Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Hosana Puruborá (Hosana Castro de Oliveira Montanhas)
Entrevistada por Márcia Mura
Entrevista concedida via Zoom (Porto Velho), 26/10/2022
Entrevista n.º: ARMIND_HV018
Realizado por Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Puranga ara, puranga karuka. Bom dia, boa tarde minha parenta Hosana Puruborá. É com muita alegria que a gente te recebe aqui nesse projeto de luta por território, por vida. E quero te convidar então para você iniciar a sua narrativa sobre a sua história de vida, do seu povo por onde você achar melhor. Fique à vontade.
R - Boa tarde, Márcia. É como você falou, meu nome é Hosana Puruborá. É uma grande satisfação estar aqui na grande maloca dando essa entrevista, conversando com você. É um prazer imenso.
P/1 - Hosana, você pode falar pra gente, se você tem… quais são os seus nomes, se é só um nome ou mais de um nome, e o que eles significam?
R - Márcia, bem, eu me chamo Hosana Castro de Oliveira Montanhas, a minha Etnia é Puruborá. Sou da região da [BR] 429, minha cidade é Seringueiras. Eu vivo entre Seringueiras e São Francisco, onde a minha terra tradicional se chama Manuel Correia, onde meus pais nasceram, se criaram, criaram os seus filhos, onde ______ sou eu. Nós somos, minha mãe teve dezessete filhos. Tem dez, que ela teve dezessete. Assim, perdeu alguns espontaneamente, mas dos que nasceram e faleceram depois de grande, ela teve doze. E onde até hoje nós, como Povo Puruborá, conhecido muito como o povo da onça, estamos lá até hoje revisitando os nossos direitos. Direito esse que eu falo do nosso território tradicional ser demarcado, porque até hoje o nosso território não foi demarcado. Quando Marechal Rondon tirou nós, meus pais, do lugar onde viviam, deixou a gente num posto chamado Posto Doze de Maio, na responsabilidade do SPI [Serviço de Proteção aos Índios], mas depois que o encarregado morreu, aí nós ficamos, meus...
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Entrevista de Hosana Puruborá (Hosana Castro de Oliveira Montanhas)
Entrevistada por Márcia Mura
Entrevista concedida via Zoom (Porto Velho), 26/10/2022
Entrevista n.º: ARMIND_HV018
Realizado por Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Puranga ara, puranga karuka. Bom dia, boa tarde minha parenta Hosana Puruborá. É com muita alegria que a gente te recebe aqui nesse projeto de luta por território, por vida. E quero te convidar então para você iniciar a sua narrativa sobre a sua história de vida, do seu povo por onde você achar melhor. Fique à vontade.
R - Boa tarde, Márcia. É como você falou, meu nome é Hosana Puruborá. É uma grande satisfação estar aqui na grande maloca dando essa entrevista, conversando com você. É um prazer imenso.
P/1 - Hosana, você pode falar pra gente, se você tem… quais são os seus nomes, se é só um nome ou mais de um nome, e o que eles significam?
R - Márcia, bem, eu me chamo Hosana Castro de Oliveira Montanhas, a minha Etnia é Puruborá. Sou da região da [BR] 429, minha cidade é Seringueiras. Eu vivo entre Seringueiras e São Francisco, onde a minha terra tradicional se chama Manuel Correia, onde meus pais nasceram, se criaram, criaram os seus filhos, onde ______ sou eu. Nós somos, minha mãe teve dezessete filhos. Tem dez, que ela teve dezessete. Assim, perdeu alguns espontaneamente, mas dos que nasceram e faleceram depois de grande, ela teve doze. E onde até hoje nós, como Povo Puruborá, conhecido muito como o povo da onça, estamos lá até hoje revisitando os nossos direitos. Direito esse que eu falo do nosso território tradicional ser demarcado, porque até hoje o nosso território não foi demarcado. Quando Marechal Rondon tirou nós, meus pais, do lugar onde viviam, deixou a gente num posto chamado Posto Doze de Maio, na responsabilidade do SPI [Serviço de Proteção aos Índios], mas depois que o encarregado morreu, aí nós ficamos, meus pais ficaram à mercê da sorte e estamos até hoje a mercê da sorte, em busca da demarcação do nosso território. E hoje a gente… eu, como a liderança do meu povo, cacique da Aldeia APEROI estou aqui contando um pouco da minha história pra vocês.
P/1 - Quem foi que escolheu o seu nome? Foi contada alguma história para você do dia que você nasceu, quando você nasceu, onde você nasceu?
R - Eu nasci numa aldeia dentro do nosso território mesmo, Manoel Correia. O nome da minha aldeia, não sei assim na língua materna, mas na língua do branco chamava Com Destino. E o meu nome, eu não tenho o nome indígena em si, só o nome do branco, que foi escolhido pela minha mãe.
P/1 - Parenta, você pode falar pra gente qual é o nome da sua mãe e como você a descreveria? Pode falar um pouco da origem da sua família materna?
R - O nome da minha mãe era Emília Nunes de Oliveira e meu pai era Mário Manoel de Oliveira. Minha mãe casou, assim, muito novinha. Casou não, porque eles já estavam no comando de pessoas que não tratavam bem os índios. Porque quando eles chegaram ela já estava nas mãos dos patrões. No tempo, o nosso território virou seringal, onde os patrões pegavam os índios pra servirem de escravos para eles. Na época, a gente não entendia que era esse nome que se dava. Então, se as meninas, que nem minha mãe, minha mãe deram para um seringueiro, ela tinha doze anos. Eu acredito que é porque ela teve esse ‘rodo’ de filho. E assim, a história do meu povo, Márcia, é muito triste, muito triste mesmo, porque eles não tiveram o direito de escolher com quem casar, os outros que davam. Porque o seringueiro que fazia a maior produção, esse ganhava uma mulher de presente e, portanto, o meu pai foi o premiado, porque ele era muito trabalhador e ganhou a minha mãe. Mas foi uma mulher muito guerreira, muito resistente e nem depois que ela morreu, ela quis sair de lá, porque antes de morrer ela pedia para gente que ela podia morrer onde fosse, mas ela queria ser plantada no lugar onde nasceu. E isso aí a gente fez. E você me perguntou, não é, da onça e aí é uma história da criação dos Puru, porque, Puruborá, Puru é onça e Bora é cobra e se juntaram: eles faziam sexo e a mulher sempre tinha as escapadinhas dela para se encontrar com o Puru e o marido dela começou a desconfiar e seguir ela. Quando chegou lá, ela estava com outro parceiro e foi quando ele matou. Quando ele matou, antes, o espírito transformou a mulher na onça. Aí foi por isso que nós ficamos conhecidos “o povo das onças, o povo Puruborá”.
