Entrevista de Denise Aparecida Chagas Ferrinho
Entrevistada por Lila Schnaider, Nair Pereira de Souza e Ricardo
São Paulo e Barra Bonita, 23/11/2021
Projeto: Todo lugar tem uma história para contar - Barra Bonita
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: PCSH_HV1149
P/1 - Você poderia começar falando o teu nome completo, local e data de nascimento.
R - Eu me chamo Denise Aparecida Chagas Ferrinho, eu nasci em Barra Bonita, sempre morei aqui.
P/1 - Você costuma usar o teu nome completo ou você usa uma abreviação?
R - O primeiro e último nome. Denise Ferrinho.
P/1 - Qual é o nome dos teus pais?
R - Meu pai se chama Pérsio Chagas e minha mãe Edna Steca Chagas.
P/1 - Eles vieram da onde? Você sabe a origem deles?
R - A origem do meu pai é assim, é misturado um pouco de espanhol e de caboclo mesmo, de índio com português, 50/50 no caso. A minha mãe é de origem italiana, cem por cento, meus avós vieram de lá, meus bisavós aliás, da Itália.
P/1 - Você conhece histórias? Eles contavam histórias?
R - Algumas, minha avó mesmo, a mãe do meu pai, ela nasceu no navio vindo da Espanha para o Brasil, ela foi registrada aqui, mas ela nasceu em um navio, quando vieram da Espanha, a mãe do meu pai. A gente tem muitas expressões, porque ouve das avós incorporada na linguagem da gente, porque fica muito de ouvir sempre. Engraçado que a gente passa para os filhos, porque eu ouço meu filho repetindo as expressões que eu ouvia dos meus avós, da minha mãe, e ouço dele também, impressões do idioma deles, dos meus avós.
P/1 - A tua mãe veio com eles ou já nasceu no Brasil?
R - A minha mãe nasceu no Brasil. Minha mãe nasceu aqui. Meus avós que eram de lá da Itália e da parte do meu pai da Espanha.
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P/1 - Eles contavam, você teve contato com seus avós, eles contavam sobre a vida lá?
R - Sim, contavam que era muito difícil porque vieram para cá trabalhar em busca de novas oportunidades. A parte italiana da família, que é da agricultura, veio atrás de terras para trabalhar. Agora já a parte do meu pai que vieram da Espanha, é mais por parte vieram fugindo da guerra, lá do generalíssimo franco, eles tinham umas posições políticas muito,
diga-se, contundentes, e eles vieram fugidos de lá, a parte do meu pai, da Espanha. Eu ouvia muito, eles não gostavam dos mouros, dos turcos, a gente ouvia muito isso, hoje não, que meu pai ele tem problema de Alzheimer, mas eu ouvi muito disso, muito dele.
P/1 - Tem alguma história mais específica que você lembra que ele contava?
R - Ele conta assim, ainda dá teimosia dos espanhóis, ele sempre falava, ele sempre exemplificava que espanhol estava andando na beira do mar, e o mar vinha e batia nas pernas dele, assim nos pés, e ele dizia assim: “aquieta-te mar aquieta-te” e continuava andando na beira do mar até que cansou e ficou assim, e disse assim: "aquieta-te que eu te engulo todo”, era o mar que tinha que voltar, não era ele, era uma teimosia muito grande, sempre falavam disso da teimosia.
P/1 - E do lado caboclo?
R - Eu tenho pouco contato, porque o meu avô que é do caboclo morreu eu tinha uns dois anos, eu tive pouco contato com ele, mas eu ouvia muitas histórias também, que eles vieram de uma tribo indígena perto aqui Piracicaba, que é uma cidade perto aqui de Barra Bonita, e eles muito ligados na terra, muitas superstições, muito pé no chão mesmo. Eu tenho um irmão que é muito disso também que ele tem muito disso, essa parte eu não tive muito contato com o caboclo, meu avô que era caboclo, bisavô aliás, porque ele morreu, eu era muito nova.
P/1 - E quais eram os costumes da família quando vocês eram crianças?
R - Como assim, você fala?
P/1 - Tinha algum costume que veio do lado espanhol ou veio, o que vocês costumavam fazer?
P/1 - Uma pergunta antes, você tem irmãos?
R - Tenho quatro.
P/1 - Como é o nome deles?
R - O meu irmão mais velho é Paulo Sérgio, o do meio é Ariston Fernando e o mais novo é Anderson José e a minha irmã caçula é Ana Cristina.
P/1 - Vocês costumavam brincar de quê?
R - Sempre muito juntos no quintal de casa, minha mãe não deixava a gente ir para fora brincar, brincava muito unidos, sempre muito unidos. Eu sou a mais velha e sempre tomei conta deles, tudo assim, sempre fui um pouco mãe de todos eles. Inclusive minha irmã caçula, praticamente quando ela nasceu caiu o umbigo, já me deram na mão para eu cuidar que a minha mãe ficou muito doente, a minha mãe dizia que eu era mais mãe do que ela e eu tinha oito anos, e antigamente era assim, a gente ajudava muito.
P/1 - E seus pais trabalhavam com o quê?
R - Minha mãe era dona de casa, ela fazia assim pequenos serviços de limpeza, às vezes lavava roupa, e meu pai era mecânico, em boa parte da minha vida foi mecânico, depois ele passou a trabalhar como gerente em uma loja de autopeças. Ele trabalhou 36 anos no mesmo local sempre. Só ali, muito bem quisto, uma pessoa muito distinta por todos na cidade inclusive.
P/1 - E vocês moravam onde na tua infância?
R - Aqui mesmo em Barra Bonita, eu nasci no centro, me criei no centro de Barra Bonita, no centro geográfico mesmo e sempre morei aqui.
P/1 - Como você se lembra do bairro, como era o bairro?
R - Eu morava no centro de Barra Bonita, as casas antigas, as casas mais históricas do município, o comércio, era um bairro sossegado, a gente brincava com os vizinhos, brincava na rua às vezes com os amigos, era próximo da escola, tudo próximo, farmácia, escola, o armazém daquele tempo era tudo próximo aí no bairro, cidade era muito pequena. É pequena ainda, mas era bem quando eu era menina.
P/1 - Como era as ruas? Você brincava, vocês brincavam na rua?
