Entrevista de Francisco Pedrosa Galvão (Chico Pedrosa)
Entrevistado por Jonas Samaúma
Feira de Santana (BA), 13 de dezembro de 2023
Programa Conte Sua História
Entrevista número PCSH_HV1385
Transcrita via Transkriptor
Revisada por Larissa Mesquita Colejo
P/1- Bom dia, seu Chico.
R- Bom dia!
P/1- Gostaria de perguntar pra você… Que você falasse o seu nome e contasse um pouquinho do lugar que você nasceu e o que você lembra do lugar que você nasceu. Assim, as primeiras coisas que você lembra…
R- Tudo bem. Eu me chamo Francisco Pedrosa Galvão, nasci no dia catorze de março de mil novecentos e trinta e seis, num sítio que tem lá na Paraíba, no município de Guarabira. O sítio chama-se Perperi, até hoje está lá. Filho de Avelino Pedro Galvão, que era cantador, e Ana Maria da Conceição, que era dona de casa, e prima legítima do famoso repentista Josué Alves da Cruz, de quem hoje, a Câmara municipal de Arara, no estado da Paraíba, tem o nome dele: casa Josué Alves da Cruz. Me criei naquele ambiente ouvindo cantadores que meu pai levava para a casa dele, e aquilo foi despertando em mim algo que me chamava a atenção, tanto que eu comecei a escrever muito cedo. E meu pai me dava cordéis que trazia das feiras, e eu lia aquilo ali… Era convidado pelos vizinhos para ir ler cordéis pra eles de noite, e eu ia junto com minha mãe, e lia com o maior prazer. E o que eu tenho a dizer da minha infância é isso.
P/1- Você ia criança mesmo ler cordel para os vizinhos?
R- Eu já lia, com nove anos de idade eu já lia cordel pros vizinhos.
P/1- Você lembra da primeira vez que você foi ler?
R- Não, não lembro. Isso aí eu não lembro… Primeira vez eu não lembro. Mas eu tinha o que? Nove anos, não tinha nem dez anos ainda.
P/1- E como é que acontecia a coisa da cantoria do seu pai? Como é que você acompanhava? Ele cantava em casa?
R- Não, meu pai cantava contratado pelos vizinhos ou pelo pessoal que gostava de cantoria, como...
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Entrevistado por Jonas Samaúma
Feira de Santana (BA), 13 de dezembro de 2023
Programa Conte Sua História
Entrevista número PCSH_HV1385
Transcrita via Transkriptor
Revisada por Larissa Mesquita Colejo
P/1- Bom dia, seu Chico.
R- Bom dia!
P/1- Gostaria de perguntar pra você… Que você falasse o seu nome e contasse um pouquinho do lugar que você nasceu e o que você lembra do lugar que você nasceu. Assim, as primeiras coisas que você lembra…
R- Tudo bem. Eu me chamo Francisco Pedrosa Galvão, nasci no dia catorze de março de mil novecentos e trinta e seis, num sítio que tem lá na Paraíba, no município de Guarabira. O sítio chama-se Perperi, até hoje está lá. Filho de Avelino Pedro Galvão, que era cantador, e Ana Maria da Conceição, que era dona de casa, e prima legítima do famoso repentista Josué Alves da Cruz, de quem hoje, a Câmara municipal de Arara, no estado da Paraíba, tem o nome dele: casa Josué Alves da Cruz. Me criei naquele ambiente ouvindo cantadores que meu pai levava para a casa dele, e aquilo foi despertando em mim algo que me chamava a atenção, tanto que eu comecei a escrever muito cedo. E meu pai me dava cordéis que trazia das feiras, e eu lia aquilo ali… Era convidado pelos vizinhos para ir ler cordéis pra eles de noite, e eu ia junto com minha mãe, e lia com o maior prazer. E o que eu tenho a dizer da minha infância é isso.
P/1- Você ia criança mesmo ler cordel para os vizinhos?
R- Eu já lia, com nove anos de idade eu já lia cordel pros vizinhos.
P/1- Você lembra da primeira vez que você foi ler?
R- Não, não lembro. Isso aí eu não lembro… Primeira vez eu não lembro. Mas eu tinha o que? Nove anos, não tinha nem dez anos ainda.
P/1- E como é que acontecia a coisa da cantoria do seu pai? Como é que você acompanhava? Ele cantava em casa?
R- Não, meu pai cantava contratado pelos vizinhos ou pelo pessoal que gostava de cantoria, como ainda hoje acontece, e eu ia assistir junto com a minha mãe. A gente ia assistir a noite toda, e aquilo era uma alegria para mim. Eu menino entendia pouquíssimo daquilo, mas achava bonito, e até hoje eu acho interessante.
P/1- E seu pai buscava te ensinar um pouquinho da arte?
R- Não, ele nunca buscou me ensinar. Eu pedi a ele algumas orientações quando eu comecei a escrever, e ele me orientava: “meu filho, faça assim, faça assim, faça assim…”, e eu fiz. Nunca, nunca esqueço disso! Ele me corrigia…
P/1- É a sua mãe que era rezadeira?
R- Não, minha mãe inventava de rezar, mas não era tão rezadeira, não, mas inventava de rezar.
P/1- E como é que era a sua casa? Assim, como era o ambiente da sua casa?
R- Minha casa era uma… Era era um casebre, não era uma casa. Era uma casinha de taipa no sítio Pau Amarelo, onde eu me criei. E era uma casinha pobre, casinha que não tinha nada, não tinha água, não tinha luz, não tinha nada… E se tinha água era porque mãe ia buscar nos poços lá onde tinha… E não tinha nada, fui criado na pobreza, graças a Deus, mas me sinto feliz hoje em dia.
P/1- E você já trabalhava com a enxada, criança?
R- Comecei a trabalhar com oito anos de idade na enxada, meu pai era agricultor, cantador e agricultor. E eu trabalhava na enxada, fui trabalhador de enxada muito tempo.
P/1- Fazia o quê? Roçado ou…
R- É, eram os roçados que o meu pai fazia, ele me chamava e eu ia lá pra limpar o mato junto com ele. E aí não tinha outra coisa a fazer… Eu não sei, eu chegava da escola meio-dia, e duas horas da tarde já ia pra enxada junto com meu pai.
P/1- E como é que era a noite? Porque imagino que não tinha luz elétrica.
