Projeto 30 anos Alunorte
Entrevista de Maria Luciene Santos Pinheiro
Entrevistada por Lígia Scalise
Barcarena, 8 de julho de 2025
00:17
P1 - Luciene, eu vou pedir para você começar então se apresentando, falando onde você nasceu, sua data de nascimento.
R - Eu sou Maria Lucia Santos Pinheiro, tenho 53 anos, eu nasci, fui criada aqui em Barcarena. A gente é de uma família de 12 pessoas. Meu pai e minha mãe ainda estão vivos. O meu pai está com 86 anos e minha mãe 79. Tenho três filhos, são dois homens e uma mulher. E tudo de maior.
01:00
P1 - Me fala a data do seu nascimento, direitinho. ]
R - Eu nasci em 10/03/1972.
P1 - Onde que você nasceu?
R - Eu nasci aqui mesmo em Barcarena.
01:13
P1 - Como é que chama seus pais?
R - Meus pais e José Maria da Cruz Pinheiro, a minha mãe, Maria Leny Rodrigues dos Santos,
P1 - Você falou que são 12 irmãos?
R - É, nós somos 12.
P1 - Você está em qual lugar?
R - Eu sou a terceira.
P1 - A terceira mais velha?
01:30
P1 - Quando você nasceu, você sabe como que era a situação dos seus pais naquele momento?
R - Olhe, nós nascemos… Nós moramos na beira do rio, ali do Rio Murucupi, tudo na beira. A beira que fala, porque fica bem próximo. Aí vem a família, por família, a família dos meus pais, a família dos irmãos dele, que eram 12 também. Que antigamente era só de 12. Aí, vinha a primeira casa, passava um pouquinho, a segunda, a terceira, e assim ia subindo. E a nossa era a primeira, bem na beira do igarapé mesmo. Então, nós fomos criados, cozinhando, lavando roupa, tudo ali na beira, fomos criados ali na beira do igarapé, nosso rio. Passava o rio e ali tinha a cabeceira, onde estavam as nossas casas. E a nossa era a primeira. Então, nós fomos… Nós amamos igarapé, natureza. Vivia tudo da natureza mesmo, a gente não comprava nada, a gente tinha nosso… Meu pai fazia carvão, ia em Belém comprar, vender e comprava algumas coisas que precisava, mas o resto era...
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Entrevista de Maria Luciene Santos Pinheiro
Entrevistada por Lígia Scalise
Barcarena, 8 de julho de 2025
00:17
P1 - Luciene, eu vou pedir para você começar então se apresentando, falando onde você nasceu, sua data de nascimento.
R - Eu sou Maria Lucia Santos Pinheiro, tenho 53 anos, eu nasci, fui criada aqui em Barcarena. A gente é de uma família de 12 pessoas. Meu pai e minha mãe ainda estão vivos. O meu pai está com 86 anos e minha mãe 79. Tenho três filhos, são dois homens e uma mulher. E tudo de maior.
01:00
P1 - Me fala a data do seu nascimento, direitinho. ]
R - Eu nasci em 10/03/1972.
P1 - Onde que você nasceu?
R - Eu nasci aqui mesmo em Barcarena.
01:13
P1 - Como é que chama seus pais?
R - Meus pais e José Maria da Cruz Pinheiro, a minha mãe, Maria Leny Rodrigues dos Santos,
P1 - Você falou que são 12 irmãos?
R - É, nós somos 12.
P1 - Você está em qual lugar?
R - Eu sou a terceira.
P1 - A terceira mais velha?
01:30
P1 - Quando você nasceu, você sabe como que era a situação dos seus pais naquele momento?
R - Olhe, nós nascemos… Nós moramos na beira do rio, ali do Rio Murucupi, tudo na beira. A beira que fala, porque fica bem próximo. Aí vem a família, por família, a família dos meus pais, a família dos irmãos dele, que eram 12 também. Que antigamente era só de 12. Aí, vinha a primeira casa, passava um pouquinho, a segunda, a terceira, e assim ia subindo. E a nossa era a primeira, bem na beira do igarapé mesmo. Então, nós fomos criados, cozinhando, lavando roupa, tudo ali na beira, fomos criados ali na beira do igarapé, nosso rio. Passava o rio e ali tinha a cabeceira, onde estavam as nossas casas. E a nossa era a primeira. Então, nós fomos… Nós amamos igarapé, natureza. Vivia tudo da natureza mesmo, a gente não comprava nada, a gente tinha nosso… Meu pai fazia carvão, ia em Belém comprar, vender e comprava algumas coisas que precisava, mas o resto era tudo tirado do nosso próprio… Ali, da nossa própria roça, meu pai trabalhava na roça, minha mãe. E nós, pelo meio, nós fomos criados naquele ritmo. Então, ali meu pai pescava, trazia o peixe. E a gente tirava todo o nosso sustento dali. Fruta, a gente não comprava fruta. Hoje em dia, se a gente quiser, a gente tem que comprar caro, e ainda é de má qualidade. E ali, não, era tudo plantado, colhido. Tinha muita pupunha, tinha muito açaí, tinha muito cupuaçu, manga. Era tudo abundante mesmo, era tudo bem farto. Graças a Deus!
03:15
P1 - Seus pais são de Barcarena também?
R - Meu pai é de Barcarena, é nascido também em Barcarena. Minha mãe não, minha mãe é de Santarém, a família dela toda é de Santarém.
03:24
P1 - Como é que eles se conheceram?
R - A minha mãe, quando ela veio de Santarém, ela veio bem novinha pra trabalhar em casa de família lá em Belém. Aí, meu pai, nessas idas e vindas, já conheceu minha mãe por lá, e aí já trouxe ela pra viver pra cá, pra Barcarena. E aí, com isso nós fomos nascendo aí.
03:48
P1 - Você nasceu de parto natural, no hospital, em casa?
R - Nós fomos tudo… Os outros foram de parto… O meu foi tudo natural. Meu pai, minha mãe, a maioria é tudo natural. Naquela época tinha parteira, tudo, para vir em casa. Já a minha caçula, já não, já foi no hospital.
04:09
P1 - E você sabe por que eles escolheram o seu nome? Eles já te contaram a história do seu nome?
R - O meu pai e a minha mãe tinham toda a devoção de Maria, eram todos católicos, na época. Então, era uma devoção, era Maria, Maria de Nazaré, Maria… Então, a família toda leva Maria. E Maria Eliene, Maria Luciene, Maria… Tudo tem que ter a Maria, por causa da devoção dos católicos à Maria de Nazaré.
04:38
P1 - E os homens?
R - É José. Então, ficou assim, e a gente foi se criando. Quando a gente foi crescendo… E era um atrás do outro, era tudo pequenininho. E a gente foi se criando, se criando, ali naquela fartura, tudo. Mas aí quando veio já a parte que a gente teve que sair do nosso território, aí é onde já foi ficando difícil…
05:07
P1 - Antes da gente chegar aí, vamos lembrar um pouquinho mais da infância. Como que era a casa? Você falou que era na beira do igarapé. O que você lembra da casa? Você tinha brinquedo? O que você gostava de fazer?
R - O legal ali é porque era tudo natural. A gente tirava a boneca, apanhava o açaí e tirava a aquela parte de cima, que chama a boneca do açaí, para fazer as nossas bonequinhas. A gente tecia as cordas para fazer a rede da boneca. Então, tudo era ali da natureza mesmo que a gente tirava para brincar. E tinha muita brincadeira, na época, a gente brincava de cemitério, era de bola, era de bombaqueiro, era de roda. Então, era só brincadeira mesmo, que a gente não vê hoje. A gente brincava de cair no poço. Então, a gente não via o que a gente vê hoje, tanta coisa ruim, né? Porque ali era tudo… Eram os vizinhos… A gente era tudo família. Então, todo mundo brincava. Ia tomar banho, direto, brincar de pira na água, lá no igarapé, todo mundo tomava banho, tomava banho e brincava de pira, que entrava pela noite. Nossa vó ia de tarde lá buscar a gente, de noite já. Que a gente estava lá brincando de pira na pira. E subia… Aí, ela com o galhinho dela pra botar a gente pra dentro. Era muito legal. E de manhã tinha que sair cedo para ir buscar as frutas, buscar o cupuaçu debaixo da árvore, buscar a castanha, tirar, sabe? E aí era muito legal, porque a minha mãe ia pra roça com o papai, e a gente ficava ali fazendo as coisas tudinho. Se ela chegasse também, não tivesse pronto, o bicho pegava para gente.
06:54
P1 - Quais eram as obrigações, os deveres que você tinha que fazer?
R - A gente tinha que lavar roupa lá no igarapé, todo mundo pegava sua trouxinha e já ia para lá. Uma já ia com o pote para buscar água para botar… Porque era tudo de lá, do igarapé, não tinha poço, não tinha água encanada, não tinha água para comprar. Botava o pote na cabeça, já ia lá buscar, coar, trazer para botar dentro de casa. E meu pai, quando ele ia botar, enchia… A minha mãe tecia as rasas, para botar o açaí, para botar o cupuaçu, para fazer a embalagem para levar. O meu pai tinha um barco. E o carvão também. Minha mãe ia para lá com ele, enchia tudo pra vim. E a gente vinha atrás matando a mutuca. Quando ele vinha com a carroça cheia de carvão, e a gente… Naquele tempo, até os carros de mão, era tudo de madeira, não era que nem agora, tudo de madeira. E aí, ela trazia, eles enchiam o barco, e de lá iam para Belém vender.
07:43 - O que eles vendiam lá?
R - Eles vendiam as frutas. Levavam as frutas para vender, o carvão. Trabalhava muito no carvão. Levava as frutas e já trazia… A gente ficava lá… Tem um… Não sei se vocês sabem, no igarapé tem o miriti, que a gente vai andando para olhar lá no final. E a gente ficava lá esperando, já sabia a hora que eles iam chegar. Então, quando ele vinha, trazia um negocinho para um, um negocinho para o outro, e a gente ficava feliz. Então, era uma vida muito saudável, muito feliz, sabe? A gente, hoje a gente não tem nada disso, né? E naquele tempo não, a gente era muito, muito feliz e não sabia, na verdade, sabe? Porque a gente vivia ali tudo tranquilo. Tinha os festejos, naquela época, tinha aquelas festas juninas, todo mundo dançava o boi, dançava a quadrilha, todo mundo se vestia. E aí, a gente tinha todos esses momentos de alegria e festa. A levantação do mastro, lá em cima um monte de frutas. A gente já subia para tirar, quem subia, quem ganhava, era aquela gritaria. E era muito bom.
09:07
P1 - Como que era Barcarena quando você era criança, hein Luciene?
R - Eu me lembro assim, vagamente, de Barcarena, quando tinha a cidade, a gente morava para o lado daqui, aí a gente ia de barquinho, montaria, aquelas montariazinhas, lá em Barcarena. Porque tudo era lá, não tinha para cá, para a vila, não tinha nada aqui na vila. Era tudo para lá, até para estudar, tudo. Era tudo lá em Barcarena. E aí, a gente tinha que ir, naquelas montariazinhas. Aí, quando a gente ia para lá, e passava aqueles barcos grandes, jogava água para cima da gente, e a gente tirando a água de dentro da canoa, e eles lá passando, tirando foto da gente. E a gente aqui, aperreado com a maresia que eles faziam quando eles iam passando. E a gente ia aqui, aquele monte. E a gente tudo recebia. Para receber, pegar… Que antigamente, lá em Barcarena, o leite das crianças. A gente ia to mês para Barcarena. Quando chegava lá, aí a gente ia… Minha mãe ia para lá pegar, a gente ficava tudo esperando, que tudo a gente… Engraçado, que a minha mãe, tudo que ela ia fazer, ela levava a gente. Quando ela ia para festa… Que tem muita festa, antigamente tinha muita festa nas beiradas dos rios. Não era aqui, era lá, porque todo mundo morava na beira. Aí, quando tava assim, seca a maré, que tinha que empurrar o barquinho. A gente empurrava o barquinho, a mamãe com um salto deste tamanho. A mamãe sempre gostou de salto, era um saltão fino, daqueles cristais, sabe? Que ela trabalhou muito em casa de família de ricos, lá em Belém, então ela ganhava muita roupa, ela trazia sacas de roupa. A gente não comprava roupas, que ela ganhava muitas. Aí, ela ia para a festa. Só que a gente tinha que levar rede, tinha que levar rede para os menores, tinha que botar rede, as borocas tudo dentro, feito cigano o barco. E empurrava na lama aquilo, e era maruim, maruim, maruim. Sabe maruim, um bichinho bem pequenininho que dá aqui que só, igual carapanã. A gente empurrava a canoa no Miriti, na lama, tudinho, até para chegar, para ir para a festa. Chegava lá, botava as redes onde era o barracão, porque naquele tempo não tinha luz, era mesmo no motor, né? Então, todas as festas tinha um barracão grande, para a gente colocar as redes das crianças. E a gente quando era maiorzinho, tinha que ajudar os menores lá. Botava as redes e o pau torava pra lá a noite toda. E papai gostava muito de dançar, até hoje. Papai e mamãe gostava muito de dançar. E eu puxei para ele.