P/1 - Que história incrível essa da origem do povo Puruborá. E sobre o seu pai, qual é o nome dele? Como você descreve seu pai? Pode falar um pouco?
R - Meu pai era natural... meu pai não era índio. Meu pai era natural do Acre, ele nasceu em Rio Branco do Acre e foi para lá na idade com dezessete anos, foi quando ele conheceu a minha mãe e casaram. Mas ele viveu a vida dele de criança, ele só nasceu no Acre, aí vieram aqui para Guajará, meu pai trabalhou nos seringais por ali pelo ____ São João, eu não sei dizer onde que fica, porque eu não conheci. Aí daí como já tinha os outros patrões, ele foi para o Rio São Miguel trabalhar com o patrão lá e lá ele chegou em Limoeiro, onde tinha uma grande maloca do povo Migueleno, só que lá já tinham três seringalistas, eles se chamavam Arlindo Freitas, Antônio Ferreira e o outro eles chamavam Marreta para ele, mas eu acredito que o nome dele era José, mas o povo conhece ele só como Marreta. Meu pai foi trabalhar com seu Arlindo Freitas e ele conheceu a minha mãe já nessa comunidade de Miguelenos e casou com a minha mãe e se separou por morte. Uma pessoa muito, assim… porque meu pai… mas ele era uma pessoa muito maravilhosa, muito trabalhador, por isso que ele teve a honra de casar com a minha mãe, por ele ser um homem muito trabalhador. E viveu a vida inteira. Nasceu no Rio Branco, mas naquele tempo Rio Branco... em 1932 meu pai nasceu, dia dezessete de Janeiro de 1932, e aí a vida dele inteira foi no mato junto com os índios e por isso que ele entendia a situação, com certeza, da minha mãe, porque ele só não era índio de nascimento, mas nasceu e se criou no mato. Ele se considerava um índio também.
P/1 - Parenta, você tem irmãos, e se teve, quantos são e como é a relação de vocês?
R - Não entendi, Márcia, direito.
P/1 - Eu perguntei se você tem irmãos e se teve, quantos irmãos e como era a relação de vocês? Como era e como é?
R - Sim, tenho irmãos. Mas mesmo ________ casa. A minha mãe criou dez filhos, todo mundo casou. Assim, a nossa relação quando nós éramos pequenos era muito boa, porque a minha mãe foi uma pessoa, eu acredito que do jeito que ela foi criada, porque quando ela perdeu a mãe dela - vou voltar lá atrás um pouquinho - e como ela perdeu a mãe dela e ela foi criada por avó e pela... um tempo com a avó, outro tempo com padrasto... o tal do padrinho, porque não era padrasto, era padrinho que eles chamavam. E ela criou a gente do jeito que ela foi criada, sabendo partilhar tudo que comia e tudo que bebia, e até hoje nós temos esse costume: se um marca uma caça... eu ainda tenho dois irmãos que vivem pertinho de mim, o resto são sobrinhos. Porque nós éramos em três, mas agora na Covid eu perdi meu irmão mais velho que eu e ficamos só em três lá dentro da aldeia. Mas é uma convivência muito boa, graças a Deus, que nós temos até hoje, meus irmãos e sobrinhos.
P/1 - Bom, agora a gente vai… agora eu vou perguntar para você se você gostava de ouvir histórias e quem que te contava essas histórias?
R - Se eu gostava de ouvir histórias? Sim, a minha mãe contava histórias assim: “A Boca da Noite”, que até hoje eu converso com as minhas meninas, que agora eu nunca mais vi, que a minha mãe tinha, trabalhava o dia inteirinho na roça. Quando era tempo de plantação, era plantando, quando era tempo de colheita, era colhendo. Mas ela tinha as histórias dela que ela contava e, assim, parece até que era, assim, sem sentido as histórias, mas nós achávamos muito bonitas as histórias dela, que ela falava assim... que juntava os mais velhos e eles faziam as colheita de feijão, que era feijão de corda, que eles já tinham, e quando era noite eles iam debulhar aquele feijão para no outro dia, cedo, já ter o feijão debulhado para poder cozinhar. E aí eles levavam, até, diz ela que era mais ou menos umas dez e meia. Às vezes, quando era muito tarde, quando tinha algumas histórias bem longa que os tios contavam ou os avós, eles ficavam debulhando aquele feijão, que diz ela que tinha criança que dormia ali enquanto os outros debulhavam. Tinha que ter aquela quantidade certa de feijão debulhado, eles não batiam, debulhavam tudo na mão o feijão e saía várias histórias ali. Eu gostava de escutar minha mãe contar essas histórias dela e eu, assim, eu passo muito, minhas filhas sabem disso porque eu conto pra elas essas histórias. E também assim quando a gente ia quebrar castanha para tirar o óleo da castanha, aí ela contava muita história nesses momentos. Sempre contando as histórias, mas trabalhando e ensinando a gente a trabalhar, porque nunca sentava sem fazer nada, sempre tinha algo a fazer na hora daquela conversa: era quebrando castanha ou debulhando milho ou ralando milho para fazer o bolinho, o cuscuz na manhã. Sempre era assim, nunca se sentava sem fazer nada. Sempre fazia algo. Ou fazendo um cesto ou fazendo uma vassoura, mas tinha que ter algo para fazer. Não contava as histórias assim, sem fazer nada. Eu acho assim... às vezes eu me sento lá em casa e faço isso com minhas filhas. Sempre eu faço os artesanatos: “Mãe, chama a gente pra conversar aí, está fazendo as coisas”, Mas é tão bom. Fazia isso, né? Foi muito interessante isso.