R- Não, não tinha nada. Era no candeeiro, uma lamparina de gás. Minha mãe acendia e logo logo a gente ia dormir cedo, que o agricultor não dorme tarde, ele dorme cedo, sete, oito horas da noite ele já ta na cama… Não fica onze, dez, doze horas como hoje a gente vive, não. E de manhã também levantava cinco horas da manhã, tava de pé pra cuidar da vida, da água aos bichos, da água a um carneiro, uma cabra… E tomar o cafezinho feito ali mesmo numa chaleira de barro, numa panela de barro, e sete horas tá na enxada já.
P/1- Então você ia pra enxada antes de ir pra escola?
R- Não, meu pai que ia. Eu ia pra escola, e pra enxada depois de 2 horas quando eu chegava em casa. Eu chegava em casa meio-dia, tomava banho, tomava café, comia alguma coisa, e ia pra enxada…
P/1- E você tinha irmão?
R- Não, sou filho único.
P/1- E a vida na comunidade? As pessoas eram próximas? Tinha outras famílias?
R- Muito próximas. Eu tinha tios e primos, eu tinha muitos… primos e tios. Agora irmão, nunca tive, sou filho único.
P/1- E você acompanhava os festejos? Tinha encontro que as pessoas contavam histórias, tinha esse movimento?
R- A gente ia pra festa, mas era levado por pai e mãe. E a gente criou num sítio, não foi na cidade… Eu vim conhecer a cidade já era adulto. E aí minha mãe e meu pai levavam a gente para as festas, e lá a gente passava a noite naquelas festas, lá em Guarabira, que eu (inaudível) no sítio do Perperi, onde eu já falei. Guarabira, Serra da Raiz, Sertãozinho, Duas Estrada, Caiçara: era as festas que a gente ia pra ver, mas festa de Natal, festa de Ano-Novo, festa de rei. E eu me lembro que o ano demorava a passar que só a peste! Porque hoje em dia ele passa ligeiro demais. Naquele tempo demorava, porque a gente ia pra festa e sabia que só tinha outra daqui um ano, não tinha todo dia como hoje tem… Fui criado assim.
P/1- E você vai agora à Guarabira hoje em dia ainda, né?
R- Vou… Tranquilamente!
P/1- O que você…
R- Teve agora no mês de setembro lá, que foi o Centenário do Pavão Misterioso, do cordel Pavão Misterioso, o centenário. E o autor do Pavão Mysterioso era lá de Guarabira também, era meu conterrâneo, José Camilo de Melo Resende. Pra mim, um dos maiores cordelistas que eu conheci, até hoje não conheço melhor do que ele, ninguém! Ele era fora de série… E eu lia cordel e vendia cordel na feira escrito por ele… E eu sempre vou a Guarabira, gosto da minha terra demais.
P/1- Mas você chegou na mesma época a conhecer ele?
R- Não, não conhecia ele. Eu não conheci pessoalmente, eu não conhecia.
P/1- Mas o que você sente que mudou? De Guarabira da sua infância pra Guarabira hoje?
R- Mudou tudo! Naquele tempo todo não tinha nada! A luz apagava sete horas da noite, oito horas da noite, nove horas da noite, no máximo. Hoje é vinte e quatro horas. Tem tudo… Guarabira é cidade grande, capital do Brejo. A cidade tem mais de cem mil habitantes, tem faculdade, tem hoteis de primeira qualidade, tem tudo… Coisas que não tinha na época.
P/1- Teve algum episódio da sua infância que te marcou? Algum dia, alguma coisa, algum episódio foi marcante para você?
R- Não, não lembro, não. Não teve, não… Não teve, não.
P/1 Indo agora pro cordel, né? Eu queria que você contasse um pouquinho como foi que você começou? Você disse que começou a ler… Conta um pouquinho da sua trajetória.
R- Eu comecei a escrever cordéis em mil novecentos e cinquenta e sete, dezoito pra dezenove anos, vinte anos, porque eu lia nas feiras e vendia nas feiras. E a gente chamava a atenção pra que a gente escrevesse alguma coisa, e eu comecei escrevendo cordéis junto com meu amigo Ismael Freire de Paula, que Deus levou tem três anos, e vendia nas feiras, cantava cordéis na feira. Guarabira, Araçagi, Sertãozinho, Pirpirituba, Mamanguape, Rio Tinto… nas feiras da redondeza. A gente fazia sexta, sábado e domingo.
P/1- Como é que era? Você pode falar pra mim? Você chegava no começo da feira… Onde vocês…
R- Chegava no começo da feira… O cordelista chegava no começo da feira! Não era cordelista, era chamado folheteiro, cordelista a gente chama hoje. Mas era vendedor de folheto… E a gente chegava lá cedo, botava a nossa banca lá, a nossa mala, abria, os cordéis de primeira linha a gente botava na tampa da mala, e os demais a gente ia trabalhar pra vender. E era cantando e vendendo, era assim. Não tinha nada de (inaudível).
P/1- Vocês iam em grupo?
R- Não, não… Só um! Era cantado por um, não tinha dois, não.
P/1- Ah, você ia sozinho…
R- Sozinho, eu e Deus.
P/1- E na hora que você começava a falar, as pessoas paravam?
R- Parava para escutar… Aí lá no meio a gente dava uma parada pra venda de alguns, e seguia até o final do cordel.
P/1- E qual que era os títulos que mais fazia sucesso?
R- Título de que fazia sucesso? José Camilo de Melo. Era eu… José Camilo de Melo… “Raízes do chão”, “Caboclo”, “Entre o amor e a espada”, “Donzela Teodora”, tem inúmeros… Eu esqueço porque tem inúmeros cordéis.
P/1- Essa coisa de vender cordel em feira você fez só na Paraíba? Ou você começou a circular feiras de outros Estados?
R- Eu fazia Paraíba e fazia Rio Grande do Norte. Era os dois estados que a gente mais fazia, era Paraíba e Rio Grande do Norte, porque Guarabira está anexa ao Rio Grande do Norte. Você sai e a próxima cidade é do Rio Grande Norte, que chama-se Nova Cruz, já no Rio Grande, e a gente fazia ali.. Não viajava pra longe, não, fazia por ali mesmo.
P/1- E quando você começou a ser folheteiro, você já fazia seus cordéis próprios?
R- Não, não… Fazia não. Eu fazia meus cordéis depois dos dezoito anos de idade, foi que eu comecei a fazer. Agora, vendendo na feira desde os catorze anos, que a gente vendia nas feiras. Mas era bom demais… Eu nunca esqueço isso.
