IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Roberto Gomes da Costa, eu nasci na cidade do Rio de Janeiro, em 1933.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Eu me formei em 1955, em Engenharia Química, na antiga Escola de Química da Universidade do Brasil – como era conhecida –, que depois passou a ser Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, aliás, era chamada de Escola Nacional de Química, porque era aqui a sede do Governo Federal. Minha turma foi uma das primeiras que recebeu o título de Engenharia Química.
INGRESSO NA PETROBRAS
Logo depois de formado eu ingressei na Petrobras e, praticamente, este foi meu único emprego. Depois de cinco anos aposentado, eu passei a trabalhar na Petros, na Fundação Petrobras Seguridade Social. Eu entrei na Petrobras em 1956, fiz um concurso para aquele curso de formação do pessoal técnico, porque a empresa era recém-criada, e eu entrei na turma do curso de refinação. Não foi a terceira turma porque esse curso já existia antes da Petrobras ser criada, patrocinado pelo Conselho Nacional de Petróleo. Eu fui da turma de 1956 e terminei em início de 1957, como engenheiro de refinação. Depois, eu fui trabalhar no Centro de Pesquisa, onde também se realizava o curso de refinação. O curso de refinação ao passar do CNP para a Petrobras foi para o Centro de Aperfeiçoamento e Pesquisas de Petróleo, o antigo Cenap, que já não existe mais. O Cenap, além de dar curso, tinha uma das divisões, um dos segmentos que era a pesquisa tecnológica. Terminando o curso de refinação em 1957, iniciei a minha carreira profissional, fui convidado para continuar na parte de pesquisa e também como instrutor dos cursos seguintes, porque tive uma boa classificação, fui o primeiro da turma.
CURSO DE REFINAÇÃO
No início só existia praticamente o curso de refinação, porque na ocasião a Petrobras produzia muito pouco petróleo. A Petrobras começou com duas refinarias: a Landulpho Alves – que a empresa herdou do Conselho...
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Meu nome é Roberto Gomes da Costa, eu nasci na cidade do Rio de Janeiro, em 1933.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Eu me formei em 1955, em Engenharia Química, na antiga Escola de Química da Universidade do Brasil – como era conhecida –, que depois passou a ser Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, aliás, era chamada de Escola Nacional de Química, porque era aqui a sede do Governo Federal. Minha turma foi uma das primeiras que recebeu o título de Engenharia Química.
INGRESSO NA PETROBRAS
Logo depois de formado eu ingressei na Petrobras e, praticamente, este foi meu único emprego. Depois de cinco anos aposentado, eu passei a trabalhar na Petros, na Fundação Petrobras Seguridade Social. Eu entrei na Petrobras em 1956, fiz um concurso para aquele curso de formação do pessoal técnico, porque a empresa era recém-criada, e eu entrei na turma do curso de refinação. Não foi a terceira turma porque esse curso já existia antes da Petrobras ser criada, patrocinado pelo Conselho Nacional de Petróleo. Eu fui da turma de 1956 e terminei em início de 1957, como engenheiro de refinação. Depois, eu fui trabalhar no Centro de Pesquisa, onde também se realizava o curso de refinação. O curso de refinação ao passar do CNP para a Petrobras foi para o Centro de Aperfeiçoamento e Pesquisas de Petróleo, o antigo Cenap, que já não existe mais. O Cenap, além de dar curso, tinha uma das divisões, um dos segmentos que era a pesquisa tecnológica. Terminando o curso de refinação em 1957, iniciei a minha carreira profissional, fui convidado para continuar na parte de pesquisa e também como instrutor dos cursos seguintes, porque tive uma boa classificação, fui o primeiro da turma.
CURSO DE REFINAÇÃO
No início só existia praticamente o curso de refinação, porque na ocasião a Petrobras produzia muito pouco petróleo. A Petrobras começou com duas refinarias: a Landulpho Alves – que a empresa herdou do Conselho Nacional de Petróleo –, e a Refinaria de Cubatão, que ainda estava sendo construída. Depois de algum tempo foram criados outros cursos, houve uma separação entre pesquisa e aperfeiçoamento, mais ou menos nos moldes do que é hoje. Atualmente é muito mais desenvolvido. O Centro de Pesquisa também era algo bem diferente quando nós começamos, era muito pequeno, ele nem era no Fundão, mas na Praia Vermelha, onde também o curso de refinação se realizava. A turma no início não era muito grande, não me lembro do total, talvez umas 30, 40 pessoas, eu não estou bem certo, mas era um curso muito puxado, muito intenso. Havia uma parte inicial de seleção, uma espécie de curso preliminar que levava uns três meses. Nesse curso as pessoas eram selecionadas para continuar ou não no próprio curso de refinação. Isso continuou durante alguns anos até que a parte de pesquisa foi para o Fundão, em 1965 ou 1966. Eu nem cheguei a ir para o Centro de Pesquisa, porque, em 1966, eu fui convidado para criar um grupo de pesquisa operacional na Petrobras, me afastando da parte de pesquisa.
