Projeto Trinta Anos Alunorte
Entrevista de Márcia Roseli Barbosa Ribeiro
Entrevistada por Ligia Scalise
Barcarena, 22 de julho de 2025
Transcrita por Selma Paiva
(00:15) P1 - Primeiro, obrigada, Márcia. Eu que seu tempo é corrido. E eu vou pedir pra você começar falando seu nome inteiro, o dia, mês e ano e a cidade em que você nasceu.
(00:27) P1 - Márcia Roseli Barbosa Ribeiro, eu nasci no dia 28 de novembro de 1975, em Belém.
(00:35) P1 - Você nasceu em Belém. Seus pais são de Belém?
R1 - Meus pais são de Belém.
(00:38) P1 - Você sabe como eles se conheceram?
R1 - Bom, segundo a minha mãe, (risos) eles moravam na mesma rua e o meu pai passou na frente da rua e deu uma ‘cantadinha’ nela. Esse foi o conhecimento. Ela tinha 17 anos e ele 18.
(00:56) P1 - Quem são seus pais?
R1 - Minha mãe é Sueli Barbosa Ribeiro e o meu pai é Rubens Bernardo Cardoso Ribeiro.
(01:04) P1 - E o que eles faziam, quando você nasceu?
R1 - Eram jovens, né? Ainda estudantes. A minha mãe me teve com 17 e meu pai tinha 18.
(01:14) P1 - E você sabe se você nasceu em hospital? Te contaram o dia do seu nascimento?
R1 - Me contaram em partes. Eu nasci na Santa Casa, que é um hospital antigo daqui de Belém, às doze e trinta, segundo minha mãe. (risos)
(01:29) P1 - Meio-dia e meia?
R1 – Meio-dia e meia. Assim, essa é a lembrança que eu tenho, que ela comentou comigo.
(01:34) P1 - E por que Márcia? Você sabe do porquê do seu nome, Márcia Roseli?
R1 - Escolhido pela minha avó, Márcia Roseli. A minha avó tinha um desejo das netas terem dois nomes. Aí ela escolheu, eu sou a primeira neta e aí ela ‘botou’ Márcia Roseli.
(02:00) P1 - Quando você nasceu, como que era o entorno? Seus pais eram jovens? Vocês moravam com seus avós, talvez?
R1 – Morar... bom, antigamente, vou fazer cinquenta anos, já faz bastante tempo, quase meio século. Na época que minha mãe engravidou, tiveram que casar e nós fomos morar... minha...
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Entrevista de Márcia Roseli Barbosa Ribeiro
Entrevistada por Ligia Scalise
Barcarena, 22 de julho de 2025
Transcrita por Selma Paiva
(00:15) P1 - Primeiro, obrigada, Márcia. Eu que seu tempo é corrido. E eu vou pedir pra você começar falando seu nome inteiro, o dia, mês e ano e a cidade em que você nasceu.
(00:27) P1 - Márcia Roseli Barbosa Ribeiro, eu nasci no dia 28 de novembro de 1975, em Belém.
(00:35) P1 - Você nasceu em Belém. Seus pais são de Belém?
R1 - Meus pais são de Belém.
(00:38) P1 - Você sabe como eles se conheceram?
R1 - Bom, segundo a minha mãe, (risos) eles moravam na mesma rua e o meu pai passou na frente da rua e deu uma ‘cantadinha’ nela. Esse foi o conhecimento. Ela tinha 17 anos e ele 18.
(00:56) P1 - Quem são seus pais?
R1 - Minha mãe é Sueli Barbosa Ribeiro e o meu pai é Rubens Bernardo Cardoso Ribeiro.
(01:04) P1 - E o que eles faziam, quando você nasceu?
R1 - Eram jovens, né? Ainda estudantes. A minha mãe me teve com 17 e meu pai tinha 18.
(01:14) P1 - E você sabe se você nasceu em hospital? Te contaram o dia do seu nascimento?
R1 - Me contaram em partes. Eu nasci na Santa Casa, que é um hospital antigo daqui de Belém, às doze e trinta, segundo minha mãe. (risos)
(01:29) P1 - Meio-dia e meia?
R1 – Meio-dia e meia. Assim, essa é a lembrança que eu tenho, que ela comentou comigo.
(01:34) P1 - E por que Márcia? Você sabe do porquê do seu nome, Márcia Roseli?
R1 - Escolhido pela minha avó, Márcia Roseli. A minha avó tinha um desejo das netas terem dois nomes. Aí ela escolheu, eu sou a primeira neta e aí ela ‘botou’ Márcia Roseli.
(02:00) P1 - Quando você nasceu, como que era o entorno? Seus pais eram jovens? Vocês moravam com seus avós, talvez?
R1 – Morar... bom, antigamente, vou fazer cinquenta anos, já faz bastante tempo, quase meio século. Na época que minha mãe engravidou, tiveram que casar e nós fomos morar... minha mãe e meu pai, foram morar com os pais, com os meus avós paternos. Só que o casamento durou apenas dois anos. Então, logo depois, eu e minha mãe fomos morar com a minha avó materna.
(02:33) P1 - Então, me conta um pouquinho desse começo de vida. Quem eram as pessoas que faziam tão parte da sua história?
R1 - Então, com dois anos, quando a minha mãe separou do meu pai, eu fui criada basicamente com os meus avós maternos, minha avó e meu vô e os meus tios, que eu nem chamo de tios, são como se fossem irmãos pra mim, porque tipo, uma faixa etária meio próxima e logo depois a minha mãe foi pra São Paulo, então eu, literalmente, fui criada pela minha avó.
(03:04) P1 - Então, me fala da sua avó, quem é sua avó?
R1 - A minha avó é a Neusa Barbosa. (choro) Eu nem ‘curto’ falar do dela, porque ela já morreu tem 15 anos. Então, ela foi a mulher da minha vida. Me criou e eu sou o que eu sou por ela, hoje.
(03:24) P1 - Que bonito! Ela era parecida... como quem ela era, fisicamente?
R1 - Então, eu puxo mais para a família do meu pai. Minha estrutura... a família do meu pai é descendência africana. E da minha avó é uma parte africana e outra parte indígena. Então, tem essa mistura. Então, a minha avó é menor. Ela é uma mulher menor, mais clara. E eu puxei muito mais para a família do meu pai.
(03:51) P1 - E sua avó fazia o quê?
R1 – (suspiro) Ai, que difícil, gente. (risos) Pensei que só ia falar de mim.
(03:58) P1 - Você é parte disso.
R1 – (suspiro) Minha avó era feirante, no Ver o Peso. Logo depois ela saiu de lá e começou a ter um trabalho em casa, uma lanchonete e começou a ficar mais em casa, mas já bem mais velha. Mas, assim, a minha infância eu ia pra Ver o Peso, ela começou a vender lanche e depois ela vendia açaí. Então, eu levava as minhas amigas pra tomarem açaí (risos) no Ver o Peso, com a minha avó. Então, é isso que eu lembro. (choro) Pra mim é muito difícil falar dela, porque ela não conheceu minha filha. Ela sempre... tudo que eu tenho hoje, de base familiar, foi ela que me orientou. Apesar da minha mãe ter voltado quando eu tinha 13 anos, mas eu continuei com a minha avó, morando com a minha avó. E é por isso essa emoção, desculpa.
(05:10) P1 – Imagina! Emoção boa é bem-vinda.
R1 - Eu não esperava que...
(05:14) P1 - E essa avó era calma, era brava?
R1 - Era uma figura. (risos) As pessoas até dizem que não acredita que eu fui criada por vó, porque normalmente a vó é muito adocicada e a minha avó, assim, era uma pessoa muito doce comigo, por eu ser neta, mas ela era muito firme. Não tinha muitos quereres, não. Era o que ela podia dar. E, se eu quisesse algo que ela não pudesse, ela era muito firme. Não tem. Ponto. Então, isso também ajudou a compor o que eu sou. A gente tem o que a gente pode e tem que ser feliz com o que a gente tem. Lógico que sempre com aquele propósito de querer mais. Querer mais daquilo que a gente tinha. Então, isso foi uma coisa que me alavancou bastante.
(06:05) P1 - É um aprendizado que você carrega, então?
R1 - Bastante. Ela era uma pessoa que me forçava a estudar, graças a Deus e também a ajudar em casa. Quando ela começou a vender lanche em casa, eu que ajudava ela com a lanchonete. Então, mesmo eu fazendo faculdade, eu tinha que fazer chapa, sanduíche em chapa. Eu digo até hoje que eu sei fazer até X-tudo. Naquela época eu já ajudava nisso. Eu era parceira dela, nessa parte.
(06:39) P1 - Ela era boa de cozinha?
R1 - Muito. Ela vendeu lanche, vendeu comida. Ela era uma empreendedora. Ela só tinha até a quarta série do fundamental, mas era uma mulher que eu tenho certeza que sabia muito mais do que vários contadores que têm, hoje. São memórias minhas, eu com ela, quando ela era feirante e ela contando aquele maço de dinheiro, eu achava o máximo, aquele monte de dinheiro. Era pouco, né? E ela sempre separava assim: “Não, esse aqui é para eu comprar as mercadorias do próximo dia, esse aqui é um a mais, para eu incrementar e esse aqui eu vou guardar”. Então, muito melhor do que várias pessoas hoje, que têm estudos. Ali ela já fazia uma contabilidade do negócio dela. Que legal!
(07:27) P1 – Tinha nome a vendinha dela?
R1 - Não, porque as barracas, nessa época, no Ver o Peso, não tinham nome. Então, era tipo Barraca da Neusa, mas não tinha nada escrito. Era só a barraquinha mesmo, sem o nome.
(07:42) P1 - E seu vô?
R1 - Então, meu vô foi uma pessoa também que participou, mas ele era mais uma pessoa que não me influenciava tanto. Estava ali mais como uma figura masculina, que eu acho que foi importante na minha criação também, mas a pessoa mais forte realmente era ela. Então, acho que é por isso que as minhas lembranças recorrem muito a ela. Várias coisas e vários termos que eu uso são muito... que eu lembro que ela usava comigo, tipo: “Ah, você não é todo mundo”. Ou então: “Ah, poxa, Neusa, ela está chorando, porque ela quer ir pra tal lugar” “Ah, dois tempos: chora e depois para de chorar e está tudo bem”. Então, várias coisas. Então, acho que é por isso que eu tenho muito mais marcado ela, do que ele. Ele é o Benedito, também é uma pessoa... ainda é vivo, não mora mais aqui conosco, mora no Tomé-Açu, eu acho, mas ele seguiu com outra família, depois que ela morreu. Aí está mais afastado. (risos)
(08:48) P1 – Você tem alguma memória da sua infância, muito feliz? Um momento que você ganhou alguma coisa, uma coisa que vocês fizeram juntas?
R1 - Na verdade, a minha infância foi muito feliz. Então, nós morávamos numa casa muito grande, na Getúlio Vargas. Getúlio Vargas tem a CESUPA ali em Belém, agora, uma CESUPA, antigamente era a fábrica da Antártica. E aí, essa passagem de Getúlio Vargas, nós morávamos na segunda casa, uma casa imensa, que ia dessa rua até a outra rua. Então, nós tínhamos um quintal imenso. E a minha avó tinha uma característica, ela veio do interior, eu não me lembro exatamente qual o nome do interior.
(09:28) P1 - Do Pará?