P/1 - Dessas histórias que você escutava da sua mãe, qual delas te marcou mais e por quê? Você pode nos contar essa história?
R - Das histórias que a minha mãe contava, a que me marcou mais é, assim, de... as histórias que ela me contava que mais me marcou assim e hoje eu fico me perguntando porquê. Todas as vezes que ia sentar pra conversar com a gente, tinha de fazer algo. Nunca contava uma história se estivesse fazendo nada. Assim, me marcou muito isso de ter algo a fazer. Quer dizer, isso já vem da geração, sempre fazendo algo pra poder conversar. Nunca a gente sentou assim numa roda a não ser, fazendo nada, a não ser pra comer ou pra beber algo. E eles não, era para fazer. Me marca muito isso, muito mesmo.
P/1 - Tem alguma história assim especial que você escutava quando era criança que você pudesse compartilhar com a gente?
R - Assim, era uma história que ela contava pra nós, tipo assim, sei lá se era do pajé, era uma história de caçada que tem a ver com animais, com bicho. Até hoje eu me lembro muito bem que ela disse que tinha um caçador e esse caçador toda vez que ele caçava, sempre pedia pra mulher dele... “Amanhã eu vou caçar.” Aí ele pedia assim para ela fazer comida, mas que ela não colocasse pimenta, porque a gente come muita pimenta, tudo com pimenta na nossa comida. Aí ele pedia. No dia que: “Amanhã vou caçar, não coloca pimenta na minha comida e faça um prato e esse prato eu vou levar, essa moqueca eu vou levar”. E aí essa mulher nesse dia ela imaginou assim: “Eu vou colocar pimenta, eu quero ver porquê, o que vai acontecer se eu colocar na comida”. Porque se ela perguntasse, nunca ele dizia, nunca ele falava porquê levar aquela comida. Aí ela pegou e colocou pimenta na comida e na hora que ele saiu, ela seguiu ele. Aí quando chegou lá em certo lugar, ela viu que ele se abaixou, como se fosse num pau. Ele se abaixou e colocou, abriu a moqueca e colocou ali na boca daquele pau e saiu. Ela pegou e foi lá, chegou lá era um sapo mesmo, um sapo muito grande que estava ali comendo aquela comida. Aí ele saiu e não deu fé que ela estava fazendo isso. Aí quando ele chegou mais lá na frente, aí ele ficou assim, como se tivesse doido, doido, doido, sem saber pra onde ia e deu muita febre. Aí quando… aí ele pegou e falou... ele desconfiou, ele falou: “Ela botou pimenta na comida”. E esse sapo deixava comida, mas ele fazia os pedidos para ele, o que ele queria matar naquele dia, e ele tinha facilidade através do sapo, ele tinha facilidade de encontrar o que ele queria naquele dia, pra matar. E aí quando ele chegou, ele falou para ela o que ela tinha feito, porque ele tava com muita febre, ele ficou muito desorientado, não teve orientação nenhuma nesse dia e ele tava com febre e ele ia morrer por causa disso, porque ela não obedeceu ele e ele pegou e morreu com muita febre, muita febre mesmo. Aí depois que ele tava morto, aí diz que apareceu assim aquela voz falando pra ela por que ela foi desobediente. E naquele dia ela tinha perdido um grande companheiro dela e ela ia ficar, assim, vagando pelo mundo, pelo espaço também, porque ela ia morrer porque ninguém mais ia passar para ela comida, ela não ia mais ter o que comer daquele dia em diante. E aí ela morreu também. Assim, eu me lembro da mamãe contando isso, menina, para nós aqui. Quando a gente era muito criança, a gente não achava, tipo assim, sentido nas coisas e que ela, até meu pai saía pra caçar... e ela tinha muita coisa, muita... lembro do meu pai matar alguma caça, nós mesmos não podíamos estar pisando por ali, por cima daquele sangue. O pai chegava com viado no portão, dependurava lá com aquele sangue pingando, ela não deixava a gente pisar por ali por perto. E assim, hoje em dia eu imagino como é que eram as coisas.
P/1 - Que história, hein, com bastante ensinamentos. Quais os conhecimentos que foram repassados para você de geração para geração?
R - Eu tenho vários. (risos) Eu tenho vários assim, Márcia, conhecimentos, principalmente de remédios tradicionais, que é o que nós mais usamos hoje. Você vê, é muito difícil nós irmos ao hospital. E todos são meus conhecimentos que a minha mãe passou para nós. Muito remédio tradicional como para dor de cabeça, para dor de reumatismo, febre. A gente tem muito remédio, até para o Covid. Nós, dentro da aldeia... como eu falei, eu perdi meu irmão mais velho para Covid, porque no momento ele estava aqui em Porto Velho. Porque se ele tivesse na aldeia, Márcia, eu tenho certeza que do jeito que eu e minhas filhas, meu genro, fomos curados, meu irmão também teria sido. Infelizmente, ele tava longe de nós, sem ter ninguém para fazer nenhum remédio para ele. Mas nós temos vários tipos de remédio, um conhecimento assim muito bom que a minha mãe deixou para nós, porque, para tu ter uma ideia, eu, Hosana, vim tomar remédio, vacina principalmente, vim tomar vacina com 27 anos, quando estava grávida da minha filha mais velha. E esse negócio de injeção também, depois que eu tive minha filha, depois de 27 anos para cá, que eu fiquei convivendo direto no meio dos brancos, é que eu vim tomar certos tipos de remédio para qualquer coisa assim que adoece. A gente vai ao hospital e às vezes estamos na cidade, se acontecer algo aqui comigo eu não posso fazer um remédio da minha cultura para eu beber. Se eu tiver na minha aldeia, é difícil eu tomar um remédio de farmácia. Mais natural. E está ficando difícil sim para nós, porque na minha região, que eu e a minha aldeia… que nós estamos numa área que é cercada de fazenda. Infelizmente, a minha terra não está demarcada e é muita fazenda, muito plantio de soja. E tem tipos de remédio que precisam ser buscados na floresta e a nossa floresta está, bem dizer, acabada. E assim mesmo, o pouco que tem a gente tem medo de pegar por causa dos venenos. É muito veneno contaminando o solo para gente poder pegar alguma folha, alguma raíz. Mas nós temos muito conhecimento sobre remédio, tanto para bebê, como para passar em cima, como para tomar banho. Nós temos muito mesmo, até para tirar catarata das vistas nós temos remédio.