R - Sim, brincava na rua a noite, a tardezinha, meus pais sentavam para fora, mais minha mãe que meu pai estudou a noite depois de casado, e ele estudou a vida inteira à noite, então minha mãe ficava com a gente ali sentada com os vizinhos e a gente brincava, corria, brincava na rua tudo.
P/1 - Quais eram essas brincadeiras?
R - Pega-pega, esconde, de roda com as meninas, de boneca, essas coisas.
P/1 - Você brincava mais com quem?
R - Mais com meus irmãos mesmo, a gente era bem humilde, uma vizinha que a gente tinha que brincava, mas a gente brincava muito junto com os irmãos.
P/1 - E de amigos?
R - Eu tinha só os vizinhos, os amigos da escola, não era muito apegada.
P/1 - Tinha uma melhor amiga ou amigo?
R - Naquele tempo quando eu era menina você fala, tinha uma menina, ela se chamava Francisca, que ela era minha amiga e a gente brincava muito na escola, ela morava próximo da minha casa, então ela vinha brincar, às vezes a minha mãe deixava brincar um pouco na casa dela, se chamava Francisca, quando eu era menina.
P/1 - Você gostava de ir para casa dela, ela ir para sua, vocês gostavam de fazer o quê?
R - Sim, brincar de boneca, de casinha, às vezes ajudava na casa dela, ela vinha ajudava na minha casa, minha mãe sempre trabalhava, eu sempre cuidei dos meus irmãos. Então ajudava assim também.
P/1 - Tem alguma história com ela que você lembre?
R - Uma história que eu lembro só de brincadeiras mesmo, assim de brincar bastante, tudo assim.
P/1 - Você queria ser o que quando crescesse?
R - Eu sempre quis ser professora e me formei professora só que nunca exerci, meu filho sim, meu filho hoje é professor. Mas eu sempre quis ser, eu me formei, fiz Pedagogia, mas eu nunca exerci, sempre trabalhei em escola, trabalhei trinta anos na escola, mas sempre na parte administrativa.
P/1 - Você lembra da sua primeira escola? Como era? Qual era?
R - Eu me lembro, é escola Doutor Fernando Costa, era o único grupo escolar que tinha em Barra Bonita, depois foi abrindo outras escolas, mas eu gostava muito. No começo não, era muita apegada com os meus pais, chorava muito, meu pai teve que ficar várias horas assim, quase um ano todo no primeiro ano, mas depois comecei, gostava muito de estudar, sempre gostei, sempre gostei muito de ler, de aprender e eu adorava a escola, sempre adorei, e era uma escola grande, para mim naquele tempo ela era imensa, hoje a gente vê que não é tão grande, mas quando eu era menina ela até assustava, que era um sobrado, era uma casa muito grande tudo me assustava por ser daquele tamanho, mas hoje a gente viu que não é bem assim, mas eu gostava muito da escola, e lá eu fiz até… aquele tempo era primeiro ao quarto ano, depois a gente fazia o ginásio, aí fui para outra escola que é onde eu me aposentei trabalhando lá nessa escola que eu estudei a vida inteira, da quinta série no caso até o terceiro colegial estudei nessa escola.
P/1 - E dessa fase escolar, como você era como aluna?
R - Eu sempre fui boa aluna, sempre fui muito dedicada, constante e nunca gostei de faltar, sempre gostei muito de estudar, sei que fui ótima aluna, me esforçava muito para aprender, para querer coisas novas, para querer saber mais não só na escola, naquele período, quando chegava em casa eu sempre queria mais, porque meu pai sempre foi uma pessoa que ele estudava também depois de adulto, e ele sempre forneceu muitas informações pra gente. Então eu sempre quis saber e ele sempre alimentou esse lado da gente de querer aprender mais, mais, mais. Sempre fui boa aluna.
P/1 - Como era a relação com os outros alunos, tinha amigos, tinha uma turminha, como que era?
R - Não, eu sempre fui muito tímida, eu não tinha turminha, nada, eu tinha uma ou duas amigas que a gente era mais próximo e ficava na hora do intervalo, brincava um pouco, mas eu sempre fui muito tímida. Nunca tive de aparecer muito com turminha, essas coisas não.
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P/1 - Você acha que você não ter se tornado uma professora tem a ver com isso?
R - Sim, com a minha timidez, tem sim, tem muito.
P/1 - Fala um pouquinho, se você quiser, se você se sentir à vontade para falar. Como que
era ser tímida na escola, se tinha alguém que te ajudava, era difícil?
R - Muito difícil, porque a gente vê as outras pessoas que tinham mais contato, brincava e eu ficava sempre retraída, muito difícil foi para mim essa época, porque as professoras estimulavam a gente cantar, essas coisas eu não conseguia. Então eu sofri um pouquinho com a minha timidez. Não foi uma coisa fácil de superar não. Eu sempre sofria bastante com isso, para fazer novas amizades, eu sou uma pessoa muito retraída, então para chegar nas pessoas eu não fui muito aberta a novas amizades, sou muito retraída.
P/1 - Nessa fase de adolescência você se lembra de algum momento, alguma conquista nesse sentido de se inserir em alguma turma ou de algum dia que te fez feliz, que mudou um pouco?
R - Nunca fui de turma não, eu comecei a trabalhar muito cedo, eu tinha doze anos quando comecei a trabalhar, então eu trabalhava e estudava, trabalhava e estudava, sempre assim, e ajudava minha mãe com meus irmãos, sempre fui muito presente com meus irmãos, e trabalhar estudar só assim, não saia de turma, de aprontar, nunca fui. Eu sempre fui meio caseira.
P/1 - Não ia para festa, cinema?
R - Sim, até ia, cinema, festas, mas sempre com aquela uma ou duas amigas que a gente saía assim, ia no cinema, ia na praça que a gente falava aqui na cidade, que é uma praça, ficava ali passeando e saia a tarde, em Barra Bonita tem um rio muito bonito que é o Rio Tietê e aqui ele é muito exuberante, a gente passeava muito na beira do rio, eu ia passear muito lá na beira do rio que tem uma praça na beira do rio tudo e ficava muito tempo ali na adolescência. Período difícil também, porque adolescente não é fácil, e trabalhar, estudar não é fácil não.
P/1 - E você trabalhava com o quê?
