IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Sylvio Massa de Campos, nasci no dia 23 de fevereiro de 1938, em Maceió, Alagoas. EDUCAÇÃO / FORMAÇÃO A minha formação acadêmica foi em matemática e em economia. Fiz um mestrado no Brasil e outro na Itália. INGRESSO NA PETROBRAS Trabalhei no Citibank durante quatro anos. Fiz concurso para o atual BNDES – na época BNDE – e para a Petrobras; optei pela segunda. Ingressei na Petrobras em 1962, na área financeira. Pós-graduado. A minha primeira missão foi diagnosticar a situação financeira da Petrobras. Criamos o primeiro fluxo de caixa da Petrobras. Havia uma comissão política de cerceamentos de expansão da Petrobras e a situação financeira era muito delicada na questão de câmbio e de fluxo. A partir desse trabalho, origem de todo o controle financeiro da empresa, fui indicado para a chefia de um novo setor criado justamente para a programação financeira. Decorridos dois anos, fui alcançado para a Divisão Financeira, que englobava contabilidade, auditoria etc. Fui convidado para organizar especificamente a Divisão Financeira do Departamento Comercial: petróleo, derivados, fluxo de abastecimento e suas correspondentes simetrias com a área financeira. Fui então convidado para sair da área financeira e assumir a primeira Divisão de Distribuição, Dedist, ainda pequena. Os condicionantes políticos eram muito fortes e a Petrobras era proibida de entrar no mercado de distribuição, limitando-se apenas a fornecer para as Forças Armadas: Marinha, Exército e Aeronáutica. DISTRIBUIÇÃO DE PETRÓLEO / PRIMEIROS PASSOS Antes do Decom – Departamento Comercial –, existiam os Escritórios [de Comércio] de Petróleo, os Ecope 1, Ecope 2 etc. Com a reformulação organizacional, surgiram os conceitos de departamento e de divisões. Aquele escritório pequeno de distribuição, apenas para as Forças Armadas, transforma-se em...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Meu nome é Sylvio Massa de Campos, nasci no dia 23 de fevereiro de 1938, em Maceió, Alagoas. EDUCAÇÃO / FORMAÇÃO A minha formação acadêmica foi em matemática e em economia. Fiz um mestrado no Brasil e outro na Itália. INGRESSO NA PETROBRAS Trabalhei no Citibank durante quatro anos. Fiz concurso para o atual BNDES – na época BNDE – e para a Petrobras; optei pela segunda. Ingressei na Petrobras em 1962, na área financeira. Pós-graduado. A minha primeira missão foi diagnosticar a situação financeira da Petrobras. Criamos o primeiro fluxo de caixa da Petrobras. Havia uma comissão política de cerceamentos de expansão da Petrobras e a situação financeira era muito delicada na questão de câmbio e de fluxo. A partir desse trabalho, origem de todo o controle financeiro da empresa, fui indicado para a chefia de um novo setor criado justamente para a programação financeira. Decorridos dois anos, fui alcançado para a Divisão Financeira, que englobava contabilidade, auditoria etc. Fui convidado para organizar especificamente a Divisão Financeira do Departamento Comercial: petróleo, derivados, fluxo de abastecimento e suas correspondentes simetrias com a área financeira. Fui então convidado para sair da área financeira e assumir a primeira Divisão de Distribuição, Dedist, ainda pequena. Os condicionantes políticos eram muito fortes e a Petrobras era proibida de entrar no mercado de distribuição, limitando-se apenas a fornecer para as Forças Armadas: Marinha, Exército e Aeronáutica. DISTRIBUIÇÃO DE PETRÓLEO / PRIMEIROS PASSOS Antes do Decom – Departamento Comercial –, existiam os Escritórios [de Comércio] de Petróleo, os Ecope 1, Ecope 2 etc. Com a reformulação organizacional, surgiram os conceitos de departamento e de divisões. Aquele escritório pequeno de distribuição, apenas para as Forças Armadas, transforma-se em Dedist, Divisão de Distribuição. Essa época foi posterior ao presidente [Francisco] Mangabeira, quando houve um grande embate sobre a presença da Petrobras no mercado de distribuição, porque esse mercado era exclusivamente dominado pelas multinacionais: Shell, Esso, Texaco etc. O mercado de importação de derivados era exclusivamente dominado por essas empresas, praticamente não havia controle. Cada vez que fazíamos um diagnóstico, verificávamos a necessidade de uma empresa nacional estar presente para ao menos contrabalançar o total controle que as multinacionais exerciam sobre o mercado. Caso acontecesse uma inferência qualquer provocada por um conflito internacional e viesse uma ordem do exterior para as multinacionais suspenderem o fornecimento de gasolina, diesel e óleo combustível ao Brasil, o país ficaria completamente bloqueado. Esse era o fundamento para justificarmos a necessidade de a Petrobras entrar no mercado de distribuição para controlar um pouco a situação. Depois do Dedist, foi criada a Superintendência de Distribuição – Sudist. Fui convidado para ser o adjunto desta superintendência, quando recebi a missão de desenvolver um planejamento global de distribuição, elaborado a partir de algumas variáveis fundamentais: a conceituação de arquitetura dos postos e a conceituação de nova imagem. Como era no litoral do país que estava o poder de renda e a presença da Petrobras partia do litoral para o interior, sugerimos os vários acordos com os governos estaduais. A distribuição ganhou seu grande impulso na administração Geisel. Foi-lhe apresentado todo o projeto: a nova arquitetura, a nova imagem, a presença dos serviços e a posterior etapa dos lubrificantes e a presença na aviação. Apresentamos os primeiros postos revolucionários, separando o conceito do nosso posto com uma analogia ao botequim que era sujo, assim como os postos existentes eram sujos. O Presidente Ernesto Geisel aprovou o primeiro projeto de posto, para a Lagoa, na cidade do Rio de Janeiro: todo revolucionário, um projeto do arquiteto Dilson Gestal Pereira, premiado na Alemanha. Foi uma coisa fantástica, porque dentro da Petrobras havia lutas para não