P/1 - Esse da catarata da vista eu fiquei interessada (risos). Você já falou de algumas lembranças da sua infância, eu queria saber se tem mais alguma lembrança que você tem do tempo de criança que gostaria de contar?
R - Sim, Márcia. Olha, no tempo de criança, assim, que eu fico triste hoje, triste mesmo, é porque no tempo que eu era criança eu podia ir e vir onde quisesse, podia pescar onde eu quisesse com meus irmãos e meus pais, e hoje em dia eu não posso mais. Eu sinto muita saudade disso. Conheci todos os tipos de animais que tem na floresta lá na nossa região, como no rio também, os peixes que tinha. tinha os perigos assim, mas a gente, parecia que não existia perigo, era um - como diz assim - um paraíso para nós, a gente podia dormir em qualquer lugar da beira do rio, a gente dormia tranquilo. Tinha cuidado com as cobras, com jacaré, mas isso era coisa que a gente podia encostar no lugar que a gente sabia que aquele lugar não era perigoso demais. Tinha seus perigos, mas não tanto. Mas hoje em dia a gente não pode fazer isso, eu não tive o prazer de criar meus filhos como eu fui criada, porque meus filhos, até hoje, se você perguntar assim: “Você viu no mato o bicho tal, tal, assim?” e eles nunca viram. E meus sobrinhos, a mesma coisa. Esses que nasceram por último agora, não conhecem, daí às vezes a gente conversa assim: “Meu Deus!”. A minha infância foi muito boa mesmo - como eu te digo -, assim, a gente tinha o direito de ir e vir, tirar o que queria: “Hoje nós vamos tirar mel”. Meu pai levantava: “Vamos, vamos”. Todo mundo ia pro mato com meu pai cortar lá aquele pau, que mamãe fazia aquelas canoinhas de capemba de paxiúba, aquelas canoinhas do cacho do açaí, aquelas eram as nossas vasilhas de pegar mel no mato. “Hoje nós vamos quebrar castanhas”, tirava aquele tanto de castanha. E hoje em dia se eu quiser comer mel, eu tenho que comprar desses apicultores, se eu quiser comer uma castanha, eu tenho que comprar também, porque na minha região não tem mais e são coisas que eu sinto muita saudade. Quando era a época da pama, nós íamos colher pama no mato: “Hoje vamos tirar pama”, aquela ruma de menino, minha mãe levava, o meu pai levava. A gente colhia aquela pama, nós comíamos aquele tanto lá, trazia outro tanto pra comer em casa. E hoje em dia nem conhece o que é pama. Quando era na época da sorva: “Vamos colher sorvas”. Quando era na época do patauá: “Vamos tirar patauá hoje”. Açaí, buriti, tudo tem a sua época que a gente ia e hoje eu tenho muita saudade disso. Eu não colhi mais patauá, não colho mais buriti, nunca levei meus filhos para colher, porque não tem na fazenda, nessa área de fazenda. E é coisa assim que a gente sente saudade. Quando a minha mãe falava assim: “Olha, tem um lugar nesse Posto Doze de Maio”, é um lugar muito lindo, Márcia, muito bonito mesmo. E lá aí tinha aqueles _______, sabe, que ele é tipo um lago, aí tem aqueles _______ bem grandão, aqueles patozão, menina. Aí meu pai pegava e mamãe fazia os _______, ‘botava’ tudo para assar. Passava o dia todinho comendo peixe assado e tomando banho. Aí dormia, e quando era no outro dia, do mesmo jeito. A gente ficava dois, três dias nesse lugar, só pescando assim, comendo e tomando banho. Era muito gostoso. E aí eu tenho muita saudade disso ainda, muita mesmo. No lugar onde eu cresci tinham umas pedras assim, nesse ano eu fui lá e nem enxerguei direito, porque assim, me deu muita saudade do tempo que eu era criança e eu chorei mais do que conversei com as antropólogas, que eu levei as… teve um trabalho, um estudo da nossa terra e eu levei as antropólogas lá pra elas verem como era. Aí eu sei que mais eu chorei do que comentei as coisas pra elas, porque a gente nasceu e se criou fazendo tudo aquilo. Falei pra ela: “Aqui nós lavávamos roupa, prato, nós tomávamos banho, nós pescávamos. Tudo aqui nessa...”, e aí mostrei, tem uma faveira, um pé de faveira assim, ele ainda tá lá, Márcia, aquela árvore tá grossona. Do tempo em que nós morávamos, era assim mais ou menos. Meus irmãos subiam, ela é tipo assim uma faveira, que a gente chama, meus irmãos subiam lá em cima pra flechar, matar tucunaré com flecha e eu mostrei pra ela, falei: “Olha, aqui ____________ meus irmãos aqui em cima com as flechas na mão matando tucunaré e nós embaixo puxando as flechas, tirando e dando pra eles as flechas tudo de novo”. E eu tenho muita saudade disso, muita saudade mesmo, coisa que meus filhos não foram criados. Mas a culpa não foi minha, a culpa sempre é do Estado brasileiro que não demarca as nossas terras.
P/1 - Esse lugar que você está falando, que você viveu a sua infância, ele é o mesmo lugar onde você está hoje ou são lugares diferentes?