IMAGEM PETROBRAS
Naquele momento, a Petrobras, sem dúvida, estava se iniciando, mas tinha um futuro muito promissor, ninguém duvidava, era um anseio de todo povo. Era uma conquista realizada a duras penas e todos acreditavam. Eu estava formado numa área muito compatível com as atividades da Petrobras, eu achei que era uma oportunidade excelente, e de fato foi. Eu não tenho nada do que me arrepender, pelo contrário, eu agradeço muito os poderes celestiais por essa oportunidade que eu tive de ingressar nessa carreira e ajudar a estruturar a Petrobras, porque quando ela começou, ela não era sombra do que é hoje. Era muito pequena. Uma das decisões mais acertadas que a Petrobras tomou foi exatamente realizar esses cursos. A formação de pessoal talvez tenha sido um dos pontos mais fortes e que garantiu o sucesso da Petrobras. Formou-se um grupo habilitado e capacitado a conduzir a empresa. Foi uma decisão de muita sabedoria. O futuro era incerto, mas havia uma grande esperança, um sentimento de nacionalidade, que todos queriam abraçar. Quando há esse pensamento positivo em relação a alguma coisa, ele acaba se realizando, e foi o que aconteceu.
CURSO DE REFINAÇÃO
O curso de refinação trouxe muita coisa nova, ele foi estruturado com professores convidados do estrangeiro. Esses professores vieram justamente para dar outra tônica na formação de pessoal nessa área especializada. Na universidade eu havia visto alguma coisa de operações unitárias, que foi dado pelo professor Alberto Coimbra, que também tinha uma formação feita fora do Brasil e tinha iniciado alguma coisa nessa área ligada à engenharia química. Sem dúvida, isso foi muito útil, mas muitas outras informações e conceitos foram agregados a esses cursos de refinação, que eram bem intensos e absorviam todo o nosso tempo. Não sobrava tempo sequer para família, naquele momento eu era solteiro, mas havia pessoas casadas que sentiam muito a falta da família. Eu acredito que nesse modelo o curso de refinação era o único do Brasil. Depois, evidentemente, as próprias universidades brasileiras foram se adaptando. Hoje, as universidades estão aí, a Petrobras não tem uma universidade própria, mas toda essa parte de formação de pessoal já está sendo dada por nossas universidades. No Brasil, as universidades se adaptaram muito bem às necessidades do seu tempo, e hoje nós temos profissionais competentes que dão conta do recado.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu sempre me interessei muito pela parte de matemática aplicada. Em 1966 houve uma chance de criar um serviço de organização da Petrobras, um núcleo para tratamento dos problemas organizacionais da empresa, com o apoio da matemática aplicada. É exatamente isso que nós chamamos de pesquisa operacional. Na Inglaterra essa área de estudos foi muito forte, ela foi criada lá e repercutiu nos Estados Unidos. Tudo ainda estava bem no início e um grupo pequeno de pessoas da Petrobras, que eu não participava, elaborou um projeto para implantação desse serviço. Foi a primeira vez que eu vi uma atividade partindo do nada ser criada apenas por um plano, um arquétipo mental, que passou a virar uma realidade. Como eu havia escrito alguns artigos sobre pesquisa operacional no boletim da Petrobras, eu fui convidado para tentar concretizar essa atividade. E nós começamos exatamente no período em que o golpe militar tinha se implantado na Petrobras, em 1964.