R - Eu comecei a trabalhar de vendedora na Casas Pernambucanas, aqui em Barra Bonita e ajudava, depois eu trabalhei onde meu pai trabalhava na casa de peças, de autopeças, e depois também uma outra casa de peças que eu trabalhei. Quando eu entrei na faculdade eu tinha dezessete anos, eu comecei a trabalhar na Casa da Criança aqui de Barra Bonita com crianças, porque eu fazia pedagogia e era como um estágio, eu trabalhei quatro anos lá, um período que eu gostava mais, porque eu sempre gostei de trabalhar com as crianças. É isso.
P/1 - O que você fazia com o dinheiro que você ganhava?
R - Pagava a faculdade, quando eu trabalhava, ajudava os meus pais também antes da faculdade e me mantinha com os meus gastos, com sapato, os livros, essas coisas assim. E depois quando eu entrei na faculdade, eu pagava a faculdade e era em outra cidade, era cidade de Jaú, é próximo aqui de Barra Bonita, tinha que pagar o transporte e a faculdade também.
P/1 - E como foi o esse primeiro trabalho nas Casas Pernambucanas de vendedora, conta um pouco?
R - Uma pessoa tímida é difícil trabalhar de vender, porque você tem que abordar as pessoas, e foi um período difícil para mim, porque não tinha muito jeito de chegar para abordar as pessoas, oferecer, mas a gente vai aprendendo, tudo é necessidade, a gente vai aprendendo a conviver assim, mas foi meio difícil para mim logo no começo, porque não tenho essa vibe de abordar as pessoas, sou mais retraída.
P/1 - Teve algum dia que você fez alguma boa venda, que foi uma surpresa durante o trabalho?
R - A gente ganhava por comissão. Uma vez peguei uma venda enorme, de vender e eu vendi bastante. É uma pessoa não muito abastada, mas que antigamente vinha à cidade fazer compras e fazia uma vez por ano, comprava um monte, e deu certo que eu vendi bastante, uma comissão boa deu para comprar um monte de coisa.
P/1 - Depois de trabalhar como vendedora você foi para a Casa da Criança?
R - Não, eu trabalhei em uma casa de autopeças, era mais a parte de escrita, contábil, aí me dei melhor, me dou melhor com os números. É mais fácil para mim, não tinha tanto contato assim pessoal, eu fiquei bem lá, e em uma outra casa de peças também de automóveis que eu fazia o mesmo trabalho com números, com faturamento, com essas coisas, então eu me dei melhor. Eu fiquei bem melhor. Gostava muito de trabalhar lá e conheci bastante pessoas também.
P/1 - Me conta um pouquinho mais dessa fase?
R - Então, eu conheci bastante pessoas, porque a gente vai abrindo o leque, que você tem mais contato com pessoas e eu fiquei mais próxima do meu pai também, porque meu pai trabalhava ali, então se intensificou mais que eu sempre fui muito próxima dele, fiquei mais ainda, trabalhava nessa mesma casa, e a gente via pessoas, meu pai é uma pessoa muito honesta, e vendo ele trabalhar ali, ele teve um caso que, uma falta de material, no caso era pneus e não tinha na região toda e uma pessoa veio procurar ali, foi um ensinamento para mim, veio procurar ali, falou, ofereceu para ele, e ele falou: “não posso vender porque esses pneus são para consumo interno” que tem a usina da barra aqui. Então vender era só para os caminhões. Essa pessoa ofereceu rios de dinheiro para o meu pai, meu pai: “não, eu não posso, não é meu”, um tipo de suborno assim, e eu fiquei do lado e aquilo foi me impactou, meu pai disse: “não, eu não vou, eu não faço, isso daí não é coisa de se fazer”, essa pessoa disse para o meu pai é assim: “você vai morrer pobre com uma camisa só, porque não é possível. Isso eu estou te oferecendo”, meu pai não cedeu. Então, isso foi um ensinamento para mim, tanto é sempre foi muito honesto e ver isso norteou muito minha vida, impactou muito minha vida e eu falo disso para o meu filho, ele sempre falou para o meu filho isso também, sempre contou e isso norteia muito a minha família, esse acontecimento. Ele podia ter se estabelecido com aquela propina no caso, mas ele não aceitou e isso foi um dos maiores ensinamentos que eu tive assim exemplo.
P/1 - O que mais você aprendeu com teu pai, tua mãe, o que ficou?
R - Nossa, minha mãe sempre foi uma boa mãe, tudo, aprendi muito com ela, a ser uma boa mãe também, no caso, assim como o meu filho era muito assim, mas o meu pai, meu pai é meu tudo, meu pai é meu norte, eu aprendi muito, mas muito com ele, me emociono porque hoje ele não pode mais e a gente tem que cuidar dele, sabe? Mas aprendi muito muito, muito com ele, a vida dele foi um aprendizado pra gente, ele é muito querido, muito amado, as pessoas… exemplo de honestidade, nunca achei ninguém que falasse uma palavra dele, quando eu digo, sou filha de Humberto Chagas, as pessoas falam, nossa é assim, assim, ele é inteligente, culto, antes de ficar doente ele lia jornais, enciclopédias, tudo, ele se formou um ano antes que eu na faculdade, e isso para mim era um orgulho, para os meus irmãos, um ano antes que eu, a gente foi colega de escola, na mesma escola, no colegial, ele saiu um ano antes que eu e depois na faculdade também, um ano antes que eu, e ele sempre quis ser professor, mas também não deu certo ser professor de história sempre gostou muito de história e eu tenho verdadeira adoração por história e não deu para ele fazer, ele fez a administração por causa do serviço dele, administração quando ele trabalhava e meu filho se formou em história muito norteado por ele, pena que ele não pôde, ele já estava doente, ele não pôde, mas seria um orgulho para ele. Eles ajudaram a criar meu filho, meu pai e minha mãe, meu filho tem muito dele, do meu pai, tem muitos valores, ele ensinou muito para o meu filho e eu devo muito para ele, tudo para ele.
P/1- O que mais te influenciou, teve algum momento importante da tua vida fora esse que você viu esse exemplo de honestidade? Teve mais algum momento que você lembra que foi importante para você?