fazê-lo, correntes políticas que não viam relação entre distribuição e monopólio, porque, realmente, é uma área de livre concorrência, com a presença de multinacionais, enquanto a Petrobras era empresa de monopólio. Tínhamos que atuar com o conceito de concorrência, dentro da Petrobras que era monopolista. Nossa convicção era de que deveríamos fazer alguma coisa de bom e de bem feito para mostrar que o Estado era competente e dava o exemplo. As multinacionais argumentavam junto ao CNP [Conselho Nacional de Petróleo] que os “favores” do monopólio (favores entre aspas) seriam transferidos a essa nova atividade da Companhia. Havia uma pressão gigantesca das multinacionais. Mas, é verdade, isso precisa ser bem ressaltado, a Sudist, Superintendência de Distribuição, teve total autonomia da parte do superintendente do Decom, Carlos Sant’Anna, do diretor comercial, Shigeaki Ueki, e do presidente Ernesto Geisel. POSTOS BR / IMAGEM Jamais sofri a menor restrição, por isso contratei com total autonomia. O Aloísio Magalhães era já um grande nome, o introdutor da escola de design no Brasil [Esdi – Escola Superior de Desenho Industrial / UERJ]. O Aloísio olhou para o símbolo da Petrobras, um losango azul e branco, e disse: “Nós temos que alterar isso.” Ele bolou o que existe até hoje: o conceito de BR, porque BR é Brasil, BR é estrada. Ele encontrou mais de três mil verbetes onde se usa o BR, como, por exemplo, a palavra “obrigada”. Ele dizia: “Basta você botar o tracinho em cima do BR dessas palavras e você faz a analogia com a empresa”. Lançou o BR em verde e amarelo, porque aquele logo azul e branco com o nome “Petrobras” dentro de um losango desaparecia a partir de 70 metros. Na concorrência, o símbolo Shell se vê de longe. Quando lançamos o BR para o símbolo dos postos, se ganhou uma força enorme, pela beleza das cores e pela própria simbologia. À palavra “lubrifique” bastava-se botar o tracinho em cima e se tinha o BR Lubrificante. Essa foi a primeira grande variável na transformação do sistema de distribuição: foi a arquitetura e a nova imagem. Contratamos o Ziraldo para fazer a primeira folhinha para motorista; mesmo com os problemas políticos que ele tinha, dentro da Petrobras era acolhido. Eu, o Sant’Anna e o presidente do Banco do Rio de Janeiro, Carlos Alberto Vieira, assinamos o contrato com o Ziraldo. Chamamos o Henfil, que escreveu para os frentistas a primeira cartilha de limpeza do posto e de relacionamento com o cliente, com aquele seu estilo brincalhão e irônico, mas altamente didático. Lançamos a roupa branca, como sinal de limpeza, em contraste ao que existia: frentista sujo de óleo, com as mãos sujas. O posto BR teve início com uma conceituação totalmente diferente, assim como as lojas de café se sofisticaram no Rio e em São Paulo e substituiram o botequim. Mas isso acorreu há 30 anos, nós antecipamos essa cultura para os postos de serviços. POSTOS BR/CRIAÇÃO DA REDE Havia uma empresa chamada Petrominas que entrou em falência, com uma pequena rede de aproximadamente 200 postos. Assumimos essa empresa. Existia os chamados posto próprio e posto de terceiros. Posto próprio é aquele de propriedade das empresas distribuidoras, da Shell, da Esso, como, por exemplo, em Ipanema, em plena Avenida Vieira Souto, havia um posto Esso, em um terreno maravilhoso. Posto de terceiros é quando as distribuidoras estudam os locais para instalação de seus postos, financiam o empreendedor interessado, mas o amarram a sua bandeira, através de um contrato de fidelidade, com compromisso de 30 anos após quitação do financiamento. Começamos a interpretar juridicamente aqueles contratos, dizendo: “Você tem liberdade de mudar a bandeira e eu lhe ofereço tanto para mudar, mas eu quero que você pinte o posto e mude a pista.” Alguns empresários queriam sair daquela corrente de prisão com as bandeiras multinacionais para vir para a BR. Demos um pulo na quantidade de postos; saímos de uma cifra de 600 para 2.300. Foi uma avalanche na criação de postos. Ao mesmo tempo, estabelecemos os contratos com os governos dos Estados. Fiz contrato com o Governo do Estado do Rio de Janeiro para instalação de postos na Praia de Copacabana. Um bairro com uma densidade enorme de população motorizada, onde não havia postos. Oferecemos asfalto, ajudamos no projeto de ampliação da praia e conseguimos instalar os postos da Avenida Atlântica, no mesmo conceito de arquitetura revolucionária. Havia a Shell em todo o Aterro do Flamento, mas o contrato venceria e o Estado abriu concorrência: “Vai ganhar quem oferecer maior vantagem para o Estado.” Apresentamos uma proposta igual a da Shell e da Esso, só que estas multinacionais depositavam seus recursos financeiros no Banco de Boston e no Citibank, enquanto nós consideramos como vantagem para o Estado os depósitos financeiros da Petrobras no Banerj, o que nos deu grande vantagem na concorrência e, evidentemente, fomos declarados vencedores. Assumimos os postos do Aterro do Flamengo com muito conflito, inclusive com ameaças físicas. Com o conceito do litoral para o interior, fomos para João Pessoa, Maceió, sempre estabelecendo os contratos com as prefeituras. Dávamos asfalto e nos davam um local para instalar o posto, sempre em padrões estéticos altamente desejados pela população. A partir desse conceito, surge o ítem de serviços dentro do posto. DISTRIBUIÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS Evidentemente, para tomar uma bandeira fazia-se rigorosamente uma análise de investimento. Por exemplo, se um posto vende 100 mil litros, vou financiar 30 mil reais e deverá ficar comigo por dez anos; dez anos com 100 mil litros dará uma margem de tanto que pagando o finaciamento, me dará um retorno de tanto. Todos os investimentos eram rentáveis. Tudo se auto-custeou nesse fluxo gigantesco, inclusive o projeto de arquitetura e de nova imagem. É bem verdade que no orçamento global da Petrobras foi alocada uma verba inicial para esse