu-se num departamento nacional de estradas de rodagem, de fato. É isso o que ele é. Que Ministério de Transportes! Nós estamos no Departamento de Estradas de Rodagem, com o nome de Ministério de Transportes. Então o resto acabou. No Brasil não se pesquisa ferrovia, porto. Os trens aqui são... Enquanto os franceses desenvolveram um (TGV?), nós aqui compramos vagões americanos, turcos, de não sei quem, importamos locomotivas pra carregar carga e não temos transporte de passageiros. Os portos acabaram porque o departamento é de estrada de rodagem. Então, por causa dessa circunstância anômala, esdrúxula, é que nós temos hoje o segundo... O nosso custo de transporte hoje é o dobro do interno dos países do nosso tamanho. Duas vezes maior. E abriu um espaço que tem que ser preenchido por iniciativas como essa nossa, que daqui a “x” anos já cumpriram a sua função. Nós estamos nesse momento chamando a atenção das pessoas, das comunidades, para a importância dos portos, porque, aqui no Rio, quem é que se importa com o porto? Ninguém. Tem essa baía fantástica, ninguém se importa. O porto está lá às moscas. Tem dois operadores competentes, porque o governo começou a fazer uma coisa boa que é descentralizar. Como? Tira lá do Departamento de Rodagem Central e dá para privados operarem, porque aí eles começam a mexer na coisa, cada um com um negócio seu. Isso é bom, porque descentraliza. E nós estamos fazendo um trabalho de chamar a atenção de todos para a importância e as oportunidades que se surgem de uma mesa de integração. Porque a mesa de integração, além de fazer esse trabalho de juntar as partes e somá-las para desintegrar as vias de transportes, ela é uma promotora do desenvolvimento regional, ela mostra os negócios novos que podem ser feitos se se usar esses transportes mais baratos. Então ela promove negócios. Nós, por exemplo, criamos um porto na Argentina, privado, para transacionar automóveis com o porto de Vitória. Como? Olhando Vitória, Vitória tem o porto lá, apertadinho, encostado, e, lá, o terminal da Vale, que não tem nada a ver com a cidade. Nós criamos, por exemplo, uma zona de estações aduaneiras de interior, que são áreas alfandegárias enormes, privadas, com (Imex?), (Derca?) e a outra, elas foram criadas. Bom, fizemos com que as concorrências acontecessem. Não aconteciam nunca. Abriram, forçamos o governador junto ao Ministério da Fazenda a abrir essa concorrência, os empresários privados entraram, elas foram construídas, derrubamos as barreiras que impediam automóveis de entrar e serem desembarcados pelo Espírito Santo, derrubamos. Aí começaram a entrar automóveis. Cresceu como polo, primeiro de automóveis. Virou o primeiro polo importador de automóveis do Brasil. Mas isso fortaleceu um conjunto de firmas que dão apoio ao porto, que são as áreas aduaneiras de estocagem junto ao porto. Então criamos uma vasta infraestrutura de suporte ao porto atrás. Bom, aí outros negócios começam a aparecer, porque aquilo existe. Um deles que nós imaginamos e conseguimos, eu fui a Buenos Aires, conversei lá com o Senhor (German Mucson?), dono da (Mucson?) Terminais e Estivais, uma empresa de navegação de portos, e ele se interessou. Bom, pra encurtar a história, casamos ele com a (Cotia?) lá em Vitória. E ele construiu com o apoio da (Cotia?), dois berços _____, lá no porto, junto a área de produção de automóveis argentinos e a (Transval?) entrou transportando por mar. Então essas coisas, esse negócio, um atrás do outro. Por exemplo, fala-se em ferrovias e corredores, nós pegamos essa mesa de integração de Vitória, esse exemplo eu acho interessantíssimo, se eu tenho um porto de carvão, lá tem, eu posso imaginar múltiplos usos pra esse porto. Claro, todo mundo pode. Então nós imaginamos o seguinte: produção de energia elétrica via carvão importado, ideia óbvia, trivial. Mas o que não é trivial é fazer um pequeno e competente estudo mostrando que tem um porto vazio ali, tem navio vazio chegando pra buscar minério, que