R - Tudo, sempre ele ensina com tudo, com exemplos, com tudo, ele é muito família, ele nunca bebeu, nunca fumou, nunca saiu assim fora de casa, sempre trabalhando ele ensinou esse amor pela família pra gente, o centro de tudo e a querer saber, a querer aprender, a querer saber mais das coisas, inspirava o lado da gente de estudar, de progredir, sempre uma pessoa assim, eu não sei nem o que falar de tão importante que ele é na minha vida, sempre foi. Meu pai ele cuidou do meu filho, ensinou, educou, tudo meu filho, que eu sempre trabalhei, meu filho ficava lá, ensinou bastante a parte de mexer com mecânica, ensinava o menino, tudo que eu faço para ele, eu nunca vou pagar tudo que ele fez para o meu filho, nunca.
P/1 - Teve algum outro momento que ele te defendeu de alguma coisa, ou em relação a tua timidez que ele te norteou, alguma conversa que tenha te marcado?
R - Sim, ele sempre orientava: “não, é assim, você tem que fazer assim, assim, você tem que ser mais aberta, você tem que estudar mais, palavras assim, conhecimento das coisas, você vai se sentir melhor para falar com as pessoas, porque você estudou, você sabe, você conhece”. Então, você se sente melhor para falar com as pessoas, para abordar as pessoas, porque aí vocês têm conhecimento de causa. Ele sempre ajudou muito. Era só pedir, - pai assim…"Vem aqui vamos procurar, vamos pesquisar”, sempre ensinou bastante.
P/1 - E na tua juventude como foi quando você começou a sair com os meninos, a namorar?
R - Nunca fui muito de sair assim não, eu namorava assim, namorico de escola, essas coisas, passeava, tinha horário para chegar em casa, meu pai falava minha mãe, mas minha mãe… meu pai não era tão, é horário para sair, para chegar, queria saber quem eram as pessoas que a gente saía, quando eu comecei a namorar meu marido também que foi mais assim. Eu namorei três anos antes de casar, mas eu namorava em casa, vinha em casa. O meu marido nunca foi muito de sair, antes não, antes de começar a namorar ele gostava de carnaval, ia no carnaval, nos bailes, meu pai ia levar, depois ele ia buscar, eu e meus irmãos assim, a cidade é pequena e ele levava, passeava bastante, baile, essas coisas.
P/1 - Como você conheceu o teu marido?
R - Em uma festa na cidade que tinha, ele é cantor e vinha fazer um show na cidade, eu conheci ele em uma festa, em um comício na época das eleições. Conheci ele lá.
P/1 - Ele é cantor, que tipo de música?
R - Não, eu conheci ele em um show, ele estava assistindo o show também.
P/1 - Qual era o show você lembra?
R - O show?
P/1 - Vocês estavam assistindo um show de música.
R - Sim, era uma dupla caipira Mato Grosso e Mathias, a gente assistiu o show, conheci ele aí nesse show.
P/1 - Como foi o casamento de vocês?
R - A gente se casou em 1985, um casamento normal para os padrões da época, a gente fez uma festa pequena, um casamento mais no sentido religioso, nós somos muito religiosos, mas o que interessava mais era a parte religiosa, tanto eu, ele, a minha família é muito religiosa.
P/1 - Mas conta um pouquinho de quando vocês se conheceram, conta com mais detalhes.
R - Ah, como assim? Não sei o que te falar. A gente se conheceu nesse show, foi se conhecendo, como que eu vou te explicar às particularidades da gente, eu não sei te explicar, sumiu minhas palavras. Assim, se conhecendo, sabendo o que ele gostava, o que eu gostava, a gente foi aos poucos se conhecendo, passeando, ele gostava muito de jogar baralho, meu marido quando era assim, a gente ia muito na casa dos meus avós, meus tios jogavam baralho, ele ficava lá, jogava baralho, bastante tempo eu sempre família, muito família, sempre junto com a família, com a minha avó, com o meu pai, com a minha mãe sempre junto, passeava pouco também, não gostava, ele nunca foi muito de passear, então ficava mais em casa mesmo.
P/1 - Vocês, quando casaram, foram morar em que bairro?
R - Nós fomos morar no bairro aqui na Vila Narcisa, em Barra Bonita, nós morávamos, a minha família morava na Vila Operária aqui de Barra Bonita e eu fui morar nesse bairro um pouco mais longe. Uma casa boa até, um bairro bom, mas fiquei pouco nessa casa, até meu filho nascer eu morava nessa casa, o meu filho nasceu acho que morei uns três anos ali, e depois dali eu vim morar mas no centro de Barra Bonita, eu morei dez anos no centro, aqui no centro de Barra Bonita.
P/1 - Chama centro mesmo o nome do bairro?
R - Centro, esses que eu morei mais foi centro, aqui no centro da cidade.
P/1 - Depois desses dez anos?
R - Eu fui morar onde eu moro hoje, que é o Sonho Nosso, é uma casa que nós construímos, ficamos cinco anos construindo, eu fui morar lá na nesse bairro já faz vinte anos que eu moro lá.
P/1 - Por que vocês escolheram esse bairro?
R - Porque é um bairro de casas populares, foi doado o terreno, teve mutirão e foi doado o terreno. Então, nós construímos lá, aos poucos fomos construindo a casa e fomos morar lá, bairro popular, onde eu moro até hoje.
P/1 - Você participou dessa construção do bairro?
R - Sim, participei, a minha casa é o lote um do Sonho Nosso, hoje tem até o quinto, o Sonho Nosso V, mas é o lote um do Sonho Nosso I. Naquele tempo o secretário da habitação aqui era um tio meu, casado com a irmã da minha mãe, e eu participei de tudo desde o comecinho foi feito a escolha do terreno, participei das escolhas, da entrega, de tudo, o bairro não existia, foi formado mesmo o bairro, quando mudei lá não tinha nada, casa nenhuma, ruas, nada, desde o começo.
P/1 - Como surgiu a ideia?
R - Naquele tempo era o governador Mário Covas e ele tinha esse projeto de Sonho Meu e aqui foi Sonho Nosso I pouco mais democrático, e esse foi feito assim nesses moldes de doar o terreno e a pessoa construir a casa. O Sonho Nosso I e II, já no outro as casas eram construídas e depois eram sorteadas para as pessoas, na fase do meu era só o terreno mesmo e a gente construía a casa. Agora é estilo COHAB, as casas são feitas e sorteadas.