R1 - Do Pará. E ela trazia os irmãos dela, ela trouxe todos os irmãos dela, ela tinha onze irmãos, eram doze filhos. E ela foi trazendo, inclusive ela trouxe a mãe dela, que é a minha bisavó. Então, minha bisavó também morou comigo uma época, só que numa casa atrás. Tínhamos a nossa casa e uma casa atrás. Então, eu sempre fui muito cheia de primos, ali brincando. Ela não deixava a gente brincar na rua, mas em compensação a gente tinha um quintal imenso, então a gente tinha vários animais. E a minha infância foi muito legal nesse sentido, de ter que correr de animais, porque estavam correndo atrás de ti, era pato, galo, gente! Os bichinhos eram meio violentos. Então, ela dizia: “Marcia, vai buscar”. Eu lembro que o nosso tanque era no final da casa. Então, da minha casa até o tanque, eu tinha muitas aventuras, porque eram uns bichos meio... então isso eu lembro muito, que eu dizia: “Ah, mãe, não, por favor, eu não quero” “Não, vai”. Eu a chamava de mãe, eu chamava minha avó de mãe. E aí, esse período aí da infância foi muito legal. Apesar de ser humilde, mas foi uma infância gostosa.
(10:42) P1 - Te faltou alguma coisa?
R1 – Não, nada do básico faltou. Nós não tínhamos coisas a mais, mas o básico sempre teve. E o que era mais importante, amor.
(10:58) P1 - Você falou que a sua mãe, quando você tinha quantos anos que ela se mudou?
R1 - Dois anos.
(11:02) P1 - Pra casa da avó e depois, pra São Paulo?
R1 - Então, eu fico com esses dois anos. Ela se separou, eu tinha dois e, ao mesmo tempo, com dois anos, acho que no decorrer desse ano, ela também foi pra São Paulo.
(11:15) P1 - O que ela foi fazer?
R1 - Ela foi morar com uma tia que nós tínhamos lá, a tia Martinha, porque a minha avó queria afastá-la do meu pai. Uma mulher forte a minha avó. Então, quando ela viu que meu pai estava tendo alguns comportamentos que não eram muito legais, ela falou assim: “Sueli, vai, fica lá, deixa a Marcia aqui”. Eu acho que ela nem deu opção pra minha mãe, tá? E também minha mãe era muito nova, né, 19 anos. E aí ela foi, ficou 13 anos... não, 11 anos, quando ela voltou eu tinha 13.
(11:49) P1 - Vocês tinham contato?
R1 - Ela vinha quase todo ano. Minha avó era uma pessoa muito família. Ela era o esteio da família. Então, assim: “Sua mãe, você me chama de mãe, mas sua mãe está lá em São Paulo”. E a minha mãe vinha todo ano. Minha recordação era que ela vinha todo ano, para Belém, para me ver e estar com a família também.
(12:13) P1 - O que você lembra? Como era a tua sensação, quando ela chegava?
R1 - Não tenho muitas recordações, porque a minha mãe realmente sempre, na minha cabeça, era minha avó. A minha mãe mesmo, infelizmente, por ela ter ficado esse tempo longe, ela era como se fosse uma irmã mais velha que estava indo me visitar. Era legal, era bacana, mas não era assim: “Ah, meu Deus”.
(12:41) P1 - E aí ela ‘pegava no teu pé’, então, sua avó-mãe, vou chamar de mãe agora, pra você estudar. O que ela falava? “Tem que estudar”?
R1 – Muito. “Tem que estudar. Teu marido é teu trabalho”. Esse é um termo também que eu não esqueço. (risos) “Teu marido é teu trabalho. Márcia, independente do que você faça, porque mesmo que você namore ou deixe de namorar, case ou não case, se você tiver uma formação e um trabalho, você vai estar bem”. Então, em cima disso, eu segui. E o meu tio, que depois da minha mãe ele é o mais velho, que é o Nilson, foi a primeira pessoa a se formar, a ter nível superior na família inteira da minha avó. E ele também foi uma pessoa que foi minha referência. Então, tipo: “Ai, poxa, eu quero muito ser como o Nilson, formado”. Inclusive, a minha profissão é a mesma que a dele. Ele é engenheiro eletricista, eu também sou engenheira eletricista. E, assim, a minha avó, minha mãe falando isso pra mim, eu vendo o Nilson, eu o vi passando no vestibular, eu vi as lutas e ele também foi um cara que me ajudou muito. Quando a minha mãe voltou, meu pai era taifeiro da aeronáutica. Então, ele tinha direito ao Rêgo Barros. Então, quando a minha mãe voltou, eu digo que foi uma das coisas, únicas coisas muito boas que meu pai fez para mim. Ele não fez nada de ruim para mim, mas essa foi uma coisa muito boa, que foi me colocar no Rêgo Barros. Então, eu entrei no Rêgo Barros, eu estudei no Costa e Silva, Lauro Sodré, que são escolas públicas e na sétima série do ensino fundamental II, que a gente fala, eu entrei no Rêgo Barros, porque meu pai me colocou no Rêgo Barros e eu fiquei da sétima série ao término do ensino médio. Então, isso daí me ajudou muito, muito, a passar, por exemplo, na UFPA, depois, em Engenharia Elétrica. Só que o Rêgo Barros era uma escola que pedia mais material, aquela lista de material e quem comprava para mim era o Nilson, porque minha avó não tinha condições.
(14:49) P1 - E ali você levou a sério os estudos, então, já olhando para o futuro?
R1 - Muito, já olhando para o futuro. Tanto que eu lembro quando saí do Lauro, eu era a melhor aluna, só tirava dez no meu boletim. E o Rego Barros, então, essa foi a minha primeira nota vermelha, tipo, dois, numa matéria que eu nem lembro exatamente qual era a matéria. E aquilo me marcou demais, foi meio: “Como assim? Não pode!” E aí eu tive que realmente colocar mais energia, porque a minha base era fraca. Infelizmente, no ensino público. E no Rêgo Barros era muito mais pesado, né? Então, foram anos assim, bem... mas me prepararam, para eu conseguir passar. Eu tentei o primeiro ano no vestibular, não passei. Graças a Deus, porque eu fiz Ciência da Computação, não fiz Engenharia. E aí eu desisti da Ciência da Computação e fiz Engenharia Elétrica.
(15:49) P1 - A sua adolescência, então, foi muito dedicada a estudar e ajudar sua avó? Como é que foi?
R1 - Basicamente. A minha avó era muito rigorosa. Então, nada de festas, nada de ir para casa de amigas, né? Assim: “Ah, vou dormir, vou passar o fim de semana”. Ela era muito rigorosa com relação a isso. Então, sempre em casa, com os primos, ali e tal. Assim: eu pude sair mais na faculdade. Aí, sim, eu comecei a ter uma vida social fora de casa.
(16:19) P1 - E o que você sonhava, enquanto menina? Você já queria ser o que seu tio era, ou você queria simplesmente se formar?
R1 - Eu queria simplesmente me formar e conseguir ter o que eu não tinha, que eu via muitas de minhas amigas tendo. Quando eu entrei no Rêgo Barros, eu fui para uma outra realidade. Eu sempre digo que eu tenho uma sorte. Eu entrei numa sala onde só tinha filha de brigadeiro, filha de... então, que era uma realidade diferente da minha. Mas eu nunca tive vergonha da minha realidade, sempre fui muito... mas eu queria ter. Eu queria ter roupas. Eu queria poder fazer as unhas, que elas já faziam, cabelo. Então, isso me motivava, incrível. Era a minha motivação. Eu quero um belo dia poder fazer minha unha toda semana, porque as minhas amigas chegavam com as unhas feitas toda semana e eu não tinha isso. Mas não porque a minha avó era ruim, ou porque não queria. Porque não dava, né? E está tudo bem. Então, isso me motivava a querer ser um degrau a mais, eu tenho que me formar. Que era o que eu já começava a ver com o Nilson: a ter, né? Ele se formou, aí foi trabalhar na Eletronorte. Enfim, aí eu fui vendo a caminhada dele e eu dizia: “Opa, eu quero isso pra mim”. Porque já é uma vida melhor do que a gente tem, né?
(17:39) P1 – E, nessa escola, você conseguiu fazer amigos fácil? Pelo que eu tô entendendo, você ‘dava a cara’ ali, né?
R1 - Consegui. Eu sempre fui assim. E eu puxava muito a minha avó. Depois que eu cresci, saí daquela infância, minha avó era uma pessoa muito envergonhada: “Ah, eu sou feirante. Ah, porque que eu não tenho como me socializar com essas pessoas” e eu comecei a dizer para ela: “Ei, para, você paga imposto igual todo mundo, então temos sim que estar onde quisermos estar vamos lá”. Então, isso acho que facilitava as minhas amizades, eu nunca tive dificuldades em estar com as pessoas. Então, mesmo estando lá com uma turma mais... com mais condições financeiras do que eu, tanto que eu as levava para o Ver o Peso, (risos) para tomar açaí. Era uma festa: “Vamos embora de ônibus”. Elas nunca tinham andado de ônibus, então: “Ah, ‘bora’”. Então, eu levava. E ela morria de vergonha, minha avó: “Meu Deus, Márcia, como você traz?” Falei: “Mãe, elas vão amar tomar açaí com pirarucu, melhor açaí com pirarucu do Ver o Peso, então vamos”. E ela servia a gente, era muito legal.
(18:50) P1 - E você tem memória dessa adolescência com as amigas, além dessa, que é muito boa? Aniversário de 15 anos, alguma coisa que te marcou?
R1 - Gente, eu pouco lembro. Eu acho que nessa época a ‘galera’ não fez muito, não. Eu tinha uma amiga que morava no Marex, que até hoje a gente ainda tem contato, mas ela não mora mais aqui, que era a pessoa que eu estava mais junto. Nós fizemos... eu me lembro da minha primeira apresentação de dança no Rêgo Barros, porque o Rêgo Barros era um colégio... eu não sei como ele está ainda hoje, mas na minha época a gente ia de manhã e à tarde. Então, à tarde a gente tinha aula de artes, tinha aula de cozinha. Nossa, muita coisinha! E aí, a gente tinha, eu acho que era um evento cultural, que eu não lembro o nome e foi minha primeira dança, inclusive foi numa música do A-ha. (risos) Olha a coincidência! E essa minha amiga Luciana era uma pessoa que ficou muito forte comigo. Foi a minha amizade do ensino fundamental, a 7ª e a 8ª, porque no ensino médio ela fez CH e eu fiz CE. Então, a gente já meio que se separou um pouquinho, mas continuou. Mas realmente ela foi a pessoa que mais marcou. Mas ela não fez 15 anos, a Lu, eu lembro que ela viajou. Ela não quis 15 anos.
(20:01) P1 - O que é CH e CE?
R1 - Ah, então, Ciências Humanas, Ciências Exatas e Ciências Biológicas. Na minha época, a gente tinha que escolher, no ensino médio, qual era a ciência que você queria. Então, a Lu foi para Ciências Humanas, acho que ela formou em Administração e eu fui para Ciências Exatas, porque eu queria Engenharia.
(20:21) P1 - Você era boa nos números, já?
R1 - Muito, desde essa época. Inclusive, quando eu saí do Lauro Sodré e fui para o Rêgo Barros, a única matéria que eu não declinei as notas foi matemática. Então, eu já sabia que eu ia para Exatas. Essa era a única verdade. (risos) Aí eu tinha que escolher qual profissão dentro dessa área, de Ciências Exatas.
(20:42) P1 - E namoradinhos da adolescência, já tinha?