R - Está do mesmo jeito ainda, porque está dentro da reserva Uru-Eu-Wau-Wau, esse lugar onde eu me criei. Está diferente porque o mato, virou mato onde era o terreiro da minha mãe, dos canteiros, é um matão, mas os esteios da nossa casa tão lá ainda. Os esteios do canteiro, prensa de prensar a massa da mandioca para fazer a farinha, tá tudo lá. Eu mostrei para elas: “Foi aqui que eu me criei”. “Por que eu sei das coisas?”, tudo que elas me perguntavam, eu sabia responder. Acho que elas ficaram: “Será que ela conhece mesmo ou será que ela tá inventando?”. E eu levei lá, aí a Simone falou: “Olha, Hosana, eu tiro chapéu para você, você lembra de muita coisa”, “Eu fui nascida e criada aqui, eu conheço e te levo nos lugares que eu falo pra você, eu te levo pra te mostrar”.
P/1 - E esse local que você tá hoje, onde fica geograficamente? É onde vocês estão reivindicando para demarcação?
R - Sim, é no espaço que nós perabulávamos pegando castanha, essas frutas que eu te falei, esse espaço que a gente reivindica é dentro mesmo do nosso território tradicional. Claro que vai ficar a metade dele para fora, porque tem uma parte dentro da terra dos Uru-Eu. A maior parte do nosso território está dentro do território Uru-Eu-Wau-Wau.
P/1 - Parenta, tem alguma comida assim da infância que te marcou?
R - Não entendi, querida.
P/1 - Alguma comida da infância que marcou na tua memória?
R - Tenho. A comida, até a gente fez agora, faz pouquinhos dias que nós fizemos essa nossa comida tradicional, que é o poncã cozido no leite da castanha. É uma comida assim pra nós mesmo, Puruborá, é o nosso prato preferido. Tanto assim pra gente comer, e cozido, e pra gente assar com a carne e comer com o leite da castanha. É a nossa comida tradicional. E nós sentimos saudades disso porque comi nesses dias, foi agora, sábado atrasado que a gente comeu, mas a castanha veio lá de ______, pra você ter uma ideia. A minha prima comprou a castanha lá de ______ pra gente fazer em casa, e era onde nós tínhamos à vontade. E hoje em dia, como eu falei, pra comer tem de comprar fora, porque lá não tem mais, já derrubaram.
P/1 - Tem alguma brincadeira que você gostava muito de brincar quando era criança?
R - A brincadeira que a gente brincava muito quando era criança era de cozinhar, sempre nós cozinhávamos: juntava os meninos e ia matar passarinho, matar peixinho de flecha, os passarinhos de - que fala baladeira, né? - baladeira, e nós, mulheres, cozinhava, as meninas cozinhavam as panelinhas, passava ou cozinhava e nós comíamos. A gente brincava também de roda, a mãe ensinava algumas músicas que ela talvez tenha aprendido com alguém, com os brancos, e a gente brincava. E hoje em dia, sempre quando eu tô com meus irmão, a gente lembra disso. Hoje em dia ninguém faz mais, ninguém brinca, todo mundo na televisão, todo mundo com celular na mão. E naquele tempo a gente brincava. Não tinha brinquedo, mas a gente brincava, porque as nossas bonequinhas eram feitas de sabugo de milho, era... o cabelinho delas era o mesmo cabelinho do milho, sempre assim, alguma garrafa que tinha. Essas eram as bonecas, mas era muito bom. Bola, meu pai fazia aquelas bolinhas de seringa para nós brincarmos com a bola, os meninos, homens… Nós também brincávamos, as mulheres brincavam no meio dos meninos. E a gente brincava, eram essas brincadeiras.
P/1 - Muito bom, né? Dentro da cultura do teu povo, você foi preparada para assumir função específica? Se sim, era o que você gostaria de estar fazendo?
R - Não entendi, Márcia.
P/1 - Na cultura do teu povo, você foi escolhida, foi preparada para assumir alguma função específica? Se sim, era o que você queria? Ou tinha outro desejo?
R - Fui preparada pela minha mãe para ser parteira e onde tive o prazer de fazer alguns partos, até da minha mãe mesmo. E eu tinha sido, eu tenho assim, mas se fosse o caso de voltar, eu teria ainda coragem de fazer parto, porque assim, trabalhar com saúde foi o meu forte, que até pago para minhas meninas: hoje, se eu pudesse, fosse mais nova um pouquinho, enxergasse melhor, eu ia fazer uma faculdade na saúde para eu poder trabalhar, mas a idade nem compensa mais. (risos) Nem enxergo mais direito. (risos) Mas eu sempre gostei de mexer com saúde, pedia para minha mãe... como eu tô te falando, usava muito remédio tradicional e eu era quem cuidava, às vezes que tinha alguém doente lá na casa da minha mãe, os meus tios que eram solteiros vinham para casa da minha mãe pra ficar bastante tempo e quando estavam doentes, tudo era eu que fazia, banho, eu que fazia chá, fazia, assim, cozimento para lavar. Eu tinha esse dom, essa preparação para isso, que a minha mãe ensinava, mas eu acho que eu vim mais foi com o dom de fazer essas coisas.
P/1 - Durante a tua infância e conforme você foi crescendo, você teve interferência na sua vida, no lugar onde você vivia... a televisão, o rádio, você ouvia música? Que tipos de músicas?
R - A gente ouvia rádio. Televisão… a gente foi conhecer televisão não faz tanto tempo, eu tinha dezesseis anos quando eu vim conhecer uma televisão. Conheci a rádio com sete anos, que eu tinha, meu pai comprou um rádio, eu acho que uns sete anos mais ou menos, mas a gente ouvia rádio. Mas assim, como éramos muito crianças, a gente nem prestava atenção naquilo.
P/1 - Não ficou na memória nenhuma música que você escutava nessa época?