pode trazer carvão, mostrando que tem mercado pra energia, que vai faltar, é óbvio, mostrando que trens sobem vazios do porto para o interior pra buscar minério, podem levar carvão, e demonstrando que um quilowatt por hora gerado por esse sistema com carvão importado por esses navios do exterior é um quilowatt por hora econômico. Fez-se o estudo, demonstra tudo isso, está ali, e se vai ao Estados Unidos e se traz quem? A maior empresa de geração termoelétrica do mundo, nós trouxemos, foi (Southern Eletric International?). Uma coisa simples, feita assim. Pouquíssimos recursos envolvidos. Ela veio pra cá: “O que é isso? Vou olhar.” Acabou tendo outro rumo a conversa, ela acabou comprando um terço da (Cemig?), por um bilhão e 200 milhões de dólares. Mas ela veio por esse caminho. Veio por onde? Veio pela colocação adequada e honesta do assunto porto. Só isso. Teve outro fim? Mas não tem importância, serviu pra isso? Serviu. Está aí. Inclusive eu criei lá Escola de Engenharia, eu sou professor lá emérito, não dou mais aula, mas eu, conversando com meus alunos que têm hoje posição de destaque lá na Universidade, formulei um currículo que dá logística, comércio exterior e desenvolvimento regional, junto, mostrando os nexos entre as coisas. Como é que num país que não tem logística, ela aparecendo, ela desenvolve regiões... Na Europa já acabou isso, porque já desenvolveram isso, nos Estados Unidos, no tempo do ouro, daquelas carroças, naquela época, aqui ainda não. Então aqui ainda há lugar pra você, num curso de uma Universidade, pós graduação, mostrar que a logística desenvolve recurso natural e promove o comércio exterior tudo junto e, além disso, nós estamos agregando agora criatividade na geração de negócios e business, porque tem que fazer também comércio eletrônico e sustentabilidade ambiental, porque o ambiente está indo para o brejo. Principalmente a área portuária, onde nós já criamos um outro projeto chamado Mesa de Questão Ambiental Costeira. Uma união de municípios pra forçar os portos a irem no rumo dos portos do Primeiro Mundo. Porto lá é centro de recuperação ambiental. Ele é centro de promoção da qualidade ambiental, mais do que de recuperação, no mundo civilizado. Aqui o porto tem que assumir a mesma função. E eles, lá, apesar de exercer um forte papel ambiental, ainda tem custos mais baixos que os nossos portos.
P/1 – Com o investimento todo que eles fazem?
R – Com tudo. Com toda a fiscalização das águas. Você pega uma água. Em Cingapura a água é limpa, você não vê uma mancha de óleo, nem uma casca de cebola, de laranja, nada, nada. A água é limpa. Você vai aqui, você vê...
P/2 - Não precisa nem chegar nele, é só estar passando perto...
P/1 – Porto aqui é área restrita, você não chega nem perto.
R – É limpo e eles botam teleférico em cima do porto. Você passa de teleférico, tudo limpo, pintado de branco, um Bouganville. Aí você desce, olha por ali, você vai visitar um aquário magnífico, é turismo. Tudo limpo. Vancouver, mesma coisa; Sidney, igualzinho; (Iocohama?), mesma coisa, aqui é isso aqui. E o porto é caríssimo. Quer dizer, é uma forma absolutamente distorcida do porto. Mas o que é o porto? O porto é a comunidade do Rio de Janeiro. O porto não é uma pessoa que alguém botou lá chefiando naquele momento aquela burocracia local. O porto é a cidade. Lá é assim, porque é a cidade. Então nós, com esse curso e essa pregação incessante feita por todos os lados, estamos procurando colaborar para que essa coisa caminhe nessa direção, porque aqui há esse espaço que desaparece em poucos anos, espero, né? Esse curso, nós vamos botar pela internet inclusive. Isso tudo demanda buscar recursos, arranjar apoiadores, porque nós fizemos esse desligamento do estado, sociedade privada sem fins de lucro e viver pelo apoio que os interessados possam dar à causa, né? De qualquer maneira, eu estou contando uma história que tem uma continuidade, né?
P/2 – E essa é a principal atividade do senhor hoje em dia?