impulso, mas voltaria pela rentabilidade. De fato, voltou, houve um retorno excelente. A Distribuição é o órgão visível na atividade empresarial de petróleo, porque dificilmente se vê o navio lá longe, quem passa pela estrada vê, às vezes, uma refinaria ou um carro com o símbolo, mas o posto era o cartão de visitas. Quanto vale um bom investimento para uma boa imagem? Quanto vale para se tirar aquele conceito político de que o Estado era incompetente? Dentro dessa conceituação, valia a pena esse investimento inicial, visto que era ligada à publicidade. Só que a atividade também era altamente lucrativa, porque quando se tem a verticalização na indústria de petróleo, ou seja, se é dono do poço, da exploração do poço, da produção de petróleo, da refinaria, do transporte e da distribuição, é possível deslocar a margem de lucro para onde se deseja. Quando todas essas etapas são propriedades de um único grupo, quando existe essa verticalização, ele pode deslocar sua margem. A distribuição é a atividade para atender ao consumo na ponta: o automóvel, o caminhão, o avião, o navio etc. As outras distribuidoras não queriam que a Petrobras entrasse na distribuição, justamente porque essa verticalização a favorecia muito. As multinacionais tinham grande poder político no CNP, Conselho Nacional de Petróleo, aonde essa margem de distribuição era manipulada: os distribuidores assumiam a margem ou jogavam para o revendedor, o posto, ou para o cliente industrial. Um outro grande avanço da Sudist foi visitar os grandes clientes, como indústrias de cimento e siderúrgicas, e mudar suas bandeiras, porque o conceito de bandeira não era só do posto, mas também dos grandes clientes industriais. O jogo era pesado, porque era um Antônio Ermírio de Moraes, do grupo de cimento. Essas negociações deram para a Sudist uma dimensão gigantesca na área industrial. O fornecimento às Forças Armadas continuava e o fornecimento a navios se iniciou. A Distribuição se corporificou, ficou bem azeitada, com uma excelente apresentação junto ao mercado. Na Copa do Mundo de 1970, fizemos o grande teste de trazer o público para o posto para receber símbolos da Copa, o que resultou numa multiplicação da imagem de satisfação. Tínhamos pessoas sensíveis como o Aloísio, o Ziraldo e o Henfil que nos davam o feedback, politicamente. Foi muito fértil e importante para construir o que é hoje a BR Distribuidora. CRIAÇÃO DO LUBRAX Depois dessa corporificação, o grande passo foi o lubrificante. Tínhamos o óleo, o refino e a capacidade de criar o nosso lubrificante. Não tínhamos a tecnologia inicial, então fomos negociar internacionalmente. A pressão na Petrobras foi terrível, porque a proposta vencedora foi a da Chevron que exigia seu nome na lata de lubrificante em dimensões maiores do que o da BR; segundo o acordo, em 15 anos, o nome BR cresceria no rótulo e o da Chevron diminuiria. Sabíamos do quão desvantajoso era lançar por 15 anos a marca Chevron, sem o menor custo para eles, porque o veículo era a nossa lata totalmente custeada por nós. Eu me rebelei contra isso, foi um grande embate interno na Petrobras. Terminou com o presidente Geisel determinando a exclusão do nome Chevron da lata. Fechamos com a Chevron, porque ela aceitou a retirada do nome e as condições financeiras de venda de tecnologia eram mais favoráveis do que a da Shell e de outras empresas. O acordo demonstrava que a BR estava avançando tecnologicamente, porque lubrificante para a ferroviária e caminhões é um óleo sofisticado. Então, veio o Lubrax para automóvel, o Lubrax para caminhão e o Lubrax para navio, sempre naquele conceito de BR criado por Aloísio Magalhães: lubrifique BR, Lubrax. O Décio Pignatari e o Aloísio Magalhães debateram sobre o nome do lubrificante e, acho, prevaleceu a sugestão do Décio. MARCA BR Procurávamos os grandes nomes na semiologia e no design, mesmo aqueles politicamente não deglutíveis pelo sistema eram aceitos na Petrobras, como o Ziraldo, o Henfil e, até mesmo, o Aloísio. Dá-nos muito orgulho o fato de termos criado essa infra-estrutura subjetiva muito bem amarrada com a imagem, o conceito e o serviço. Hoje, pela rotina, não percebemos como foi difícil romper aquela rigidez da Petrobras, com tal sofisticação. O símbolo BR demorou 12 anos para ser aprovado pelo Conselho de Administração. Alguns conselheiros não engoliam, achavam que estávamos mexendo em um ícone extremamente forte: o nome Petrobras amarrado a um losango azul e branco. O coroamento da vitória foi quando o Sistema Petrobras absorveu o BR, porque BR é Brasil, é estrada etc. Essa genialidade da criação do Aloísio está demonstrada até hoje. O receio do Conselho era que o BR fizesse esquecer o nome Petrobras. O que vemos é que o nome não desapareceu, muito pelo contrário, o BR fortaleceu ainda mais a marca Petrobras, por ser carregado de uma simbologia, por ser simples e ajudar na memorização. De longe se vê o BR e se lembra de Petrobras. BR DISTRIBUIDORA / CRIAÇÃO Todo esse trabalho foi desenvolvido pelo Sudist que cresceu demais. Eu tinha total autonomia; o Presidente Geisel inaugurava posto comigo. Aquele homem duro e severo fiscalizava tudo, telefonava e acompanhava. O diretor comercial, o Ueki, e o Sant’Anna, superintendente do Decom, nos davam total autonomia. O Sudist cresceu demais até que o Geisel disse: “Vamos criar uma empresa”. Tínhamos tomado todo o Aterro do Flamengo, tínhamos implantado os postos em Copacabana, ou seja, a imagem era muito forte para continuar dentro da Petrobras. Havia muito zum zum zum; dizia-se: “Ela cresce desse jeito, é bonita desse jeito, é perfeita, porque está saindo dinheiro do monopólio”. A atividade da Petrobras era monopolista, porém eu tinha uma atividade de livre concorrência, com um orçamento que se autofinanciava. Havia comentários de que aquilo era duvidoso, de que estávamos tirando dinheiro do monopólio, ou seja, no lugar de furar um poço, estávamos dando dinheiro para criar