R1 - Era ‘proibidaço’. Não. Minha avó não deixava. Não namorei nessa época, não. Comecei a ter algo... eu tive poucos namorados, eu tive três namorados, contando com meu marido. Três namorados que foram em casa, conheceram família. Eu tive três namorados. Então, pouco. Porque logo que eu entrei na faculdade, meu foco também era me formar, tá? Então, eu achava que eu não podia desviar. Hoje eu penso diferente, mas naquela época, com aquela pressão, minha avó fazia uma pressão psicológica grande. (risos) Eu ficava com medo, confesso, de falar: “Ai, meu Deus, eu vou arranjar namorado, eu vou me desviar, vai que eu me apaixone, eu não queira mais estudar”, era o que vinha na minha cabeça. Então, eu não tinha namorados, eu tinha pessoas que eu ficava, ali, ia para o forró da Federal, isso eu fiz muito nos meus cinco anos, tinha o forró na sexta-feira, então toda sexta-feira eu estava no forró. Mas namoro mesmo, bem pouco, não dei muito foco, não.
(21:47) P1 - E sua mãe, quando voltou, fez família? Ela teve mais filhos?
R1 - A minha mãe fez família em São Paulo. Eu tenho uma irmã, que é paulista, que veio com a minha mãe. Então, quando a minha mãe veio, eu ia completar os 13 anos e a minha irmã... eu sou mais velha do que ela, acho que sete anos. A minha irmã tinha uns cinco anos quando a mamãe chegou. Dani tinha quatro, eu ia fazer três, ela ia fazer cinco. É isso aí.
(22:17) P1 - E sua relação com ela?
R1 – (suspiro) (risos) A gente não tem uma relação muito interessante, não, eu e minha irmã. Hoje ela mora em Castanhal. Eu tenho dois sobrinhos, um menino e uma mocinha. E minha mãe mora comigo. A minha mãe mesmo mora comigo. Sueli mora comigo, hoje, vão fazer quatro anos. Mas, assim, meu contato com a minha irmã é mais para tratativas da minha mãe.
(22:47) P1 - E aí você passou no vestibular, me fala desse dia.
R1 - Eu passei em duas faculdades. Ah, lá vai eu chorar de novo. (risos) Eu passei no CESUPA e saiu primeiro o resultado. Eu estava por aqui, já fizemos festa, porque eu falei: “Não, vai que eu não passo na UFPA, eu quero cantar a música do Pinduca”. Então, a gente já fez uma festinha lá, meu pai foi. Interessante, porque a gente não tinha muito contato, mas ele foi. E da UFPA, como ficou uma coisa assim muito... não sabia a hora que ia sair, eu estava aqui em Barcarena porque o meu tio trabalha até hoje na Eletronorte e ele trabalhava aqui, na Vila do Conde, então ele tinha uma casa aqui, na Vila. E eu sempre fui muito ‘grudada’ com ele e em consequência com a família dele, com a esposa dele, na época, a Jurema, que foi uma pessoa que me ajudou muito também. E eu estava aqui, com ele, com ela e os três filhos. E eu escutei o meu nome no vestibular da UFPA no carro, esperando um ônibus, para pegar o ônibus para ir para lancha, não tinha alça viária, na época, para poder ir para casa. Então, eu já cheguei em casa, a festa já estava iniciando lá, né? Compra carne, churrasco, aquela coisa típica, nossa, daqui do Pará, de fazer o vestibular. Então, assim, isso eu lembro muito bem, porque foi bem marcante.
(24:13) P1 - Anunciavam no rádio?
R1 - Anunciavam no rádio. Eu acho que ainda não anunciam hoje, não anunciam? Mas na minha época era surreal. Era no rádio: “Engenharia Elétrica, papapapapa, Marcia Roseli Barbosa Ribeiro. E saía no jornal, tá? Eu tenho o meu jornalzinho, Engenharia Elétrica, eu e meu marido também tem e está lá o meu nome e eu escutei ‘Marcia Roseli’ e foi aquele choro, abraço. E aí eu fui, logo depois eles foram também. E aí a festa ‘rolava’ até aquele negócio de quebrar ovo, tudo aquilo.
(24:45) P1 - Isso no quintal de casa?
R1 - No quintal de casa. Eu acho que hoje ainda ‘rola’ isso aqui no Pará, viu? Talvez menos forte. Na minha época era muito forte. Muito mesmo. Muito. Aí eu fui pra frente do cursinho, porque eu fiz cursinho, no Teorema. Fomos para lá, pegamos lá a camisa, falei com o dono do cursinho, voltou para casa, enfim, foi uma festa.
(25:08) P1 – E sua avó?
R1 - Super feliz, graças a Deus.
(25:14) P1 - E aí você saiu da casa dela para estudar ou você continuou morando com ela?
R1 - Continuei morando, formei. Eu saí da casa da minha avó acho que em 2002. Eu sou ruim de data, muito ruim. O bom de data é meu marido. (risos) Eu saí acho que em 2012, já tinha feito mestrado quando eu saí. Já estava namorando com meu marido e aí a gente decide morar junto.
(25:48) P1 - Então, espera. Na faculdade você teve algum trabalho, estágio?
R1 - Tive. Eu estagiei na Eletronorte. Eu era bolsista. Eu, quando entrei na faculdade, a gente sempre foi muito humilde. Então, eu lembro que a minha avó me dava três reais para passar o dia. O RU lá, que é o restaurante universitário, é um real o almoço. Então, almoçava no RU. E, assim, meu objetivo sempre foi ganhar dinheiro. Eu tinha que ganhar dinheiro. E aí, passei o primeiro ano nessa, primeiro semestre, no terceiro semestre eu comecei a... eu digo: “Não, tenho que arranjar uma bolsa de iniciação científica”. Então, desde o terceiro semestre eu já consegui, eu fui com um professor, porque o meu tio já tinha estudado lá, então eu não me senti nem um pouco inibida de usar o nome dele. (risos) Então, eu fui, lembro muito bem quem era o professor, o Ubiratan. Falei: “Bira, eu sou sobrinha do Nilson e tal, estou precisando de uma bolsa”. Falou: “Qual semestre você está?” Falei: “Estou no terceiro semestre” “No terceiro semestre você só viu cálculo e física” “Sim, por isso que eu preciso de uma bolsa, para começar já a entender de engenharia”. Ele falou: “Márcia, não tem como dar bolsa para uma pessoa do terceiro semestre”. Eu falei: “Mas eu preciso”. Eu ganhei na insistência. Foi a primeira conversa, de vários, com ele. Ele me deu uma bolsa. Eu me lembro muito bem, 112 reais eu ganhava na primeira bolsa, mas era o máximo para mim, porque eu já não dependia da minha avó, já era uma ajuda. Então, do terceiro semestre, que era no início do segundo ano, até o final eu fiquei com bolsa de iniciação científica.
(27:25) P1 – O que você fez com esse dinheirinho, pela primeira vez?
R1 - Assim, a princípio eu já me custeava, né? E depois eu construí a cozinha da minha avó, porque ela não tinha armário, (risos) algumas coisas bobas, mas que eu achava o máximo. Só com esse dinheirinho, porque depois foi aumentando, que eu deixei de ser bolsista de uma bolsa que eu esqueci qual era o nome, aí passei a ser CAPS, aí era um pouco maior, duzentos e cinquenta reais. E aí isso ia me ajudando, tanto no meu custeio de comprar material também, lá na faculdade, como em casa. Fazer compras, eu achava o máximo, ir fazer compras com ela, porque eu comprava as besteiras que a gente não podia comprar antigamente.
(28:07) P1 – Fazia unha?
R1 - Fazia minha unha, (risos) arrumei meu cabelo, sim. (risos) Foi uma das coisas que eu fiz questão de fazer.
(28:17) P1 - O que era esse arrumar o cabelo, exatamente?
R1 - O meu cabelo, como eu te falei, a minha família é indígena e africana, mas eu creio que o sangue africano é mais forte. O meu cabelo é enroladinho e eu não o queria enroladinho, eu o queria mais lisinho, então arrumar o cabelo era isso, na época era muito a fama de alisar o cabelo e eu queria isso, só que era caro, né? E aí era esse o arrumar o cabelo, entendeu? Era poder ter condições de ir num salão e dar um trato no cabelo, como eu falava naquela época. (risos)
(28:55) P1 – Então, a universitária estudava, fazia bolsa científica, ia no forró, trabalhava...
R1 - Toda sexta-feira ia pro forró. E fim de semana eu ajudava a minha vó, na lanchonete. Acho que ela já estava com lanchonete em casa. Eu até brincava com ela, que era difícil arrumar namorado, porque eu ficava trabalhando no fim de semana, até 11 horas, meia-noite. Então, eu tinha um namorado que durou um ano e um pouquinho, o Roberto, era muito engraçado: ele chegava em casa às dez e meia da noite. (risos) Eu digo: “Dá até para ter duas namoradas, né? Porque ia no primeiro momento com uma, depois comigo, porque eu estava trabalhando com ela.
(29:32) P1 – E foi sua paixão? Você se apaixonou?
R1 - Não. Eu sempre fui meio cética com relação a isso. A minha paixão mesmo é o meu marido hoje, que eu quis realmente ter... constituir família, morar junto. O restante foi um namoro, assim, mas...
(29:47) P1 - Como é que vocês se conheceram, então? Seu marido?
R1 - O meu marido era mecânico do meu tio, do Nilson. (risos) E, numa dessas idas para levar o carro do meu tio, eu o conheci. Começaram os olhares e a gente começou a ‘bater papo’.
(30:05) P1 - Lá em Belém?
R1 - Em Belém, tudo em Belém. Até hoje, meu marido... depois que a gente se conheceu, ele terminou a faculdade, ele é engenheiro mecânico, mas continuou com oficina mecânica, não veio para a indústria, ele manteve o negócio dele.
(30:21) P1 - Quando que vocês se conheceram?
R1 - Em final de 2001. Eu estava terminando o mestrado.
(30:28) p1 - Você já emendou faculdade e mestrado?
R1 - Já. Eu formei em final de 1999 e: “Ah, a Márcia queria fazer mestrado?” Não. Sempre naquele objetivo de ganhar dinheiro. Não vou mentir. É isso. Só que, na época, não estava fácil o mercado. Então, não consegui emprego. Primeiro que eu estagiai na Eletronorte, que era uma estatal, não tinha como me contratar. E aí, época, não consegui emprego. E aí, como eu já estava nesse mundo acadêmico de estar ali, eu já comecei a me cadastrar, a me inscrever para mestrado, com bolsa, óbvio. Então, eu me inscrevi em vários mestrados: Santa Catarina, Espírito Santos, UFPA, USP, Unicamp e eu fui chamada na de Santa Catarina. Tudo federal. E a UFPA não tinha saído o resultado ainda. E a de Santa Catarina já estava confirmada com bolsa. Aí eu lembro até que o Nilson falou assim: “Vai, vamos, a gente vai lá, a gente ajuda, a gente verifica lá um local pra ti ficar, porque tinha bolsa, né, eu podia me sustentar”. Mas eu, particularmente, sou uma paraense ‘da gema’, eu não queria sair do Pará. (risos) Eu sou muito família. E aquilo estava me incomodando, mas eu ia, porque não podia ficar parada. E, no último momento, quando a gente estava articulando para ir para Santa Catarina, eu já tinha conversado com um professor, eu já tinha um orientador, o meu tio já estava articulando para comprar passagem para a gente ir, saiu o resultado da UFPA e eu consegui a bolsa. Aí eu desisti de Santa Catarina e fiz na UFPA.
(32:11) P1 - O mestrado foi em quê?
R1 - Controle de automação. Eu sou mestre em controle automação, pela UFPA.
(32:19) P1 - E durante o mestrado você conheceu o seu marido?