11:49
P1 - Então, eles se divertiam?
R - Eles dançavam muito, a festa toda. A gente já vinha de manhã, todo mundo feliz, cansados de tanto dançarem. Mas era muito bom, muito bom, muito bom mesmo.
12:04
P1 - Então, sua mãe trabalhava em casas de família, também na roça, seu pai na roça, e vocês viviam desse sustento?
R - Era. A gente vivia só disso, ninguém trabalhava. Assim, até um certo tempo. Mas aquela infância foi muito legal. A tarde todo mundo se reunia para ir brincar de pira, pira pega, era bandeirinha, todas essas coisas a gente brincava muito. Com as famílias de outros quilombos, que a gente era tudo um perto do outro. E aí, todo mundo foi criando assim. Foi muito legal, naquela época.
12:41
P1 - Eles eram pais calmos, bravos? Como que eles eram quando você era pequena?
R - Não. É interessante, que hoje em dia, a gente é assim, a gente vê muito estresse, muito cansado, a gente já chega aborrecido. Mas não, eles… Porque a gente vivia da pesca, papai ia pescar, trazia… Era tudo farto, não tinha porque ficar todo mundo estressado, cansado, preocupado em pagar as contas. Porque ele trazia o peixe, não faltava o peixe, não faltava farinha. A gente fazia farinha, da farinha já tirava a tapioca, tirava a comida para as galinhas. Dalí, da farinha, tirava de tudo, o tucupi para fazer o tacacá. Então, a gente não tinha preocupação de não ter, né? Então, era tudo muito farto. Fruta, então, nem… Tinha de tudo, tinha de tudo, bacuri. Porque era assim, as frutas, eram separadas por época, todo tempo. A época do açaí passa, vem da bacaba, aí passa. Aí, vai… Mamãe, trazia sacas de bacuri, sabe? E a gente sentava ali, era tudo… Eu nem… Hoje em dia se a gente quiser, é difícil até de encontrar. Mas era tudo muito farto, a nossa área era muito grande, nosso terreno era muito grande. E ia emendando as famílias, cada um cuidando do seu. E era tudo muito farto. Cana, era tudo muito bem.
14:15
P1 - Você sentia falta de alguma coisa?
R - Naquele tempo a gente nem pensava nessas outras coisas que existiam. A nossa casa era de madeira, eu me lembro muito, papai criava muito porco, galinha. Então, era tudo de madeira, mas tinha aquela parte que era a cozinha, que era de pau mesmo, grosseiro. Mas a nossa casa sempre foi de madeira. Quando a gente veio mais para cima, o papai fez uma casa imensa, grandona, o sonho dele. Acho que era tudo de varanda. A gente já estava mais maiorzinha, querendo sair para ir sozinha para festa. Então, era uma casa grandona de madeira, que como ele começou a trabalhar de vigia também, nas fábricas aqui, nas construção da vila aqui. E aí, ele construiu uma casa grandona de madeira, várias janelas, que a gente já fugia por cima já. Mas a gente sempre gostou de participar dessas danças de quadrilha, dançar em outro quilombo. A gente sempre gostou de estar participando dessas danças. Aí, a gente já fugia, porque o papai não queria deixar a gente ir só. A gente já fugia.
15:37
P1 - Luciene, quando você era criança, você tinha algum sonho? Você queria ser alguma coisa quando crescesse? O que passava na sua cabecinha?
R - Quando eu fiquei maiorzinha, a minha mãe me deu para a minha avó.
P1 - Com quantos anos?
R - Uns 13 anos. 12 para 13 anos. Aí, fui morar com a minha avó, já lá em Itupanema. Então, isso aqui era só um caminho, não tinha nada disso que tem agora. Só caminho, só trilha. E a gente ia lá para Itupanema, a vovó vinha com aquela lata na cabeça, cheia de farinha, e a gente ia para lá, vinha pra cá pegar fruta. Aí, fiquei nessa, para lá e pra cá, com a minha avó. E eu fiquei com a minha avó um bocado de anos, já morando com ela. E aí, a gente já foi conhecendo as coisas. A gente já tinha vontade de ter uma televisão dentro de casa. Então… O legal que eu me lembro, quando a gente estudava, a minha avó enchia o nosso cabelo de andiroba, queria ver aqueles cachos, queria ver bonito. Ele ensopava a cabeça da gente com andiroba, tudinho, tudo bonitinho. O nosso caderno, não era desses agora. Eu digo para os meninos, hoje vocês tem de tudo e não dão valor. Naquele tempo, nosso caderno era de jornal mesmo, encapava aquilo tudo de jornal e tudo, papel da padaria que vinha o pão enrolado. E a gente era feliz e não sabia. Porque a gente dava maior valor naquilo. E hoje em dia a gente vê muita coisa mais bonita, muita coisa. Mas hoje não valorizam, né?
17:20
P1 - Você foi para escola com quantos anos?
R - Olha, a gente começava a estudar com uma idade bem mais avançada, porque não tinha, na época, não tinha escola assim, como tem agora, para todo lado. Tinha uma casa onde elas ensinavam o alfabeto para a gente começar a ler e escrever. Era uma casa que tinha de apoio.
Só tinha uma senhora na época, e ela fazia essa conversa com a gente para ensinar, sabe? Não tinha assim, escola. Aí depois, quando fui morar lá para Itupanema, já tinha. A única escola que tinha lá, era uma escola que a gente já estudava para lá. Aí, quando a gente ia se alfabetizando, já ia tudo para lá. E a gente não via doença, não tinha doença, não tinha Alzheimer. Meu pai hoje tem Alzheimer. Aí fico, meu Deus, como era que naquele tempo a gente não via. Pressão alta, agora todo mundo de pressão alta, todo mundo é diabético. E a gente não via, nem escutava falando nessas coisas. Não tinha médico, não tinha essas filas imensas de UPA que você vê hoje. Naquele tempo a gente não via nada disso. Era a curandeira lá, para te benzer, os banhos tradicionais, que tu molhava a cabeça. Me lembro da vovó, colocava aquele banho imenso, lá no sereno, para de manhã molhar a cabeça, quando estava gripado. E aí, tu vivia bem, tu era bem de saúde, né? Hoje não, hoje meninas novas estão tudo aí tomando um monte de remédio para depressão, para isso, para aquilo outro. Eu
fico pensando, Meu Deus do céu, como é que muda tudo. Mudou tudo, mudou tudo.
19:06
P1 - Essas medicinas tradicionais, era a sua avó que passava para sua mãe, que você aprendeu também, foi assim?
R - É! A minha avó, ela morreu com 96 anos, mas ela não tinha um cabelo branco, uma ruga. Está aqui os meus, tudo branco. É ela tranquila ali, sabe? A pele a coisa mais linda. Ela tranquila, na dela. E era assim. Mas tudo natural. Ela não tinha… Era tudo medicinal, tudo planta medicinal. Ela conhecia de um tudo ali, de planta medicinal. E a gente foi pegando um pouco. Hoje em dia eu cultivo lá em casa umas plantinhas também.
19:46
P1 - O que você aprendeu com ela que você nunca esqueceu?
R - Muito me cuidar com andiroba, né? Que a gente levava andiroba no cabelo direto. Acho mais engraçado, que era até aquelas melancias. Tudo que a gente comia passava no cabelo, para ficar bonito. Agora esse mela pra cá, é chapinha, é coisa, é creme. Não, era tudo natural mesmo, que ela dizia que era para ficar crespo o cabelo, tinha que passar a casca de melancia, que era natural. E era tudo natural, a gente se cuidava e dava certo. Dava certo. Os banhos, as rezas, dava certo de se cuidar desse jeito. Hoje em dia, se não for para farmácia, tomar o remédio da farmácia, parece que não resolve.
20:40
P1 - A sua vó é de onde?
R - A minha avó também era daqui mesmo, de Barcarena.
P1 - Então, aprendeu aqui?
R - É, os pais dela. De geração em geração, já estamos na quinta. Assim vai.
20:56
P1 - Luciene, você falou que a sua mãe te deu para a sua avó, por quê?
R - Porque a gente já estava tudo grande, a gente estava bem grande. A vovó precisava já, porque era só ela. E ela tinha um filho… Ela tinha 12 filhos, mas tudo foi embora. Criaram família e foram embora. E aí, acabou ela ficando só. O outro, meu tio, também começou a trabalhar, e eu fui mais para ela. E ela gostava muito de mim, e acabou me levando. Aí, eu fiquei mais com a vovó, já para o final da história.
21:31
P1 - E como era a vida com a sua avó? O que você fazia para ajudar? Como era seu dia a dia? R - Vovó era demais. A vovó, ela morava em Itupanema, a gente ia gapuiar. Adorava gapuiar, a vovó. Adorava pegar camarão. A gente ia de noite, botar os matapi, lá, tem a praia do Caripi agora, era a praia lá, a gente ia andando naquela beirada todinha. Ia botando matapi, de madrugada… Quando dava para pegar de madrugada, porque é pela maré, se a maré der de madrugada, tu vai ter que ir de madrugada tirar o matapi. Eu ficava muito brava com a vovó. “Aí, vovó…” “Não, tá no horário, vamos embora.” Nós tinhamos que ir. Aí, sempre nos gostamos de cachorro, sabe? Mas olhe, disse que não tinha Matita, não tinha isso. Mas naquele tempo tinha sim.
P1 - Tinha o que?
R - Tinha visagem de Matita Pereira.
P1 - O que é isso? Me conta?
R - Teve uma vez, que nós fomos para tirar esse matapi de madrugada, nós passamos por uma árvore grandona que tem lá, de jatobá, bem na esquina. Quando a gente passou, a gente ficou todo arrepiado, sabe? E aí, eu dizia assim: “Vó, tem alguma coisa aí.” Ela: “Nem olha, vamos embora, vamos orar, vamos rezar e vamos passando. A gente não passou não, o cachorro pegou uma peia, o cachorro gritava, ele rodava assim, chorando, parece que estava dando nele, sabe? Aí, “Vovó, eu não vou mais.” Voltamos. Nós temos que buscar esse matapi. E a vovó era danada, ela gostava muito, sabe? Ela apanhava turu. Sabe o que é turu? Turu é um pau grande que dá na beira dos rios, da água. E aí, a gente tira de dentro um negócio assim comprido para comer, é gostoso. E a vovó gostava muito. Aí, fui eu tirar com ela. “Bora?” “Bora!” Aí, tem um passarinho que grita “xinquam.” Aí, diz que quando esse passarinho canta, tu não pode sair de casa, porque ela já está agourando alguma coisa que vai acontecer. Naquele tempo tinha isso. “Olha, o passarinho cantou, ninguém vai sair agora não.” “Mas nós vamos lá rapidinho, só vamos pegar aquele turu que tem lá, que eu vi um pau lá que está bom.” Nós nos mandamos para lá. Aí, o meu tio chegou, “Bora!” “Tu vai também.” “Não, mãe…” “Bora lá todo mundo.” Nós fomos. Mas quando nós estávamos lá tirando o turu, na primeira, na segunda, o machado deu no pé da vovó. Você fica fazendo eu relembrar do passado. Ele dei com o machado assim, partiu o pau e veio no pé da vovó. Isso deu uma coisa, que a vovó era grandona, ela era grande. Para nós trazer ela para cá, doente, com aquele pé. E não tinha hospital para ir lá dar ponto, não tinha não, daqui tinha que ir para Belém. Tudo era para Belém. Ainda era de barco, ainda tá. Não tinha carro não. E a vovó veio. Passamos a noite todinha, a vovó com aquele pé cortado, para ir para Belém no outro dia. E naquele tempo, coloca café e coloca folha. E era tanta coisa em cima para passar o sangue. No outro dia teve o barco, chegou o barco para levar ela para Belém para botar os pontos no pé dela.