um símbolo. Com esse questionamento e com o tamanho que a atividade adquiria, a reflexão do Geisel foi pertinente, afinal o peso da Petrobras é muito grande e tínhamos total convicção de que a atividade de distribuição se sustentava e cresceria. Nossa relação empresarial não era uma relação autoritária, o empresário vinha e discutia conosco, coisa que não encontrava na concorrência que impunha sua bandeira. Eu tive o cuidado de dizer: “A bandeira é livre, você vai ficar conosco na hora que essa troca for conveniente para ambos.” Criamos os cargos para inspeção da roupa, da limpeza da pista e do produto. Começaram os primeiros laboratórios de inspeção de qualidade, embora não existisse falsificação de produto. Era uma relação nova, a pessoa tinha a obrigação não só de ganhar dinheiro, mas de oferecer um bom serviço ao público. O Geisel lançou a BR Distribuidora com faturamento de 30% do mercado conquistado pelo Sudist. A BR nasceu grande, com todo esse passado trilhado com muito cuidado. Na Folha de São Paulo foi publicado que seria criada a BR Distribuidora e que eu seria o presidente. Mas eu fui chamado pelo presidente Geisel, de uma forma bastante ética e correta, que me disse o seguinte: “O mérito é seu, você deveria ser o presidente ou o vice-presidente, mas eu tenho um problema a resolver, um problema sério, político, de um general na Bahia, portanto, deverei trazê-lo para cá.” Eu disse: “Presidente, o senhor fique a vontade.” Ele chamou esse general, Oriovaldo Pereira Lima, que passou a ser o vice-presidente e eu fui indicado diretor comercial da Distribuidora. Evidentemente, como eu tinha toda essa bagagem de conhecimento adquirida na experiência, houve um conflito muito forte entre mim e o General. Em uma das reuniões, eu disse para ele que naquela mesa seu voto valia um, igual ao meu. Ingenuidade minha, porque o dele valia muito mais. Eu saí e fui trabalhar na França, pela Petrobras, primeiro na Braspetro, depois na Interbrás. Fiquei alguns anos lá. Isso foi em 1972. Toda essa história do Sudist, não fui eu sozinho, foi um grupo que acreditava, pensava e procurava os melhores parceiros. Mas eu galvanizei o conhecimento global de tudo e isso assustava o General. A única forma de convivência seria me fazer de um subordinado silencioso, o que contraria muito o meu modo de ser. BRASPETRO E INTERBRÁS Em Paris, eu trabalhei como louco. Foi, realmente, a pior fase da minha vida, não para minha família, mas para mim. Eu vivia em cima de um avião. Com toda aquela guerra de Israel no Oriente Médio, aquela confusão e eu viajando, comprando petróleo. Era um escritório de apoio para a parte de compra de petróleo. A Braspetro veio depois, quando o Presidente Geisel a lançou para a exploração no exterior; vieram os primeiros contratos com o Iraque e com a Líbia para a exploração. A Braspetro nasceu como braço da exploração de petróleo. Parou-se de explorar na Amazônia, vamos dizer, e aquela equipe foi explorar no Iraque, passou-se para essa subsidiária a atividade de exploração no exterior. Eu fui indicado para ser o gerente dessa subsidiária no exterior, dentro do escritório da Petrobras. Portanto, funcionava o escritório da Petrobras, exclusivo para compra de petróleo, e funcionava o escritório da Braspetro, para exploração. A Braspetro desenvolveu o conceito de que para comprar petróleo do exterior, deveria-se vender alguma coisa do país. Por exemplo, o Oriente Médio importava muito açúcar, então aproveitávamos o fato de sermos grandes produtores e trocávamos o açúcar pelo petróleo. A situação cambial do país era uma das piores e esses acordos ajudavam a estruturar um instrumento de comércio exterior. Ao lado dos contratos de exploração de petróleo, feitos pelos geofísicos e geólogos, havia a formação de executivos de comércio exterior. Ao lado da pessoa que comprava petróleo ia outra pessoa que tentava vender alguma coisa brasileira: sapato, couro e por aí a fora. Nisso surge a Interbrás, com o Carlos Sant’Anna, que incorpora essas atividades de comércio. Fui para a Interbrás e representei as duas empresas simultaneamente, sempre em Paris. Era muito trabalho. Um exemplo: formava-se uma equipe de produtos de couro provindos de São Paulo e Rio Grande do Sul; mandavam-se os mostruários e eu ia para Moscou fazer as primeiras tentativas de abertura. Para o jeans, por exemplo, foi feito um courinho com o Pelé dando uma bicicleta, mas os russos não queriam o Pelé, preferiam um cowboy, então alteramos para eles. Para o Oriente Médio, enviávamos açúcar, café, roupas, tecidos, sempre em troca de petróleo. A Petrobras importava petróleo e a Interbrás exportava produtos. Eram empresas separadas, mas participávamos do comércio juntos. Eu estava servindo a uma subsidiária da Petrobras que fazia comércio exterior, mas nas negociações eu acompanhava a pessoa que comprava petróleo. Era uma parceria e havia harmonia entre a Petrobras e a Interbrás. Os executivos de petróleo nem sempre viam bem misturar uma coisa com a outra, conflitos naturais em inovações estruturais, nem tudo era absorvido com tanta facilidade, mas foi um período fértil. CRISE DO PETRÓLEO / 1973 Durante o choque de petróleo de 1973, eu estava na Europa. Não poderíamos parar o país por falta de petróleo, precisávamos arranjar a importação de óleo e manter o país funcionando. Eu tomei um grande susto. Mal chegara a Paris e, dois meses depois, recebo a minha primeira missão de ir negociar na Líbia, em Bengasi; aquilo era um tumulto. Voei num avião líbio com um piloto francês; cheguei a Bengasi. Tínhamos um contrato de fornecimento de petróleo por 20 anos, sob custo de 3,26 dólares o barril. A sala de espera para negociação estava cheia de gente: japonês, americano. Todos estavam atrás de petróleo. A Petrobras tinha um bom conceito no Oriente Médio, o Brasil tinha um bom conceito. Chegou a minha vez de negociar e o presidente da empresa pegou o contrato que tínhamos, rasgou na minha frente e apresentou um outro com o valor de 11 dólares o barril. Eu disse: “Onde assino?”