P/1- Quando cê ia numa feira, você falava mais ou menos quantos cordéis assim num dia?
R- Variava muito. Tinha cordéis, quando eram clássicos, de Manoel Camilo, de Manoel Pereira Sobrinho, de José Camilo… Ah, tinha cordéis que a gente vendia na feira trinta, quarenta, até cinquenta cordéis de uma vez só vendia. E tinha feira que vendia menos, e tinha feira que vendia mais… A feira que mais a gente vendia cordéis chamava-se Rio Tinto, até hoje está lá, e Lagoa Grande, na Paraíba, a terra do cordelista Manoel Pereira Sobrinho e Manoel de Almeida Filho, a terra onde nasceu Jackson do Pandeiro, Lagoa Grande. Feira do dia de sábado era feira grande e o pessoal gostava de ouvir a gente…
P/1- Eu a ouvi isso porque às vezes parava o cordel no meio para a pessoa comprar, né?
R- Exatamente. Quando chegava numa estrofe que chamava a atenção, a gente prendia aquilo ali e chamava a atenção do público para continuar depois da venda dos cordéis. Aí eles compravam ali, e a gente seguia, continuava.
P/1- O seu pai, ele era cantador? Ele fazia cordel também?
R- Não, nunca. Cantador, nunca fez nada. Meu pai era simplesmente um cantador, cantador de repente, cantador de coco que chamava, um repentista.
P/1- Uhum. E quando foi que você fez o seu primeiro cordel? Você podia contar assim dos cordéis?
R- Eu só não me lembro… Eu saí do título dele, “Sofrimento dos nortistas no triângulo mineiro”. Eu escrevi em mil novecentos e quarenta e oito, eu tinha vinte anos já.
P/1- E o que que te inspirava a escrever uma história?
R- Era você ver, observar e sentir. Até hoje se escreve assim: você vê, você observa, você sente… Pra poder produzir um trabalho tem que saber.
P/1- Qual foi um dos cordéis que você criou que você lembra que de uma inspiração de algo que aconteceu na sua vida você criou um cordel?
R- Eu criei um cordel chamado… Ele nunca foi publicado, porque quando eu vim de Natal pra aqui, que eu morava em Natal, o meu sogro veio também morar aqui, e a minha sogra. E uma mala de cordéis que tinha lá eles deram fim, jogaram no mato, não sei para onde foi… Era cordéis que eu escrevia, e os originais estavam na mala, e perdeu-se tudo. Mas a vida é assim mesmo, a vida é assim mesmo…
P/1- Queria que você falasse um pouquinho, Chico, dessa amizade ue você fez com o Louro do Pajeu. Como foi que você fez?
R- Isso aí a gente faz de acordo com a convivência… Você conhece essas feras, e você é convidado a participar de eventos que eles faz. E era o que eu fazia, eu ia participar dos eventos. E conheci inúmeros, inúmeros cantadores… Como Louro, Lourival, Dimas, Otacílio, (inaudível) Sobrinho - que foi meio conterrâneo, primeira qualidade, que era lá de Pilar, pertinho de Guarabira. E muitos e muitos, muitos cantadores afamados.
P/1- Conheceu Pinto do Monteiro?
R- Não conheci, não. Pessoalmente eu vi uma vez Pinto do Monteiro, uma única vez eu vi, aqui em Petrolina, no Congresso de Violeiro, que esteve lá, ele veio. Mas nunca tive convivência com ele, não.
P/1- E com Lourival, Otacílio e Manuel Filho, você viveu algumas histórias com eles?
R- Não, não. Só escutava eles, não tinha nada demais, não. Eu ia porque eu gostava de ver Lourival, de ouvir Pinto, de ouvir Otacílio, de ouvir o Dimas… Era só para ouvir mesmo. Mas não tinha nada com a gente, não, nunca participou de evento misturado, não.
P/1- E você ia a São José?
R- Constantemente, constantemente eu ia. São José do Egito eu ia constantemente, principalmente todo final de ano, que é o Dia de Reis, que é o 6 de janeiro... E é o dia de aniversário de Louro, que nasceu dia seis de janeiro de mil novecentos e quinze, lá em São José do Egito. E tem a festa de reis lá em São José do Egito, até hoje tem. E aí tem a festa em homenagem a ele, que começa dia primeiro e vai até o dia seis de janeiro, lá na casa onde ele viveu, onde que hoje é o Memorial Lourival Batista, a casa é um memorial.
P/1- E você sente que São José tem essa coisa de ser conhecido como a “terra da poesia”? Você sentia que tinha alguma coisa diferente?
R- É verdade! Não é mentira, não. Você quando pisa lá, tem que pisar devagar no chão e ter cuidado, porque senão o bicho pega! É o Cariri Paraibano, Monteiro, na Paraíba, que é a terra de Pinto do Monteiro, e São José do Egito, a terra do Louro… O Cariri paraibano, e Pajeú pernambucano, são anexos. Cabra tem que pisar devagar no chão, senão o bicho pega!
P/1- Como assim pisar devagar?
R- Não, é porque é demais. Menino com dez, doze anos, já canta, já lê, já declama, faz tudo… E têm muitos, têm muitos, têm muitos… Por isso que eu estou dizendo, quando eu piso no Pajeú eu sinto que eu tenho algo a ver com aquilo ali, eu tive… Eu me sinto bem, me sinto bem demais. E tenho grandes amizades lá com pessoas, graças ao meu bom Deus, conheço muita gente de primeira igualdade.
P/1- Como é que era esse cenário desses cantadores antigos? Você podia contar um pouco?
R- Os cantadores antigos, eles eram diferentes dos de hoje, porque eles improvisavam, cantavam de improviso, e a maioria dos cantadores de hoje cantam decorados, eles fazem o trabalho para cantar, muitos deles, conheço muitos. Mas mesmo assim, ainda tem muitos que cantam de improviso… Mas era diferente, os de hoje são mais letrados, hoje nós temos cantadores que é advogado, como tem Daudeth Bandeira, lá em João Pessoa, é um advogado - canta porque gosta da cantoria e nasceu para cantar - irmão de Pedro Bandeira, de saudosa memória, lá de Juazeiro do Norte. Mas hoje é diferente, naquela época era improviso mesmo, não tinha nada escrito, feito para cantar, não… Tirava do juízo. É importante demais… O festival lá em São José do Egito, inúmeros, participei de vários, participei de muitos festivais também lá no Recife, no teatro Santa Isabel, lá no Recife… Diversos lugares aí participei de eventos. A convite, eu ia a convite.