P/1 - A sua foi sorteada?
R - Não, não, a minha não, a minha foi construída, eu que construí, eu tenho só o terreno que foi doado e eu construí a minha casa, demorei cinco anos, mas construí todinha ela.
P/1 - E nesse processo todo, nesses cinco anos teve alguma história mais marcante, se você puder contar com detalhes?
R - Era tudo muito difícil, porque a gente tinha pouco dinheiro e era tudo aos pouquinhos assim, nós fizemos o telhado, o telhado caiu, tivemos que refazer tudo, caiu tudo, foi um sofrimento, tivemos que começar tudo de novo, foi muito difícil, uma fase difícil o acabamento, então, a gente pagava aluguel e tinha que construir a casa, e a casa de aluguel que a gente morava também estava caindo, não tinha mais condições de morar lá, foi cinco anos de puro sofrimento, até que nós conseguimos acabar de construir para poder mudar para lá, cinco anos de sofrimento.
P/2 - Eu gostaria que a Denise falasse um pouquinho de quando ela disse que era doado o terreno, que critério eles usavam para essa doação, se tinha que ter alguma renda, se a pessoa tinha que ter condições de construir ou eles doavam aleatoriamente, como era feita essa doação?
R - A gente fazia uma inscrição, e essa inscrição você relatava tudo ali, e ali foi feito um sorteio também do terreno para as pessoas que tinham feito a inscrição, e também a gente tinha que se comprometer que você vai construir, tinha um padrão também as casas, não podiam ficar… tinham que ser rebocadas e pintadas, não podia ser só no tijolo, eles não te davam o habite-se, tinha que ter muro para ficar um bairro mais assim, não ficar meio um jeito de favela, tinha que ter tudo isso, então tinha que ter um comprometimento da construção e tudo. E tem um prazo também. O meu foi em cima.
P/1 - Mas espera aí eu não entendi. Você não foi sorteada? Como eram escolhidas essas primeiras?
R - Nós fomos sorteadas sim, o terreno foi sorteado.
P/1 - Não, eu sei, mas para fazer a casa?
R - Como assim? Eu ganhei o terreno, a casa fui eu que fiz, foi só o terreno que foi sorteado. A casa não, a casa eu construí.
P/1 - Como foi esse sorteio?
R - Tinha um ginásio de esportes aqui na Barra Bonita e juntou-se essas pessoas e o nome das pessoas e foi feito, mas antes foi feito uma prévia para ver se a pessoa tinha condição, não podia ter casa no nome e nem terreno no nome da pessoa, no caso do meu marido. Tinha que ser uma pessoa que não tivesse casa, não tivesse nada assim para poder, como se fosse da Caixa Federal hoje. Você tinha que fazer um financiamento, mas nós não fizemos, nós fomos fazendo assim no puro sofrimento mesmo, mas foi sorteado, foi um sorteio no ginásio de esporte, depois a gente foi para ver o mapa ali do bairro como era naquele tempo, e os terrenos, foi sorteado esse para mim.
P/2 - Você disse que existia um prazo para cumprir com a construção, para terminar a construção a partir do momento que você ganhava o terreno. Você conhece alguém que não conseguiu cumprir esse prazo, e o que aconteceu depois?
R - Sim, eu soube, eu não posso te falar nomes porque os nomes eu não guardei, mas teve casos sim que foi re-sorteado esse terreno porque a pessoa não fez nada ali, nenhum alicerce nem nada, então esse terreno foi de novo para outro sorteio que no caso do Sonho Nosso II, mas entrou ali, a pessoa não conseguiu fazer, tinha pessoas que faziam alicerce, tudo abandonava, então foi tudo feito de novo tinha um prazo sim, era no máximo cinco anos.
P/1 - E os vizinhos do bairro.
R - São vizinhos bons ou eu tive sorte, porque eu sei ali de pessoas que não tiveram sorte não, foi difícil assim a convivência, mas com a graça de Deus foi o bairro foi ficando selecionado, foi tirando as pessoas mais assim, mas eu tenho vizinhos muito bons, pessoas boas, eu moro em frente a uma escola, atravessando a rua é uma escola então não tenho vizinhos de frente, e do lado também é gente muito boa. Então tem um irmão meu que foi meu vizinho também um tempo, nos mesmos moldes também que o meu, foi feito a casa do mesmo jeito que o meu, só que hoje ele não mora mais lá, mas foi feito também assim. Vizinhos bons, pessoas boas, trabalhadoras, é um bairro mais de pessoas trabalhadoras assim. Pessoas que trabalham o dia todo ou a noite.
P/1 - A quanto tempo você mora? E mudou de quando você começou a morar para hoje?
R - Eu moro lá há 21 anos, mudou bastante a infraestrutura do bairro, melhorou muito, só não melhorou o transporte, que transporte público é difícil, é deficitário, mas são em todos os bairros aqui de Barra Bonita não é só lá não e aumentou bastante, então o meu filho ele tem uma casa no Sonho IV, no mesmo bairro que eu, ele foi sorteado também é assim uns cinco minutos da minha casa de tão grande que ficou o bairro, enorme.
P/1 - E como essas mudanças influenciam o teu dia a dia?
R - Melhorou a parte de coleta de lixo e rede de esgoto, a chuva, enchia muito chovia e alagava, foi feito um trabalho bom a de infraestrutura que foi escoando a chuva, melhorou bastante, a gente não conseguia sair de casa quando chovia, também ficou tempo sem asfalto, muito difícil para sair na terra, depois foi com asfalto melhorando as calçadas, as guias fluviais, as valetas, as canaletas que eles fazem na rua, era muito difícil que parava muito lixo na porta de casa, depois foi feito essa canaleta, melhorou muito, está bem melhor, bem melhor mesmo o bairro hoje de quando eu mudei para lá, só mesmo o transporte que é um horror, transporte público não tem mesmo, é difícil.
P/1 - Mas na tua vida, como é essa mudança? Alguma coisa que tenha acontecido em relação ao transporte? Como que mudou a tua vida?