P1 - Cortou onde?
R - Cortou bem em cima do pé dela.
P1 - Estava sangrando, então? Estava aberto?
R - Tava! Estava aberto porque foi com o machado que a gente estava cortando. E por um triz que não cortou para decepar, sabe? Então, nós passamos um momento muito… Momento de perrengue também. Mas a vovó era demais. Ela me vigiava direito, a gente ia jogar bola na praia, mas ela ia atrás, ficava olhando, só na butuca para a gente não fugir dela.
P1 - Qual que era o medo dela?
R - Era pegar barriga, né? Naquele tempo… Agora, o pessoal, não, eu quero filho com tantos anos, mas antigamente não, o pessoal tinha filho, era tudo fácil, aí não tinha essa. Não tinha conhecimento também, de hoje em dia, de se cuidar melhor. Hoje em dia não, você vai no posto tem os treinamento, tem tudo, remédio de graça. Então, hoje em dia pega se quiser, bebê hoje em dia. Mas antes não, fazia de escada. Mas ainda tem lugares por aí que é assim, sabia? Eu lá na mamãe, ela mora em Santarém, interior de Santarém. Lá ainda é assim, meninas novinhas, de 14 anos, que estão lá com filho. Lá ainda é assim, ainda vive muito da cultura. Aqui não, depois que as empresas chegaram acabou com tudo. Mas ainda tem lugares assim. Eu ainda tenho vontade de ir embora para lá, ainda viver mais um pouquinho…
26:42
P1 - Você falou que é a quinta geração em Barcarena. Então, tem uma história de vocês aqui, né?
R - Tem.
P1 - E aí, você falou que teve uma mudança de território. Quando que isso aconteceu, que vocês saíram das casas?
R - Quando teve a mudança, foi quando as empresas chegaram. Quando as empresas chegaram mudou totalmente a vida de todo mundo. Hoje em dia não tem dinheiro que pague, compensação que pague o que tiraram da gente. Então…
P1 - Isso já foi mais para frente, já estava maior?
R - Já foi mais para frente, já, já estava tudo já bem maior, já lá pelos 20 anos.
27:28
P1 - Então, vamos ainda na adolescência que eu estou super curiosa. Quando é que você começou a namorar? Como é que começou a sua vida nesse sentido?
R - Na escola, sempre tudo na escola. Enquanto era nas casas, todo mundo conhecido. Mas quando a gente já foi para a escola, lá em Itupanema, aí já tinha, “aquele menino ali é bonitinho.” “E aí, o que tu acha daquela ali?” Aí, começa as trocas de bilhetinho, que naquele tempo era bilhetinho, tu montava um bilhetinho, jogava lá lá na mesinha dele, já ia pro recreio, já passava, já deixava lá. Era desse jeito. Eu me lembro que o meu primeiro namorado, era um de lá, de Itupanema. E também foi assim, através de bilhetinho, saía para encontrar a tarde. E a gente era danado também.
P1 - Era escondido?
R - Tudo era escondido. Vovó pegava no pé mesmo da gente.
P1 - O que é que ela falava?
R - Não, não, ainda não é tempo de namorar. Vocês tem que estudar, vocês tem que estudar. Naquele tempo as escolas eram bem mais, não era liberado, sabe? Entrava para estudar, era para estudar. E era ali. E hoje não, se o aluno entra para a escola e ele não quiser estudar, ele fica lá formatando a hora e vem embora. Estuda se quiser, professor diz: não quer, não quer. Nem obriga não. Mas antigamente não, e até os ensino, era bem melhor, sabe? Porque tu aprendia, tu saia aprendendo dalí. Era tudo um misto, porque não tinha assim, aquela grande quantidade de salas para separar. Era só um professor, que ele dava aula para todas as turmas, então era muito legal mesmo. Como a gente não tinha televisão, a gente inventava de ir para casa do vizinho assistir, só para se pegar lá. Porque a gente chegava na casa do vizinho… Era só uma faixa etária, as primas tudo, era só numa faixa etária. E a gente ia para a casa do vizinho. “Bora assistir lá na casa do vizinho fulano.” “Tu vai?” “Vou!” Passavam lá, já vinha trazendo. E aí, pedia para a vovó. Deixava eu ir, a gente já ia pra lá. Que nada, no caminho, quem tinha as suas paquera já ficava por ali. Teve uma vez que a vovó foi atrás de nós, aí… “Lá vem a vovó.” E eu tinha o cabelão bem grandão, sabe como é? Era bonitão, preto, grandão. Aí, eu só me sentei assim, joguei meu cabelo pra cá e fiquei assim. E a vovó passando, procurando a gente. Mas era muito engraçado. E quando ela chegava a gente já estava lá em casa. “Mas vocês passaram por onde?” “A gente veio lá por trás da casa de fulano.” Que nada! A gente era péssimo, também.
P1 - Tinha medo da sua avó?
R - Se ela pegasse nós também tirava o nosso couro. Naquele tempo, a vassoura, que eles varriam muito o quintal, os antigos, eles gostavam daquele quintal lindo, varrido. Então, eles tinham um material que era para fazer a vassoura, que era aqueles que eles gostavam de ripar a gente. Mas era muito legal, a gente ia para a casa do outro, assistir a televisão. E as festas, tinha festa junina, tinha festa de quadrilha, a gente gostava de… Uma vez eu fugi para ir para a festa. Papai não queria, papai trabalhava a noite, pegou um vigia. Aí, disse: olha, as meninas não vão sair em quadrilha esse ano. Aí, aqui nada. “Eu vou.” Então, eu comecei a ensaiar escondido, sabe? Aí, quando ele chegava, nós botávamos nossas coisas tudo para lá, para debaixo da cama. “Tá tudo dormindo.” Que nada, tinha acabado de chegar do ensaio. Quando foi um dia, as quadrilhas tinha que dançar no outro quilombo dos outros. Aí, tinha que ir. E como é que faz para ir? Às vezes conseguia, com o serviço dele, a gente fugia, a gente ia. Mas uma vez o papai me pegou, me deu uma pisa. E eu ia para cima dele, sabe, ele vap, vap, vap, e eu ia pra cima dele. “Pode bater, pode bater!” Sei que a vovó entrou, a mamãe entrou, puxava ele. Eu ia, “me solta, deixa eu ir pra cima dele, não quer me bater, deixa ele me bater.” Eu estava errada, tinha ido mesmo, contra a vontade dele. A gente era muito danada. A minha irmã maior então, meu Deus do céu, aquela apanhava de mais, porque ela era muito atrevida. Mas a gente passou um perrengue também, sabe? Depois disso tudo, essas nossas fases aqui na comunidade foi muito bacana, sabe? Foi muito legal, a gente brincou, a gente… Foi muito rica mesmo. Aí, depois, quando tivemos que sair, já para ir para fora, a gente passou um bocado de perrengue, até voltar para o nosso território de novo. A gente já foi morar na casa dos outros, fui embora. Também trabalhei muito pela casa dos outros, minhas irmãs também, para depois a gente voltar para cá já. Aí, quando a gente veio, já não veio para lá, onde nós tinha as nossas casas na beira do rio. Já veio para esse lado aqui, que é mais terra firme. Você vê que a gente está para cá. Nosso começo era lá na beira do rio Murucupi.
33:18
P1 - Então, para eu entender a história, você saiu dessa parte do Igarapé, foi para casa da sua avó. Aí, quando é que você voltou para cá?
R - A gente já voltou, já tinha família já.
P1 - Então, quando é que você começou a fazer família, então?
R - Ah, eu comecei a fazer família, acho que eu estava com uns 24 anos.
P1 - Você não engravidou na adolescência?
R - Não, fui muito vigiada. Eu gostava muito de brincar, sabe? Mas até que eu não era muito namoradeira, mas a gente gostava muito de brincar, de dançar, de quadrilha, de boi, essas coisas. Eu fico pensando, a gente nem tinha… para tirar fotos, essas coisas, filmar, naquele tempo. Agora que a gente já… Ainda tentei fazer isso com meus filhos, botar eles para brincar na quadrilha, ainda tentei fazer isso com eles. Mas não curtiram muito.
34:09
P1 - O que você lembra dessa adolescência que foi marcante para você?
R - Era mais quando a gente tomava banho no rio, se reunia para tomar banho no rio, para esperar o barco chegar e passarem. Essa parte que a gente tomava os banhos, que a gente fazia tudo no rio, que era mais legal. Abria para quem pegava a fruta primeiro, pra ver quem chega primeiro. Então, isso aí acho que foi muito bacana mesmo. A gente não esquece, né? Esses momentos legais. São coisas assim, que hoje a gente já não consegue ter, fazer, passar.
P1 - Você tinha sonhos… Que eu te perguntei, você não respondeu. Quando você era pequena, adolescente, do que você queria ser?
R - Olha, quando a gente estudava… A gente só queria ser professor e aeromoça. Eu me lembro muito bem. “Ah, não, eu quero ser aeromoça, pra mim está viajando toda arrumada ali dentro dos aviões.” Era só isso que a gente pensava. Pergunta: “Não, eu vou ser aeromoça.” A gente nem conhecia essas outras profissões. Era professora e aeromoça. E também só tinha o magistério, não tinha outra profissão. Ou você estudava, se formava em magistério. Na nossa família todo mundo era de magistério. Quem quis continuar, foi se atualizando, se profissionalizando mais. Quem parou, não continuou mais.
35:44
P1 - E você foi, né?
R - Eu ensinei um bocado, mas em particular, público eu não tive muita oportunidade, mas particular a gente deu aula bastante. Depois também não quis mais.
P1 - Então, você estudou tudo.
R - Estudei.
P1 - Se formou em tudo? Você fez o ensino completo?
R - Me formei em pedagogia de primeira a quarta série. Aí deu para dá umas aulas por aí, particular, tinha um colégio lá no Laranjal, de uma amiga minha, a gente até foi sócia e tudo mais, para formar as turmas. Foi legal! Aí, depois eu tive que… Já arranjei família, viajei, já voltei. Depois tive que vir assumir isso, me jogaram nas costas a associação, e agora estou aqui.
36:38
P1 - Me fala dos trabalhos que você fez na vida, do que você trabalhou? Você foi professora, o que mais?
R - Olha, eu já fiz um pouco de tudo. O primeiro trabalho, meu, a gente foi professora na escolinha, depois eu peguei um trabalho de recepcionista no Hospital São Camilo, em Macapá. Depois eu fui ser telefonista, aí e já vim para Barcarena. Já fui copeira da diretoria da Hydro, já trabalhei na cozinha também da Hydro, já trabalhei na cozinha do Equinócios. Então, eu já rodei um bocado por aí. E aí, a gente faz um pouquinho de tudo. Eu trabalhei muito nesse ramo por aí, esses ramos ali da vila, a gente trabalhava de faxina, diarista, naquele ramo todinho ali, a gente conhece. Teve uma vez que eu fui fazer uma faxina, a senhora abriu a porta, quando ela abriu, lá vem os cachorros em cima de mim. Eu não pulei lá de cima. Pulei lá de cima. Porque a gente tinha todos aqueles rans.
P1 - O que é um ram?
R - Aqueles alojamentozinhos que tem ali perto da Mariana. A gente trabalhou ali de faxineira, de copeira. Trabalhei ali também. Andei um bocada mesmo.
38:15
P1 - Quando é que você decidiu sair da casa da sua vó e voltar para Barcarena?