P/1- Você, a partir desses vinte anos, você vendia cordel em feira, né? Como é que desenrolou a sua vida? Você ficou a vida só trabalhando por isso ou você tinha outros trabalhos?
R- Não, eu tinha outro trabalho, fui representante de vende por vinte e seis anos… Trabalhei com vendas vinte e seis anos e fui comerciante aqui em Feira de Santana. Tinha uma loja aqui em Feira de Santana, chamava Batista e Galvão Ltda - ele passou na porta dela indo agora lá. E graças a Deus era assim...
P/1- E você trabalhava como representante de vendas, você vendia o quê?
R- O quê? Lá na loja?
P/1- É.
R- Era uma loja de cultura, loja de flores… Era uma loja de cultura.
P/1 - E quando você começou a trabalhar com isso, como é que você conciliava isso com o cordel?
R- Eu fui dono de restaurante aqui também, lá no mercado. Ali onde a gente estava hoje, eu tinha um restaurante lá. Eu nunca parei, não, graças a Deus… E até hoje não paro, vivo pra riba e pra baixo, que nem (inaudível).
P/1- E nessa época que você trabalhava, você continuava atuando como cordelista?
R- Não, não… Tava no juízo, mas não produzia nada, não. Só quando você se desligava dali que você voltava a ser aquilo que você era.
P/1- Então você começou fazer com uns catorze, vendendo em feiras…
R- Foi, vendendo em férias, agora escrever só a partir dos dezoito anos.
P/1- Aí você ficou nisso quanto tempo até começar a…
R- Até hoje, até hoje vivo disso. O nosso sexto… oitavo livro está saindo agora em dezembro, lá em Fortaleza, da editora Mepe, que é a nossa editora, desses daqui… Está saindo lá, e já tem o lançamento marcado pra Recife, já está o lançamento lá pra a gente fazer.
P/1- O senhor chegou a conhecer Patativa de Assaré?
R- Conheci ele… conhecido demais. A gente participou de eventos juntos, muitos, claro, lá em São Paulo, e aqui no Nordeste muitas vezes. Lá em São Paulo tem o Mano Novo e o Mano Véio, que é da Bandeirantes, em São Paulo, ele levava a gente pro lá e passava quinze, vinte dias lá, um mês lá declamando, lá nos programas deles. Era retalho… Era Retalho do Sertão? Era Retalho do Sertão o nome no programa deles.
P/1- Como era a figura de Patativa? Porque a gente conhece…
R- Era espetacular! Gente da melhor qualidade… Humilde, simples, educado. Pois lá em Assaré, a cidade dele, Assaré, todas as ruas de Assaré, todas, sem exceção, todas as ruas, antes do nome da rua, tem ele e um verso feito por ele, uma história feita por ele na parede. A rua começa aqui, o nome da rua está aqui, daqui pra cá, e aqui está ele, Patativa, com um verso. Em Assaré, todas as ruas. Tem uma rádio lá com o nome dele, a estação rodoviária tem o nome dele, de Nova Olinda até Assaré a rodovia tem o nome dele… É consagrado. Ele nasceu a dezesseis quilômetros de Assaré, nasceu no sítio de Santana, na Serra de Santana, há dezesseis quilômetros, e pediu pra essa estrada nunca ser asfaltada, e até hoje não tem asfalto. É limpa, limpa… uma beleza, mas até hoje não tem asfalto. Ele nasceu lá, e eu conheci ele demais, o Patativa…
P/1- Vocês conviviam juntos assim?
R- Fizemos muitos eventos juntos, muitos…
P/1- Chegaram a criar junto?
R- Não, nunca produzimos juntos, não. Nunca produzimos nada juntos… Parceria, não.
P/1- Você produz em parceria ou produz só sozinho?
R- Não gosto de parceria, não. Gosto de produzir só. Eu não tenho nada de parceria com ninguém. Aqui mesmo tem CD que é eu e Zé Laurentino, mas aqui o Zé Laurentino fazia a parte dele, e eu fazia a minha parte na gravação… Mas dividindo trabalho, não. A gente nunca dividiu, não.
P/1- Eu ia pedir pra você contar um pouquinho também como você conheceu Luiz Gonzaga.
R- Luiz Gonzaga eu conheci acidentalmente lá em Caruaru uma vez, e depois a gente se conheceu lá em Monteiro, na Paraíba, e depois a gente se conheceu em Recife. Mas era assim, era de passagem, não tinha nada a ver com nossos trabalhos, não… Nunca teve. Conheci ele porque conheci mesmo, mas não tinha nada… Conhecia naturalmente.
P/1- É, mas chegou a fazer amizade assim?
R- Não, a gente conversava, batia papo, tudo, mas nunca tive uma amizade, não. Ainda hoje está lá no Exú, onde ele nasceu, tem lá o memorial dele e tudo. Tá sendo, hoje mesmo, em homenagem a ele, que ele nasceu no dia de hoje, dia de Santa Luzia, né? E hoje Exú deve tá tapado de gente, sem ninguém nem poder andar (inaudível)... Em homenagem a ele, ao Luiz Gonzaga, Rei do Baião, e gente da melhor qualidade.
P/1- E nessas andanças, Chico, o que que marcou mais você? Assim, quando você ia fazer evento? Teve alguma história, algum caso que você viveu?
R- Não lembro, não, de caso, não… A gente quando é convidado para fazer os eventos, a gente vai sabendo, como tem os festivais internacionais de livro, feira de livros, o que acontece, como teve agora em novembro, em Fortaleza, e depois teve no Recife. A gente vai a convite dos promotores do evento, a gente vai para participar dos eventos, vamos lá a convite dos promotores dos eventos. Em Fortaleza, a convite da Secretaria de Cultura, e Pernambuco também… É assim que a gente faz.
P/1- Naquela época, houve assim… A Secretaria convida, você vai, né?
R- É, a gente vai ganhando. Não vai de graça, não.
P/1- Como é que, voltando um pouquinho, quando você era criança e ia declamar na casa das pessoas, como é que acontecia?
R- Eu não ia declamar, não. Eu ia ler cordel lá…
P/1- Ia ler…
R- É, acendia a lamparina e ficava lá lendo os folhetos pra eles, isso eu fiz muitas vezes…
Menino, doze, treze anos de idade, eu fazia isso. Mas era porque eu gostava de fazer mesmo. Minha mãe levava, tinha aqueles convites, e a gente ia… Era assim que a gente fazia.