R - Não. Tempo de criança, não. Eu me lembro assim da rádio, da rádio eu me lembro. Você vê, e eu era criança, né? Na época, a rádio assim que meu pai sintonizava, a rádio dele lá era Brasil Central, de Goiânia, e eu me lembro bem disso. A rádio Riomar, assim. Eu me lembro bem assim das rádios, mas assim, música mesmo, vou te falar, nunca prestei atenção em música.
P/1 - Mas ouvia alguém cantar, alguém de casa cantar alguma música?
R - Eu ouvia meu pai cantar, meu pai cantava. Ele tinha _____... hoje em dia nós temos nosso maracá, meu pai... nós, naquela época, já tinha o maracá, mas era feito na latinha e o pessoal chamava cheque-cheque, eu acho que era assim o nome daquela latinha com milho ou feijão dentro pra tocar e cantar. E meu pai cantava balançando aquele _______ dele de lata, na lata de leite (risos). E eu me lembro até da música que ele cantava, me lembro até hoje.
P/1 - Se quiser cantar um pedacinho, cantar toda, fica à vontade.
R - Ih, minha filha, (risos) deixa eu ver aqui. Eu falei assim que eu me lembro, mas tem que pôr a cabeça para funcionar um pouco para ver se eu lembro mesmo. Ele cantava assim ó: (cantando) “Lá em casa apareceu um chapéu, meu, nem caiu do céu. E a Teresa não soube explicar também, mas ele vem da cabeça de alguém. Já me faltava paciência, por coincidência o telefone tocou. O chapéu é do compadre naquele dia que ele visitou”.
P/1 - Olha só como ela tem ritmo para cantar!
R - Essa música... (choro) desculpa.
P/1 - Traz lembranças, né minha parenta, lembranças fortes.
R - Desculpa vocês.
P/1 - Não precisa pedir desculpa, não. A emoção faz parte também da vida, que bom que temos emoção.
R - Meu pai cantava, e fica passando na mente da gente tipo uma fita. É assim Márcia.
P/1 - São memórias fortes, mas também são importantes, aí a gente não esquece das pessoas que vieram antes de nós e que nos deixaram ensinamentos, boas memórias. Então, minha parenta, respira fundo.
R - (Risos) Sim.
P/1 - Tem muitas emoções.
R - Quando eu falo dos meus...
P/1 - A sua formação escolar, você estudou em escola específica indígena ou estudou na escola não indígena? Dentro ou fora do território?
R - Eu estudei em escola não indígena. Quando eu vim estudar pela primeira vez eu tinha 28 anos, quando eu entrei na escola para aprender a assinar meu nome. Com muita insistência do meu esposo, muita insistência mesmo, porque eu tinha muita vergonha. Logo assim, tinha saído de dentro da nossa aldeia e vim morar em Costa Marques com ele, e quando eu cheguei em Costa Marques, aí eu tive minha menina, nós tivemos a primeira filha, Gisele, e aí a Gisele adoeceu rapidinho porque ela não gostava de mamadeira. E aí ele, por muito insistir, queria que eu estudasse e eu falava que não, porque eu tinha já a neném e eu tinha que cuidar dela. Aí ele falou que me ajudava a cuidar, era só deixar a mamadeira pronta para ela que ele dava a mamadeira para ela. Menina, essa menina nunca gostou de mamadeira e ela ficou ruim, Márcia, com aquilo. Daí insisti pra ela mamar a mamadeira, e aquilo ali foi muito rápido assim, deu uma febre muito forte nela. Quando eu cheguei da escola, ela tava passando mal, eu vi ela lá, perguntei: “Cadê a neném?”. Ele falou: “Está dormindo”. Aí na rede, que eu olhei, menina, ela estava assim, isso aqui dela estava todo roxinho, as mãozinhas dela, eu falei: “Nossa, Gilmar, está queimando de febre, está ficando toda roxa aqui”. Aí levamos ela no hospital, aí chegamos lá o médico falou para ela que tinha aquela doença epilepsia e tinha dado, menina, uns remédios para eu dar para ela, mas Deus assim é tão maravilhoso, sabe, que na hora assim me tocou que eu não desse aquele remédio pra ela. Aí falei pra ele: “Gilmar, eu não vou dar esse remédio pra ela. Vamos lá na casa do seu filho, pro seu filho benzer ela”. Aí nós fomos pra casa de um tio dele. Chegamos lá, o tio dele começou a benzer, benzeu, benzeu e ela foi melhorando. Aí fizemos chá e fizemos um bocado de remédio assim, passei no corpinho dela, quando foi no outro dia, eu falei para ele: “Gilmar, eu não vou dar esse remédio para neném. Vamos em Porto Velho, porque lá tem como fazer os exames para saber se ela é epilética”. Aí ele foi lá com o primo dele e conversou com o primo dele, o primo dele me deu as passagens, e naquela época, esse Expedito Júnior de hoje, ele trabalhava na ação social e era amigo do primo Gilmar, aí ele fez uma carta e mandou para o Expedito Júnior essa carta. Você vê, não tinha nem, não era todo mundo que tinha telefone. Aí quando eu cheguei aqui em Porto Velho, menina, aí me levaram lá nessa ação social, aí eu conversei, entreguei a carta para ele, conversei com ele, mas aquilo ali, sabe assim, uma conversa que nem eu converso hoje, naquele tempo eu não falava quase nada, muita vergonha, vergonha de tudo, ainda mais aqui que eu não sabia, não conhecia ninguém. Aí fiquei acho que uns cinco dias aqui na casa de uma tia que morava aqui já e eu me perdi, eu fui na casa de uma mulher e me perdi aqui dentro de Porto Velho. Fui pra pegar uma passagem para ir embora para casa e aí não acertei nem a casa da mulher e nem acertava voltar (risos) pra casa da minha tia. Pra onde eu olhava, via tudo igual, e eu: “Meu Deus do céu!”. E aí quando eu voltei, menina do céu, ele ficou doido quando eu falei para que eu tinha me perdido, ele falou: “Você se perdeu porque você não sabe ler, você tem que aprender. Não falei que você tem que estudar?”, e assim foi, lutou muito comigo até que enfim eu consegui estudar um pouco (risos). Mas eu terminei meu ensino médio, eu terminei.