R - Olha, quando eu saí da casa da minha avó, eu fui para Belém. Eu fui para Belém, nós passamos um tempão lá em Belém. Foi no tempo que tiraram também o pessoal todinho, indenizaram, a Codebar veio, indenizou. Entre aspas, e a gente foi para Belém passar um tempo em Belém. Só que lá em Belém a gente ficou num bairro que ele enche muito, enchia nossa casa quando chovia. Enchia e a mamãe botava as nossas redes tudo assim. Nossas redes era tudo lá na cumeeira, porque passava água por baixo. E era muito difícil. E aí, o papai começou a trabalhar, a mamãe também. Aí, a gente começou a trabalhar também pela casa dos outros lá. Aí, quando a gente voltou, já para cá, a gente não se acostumou, tinha os outros menores, era muita atribulação, vivia muito estressada também. Aí, não, bora voltar lá para a cidade. Aí, veio um de um conhecido e disse: Olha, a área de vocês ainda está intacta lá, não tá tudo, mas ainda tem. E o que foi prometido não foi feito. Aí, vão voltar. Aí a gente voltou e quando a gente veio, veio para esse lado aqui. Aí, a gente começou a construir para cá. Minha mãe veio primeiro, fez a casa dela de madeira, tudo. Aí, depois a gente começou a vir de lá de Belém, das casas dos outros que a gente morava por lá. E vim. E aí, aqui a gente começou a construir tudo de novo, outra vida, porque não tinha mais as nossas plantações, nós tivemos que plantar tudo de novo, agora que a gente começou a colher. Que isso é anos e anos também, não é fácil. E a gente começou refazer tudo de novo, agora. E a gente já. Aí, já arranjamos família, todo mundo já arrumou família, e aí vão construindo suas casas. Aí vem os projetos, quem conseguiu ter sua casa organizadinha, já conseguiu pelo projeto.
40:17
P1 - Eu estou tentando entender, conectar as pontinhas. É muita história. O que aconteceu para vocês saírem, para seus pais saírem das casas deles. O que é que aconteceu com o tempo, assim?
R - E porque teve uma reviravolta assim, a CODEBA e uma empresa, que primeiro veio ela, para ver as áreas onde ia ser feito os projetos industriais de Barcarena, então aonde ela entrou, que foi na parte lá onde a gente estava, indenizou algumas pessoas de lá. Aí, os que ficaram lá, resistiram, ficaram lá, não saiu, mas onde nós estávamos, foi a área mais cobiçada, falando. E aí, nós tivemos que sair. Aí a gente saiu. Não só a nossa família, mas a maioria das famílias saíram. Aí, se espalharam, uns por Cunha, outros para Barcarena Sede, outros para Belém. Foram se espalhando por aí. Pioneiro. Aí, na época, meu pai também teve que ir. Todo mundo foi embora. Então, a gente foi morando, moramos um pouquinho para cá, um pouquinho para ali. Aonde não se acostumava, ia de novo para outro lugar. Até a gente conseguir voltar.
P1 - Vocês ficaram com as terras de vocês em troca de…
R - Indenizaram a gente, pagaram pelo preço das frutas, das coisas. Pagaram mas foi muito pouco, que não deu para construir. E aí, botaram a gente para um bairro lá no Laranjal, onde tinham umas casinhas e eles mandaram a gente para lá. Só que não deram a casinha para nós. Para a nossa família não foi dada a casinha, deram dois terrenos, dez por trinta. Para quem tem área grande, um dez por trinta, cheio de criança, cheio de filhos, não dá. Então, não deram a casinha, deram para muitas pessoas, mas não chegaram a dar para o meu pai. E aí, a gente voltou para cá.
42:17
R - Isso foi em que época?
R - Nos anos 80.
P1 - Quando quais empresas começaram vir?
R - Foi de 80 para cá. Aí, depois que a gente voltou, tivemos que trabalhar nas empresas, nas casas de família para cá. Já não tinha mais… Se quiser tomar banho ali, tem que pagar agora para entrar no igarapé. Mas é assim, ficou muito mais difícil agora. Até porque agora a gente já tem família.
P1 - Quando você voltou para Bracarense você já tinha filho?
R - Não, não. Fui ter filho bem mais velha já. Depois que a gente voltou para cá, a minha mãe trabalhava na construção da vila, essas casinhas da vila aqui, as empresas estavam fazendo. Aí, minha mãe trabalhava lá, meu pai trabalhava de vigia. Então, o sustento nosso, na época, ainda era com essas coisas que eles davam, que sobravam lá do restaurante, que eles davam. Ainda foi esse nosso sustento durante muitos anos. Depois que foi construído toda essa parte da vila, aí sim, aí teve as empresa, foi chegando as empresas, mas aí a gente não conseguiu emprego, porque a gente não tinha estudo, qualificação, só vinha gente de fora. E a gente continua trabalhando em casa de família.
43:47
P1 - Quando as empresas começaram a chegar em Barcarena, a vida de vocês mudou muito? R - Mudou muito. Para pior, não era para melhor. Para pior.
P1 - O que você lembra dessa época?
R - De quando as empresas chegaram? Aí, a gente não tem boas lembranças assim, sabe? Quando a empresa chegou foi a construção dos alojamentos, então quando começou a construções dos alojamentos aí na Vila, era muita gente, muita gente, a gente já não podia andar só. A gente era tudo novinha, tudo bonitinha, a gente não podia andar só, já que acontecia muita coisa, muita… Aí, já veio as drogas, estupro, veio muita coisa ruim. Então, a gente era acostumado a andar só, quando era trilha, ia para festa só, andava aí de noite, qualquer hora, aquele monte de menina, que ia lá para as festas longe. E aí, não podia mais nada disso. Ia para a escola só, agora não podia mais andar. O carro já pegava, já levava e aquela coisa toda. Então, não foi muito bom não. Não continua sendo bom.
P1 - Veio gente de todos os lugares, né?
R - Todos os lugares. Porque quando fala em Barcarena, todo mundo tem uma ideia, Barcarena é bom, Barcarena tem empresa, Barcarena tem emprego. E daí para cá, cada vez pior. Porque até o nosso território, único pedaço que a gente conseguiu preservar esses anos todos, depois da volta, hoje em dia a gente não consegue. Não consegue mais, sabe? Hoje em dia a gente… É como diz o meu pai, que diz que mataram a gente por dentro. E a gente é triste hoje em dia, porque a gente não consegue mais nem lutar, porque agora é tanta das coisas erradas que tu vai lutar, já é ameaçado, é tanta coisa ruim, que tu não consegue mais sair só. Eu posso falar dessa parte. Olha, quando eu peguei a associação, em 2019, na crise da pandemia, entendeu? Meu primo foi embora, que era o meu primo presidente, ele que montou. Em 2013, quando começou aqui as invasões, invadiram o nosso território, meu primo, para lutar, ele disse: vamos fazer uma associação, vamos correr atrás do nosso benefício de uma associação legalizada. Porque nós tínhamos a comunidade, mas não tinha uma associação legalizada para o que a gente precisava. Aí, foi aonde ele foi correr atrás de todos esses conhecimentos, buscando esse estudo onde a gente veio ter nosso autoconhecimento como remanescente de quilombola. Aí, foi quando ele começou a fazer os estudos, a Universidade veio, fez os estudos todinhos nessas beiradas onde eram os nossos fornos, dos nossos pais, as roças dos nossos pais. Então, veio um estudo federal em todas as nossas áreas. Então, nós conseguimos nossa certificação em 2014. Nossa certificação de que nós somos_______, por todos os órgãos que vieram fazer nossos estudos. E através desses estudos, aí a gente foi legalizar a associação tudo bonitinho, tudo certinho, CNPJ, tudo. Então, quando meu primo começou a ir em busca de projetos, foi quando começaram as invasões deles aqui. Então, ele foi debater de frente. O que aconteceu? Ele teve que sair, largar, sair, foi embora. E tinha que alguém assumir, e ninguém queria assumir, porque ninguém quer entrar no meio de um tiroteio.
E eu tive que assumir. Assim, eu não vim aqui. “Aí, eu quero assumir.” Uma vez me chamaram, “Bora ali numa reunião.” Aí, tinha advogado, tinha tudo. Me botaram lá na frente. “Você como… O que? Antigamente não tinha nem conhecimento… “Bota meu nome aí para inteirar nessa folha.” Ali eu estava sendo a vice do meu primo. Então, ele: você é vice, você que vai assumir a partir de agora, seu primo que foi embora, a associação não pode ficar sem um representante, você vai assumir. E eu tive que assumir a associação. Então, a partir de lá… Só que eu meti na minha cabeça o seguinte: poxa, eu quero ser uma representante? Não é isso que eu quero. Mas aí, eu começava a orar, eu começava olhar… Tudo que vinha, dizia: Não, Jesus não dá o fardo para quem não dá conta de carregar. Então, eu ficava pensando, se Deus me deu esse fardo, eu vou fazer o meu melhor. Então, eu procurei fazer o meu melhor desde quando eu assumi. Legalizei toda a associação, organizei, e fui buscar os projetos. Aí fui ter o conhecimento que tem os editais, aí fui buscar. Peguei um projeto que eu capacitei 60 mulheres de dança afro, de design de sobrancelhas, de cabeleireiro. E consegui trazer as meninas para cá e aprenderem durante um ano, então saíram meninas profissionalizadas daqui, hoje em dia são donas do próprio negócio delas. Então, isso aí foi me fortalecendo e foi me dando mais vontade de trabalhar, uma coisa que eu não queria, mas aí eu fui pegando gosto também. Aí, depois consegui, 32 famílias, teto solar para elas. E aí, elas foram, “poxa, todo esse tempo a gente não conseguiu nada.” E foram me dando mais essas habilidades de trabalhar com elas, e a gente foi buscando nos projetos. Hoje a gente está com 15 famílias, com hortas comunitárias no terreno deles, as hortas lá tudo bonitinhas, eles colhendo, eles plantando, eles vendendo. Então, a gente vai fazendo um pouquinho de cada coisa e tentando fazer o melhor da gente. Então…
50:17
P1 - Mas antes de chegar nesses projetos que eu quero conhecer, que deve ser bem interessante, você ter ajudado tanta gente. Como é que antes começou a ideia de ter uma associação? Vocês voltaram para cá e viram o que estava acontecendo na cidade que vocês precisavam se organizar assim?
R - Essa mudança de território, essa perda de território, essa perda da nossa qualidade de vida aqui dentro, a perda da nossa identidade, sabe? Então, a gente precisava se organizar de alguma forma. Então, foi aí que nós, as cinco comunidades quilombolas que somos, né? Aí, fomos se organizando, cada um vendo o que é melhor para o seu território e tentando trabalhar, buscando nosso reconhecimento, buscando as nossas leis, que têm leis nossas. Nós temos nossas leis que nos ampara. Então, fomos buscando esse conhecimento para nós podermos dar continuidade e tentar buscar algumas coisas importantes pro nosso território.
P1 - Porque antes disso, imagina que vocês ficavam numa briga.
R - É, não entendia. As pessoas entravam, tomavam e ia ficando por isso. Porque assim, depois que começou as empresas, aqui já virou… Como tinha muita área de reserva, muita área de natureza mesmo aqui, muita coisa que as pessoas olham assim, acha que tem que botar tudo no chão. “Porque tu tem um monte de terra aí, tu não faz nada.” Eles não pensam que a gente precisa preservar para a gente ter nossa qualidade de vida. Eles acham que tem que derrubar e construir e vender. Então, eles não pesam, vão derrubando tudo. Olha, o tinha de Bacabeira nessas áreas, botaram tudo no chão, foram os animais, os bichos, a gente não tem mais nada de bicho. Não tem mais o que comer os bichinhos, em casa aparece um monte de macaquinho de manhã pedindo comida, sabe? É muito… Eu fico pensando, Meu Deus do céu, como é que o povo, o homem, o ser humano. Ele que destrói tudo.
52:23
P1 - Essas empresas que chegaram foi mais ou menos em que ano?
R - Nos anos 80 pra cá a gente já vem sofrendo os impactos.
P1 - E elas trouxeram tudo isso de impacto e trouxeram o que é mais para a cidade?
R - Olha, elas dizem que trazem emprego, dizem que trazem qualidade pra gente. Mas a gente mesmo daqui, que foi nascido e criado aqui, a gente não vê, não sente, porque eles não qualificaram a gente pra trabalhar na empresa. Meu filho, quando ele se formou, ele foi embora para Curitiba, hoje em dia ela mora em Curitiba, e não quer voltar. A minha filha, está se formando agora, ela disse: mãe, eu vou ficar aqui? Vou nada, vou embora. Entendeu? Então, a gente vai perdendo. Meu marido foi embora trabalhar em Parauapebas, pra lá arranjou família, pra lá ficou, me largou pra cá. Então, a gente se perdeu. Muitas famílias se perderam por causa disso. Porque não teve. Era gente de fora que vinha trabalhar, e as empresas daqui não valorizam as pessoas da terra.
53:30
P1 - Isso você não viu acontecendo, né?