DITADURA MILITAR / 1964
Em 1964, eu pude contar com um excelente técnico, que chegou a ser chefe do núcleo de pesquisa no Cenap 4, que era o Roberto Lineu Viola, que já é falecido. Ele teve problemas com os militares, porque algumas pessoas de sua família se envolveram em atividades consideradas pelo golpe, como antidemocráticas, embora o golpe fosse todo antidemocrático. Mas alguma coisa que ele tinha vivido no passado o levou a ser tirado da chefia daquele grupo. Depois que ele perdeu a chefia eu o convidei a participar desse núcleo de pesquisa operacional. Tem até uma história interessante em relação a ele, porque ele estava para ser demitido da empresa e não foi porque eu lutei por isso. É algo do qual eu me orgulho. Ele estava no exterior, trabalhando comigo, eu não sei precisar o ano, mas foi depois de 1966. Nós precisávamos de gente especializada, então ele foi enviado ao exterior para se aperfeiçoar em pesquisa operacional nos Estados Unidos, ele estava lá fazendo o curso quando algumas informações chegaram ao conhecimento dos órgãos de informação. Disseram que ele deveria voltar imediatamente e ser demitido da empresa. Ele era chefe de um setor da divisão que eu comandava. Eu consegui junto a diretores anular parte da decisão, ele foi demitido da chefia do setor, mas foi autorizado a continuar e terminar o curso no exterior. Quando ele voltou, continuou a trabalhar e depois ele arranjou outro trabalho. Mais tarde quando a coisa começou a serenar, ele conseguiu um posto em outro órgão da Petrobras, à altura de toda a sua competência. Na ocasião, neste caso em especial, eu argumentei junto a pessoas que eram sensíveis ao problema dele. Havia uma pessoa que era extremamente sensível, que era o diretor Leopoldo Américo Miguez de Mello, que ouviu as minhas ponderações e de outras pessoas também. Eu conversei com as pessoas com quem eu tinha relacionamento e com as chefias também. Evidentemente, teve alguma negociação com os representantes do governo, que estavam muito ativos dentro da empresa. A Petrobras tinha um presidente que era militar, o Ademar de Queiroz, e também um diretor, o Adolpho Roca Dieguez. O Ademar de Queiroz era uma pessoa muito sensata e acredito que ele foi um dos pontos fortes de apoio para a Petrobras não seguir outros rumos. Houve uma negociação da qual eu não participei, mas depois de algum tempo me comunicaram, que o Roberto Viola iria continuar a fazer o curso, mas perderia a chefia. Dos males o menor. Vão-se os anéis e ficam os dedos. Depois de um tempo trabalhando ele foi convidado, se não me engano, para trabalhar na Interbrás [Petrobras Comércio Internacional], numa atividade que estava começando na Petrobras.
PESQUISA OPERACIONAL
Pesquisa operacional é a aplicação de modelos matemáticos na solução de problemas de produção, organização, isto é, todo problema que possa ser equacionado através de um modelo matemático. Hoje é fácil resolver no computador, porque a capacidade de processamento é enorme, no nosso tempo uma corrida de computador levava mais de um dia. Era algo jurássico, mas naquele momento era o que podíamos fazer. O primeiro problema que nós pegamos e que o Roberto Viola participou ativamente – sendo o encarregado do projeto –, foi a aplicação do modelo matemático para compra de petróleo pela Petrobras. A Petrobras naquele tempo produzia muito pouco, então ela importava a maior parte de petróleo que processava em nossas refinarias. Existiam muitas ofertas e a grande dificuldade era o trabalho de computação para saber qual o elenco de petróleo que devia ser escolhido. Nós desenvolvemos um modelo matemático que representou todo o processamento do petróleo na refinaria. Outra pessoa que participou disso e que até hoje é meu companheiro e grande amigo, é o Henrique Porto, que era engenheiro da Petrobras. Na ocasião, ele estava no departamento industrial, mas era requisitado pelo departamento comercial para poder fazer esse trabalho. No início ele e a sua equipe faziam à mão, levavam meses calculando, até conseguirem definir um elenco de petróleo. Depois, com esse modelo, nós passamos a não precisar mais de fazer todas aquelas contas exaustivas. Esses modelos, que nós chamamos de otimizantes, não descansam enquanto não apontarem a melhor solução. Era um modelo de compra de petróleo. Hoje não é mais assim. Há modelos semelhantes que são usados na companhia para alocar os petróleos que existem da melhor maneira possível, dando maior rentabilidade à empresa. O modelo lidava com valores, a partir de propostas feitas à Petrobras. É como uma licitação hoje em dia. Nesse processo precisávamos do preço também e tinham lá algumas regras que eram seguidas pelo departamento comercial, mas depois vinham às nossas mãos para fazer as contas, os valores que cada empresa tinha oferecido. Não era algo que pudesse ser negociado. A negociação, normalmente, acontece quando se está interessado num produto e se barganha com a pessoa, mas se há um monte de ofertas, não se trabalha assim. Numa licitação pública se houver uma negociação a coisa já começa a não cheirar muito bem. Se os valores são negociáveis, pode haver influências e pode não ser lícito. Eu fiquei nesse setor de 1966 até o fim da década de 1970. Em 1979 eu fui ser chefe-adjunto ou superintendente-adjunto do serviço de planejamento, porque houve uma reestruturação organizacional e eu assumi esse cargo, indo praticamente até o fim. Eu só saí do serviço de planejamento em 1990, porque houve também uma mudança de chefia e durante algum tempo eu deixei de ser superintendente-djunto para ser assistente especial, mas depois extinguiram os assistentes especiais e eu fui convidado para ser assessor de um diretor, que era o Hélio Falcão. Depois fui ser assistente do Maurício Alvarenga, e depois me aposentei.