P/1 - Tem alguma história que te marcou na escola?
R - Na escola? A história que eu tenho que me marcou muito foi a insistência do Gilmar, que hoje eu agradeço muito a ele, e a insistência das minhas colegas. Tinha umas senhoras... naquele tempo eu era nova, eu tinha 28 anos, e as minhas colegas já de idade, assim, de idade de quarenta, cinquenta anos, me incentivando. E me marcou muito isso, porque se dependesse da minha vontade, da minha própria vontade, eu não teria estudado de jeito nenhum. E, assim, me marcou muito um professor que eu tinha, seu Sebastião, ele falava assim: “Minha filha, vergonha”. Que eu falava pra ele: “Ai professor, eu tenho tanta vergonha”, “Que vergonha, minha filha?”. E assim, me marcou muito esse professor, que ele me ajudou muito, mesmo, ele me incentivava tanto, como as minhas colegas já de idade, para eu estudar. E me marcou muito assim, o Gilmar dizer que eu era cega, falava: “A pessoa que não sabe ler é cega, porque tá vendo as coisas, mas não sabe o que tá escrito, é a mesma coisa que não estar enxergando”, e essa essa frase dele me marcou muito, porque realmente é verdade, você tá vendo, mas você não sabe o que é, então você vê que não tá vendo nada. Isso aí me marcou muito, essa frase do meu esposo.
P/1 - Teve alguma matéria especial que você gostou mais do tempo de escola, dos estudos na escola?
R - Alguma matéria que eu me identifiquei mais? Deixa eu lembrar aqui o nome da matéria, meu Deus. Educação Artística, eu me identificava muito bem com a matéria de Educação Artística. E uma professora, que eu tive professora, professora Diva, uma professora muito paciente, muito paciente mesmo para ensinar e ela ensinava muita coisa boa para gente em Educação Artística. Eu aprendi muita coisa com ela, porque eu já mexia um pouco com os meus artesanatos e aí eu comparava os artesanatos com a Educação Artística que ela trabalhava.
P/1 - Essas escolas que você frequentou ficavam na cidade?
R - Sim, em Costa Marques, na cidade de Costa Marque que eu estudei. No começo, em Costa Marques, aí foi quando eu perdi meu pai e eu mudei para Seringueiras, aí eu terminei meus estudos lá em Seringueiras. Mas todas foram na cidade.
P/1 - Você contou que...
R - Trabalhei, estudei, comecei a estudar na escola de ensino médio e fundamental, e aí quando eu mudei para Seringueiras, estudei o Telecurso, aí não concluí, aí o resto eu concluí no Encceja, na cidade. Aí eu passei por essas escolas, né?
P/1 - Quando você era criança, você não frequentou a escola?
R - Não. Eu estou falando que com 27 anos foi que eu vim saber que tinha como a gente estudar, que tinha escola, porque lá onde nós morávamos, não tinha. Não tinha ninguém, era só nós. Eu e meus irmãos, minhas irmãs. Depois que eu entrei na luta em 2001, e em 2005 eu consegui levar através do Francisco Marinho, que era um procurador aqui em Porto Velho, foi que a gente conseguiu levar a escola para dentro da minha aldeia, onde eu fui ser a primeira professora já do meu povo. Aí foi onde meu irmãos, minhas cunhadas estudaram e até meus sobrinhos estudaram comigo. Depois eu não quis mais ser professora e entrou a prô Gisele, minha filha, no meu lugar e assim sucessivamente. E assim, até hoje nós temos a nossa escolinha lá ainda, onde eu fui a fundadora da escola. E ___________ é o nome da nossa escola.
P/1 - Como era o caminho? Como você fazia para ir até a escola quando estava estudando?
R - Quando eu estava estudando?
P/1 - É. Como é que era...
R - Eu...
P/1 - (áudio cortado) ...as escolas?
R - Eu ia sempre a pé porque ela ficava sempre perto da minha casa, tava perto. Eu ia de bicicleta já. Todas elas eram assim, ia a pé, ia de bicicleta, que ficava tudo próximo da minha casa. Eu morava na cidade.
P/1 - Como foi a formação que você recebeu após sair da fase de criança e antes de se tornar adulta? Isso dentro da sua cultura, do seu povo.
R - A formação que eu recebi da minha mãe... a minha mãe, de criança para a fase adulta, é sempre a minha mãe que ensinava assim, Márcia, que a gente, mulher, tinha de saber fazer as coisas, também cuidar do filho, sabe cuidar do marido. Saber, assim, receber alguém na casa da gente, o que a gente... eles pensavam muito na alimentação, minha mãe pensava na alimentação. E quando chegasse a pessoa na casa da gente, a gente [tinha que] perguntar se aquela pessoa não estava com fome, se queria comer. Oferecer o que a gente tinha no momento, né? Não era para ter, assim, vergonha. Por exemplo, se eu tenho carne ou mandioca cozida, não tenha vergonha de oferecer. Sempre assim, eu tive essa formação da minha mãe assim. E cuidar dos filhos, se tivesse filhos. Esses sempre foram os cuidados dela com a gente, o que era, diz ela, que depois a gente não sofreria quando saísse da companhia dela para ser a dona da casa da gente.
P/1 - No seu povo, tem alguma lembrança que foi mais especial para você na vida?
R - Eu não te entendi.
P/1 - Nesse processo todo de formação que você recebeu após sair dessa fase de criança e antes de se tornar adulta, como é que, a partir de que idade que vocês, dentro do povo Puruborá, são considerados como adultos?