R - E muita família foi se perdendo nessa. Aí, a gente vê, que diga que foi bom pra gente, né? Teve, teve uma mudança melhor. Hoje? Hoje eles estão tentando reverter isso, dando uma qualificação aqui, estão tentando ajudar nesse meio de trazer esse conhecimento pra gente. E hoje em dia… Quem sabe daqui pra frente eles estão melhorando mais a convivência entre comunidade e empresa.
54:08
P1 - Me fala quando você se casou? Quando você teve seu primeiro filho? Como é que foi essa época da sua vida?
R - Foi com 24 anos, nessas festas, Caripe conheci meu marido. E a gente viveu ainda 35 anos. E com essa vida dele, viajando, que ele acabou arranjando família. Essa coisa, eu não vou ficar lá e aqui, ou tu escolhe ficar pra lá, ou vem pra cá. “Aqui ganha pouco, não dá pra viver melhor.” E aí, foi procurar ganhar melhor, pra dar o melhor pra gente, e acabou ficando pra lá.
P1 - Calma, antes de chegar nessa parte.
R - Fiquei com os meus filhos, ele me deu apoio, não tenho do que me queixar, era um marido excelente. Mas ele me deu apoio. Criei os meus filhos praticamente só, porque quando ele foi a minha filha maior, já estava com 13 pra 14 anos.
P1 - Vocês tinham três filhos já?
R - É. E aí, a minha filha… O meu filho já estava com 18 anos. E são bem assim, seis anos depois, sabe? Eles não são juntinhos, era seis anos e tinha outro, seis anos e tinha outro. Bem programado isso aí. Pra mim dar conta. Que não dava conta que nem a minha mãe não.
P1 - Você pensou nisso?
R - É muito trabalho. E não era mais que nem antes, hoje em dia para tu pensar mesmo em ter um filho é… Se tu for pensar, tu não tem, né?
55:44
P1 - Você engravidou a primeira vez e aí ele ainda morava aqui, seu marido?
R - Sim.
P1 - E ele trabalhava com quem?
R - Ele era lubrificador industrial.
P1 - Numa dessas empresas?
R - É, foi numa empresa.
P1 - E você na época?
R - Era na ______. Depois ele passou para a Vilaça, depois para a MS. E foi indo.
56:10
P1 - E você?
R - Eu fiquei.
P1 - Mas você trabalhava nessa época?
R - Eu trabalhava, eu trabalhava numa empresa lá dentro da Hydro, Cosnal, o nome da empresa. Trabalhava de copeira. Aí, fiquei trabalhando. Depois que eu engravidei, aí quiseram me jogar para outra área. Eu disse: não quero. Não quer mais, eu vou pra casa cuidar de mim.
56:35
P1 - E foi uma realização para você ter filho.
R - Foi, foi sim. Filho é um filho, né? E aí, eu continuei ainda plantando, continuei plantando, ainda fiz roça, ainda colhi, um pouco, não com tanta fartura, mas a gente ainda colheu… Ainda colhe, que hoje ainda tem. Estão plantando agora hortaliças, cheiro verde. As plantações não como antes, que fruta já não dá tanto assim, dá pouco. E os bichos nem deixam mais, tanto os animais como o ser humano também, rouba tudo da gente.
57:18
P1 - E você falou que a sua infância foi muito rica, farta, muito boa. Como é que foi a infância dos teus filhos?
R - Nós tentamos fazer o melhor da gente para eles, mas não foi tanto assim… Foi… A gente levava na praia, mas já era praia, não era areia mais na praia. Tentava brincar com eles na praia, levava para jogar uma bola e tudo. Agora, é tanta da igreja, né? E aí, a gente já é mais igreja, leva na igreja, não tem festa, não tem esses festejo que tinha antes. Meu filho até hoje é da igreja, onde tem vigília. Vigília, sabe o que é vigília? Vigília é um encontro a noite, que vai todos os pastores, todas as ovelhas, orar, passa a noite orando ali. E até hoje ele é, ele vai nessas vigílias por aí. Ele não gosta de festa, não gosta de nada. Só para a igreja. Mas aí a gente já não foi tão rico, já passamos perrengue, teve momentos de eles pedirem e a gente não ter para comprar. Hoje em dia está mais difícil mesmo criar, tá tudo muito caro. E também muita modernidade. O menino vê um celular bom e não quer mais aquele, que é aquele bom. Que é uma mochila de marca, que um negócio, sabe? Está tudo mais… A televisão trouxe também muita coisa pra despertar o que antes a gente não via.
58:57
P1 - Vocês tinham uma vida boa? Você e seu marido com as crianças?
R - Tinha, a gente saía muito para os igarapés. Ele trabalhava de motorista dessas empresas, então ele levava o pessoal pra fazer os piqueniques, ele que levava, porque ele era o motorista. Depois de lubrificador ele passou a ser motorista particular, para levar. Então, ele viajava muito para levar para os balneários. E a gente ia. Pra Salinas, ali, esse igarapés que tem aqui por perto. E a gente levava os meninos. Então, a gente era feliz e não sabia. Mas ele levava a gente em todo lugar que a gente ia, os meninos. Levi, Levi é um igarapé que tem lá perto do Muiú. Muito bom. E os menino até hoje gosta de igarapé, sempre dá uma fugida e vai ora lá, para os igarapé. Não gosto muito de praia não, é mais igarapé.
1:00:04
P1 - E aí, com quantos anos que você voltou a trabalhar, depois que você teve seus filhos?
R - Não, depois dos meus filhos não voltei mais a trabalhar. Eu fiquei só trabalhando já depois que eu assumi também, só estou trabalhando social aqui, é voluntário, mas quando a gente pega esses projetos, a gente também tem uma ajuda de custo. E aí, eu tinha minha pensão, dá para levar. Agora esperar me me aposentar.
P1 - Não tem mais?
R - Não, esse ano já foi cortado. Os meninos já estão tudo grande, o mais criança tem 22 anos. A menina tem 22 anos, o mais criança tem 18, 20. Ela vai fazer 24. Já estão todos grande. Ela faz faculdade, já vai para Belém e vem. O menino já terminou o segundo grau dele, não quis fazer faculdade, vai trabalhar mesmo nessas empresa aí, está esperando um teste aí. O outro não, o outro está também lá em Curitiba, Graças a Deus. Despreocupada até com o que eu consegui passar para eles.
1:01:18
P1 - Qual era sua preocupação quando eles eram pequenos? Você também era que nem sua avó, tem que estudar?
R - A minha preocupação era porque já estava no outro nível aqui de drogas, já tinha muito esses negócios de comando pra cá, comando pra ali. Então, a influência aqui dentro da comunidade já ficou muito grande. Então, a nossa preocupação e eles se envolverem nesse lado errado. E eu, como estava só, cuidando deles, nem quis me envolver mais, preocupada, ainda mais ela menina. Então, a nossa preocupação era mais isso, já. Mas graças a Deus, passaram dessa fase, hoje estão tudo maior, estão cuidando deles mesmo, já. E vão cuidar de mim agora, daqui para frente.
P1 - Você teve ajuda para cuidar deles, de vizinha, da sua mãe como vó?
R - A mamãe sim, mamãe foi sempre presente na nossa vida, sabe? Com os netos, né? Que sempre a gente precisa, para sair, pra ir pro… Sempre ela foi presente, graças a Deus. Minha mãe é uma guerreira, sabe? Até hoje ela não deixa de fazer o que ela… “Mãe…” Minha sobrinha teve bebê lá em São Paulo, ela está precisando. Se mandarem a passagem pra ela, ela não diz não, se manda pra lá, ela vai cuidar da neta. Mamãe está presente em tudo, graças a Deus. Meu pai, porque ele tem problemas de alzheimer, e acabou ficando comigo, eu que cuido do meu pai. Ele que está na minha casa. Mamãe foi embora para Santarém, quando ela se aposentou, ela foi procurar a família dela, que ela saiu muito cedo. E ela conseguiu encontrar ainda o pai dela, a mãe dela já tinha morrido, mas o pai dela, ela conseguiu encontrar. Depois ele faleceu, com o tempo. E aí, ela ficou por lá. Hoje ela já tem outra vida, outro esposo. E aí, ela está por lá.
P1 - Então, ela se separou de seu pai?
R - Separou, foi embora para lá, não voltou mais.
1:03:27
P1 - E quando é que seu marido começou a trabalhar fora e não voltou mais também?
R - Não, quando ele foi para lá… Porque quando eles vão, eles vêm de três em três meses, folgam para vir para a família. Aí, depois seis, depois foi um ano. Mas ainda passou uns quantos anos ainda trabalhando fora e vindo. Ainda passou um bucado de anos, depois que não voltou mais.
P1 - Como é que foi isso, Luciene do céu?
R - Ele começou vim de 3 em 3 meses. De 3 em 3 meses ele vinha, depois ele começou vir só de 6 meses. Ai já, “Ah, esse mês não dá para ir.” Sabe de uma coisa, aí nesse mato tem, né? Aí, quando foi um dia… Aí, nós tiramos carro, ele trabalhando para lá, a gente conseguiu comprar um carro. Aí, ficou o carro na garagem. As meninas, “Pô, tu tem um carro na garagem aí zerado, tu não vai aprender a dirigir? “Pio que é, né?” Peguei, me matriculei, fui, comecei a dirigir. Quando ele soube que eu estava dirigindo, aí disse: o que? “Quem está andando no carro?” Eu disse: Humm, e eu. Que quando eu comecei a andar, eu fui lá para fora, caí num bueiro. Caramba, foi uma luta, tive que comprar a calota, que arrancou tudo do carro. E aí, foi que ele foi saber que eu pegava o carro. Aí, ele levou o carro. Aí, depois que ele levou o carro, não teve mais paradeiro lá. Aí, não deu mais certo. Aí, ele vinha. Só que eu sabia que ele tinha mulher já pra lá. Eu peguei e disse pra ele um dia: Mano, não dá mais. O você fica pra lá, ou tu vem embora para cá. Não dá mais para viver assim. Aí, ele: “É isso mesmo?” “É isso!” Só vem pra cá se tu vier de vez. Se não tu fica pra lá. Aí, ele veio, veio, veio. Depois, que saber de uma coisa, se eu não botar um final, isso não vai dar certo mais, vai ficar sempre assim. Aí, que saber de uma coisa… Ele estava lá, “Pega suas coisas, ainda resta um restinho por aqui. Está aqui. Só volta aqui quando tu quiser vir de vez, se não nem vem. Bota o dinheiro dos meninos, mas não aparece mais aqui não.” Aí, foi embora. De noite isso. Foi embora. Ele disse que eu joguei na sarjeta. Eu disse: tu mesmo que procurou a sarjeta para se jogar. Aí não voltou mais mesmo. Aí, me acostumei sozinha.
P1 - Faz tempo isso?
R - Faz, faz tempo. Aí, me acostumei só. E aí, tem essas coisas da associação, eu viajo, eu chego. Estou com uma viagem agora para para ir para Salvador, dia 24, aí eu vou, venho, volto. Os meninos estão criados. Minhas irmãs ficam com o papai e eu vou. Me acostumei também só e não quero mais ninguém não. Não tem mais ninguém, só eu estou bem, graças a Deus.
1:06:36
P1 - Então, quando você se separou oficialmente, faz quanto tempo?
R - Já fazem dez anos.
P1 - Mas foi da sua coragem, né?
R - Por ele ele ficava assim, ficava lá com uma e vinha pra casa nas férias, no final de semana. Digo: não, não, não, não quero isso pra mim. Que gente tem que ter uma posição, ou vai viver a outra o resto da tua vida. Por ele estava bom demais.
P1 - Você foi lá e bancou a sua decisão?
R - Aí, ele disse: eu vou levar o carro. “Tu leva o carro, mas tu não leva mais nada também. Só o carro mesmo daqui.” Aí, ele levou. Só foi com o carro mesmo, deixou tudo, não quis saber de nada mais, das coisas que a gente tinha. A gente tinha até umas coisas, tinha construído umas coisas, casas, sabe, lá no Laranjal, Vila, tinha construído umas coisas grandes. Aí, não quis nada não. Vai, vai, vai.
P1 - Pra onde que ele foi?
R - Parauapebas.
P1 - E ficou?