R1 - Não, foi no final. Foi no finalzinho. O mestrado foi assim: eu comecei o mestrado na UFPA, no laboratório que a gente chama lá, que é o LACOS, que o Laboratório de Controle e Sistemas e lá um professor doutor, fez um convênio com a Albras. Na verdade, a Albras fez o convênio com a UFPA, através da Fadesp. E aí ele precisava de bolsistas para vir para cá, para a Albras. E aí eu estava por lá, ele era de lá, o professor de lá, do laboratório e ele falou assim: “Marcia, você não quer ir para o... Roberto Célio Limão, o professor... não quer terminar esse mestrado na Albras?” Eu falei: “Na Albras?” Eu nem conhecia a Albras. Não, acho que eu conhecia, sim, eu ouvia falar, porque o meu tio trabalhava aqui, na Eletronorte. E eu falei assim: “Pode ser, a bolsa é quanto?” (risos) Eu lembro que era trezentos reais a mais. Eu tinha uma bolsa de setecentos reais na UFPA, pela CAPES e através da Fadesp, com um convênio com a Albras, seria de mil reais. Falei: “Tô dentro, ‘bora’”. E aí eu vim pra Albras. Aí eu vinha todo dia. Na verdade, o que eu fiz? Eu ficava na Albras e na casa do meu tio, não ia para Belém todo dia, ia e voltava. Ficava aqui e ficava lá. Então, foi um período que eu fiquei morando com ele. Então, terminei a minha dissertação de mestrado, foi no equipamento da Albras, misturador lá, de ânodo. Aí eu conheci a indústria. Mas, mesmo assim, na Albras não tinha possibilidade de me contratar. Me lembro que, na época, eu estava numa área que era o Ricardo Lara, que hoje é diretor da Alubar e eu fui falar com ele: “Ricardo, eu preciso trabalhar, porque eu acabei o mestrado, eu iniciei o doutorado, porque pra eu estar nessa bolsa da Albras eu tinha que ter vínculo com a UFPA. Então, pra eu ter vínculo, eu tinha que estar inscrita em alguma coisa. Aí o Limão falou: “Ó, você vai ter se inscrever no doutorado”. Falei: “Ai, não aguento mais estudar, mas está bom, vamos lá”. Eu ainda fiz mais umas duas matérias e eu falei: “Ah, não, está bom. Não quero essa vida acadêmica pra mim”. E aí eu fui com o Ricardo Lara, eu falei: “Ricardo, tem possibilidade de vocês me contratarem?” Ele falou: “Poxa, Márcia, eu não tenho vaga, papapa, mas eu não gostaria que você saísse”. Falei: “Então, Ricardo, preciso ir pro mercado. Não quero mais essa área acadêmica”. E aí eu saí do doutorado e, consequentemente, do convênio Albras-UFPA e eu fui trabalhar no SIVAM, como prestadora de serviços, atuando com a manutenção do sistema de vigilância da Amazônia. Era com uma empresa de Minas, Cetest Minas. Eu fiquei seis meses lá e aí surgiu a vaga aqui na Alunorte, para engenheira júnior.
(35:15) P1 - Na sua faculdade, nesses estágios trainee, imagino, tinha mulheres? Era comum esse meio feminino também?
R1 – Poucas, principalmente Engenharia Elétrica. Poucas. Formaram comigo, inclusive, a gente tem um grupo no WhatsApp: Josi, Cláudia, Ivone. Formaram cinco mulheres, acho, comigo. Isso porque eram não necessariamente da minha turma, mas que se formaram ali, naquele ano. A minha turma acho que eram três mulheres só, de cento e vinte.
(35:53) P1 - E quando você entrou na Albras você via mulheres na função que você exercia?
R1 - Não. Nem quando eu entrei aqui, tá? (risos) Na Albras não tinha. E aqui também eu fui a primeira mulher na automação.
(36:07) P1 - Que ano que foi?
R1 - Em 2004. Eu fiz vinte anos de Alunorte.
(36:14) P1 - Você foi a primeira mulher?
R1- Na automação, sim. Tinha uma outra engenheira, que era a Fatinha, mas ela era engenheira civil. Eu fui a primeira engenheira eletricista aqui.
(36:27) P1 - O que isso te representava?
R1 - Olha, naquela época não tinha, assim, muito... eu não tinha muita visão que eu tenho hoje, mas pra mim era o máximo eu estar numa indústria que não tinha mulheres. Foi muito engraçada a minha entrevista aqui, eu fui entrevistada umas cinco vezes, por um ‘cara’ que não está mais aqui, (risos) mas que foi muito importante na minha (suspiro) resiliência, né? Que foi interessante porque eu fui contratada. Mas eu sempre encarava as coisas como um desafio. Ah, eu vou ser a primeira mulher? Ah, você está me contratando porque a sala está bagunçada, por que os homens estão falando muito palavrão? Está bom. Eu vou mostrar que eu sou muito mais do que isso. Agora, assim, era uma equipe fantástica. Só de homens? Sim, mas era uma equipe muito parceira, trabalhávamos em equipe mesmo, então eu nunca me senti discriminada por ser mulher na minha equipe, na automação. Nós éramos quatro na época: Normando, Rui, Antônio Neto e aí eu entrei, mais o Cleberson, ficou seis na verdade, ficaram seis.
(37:39) P1 - E para você eram pares iguais?
R1 - Eu tenho uma personalidade forte, né? Tínhamos a mesma... todos engenheiros. O Normando, que depois se tornou engenheiro e o Cleberson era analista, que ele era formado em Ciência da Computação. O Rui era engenheiro, o Antônio Neto engenheiro e eu engenheira. Pra mim, sim. E eu sempre fui aquela que: “Alguém quer fazer um projeto? Alguém quer fazer outra coisa?” Então, eu fui a primeira também, ali da automação, que viajou para fora. Foi a minha primeira viagem para fora. Eu fiz porque eu estava aqui, né? Eu fui para Austrália. A minha primeira viagem para fora... não, não, não. Na UFPA eu fui participar de um congresso. Então, eu já tinha ido para São Paulo. Mas de avião foi aqui, porque eu fui contratada e eu passava um mês em São Paulo e uma semana aqui, um mês em São Paulo e uma semana aqui. Foi por conta de um projeto. Foi a expansão 2, aumento em duas linhas daqui. Então, por isso que eu fui contratada e eu participei do projeto, em São Paulo. Fantástico!
(38:51) P1 - Tudo diferente, né?
R1 - Muito. São Paulo, assim: como eu sou uma nortista, mulher, lá eu senti isso. Mais por ser nortista do que por ser mulher. Então, às vezes as pessoas me perguntam: “Você sentiu algum racismo, algum preconceito?” Eu falei: “Mais por ser nortista, em São Paulo, do que por ser mulher”. Acho que, por ser mulher, pelo fato de eu ser uma pessoa sempre que quis ter muito conhecimento técnico, talvez por ser mulher e estar num ambiente muito masculino, eu sempre quis saber um pouco mais, porque mulher, antigamente, até hoje a gente está lutando por isso, né? Pra ela estar ‘ali’ com o homem ela tem sempre que ter um conhecimento a mais, né? Então, eu sempre corri muito atrás disso. Mas lá a gente escutava. Por exemplo: teve um ‘cara’ que me perguntou assim: “Ah, e aí? Vocês moram em oca? Tem jacaré?” Eu falei: “Nossa, a gente anda até pelado. Eu tô com roupa aqui, com uma agonia, que eu tô com roupa aqui, gente”. Então, sempre foi muito irônica com relação a isso, porque isso me abalava, eu dizia: “Oh, vocês não estudam geografia, né, gente, pelo amor de Deus, porque você confunde norte com nordeste, é meio confuso”. Então eu jogava, eu era meio agressiva, confesso, nesse sentido. Mais por ser nortista e estar por lá e receber esse olhar que diz: “Nossa, vocês conhecem de controle avançado?” Eram essas coisas que eles diziam: “Nossa, nunca imaginei que tivesse controle avançado no norte”. Eu falei: “Nós temos a maior empresa de alumina do mundo, só, no norte”.
(40:34) P1 - Quase não tem que provar alguma coisa.
R1 - Sempre. Sempre. É interessante isso. Hoje menos. Talvez hoje porque eu nem ligue tanto. Acho que naquela época eu era mais inflamada com relação a isso. Então, eu observava mais, eu escutava mais, eu dava mais atenção a isso. Isso eu acho que eu não dou mais tanta atenção.
(40:56) P1 - Quando você foi contratada na Alunorte, você continuou morando onde? Como é que estava o seu dia a dia?
R1 - Morando em Belém. Sempre morei, nunca mudei. Não era um pré-requisito morar aqui, quando fui contratada. Então, continuei morando em Belém.
(41:14) P1 - Já estava casada?
R1 - Já. Não, eu estava namorando. Mas já era com meu marido.
(41:19) P1 – Qual o nome dele?
R1 – Argemiro.
(41:22) P1 - Já estava com ele, então?
R1 - Já. O Argemiro eu conheci final de 2001, início de 2002.
(41:28) P1 - Ele acompanhou sua entrada, então? Acompanhou.
(41:30) P1 - Apoiou?
R1 - Parceiro. Muito. E também, se ele não tivesse apoiado, a gente não estaria junto, (risos) porque aquele lance do ‘teu marido é teu trabalho’ ficou marcado. Um legado da Neusa, sem dúvida. Mas graças a Deus ele sempre foi uma pessoa muito aderente a essa questão de independência, de mulher estar onde quiser estar. E, assim, ele é um parceirão, porque eu trabalho numa área que ela me exigia muito. Ainda exige hoje, mas hoje a gente evoluiu, mas na época era bem pesado manutenção, numa empresa que roda 24 horas. Então, eu estava muito aqui, na planta. Muito mesmo. E aí ele viu, então ele já pegou o pior, aí depois o negócio foi melhorando.
(42:25) P1 - Você foi tendo um crescimento aqui dentro?
R1 - Fui. E foi muito natural. Eu entrei como júnior. Aí, com x tempo, nada muito longo, eu passei pra pleno e logo depois pra sênior. E depois eu virei gerente da automação. Foi bem natural, assim. Eu não forcei nada, não. Eu sou muito na minha, também. Era uma característica muito nossa, do Pará. Graças a Deus está mudando, mas também é uma característica minha: eu sou muito... eu me adequo muito fácil, eu entro numa zona de conforto muito fácil. Então, como a automação era a ‘menina dos meus olhos’, então eu sempre me desenvolvi muito e participei de muitos trabalhos aqui. Eu entrei num momento aqui onde as coisas estavam crescendo. Então, eu fui nessa ‘onda’ e eu fui desenvolvendo, fazendo trabalho, apresentando. Então, o crescer, aqui, pra mim foi muito natural. Muito natural, mesmo.
(43:29) P1 – Me conta das suas participações e inovações em coisas que você esteve ali, que você viu resultado?
R1 - Eu sou formada em controle automação, né? Então, a gente implantou aqui o primeiro controle avançado na digestão. Então, eu fiz parte disso. Por isso que eu fui para a Austrália, para conhecer um equipamento novo. Eu participei de vários trabalhos, enfim, pra desenvolver esse controle avançado, que o ‘cara’ se assustou: “Ai, meu Deus, como é que tem controle avançado no norte?” E esse trabalho, pra mim, foi muito, muito gratificante. E ia dizer até hoje: “Ó, primeiro APC...”. Hoje nós temos 27 APCs, mas o primeiro quem implantou fui eu. Eu sempre digo pras minhas engenheiras, hoje já não sou eu, mas que tomo conta, mas eu converso sempre com as meninas e eu sempre digo: “Ó, porque agora está muito melhor porque, antes, para eu poder fazer uma movimentação, para eu poder...”, porque a gente tinha que criar modelos, então a gente tinha que fazer algumas movimentações no processo. Era um parto, porque o diretor, na época, não deixava e eu tinha que ir lá: “Não, só um pouquinho, por favor”. Então, foi um trabalho longo muito legal. Então, esse foi, para mim, o mais marcante. Fora alguns outros, por exemplo, a gente foi uma das maiores redes sem fio que a gente teve no DRS-1. Eu participei, fui eu que fui lá e coloquei os sensores sem fio. Então, nesses vinte anos foram bastante coisas que a gente implantou.