AEPET
A Aepet [Associação dos Engenheiros da Petrobras] foi criada, eu não me lembro exatamente o ano, mas ela começou a lutar por melhores condições de trabalho na área dos engenheiros, que era a maioria dos profissionais da empresa, e também por aspectos salariais. Os engenheiros não se sentiam bem posicionados salarialmente, havia várias questões que deveriam ser resolvidas. No início, a Aepet foi muito restrita aos engenheiros, ela não admitia outros profissionais de nível superior. Eu nunca fui favorável a essa posição, mas era a posição que a maioria defendia. Mais tarde, felizmente, houve uma mudança de postura e todos os profissionais de nível superior passaram a ser admitidos na Aepet como associados. Isso durou alguns anos, não me pergunte data, porque eu sei os fatos, mas não sei precisar quando eles aconteceram.
DITADURA MILITAR / 1964
Em 1964, a Aepet já existia e o seu presidente era um líder, uma pessoa muito ativa, que era o engenheiro Davies de Freitas. O pai dele era um militar da ativa e ocupava uma posição que naquela ocasião não era muito válida dentro do Exército, vamos dizer, ele era reformado, ou qualquer coisa desse tipo. O Davies de Freitas, como era uma pessoa ativa dentro da Aepet, acabou sendo afastado. Eu não me lembro se ele foi demitido, mas de qualquer maneira teve seus movimentos cerceados de forma muito forte. A própria Aepet teve os seus documentos oficiais apreendidos. No momento em que houve a revolução, os documentos foram parar no serviço de informação. Eles foram solicitados e ficaram indisponíveis para os associados. Nesse período, em toda a Petrobras houve muitas prisões. Todos esses movimentos que envolviam muita gente, muitos profissionais, eram extremamente visados, porque era onde podia existir alguma forma de resistência, alguma forma de organização capaz de enfrentar o Golpe. Com a destituição do Davies de Freitas, a Aepet ficou acéfala. Eu já participava da Aepet nessa época.
AEPET
Apesar das dificuldades houve uma tentativa e foi bem sucedida de se fazer outra eleição, eleger uma nova diretoria para a Aepet. A estratégia das pessoas que estavam na cabeça do movimento foi de selecionar profissionais que tivessem a ficha limpa. Tinham que ser pessoas com ficha totalmente limpa e que também tivessem prestígio dentro da organização. Eu estou falando isso da forma mais impessoal possível para não parecer que quero auto-apreciar. Eu me lembro de algumas pessoas que foram selecionadas, mas não de todos, infelizmente, porque se passaram muitos anos. Eu fui convidado. Na chapa não estava definido quem seria diretor, seria tesoureiro, enfim, não havia uma definição de cargo, havia apenas uma chapa e depois os componentes dessa iriam decidir os cargos. Eu me lembro de pessoas como o Leonardo Nogueira, que era meu colega lá do Cenpes, do antigo Cenap. Tinha também o Pedro Paulo Da Poian que, recentemente, tem ocupado posições de destaque, ele sempre foi um excelente profissional da área industrial. O Osmar Habib também fazia parte da chapa, era um considerado um bom profissional na área de E&P. Ele já saiu a muito tempo da empresa. Esse grupo de pessoas foi eleito pela grande maioria. Na nossa primeira reunião, eu não estava querendo ser presidente, ser presidente seria um pepino, uma batata quente, mas cedi ante ao apelo dos colegas. Nos anos de 1964 e 1965 eu fui presidente da Aepet. Eram duas as atividades principais: primeiro, não deixar a associação morrer, continuar mesmo com todo o tolhimento que nós tínhamos a desenvolver atividades, continuar a mantê-la viva, fazê-la sobreviver. Não se podia fazer reuniões, mas nós mantivemos um boletim que passava as principais notícias. Existia uma segunda linha de ação que foi tentar defender os colegas que estavam sendo presos. Tentamos fazer isso da melhor maneira possível. É claro que não tivemos muito sucesso, mas ao menos nós tentamos argumentar com os diretores para evitar que pessoas que nós considerávamos