P/1- Queria perguntar também dessa sua parceria com o Lirinha. Como é que aconteceu?
R- Eu conheci o Lirinha eu tinha nove anos de idade… nove não, dez anos de idade, lá no Teatro Santa Isabel, no Recife, ele declamando já. E depois a gente seguiu trabalhando, declamando meus trabalhos, até hoje ele declama meus trabalhos, e ele declama com uma qualidade excelente, com primeira qualidade. Os direitos autorais daquilo que ele faz passam pra minha conta, não fica com nada, ele mesmo devolve pra minha conta, já fez isso mais de uma vez. E quando ele tá na região que eu estou, ele me convida, aí eu vou, e ele participa junto dos eventos. Lá em Arcoverde, que é a terra dele, eu já fui mais de uma vez a convite dele.
P/2- (inaudível)
R- Já, muitas vezes!
P/1- Já fez participação?
R- Não, participava não. Só assistia.
P/2- Participação só no show dele, no caso?
R- Só nos shows dele…
P/1- Quais são suas maiores inspirações, as suas maiores referências?
R- Eu não vejo… Ah, você dorme e aquilo vem na mente, vem algo na tua mente, e enquanto não passa o papel, você não descansa. Mas não sei, não… A natureza oferece aquilo a você, e você segue religiosamente aquilo que a natureza te deu. Eu, pra escrever um trabalho, eu imagino algo e fico pensando em alguma coisa, e ali a gente vai produzindo através daquilo que você pensa, que chama atenção do público; e é assim que a gente faz… Mas, não sei. É a natureza que chama a gente.
P/1- Por exemplo, esse “Vendedor de Berimbau”, como é que você teve a ideia?
R- “Vendedor de Berimbau” foi a encomenda do cantador que morreu.
(corte)
Tem coisas que você lê, só lê um verso, (inaudível) porque não tenho coragem de ler. Eles metrificam, contam história, é um negócio sério, mas é assim mesmo. A vida é assim mesmo…
P/2- Tem alguma sua que o senhor saiba de cor, que você goste, que o senhor tenha um apreço particular. Se o senhor quiser recitar…
R- Eu tenho apreço por todas, todos meus trabalhos eu tenho apreço. Eu gosto imensamente. Tá saindo agora o meu oitavo livro que chama-se “Paisagens da Inspiração”. Vê que título filha da puta, “Paisagens da Inspiração”. Como é que você vai fazer paisagens da inspiração? Eu escrevi…
Fui visitar o país da minha imaginação
E desembarquei numa ilha no mar da recordação
Porque minha caravela tangida pela (inaudível)
Parou no porto dos sonhos, onde vive a lembrança
Dos besteiros de criança
Entre o horizonte…
É a primeira estrofe, aí segue…
Vi as trilhas pavilhadas pela minha vocação horizontalmente abertas
Estenderem minha mão para atravessar o lago
Onde o espaço vago estava a me esperar
E quando despertei senti que para viver nascido o que me faz contentar
O trabalho é meu lazer, me completo trabalhando
Faço com gosto e prazer o que estou relatando
O que traço do papel me obriga a ser fiel àquilo que represento
E cada vez que eu escrevo, transita como relevo no céu do meu pensamento…
E assim vai…
Tiro daquilo que sinto o que acho necessário
Para tornar público os sonhos desse mundo imaginário bordado em alto relevo
E a sutileza do relevo me envolve
E eu proclamo para me sentir feliz
Tudo o que até hoje fiz em prol daqueles que amo
P1 - Eu ia pedir para você declamar uma poesia inteira para a gente depois fazer um vídeo.
R- Mas qual é que você quer o título? Sabe, tem alguns…
P/1- Você pode escolher, alguma de até um minuto… Se quiser consultar…
R- Deixa eu ver, deixa eu ver aqui... Não precisa consultar, não. Meu pai do céu… Deixa eu dar uma olhada aqui.
Terra e chão… “Terra e Chão” é meu mais recente CD, eu gravei em Recife, com a participação do poeta Dedé Monteiro, lá de Tabira. Eu gosto demais de “Terra e Chão”...
Toda a minha poesia
É feita de terra e chão
Não possui os galanteios dos poetas de salão
E é tão simples como a vida da minha gente sofrida, perdida na multidão…
Começa assim…
Só sei falar o que sinto, e só sei contar o que vi
Conservo em minha lembrança dos costumes que aprendi
E trago na minha bagagem
A mesma fé e coragem
Da terra onde nasci
Cresci no chão poeirento do meu nordeste sisudo
Sou o defensor da terra que do pouco me dá tudo
Pra viver modestamente
E lutando incansavelmente
Pelo seu povo miúdo
Nunca invejei palacete, carro novo, nem troféu
Defendo aquele que luta sob as abas do chapéu
Sujeito a rigor do clima
E nu da cintura para cima
Esperando algo do céu
Esse sim merece tudo o que se possa imaginar
Por isso é que eu não meus versos não me canso de exaltar
A bravura do caboclo
Que revira pedra e toco
Pra família sustentar
Se fosse mais assistindo, a coisa era diferente
E meu povo não parecia um bando de gente
Andando acima e abaixo
Levando o grito do macho egoísta e prepotente
E não se via nas estradas a família subnutridas
Passando fome e dormindo sobre esteiras encardidas
Essas criaturas (inaudível)
São bandeirantes das secas
Em busca de outras jazidas
É muito triste ver uma criança chorar com fome
E a mãe não ter com que lhe alimentar
Não, não é drama, é verdade
Ou falta de humanidade
Quando muitos tem para dar?
(Inaudível), dono do reino dos céus
Cristo falou no sermão
Mas os ouvidos (inaudível) em vez de ouvirem protestam
Nem analisam e nem prestam
Socorro aos pequenos réus
Não sei
Posso até estar errado em vir defender alguém
Mas que culpa tenho eu de ser sofredor também?
O meu torrão nordestino
Defendo desde menino
E só dou valor a quem tem
É assim!
P/1- Muito bom! Pode fazer mais uma?
R- Posso. Deixa eu lembrar aqui...
P/1- Essa “Terra e Chão”, você lembra o que te inspirou a fazer ela?
R- Não, não…Foi inspirado em nada, não. Saiu naturalmente.