R - Ficou. Aí, hoje ele tem uma família, tem uma filha, outra filha lá. Mas a gente conversa de boa. A gente conversa coisas… Uma vez entraram em casa roubaram tudo, em uma dessas minhas viagens, roubaram tudo. Quando eu cheguei olhava assim para dentro de casa, chorava, chorava. Meu Deus do céu, o que eu vou fazer da minha vida agora? Sem marido, sem emprego, sem renda, Jesus amado. Eu chorava, chorava, chorava, chorava. Levaram tudo, geladeira, fogão, tudo, até as luminárias levaram, limparam a minha casa. Ninguém viu, né? Por causa que estão entrando, estão invadindo. E eu fui fazer a denúncia, então estão com raiva de mim. Aí, a moça que ia ficar em casa, não veio, eu pensando que ela estava, eu fui despreocupada. Que eu tinha marcado com ela e ela não veio. Quando ela me ligou na outra semana, “Nem fui para tua casa, não deu para mim ficar lá, porque tive que isso e isso.” E roubaram em casa tudinho. E agora? Pensei uma semana, aí fui lá para casa da minha irmã. Eu só fazia chorar, só chorava. Aí, eu peguei e liguei para ele, eu disse: Olha, roubaram a casa. “É porque tu só quer estar viajando. Porque só vejo tu no tu estatus.” Não sei o que. Foi, foi. “Pode tirar uma geladeira pra ti. Tira lá uma geladeira” Aí, falei com o vizinho, ele tirou uma geladeira para mim. Aí, fui com outro, tirou o fogão. Era final de ano. Aí, estava naquela promoção, né? Aí, um tirou o fogão, o outro me emprestou um botijão. E aí, eu comecei de novo a vida de novo, levantar tudo. Tudinho de novo. Aí, foi um ano pagando, um ano construindo tudinho de novo pra dentro de casa. Foi um ano. Tudo novo. Mas eu consegui pagar tudo. Tive que trabalhar também, né?
1:09:55
P1 - Aí, você vai trabalhar com quê?
R - Fui trabalhar. Trabalhava numas… de venda, inventei de vender churrasquinho por aí, vender água na praia. Fui correr atrás do prejuízo. Para ajudar, minha filha começou a trabalhar, pegou um emprego de jovem aprendiz, lá em Belém, ela começou a trabalhar. Aí, ela “mãe, deixa que eu pago a televisão.” Tirou a televisão. Aí a gente foi construindo tudo de novo.
P1 - Ali, né? Todo dia.
R - Todo dia. Agora tá tudo tranquilo, graças a Deus. Tudo tranquilo.
1:10:36
P1 - E quando é que você começou?
R - Você falou que seu primo precisou sair, e aí você acabou assumindo a associação. Então como é que começou esse seu olhar mais para esse social? Assim, começou a fazer esses projetos. Como é que funcionou isso?
R - Esse olhar, assim, foi através dos encontros, que a gente teve muitos encontros, a gente teve muito treinamentos, e com isso a gente já vai mudando as nossas ideias, nosso modo de ver, nosso olhar. Porque assim, tem um momento em que o pessoal… Às vezes, eu chego em reuniões aqui. “Quanto projeto, só fala em projeto, só fala em projeto. O que é uma ação de projeto?” Entendeu? Hoje em dia ele já sabe o projeto. Hoje em dia, só através de projeto. Não é mais assim. A empresa que chega aqui não vem te dar, né? Tu tem que fazer teu projeto, colocar no papel, mostrar o que é que tu quer, para ver se eles conseguem te ajudar. Então, com esse treinamento que nós tivemos, a IBS, através da Hydro também, teve esse encontro na IBS. E elas têm muita informação, muito treinamento, muitas oficinas. A gente viaja muito também para oficinas, para fazer esses treinamentos. Então, isso aí foi importante, foi uma coisa boa também que eles fizeram. Porque é onde a gente vai arrecadando conhecimento para trazer para dentro da comunidade. Hoje em dia, já quero descansar, já quero passar esse bastão para alguém. “Mas ninguém aguenta não, o seu pique. Ninguém aguenta seu pique não, tia. Porque, caramba, é tanta informação, tanta informação.” Pior que é, tanta informação, quando a gente vai, a gente vem. Tem um lado bom, a gente descansa, conhece também lugares.
P1 - Quando é que começou esses encontros? Por iniciativa de quem? Que ano? Como que é o encontro?
R - Depois da pandemia. Eles começaram a dar uma atenção maior para as comunidades em geral e ter esses treinamentos, essas capacitação, eles virem na comunidade. A gente tem uma parceria com os Universitários da Hydro, que eles vem. Já teve diálogo mostrando as coisas para o povo. Essas capacitações foram importantes para a gente que não tinha conhecimento.
P1 - Você fez capacitação do quê?
R - Olha, eu já fiz tanta capacitação. Esse treinamento que a gente tem para liderança, veio gente de São Paulo para fazer o treinamento de liderança. Agora é climática, ações climáticas que nós estamos em capacitações. Então, isso foi bom, a gente vai tendo conhecimento, eu estou tentando, tem a minha, a menina ali também que chegou. A gente vai tendo conhecimento. Tem a menina ali que chegou, a gente está tentando colocar ela para ter esse conhecimento, para passar. Quem sabe mais lá na frente ela consiga tocar também, né? Porque a gente precisa ter esse conhecimento dentro da comunidade, não só eu, porque a diretoria são em sete, mas são pessoas que já são antigas, que tem já um pensamento fixo,
tem que ser assim. Então, essa nossa ideia dessa capacitação, abre a mente para a realidade de hoje. Hoje tem outra realidade, a gente já tem que acompanhar essa realidade.
1:14:17 - Então, de 2019 para cá, alguma coisa mudou.
R - Mudou sim. Mudou um pouco sim. Está mudando, tem que mudar, né?
P1 - Qual capacitação que você fez que foi importante para você?
R - Olha, essa parte de liderar, essas capacitações de liderar, é bom, é bom porque tu começa a ter um conhecimento para tocar dentro da comunidade, falar, passar para eles a importância dos projetos. Que agora é só projeto.
P1 - Você teve algum projeto contemplado?
R - A gente teve um pelo Fundo Amazonas, Amazonas é viva. Pelo fundo casa, pelo fundo Hydros. Dois pelo fundo Hydros. Esse ano que a gente não conseguiu entrar por conta do alvará daqui, que já tinha vencido, e agora eles pediram muita mais coisas, muito mais documentos. E não conseguimos esses documentos a tempo, não conseguimos entrar no da Hydros. Mas a gente está tocando um pelo fundo Amazonas.
P1 - Teve um que é Conexões Sustentáveis, é isso?
R - É!
P1 - Me conta um pouquinho dele?
R - Esse da Conexão Sustentável foi as capacitações que a gente fez com as mulheres, a união que capacita, que a gente fez com elas, onde a gente pegou 60 mulheres e dividimos em turmas diferentes, e ficamos com com o design, cabeleireiro e as tranças afro. Aí, elas foram capacitadas aqui dentro da comunidade, as professoras profissionais, a gente conseguiu de Belém, bem capacitado, para dar essas aulas para eles aqui, esses treinamentos. A gente comprou todos os preparos. Era até ali. As cadeiras, tudo o que foi necessário para acontecer, a gente conseguiu trazer para elas. Aí, foi legal.
P1 - Quanto tempo de curso?
R - Foi um ano. Teve um ano, seis meses teórico e seis meses prático.
P1 - E o resultado?
R - O resultado foi importante porque a gente fez as ações nas comunidade, na Hydro sempre tem apresentação, a gente leva elas, elas vão fazer os cabelos das mulheres lá. E as ações que a gente andou nas comunidade também, para elas participarem, para elas fazerem o treinamento mais rápido, né? E umas abriram o salão delas, umas trabalham por conta própria, já saem para fazer os seus trabalhos. E foi importante, porque tinha umas mulheres muito necessitadas, devido a pandemia elas ficaram assim, com problemas de ansiedade, depressão. E aí, elas fazendo esse curso, tirou muitas delas dos problemas que elas passaram.
1:17:31
P1 - E depois que acabou elas conseguiram aproveitar isso, trabalhar?
R - Sim. Não todas, que sempre tem uma, duas, que vê que não é aquilo. Mas a maioria
sim.
P1 - E como é que você se sente quando você vê que você participou disso?
R - A gente se sente grata. É gratificante ver que tu conseguiu um recurso, que tu conseguiu proporcionar isso para elas e elas aproveitaram.
P1 - Você mesma já fez, já foi beneficiada por algum dos projetos?
R - Sim, a placa solar, eu tenho na minha casa, tem aqui em cima do centro. Então, a gente foi sim.
P1 - Porque é isso também, né Luciene, fazer para os outros, mas você também…
R - Isso. Essas das hortas, as capelas das hortas que foram construídas, na minha casa também tem, onde também posso vender. Eu posso também ter o meu complemento de renda. Ajudou elas, mas também me ajuda.
1:18:42
P1 - Me falaram que você tem uma relação muito boa também na IBS.
R - É, eu participo da IBS desde 2020. Eu participo, como eu te falei, dos treinamentos, das capacitações. Tudo que tem lá elas me ligam. “Dona Luciene…” Aí, eu tá, pode botar o meu nome lá que eu vou.” A minha irmã disse: Tu é que gosta, né? Tem coisas, como eu disse assim, pro meu irmão… Tenho uns irmãos, dois são pastores. Cada um eu acho que nasce com aquele dom, porque o meu já é pra esse lado aí, de querer ajudar, de querer fazer. E os meus irmãos, uns são pastores, a outra é pastora. Cada um com a sua profissão. Vocês ajudam de um jeito, eu ajudo do outro. Mas é assim, hoje em dia a gente vai fazendo o que a gente pode também, porque não é tudo também. Por exemplo, a luta do nosso território aqui, é uma luta incansável que a gente está, pra pegar a nossa titularização. Então, tem coisa aqui que não depende da gente. Esse asfalto da nossa comunidade aqui, esse asfalto aqui, a gente vem lutando, e é documento, é documento, vai, faz oficio. Mas uma coisa que não depende de mim. A gente faz nossa parte, mas tem coisas que não dependem da gente.
P1 - E hoje você aprendeu muita coisa, como articular, como conversar, como lutar pelas coisas, né?
R - Eu aprendi sim muita coisa, porque aqui nesse bairro, nessa comunidade, a gente, principalmente a liderança, ninguém quer. Ninguém quer a liderança. Porque foi um bairro muito, assim, a gente pode falar, né? Mas foi um bairro muito perseguido pelas coisas. Então a gente acabou, eu fiquei refém, eu não pude sair, eu fiquei sob medida protetiva, teve que botarem câmeras em casa, botarem grade, sabe? Eu não podia sair, eu fui perseguida nessa rua, fui ameaçada. Então, eu passei um momento muito difícil também, sabe? Então, teve uns momentos aí. Hoje em dia já estou tranquila, já saio, já entro. Mas esse bairro aqui ficou muito perigoso, na época, né? Agora não, esse ano está mais tranquilo, porque estão mais longe daqui.
1:21:21
P1 - O que é que aconteceu pra melhorar?
R - E porque assim, quando invade, vem todas aquelas coisas erradas, aí depois invade e vende e já vão para outro lugar. Aí, vão se distanciando, porque começou a primeira quadra, a segunda quadra, terceira quadra, quarta, aí já estão lá para o final já.
P1 - E aí, como você é uma das lideranças…
R - Eles focam em cima da gente, porque a gente precisa denunciar, né? Por mais que a gente nem veja esse retorno da nossa liderança, porque pelos anos que vem já era para nós ter nosso título, porque o nosso título eu sei que não vai resolver, mas, poxa, só o fato de a pessoa dizer na cara da gente que a gente não tem documento do nosso território. Porque a gente tem aquele documento que não é válido como titularização. E a nossa luta por isso é de muitos anos, entendeu? Nossos velhos que estão aí já no final, tudo sabe, vê as derrubadas, ver as invasões tomando conta. Isso é muito triste. A gente fica.
1:22:30
P1 - O que te dá esperança?
R - Olha, eu ainda tenho esperança de conseguir esse título. Tenho esperança de ver essa minha rua asfaltada, esse povo andando no asfalto. Saneamento básico de qualidade. Tenho esperança sim. Creio que vai se concretizando sim.
P1 - Esse é um sonho, né?