(45:05) P1 - E momentos marcantes da empresa, que são importantes para você? Por exemplo: o desenvolvimento de uma rede de mulheres, ou outros.
R1 - É, então... deixa eu ver. Eu não sou muito boa de memória. E eu sou muito... eu acabo deixando passar algumas coisas, como se não fosse mais do que natural acontecer. Eu tenho até uma amiga que, sim, foi a fundadora da Rede de Mulheres aqui, Raquel, que ela é que me puxou. (choro). Eu sempre fui muito dura. Então, pra mim, por que eu tenho que facilitar a vida, se eu passei por tanta situação difícil? E a Raquel me tirou dessa situação: “Márcia, tu vai querer que uma outra pessoa passe por tudo que tu passaste? Por quê?” Eu falei: “Tu tem razão”. E aí, então, eu comecei a entrar mais nessa parte de rede de mulheres e, realmente, hoje, principalmente depois que eu tive uma filha, eu tenho uma filha que hoje tem 13 anos, a Maria Fernanda, eu não quero que o mundo esteja como está quando ela estiver no ambiente de trabalho, né? Então, eu preciso melhorar o ambiente. (suspiro) Porque foram tantas conversas com a Raquel, pra mudar esse meu jeito, (choro) por isso que eu me emociono. Então, esse ponto foi marcante, apesar de eu não ter montado a Rede de Mulheres e eu confesso que eu não sou tão ativa. A agenda puxa muito a gente, mas no que eu posso participar, que eu posso estar junto, falar da minha história e ajudar... hoje a automação tem mais mulheres do que homens. Nós temos mais de... quase 70% de mulheres na automação. Eu fiquei como gerente da automação por cinco anos e depois eu me tornei gerente sênior de Energia e Automação e eu já estou mudando esse quadro na Energia também. Na Energia tinham duas mulheres ou três, não me lembro e hoje a gente já está aumentando esse quadro. Nós já temos aí... eu ainda não decorei esse número, mas hoje já mais do que dobramos esse número de mulheres na Energia. Ainda temos um desafio, que eu já falei para o meu gerente, que é para a aumentar cada vez mais e tornar realmente um ambiente com equidade, melhorar as ferramentas, enfim. Para mim, o meu maior legado hoje é estar onde eu estou, trabalhando para melhorar esse ambiente, que é tão masculino, para ser melhor para mulheres trabalharem, para que elas não passem... eu não acho que eu passei por muito... eu já entrei como engenheira aqui. Então, eu não tenho lugar de fala para falar de uma eletricista ou de uma mecânica ou de uma operadora, porque eu nunca estive no ‘chão de fábrica’, mas eu imagino que deve ser doloroso. Então, é melhorar esse ambiente, para que elas não tenham problemas com preconceito por ser mulher, de ficar vendo homens sendo promovido e elas não, porque elas ficam fazendo os trabalhos administrativos e os homens é que vão e põem a ‘mão na massa’. E aí é trabalhar e conversar, para mudar esse quadro. Então, acho que marcou essa questão, você falou em rede de mulheres, eu lembrei e não me lembro, assim, de nada mais que eu possa falar.
(49:05) P1 - Algum momento que você se sentiu muito valorizada, reconhecida pelo que você faz, algum trabalho que foi muito desafiador e que você conquistou um resultado?
R1 – Deixa eu ver...
(49:18) P1 - São vinte anos!
R1 – (risos) É muito tempo, é muita coisa. E tudo que a automação tem hoje, de mais moderno, tem meu ‘dedo’. Então, tudo é muito gostoso de ver e está sendo muito gostoso colocar para Energia isso também, sabe? De você ver gerentes que só trabalhavam com homens, que a gente percebia que tinha assim, um certo... ser gerenciado por mulher, né? E ver que eles realmente estão vendo que a gente está melhorando, que a gente está colocando novas ferramentas, para que a gente tenha uma qualidade de vida melhor, para que gente não precise estar todo tempo aqui na planta, para quê? A gente precisa estar em casa, o momento que gente está em casa. Isso está sendo muito bom agora, mas realmente eu estou há dois anos como gerente sênior de Energia e Automação, então desses vinte anos que eu tenho na Alunorte foram 18 anos na automação, 13 como engenheira e cinco como gerente. Então, foram várias etapas e foram vários momentos de conquista. Toda a carta de promoção, para mim, era um grande reconhecimento, porque eu sempre fui a pessoa que fui reconhecida dentro da equipe, sendo mulher. Eu fui a primeira pessoa da equipe que foi para fora do Brasil. Eu lembro que foi a minha primeira viagem internacional, fui para Perth, na Austrália. Então, fui a primeira a ir apresentar um trabalho da automação fora do país. Fui apresentar em San Antônio, num evento da Emerson, esse projeto que eu falei, que era instrumentação sem fio. Então, eu fui e foi minha primeira apresentação em inglês. Então, isso tudo foi marcante. Pô, uma caboclinha do norte, que (suspiro) (choro) levava suas amigas para tomar açaí com a sua vó e estar aqui apresentando em inglês, em San Antônio. Foi também o primeiro congresso que eu participei, apresentando. Então, são tantas coisas que realmente passa. A gente fez muitos... nós implementamos aí... eu participei dessa questão do acesso remoto. A gente, antigamente, qualquer problema, a planta roda 24 horas, a gente tinha que vir. Então, a gente ficava na Vila. Nós tínhamos um plantão na Vila. Então, o operador ligava e dizia: “Olha, vai parar tal coisa. Você tem que vir aqui, para resolver, fazer um bloqueio”. E a gente pegava, aí acordava qualquer hora, duas da manhã, trocava de roupa, pegava o carro, vinha para cá, fazia o bloqueio e era essa correria. Então, a gente implantou o acesso remoto, que agora está comum, mas na nossa época não era comum, quando nós desenvolvemos. Então, hoje o operador liga, minha engenheira, meu engenheiro vai lá, acessa no computador e faz o bloqueio ali, em dez minutos e está tudo bem, ele volta a dormir e a gente mantém a planta rodando. Então, são muitos pontos que, em cada momento como engenheira tem coisas que foram importantes; como gerente é ver a equipe crescer, ver equipe evoluir, a gente cada vez mais contratando mulheres, tendo menos chamados aqui, porque você implantou ali um sistema de monitoramento de ativos, que te avisa antecipadamente. E agora, como gerente sênior, eu estou atrás dessas conquistas.
(52:56) P1 - E você quis o cargo de gerente? Foi algo que você almejou?
R1 - Confesso que não. Foi acontecendo. Eu tenho uma forma diferente. Eu não sou muito de planejar a longo prazo, porque eu acho que isso, às vezes, pode te frustrar. Eu tenho planejamento a curto prazo. Então, se você perguntar para mim: “Marcia, como você se vê daqui a cinco anos?” Não sei. Eu espero estar melhor do que eu estou hoje, eu estou batalhando por isso. Então, acho que talvez por isso eu não tenha me frustrado tanto. O cargo de gerente aconteceu assim: o Sérgio Ferreira era o nosso gerente executivo e o Antônio Courbassier era o nosso gerente. E o Antônio decidiu aceitar uma proposta para Oslo. Não. Não sei exatamente, mas ele ia sair da automação e eu sempre carreira técnica, quero carreira técnica, quero carreira técnica, eu gosto muito da parte técnica, fato, mas eu sempre tive essa coisa de liderança. Mesmo sendo engenheira, eu já liderava. Já, né? Sempre fui muito ‘pra frente’, como diria a minha avó. E aí o Sérgio Ferreira me chamou, falou: “O Antônio está saindo e eu gostaria que você fosse a nossa gerente”. Eu falei: “Eu? Não. Eu quero carreira técnica” “Não, Márcia, eu vejo potencial em você. A gente quer apostar em ti, como gerente”. Falei: “Gente, mas eu sou muito ogra. Eu vou ter alert line, o pessoal não vai me curtir” “Não, a gente resolve isso. Você faz treinamento, você vai...”. Então, o Sérgio Ferreira foi um grande incentivador nesse sentido, de virar gerente. E eu fui: “Está bom”. Aí ele: “Veja bem, a equipe vai estar adaptada, você conhece, você não vai impactar a equipe”. Aí ele mexeu num ponto que eu falei: “Se vier uma pessoa diferente, sei lá, pode afetar a equipe. Então, está bom, eu aceito”. Aí eu aceitei e fiquei X, né? E estava ótimo, porque novamente minha zona de conforto, é uma área que eu conheço, né? Então, mudaram-se os gerentes e o Francisco Sérgio tornou-se meu gerente sênior. O Francisco Sérgio também é gerente-executivo hoje, aqui. E aí ele falou: “Márcia, já deu, você tem que virar gerente sênior”. Eu falei: “Não. Por quê? Está ótimo aqui, como gerente da automação. Está ótimo pra mim”. Ele falou: “Não, você tem que querer mais”. E o Serginho é assim, agitado. Eu falei: “Não, Sérgio, está bom” “Não, agora toda vaga de gerente sênior você vai se inscrever”. Falei: “Não quero”. Ele falou: “Não, vai se inscrever”. E aí, enfim, começou a saga. Vaga de gerente sênior para manutenção da Vermelha: “Márcia, já te inscrevestes?” Eu falei: “Não” “Então, por favor, se inscreva”. E eu ia lá e me inscrevia. Vaga de gerente sênior... falei: “Não, Sérgio, é demais. Mas foi muito legal, porque aí ele falou assim: “Você tem que mostrar para a empresa que você está querendo. Se você não se inscreve, a empresa...”. Resumindo: o Francisco Sérgio foi o ‘cara’ que disse: “Sai da tua zona de conforto, você já tem capacidade de ser gerente sênior”. E foi ele que me promoveu. Ele e o Michel, que era diretor, na época, nosso diretor. E aí eu, há dois anos me tornei, há mais de dois anos, acho que em maio fez dois anos, passei a ser gerente sênior, mas nada planejado, tipo: “Ah, viria gerente, meu próximo passo é ser gerente sênior. Não. Eu estou como gerente sênior e está ótimo”. Ainda estou aí, galgando reconhecimentos, melhorias nas áreas que são novas para mim e está tudo bem. ‘Bora’ ver amanhã, se eu vou querer algo mais, mas hoje eu estou supersatisfeita.
(57:00) P1 - E te prepararam... você mesma disse: “Ah, tem algum treinamento”. Tem esse preparo? Você se sentiu amparada, nesse sentido?
R1 - Me senti. Acho que a Alunorte é uma empresa que, pelo menos comigo e na época tinham vários gerentes, a gente fez aí vários treinamentos, vários, vários treinamentos. Era até o PDL, que é o Plano de Desenvolvimento de Líderes... Programa de Desenvolvimento de Líderes. Até hoje a gente tem treinamentos e formas de você... sempre estão reciclando a gente. Não é fácil, tratar com pessoas não é fácil. E realmente eu acho que a gente precisa estar sempre ali, sendo... a Márcia que entrou aqui já mudou bastante para a Márcia de hoje, como gerente sênior.
(57:48) P1 - E você falou que você foi fazer cursos em inglês. Tudo isso foi preparado daqui de dentro, também? Você teve esse investimento na sua vida?