R – É, nós estamos trabalhando na integração da América do Sul como um todo, com esse lado do meio ambiente. Essa é nossa atividade. Nós estamos, inclusive, com projetos que podem perfeitamente ser classificados de megalomaníacos. Por exemplo, salvar a Floresta Amazônica, esse eu mesmo reconheço que é um projeto megalomaníaco. Mas depois do que eu vi acontecer com Carajás, e só aquele quadrilátero ficar a salvo, eu fiquei abismado. Aí pedi um cálculo, que o Zé Augusto Teixeira de Freitas, também engenheiro da Vale, fez. Um ótimo engenheiro nessa área florestal, em tudo, aliás. Eu perguntei: "Teixeira, em quantos anos acaba a Amazônia?" Ele calculou, chegou: "Sessenta anos." Isso foi em 1990. Cálculo simples, né? Quanto a economia brasileira consome de madeira e onde tem madeira. Acaba em sessenta anos sem replantio. Aí o (Inpi?) fez um cálculo depois, deu cinquenta anos. Três anos depois, o (Inpi?), com satélites e tudo. Ou seja, e eu, como vi o que aconteceu em Carajás e vi uma empresa vender minério para queimar árvore, a própria empresa, que é o gusa, né, fornecer o... Aí eu até inverto: fornecer o combustível pra queimar a floresta. Isso vai acabar mesmo, porque enquanto todo mundo fala meio ambiente, não sei o que, ________, do próprio mineral, no seio da Floresta Amazônica, se uma pessoa começa, devia ter uma penalidade ecológica, por exemplo, ser jogado num poço de piranhas. Um fim ecológico. (risos)
P/1 – Entrar na cadeia alimentar.
R – ______________ contaminada. Gerar outros.
P/1 – Envenenamento, né?
R – É, um troço mais brabo. Mas aí, veja, o projeto megalomaníaco é o seguinte: provavelmente a hora que ele aparecer eu vou sofrer um linchamento, eu vou resistir. Já passei por um ____ aqui. É o seguinte, o Rio Madeira tem um caudal brutal, entendeu? A descarga líquida, a vazão, e ele é navegável e está sendo navegado até Porto Velho. Empresários, ____, tira soja por ali, muito bem, está funcionando muito bem, de Porto Velho para o Amazonas. O Amazonas recebe até cinquenta mil toneladas que às vezes entram. O limite é a barra lá, até sessenta talvez possa. Lá fora do canal Norte, onde há uma restrição, a descarga do Amazonas é ali e dá doze metros lá fora, _______. Ninguém vai _____ aquilo e manter, porque é "imantível", você não brinca com descarga sedimentar do Amazonas. Impossível você controlar. Então navios de até cinquenta mil entram ali. Mas é um baita de um navio, ele chega na boca do Rio Madeira. E o Rio Madeira, de Porto Velho até lá, é navegável. Agora, de Porto Velho pra cima não é, tem uma queda d'água, até entrar na Bolívia, de uns oitenta metros, suave, né? Esses oitenta metros, vencidos por três barragens incluídas, navegabilizam três quilômetros de vias dentro da Bolívia. Todo o Norte da Bolívia fica pelos Rios Madre e Dios Bene; Madeira Mamoré fica acessível pelas três reclusas a esse navio de cinquenta mil toneladas dentro do Amazonas. Bom, agora, essas três barragens podem gerar oito mil megawatts na ponta e cinco mil em média. Meia Itaipu, em média. Na ponta, oitenta por cento de uma Itaipu, é energia à beça e é energia da qual o Brasil precisa e é energia renovável e limpa. A ideia que nós estamos promovendo é a seguinte: conseguir a concessão dessas três barragens para uma Fundação, que nós temos, constituir nessa Fundação um conselho científico de integridade e nível acima de qualquer suspeita, o que, aliás, não é fácil, _______________ chamar aquele de _____, como ___ o meu neto, ___ vela nas ruas de Atenas, dar um jeito de ressuscitar Diógenes, que prega _________________ científico de alto nível, íntegro. Pra que? Para o seguinte: nós obtemos a concessão dessas três barragens, vencemos uma batalha monstruosa de oposição a sua construção, onde ecologistas do mundo inteiro vão tentar nos esganar, imaginando que a gente vença essa ____. Fazemos três barragens. Uma barragem que pouco impacta ao meio ambiente, na realidade, porque