. Ao transmitir para o Brasil o que houve, recebi um telex de apoio: “Você fez muito bem”. A crise era gigantesca, ninguém tinha petróleo. A Líbia manteve a quantidade de fornecimento, mas multiplicou o preço. Quem ia para o Oriente Médio percebia que eles não teriam capacidade de bolar essa crise. No meu modo de ver, esse plano não foi elaborado por eles, foi uma injeção de recursos a qual não estavam preparados para receber, tiveram que depositar no sistema internacional que inventou as dívidas externas, é tudo muito complexo. Eles foram usados. Hoje, existe um aparente controle internacional sobre a produção do petróleo. A Arábia Saudita é a maior reserva de petróleo do mundo; seu rei é apoiado por eles e pelo sistema internacional. Se você for ao Kuwait é também assim. Eu fui ao Irã e vi que eles apontavam para Bagdá e diziam: “Aquilo é meu” E quando chegava a Bagdá, Bagdá apontavam para o Kuwait e diziam: ”Aquilo é meu.” Eles sabem aproveitar essas dissensões. Como ali tem a maior reserva de petróleo do mundo, com controle militar, estratégico e tecnológico, basta quererem e desligam as refinarias de longe. Pela primeira vez, esse controle atingiu o lado financeiro. Deram esse pulo de três dólares para 12, 15 e 20 dólares. O fluxo de dinheiro foi gigantesco. Mas o Oriente Médio fica só com um pedaço desse recurso, o grande pedaço vai para fora. E os países em desenvolvimento, sem petróleo, como era o caso do Brasil, conseguiam petróleo fazendo empréstimos. Assim foram criadas as famosas dívidas externas, gigantescas, para bancar essa elevação que eles mesmos criaram. Como hoje as projeções são de 100 dólares, de 150 dólares, isso é uma manipulação. A primeira grande tentativa de alterar esse mercado foi feita pelo Enrico Mattei, da Itália, quando ele foi lá e disse: “Não, eu não vou lhes dar 15%, vou dar 50% da renda do petróleo.” Mataram o Mattei, quando ele tentava alterar os contratos, dando mais para o produtor. Por que o Iraque sempre rendeu homenagens ao Brasil? Porque quando o Iraque nacionalizou [o seu petróleo], o mundo fechou as portas para ele, mas o Presidente Geisel disse: “Não, eu recebo o petróleo”. Esse ato do Geisel, de abrir o Brasil para receber o petróleo nacionalizado do Iraque, rendeu uma gratidão imensa. Dentro do Iraque, o Brasil era realmente muito respeitado, porque eles não esqueciam aquilo. Nossos contatos eram com a Líbia, o Irã e o Iraque. Todos aumentavam ao mesmo tempo, porque eles criaram a Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo] que, aparentemente, seria deles e fixava essas alterações. Havia uma equipe da Petrobras – o Plínio Junqueira, o Renato Magalhães – voando permanentemente. O próprio diretor Ueki reunia-se conosco em Paris e dividia os grupos para tentar negociar. Uma das coisas que eu quero registrar é que, certa vez no Egito, estávamos atrás de um óleo chamado Ras Gharib. Ninguém queria este óleo, porque é praticamente uma mistura de enxofre, pesado, mas, naquela carência, nos interessava muito e implorávamos por dez mil barris dele. O presidente da IGP-C [Índice Geral de Preços - Centrado] disse: “Só posso dar cinco mil, porque os outros cinco mil, caso perdamos a guerra para Israel, está contratado com eles; caso vençamos, fico com esses cinco mil.” Havia acordos dentro da própria guerra. Era muito difícil conseguir petróleo, implorávamos para não deixar nosso país sem petróleo. Pagávamos uma fortuna e, desta forma, não apenas devido ao petróleo, criou-se a dívida externa. CRISE DO PETRÓLEO / NEGOCIAÇÕES Havia muita tensão, era uma responsabilidade muito grande. Devíamos agir seriamente e corretamente, embora as dificuldades fossem imensas. Ocorria de estarmos num hotel esperando nossa vez de negociar, quando chegava uma ordem: “Sai do hotel, está chegando uma delegação.” Éramos expulsos e ficávamos na rua. Esses momentos de espera podiam durar três, 10 ou 15 dias, mas, de repente, sem falarmos a língua local, vinha uma ordem para deixar o quarto, porque não havia hotéis suficientes para todos e, politicamente, interessava-lhes priorizar as delegações mais importantes. Éramos jogados na rua. Algumas imagens eu guardei. Para nos botar para fora do restaurante, o garçom levantava a cuia da sopa e, do alto, jogava no teu prato: respingava tudo na tua roupa. Você não reclamava. Era uma hostilização. Tratavam-nos assim porque nos confundiam com americanos. Eles tinham uma raiva muito grande dos americanos e era difícil explicar que éramos brasileiros. Essa relação era muito tensa, muito difícil; além da responsabilidade de ter que trazer petróleo de qualquer jeito, conseguir de qualquer jeito. Como eles têm a mania de dar a mão, se passeava de mãos dadas com um cara, aquele horror. De repente, ele te beijava com aquele bigode, porque o beijo entre homens lá é normal; beija porque se tem consideração. Mas era horrível. Aquela barba Mas nos adaptamos a tudo isto. Certa vez, numa negociação em Moscou que coincidiu ser perto do Natal, estávamos no dia 19 e eles não nos chamaram; passou o dia 20, passou o dia 21, 22, e eles não nos chamaram. Como sabiam que, para o brasileiro, Natal era importante, uma festa de família, eles atrasavam a data para nos deixar nervosos, porque uma pessoa nervosa negocia mal. No dia 23 nos chamaram para negociar. No Oriente Médio, além do negociador, eles colocavam uma pessoa que só nos olhava, não falava, e um outro que só anotava. Quando blefávamos no preço, na quantidade ou no prazo, eles observavam se a jugular mudava. Tivemos um executivo da Petrobras que foi preciso afastá-lo, porque, quando ele blefava, sua jugular crescia muito. Levamos meses para saber o porquê de nada dar certo nas suas negociações. Enfim, tínhamos que enfrentar toda essa tensão de jogo de forças, porque não podíamos deixar de abastecer nosso país. Essa tensão durou cinco anos, mas certamente amenizou-se. Nessas negociações, garantia-se o fornecimento para três meses, seis meses. Terminado o prazo, tínhamos que voltar com o pires na mão; não se tinha mais aqueles contratos de 15 e 20 anos. A Interbrás cresceu muito com tudo isso; a Braspetro conseguiu descobrir o campo de Majnoon, no Iraque. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu trabalhava tanto para a Braspetro, quanto para a Interbrás: ia para onde era preciso. Eu era o gerente-geral da Braspetro em Paris. Havia também o gerente-geral da Petrobras no mesmo escritório. Era um momento de confusão estrutural, com o tempo se separou as estruturas. Fiquei quase cinco anos neste escritório. Depois, a Petrobras me emprestou para assumir a presidência da trading do Banco do Brasil, sob convite de Mário Henrique Simonsen. Esta trading seria uma espécie de Interbrás do Banco do Brasil, vamos dizer assim. Chamava-se Cobec [Companhia Brasileira de Entrepostos Comerciais], mais antiga que a Interbrás. Acho que fiquei três anos nela; trabalhava com o mercado internacional, mas meu escritório era aqui no Brasil. Quando voltei à Petrobras, não fui muito bem acolhido, porque minha atuação na Cobec supostamente gerou conflitos com a Interbrás. Fui enviado para o Setor de Planejamento da empresa, o Serplan. No Serplan, em decorrência da minha experiência no mercado do exterior, me ocorreu a idéia de que cada produto brasileiro exportado contém uma gota de petróleo importado, por exemplo, quando faço o sapato, preciso esquentar a caldeira para esticar o couro, portanto utilizo petróleo. Desta forma, a crítica de que a Petrobras não encontrava petróleo próprio e importava muito, ignorava o fato de que um bom pedaço dessa importação estava saindo por meio da produção nacional e estava gerando divisas. Desenvolvi esse estudo para saber quanto da importação voltava, estudei muito apoiado pelo Renato Magalhães. O estudo foi publicado, mas o importante é que a Petrobras fosse buscar esse dinheiro no Governo, através do regime de drawback. Ao atrelar nossa importação de petróleo à exportação de produtos, agregávamos valor à nossa atividade. Sendo a importação causa de maior exportação, um pedaço daquilo o Governo ajudava, porque a exportação gera divisas e o Governo estimulava gerar divisas, através do chamado drawback. Meu grande objetivo era que a Petrobras provasse que aquela gigantesca importação de petróleo, uma boa parte dela saía, não era consumo perdulário. Isso me animou muito, mexer de novo nessas descobertas de alteração de conceito, como foi a operação do posto de serviço. Fiquei no Serviço de Planejamento; fui resgatado pelo chefe do planejamento, o Leon Zeitel, grande nome dentro da Petrobras. Fui bolando esses trabalhos até que acharam conveniente me dar uma função gratificada; inventou-se o cargo de assistente estratégico para melhorar minha posição. Neste cargo concluí minha carreira, na década de 1990. IMAGEM DA PETROBRAS Vivíamos em um momento em que se tinha em toda a América Latina altos níveis de inflação, com total ausência de democracia: ditaduras em toda a América Latina. De repente, se tem democracia e a inflação baixa. Isso leva a uma indagação: esses são movimentos autônomos nossos ou nós somos resultados de uma grande manipulação, de ondas e vantagens? Talvez a Petrobras tenha se afastado um pouco dos seus propósitos, mas ela foi criada para ajudar o desenvolvimento do país, chegamos a ter praticamente 90% das compras da Companhia feitas no mercado brasileiro. A Petrobras fez surgir toda a indústria: a Villares, a indústria mecânica pesada, a Eletrobrás etc. Talvez com um pouco menos de eficiência, mas como instrumento de desenvolvimento. Essa onda neoliberal descaracterizou completamente, mas a Petrobras ainda resistiu, porque o Governo ainda exerce certo controle sobre as ações ordinárias. Mas, numa boa observação, se verá que as ações estão praticamente na mão de terceiros, na bolsa estrangeira. Então, a Petrobras perdeu bastante. O que nos dá esperança é que, ultimamente, no governo atual, há movimentos de resgatar essa riqueza para a nação brasileira; deseja-se impedir esses leilões, garantir o pré-sal para a Petrobras. Há uma carência de petróleo no mundo e, evidentemente, farão milhões de pressões: veremos a resistência. DITADURA MILITAR De 1962 até os anos 1970, houve um tumulto gigantesco contra a Petrobras. Após a Revolução de 1964, vários generais foram colocados para fecharem a Petrobras. A missão dada aos presidentes que assumiam a Petrobras era de fechá-la. Mas ao chegarem lá e conhecerem a empresa e seus propósitos, verem o corpo que vibrava, ocorria como com o Marechal Ademar de Queiroz que disse: “Eu não vou fechar.” A ordem era para fechá-la, porque a Petrobras era entendida como um centro de comunistas, centro de corrupção e empresa ineficiente: são os vários conceitos que se espalham nas várias épocas. Ao chegarem à Companhia, via-se que não era centro de comunista, nem centro de corrupção e que se lutava pelo país. Então, os presidentes mudavam de opinião. O Marechal Ademar foi de uma importância enorme, porque era íntimo do Castelo Branco, portanto não adiantava o Roberto Campos nos chamar de dinossauros. Marechal Ademar recebeu a ordem de fechar a Petrobras, mas não a fechou, ao contrário, a apoiou. Dos anos 1960 até a administração Geisel, foi essa fase de tumulto de quebra e fecha, falta dinheiro, o câmbio foi bloqueado. Tem todo um movimento de estruturação, mas, enquanto isso, não se encontrava petróleo, o que era um grande problema. Salvo no refino que começou a dar resultado, a produção em si era ingrata; em terra as perspectivas eram poucas até que surge, por sacação dos geólogos brasileiros, a idéia de buscar no mar. Começou em Sergipe e em Alagoas. Enquanto a empresa não prodizia, dizia-se: “Fecha Fecha É dinossauro” “Só tem comunista.” Naquele sistema militar não se sentia seguro para nada, bastava-se estar