R1 – Tenho. Até hoje eu faço inglês com a empresa financiando. Eu gosto muito... ó, eu tô na Alunorte há vinte anos, na Hydro Alunorte, porque eu realmente acredito. Ela é uma empresa fantástica. Eu sempre digo que é difícil eu vender uma coisa que eu não acredito. Pra mim, Márcia, vender uma coisa que eu não acredito. Se você me conhecer, você vai me perceber nas entrelinhas, que a Márcia não está ‘abraçando’ isso aí. E estar aqui me faz vender todo dia coisas que eu acredito: o jeito Hydro de ser, o investimento que a gente faz no profissional, o importar com pessoas. Existe uma importância surreal. Na verdade, surreal para quem entrou. Quando eu entrei nós não éramos Hydro, nós éramos uma outra empresa. E a gente percebe a diferença. É notória. E que bom! Então, eu sempre digo que, para eu sair da Hydro, é bem difícil. Só se for algo muito fora do contexto, que aconteceu, tipo alguma coisa que envolva família, uma coisa assim muito... mas tipo assim: eu querer sair, eu acho que eu tenho tudo aqui, no sentido de apoio, desenvolvimento, é uma empresa que sempre investe, sempre tem dinheiro para investir. Então, eu, realmente, sou aderente a esse jeito Hydro.
(59:27) P1 - Em que momento entrou a maternidade?
R1 - Em 2012. Em 2012 eu... na verdade, em 2011, né? 2011 eu estava grávida da Maria, em 2012 ela nasceu, dia 3 de janeiro. E foi assim: eu, a princípio, eu e o meu marido tínhamos decidido que nós não íamos ter filhos. Isso era uma decisão nossa. Assim, decisão mesmo. E com trinta e cinco anos eu disse: “Não, quero ser mãe”. E era engraçado, que ele falou assim: Mas a gente já não tinha decidido que não?” Eu falei: “Pois é, mas mudei. Mudei. Eu quero”. Ele falou: “Não, mas será que agora?” Ele ficou, assim, meio na dúvida. Eu falei: “Não, acho tem que ser agora, porque senão depois a gente vai ficar muito mais velho”. Enfim, aí a gente decidiu. Aí logo depois eu engravidei, acho que em abril. E em 2012 veio a Maria Fernanda. Super apoiada aqui na minha gravidez, graças a Deus. Eu fiquei trabalhando até o finalzinho mesmo, porque eu não queria perder nada da minha licença-maternidade. E eu fiquei até bem próximo, 15 dias antes de parir a Maria Fernanda, eu estava trabalhando. Depois a obstetra me afastou e eu fiquei 15 dias, aí dia 3 a Maria nasceu.
(01:00:56) P1 - Aí você teve sua licença-maternidade?
R1 - Sim, aí depois ainda peguei mais um mês. Quatro meses, né? Na época era só quatro meses, agora a gente é Empresa Cidadã, né? São seis meses. Mas na minha época era só quatro meses e mais um mês de férias, fiquei cinco meses em casa.
(01:01:2) P1 - Você conseguiu desligar a cabeça do trabalho?
R1 - Consegui, 100%.
(01:01:16) P1 - Que bom!
R1 - Foi um período que, na volta, eu queria largar o trabalho. Incrível! (risos) Foi um momento de... e eu lembro que esse é um ponto marcante. Eu sempre falo isso nas minhas conversas, nas minhas rodas de conversa. O primeiro dia é muito chocante, né? Você fica cinco meses com o seu filho, assim e tal e eu acelerei tudo da Maria, porque você inicia a alimentação após os seis meses. Aí eu fui com a pediatra e falei: “Eu vou voltar, mas eu queria eu dar a primeira frutinha para minha filha, a primeira papinha, por favor”. Só faltei chorar, lá. Ela falou: “Vou respeitar isso teu”. E aí eu fiz tudo isso com a minha filha. Então, todas as primeiras coisas eu fiz. E aí eu entrei, homenagearam, recepção, fotinho, eu chorei, fiquei muito triste. E, na volta, eu sentava, eu ia de ônibus, eu sentava com uma amiga do lado, a Elaine e a Elaine tinha... as filhas dela são bem próximas, então ela tinha retornado fazia pouco tempo também. Gêmeas, as Marias, chama Maria também. Inclusive, uma dela é Maria Fernanda, a minha é Maria Fernanda e uma da dela é Maria Fernanda, também. Aí eu falei assim: “Elaine, ‘cara’, eu acho que eu não vou trabalhar mais, não. Vou conversar com o Argemiro. Eu quero ser mãe”. Aí ela virou pra mim e falou assim: “’Pirou’? É louca, Márcia, acorda. Amanhã a Maria nem vai mais querer que tu a leve na escola. Como é que tu vai voltar pro mercado?” Falei: “Ai, Elaine, sei lá”. Ela: “Não faz isso, não faz isso. Calma, segura, engole o choro (risos) e pode parar com essa história”. Aí, realmente, dessa conversa com a Elaine, ainda teve umas coisas, eu desisti realmente de largar o trabalho. E aí passei a ser a melhor mãe que eu podia ser, com o tempo que eu tinha. E está aí a Maria, hoje com 13 anos.
(01:03:23) P1 – E você foi conseguindo equilibrar, então, vida de trabalho, vida...
R1 - Até hoje. Não é fácil, mas é gratificante. Assim: eu estou em casa, eu estou em casa. Normalmente eu não levo trabalho para casa. Por que eu digo normalmente? Porque existem os momentos que não tem como. Ocorre uma emergência, eu tenho que sair correndo, vim para cá e tal. Mas eu fico por aqui, pela Vila, uns dois dias. Isso é uma decisão minha, não uma decisão da empresa. E aqui, eu saio daqui, adianto algumas coisinhas e tal, mas em casa eu me dedico para a minha família. Então, os outros dias eu vou, fim de semana a gente sai, gente passeia ou a gente fica em casa, mas a gente ali, se ‘curtindo’. E aí a gente está levando. (risos)
(01:04:14) P1 - O que vocês gostam de fazer?
R1 - A gente gosta de viajar, eu gosto muito de viajar. Mas também passear, conhecer lugares novos em Belém. Ah, inaugurou outro lugar, vamos lá. Parque, cinema, a gente vai, a gente tem uma rotina aí de ir ao cinema, algum filme legal para um dos três a gente vai e assiste. Resiliência, porque cada um vai ter que assistir o que o outro não gosta. (risos) Enfim, o que o outro gosta, mas você não gosta, a gente vai lá e assiste. E a gente gosta muito de estar em casa também. A gente mora em casa, a gente decidiu morar num condomínio um pouquinho mais afastado, mas pelo menos a gente tem mais espaço. A gente ‘curte’ ali, o nosso espaço também, mas viaja. A gente tem uma regra, de viajar todos os anos. Todos os anos a gente tira um momento ali, nas férias e vai conhecer algum lugar.
(01:05:11) P1 - Estando aqui trabalhando, o que você pôde oferecer para sua filha, pra sua própria vida?
R1 - Poxa! Muita coisa além do que eu tive, do que eu e o meu marido. Meu marido também é um ‘cara’ muito batalhador. Eu, inclusive, até é um medo que eu tenho, porque a Maria não vai ter as dificuldades que nós tivemos. Hoje a gente... a Maria conhece quase todo o Brasil. Eu fui viajar a primeira vez de avião, aqui. Então, já era... já estava formada, né? A Maria já chegou num quarto com ar-condicionado, uma cama só para ela, papapa, carro. Estuda numa boa escola em Belém, nunca estudou num colégio público, né? A gente vai fazer a nossa primeira viagem internacional, nós três agora, também, então são coisas que é o meu trabalho e o do meu marido que está proporcionando, né? E tantas outras coisas, né? Hoje a gente... eu acho muito engraçado, às vezes eu fico pensando... eu não repito muito isso pra ela, porque senão se torna chato, né? Mas em alguns momentos eu digo pra ela que... ah, a gente vai no shopping comprar bolsa. Mochila, né? Vamos comprar a mochila da escola. Eu não tinha isso, era o que tinha. Minha avó chegava: “Olha, está aqui a sua mochila”. Eu não, né? A gente vai lá, ela vai: “Não, mãe, isso aqui eu não gostei, isso aqui não gostei, eu quero essa”. Vamos lá, às vezes até compra uma coisa que... muito... aquela mochila lá, do macaquinho, eu digo: “Gente, vai durar cinco anos, está bom? Vamos comprar, mas você vai usar”. E ela usou cinco anos, porque eu defino, mesmo que eu canse, nossa, cinco anos, até eu já queria ter trocado. Mas não, o nosso combinado foi cinco anos, vão ser cinco anos, porque foi muito caro, então tem que compensar. Então, eu tento equilibrar, mas eu sei que eu dou pra ela muito mais do que... muito, muito, muito mais do que eu tive. E aí isso acaba também me gerando uma certa preocupação, em algumas coisas. Agora, para mim, com certeza, eu me permito, eu me permito. Meu marido é mais conservador com relação a custos, gastos. Eu não, eu já sou mais ‘mão aberta’. Eu estou a fim de conhecer tal lugar. Vamos, deixa eu ver logo aqui, vamos organizar, vamos lá. Estou a fim de comprar tal coisa. Então, eu não me privo. Talvez pela situação que eu passei, eu seja mais ‘mão aberta’, nesse sentido.
(01:07:47) P1 - E você foi conseguindo oferecer para sua avó um tanto mais também, ao longo da sua carreira?
R1 – Consegui, mas não tanto quanto eu queria, porque ela faleceu tem 15 anos aí. Consegui mudar algumas coisas, mas eu ainda ganhava muito pouco. Não que eu ganhe muito agora, mas com certeza, com os anos a gente vai, né? Mas até o que eu pude, sim. Eu consegui proporcionar para ela algumas coisas que eu gostaria de ter proporcionado.
(01:08:20) P1 - Alguma coisa que você quer contar que, para ela, foi especial? Não precisa ser de coisa de valor, algo...
R1 - Eu acho que especial, para minha avó, foi ela ter sido minha paraninfa. Tem até a fotinho dela comigo, no meu slide, que normalmente eu coloco na rede de conversas, na roda de conversas que me chamam, né? Que eu acho que foi um momento muito marcante eu ter conseguido vencer na vida. Pra ela, isso foi o vencer, né? E ela estar lá também, na minha defesa de dissertação de mestrado e tal. Então, isso, pra ela, foi muito importante.
(01:09:02) P1 - Você chegou a casar? Casar, festa, igreja, essas coisas?
R1 - Não, porque eu nunca valorizei muito, assim, isso. Adoro festa! Mas, assim, casar, eu ficava: “Ah, não pra quê?”, né?
(01:09:15) P1 - Mas ela deve ter ficado feliz quando te viu também acompanhada.
R1 - Sim, porque quando eu acabei, realmente, indo morar e viver mesmo com meu marido, ela já tinha falecido. A gente só era namorado, na época. Mas com certeza ela ver que eu estava com uma pessoa de bem, com propósito, com objetivo na vida, a deixou mais tranquila. Com certeza. Ela era ciumenta, tá? (risos) Mas eu imagino que ela tenha ‘curtido’.
(01:09:52) P1 - E histórias engraçadas que você viveu aqui dentro? Divertidas, momentos importantes para você. Você falou de um show.
R1 – Show?
(01:10:02) P1 - Do A-ha.