R - Um sonho, poder ver. Porque luz para todos, todo mundo ter qualidade de vida. Porque isso é qualidade de vida, porque um ramal desse jeito aí, a segurança não entra, porque não quer quebrar o carro dele, não entra. Eu estou lá, sob medida protetiva, mas eles só vem só quando precisa assinar lá para eles fazerem o relatório. Por causa da rua, que a rua está desse jeito aí, como vocês podem ver, vocês passaram aí. Então, isso aí eu ainda tenho esperança que ainda vai ter esse asfalto bonito aí.
1:23:32
P1 - Luciene, a gente escuta muitos casos de que alguém passando por dificuldades, por ameaças, vai embora, né? Você ficou. O que te fez ficar?
R - Todo mundo me pergunta. “Lu, pelo amor de Deus, o que tu passou, que tu passa, tu ainda tem coragem de ficar lá.” Eu digo: olha, eu sei que é difícil. Eu tenho testemunho de umas cinco lideranças que tentaram ficar antes de mim e não conseguiram, foram embora ameaçados. Eu fui a única que fiquei. Saí sim. Ano retrasado, 2023, eu saí no final do ano, acho que em setembro, passei uns seis meses fora. Eu fui obrigada a sair. Mas eu disse, eu não vou, me botaram em medida protetiva lá não sei para onde, não vou. Sabe por que eu não vou? Porque assim, eu fui nascida e criada aqui, eu não estou fazendo nada para ninguém gente, eu não matei, eu não roubei, eu estou aqui, a minha família está aqui, meu pai tá aqui, precisa de mim. Meus filhos estão aqui, o emprego deles, o estudo deles. Eu vou ter que largar tudo. Nesses seis meses que eu saí, morreram todas as minhas galinhas e os meus cachorros. Roubaram a minha casa, entendeu? Então, acabou com tudo em três tempos. Quem foi que me ajudou? Ninguém, ninguém. Então, eu digo não, se eu tiver que morrer, eu vou morrer aqui. Eu não vou morrer para outro lugar não, porque se eles também quisessem me matar, eles já tinham me matado, não ficam me perseguindo, não. Mas Deus em primeiro lugar. Porque quando eu saia nessa rua aí, um carro escuro ficava me perseguindo. Minha filha dizia, assim… Minha filha, esse carro está atrás de nós. “Mamãe a senhora está com mania de perseguição.” “Minha filha, está sim, que vê, dobra aqui.” A gente dobrava, o carro, dobrava atrás de nós. E nós subiamos nessa vila aí, de ponta a ponta, e o carro atrás de nós. Só para perseguir. O meu psicológico, que eu fiquei mesmo doente fisicamente, mentalmente. Foi gente lá em casa, puxou o revólver, “vou te matar agora, eu vim para te matar.” Como eu conhecia a pessoas, eu disse assim: Para com isso rapaz. Agora tudo o que acontece é eu? Vocês estão fazendo o que vocês querem, derrubando, matando, levando, vendendo. Eu nunca fui lá bater de frente com vocês. E eu aqui. Mas Deus em primeiro lugar. Estava ali falando com ele, mas Deus estava aqui, orando aqui, sabe? Olhando no olho dele. Aí, passou. Meus primos vindo lá do igarapé, aí a minha filha quando viu, começou a gritar, “Mãe, mãe, entra, entra, que ele veio para lhe matar. Mãe, mãe.” Gritando. Aí, meus primos tudo entraram, que eles vinham passando na rua. E eu fiquei olhando para ele, séria, olhando para ele, e quando ele olhou para trás, que ele viu um monte de gente, ele só disse: Olha, não foi agora, mas eu vou voltar. Sabe? Aí, depois daquilo eu tive que sair, desse dia que ele entrou lá. Eu tive que sair, até mesmo para mim poder voltar de novo. Mas aí acabou com tudo. Eu tinha uns cachorros bonitos, morreram de depressão, minhas galinhas. Já pensou, tu perder as galinha, morrer tudo, assim. Não sei, mataram, sei lá que diaxo. E eu aqui, resistindo aqui. Mas Deus é maior. As minhas colegas vinham me buscar no carro, e sozinha, porque ninguém queria ficar do meu lado não. O Presidente, vice presidente, tesoureiro, numa reunião, ninguém queria não. Todo mundo com medo. Uma colega veio me buscar. “Ei, Lu, abre pra eu entrar.” Entrava assim. Abria o carro. “Entra, se joga aí embaixo.” “Eu vou me jogar aí embaixo amiga, eu não matei ninguém.” “Não, não, eu só saio daqui contigo se tu ficar embaixo do banco do carro.” Eu digo: não vou sentar. Eu não matei ninguém. Eu ficava sentada. “Te abaixa.” Ela me empurrava lá pra baixo do carro, para poder me tirar daqui, para ir para a casa dela, para passar pra baixo. Mas era assim, entendeu? Então, foi um momento muito difícil também, porque não é todo mundo. Larga tudo, vou embora, eu quero minha vida, quero minhas coisas. Eu creio em Deus, sabe? Eu tenho um Deus grande comigo, eu creio Deus. E eu sempre dizia assim, esse povo vai se levantar, e eu vou ficar. Mas graças a Deus, eu estou aqui contando a história, não passou, não passou.
Tem aquele livro, que eu tenho a minha roça, uma roça grande. Está lá, foi botado tudo nos baixos, eles tiraram tudo. Um barracão que tinha lá, eles acabaram com tudo. Eles me massacraram assim, mas eu não tive medo. Assim, eu não fui para cima, não fui encarar, não fui debater. Mas eu creio em Deus, que passou, graças a Deus, essa fase. Glória a Deus passou tudo isso, estou aqui. Graças a Deus, já entro, já saio, até rodar de bicicleta, entro, saio. Mas passei esses perrengues mesmo. E acho que ninguém está na minha pele, que queira passar o que eu passei também, sabe? Porque é uma pressão psicológica ali em cima de ti, sabe? Pressão que é tu…. Mas eu ficava pensando. “Não, eles não querem me matar, não querem me matar, eles só querem me aterrorizar, isso não vai acontecer. Sabe? Porque é difícil, né? É difícil mesmo. Meu primo não, eles foram na casa do meu primo, botaram arma na cabeça dele, levaram ele para o mato, aterrorizaram mesmo ele. E ele foi embora. E as outras meninas também, largaram tudo e foram embora. Teve uma que meteram fogo na casa dela, assim pelo lado tudinho. Ela foi embora.
1:29:41
P1 - E como é que foi a decisão de voltar?
R - Meu pai fica lá na casa das minhas irmãs, mas meu pai é doido por mim, ele não acostuma com ninguém. Aí, ele ficou doente. Por causa de saudade da Lu! Saudade da Lu! Aí, eu com meus bichos, com minha casa, com as coisas. Nada disso vale, a vida da gente em primeiro lugar. Aí, eu vim um dia, quando eu vi tudo, uma tristeza de ver. E aí, eu estava tocando os projetos que eu tinha acabado de ganhar. Eu tinha acabado de ganhar os projetos da Hydro. E eu tinha que assinar papel, tinha que fazer a execução, contratar as pessoas. Aí, teve a medida protetiva para me acompanhar, para estar para lá e para cá comigo. Aí eu vim de pouquinho. Vim de pouquinho, em pouquinho. Aí, depois… Graças a Deus, estou invisível aqui dentro. Comecei a tocar os trabalhos, aí estou aqui. Graças a Deus, me esqueceram.
P1 - Aí, você foi acalmando?
R - Fui acalmando. Estou deixando rolar para lá. Está lá no Ministério Público. Está rolando para lá, não sei o que vai dar.
P1 - Será que de certa forma, por você está ativa de novo, fazendo esses projetos, trabalhando com a comunidade. Isso de algum lugar te protegeu também?
R - Sim. Sim, porque assim, tudo o que eu faço aqui, eu não faço só para os quilombolas. Aqui nós temos três lideranças, quatro, tem os tradicionais, que cuidam dos tradicionais, tem os quilombolas que cuidam aqui, e tem os ribeirinhos lá para o lado da beira. E agora do assentamento também, que se levantou um. Mas quando eu trago um projeto para cá, eu não escolho só os quilombolas, eu abro para todos. Como eu disse para eles, não vem para todo mundo. Mas a gente faz o levantamento e vê quem é que está naquele perfil para colocar, entendeu? Então eu compreendo todo mundo. No tempo que eu ganhei, eram três cestas básicas, veio 400 cestas básicas. Eu chamei todo mundo, chamei todo mundo, todo mundo pegou, todo mundo pegou três cestas básicas aí. Obra de todo mundo. Então, o que dá para dar para os outros, eu dou. Então, isso me ajudou muito. Uma vez me chamaram, me botaram numa sala fechada, e perguntaram pra mim. “Ei, eu já levantei a sua ficha, a senhora ajuda muitas pessoas. Estão lhe perseguindo?” Aí, eu olhei para ele, disse: não. “Pois é, então é isso que vai acontecer, ninguém vai lhe perseguir mais. Porque eu já sei, a senhora é do bem, a senhora é da paz.” “Sempre quis ser da paz e sempre serei da paz.” Porque, assim, é muitas coisas que as pessoas falam também, comentam, às vezes surge um comentário, que nem é aquilo, mas a pessoa já leva para aquele lado. Então, depois daí, parece que deu mais uma sossegada, né? E aí, eu fui fazendo os projetos. “Mano, você quer? Quer participar? Olha, tem aula de reforço.” A gente dá aula de reforço de graça aqui na segunda-feira. E todo menino que quer participar, vem. As meninas vem, as voluntárias, dão aula. Eu não escolho não, quer participar, pode participar. “Ah, tem que pagar?” Não, não tem que pagar. A pessoa que ajudar, aqui a gente paga luz, a gente paga água e tudo. Se quiser ajudar, fique na sua vontade aí, faça o que o seu coração lhe dê aí. Mas não sou de tá, tem que pagar, tem que pagar. Então, isso me ajudou muito também. Permanecer aqui, meu trabalho. Eu acho assim, tudo que a gente gosta de fazer, que faz com amor, Deus abençoa.
1:33:51
P1 - Hoje você ajuda, a associação, ela tem um número de famílias que ela ajuda ou é aberto?
R - Não, é aberto, é aberto. Entendeu? Só que assim, não vem pra todo mundo, né? Só aqueles que se enquadram, dar de ir ajudando.
P1 - Como é que chama a Associação mesmo?
R - Tem a Associação de Moradores do Igarapé Cupuaçu, é lá embaixo. Aí vem aqui, Associação da Comunidade Quilombola Sítio Cupuaçu.
P1 - Essa é a que você…
R - É a que eu cuido aqui, que é no ramal. Aí, vem o Boa Vista, que lá, e os tradicionais, porque tem o Boa Vista, é assim, tem uma parte que eles não se autodeclararam quilombola, os remanescente, porque eles não tinha o conhecimento do que era na época. Então, a família é muito grande, mas metade da família não quis se declarar, porque “Quilombola, vai tomar minhas terras. Ah, eu não sou preto. Ah, eu não fui escravo.” Então, não tinha esse conhecimento. Então, ele não se autodeclararam no momento que era para ser, né? E aí, ficou, os tradicionais, que a gente é tradicional. E nós ficamos com a certificação dos remanescentes.
1:35:18
P1 - E hoje a associação vive do quê, Lu?
R - A associação aqui, ela se mantém? Olha, aqui mais de voluntariado mesmo. Sabe? A gente não tem, que diga, tem uma taxa, não, é só de voluntariado.
P1 - Então, o seu trabalho, como é que é?
R - O meu trabalho são os projetos. Então, com os projetos eu consigo me manter e manter as contas da associação. Então, através dos projetos. E aí, as meninas colaboram, limpeza, trazer o que precisa. Dá essa ajuda, esse suporte.
P1 - Como que é o seu dia a dia? Me fala uma rotina sua? O que você faz no seu dia a dia?