Deixa eu ver o que é…
“A Revolta de um Estudante”... Eu fiz o segundo ano primário, e a minha professora me tirou da escola para botar um parente dela… E a professora me tirou sem ter culpa, sem nada. Aí eu fiz o trabalho “Revolta de um Estudante”... Eu me lembrei dele agora e gostei. Revolta de um estudante, duzentos e dezessete…
Eu comecei dizendo assim…
Os mais velhos sabem que nas escolas do passado
Eram comuns o ditado
A cópia e o exercício
Eis a razão porque sobrepujavam alguns com suor e sacrifício
As análises e os problemas eram feitos num caderno
Esses métodos modernos até então, não havia
Não existia merenda
E nas escolas de fazenda
Só os patrões aprendiam
O segregacionismo era uma eterna constante
E o pequeno estudante
Tinha seus dias contados
Por isso hoje um demonstro
O que causou-me estes monstros
Há muitos anos passados
Fui um menino criado num casebre de fazenda
Onde tinha uma venda, uma igreja e uma escola
Meu pai era lavrador
Foi vaqueiro e morador
Do dono da fazenda
Ele nunca foi rico, é verdade
Mas teve um coração nobre
Na qualidade de pobre
Tiinha muita qualidade
Foi o matuto exemplar
Que me botou para estudar
Com sete anos de idade
Mamãe fez uma sacola de retalho de tecido
Comprou o lápis comprido
Uma borracha e um caderno
Botou dentro da sacola
E me levou na escola
Pra ser um homem moderno
Juntei mais outros meninos
Parti com fé e coragem
Comecei levar vantagem
Nunca repeti lição
Meu mundo se coloria
Em toda a prova que fazia
Passava com distinção
Fui um destaque na classe junto com mais dois ou três
Matemática e Português
História e Geografia
Desenhos, Religião
Princípio de redação
Didática, Geometria
Agora ouçam a história que eu nunca quis contar
Com medo de alguém falar
É mais uma de poeta
Poeta em transe não mente
(inaudível) por uma via indireta
Passei o segundo ano, ao terceiro promovido
Uma abelha em meu ouvido
Falou assim bem baixinho
Se prepare, por favor
Que a professora vai pôr uma pedra em seu caminho
Tem aí um movimento para lhe afastar da escola
Porque você deita e rola
E por incrível que pareça
O laço está preparado
Tem pai de aluno enraivado
Pedindo a sua cabeça
Eu era pobre, não tinha o direito de aprender
Falou mais alto o poder econômico na escola
E a professora infeliz
Trocou o seu aprendiz
Por uma mesquinha bola
Numa página do caderno onde eu fazia o ditado
Mandou o seu afilhado
Escrever os palavrões
No outro dia, mostrou-me
Neguei
Ela acusou-me
Cheia de más intenções
Quem lhe deu essa ousadia?
Moleque mal educado
Você está afastado
E não adianta chorar
Porque aqui mando eu
Leve tudo que for seu
E reconheça a seu lugar
Minha letra ela conhecia muito melhor do que eu
Viu quem foi que escreveu
E mesmo assim me condenou
E por mais que eu implorasse
Ela me afastou da classe
Conforme premeditou
Esse primeiro desgosto marcou-me profundamente
Eu com doze anos somente
Sem malícia e sem maldade
Vi meus estudos cortados
E meus direitos roubados
Pela moça da cidade
Voltei para casa (inaudível) levando minha sacola
Me lembrando da escola
E do que fizeram comigo
Cheguei em casa, contei
Mamãe chorou e eu chorei
Afinal, foi seu amigo
Ainda fiquei visitando meus colegas no portão
Uns me davam atenção
E outros pra mim nem olhavam
Pra eles tornei-me estranho
Fui banido do rebanho
Como muitos desejavam
E a escola prosseguiu
Dois anos depois, fechou
Depois o magistério achou que a moça estava demais
Anos depois que encontrei
E até para ela paguei
Uma sopinha…
Não paguei sopa, foi só pra (inaudível)... Ai, meu Deus. Foi isso aí, foi isso aí…
P/1- Muito bom! Muito massa! Gratidão, nossa… Tem mais alguma pra gente deixar lá três poesias?
R- Tem, tem…
P/1- Escolhe alguma assim que é narrador…
R- “O Erro da Vendedora”, pode ser? A vendedora é aquela moça que, às vezes empolgada com a comissão de venda, (inaudível), tu compra uma mercadoria e ela bota outra no lugar, e tu só descobre quando chega em casa. E a gente fez aquilo, eu fiz “O Erro da Vendedora”, eu disse:
O engano é uma falta difícil de reverter
E por ele teve muita gente sofrendo sem merecer
Quantos pobres inocentes
Tidos como delinquentes
Estão a se lamentar
Porque se o errar
Fosse humano, como dizem, o engano não faria alguém penar
Claro que não faria
O estudante entrou numa loja especializada
Para comprar um presente para a sua namorada
Que estava em outra cidade
E depois de olhar à vontade
Os artigos da vitrine
Despertou-lhe o interesse
Por algo que aquecesse
Os dedos das mãos de Aline
E o que fez? Um belíssimo par de luvas
Comprou para namorada
E pediu a vendedora, moça fina e educada
Que embalasse o presente
Inevitavelmente no lugar da encomenda
A moça se atrapalhou
E ao invés das luvas, botou uma calcinha de renda
E logo entregou ao moço
Que acabara de escrever o bilhete a namorada
Dizendo como fazer com aquele presente
(Inaudível) um abraço e beijos apaixonados
Meu amor, esse presente
Vista pensando na gente
No Dia dos Namorados
Eu lhe mando, porém, sabendo que você não vai usar
Porque quem nunca vestiu é difícil acostumar
Por isso eu queria ir
Ensinar você vestir
Como fez a vendedora
Se nela eu gostei de ver
Imagine em você, minha deusa desencantadora
Meu amor, e ela também garantiu que não mancha nem desbota
E a mão entrando e saindo não rasga nem amarrota
Eu comprei larga na frente
Que é para eu chegar livremente
Nas bainhas dos (inaudível)
E sem precisar forçar lá dentro
Facilitar o movimento dos dedos
Olha, eu torço para que se sinta feliz com esse presente
Que irá vestir aquilo que pedirei brevemente
Aquilo que um dia, quando eu lhe conheci, não podia nem tocar
Hoje eu pego, aperto, amasso e coço
Massageio e faço você gemer e sonhar
Meu amor, só uma coisa eu lhe peço
Depois que você usar
Coloque um pouco de talco para desinfectar
E evitar o mau cheiro
Feito isso, o dia inteiro
Pode usar e se exibir
Se na rua alguém parar para perguntar quem deu
Pode dizer que foi eu
O seu namorado, Valdir
Menino, a namorada toma aquilo por gozação
E num segundo veio abaixo o seu castelo de paixão
Despachou o namorado
E que até hoje, coitado
A culpa não merecedora
Carrega sem entender
E assim paga sem dever o erro da vendedora
É o próximo? Está fechado pro negócio
P/1- Paisagem da inspiração?