R1 - Ah, então, do A-ha, o que eu achei coincidência é porque a Hydro teve uma comemoração aqui, que eu não me lembro exatamente, sou péssima de memória, gente, que o A-ha veio e a coincidência foi que a primeira dança que eu fiz no Rêgo Barros foi com uma música do A-há. Então, nossa, foi muita coincidência. Mas eu acabei nem indo nesse show, porque o meu marido não estava bem, alguma coisa assim, a gente... era aqui e eu estava em Belém, então eu não vim. Mas, assim, situações engraçadas: a minha avó me fazia situações engraçadas todo tempo. Eu falo os termos dela, o povo ri demais. Tem uma engenheira que está comigo desde muito tempo, que é a Dani e eu falo os termos que a minha avó falava e ela ri muito, porque minha avó, a gente dizia assim: antigamente não tinha celular, então era telefone fixo. Então, eu ficava lá, com o namoradinho, no fixo, um tempão. Aí ela dizia: “Márcia, por você está nesse telefone tanto tempo?” Falei: “Com um amigo” “Ah, essa ‘galera’ acha que o meu nariz é furado assim”. Ela queria dizer com aquilo que ela não era boba, mas eu não sabia, não tinha nexo, né? Meu nariz assim. Aí eu disse: “Tá”. E eu falava isso pra Dani, a Dani: “Mas Márcia, por quê?” Eu falei: “Por favor, não tenta procurar o ‘sexo dos anjos’”, porque ela falava isso. E a gente ria, eu ria. Outra expressão dela, que era muito engraçada: ela sempre foi uma mulher muito trabalhadora, não parava. Então, as vezes a gente estava sentada e ela trabalhando. Ela dizia assim... ela parava: “Tu não quer pegar um pedaço de pau e dar na minha cabeça logo, para eu morrer? Porque eu estou aqui, trabalhando que nem uma condenada e vocês estão aí, sentados”. Eu falava: “Está bom, a senhora quer ajuda? Tá, vamos lá, vou lhe ajudar”. Então, ela tinha umas coisas que a gente ria demais. Então, todos os eventos em casa, as situações, a gente ria. E várias, várias, várias. Ela não chamava palavrão na frente desse meu tio, porque ela super o respeitava. E, assim, quando ela soltava alguma coisa eu achava muito engraçado, porque eu fazia de propósito, que ela soltasse na frente dele, porque eu dizia que ela era outro ser perto dele, brincando. Mas é porque ela tinha um respeito muito grande por ele. E ele era um ‘cara’ também que... um filho exemplar. E ela ficava toda preocupada. Mas com a gente não, ela ‘soltava o verbo’, sabe? Chamava palavrão. Eu dizia: “Nossa, eu queria muito que o Nilson estivesse aqui, pra ver senhora aí, nessa sua ‘vibe’ aí, toda chamando palavrão”.
(01:12:32) P1 - Ela faleceu com quantos anos?
R1 – Setenta.
(01:12:35) P1 – Jovem.
R1 - Jovem. Câncer, de pulmão. Foi fumante desde os 12 anos, porque trabalhava... como é que chama? Eu não sei, eu só sei que tinha que ficar fumando, para espantar - eu digo para ela que essa era a desculpa dela - lá os mosquitinhos, porque ficava na roça. E aí fumava, mas fumava tabaco, acho, na época não era tão agressivo. Mas eu acho que criou e enfim, ela fumou muito tempo, prejudicou um lado do pulmão dela com enfisema e depois, por um erro do médico que a acompanhava, ficou com câncer do pulmão e veio a oferecer. Ela fez setenta anos - o aniversário dela é primeiro de abril - e faleceu em agosto. A gente ainda comemorou os setenta anos dela. Foi cedo mesmo. Podia ter ficado mais um tempinho com a gente.
(01:13:37) P1 - E hoje, como está a sua vida?
R1 - Hoje a minha vida eu acredito que está bem. Tem os desafios diários, né? Minha mãe mora comigo, a minha mãe, com 42 anos, acho, foi 42, ou 44, teve um AVC, então a minha mãe tem pouca mobilidade do lado esquerdo dela. Ela ficou morando só um tempo, mas depois que eu mudei para uma casa, ela conversou comigo, dizendo que achava melhor morar comigo e aí ela passou a morar comigo. Aí eu tenho uma senhora e uma adolescente em casa, mas está tudo normal. (risos) A minha mãe faz terapia, fisioterapia quase todo dia, para poder não travar mais do que já é e isso realmente é um grande ponto de observação na minha vida hoje, essa questão da saúde dela. De resto, eu acredito que eu estou muito bem. No geral, eu me vejo assim, numa família normal, que está tudo bem. Meu marido tem uma oficina mecânica e trabalha bastante, por sinal. Chega até mais tarde do que eu, em casa, às vezes. E a Maria é uma adolescente que realmente não nos dá trabalho. Uma menina que é uma boa aluna, sempre está ganhando os troféus de melhor aluna, lá do Acrópole. E a normalidade de adolescente, questiona bastante algumas coisas, mas que bom que questiona. E a gente vai seguindo como uma família formal, eu acho.
(01:15:22) P1 - E essa relação da avó com a Maria você acha que, de alguma forma, morando juntas, tem essa aproximação?
R1 - A Maria tem uma característica: ela puxa muito pro meu marido. Meu marido é muito na dele. Ele é uma pessoa que, se ele chegar aqui, se você não puxar conversa com ele, ele vai ficar calado o tempo todo. Mas não é por nada, é o jeito dele. E a Maria tem muito disso, a Maria é muito na dela. Então, sim, eu acredito que a relação, o fato da mamãe estar lá é legal pra ela estar. Ela conviveu também muito com a avó paterna. Minha sogra tem dois meses e um pouquinho que faleceu e ela era uma mulher muito presente na nossa vida. Uma segunda mãe para mim, minha sogra. E a gente sentiu bastante, a Maria sentiu muito. Então, ela estar lá com a minha mãe, com certeza é bom para os laços, tanto para a minha mãe, como para ela. A minha sogra já estava convivendo com a gente. Um tempo ela ficava uma semana por mês em casa, então tinha um quartinho para ela, porque ela já estava com demência. Então, para dividir o trabalho com a minha cunhada, a gente construiu um quarto embaixo, para ela e ela já estava. Então, gente estava também com muita convivência com a minha sogra. Mas, assim, minha sogra... acho que eu convivia mais com a minha sogra do que com a minha mãe, porque todo domingo a gente estava com a minha sogra, ou ela na minha casa ou eu na casa dela, ela fazendo almoço. Então, isso foi uma coisa que realmente marcou muito a gente, né? Então, perdê-la, a gente ainda está meio sentido.
(01:17:14) P1 - E sonhos? Você tem sonhos?
R1 - Hoje o meu maior sonho é eu realmente ver a Maria independente, uma pessoa que se sustente e que seja bem resolvida. Hoje é o meu maior sonho. Porque, para mim, hoje a juventude está tão desapegada das coisas e isso me preocupa muito. Eu te confesso que hoje é uma das minhas grandes preocupações. O meu trabalho, eu sei que eu arregaçando as mangas, eu vou, faço, eu estudando, eu buscando, enfim. É uma coisa que está na minha mão. Agora, o futuro da minha filha, não. Eu queria que estivesse, (risos) mas não está. Então, hoje o meu sonho é conseguir realmente deixar esse legado para minha filha, no sentido dela - porque ela é filha única - conseguir se manter, de não ser uma pessoa dependente, não só financeiramente, mas emocionalmente também, né? Para ela não sofrer, não ter muitos baques da vida. Então, esse é o meu maior sonho hoje.
(01:18:42) P1 - E ela já diz mais ou menos o que ela quer para ela?
R1 - Não. (risos) Eu acho que é questão da geração. Eu converso muito com ela. Eu sou uma pessoa que conversa muito, assim, para não ter desculpas, porque eu já escutei jovens dizendo assim: “Ah, eu fiz isso porque minha mãe não conversou comigo, meus pais não conversaram comigo” “Ah, aconteceu isso porque...”. Então, para eu não ouvir dela isso, eu sempre sou muito clara e transparente, né? Sentar e conversar. Então, em todas as etapas eu sento: “A partir de agora é assim, assim”. Então, essa etapa está no sétimo ano. Não, ela está no oitavo ano. Então, tem mais o nono, aí ela vai para o ensino médio. Eu digo: “Filha, é assim: tem que começar a pensar, tipo, qual a matéria que você gosta”. Aí eu conto muito a minha história: “Diferente do teu pai, que sempre quis ser mecânico, ele nasceu... eu não. Eu só sabia que eu gostava muito de matemática. ‘Curto’, então tenho que... então, tu tens que começar a fechar esses nichos: “Espera aí, eu gosto muito de história, gosto muito de matemática, biologia. E aí, pra você começar...”. Porque eu já falei pra ela: “Tô preocupada, filha, né? Porque senão amanhã você não vai saber o que você quer pra você”. Porque ela já pulou de várias, tá? Mas é natural, tipo: ia para pediatra: “Quero ser pediatra”. Depois começou a ir para dentista: “Eu quero ser dentista”. Depois começou a gostar muito, fazer vôlei: “Ai, eu quero ser professora de Educação Física”, entendeu? Aí, ama a Fórmula 1, a influência do meu marido. Aí teve uma época que ela queria ser engenheira mecânica, para poder trabalhar, mas nada assim muito... isso me preocupa, se bem que ela só tem 13 anos, né? Aí ela falou: “Não quero nada de matemática”. Eu falei: “Então o quê? Quer história? Gosta de história? E aí, você se vê?” Enfim, eu tento não ser muito pesada nesse sentido, mas para ela começar a despertar, para poder escolher. Para ela não ficar baratinada ali, naquilo: “O que eu faço?” Ou então: “Vou fazer isso, não gostei”, sai. Como eu vejo filhos de amigas minhas, porque eu comecei um pouquinho mais tarde, então eu tenho amigas que já têm filhos que já estão na faculdade e que está tendo ‘perrengue’, porque começou a fazer um curso: “Ah, não, bem, não era bem isso que eu queria, mas também não é muito o que eu queria”. E o tempo vai passando. E aí, essa é uma preocupação com a Maria.
(01:21:30) P1 - Mas tem tempo.
R1 - É, eu acho. (risos) Mas eu sou ansiosa. Então, pra mim, eu já queria que ela tivesse na cabeça dela: “Eu quero ser...”. Porque o que eu digo pra ela é o seguinte: “Escolha e seja melhor no que você escolher. Não tô aqui pra dizer qual é a profissão que você precisa, não, fazer”. O meu marido é diferente. O sonho dele é que ela seja engenheira. Eu falei: “Não coloque os seus sonhos nela. Você não fez? Ótimo. Fechou o seu sonho. Deixa que ela escolhe o sonho dela. Eu sonho a ser, eu quero ser, sei lá, professora”. As tias dela todas são professoras. “Quero ser professora de história” “Ótimo. Seja a melhor professora de história”, porque aí o resto acontece naturalmente.
(01:22:13) P1 - Você se vê passando seus aprendizados para ela, né?
R1 - Vejo. Eu converso muito com ela, assim. Não sei se se internaliza ainda, né? Está nessa explosão de hormônios aí, de adolescência, né? E eu acho natural que talvez não absorva, mas eu tenho certeza que alguma coisa fica ali, né? Algum pontinho, tenho certeza que vai. E é diário, tá? Todas as oportunidades que eu tenho. (risos) E eu tenho que puxar, porque eu volto dizer: ela é calada. Ela é do tipo que: “Como é foi a escola?” “Boa”. Encerrou. Eu falei: “Encerrou?” Então, eu tenho que saber fazer as perguntas pra ela: “Mas me conta, o que foi mais interessante hoje na escola?” E, às vezes, quando ela não está a fim, ela diz nada. Enfim, (risos) é assim.
(01:23:02) P1 - Você fez cinquenta anos?
R1 - Eu vou fazer cinquenta, agora em novembro. Eu estou com 49. Novembro, dia 28, eu faço cinquenta.
(01:23:12) P1 - Te representa alguma coisa importante?