muito importante para empresa pelo conhecimento que dispunham, não saíssem. Uma pessoa, por exemplo, que era muito visada, além do Davies de Freitas, era o Valter, o segundo nome do Valter agora... O Valter que me perdoe, mas eu não consigo me lembrar. Era um profissional de muita competência e que chegou a ser preso. Eu interferi pessoalmente, porque eu tinha um primo da minha mulher, que era militar, e eu consegui conversar com ele. Algum tempo depois, não sei se por isso ou por outras razões, ele acabou sendo solto. Eu disse ao primo da minha mulher: “Mas não há nada contra essa pessoa.” Ele disse: “Eu não posso te dizer nada, mas consta que ele desenvolvia algumas atividades ou qualquer coisa desse tipo.” Na realidade, ele era apenas uma pessoa que sempre participou muito das reuniões da Aepet. A Aepet era um fórum onde havia muitas discussões, principalmente em relação ao próprio objetivo da Petrobras. A nossa instituição sempre se posicionou de forma a defender intransigentemente primeiro o monopólio e depois a Petrobras. Em função disso, provavelmente, surgiam algumas opiniões dentro desses órgãos de informações de que nós estávamos a serviço de forças ocultas ou coisas do tipo. Diziam que você estava conspirando, que havia comunistas; coisas que hoje em dia são apenas folclores, mas naquela ocasião não era não, era sério, e os argumentos técnicos eram difíceis de serem usados, até porque, ao defendê-los, você poderia também ficar sob suspeitas.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS
Eu sei que nós editamos alguns boletins e teve um deles particularmente que deu problema. Foi um boletim em que nós ousamos um pouco mais para a ocasião. Achávamos que os nossos colegas tinham que ter direito de defesa, não podiam ser acusados, perder cargos, profissão, emprego, em função de especulações ou de afirmações que não tivessem prova. Nós procuramos pugnar por isso e não fomos muito bem recebidos. Eu sei que a diretoria acabou arranjando uma maneira de resolver o problema sem nos demitir, porque houve essa hipótese. Cada diretor chamou, digamos assim, o diretor da Aepet, na qual estava lotado, e deu uma raspança, chamou a atenção, dizendo que ele não tinha outra chance e que devia parar com aquilo. No meu caso particular, quem conversou comigo foi o Joaquim Caetano Gentil Neto. Ele me transmitiu o recado e acabamos vendo que a melhor solução era “não cutucar a onça com a vara curta”. Esse foi o momento mais tenso da nossa gestão. Nossa chapa quando entrou, já sabia mais ou menos, que não conseguiria os documentos e livros da Aepet de volta. Mencionávamos isso, mas sabíamos que não ia voltar mesmo. Até hoje, eu não sei se eles voltaram, eu tenho essa dúvida. Procuramos manter a atividade da Aepet até que dias melhores viessem. E de fato isso aconteceu, tanto que hoje a Aepet está aí com toda a sua força, muito mais unida ao sindicato do que antes, formando com essa união um ponto de apoio para Petrobras como instituição e como empresa encarregada de execução do monopólio.
Eu não conheço todos os casos de perseguições e prisões dentro da Petrobras, porque foram muitos. Os mais procurados eram as pessoas do sindicato e todo aquele que tivesse sido de esquerda, de forma muito declarada. Embora eu defenda muito os valores humanos, a democracia e a liberdade, eu nunca tive uma posição muito radical. Eu me lembro que fiz um discurso como paraninfo de uma turma, onde eu falava em mudanças e tudo, de uma forma bem discreta, mas o aluno escolhido como representante de turma realmente botou para quebrar, fez um discurso extremamente pesado e dentro da linha do que se via antes da revolução, do tempo do Jango. Eu sei que isso causou muitos problemas, porque ele foi demitido. Ele morreu recentemente, mas acabou indo para universidade, depois de algum tempo foi professor, era o Newton, eu não me lembro de seu sobrenome, eu me lembro do apelido: Newton Palavrão. Ele foi o orador da turma.