R - Eu sempre trabalhei no centro da Barra e esse bairro é bem afastado do centro. Sempre dependi do transporte público, porque não dirijo, tenho medo, tenho carta, mas tenho medo de dirigir, então o carro fica na garagem e eu uso o transporte público. Teve muito tempo, impactou muito minha vida, porque tempo de chuva, tomava muita chuva, cai muito nos ônibus, machuquei joelho, essas coisas, duas ou três vezes meu filho me pegou do chão, muitas vezes no transporte público, foi muito difícil essa parte, hoje depois da aposentada nem tanto, meu marido também aposentou, então não dependo tanto do transporte público, mas sempre foi um problema, sempre impactou muito minha vida o caso do transporte, morar lá e trabalhar no centro da cidade. Os meus pais moravam no centro da cidade, então tudo para mim era difícil, é uma distância de uns quatro quilômetros e meio assim de onde eu moro para onde eu trabalhava, onde os meus pais moravam, onde meu filho ficava, quando meu filho estudava, então sempre foi a questão do transporte mesmo, difícil para mim lá no bairro.
P/1 - Em relação a segurança?
R - No meu segmento ali no Sonho Nosso I, não tenho problema de segurança não, porque moro em frente a escola e tem a guarda patrimonial, eu nunca tive problemas, eu nunca tive, mas ali no bairro é difícil esse problema mais para cima, onde eu moro a segurança ali é difícil, mesmo onde meu filho morava invadiram lá a casa dele, no carro dele várias vezes, a segurança é precária sim, onde eu moro não porque como tem a guarda patrimonial ali então inibe um pouco, mas a segurança nos outros segmentos do bairro é difícil, é bem precária mesmo.
P/1 - Tem alguma ligação direta assim com tua vida essa coisa da segurança e educação também?
R - Não, assim com a minha vida não, eu nunca tive problemas. Lá do bairro você fala né? Não, eu nunca tive problemas, o meu filho sempre estudou no centro, então ali eu não sei o que falar, que eu trabalhava aqui ele vinha para cá onde eu trabalhava, então meu filho sempre trabalhou também desde pequenininho, e vinha para cá é mais dormitório mesmo.
P/1 - E quais são as vantagens e desvantagens assim de morar lá?
R - Vantagem é a tranquilidade, é longe, não tem barulho a noite, a gente dorme bem. Como meus pais moram no centro, tem muito movimento, barulho, confusão e carro, tudo lá é muito bom. A desvantagem é a distância, porque tudo em Barra Bonita é no centro. Os bancos, o hospital, as farmácias melhores, os mercados, é a distância mesmo tem que vir para a cidade fazer de tudo um pouco.
P/1 - Teve alguma situação assim que você tenha vivido no bairro, alguma situação específica ou por conta de transporte ou por conta de segurança, educação?
R - A parte assim do trânsito, porque eu moro em uma esquina ali, um problema ali é difícil, um bicho que em casa tinha um carro enfiado no muro de casa, a moça foi fazer a curva entrou no muro na minha casa, por pouco se eu não tivesse ali, o meu filho, destruiu tudo, entrou com o carro dentro da minha casa, porque é em uma curva, fez a curva, moro em uma esquina ela entrou, esse que mais me marcou assim, foi um horror até hoje eu tenho aflição, quando eu saio na rua que vem um carro eu tenho a impressão que ele vai entrar dentro da minha casa, mais essa parte de trânsito, mas melhorou bastante, porque mudaram a mão da via, então melhorou um pouco o bairro, no começo era mais difícil.
P/1 - Você e seu marido gostavam de ir para quais lugares em Barra Bonita? De fazer o quê? Como era o lazer de vocês?
R - Barra Bonita mais assim para pescar, para passear na beira do rio, meu marido gosta muito de pescar. Tem um outro bairro rural que é o Baixão da Serra que a gente fala, a gente vai para lá passear, envolve o rio, pesca, passeio, tudo na beira do rio, tem o barco, a cruzagem que a gente faz, tem a inclusa que foi a primeira daqui do rio, então a gente gosta de passear assim, em volta do rio, meu marido é mais de televisão, séries, essas coisas, gosta de ficar assistindo filmes, séries, muito disso. E eu tenho uma amiga há 32 anos que nós somos amigas, nos conhecemos na escola, ela era professora e eu secretária. Nós somos assim, eu falo irmãs de alma. É mais com ela que eu tenho mais contato do que com a minha família com meus irmãos. Tenho mais com ela. Com a minha irmã nem tanto com ela. Falo que ela é uma irmã, ela me considera, veio para Barra Bonita quando casou e a família ficou em Marília e ela adotou minha família como família dela. Os meus pais, meu pai mesmo doente assim já com demência ele se lembrava dela pelo tom de voz, ela chegou um dia e falou: “você sabe quem eu sou?”. “Lógico, eu a conheço, você é a Doris”. E eu saí muito com ela, meu marido não gosta de sair, ele fala: “vê se a Doris quer passear você vai com ela”, a gente anda muito junto, passeio para tudo quanto é lado, mais para Jaú, shopping do Calçado, shopping meu marido não gosta mesmo, e eu já gosto um pouco de passear com ela assim, mas ela é como se fosse família. Eu falo com ela todo dia por telefone, ela vai me buscar, ela vai me levar, ela me leva nos médicos. A gente vai junto, somos irmãs de alma, é uma coisa, não é uma amizade , é coisa de irmão mesmo, e eu passeio muito com ela.
P/1 - Foram tantos anos dessa amizade né? Como é, Dóris né?
R - Dóris.
P/1 - Qual é a passagem mais marcante que cê teve com a Doris na tua vida?
R - São tantas, eu e ela somos unha e carne assim, ela teve uma síndrome do pânico, não conseguia ficar sozinha para nada, então muito na minha casa, ela liga muito, quer saber muito se está doente o que tem, porque que tem, se é isso, se é aquilo, muito assim, e a gente trabalha, passeia, no serviço sempre me levou para tudo quanto é lado, sempre junto, sempre junto. Ela foi madrinha de casamento do meu filho.
P/1 - Mas você fala que tem muitas passagens, muitas passagens, conta uma assim?
R - São tantas histórias assim. Meu filho está lembrando, ela caiu, quebrou o joelho, cuidei muito dela, cuidei na cama, ela ficou na cama, fiquei com ela, ficou internada, cuidei dela assim como se fosse mesmo uma irmã, tem muitas dessas passagens de junto para tudo quanto é lado assim.