R - Ah, eu não paro, mana, eu não paro, não paro. Daqui eu vou para Abaetetuba. A gente amanhece o dia já com a agenda cheia. Tem uma coisa para resolver aqui, tem outra ali. E a gente vai adiando, não dá para hoje. Olha, hoje eu não consigo, tal dia. Quando chega naquele dia, já está marcado várias coisas. Eles me ligam, “Posso ir… Fui lá na sua casa, não lhe encontrei.” A mano, só estou lá a noite, acho que mais fácil de você me encontrar, mas a noite não atendo mais. “Credo! Da para abrir uma exceção aí pra mim?” Mas é assim porque é uma coisa e vem a outra. Agora a gente está fazendo… Quando acaba uma, que a gente diz, Graças a Deus, acabou essa missão, eu vou dar uma descansada. Que nada. Esse ano eu não vou fazer festa de dia das mães, dia das crianças, Natal, não, esse ano não, deixa a vizinha ali fazer, não vou fazer nada. Quando eu olho no celular está lá, “Lu, pega lá o nome das crianças que eu estou levando tantos brinquedos, cestas básicas.” Aí, eu vou dizer não, né? Eu vou sempre estar abraçando a causa. “Tá, tá, eu vou dar um jeito aqui, vamos já resolver isso.” Então, a gente não para. Sempre aparece alguma coisa. E graças a Deus, graças a Deus, eu sou bem procurada para os benefícios da Associação. Ação Social.
1:37:37
P1 - Então, os vizinhos vêm e te pedem ajuda. É assim que funciona?
R - É. Ação Social a gente tem as ações da UBS, que elas vêm aqui, das farmácias, jogos, sempre eles estão fazendo doação social aqui para o povo.
P1 - Mas aí você acorda, você fala, hoje eu vou cuidar da minha casa, hoje eu vou cuidar da minha saúde, hoje eu vou cuidar do meu pai, hoje eu vou cuidar da associação. Como é que é isso?
R - Eu acordo, a primeira coisa que eu faço é molhar minhas plantas, minha horta, ver o que é que tem lá. Mas quando eu olho lá no celular, “Lu, hoje eu quero cheiro verde. Lu, eu quero maxixe. Lu, eu quero quiabo.” Caramba, hoje eu tenho que tirar primeiro essas coisas. Aí, vou para lá, molho tudinho, já tiro, já trago, já deixo tudo pendurado lá na porta, para quando eu sair elas já irem lá. Aí, eu: “Papai, olha, vem fulano buscar aqui é só entregar.” Aí, eu ligo para elas: “O teu está pendurado em tal janela lá, se eu não tiver lá, tu pode pegar.” Aí, eu já deixo essas coisas de casa. Quando eu saio já deixo tudo certinho, tudo arrumadinho, tudo bonitinho. E vou para as minhas reuniões, para as minhas oficinas. E quando eu volto, a mesma coisa, já tem coisa pra resolver, papelada para resolver, porque também tu não pode deixar acumular. E tudo tu tem que fazer documentação, hoje em dia. Tudo tem que fazer documentação, se não tu não consegue também cobrar os benefícios, essas coisas. Se tu não fizer, não estiver cobrando.
P1 - Você vende essas hortaliças?
R - A gente vende, a gente vende. Planta para vender. Tem encomenda. Dia de quarta-feira tem que ir lá em Barcarena entregar. Aí, eu entrego o meu, já levo os das meninas para entregar, porque como também não é aberto para tudo, é uma inscrição todo ano. Aí, consegui entrar eu e mais duas. Então, só nós duas que pode fazer entrega. Aí, quando elas estão com muita… Porque a demanda aqui é pouca para vender aqui, e elas são muitas, quando tem muito, na quarta-feira já tenho que ir para Barcarena levar. Agora a gente está atrás de um projeto para conseguir transporte. O que pega aqui é transporte, porque aqui não entra van, para entrar tem que ir lá para a vila pegar a Van. A gente conseguiu com muita luta o carro das crianças, entrarem para pegar as crianças, é só na principal também, nos outros ramais… E aqui os ramais são muito extensos.
1:40:00
P1 - E hoje você mora com quem, Lu?
R - Eu, lá em casa, eu o meu filho e meu pai.
P1 - Você falou que seu pai está com Alzheimer.
R - É.
P1 - Mas ele está?
R - Não, mas ele é bem, ele só não se lembra que já comeu. “Não comi, hein!” “Já sim!”
P1 - Mas ele lembra de você?
R - Lembra. De vez em quando a minha irmã me dá um apoio, quando eu sai. Elas que ficam.
P1 - E sua mãe, você encontra com ela de vez em quando?
R - Minha mãe, de ano em ano eu estou indo lá, fui ano passado, aí esse ano eu quero ir lá de novo. Ela é doida que eu vá para lá. Digo: mãe, não dá! Ou eu cuido de um, ou eu cuido do outro. Mas ela me cobra pra mim ir lá. Mas eu vou, esse ano eu vou lá de novo. Gosto de lá.
1:40:47
P1 - E os outros dois filhos estão morando aonde?
R - Tem um em Curitiba. A outra minha filha mora aqui mesmo.
P1 - Está casada?
R - Não, ela tem a casinha dela, mas não quis casar não, também.
P1 - E a saudade do filho em Curitiba.
R - Ah, a gente conversa direto, hoje em dia, celular. Mas ela já está cobrando de eu ir lá. Não gosto muito de lá, é muito frio. “Não, mamãe vem se embora, venda tudo lá, vem embora. Mãe, vem embora para cá, depois que a senhora se acostumar aqui. Não se preocupa que eu vou comprar uma roçadeira para a senhora capinar.” Que eu gosto de capinar.
1:41:30
P1 - Para você é importante estar perto da natureza?
R - E lá não é, né?
P1 - E vocês já têm neto?
R - Não, ele está ensaiando lá, estava falando. “Ah, mãe, mas a senhora vai ter que vir embora para cá.” Digo: humm. Só passear.
P1 - Lu, para você o que é importante hoje em dia?
R - Hoje em dia é importante a gente ter saúde, para tocar as coisas. Importante a gente estar de bem com tudo, com natureza, principalmente. E está acontecendo muita coisa, né? Pra gente está bem com tudo isso, pra gente poder trabalhar, porque se você não está bem de saúde também, como é que faz? É que nem querer a floresta em pé se você não cuida dela. Tem que se cuidar primeiro, tirar um tempo para a gente. Não tirava esse tempo pra mim, só queria saber… Agora não, penso mais em tirar tempo pra mim também?
1:42:39
R - Nesse tempo que você tira que você gosta de fazer?
R - A gente vai para casa dos amigos comer uma carne assada, dá uma dançada, como dizem as meninas. Que eles me chama, “Vem Lu, vem pra cá, bora assar aqui uma carne. Olha aqui.” Aí, coloca uma música lá para tocar. Eu digo: é isso mesmo, tem que escutar, música é bom.
P1 - O que você gosta de dançar?
R - Gosto de dançar.
P1 - Tem algum ritmo que você gosta mais?
R - A gente gosta de todos, né? Mas sempre tem um que é mais importante, que a gente se lembra.
P1 - Qual que é?
R - É o carimbó, que a gente pode dançar solto. Acho que é isso.
1:43:30
P1 - É muita história de vida, né, Lu?
R - É, aos poucos a gente vai lembrando. Eles estão querendo fazer o protocolo de consulta, nosso. Que também é um levantamento das histórias.
P1 - E por que você acha que é importante lembrar dessas histórias? Por que você acha que é importante contar a sua própria história?
R - Olha, eu acho assim todos nós tem uma história, né? Todos nós temos histórias boas, histórias ruins. Não é totalmente só coisas boas. Mas é importante manter essa memória viva das nossos passados, ancestrais. Acho que é bom sim, é importante isso, reviver a gente, a gente vê onde errou, vê onde pode melhorar.
1:44:24
P1 - Daqui um tempo, como você quer que as pessoas contem a sua história, o seu legado? O que você quer deixar para Barcarena, para essa comunidade?
R - Olha, eu sempre digo para elas assim: Olha, eu quero ser uma pessoa… A gente viu muito as pessoas falarem dos Presidentes. “Ah, porque presidente não faz nada, presidente pega e fica pra ele. Então, eu sempre disse, ah não, se Deus me deu esse caminho aí para eu trilhar, tomar conta da comunidade, então eu quero fazer diferente, eu preciso fazer diferente. Então, é o que eu estou tentando, pelo menos até acabar meu mandato. É fazer essa diferença. Fui numa reunião essa semana passada que eles estavam lá em uma conversa, tal. E a menina falou assim: Olha, a Lú é uma pessoa que não fala nada. Mas sabe quantos anos eu tenho de liderança? Eu estou com 21 na minha comunidade, eu não consegui trazer um terço do que a Lú já trouxe nesses poucos anos que ela entrou. Eu digo: e menina, para com isso! Não, é verdade, tem que falar a verdade, Lu. Tu não fala, tu não é de estar debatendo com ninguém, mas olha o tanto de coisa que tu já conseguiu para sua comunidade. Então, isso aí é satisfatório de escutar, porque tu tá vendo que tu trabalhou, alguém viu o teu trabalho?
P1 - São quantos anos de liderança?
R - Estou desde 2019.
P1 - É recente, né? E já trabalhou muito.
R - Já consegui um bucado de coisas, graças a Deus.
P1 - Como é que você sente?
R - Dá até arrepio. É isso.
1:46:18
P1 - Lu, quando quando você dorme hoje em dia, você dorme tranquila? Dorme com a cabeça em paz?
R - Sim.
P1 - É bom estar de volta?
R - É bom, sim, voltar para o seu território, voltar para suas coisas, para sua vida normal, né? Poder sair em praça, vê que não tem ninguém te perseguindo.
P1 - É aqui que você quer ficar?
R - Aqui que eu quero ficar, até quando Deus permitir.
1:46:58
P1 - Como é que foi contar essa história para a gente hoje?
R - Olha, eu nem esperava que fosse isso. Mas é gostoso conversar, é gostoso saber que tem alguém que quer escutar essa nossa história, essas coisas. Que eu acho que tem pessoas, “ah, saber do passado.” Então, é gratificante saber que tem alguém que depois de escutar nossas histórias, nosso passado, nosso presente.
P1 - Tem alguma história que você não contou, que você quer contar ainda? Que é importante para você, algum momento que você guarda com muito carinho?
R - Acho que já foi bastante.
P1 - Se você fosse resumir, me fala uma história que é muito importante para você?
R - É uma historinha só. O meu marido, ele gostava muito de fazer churrasco de final de semana. Quando ele chegava, ele ia logo comprar cerveja, comprava peixe, fazia muito churrasco. E aí, teve um dia, que antes dele chegar, teve um festival lá no São Francisco, Baile da Saudade. E eu fui pra lá fugida, com as minhas colegas. E não era que era uma festa que eles iam fazer um CD, ia sair um CD daquela festa lá. E aí, nesse dia, nós tomando uma lá, dançando pra caramba e tal. Aí, no outro dia, quando ele chegou, no outro final de semana, que ele chegou, ele foi comprar o CD lá na feira. Que ele comprava o CDs para escutar, novo, CD lançamento. E no CD, não era eu que estava lá. E eu corri naquelas bancas todas tentando arrecadar os CDs, para ele não me ver lá. E na placa lá, botaram no papel logo eu. Que eu estava de vestidinho, toda… Quando eu vi que ele estava procurando o último lançamento da tal música, eu corri lá. Aqui não tem não, bora ver naquela ali. Achei engraçado, eu digo, meu Deus do céu, a gente faz cada uma.
P1 - Era a garota propaganda, a modelo.
R - Meu Deus do céu. Mas era bom. Eu ria, ria, sabe? Eu olhava pra ele, ele escutando a música lá. E eu só comigo, meu Deus do céu. E eu tirava aqueles papeis que vem na frente do CD, tirava, para ele não ver. Eu digo: meu Deus do céu. Aí, ele escutava o CD, mas não ligava muito, que ele não se liga muito. Aí, escutava o CD, comia lá as coisas dele, segunda-feira ele já ia. Eu ficava só rindo aqui, eu e minhas colegas que sabia.
1:50:15
P1 - Agora tem que estampar o CD mesmo. Dona Lu.
R - Cada uma. Muita história, né?
P1 - A Lu, é uma vida difícil, mas também com essa parte, né? Com esse sorriso. Muita coisa boa também, né?
R - É verdade. Minha filha que diz, mamãe vai por aí, parece que conhece todo mundo, se ela está numa fila, demora, ela já está falando com todo mundo, parece que todo mundo é amigo dela.
P1 - Você?
R - Que a gente já fica conversando. Chega numa parada, tá todo mundo lá calado, já começa, já estou conversando com todo mundo, já estou rindo. Meu Deus do céu, eu estou ficando velha. E assim mesmo. Tem que aproveitar a vida, a vida passa tão rápido. É isso.
P1 - Também acho, tem que dançar, tem que aproveitar.
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