AEPET / ASSOCIADOS
Como disse no início, a Aepet só aceitava engenheiros como associados, mas posteriormente devido a grande solicitação de outras categorias profissionais, ela acabou concordando em aceitar outros profissionais de ensino superior. Eu não saberia dizer qual era a categoria dentro da engenharia que mais se destacava. No início a maior quantidade era de engenheiros de refinação, mas depois vieram os engenheiros de produção, exploração, os geólogos, geofísicos etc. Eu acho que todos estes sempre participaram desde o início, porque eles estavam muito ligados à atividade de engenharia. Havia certa resistência em relação aos administradores, e isso criou uma barreira, mas depois com o tempo isso mudou. É difícil até dizer exatamente a razão. A Petrobras precisava de muita gente e admitiu pessoas de nível médio que foram sendo promovidos. Existia uma categoria chamada ATA [Assistente Técnico Administrativo] que, digamos assim, tinham salários e as prerrogativas de qualquer administrador formado por uma universidade. Naquele tempo, a grande maioria dos ATA, ou um bom número deles, não era de profissionais formados em universidade; eram pessoas de nível médio que tinham galgado posições pela experiência, pelo trabalho realizado, que tinham chegado a essa condição que era chamada de ATA. E existia dentro da Aepet certa resistência a isso, porque achavam que essas pessoas não eram formadas e ganhavam tanto quanto um profissional. Criou-se um clima de resistência a decisões como essa. Só depois com o tempo que os administradores foram sendo recrutados dentro das categorias profissionais formadas por uma universidade. Quando isso se estabilizou, aí desapareceu essa resistência. Nas categorias profissionais temos advogados, que são muitos na empresa, temos os administradores, a classe médica, enfermeiros etc. Com o tempo, não houve mais resistência à entrada de outros profissionais. Depois que eu saí da presidência, outras pessoas assumiram. Eu continuo como associado, todos nós continuamos participando, só que eu passei a não mais participar tão ativamente. Como associado eu participava das reuniões, das assembléias, mas me afastei um pouco por razões até profissionais, porque a função que eu estava exercendo na Petrobras me absorvia bastante. Eu era adjunto da área de serviço de planejamento, da área de organização. A partir da década de 1970, o meu afastamento foi maior, até porque tinham outras pessoas que passaram a participar. Eu acho que já havia dado a minha contribuição numa época bastante complicada. Eu não sei se voltei a ser diretor da Aepet, é possível que isso até tenha acontecido, mas da segunda vez eu não tenho recordações, porque foi uma fase mais tranquila. Mas não posso afirmar que tenha sido eu, estou apenas cogitando essa possibilidade.
AEPET / CONQUISTAS
O momento que eu considero como uma conquista foi todo esse período que conseguimos sobreviver e manter a associação. Para o nosso grupo, para os diretores, isso foi a grande realização, não é algo episódico, é todo um período. Manter a Aepet viva foi a nossa maior realização. A relação da Aepet com os associados era fundamentalmente através desses boletins, imprimíamos onde podíamos e fazíamos circular as informações. Não podíamos fazer reuniões, tínhamos que ficar quietinhos. Não tem nenhuma outra atividade que eu me lembre, pode ser até que outros colegas se lembrem de algum outro fato que tenha sido notório, mas eu não me lembro. A nossa comunicação era estritamente através do papel numa época que nem podíamos dispor de internet, nem nada. Nesse período, de 1964 a 1965, as relações com outras organizações de trabalhadores eram mínimas. Os sindicatos não estavam em sua plena capacidade de operar, estavam cerceados. Eu não sei nem se houve intervenção, a minha memória está fraca em relação a isso, mas o fato é que não tínhamos condições de manter uma relação mais próxima.
ABERTURA DO MERCADO
Na época em que o monopólio estava em risco, a Aepet trabalhou muito ativamente e todos nós participávamos. O monopólio estatal de petróleo sempre foi muito questionado e no início a Petrobras era uma empresa estatal e era a única executora do monopólio. Depois vieram os contratos de risco e uma série de tentativas no sentido de quebrar essa posição consolidada da Petrobras. Nesse ponto a Aepet sempre participou muito, tentando resistir a essas investidas, até que bem mais recentemente o que aconteceu? A Petrobras perdeu. O monopólio continuou a ser da união, mas a Petrobras perdeu exclusividade, no momento em que todas as decisões sobre exploração, sobre aqueles leilões de blocos, tudo passou a ser conduzido diretamente pelo Ministério de Minas e Energia. A Petrobras deixou de ser uma empresa com exclusividade na execução do monopólio, e algumas mudanças muito significativas foram feitas. No passado, o Conselho de Administração da Petrobras era uma diretoria ampliada, formada por quatro diretores da empresa e três representantes de fora. Qualquer decisão que a diretoria tomasse, quando era encaminhada ao Conselho, dificilmente mudava, porque os diretores eram a maioria. Era um modelo de organização sui generis, mas que garantia que todas as decisões fossem tomadas dentro da Petrobras. É claro que havia influência governamental, mas sempre era alguma coisa muito filtrada, de modo a garantir a soberania das decisões. Com o fim do monopólio exclusivo da Petrobras a empresa mudou a sua estrutura organizacional de uma forma bastante significativa, isso na presidência do Reichstul [Henri Philippe Reichstul]. Ela passou a ter um Conselho de Administração, que os diretores não fazem mais parte, e que tem representantes de fora da empresa e uma diretoria-executiva sob a orientação desse conselho. A Petrobras também vendeu as ações que não eram ordinárias – ações preferenciais que podiam ser do governo, mas foram vendidas –, e passou a ter uma série de acionistas de fora, inclusive estrangeiros, evidentemente com ligações internas. O fato é que hoje em dia as decisões do conselho não refletem uma posição da própria organização, tem influências externas. Esses acionistas externos têm uma grande capacidade de influência.