P/1 - Teve alguma história engraçada com vocês?
R - São tantas. Não sei se eu posso contar. Dóris é uma piada, ela estava um dia passeando na rua, andando na rua e deu uma dor de barriga nela muito forte, e eu falei: “meu Deus do céu!” Ela: “Eu tenho que ir para casa, eu tenho que ir para casa!”, “Mas Dóris de que jeito agora?”, “Que nada, tenho que ir, eu tenho que ir”. Saiu correndo, falou: “não dá tempo, eu vou parar aqui na casa de uma outra amiga”. Parou, sentou e entrou correndo de lá: “eu preciso ir no banheiro, preciso ir no banheiro”, entrou foi correndo no banheiro, e Dóris não saía mais do banheiro, eu falei: “meu Deus Sheila, o que está acontecendo com a Dóris, ela não sai mais do banheiro”. Demorou um pouco, ela saiu e dando risada. Eu falei: “mas o que aconteceu?” Você não sabe o que eu fiz, em vez de usar o vaso eu não usei o bidê, enchi o bidê, cheguei, sentei virei a tampa assim, enchi o bidê, e agora fiquei lá lavando, lavando e lavando”. “Eu não acredito”, ela é uma piada, sempre foi assim e ficamos horas, e essa história ela conta direto isso, são muitas histórias.
P/1 - E uma história tua com ela?
R - Eu que sou a coadjuvante, mais assim que eu me lembro bem, que eu tenho muito medo de dirigir, então um dia vim, saí da minha casa, peguei o carro e vim para escola, cheguei lá e falava: “meu Deus eu não sei voltar. Como que eu vou voltar para casa agora?” Não tem jeito. Eu liguei para Dóris: “eu não sei voltar para casa”, “ Como você não sabe? Se você veio você tem que voltar!” “Não, eu vou aí a hora que você sair eu vou com o meu carro na frente e você vai atrás”. “Dóris, eu não sei!”, “Você vai sim, porque não tem jeito você vai ter que voltar com esse carro”. E assim foi, ela chegou na porta da escola, eu peguei o carro fui andando atrás dela, até que ela chegou, ela fazia sinais para mim, eu ir caminhando atrás dela com carro, cheguei na porta de casa eu falei: “meu Deus do céu”, estava frio, mas eu suava inteirinha, eu falei: “agora você põe esse carro porque eu não consigo nem estacionar”. Assim ela fez, pois para mim tudo e até hoje eu não dirijo, tenho medo, tenho pavor e ela me leva para tudo quanto é canto.
P/1 - Mas você tem medo de não saber o caminho ou da direção mesmo?
R - Não, eu tenho medo de tudo. Eu sento na frente do volante e me dá desespero. Começo a suar. Tenho medo de esquecer, tenho medo de não saber brecar, tenho medo de tudo. E sei, porque eu sei toda a parte técnica que não pode isso, não pode aquilo, eu sei tudo, só que eu não sei fazer, me dá um desespero enorme, sentar atrás do volante, pronto começo tremer e suar e não vai.
P/1 - Será que tem um porquê isso? Não tem nenhum trauma?
R - Eu não sei te falar o porquê, eu não sei. Que eu me lembre assim não. Eu faço tudo o que eu quero fazer eu faço, tudo que eu quero aprender eu consigo. Não tem o que, se eu disser que eu vou fazer, eu faço. Eu aprendi, eu faço crochê desde os oito anos de idade. Tudo o que cair na minha mão eu faço. “Você não consegue!” “Consigo, eu faço”. Agora dirigir não sei, eu bordo, eu costuro, eu faço de tudo, mas dirigir não, não consigo.
P/1 - E voltando um pouquinho como foi quando você ficou grávida, quando você soube?
R - Meu filho sempre foi a luz da minha vida. Eu sempre amei ele desde o minutinho que eu soube que eu estava grávida. Ele é o amor da minha vida, meu filho. É tudo que eu tenho. Eu sempre, tudo, tudo, tudo, eu fiquei muito feliz, eu só tenho ele, é meu é filho, e eu amei ele desde o minutinho que ele estava na minha barriga, que eu soube, ele é a luz da minha vida.
P/1 - Como você passou a gravidez?
R - Eu tive problemas de pressão, tanto é que ele nasceu muito grande, meu filho nasceu com quatro quilos e seiscentos, e eu não conseguia respirar com oito meses e meio precisou fazer uma cesariana porque não dava mais. Eu tenho uma costela calcificada fora do lugar. Hoje ele tem quase dois metros, um metro e noventa e pouco. Ele sempre foi grande, ele nasceu com cinquenta e três centímetros e quatro quilos e seiscentos. Eu tive um problema de pressão, fiquei internada e o médico disse: “se eu tivesse outro filho poderia ser maior do que esse”. Eu disse: “sabe quando? É nunca, só esse mesmo!” Ele chorava muito de pequeno e tinha um problema no ouvido, então só tive ele mesmo.
P/1 - Você se lembra do dia do parto?
R - Me lembro, nossa, a alegria da minha vida foi, lembro o dia, a hora, tudo sempre, era uma quarta-feira às nove horas, quando ele nasceu grande e uma alegria enorme, lá no hospital, eles traziam tudo assim em um carrinho coletivo, então todos embrulhadinho pareciam pãezinhos assim, e ele veio de lado de grande que ele era, tinha que por ele meio de lado, nem cabia de tão grande que ele era.
P/1 - Como é o nome dele?
R - João Vitor.
P/1 - E o que vocês gostavam de fazer juntos?
R - Tudo, ele sempre foi meu companheiro, tudo, tudo, tudo, meu marido viajava muito, trabalhava fora, sempre eu e ele para tudo, nós fomos muito unidos, ele me conhece pelo avesso e eu também pelo tom de voz eu sei o que ele tem, eu sei se ele está bem, se ele não está, e ele também, ele me conhece pelo tom de voz. Nós somos muito unidos, mais como dois irmãos, porque foi a mesma criação, meu pai e minha mãe que mais educaram ele, nós somos mais como irmãos do que mãe e filho.
P/1 - Ele é introvertido, extrovertido, como que ele é?