mantém o Madeira na sua condição de cheia apenas porque serão usinas que funcionam a fio d'água, não tem reservatório, apenas o rio fica na condição de cheia, pra ter pra queda. Então é usina a fio d'água. Se secar o rio, por algum tempo acaba, para tudo o que é máquina e gera esse monte de energia. A venda dessa energia a um país que precisa dá uma receita superior a um bilhão de dólares por ano. Este bilhão paga a construção das barragens, os financiamentos, e, depois, ele é aplicado através deste conselho na vigilância, recuperação, pesquisa, proteção da Amazônia como um todo. Porque com um bilhão de dólares por ano, isso é possível para toda a Amazônia. Eu posso mobilizar a opinião, eu posso pesquisar a Amazônia, eu posso formar um homem amazônico em equilíbrio com a sua natureza e que proteja a natureza, desenvolvendo uma economia em função do meio ambiente existente hoje e, portanto, o "homo economicus" amazônico. Desculpem, não existe isso. Esse ser em equilíbrio com a Amazônia, o que ele vai fazer? Ele vai proteger a Amazônia, porque ele vive dela. E ele vai ser culto, vai possuir tecnologia de ponta equatorial desenvolvida pela Amazônia, inclusive uma medicina e uma forma de vida confortável para o trópico equatorial, que Cingapura desenvolveu, contraditando qualquer ideia de que no trópico não dá nada. Cingapura é riquíssimo, está em cima do equador, aliás. Então desenvolve-se uma tecnologia própria para a Amazônia, pesquisando, educando e formando, desde a criança até em cima. O tempo todo. E, com um bilhão, comprando vastas áreas também. E com um bilhão de dólares anuais, você desenvolve os rios, desenvolve a navegação, você cria uma civilização amazônica protegendo o ecossistema para gerações, para todo o sempre. É a única solução que eu vejo para aquilo, porque as outras soluções, quais são? Legislar mais do já se legislou? Não adianta. E vá você aplicar uma lei lá. Leva um tiro, te matam, te jogam num poço de piranha, imediatamente. Você não aplica. Inaplicável. Tem que ter algo dessa ordem, um fenômeno novo, do tamanho do problema e este é um. Então é uma maneira que nós vimos de ____________, porque o governo não vai botar essa quantia de dinheiro nunca, porque não tem. A outra solução é envasar uma ____ do exterior. Toma, vai proteger. Que é uma das propostas que volta e meia, está claramente, (risos) mas essa não creio que interesse a gente. Agora, esse é um projeto que nós estamos colocando a nível de governo. Já apresentamos para o vice-presidente, para o Ministro Malan, relatórios. Agora nós vamos dar uma entrada oficial ____ no Ministério de Minas e Energia.
P/1 – O seu cotidiano hoje é todo marcado pela Fundação? O senhor trabalha diariamente ali, levando projetos e tocando?
R – Isso.
P/2 – Não tem atividade de lazer?
R – Essas. Isso é um tremendo lazer. Há você de concordar comigo.
P/2 – Concordo. E o senhor mora com quem?
R – Com a minha mulher atual, casei pela segunda vez, com raiva do padre.
P/2 – Tem filhos?
R –Tenho. Do primeiro casamento, dois. Um é compositor de música eletrônica, pós moderna, não sei nem se gravou alguma coisa, e a outra é uma desportista radical, gosta de asa delta, surfe e acabou casando com um americano que faz a mesma coisa e eles fazem comércio entre Bali e a Califórnia. Tem asa delta dos dois lados. Então está muito bem lá.
P/2 – Bom, Seu Paulo, então, a gente pergunta o que o senhor achou de ter participado do projeto, ter dado o seu depoimento?
R – Eu achei interessantíssimo, muito interessante. Eu achei que a iniciativa... Cumprimento a Vale do Rio Doce pela iniciativa, essas coisas a gente não faz no Brasil. Isso é muito importante que seja feito. Espero que vocês ouçam muito mais gente, já estão ouvindo. E o dia que tiver um sistema jurídico forte, confiável, a gente vai poder falar mais sobre isso. Ainda não dá. Muito obrigado a vocês.
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