R1 - Eu acho que é um ciclo, meio século. É olhar para trás e ver o que já fez, o que conquistou. São muitas conquistas, são várias coisas. E eu vou até... estou até organizando o meu debut. Eu não debutei. Eu falei: “Não fiz festa de 15 anos, mas os de cinquenta eu vou fazer”. Eu já estou organizando, porque eu sou assim, organizo com meses de antecedência. Então, desde... minha sogra faleceu, eu falei: “Não vou fazer, né?” Aí passou um mês e eu falei: “E aí, amor, o que tu achas?” Ele: “Não, vamos fazer. Minha mãe ia gostar muito de estar aqui, comemorando os seus cinquenta anos”. Então, pra mim, acho que vai ser um marco, sim. Vou estar passando aí de meio século, acho que é um tempo interessante.
(01:24:09) P1 - É uma festa?
R1 - Vou fazer uma festa, uma noite paraense. Diz muito de mim, eu adoro o Pará, gente. Eu nunca tive, assim, vontade, já tive muitos convites pra sair, porque a minha área é uma área muito específica, então, tive muitos convites, tanto pro Brasil, como pra fora do Brasil. E eu sempre declinei. Eu acho que eu tomei as decisões certas, porque agora eu tô com a minha mãe, acaba que eu o apoio dela, né? Mas, enfim, eu espero que a Maria não tenha essa mesma postura. Eu quero que ela vá, viaje, faça lá o intercâmbio dela, volte, viaje novamente. Eu quero que ela seja mais... eu me senti muito exigente comigo mesma, em algumas coisas, de ter, de crescer, de... talvez, se eu tivesse relaxado um pouquinho, eu viajasse mais, no sentido de me permitir a ir para um outro... vou trabalhar ali, num outro estado, para conhecer, depois eu volto. Eu acho que isso enriquece. Mas, como eu sou muito conservadora, estou há vinte anos na Alunorte. (risos) Eu decidi não sair, decidi ficar.
(01:25:25) P1 - E no Pará, né?
R1 - E no Pará. É, ainda tinha a oportunidade de poder continuar na Hydro em outros estados, em outros países, mas nunca me interessei, não.
(01:25:37) P1 - O que, para você, é importante hoje?
R1 - Hoje, qualidade de vida e proporcionar isso para as pessoas que estão comigo, dentro do possível. Eu acho que hoje as pessoas confundem. Você tem escolhas, eu sempre digo assim, a gente trabalha na manutenção, a manutenção você vai ser chamada em algum momento fora do horário. Mas vamos diminuir esses tempos, vamos ter qualidade de vida quando você estiver em casa. Não quero ninguém passando mensagem no trabalho, quero que você esteja na sua casa. Isso, pra mim, é o sinônimo de qualidade de vida, você estar bem fazendo uma coisa que você gosta, um hobby. Não sei, cada um escolhe a sua maneira, mas hoje, assim, pra mim é qualidade de vida mesmo.
(01:26:34) P1 - E seu maior aprendizado, nesses vinte anos?
R1 – (suspiro) Essa pergunta é difícil, né? Meu maior aprendizado é que a gente tem que ser resiliente, esperar, fazer a sua parte, que as coisas acontecem. A gente não pode ficar sentado, mas se você... tudo que você quiser, isso não é demagogia barata, se você se permitir a ter um pouco de suor, de... às vezes até algumas... deixar algumas coisas para trás, você consegue. Tem uma palavra bonita, que eu esqueci. Abdicar de algumas coisas, você consegue. É um abdicar agora para amanhã você chegar naquele seu propósito, no seu objetivo.
(01:27:30) P1 - Tem alguma história que você viveu, que você gostaria de contar, que é importante para a tua história de vida? Algum momento que para você é muito importante?
R1 – Eu tive vários momentos importantes, até falei um da questão da rede de mulheres, que eu achei que foi bem legal.
(01:27:47) P1 – Não digo só profissional, da sua história de vida mesmo.
R1 - Pessoal também, né? Olha, eu acho que... estou pensando, tá? (risos) Foram tantos momentos que... eu tenho mania de minimizar as coisas que eu faço. Isso é uma coisa que a Raquel também brigava muito comigo. Mas, assim, a gente... eu me lembro, quando eu entrei na faculdade, quando a minha avó me dava lá os três reais e eu gerenciar esses três reais pra eu passar o dia todo (risos) era interessante, porque eu estudava engenharia no profissional da UFPA, né? E o RU era o básico e a UFPA era imensa, não sei se vocês conhecem. Então, eu tinha que sair e o RU tinha um horário e o meu horário na engenharia era de oito às 14, que nós tínhamos aula, então eu fazia uma estratégia, eu fazia um esquema, para poder chegar a tempo de almoçar no RU, ficar na fila e comer. Então, isso, assim, todo dia, vários meses, vários anos, foi um ponto que eu queria muito, viu, porque hoje isso é uma coisa que me preocupa, nessa juventude e isso envolve a minha filha. Eu não sei se teria toda essa resiliência de: “Poxa, eu vou sair”. E ia reclamar muito: “Ai, meu Deus, eu tenho que andar, porque tem esse sol?” Porque às vezes isso me cansava. Eu queria muito poder ter dinheiro, para eu comer ali, num restaurante, no profissional. Porque eu tinha que ir, eu tinha que voltar, porque a aula ia... e aquilo, nossa, era cansativo. Assim como era cansativo também eu ter que tirar cópia de livro, porque eu não tinha dinheiro para comprar. Tudo isso foi muito marcante para mim. Então, tudo que veio depois foi muito simples. Quando eu entrei aqui, eu lembro que teve uma pessoa que falou assim para mim: “Você vai ter que puxar cabo. Não pensa que porque tu é engenheira, que tu não vai puxar cabo. E vamos logo, tem que entrar aqui no porão”. Pra mim estava ótimo, eu estava puxando o cabo e ganhando bem. Que bom! “Vamos lá, ‘bora’, estou dentro”. Então, talvez por isso eu minimize algumas coisas que eu deva ter passado, porque ali a minha infância foi boa, mas ela foi restrita. Quando a minha avó decidiu, como meu vô, construir uma casa nova, nós não tínhamos nem cama. Era banco. Então, tudo que vem depois já é melhor do que aquilo. Ah, tinha muito amor, minha vó era uma pessoa conversava muito: “Olha, a gente vai sair dessa. É só um momento, aqui”. Eu lembro que o Ver o Peso foi reformado e na reforma tiraram os feirantes e colocaram para um outro lugar. Isso foi muito ruim, financeiramente falando. Então, era um período que a gente comia ovo quase todo dia, mas ela sempre chegava e dizia assim: “Isso vai passar. Calma”. (choro) Então, talvez isso tenha feito com que o resto possa ter tido dificuldades, mas foi menos do que aquele período. Talvez por isso eu minimize algumas coisas. Mas por isso que eu, às vezes, as pessoas chegam para mim: “Não, você não passou por isso”. Eu falo: “Opa, eu tenho lugar de fala. Passei, sim. Vocês me veem hoje aqui, mas não sabem o passado”. Então, eu tento não passar isso para minha filha, no sentido de dizer: “Nossa, sua vida está muito fácil, porque a vida da tua mãe e do teu pai não foi fácil, não”. Porque é uma outra geração, é um outro pensamento. Então, não adianta agredir a pessoa com isso, assim, os jovens e ela. Mas talvez isso tudo eu estou falando para justificar o que para uma outra pessoa deva ter sido assim: “Nossa, isso é fantástico”. Para mim foi legal, porque eu já passei por situações assim... e isso, os treinamentos da Alunorte foi me desenvolvendo também a não querer que todos fossem iguais a mim, porque nem todo mundo teve a minha história, de querer: “Márcia, nem todo mundo passa por uma situação difícil como você passa. E está tudo bem, calma, não espere da outra pessoa a sua reação”. Isso eu fui trabalhando e hoje eu realmente tento entender a história da pessoa, para então eu dizer; “Não, faz assim, acho que se fores por esse caminho é melhor”. Porque eu sempre digo assim: “’Cara’, tem gente que passa por coisa muito pior e está tudo bem, você está passando por isso”. Eu tinha muito essa visão. Agora não mais, porque um amigo meu falou para mim uma coisa que me marcou. Ele falou assim: “Nem todo mundo é tão forte quanto tu. Tem cuidado com o que tu fala com as pessoas”. E aquilo, assim, me marcou, porque eu falei assim: “Nossa, ele tem toda razão”. Ele estava reclamando que não estava conseguindo emprego, que não sei o quê. E eu lá, falei: “’Cara’, meu, vai todo dia, bate nos lugares, se ‘vira’”. Eu fui um pouquinho agressiva, acho, na hora. E aí ele saiu com essa pra mim: “Nem todo mundo é forte como você”. Eu falei: “Está certo. Você tem toda a razão, desculpa”. Aí, com isso, foi um marco. Eu realmente mudei muito nesse sentido de realmente ver o que é aquela pessoa, em que contexto ela está. É isso.
(01:34:17) P1 - E o que você fez com tudo isso que você viveu também?
R1 - É. Isso mesmo. É, teriam pessoas que se revoltariam, né? Por exemplo: a minha irmã passou de forma diferente. Mas é porque é o jeito dela, é outra pessoa. E eu não, eu encarava numa boa. Tipo: compra roupa uma vez no ano, no Raimundo Marreteiro. Eram umas barracas que tinha, no comércio. Eu achava o máximo ir lá. Era uma vez no ano que a minha avó ia lá, próximo de Natal e Ano, pra gente ter roupa. E só, não tinha mais roupa durante o ano inteiro. E a minha irmã já foi diferente. Então, quando chegou num momento difícil, pra ela era mais difícil passar por dificuldade. Pra mim era tudo bem. Falei: “Está ótimo”. E pra ela não. E aí a gente tinha os impasses com relação a isso. Eu falei: “’Meu’, por que você está sofrendo?” Ela falava: “Eu não tenho culpa, se você passa bem, eu não passo bem dessa forma”. E a gente tinha umas discussões, porque quando envolve família a gente acaba querendo que a outra te entenda de qualquer forma. Mas são seres humanos, cada ser humano é um universo.
(01:35:33) P1 - Para você o que significa fazer parte, então, desses Trinta Anos de Alunorte?
R1 - Orgulho. Sentimento de pertencimento. Eu acho muito legal. Quando eu entrei aqui, eram três linhas de produção e hoje são sete. Então, eu participei de quatro implantações, de quatro novas linhas. E isso me deixa num orgulho danado. Porque saber que eu trabalho na maior produtora de alumina do mundo, que a gente tem o maior parque de automação, de energia e tudo é a gente que toma conta. Então, isso me deixa muito feliz.
(01:36:16) P1 - E ser escolhida como uma - de tanta gente que trabalha aqui - das pessoas para representar?
R1 - É um pouco chocante. (risos) Eu sinto um prazer imenso e ao mesmo tempo eu sou uma pessoa muito que gosta de ficar em bastidores, essa é a grande verdade. Então, essas exposições, é novo para mim também. Por exemplo: falar aqui minha vida para pessoas estranhas, chorar. Nossa! (risos) Quem vê esse vídeo vai estranhar. (risos) Mas está sendo legal, porque é aprendizado. É uma forma que eu acredito, da empresa dizer assim: “Você literalmente representa a gente”. É legal.
(01:37:00) P1 - Então, como que você se sentiu contando a sua história para a gente e sabendo que ela vai ficar lá, na íntegra, pra você, pra sua filha, pra quem quiser, depois, assistir?
R1 – (suspiro) É, eu acho que eu não sei nem dizer. É emocionante, né, você poder mostrar pra outras pessoas a sua vida, o que você passou. Muito legal.
(01:37:26) P1 - Obrigada.
R1 - De nada.
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