R - Não, pelo contrário, ele é muito extrovertido, faz amizade fácil, fala muito, é um menino muito religioso, ele é ministro da eucaristia na minha igreja, sempre foi muito religioso também. É um menino muito bem quisto também. Ele tem 36 anos, mas para mim é um menino.
P/1 - Conta um momento importante de vocês dois?
R - O casamento dele foi muito emocionante, um casamento muito espiritual, até hoje todo mundo fala, e ele se casou há sete anos e todo mundo fala que foi um momento especial, de uma ligação espiritual muito grande, muito forte, minha nora também é muito religiosa e o casamento dele, mas assim a separação, porque nós nunca tínhamos ficado separado, foi meio difícil, porque eu nunca me separei dele para nada, nunca saí, deixei meu filho, se eu pudesse levar ele eu levava, senão eu não ia, e foi difícil a separação bastante, mas pra mim do que pra ele, mas a gente foi levando, porque eu ficava muito sozinha, meu marido viajava eu fiquei um tempo sozinha antes dele se aposentar, morei, fiquei sozinha mais de um ano dormia sozinha, tudo sozinha, mas passou.
P/1 - E como que ele era na adolescência?
R - Meu filho? Ele era danado, sempre foi danado, ele não tem o osso do corpo que não quebrou, todos os dedos da mão, os dois pés, os braços, ele era terrível, gostava muito do esporte, sempre no esporte para lá e para cá, muito, mas assim de sair de ficar para rua perdido assim não, nunca foi, mas assim danado ele era, peralta, eu chegava no hospital a moça já pegava a tala e a faixa e onde nós vamos enfaixar hoje, de tanto quebrado que ele tinha. Todos os ossos.
P/1 - Qual foi a vez que você ficou mais assustada? Como foi?
R - Uma vez que ele tinha oito anos, ele brincando na praça perto de casa onde eu trabalhava na escola ele estudava na escola que eu trabalhava, e ele saiu antes de mim porque eu tinha o horário acabou as aulas e ele foi brincar na praça ali na frente, ele subiu em uma árvore e foi descer da outra, enfiou um galho assim na perna pelas costas, atrás da perna, meu Deus aquele dia foi terrível e chegou no hospital o médico enfiava o dedo todinho dentro daquele buraco, olha ele nasceu de novo, o médico falou que ficou a centímetros da veia aorta para poder dar uma hemorragia. Foi terrível, terrível aquele dia. Com bicicleta também, subia em cima dos carros, ele era um horror, vinha com a bicicleta e só assim, mas aí começou trabalhar cedo, tinha quatorze anos quando começou a trabalhar aqui tinha a Guarda Mirim ela entrou para Mirim. Você vê ele tem 36 anos, ele tem 24 de serviço, 23 de trabalho.
P/1 - E como era a sua reação, como você agia com ele quando aconteciam essas coisas?
R - Desespero total, ficava assim desesperada, chamava meu pai, meu pai correndo com ele para lá e para cá, mas ele é danado, ele era assim. Uma vez também que ele se escondeu de mim, eu procurava e não achava, escurecia, não achava, não achava e tinha uma pracinha perto da minha casa e ele estava escondido em cima e eu não conseguia ver. Veio a família toda que eu tinha perdido o menino, foi um Deus nos acuda, até que o meu irmão conseguiu achar ele e ele escondido com medo de descer. Aí meu irmão disse: “ eu achei ele, você não vai bater nele”, tirei o chinelo e dei umas chinelada porque olha, quase morri naquele dia, ele era danado.
P/1 - E vocês costumavam levar ele para onde quando ele era pequeno, fazer o que com ele?
R - Sempre assim na beira do rio mesmo, passear lá para baixo na casa da dos meus pais, sempre assim, brincar, tinha um tipo de parque na beira do rio e levava ele para brincar, mini cidade da criança chamava, eu levava ele ali para brincar, ele brincava muito ali na areia, nos brinquedos, tudo ali. A gente passeava muito ali.
P/1 - Dava para tomar banho de rio?
R - Não, o rio aqui não é propício para praia só para pesca.
P/1 - Tem gente que pula da ponte?
R - Tem, mas é muito perigoso, é muito perigoso, tem poços de coisa assim no rio, é muito perigoso porque é uma barragem, foi feito uma barragem, então o rio aumentou, o leito do rio aumentou muito e é muito perigoso porque de repente você vai caminhando assim é muito fundo, não dá.
P/1 - Como é morar em Barra Bonita, ou como você vê a cidade, qual a sua ligação com a cidade?
R - Olha, eu nasci aqui, Barra Bonita é é minha terra, é meu lar, sempre foi, gosto muito daqui, não sei se me acostumaria fora daqui, mas hoje Barra Bonita é difícil porque não tem emprego, não tem indústria assim para os mais jovens, vai ficar uma cidade de aposentado, e é muito caro o custo de vida aqui é muito caro, é tudo muito difícil, Barra Bonita é muito difícil. A maioria das coisas que a gente compra para economizar a gente vai até Jaú, às vezes até Bauru que é maior, tem mais coisas, então dá para fazer mais um pouco com o que a gente ganha, funcionário público é um problema.
P/1 - Denise você gostaria, tem alguma história que você não contou que você gostaria de contar?
R - Não, acho que não eu já falei tudo.
P/1 - E o que você está fazendo hoje? O que é que você faz hoje?
R - Hoje eu sou aposentada, faço, além de cuidar do meu pai que é acamado, eu faço crochê, faço santinho de crochê, eu gosto muito, é um trabalho que me completa, faço bastante para eu poder distrair, como não saio muito, fico mais assim trabalhando com isso.
P/1 - E quais são as coisas mais importantes para você hoje?
R - Meu filho, meu marido, minha saúde, coisas assim.
P/1 - Você cuida da saúde? O que você faz para cuidar da saúde?
R - É tão difícil, eu tenho problema no joelho, para caminhar é um problema, vivo tentando. Faço consultas, exames, procuro outros meios.
P/1 - E quais são os seus sonhos?
R - São tão poucos. Ver meu filho bem estruturado, um neto, quem sabe, porque só quer passear meu filho minha nora, não quer saber de neto não, meu sonho é esse.
P/1 - Está bom, queria te agradecer por ter contado sua história.
R - Obrigada vocês!
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