numa linha de frente de transformação e se era logo tachado de comunista ou de corrupto. O Sant’Anna foi preso, eu respondi a inquéritos e fiquei oito meses sem poder tocar num papel. Havia aqueles que denunciavam, nossas salas eram invadidas pelo Dops e todo mundo era colocado contra a parede. Numa dessas visitas do Dops, ao mexerem na minha mesa, os investigadores encontraram uma arma. Eu nunca tive uma arma, obviamente não era minha. Um dos membros da Comissão de Investigação me apertava muito nos inquéritos e eu respondia a verdade: “Eu não tenho arma.” “Mentiroso” Fui mantido em uma sala, com todas as ofensas e pressão psicológica. Eu não fugi. Fazia questão de ir todos os dias. Não sabia o que aconteceria, mas todos os dias eu estava lá. Um ano depois, numa livraria, uma pessoa tocou nas minhas costas e disse: “Sylvio, tenho que conversar com você.” Era o filho de uma pessoa que compunha a Comissão de Investigação. Ele me disse: “A arma era minha; eu ia para Barra da Tijuca para uma farra, na hora que entrou o Dops, eu coloquei a arma na primeira mesa que vi.” Eu lhe disse: “Eu não sou dedo-duro, mas espero que você vá ao seu pai e lhe conte toda esta história, porque eu paguei isso com o sangue e se eu sofrer mais alguma conseqüência, direi que a arma era tua.” Eles pararam de me perseguir. Foi tudo um incidente, o rapaz era um playboy, não tinha nada com a Revolução, era apenas um playboy e, no medo daquelas invasões, jogou sua arma em qualquer lugar. Eu, o Sant’Anna e outras pessoas éramos muito vigiados, muito observados. Mas, mesmo sob suspeitas, sob coisas inventadas, continuávamos a trabalhar, com uma capacidade de realizar. O Coronel Job Santana foi até Paris me investigar. Uma vez eu saltei aqui no aeroporto, me pegaram e me perguntaram: “O que você foi fazer na Argélia?” “Eu não falo.” “Tem que dizer.” “Me mandaram pelo petróleo.” Essas besteiras. Embora sob suspeitas, éramos respeitados. Havia fofocas, evidentemente. Foram momentos difíceis, mas eu preciso dizer que a Petrobras deve muito ao General Geisel e ao Marechal Ademar de Queiroz, porque se eles tivessem deixado, o Roberto Campos, pensador liberal, teria fechado a Petrobras. A Companhia tinha o grande problema de não encontrar petróleo, por isso tínhamos de ficar quietos. A meta era não ser dependente do exterior, como hoje, anos depois, conseguiu-se essa grande vitória da auto-suficiência. IMAGEM DA PETROBRAS A época mais dura para a Petrobras foi nos anos 1960, com Jânio Quadros. É complicado não ter petróleo, não ter análise geológica e geofísica profunda e se criar uma empresa de monopólio. É preciso uma visão estratégica gigantesca e isso tinha Getúlio e Jesus Soares Pereira. Numa época em que não existia petróleo, embora o Monteiro Lobato dissesse que lutasse por ele, criou-se um instrumento de monopólio do Estado. Anos depois, quando se tem petróleo abundante, acaba o monopólio. O maior desejo de qualquer empresário é ser monopolista. A Petrobras era um instrumento de desenvolvimento do país sem petróleo, por isso essa fase do Jânio foi muito difícil para sua consolidação, a que muito se deve ao economista Eduardo Sobral que disse: “Não há petróleo, mas a saída é o refino.” O refino surge como saída para gerar dinheiro, necessário para gerar taxas e financiar a exploração. O início da Petrobras foi financiado pelo imposto de todo mundo, mas, após esta fase inicial, a Petrobras deixou de recorrer aos recursos do Governo. O período Jânio-Jango foi de grande sofrimento na Petrobras, superado pelo momento de expansão e consolidação durante o Geisel. Surge a Braspetro, consolida-se a Distribuição. Vejo esses dois grandes momentos na história da Petrobras. Agora, vejo o terceiro momento, com o Governo Lula: um prospecto de exploração de petróleo como nunca imaginaram. CONTRATO DE RISCO Em 1990, fui estimulado a sair da Petrobras. Era o Governo Collor e havia uma pressão muito grande do Maciel. A Petrobras abriu os contratos de risco; vieram tantas empresas e nenhuma delas conseguiu absolutamente nada, com excessão da chamada Pecten, na Bacia de Santos. Mas para uma área ser considerada comercial, deve ter certa dimensão. Fiz parte do grupo de trabalho responsável por analisar esses contratos. Vi que a Petrobras começou a tirar investimentos dela para botar nesse projeto, ou seja, injetou dinheiro para diminuir o custo do projeto, o que baixou o custo da produção de petróleo, tornando-a comercial, embora pequena. Se fosse mantido o schedule original de investimento, aquele campo não seria considerado comercial. Evidentemente, eu denunciei isso, dei parecer contra, por escrito. O Presidente Osíris Silva, por escrito, disse-me: “O Sylvio Massa tem razão, mas se faça o que a Pecten deseja.” Eu sabia que o poder político na Petrobras é muito grande, como em qualquer instrumento que apura bens nacionais. Esse jogo pesado é muito violento. A Braspetro era para exploração lá fora e este passo de ir para fora permitiu a elaboração de teorias da seguinte forma: “Se eu vou explorar petróleo nos outros países, por que os outros não podem explorar aqui?” Os contratos de risco nasceram neste questionamento. Participei de uma reunião, em Londres, aonde o Roberto Campos subia pelas paredes de raiva, porque não concordava em chamar esta abertura de “contrato de risco”. Ele dizia que deveria se chamar “contrato de risco deles”. Esse contrato de risco autorizado pelo Geisel era uma forma meio adaptada de manter o monopólio e abrir à especulação de empresas estrangeiras. Abriu-se uma brecha, começou-se a mexer na estrutura da Petrobras. O resultado é fantástico. Mas este caso da Pecten não tem uma única descoberta de petróleo, porque a geologia brasileira é de conhecimento dos brasileiros. A Petrobras formou por 40 anos esses geólogos e geofísicos. Esse é um dos grandes méritos da Petrobras: a formação técnica de imensas juventudes. Criou a Universidade Petrobras, criou o