R- Já falei, já disse.
P/1- E esse do erro da vendedora, como foi que ele virou? Como é que ele pegou?
R- Saiu naturalmente, saiu espontaneamente… Não foi ninguém que me disse, não. Saiu espontâneo…
P/1- Não, e digo assim, como é que foi pegando no boca a boca?
R- Só trocou a luva pela calcinha… Botou uma calcinha no lugar da luva, e pronto! Aí desmantelou tudo! Mas saiu naturalmente. Não saiu inspirado, nem encomendado por ninguém, não.
P/1- E você já declamou em escola?
R- Na escola, não.
P/1- Escola, não né? (Risos).
R- Muito difícil… Escola, não.
P/1- Não, mas você vai em escola declamar?
R- Eu vou quando me chamam… Quando me chama eu vou.
P/1- E você, o que você acha de declamar em escola?
R- Eu acho bom declamar pros alunos, eu acho bom. Tem um trabalho que chama-se… Como é mesmo o título dele? “A criança quer saber”! “A criança quer saber” não é de minha autoria, não… É de Humberto Porfírio, um catador que tinha no Ceará, de saudosa memória, ele morreu. Mas um dia Clebson Viana lá em Fortaleza me mostrou, eu digo, “que coisa bonita da porra!”, aí eu gravei, “A criança quer saber”... Mas não digo isso em escola, não. Nunca disse, não… Quer ouvir ela?
Mamãe, pode me dizer com garantia e firmeza…
Não…
Mamãe pode me informar com garantia e firmeza
Se o pão que chega na mesa
É Deus que manda deixar?
Aí é a criança perguntando, né…
É meu filho, é verdade
Deus aos homens tem amor
O pão da humanidade
Quem traz é o Nosso Senhor
E os brinquedinhos, mamãe
Quem traz é Papai Noel?
É ele mesmo, filho
Pra meu filho ser bonzinho, obediente e fiel
E a roupinha, mamãe
É ele também que traz?
Não, meu filho, entenda
A gente compra na fazenda
E a costureira faz
E a criança segue…
Mamãe, e a nenezinha
É Deus que manda pra gente?
Meu filho, me deixa em paz
É a cegonha que traz
Você está sendo imprudente
E a criança certeira fazendo ponderação
Papai Noel traz brinquedo
Papai do céu traz o pão
(Inaudível) e mainha, uma explicação
Desculpa eu ser imprudente
E o papaizinho da gente não serve para nada, não?
Meu deus do céu… A criança quer saber, Humberto Porfirio, de saudosa memória.
P/1- Quando você quer decorar uma poesia de outra pessoa, igual esse, você faz como? Você fica escutando ela, você fica lendo?
R- Não… Quando eu interesso aquilo, eu leio duas, três vezes, aí… Mas tenho poucas, de alguém eu muito poucas. Tem poucas mesmo.
P/1- Eu ia perguntar se por acaso… Assim, tem uma coisa que dizem que ele é uma lenda, mas eu não sei se ele existiu, dizem que ele é lenda, o Zé Limeira.
R- Zé Limeira? Nunca foi lenda. Zé Limeira existiu, sim senhor! Foi lenda, não… Existiu.
P/1- Eu ia falar para você contar então um pouquinho do que você estava falando do Zé Limeira.
R- O Zé Limeira… O cabra chegou para ele e disse, “Zé Limeira, cante um pouquinho do velho testamento para a gente escutar”, aí ele começou cantando. Repara como é… Jesus nasceu em Belém, tem nada a ver com o velho testamento. Jesus é novo, né? É do novo.
Disse:
Jesus nasceu em Belém
Criou-se em Pirpirituba - que é lá pertinho
Foi ferreiro em Tananduba
E foi vaqueiro em Gurinhém
E foi maquinista de trem de sapé pra entroncamento
E no dia do casamento
Não tinha o que almoçar
Comeu fava com preá
Diz o velho testamento…
É o Zé Limeira… Zé Limeira, poeta do absurdo. Ele disse… Como foi meu Deus?
Jesus Cristo veio ao mundo para acabar com as injustiças
Com doze anos de idade rezou a primeira missa
E quando interou dezesseis, (inaudível)
(Risos). Tem um monte de coisa dele… Tenho um livro dele, o poeta do absurdo.
P/1- Você chegou a se bater com ele?
R- Não, nunca vi, não. Eu nunca conheci ele, não…
P/1- Mas o que você ouvia dele? Que dizem que ele viajava a pé, né?
R- É, (inaudível) Sobrinho me dizia que ele gostava de viajar a pé… Isso aí muitos cantadores faziam isso mesmo, saiam a pé. Quando as estradas… quando o trecho não era muito longo. Se era muito longo eles ia de jumento, montava a cavalo e saía… Meu pai mesmo ia montado no jumento que tinha lá em casa, pra fazer as cantorias dele na roça, quando estava mais distante. Saía assim de pegar carro, não… Nesse tempo não tinha carro, não tinha porra nenhuma.
P/1- Ia de jumento o seu pai?
R- Ia de jumenta, era uma jumenta que tinha lá. Se não tinha carro, não tinha nada… Tinha carro de boi. Hoje em dia que o cabra vai ligeiro.
P/1- Ele cantava era em que tipo de evento? Era casamento, era batizado…?
R- Rapaz, não tinha… Não tinha a qualidade, não. Quando ia fazer uma noite de cantoria, ele ia com outro parceiro, porque ele nunca fazia só, tinha que ser com outro parceiro. Eles cantava repente, cantava coco, cantava boiada, cantava essas coisas… E passava a noite lá fazendo isso, mas não tinha nada de extraordinário, não. Um dinheirinho na bandeja, ele caía na bandeja direitinho, depois rachava aquilo ali, e cada um botava a sua parte no bolso… Era assim, e ainda hoje tem quem faça isso. Ainda hoje tem.
P/1- O seu avô fazia também?
R- Não, o meu avô, não…
P/1- Você chegou a conhecer seu avô?