REPACTUAÇÃO
Hoje, nós estamos vivendo um drama, uma briga da própria Aepet, da Ambep, devido à mudança do nosso plano. Houve uma mudança bastante grande no fundo de pensão, com base, eu acredito, nessa influência externa. O que acontece? Há muitas incertezas associadas à previsão do futuro passivo da Petrobras em relação ao seu fundo, porque a correção dos salários do pessoal aposentado, antes da repactuação, era corrigido com o mesmo índice do pessoal da ativa. É claro que a Petrobras enfrentando empresas internacionais passou a dar muito mais atenção aos salários, e precisa ter certa liberdade para aumentar, naquilo que o mercado está exigindo dos seus profissionais, seus empregados. Como os aposentados recebem a mesma coisa, passou a ter, digamos assim, um montante aí incerto em relação ao valor que vai ser pago, porque depende do que for pago aos da ativa. E isso entra no balanço da Petrobras, um balanço que é levado ao exterior para conseguir os acionistas externos. Essa incerteza era bem grande, eu concordo, porque o plano que nós tínhamos era de benefício definido, o que significa que o camarada vai ganhar como salário, a média do que ele recebeu nos últimos anos. E se ele teve um avanço de carreira muito rápido como, por exemplo, as pessoas que ocupam cargo de comissão, o fundo passa a ter que pagar essas pessoas valores acima daqueles que elas contribuíram. Isso é uma outra incerteza. A terceira incerteza era a questão do vínculo do aumento com o INSS [Ministério da Previdência Social]. No fundo de pensão, a Petros, paga, complementa, o valor que o INSS eventualmente não tenha dado. Então não é “coincidência”, a alteração que teve com a repactuação e com o antigo plano Petrobras Vida, e o desejo de acabar com essas incertezas, de maneira que as previsões dos passivos futuros da Petrobras fossem mais enxutos. Isso criou uma reação dentro da empresa que existe até hoje. Houve a repactuação, mas de qualquer maneira o assunto ainda não está encerrado. Eu acredito que a origem disso é exatamente essa influência dos acionistas externos de quererem um balanço da Petrobras mais próximo da realidade, sem incertezas, porque isso muda o valor das ações, tem uma série de consequências para quem está operando em Bolsa. Só que a gerência da Petrobras nesse ponto foi bastante inábil, pois não souberam conduzir o assunto de uma maneira muito clara, e atribuíram a necessidade de fazer essa revisão do plano de repactuação devido a problemas do fundo, que podia ser deficitário a longo prazo, atuarialmente falando, mas não a curto prazo. Forçaram para que houvesse essa mudança, e 75 % dos funcionários acabaram repactuando. Os meus colegas não gostariam muito de ouvir isso, eu não acho absurdo essas mudanças propostas. O que realmente uma pessoa que se aposenta tem que saber? O que ela tem que ter garantido? Primeiro, ela tem que receber na aposentadoria tudo aquilo que ela acumulou, coisa que no plano de benefício definido podia não acontecer. Segundo, ela tem que ter um valor constante, quer dizer, o padrão de vida dela tem que ser mantido depois que se aposentar. Um aumento, às vezes, pode ser maior do que seu custo de vida. Na fase de capitalização isso representa um ônus para o fundo. Se como aposentado eu receber mais do que aumentou o custo de vida, eu estou tirando essa parcela de outras pessoas. Desse modo, os próprios associados teriam que contribuir mais. Eu não acho absurdo, só discordo radicalmente da forma como isso foi feito. Usaram subterfúgios para conduzir as pessoas, inclusive com ameaças. Eu acho que isso poderia ser discutido de uma forma muito mais clara. O plano de contribuição definida, do ponto de vista previdenciário, é válido. Muita gente acha que é apenas um plano financeiro, eu não concordo. O importante de um plano previdenciário são os benefícios que a pessoa tem que receber, se, por acaso, ficar incapacitada. Eu acho que esses benefícios estão previstos e são cobertos num plano de contribuição definida. Num plano de contribuição definida eu acho mais justo que a pessoa acumule e vá se aposentar com aquilo que ela contribuiu. Eu não vejo nenhum problema nisso. Mas a maneira pela qual a coisa foi feita é foi inteiramente errada, através de argumentos falsos que o fundo de pensão ia quebrar e não sei o quê. Tanto que a Petrobras ainda deve até hoje. Agora a coisa está se resolvendo, mas segundo muitos por aí a Petrobras ainda tem uma dívida grande em relação ao fundo, e se essa dívida fosse paga, não precisava de nada daquilo que foi dito.