Cenpes [Centro de Pesquisa da Petrobras], importantíssimo na concepção da Petrobras. Obviamente, essa dimensão da empresa gera um desejo de desmonte, tanto que Henri Phillippe Reichstul estava preparando os bifes, os pedaços da Petrobras. Eu escrevi um artigo denunciando isso, eu disse que a empresa que vemos hoje não é mais a Petrobras, é um crime chamá-la Petrobras. Petrobras foi o que a gente viveu e construiu. Graças a uma nova política, ela vem se reestruturando e como em qualquer área rentável e produtiva é ameaçada. Até o Cenpes corre ameaças FAMÍLIA Quando fui fazer mestrado na Itália, conheci uma italiana de Milão. Ela veio para o Brasil e vivemos 18 anos. Fomos muito felizes. Ela faleceu com 41 anos de idade. Tivemos duas filhas, Isabela e Gabriela, e três netos, Manuela, André e Lígia. FORMAÇÃO O mestrado foi em Economia de Petróleo, com bolsa da Petrobras. A Itália investia muito nessas relações universitárias. Essa origem do Enrico Mattei provocou abertura para os países em desenvolvimento. A Itália sabia que ao apoiar esse tipo de curso criava um futuro contato, com alguém que fala italiano. É um investimento, não é de graça. Ele vai ter o seu custo depois. CHOQUE DE PETRÓLEO / ITÁLIA Eu acompanhei profundamente o caso das refinarias Saras e Saron; fui o negociador delas. Como a crise era muito forte, começamos alugando tanques em Roterdã: comprávamos petróleo e jogávamos no tanque. Depois, vimos que era mais estratégico refinar na Itália e trazer para o Brasil apenas os produtos de nosso interesse: gasolina ou diesel. Os outros produtos podiam ser vendidos lá mesmo, era a justificativa para o refino no exterior. Este refino foi muito questionado, mas, naquele momento, teve a sua validez. Isso foi na primeira crise, resultado do primeiro choque. Foi uma busca por todo nincho que pudesse ajudar no abastecimento interno, pensávamos apenas no abastecimento interno. HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS A cautela no trato dos assuntos da Petrobras, com os contratos etc. faz com que as pessoas incorporem para o seu comportamento pessoal esse modo de fazer e isso, às vezes, atrapalha. Tínhamos um grande homem dentro da Petrobras que se tornou cauteloso. Ele assinou os contratos de Majnoon com aquele cuidado enorme. Ele fazia dezenas de perguntas sobre uma palavra do contrato. Aquele labirinto o envolvia num esgotamento, mas como é que ele transferiu essa cautela para o comportamento pessoal? Passeando em Paris, evidentemente na hora do almoço, ele me disse: “Sylvio, eu queria comprar um par de sapatos.” “Doutor fulano, vamos comprar o sapato.” Entramos em 30 sapatarias, ele experimentava, andava um pouquinho e dizia: “Esse doeu aqui, doeu ali.” Não comprou. Um cansaço horrível. Voltou ao Brasil. Dois dias depois, eu recebo um telex dele: “Sylvio, peço um favor, vai naquela sapataria de tal lugar e compra o sapato para mim.” Esse excesso de cautela se transferiu ao seu comportamento pessoal. PRIVATIZAÇÕES Eu vivi intensamente a empresa em várias áreas. Acho que a coisa mais importante na Petrobras foi a formação do pessoal em torno da consciência política, convictos de que ela era e ainda é um grande instrumento de redenção. Veja o que ocorreu no México: acabaram com a Pemex. Ou seja, se não houver essa consciência do significado, as futuras gerações vão pagar um preço muito alto. Essa importância da Petrobras deve ser defendida, como estão defendendo atualmente. É estranho ver o presidente da ANP [Agência Nacional de Petróleo] Haroldo Lima, antigo deputado do Partido Comunista, grande defensor da Petrobras, mas agora é o maior vendedor da Petrobras. O [Arturo] Frondizi, um mês antes de ser eleito presidente da Argentina, lançou um livro sobre o Imperialismo no petróleo, em defesa integral do petróleo na Argentina. Assim que ganhou a eleição, sentou-se e a primeira coisa que fez foi privatizar a YPF. Trata-se de um terreno muito difícil. Quando lembro que um corpo de pessoas, com toda a dificuldade, conseguiu construir isso que está aí, não será nossa culpa se desmontarem. Provamos que é possível ter geólogos, geofísicos e engenheiros de refino e de processamento capazes. O Eike Batista, por exemplo, pagou e levou o pessoal capacitado pela Petrobras. O saber é um ativo, o conhecimento é um ativo. ONG A+ Abri uma editora, abri o primeiro centro cultural para crianças, o A+. Inspirei-me no Aloísio Magalhães. O que é A+? Compre um livro A+. Dê um passeio A+. É verbo amar ou é um símbolo algébrico com o sinal mais? Este nome foi criado por nós. Pegamos um casarão em Botafogo e o reformamos. Abrimos a editora, a livraria e, evidentemente, um projeto para se autogerir. A TV Globo fez uma longa matéria comigo no “Gente que Faz”, porque ao mesmo tempo que recebemos escolas de alto padrão, que podiam pagar, recebíamos comunidades carentes. Nesta fase, recebemos cerca 15 mil crianças e desenvolvemos atividades de leitura, literatura infantil, banho e higiene. Algumas personalidades nos ajudaram no projeto social: o Betinho, padrinho da casa, e o Leonardo Boff. Lançamos 200 e poucos livros, tudo na área social. Publicamos o livro de um menino poeta que a ONU, posteriormente, o premiou. Nós o havíamos tirado da prisão, um garoto muito capaz, por sinal. Começou como uma ocupação minha, depois eu fui escrever e lançar livros. Um dos meus livros chama-se Desumanas Fábulas, da Editora Imago, o outro se chama Notas sobre os Manuscritos Matemáticos de Karl Marx, da Editora Europa; o terceiro chama-se Resposta do Pai ao Kafka. MEMÓRIA PETROBRAS O que eu deixo é essa esperança da continuidade, com convicção sobre a importância da Petrobras para as futuras gerações. Nós fizemos a nossa parte. Gostei muito de participar. Resgatar a memória é o primeiro passo para que nem tudo seja perdido. Infelizmente, a primeira coisa que se costuma fazer é apagar a memória. Parabéns a vocês.
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