R- O meu avô, o pai do meu pai, conheci. Pedro Lopes Galvão, conhecido demais lá em Estacada, município, distrito de Mamanguape, na Paraíba. Fui muitas vezes no sítio dele, eu era pequenininho e eu ia lá… Minha mãe me levava lá para ver. Pai Pedro, chamava ele de Pai Pedro. Pedro Lopes Galvão. Agora, meu avô por parte de mãe, não conheci. isso aí, eu, avô, minha avó.
P/1- Ele era o que? Lavrador?
R- Eu não sei o que ele era, não. Ele tem um sítio, né? Mas não sei, nunca perguntei o que ele era, também não tinha idade pra perguntar e nem sabia o que era. Mas vivia lá no sítio dele…
P/1- Eu ia falar pra você contar também um pouco da sua relação de família. Quantas vezes você casou?
R- Eu só casei uma vez! Casei duas, não. Só casei uma vez com a mãe desse rapaz aí, que até hoje tá lá em casa. A gente tá vivo até hoje… Me casei em mil novecentos e cinquenta e oito. Ele nasceu em mil novecentos e cinquenta e nove, esse aí fez sessenta e quatro anos já. E depois veio o outro, em mil novecentos e sessenta e quatro, que mora com a gente, e trabalha com vendas. Tudo gente de qualidade, graças a Deus, nunca me deram trabalho, nenhum dos dois. Tenho neto, tenho um bocado de neto, tenho bisneto. Esse aqui é feito por um neto meu…
P/1- Seu Chico, você chegou a pegar a ditadura. Você pegou a ditadura… Você sentiu a ditadura na pele?
R- Não, não… Nunca me ofendeu em nada, não. A gente trabalhava do mesmo jeito, e nunca houve preconceito, nem nunca parei, não.
P/1- Censuras?
R- Não, não.
P/1- Você chegou a ter envolvimento político na vida?
R- Nunca! Jamais…
P/1- A gente já está fechando. Eu ia perguntar assim, o que que você sentiu, como era o cordel e a cantoria na época que você era pequeno? E hoje, o que você sentiu que transformou?
R- Os cantador de hoje, eles são muito mais preparados do que aqueles do passado. A maioria daqueles do passado nem lê sabiam, eram analfabetos. E hoje em dia, como eu disse a você, tem doutores… Os cantador de hoje são preparadíssimos. Os de hoje são diferente demais daqueles do passado. Agora, os assuntos são os mesmos. Você pede e eles cantam aquilo com a maior brevidade, cantam com a maior beleza. Não tem erro. Mas são diferentes, são mais desenvolvidos, são mais instruídos, são mais letrados.
P/1- Vamos fechar com uma… O que você achou de contar a história hoje?
P/2- O senhor acha que a tecnologia chegou e ela trouxe algum benefício para o cordel, ou foi ruim? O que o senhor acha em relação a essa chegada da tecnologia?
R- Pra o cordel não trouxe nada! Trouxe porque as editoras passaram a ser eletrônicas, né?
E primeiro era manual as editoras. Mas não tem o que dizer a respeito disso, não… A tecnologia… Quem escrevia cordeis e está vivo, continua escrevendo do mesmo jeito, o mesmo processo de escrita, e a publicação é a mesma, tudo.
P/1- Deixa eu te perguntar uma coisa, duas perguntas numa só. Por exemplo, eu sou novo, né? Mas faço cordel. Só que é muito difícil eu conhecer outra pessoa nova fazendo. E também essa coisa de cordelista em feira, eu ouço os antigos falar que tinha muito cordelista.
R- Tinha!
P/1- Como é que começou a sumir? Em que momento isso?
R- Não sei… Depois dessa tal tecnologia, né? Começou… Hoje em dia não tem mais. Dificilmente você encontra o cordelista numa feira hoje em dia…
P/1- Você começou…
R- Faz muitos anos que eu vi… Se eu vi o quê?
P/1-Você lembra quando isso começou a sumir? Que começou a parar de ter? O que fez parar de ter cordelista na feira?
R- Isso começou no final dos anos sessenta, setenta, que começou. Não parou de vez, mas praticamente, pra o que era, parou. Você não encontra mais vendedores de cordéis em meio de feira, não existe mais. Tem uns cordéis pra você comprar lá, mas não ele cantando, como ele fazia primeiro, como era.
P/1- E de jovens cordelistas? Como você acha que pode ter mais pra novas gerações?
R- Eu não conheço jovem fazendo cordel, não. Sinceramente, não conheço. Eu conheço um bocado deles que são declamadores, como eu sou, e escrevem e mostram trabalhos. Mas cordeleiro, não! Cordel, hoje em dia não… Só se faz quando há encomenda (inaudível), aí você produz o cordel. Mas (inaudível) como era no meu tempo não tem, não. Tem mais nenhum, não. Tá diferente…
P/1- Que você achou de contar sua história, Chico?
R- Achei bom. A vida é boa… A vida é só paixão por causa disso mesmo, é mais uma parte da nossa história. E isso eu quero ver, eu quero ver lá do YouTube.
P/1- Bora fechar com uma poesia?
R- Fechar com um soneto, não uma poesia, um soneto.
Mulher
O mundo te abraça, te respeita e te admira
Não importa se urbana, da capital ou caipira
O teu modo de vir trabalhar e proceder enriquece a nossa história
Escritoras, estilistas, professoras e jornalistas estão no palco da glória
As mulheres do presente diferem das do passado
E o mundo de hoje é outro, seu povo é mais arrojado
Os homens já entenderam que as mulheres cresceram o dedo nas competições
E enquanto eles atacam, as mulheres se destacam em diversas profissões
Avante! Bravas mulheres, guerreiras, encantadoras
Todas por uma e uma por todas as vencedoras
Não se cansem de lutar e busquem realizar o vosso (inaudível)...
A memória…
Pelo vosso idealismo… no canto de beleza
Elogiando a natureza…
É mais ou menos isso… Guerreiras encantadoras… Esqueci. Eu to escrevendo ele, mas não tá terminado, não.
P/1- Ah, tá no processo…
R- Tá no processo.
P/1- Maravilha, seu Chico! Muito obrigado por essa entrevista.
R- Obrigado vocês…
O vosso idealismo
Que o amanhã reluzente
Lhes trará como presente
Na bandeja do cinismo,
Justiça e dignidade
Num canto de liberdade
Amor e patriotismo…
Agora acertei!
-
-
-
FIM
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