MOVIMENTO SINDICAL
A Petrobras hoje está muito mais próxima de uma multinacional do que uma empresa estatal. Ela atua no mercado internacional, ela é uma empresa especial. Eu não vejo nenhum problema de você ter associações de classe e sindicatos, eu só acho que tem que haver realmente autonomia. Quando você tem associações de engenheiros, sejam sindicatos, ou qualquer outra entidade que tenha interesse no que a administração está fazendo, eu acho que aí já está se perdendo aquela independência. Eu acho que você tem que defender o interesse daquela massa que está ali, dos trabalhadores, dos engenheiros, e também todos os valores que aquela classe adota como verdadeira. Quando você não tem essa diferença entre ser participante de um sindicato e ser participante da administração da empresa... Quando essas ligações não estão muito claras, há um certo prejuízo, porque as pessoas passam a não ser tão independentes.
REPACTUAÇÃO
Eu até me coloquei mais favorável à posição de se ter um plano de contribuição definida a ser reajustada pelo IPCA [Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo]. A vinculação com o INSS é algo que eu ainda não tenho uma idéia formada. Se você começa a reivindicar que os aposentados ganhem o mesmo aumento que os da ativa e se os da ativa tiverem aumento superior à inflação ou do custo de vida, eu acho que isso daí representa um tipo de privilégio que não me parece muito correto. Porque embora possamos dar todos os argumentos de que nós ajudamos a criar a empresa, é preciso lembrar que muitas outras pessoas fizeram isso também. Eu não sei se isso nos dá direito de pleitear coisas além daquilo que nós temos direito. Eu acho que nós temos que ter muito cuidado de não usar a força da organização para buscar benefícios além daquilo que seria justo. Temos que nos colocar numa posição muito equilibrada para defender aquilo que achamos correto, mas sempre dentro de um princípio de justiça e equanimidade. Não dá para ir além daquilo que seria o seu direito natural.
AEPET
Nós sempre precisamos de um fórum extra-empresa para discutir os valores associados a essa empresa. Eu acho que a Aepet está fazendo um trabalho nesse sentido e sempre fez. Quando a Petrobras era uma empresa executora exclusiva do monopólio, nós tínhamos outras condições, agora é um pouco diferente. Hoje há muito espaço para Petrobras se desviar dos valores de empresa que nós construímos ao longo de muitos anos. Eu acho que uma associação de profissionais é importante para discutir esses aspectos, porque se a Petrobras passar a funcionar como qualquer empresa multinacional, como uma das “sete irmãs”, ela possivelmente poderá cometer alguns abusos em função do interesse de ser mais lucrativa. Isso é uma das discussões que nós fizemos bastante no passado. Uma de nossas funções era o interesse nacional, de procurar executar as operações que redundem em maior benefício para o país e não para a empresa. Hoje, dificilmente a empresa poderá usar um argumento desses, embora ela continue a ser uma das executoras do monopólio e ter uma vinculação muito forte com os interesses nacionais. Eu acho que ela não pode conduzir exclusivamente a nenhuma direção. Nenhum Conselho de Administração vai orientar a empresa a usar exclusivamente como critério de decisão os melhores resultados para o país. Como empresa, eu acho que ela não tem condições de fazer isso, mas também não pode se afastar totalmente, a ponto de colocar como único objetivo exclusivo o lucro. Tanto que ela percebe isso claramente e as diretorias da empresa usam uma série de atividades complementares voltadas para ecologia, cultura etc. São aspectos extremamente positivos que só uma empresa como a Petrobras tem condição de fazer, de uma maneira intensa como está acontecendo. São atividades do interesse do país e que representam uma melhoria de imagem da empresa, mas que não resultam necessariamente em aumento de lucro. Projetos ligados à área da ecologia são atividades importantes e de sobrevivência até da humanidade, considerando um período de longo prazo.
MEMÓRIA PETROBRAS
Eu gostaria de agradecer mais uma vez a oportunidade que tive de ingressar numa empresa como a Petrobras e de ter tido a oportunidade de colaborar para que ela fosse o que é hoje. A soma de todas as contribuições redundou numa empresa forte, numa empresa que dá orgulho ao Brasil. Com essas características, praticamente, ela é única em toda a América Latina. Gostaria de agradecer a vocês pela paciência e pela oportunidade de expressar o meu ponto de vista. Foi ótimo. Espero que eu não tenha dito nada que desabone o projeto.
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