R - Ah, sim. Márcia, a partir do momento que a gente passou dos quinze, dezesseis anos, já é considerado como um adulto, porque já tem uma noção da vida que vai enfrentar. E você sabe que o índio casa muito cedo, muito novo e aí ele já veio se preparando, a mãe já vem preparando o filho, a filha principalmente, para poder ser uma dona de casa. A partir dessa idade aí, você já é considerado uma adulta, os mais velhos falam: “Você já é bem grandinha, você tem que saber cuidar de você mesma”, porque quando vem a primeira menstruação da mulher e aí a mãe já vai preparando ela como adulta. De des, de doze anos vem a primeira menstruação, você já vai ensinando de tudo para você ser uma mulher experiente, uma boa dona de casa. Como dizia a mamãe, temos que ser boas dona de casa, tem que saber cuidar do marido. ______.
P/1 - A tua família assume quais papéis dentro do teu povo? Tanto na parte profissional, como também na parte da cultura.
R - Não entendi, filha.
P/1 - Quais são os papéis que… as funções que você e sua família assumem dentro da cultura do seu povo e também dentro das instituições, né, da Educação, da Saúde?
R - Qual é o papel...?
P/1 - É, as funções que vocês ocupam.
R - Ah, a função. Menina, de tudo um pouco. Da mulher, tanto na educação como da cultura, a gente trabalha tudo junto ali, que é para não deixar perder, porque hoje em dia, como eu tive uma criação diferente dos meus filhos, no mundo que a gente vive, mas o pouco que a gente tem ainda, a gente tem que passar para eles, tanto da cultura como da educação.
P/1 - A sua função hoje na sua comunidade é qual? Qual o papel que você assume?
R - Eu estou como cacique dentro da aldeia, de conversar com todos eles do que eu vivi da minha infância e o mundo que nós vivemos hoje, como é que… pra gente não perder essa cultura, essa linhagem. E na educação, como trabalho dentro da escola, na educação, na saúde também, ali eu sou um ‘bombril’: faz tudo. Faço de tudo um pouco. E dou conta da minha comunidade, ter essa responsabilidade imensa que eu tenho na minha comunidade, com a responsabilidade da minha casa, porque sou casada também, tenho meu esposo. No tempo que tinha os filhos, hoje em dia não tenho mais filho pequeno, filho dentro de casa, só eu e meu velho mesmo. Mas não é fácil, vou falar pra você, você sabe muito bem disso como mulher também, não é fácil de jeito nenhum, mas quando a gente tem um bom diálogo dentro da casa da gente, com a comunidade da gente, a gente vai superando isso.
Nós precisamos ter muita, como diz os brancos aí, a gente precisa ter ‘calma nessa hora’, para a gente poder ter esse ‘jogo de cintura’ com a sua comunidade, até com você mesmo para não ter aquele estresse mesmo, ter... nossa, não é fácil, mas a gente, com a sabedoria do nosso pai Abu, a gente consegue vencer.
P/1 - Isso aí! Quando foi que você começou a trabalhar, Hosana? Como foi o seu primeiro trabalho?
R - Em geral, você fala?
P/1 - Você pode falar do seu primeiro trabalho, seja dentro do que você considera como trabalho.
R - Olha, o meu primeiro trabalho que eu tive assim, sem ser da minha rotina da minha casa, o meu primeiro trabalho fora da minha casa, eu fui trabalhar no restaurante e foi onde eu sofri, assim, um assédio do patrão, mas só que na hora eu sofri aquele assédio, eu perdi acho que assim, um pouco (risos) do juízo e eu fiquei muito pior, eu percebi que aquilo, ele tava falando comigo, eu fiquei muito brava, Márcia, muito brava mesmo. Ele… a esposa dele tinha viajado e tinha ficado só a gente tomando conta, era eu, minha tia e outra menina, e nós éramos cozinheiras, meu trabalho lá era só descascar batata, que era muita batata que a gente fazia. E ele, o quarto dele fazia… tinha uma janela que abria a janela e via a cozinha. Ele lá, forrou uma tal colcha na cama dele, daí de lá da janela ele chamou minha tia, falou assim: “Maria, olha que lindo que eu forrei na cama hoje”. Minha tia olhou, falou: “É, muito bonita sua colcha”. E ele não se contentou com aquilo, ele pegou e chamou minha tia para chamar nós para ver a tal cama dele. Aí eu já fiquei assim: “Ué, quando a mulher dele está aqui, ele nem abre essa janela. Por que ele abriu essa janela hoje?”. E eu trabalhava assim, mas eu… minha mãe sempre usava assim: “Olha, no mato existe um bicho que é difícil a gente matar ele, porque ele é muito esperto, nem para comer ele sossega e nós temos de ser que nem esse bichinho, a gente tem que prestar atenção a tudo, ficar atenta a tudo. E tem que ser que nem cotia...”. Quer dizer: “Tem que ser que nem o acanã, tem de prestar atenção”. E eu sempre lembrando das coisas, dos ensinamentos da minha mãe, eu fiquei assim na hora que ele abriu aquela janela. Aí ele pegou e falou assim para minha tia: “Maria, chama as meninas para vim ver”. Minha tia pegou e chamou nós: “Hosana e Elma, vem aqui ver, o seu Baiano está mostrando a cama dele”. E ele foi muito audacioso, Márcia, ele falou assim: “Qual é de vocês duas que quer passar das sete ao meio-dia em cima da minha cama?”. Mano do céu, fiquei doida naquela hora, falei tanta coisa pra aquele homem. Assim, não sei de onde que saiu, que eu nunca tinha feito assim, nunca tinha falado assim. Mas aí ele falou: “Nossa”... ele olhou assim para mim, ele falou: “Nossa Hosaninha, tu não sabe nem brincar”. Eu falei: “Não sei. Desse tipo de brincadeira que o senhor falou, eu não sei e nem gosto. E quando a sua mulher chegar, eu vou contar”. Quando foi a mulher dele chegou, que ela tinha saído pra fazer compra, aí ele pegou e contou uma versão totalmente diferente. E aí ela pegou e falou assim que ia me dar as contas, porque eu não tava fazendo o que ele tinha pedido. Aí eu falei assim: “Mas ele falou isso para a senhora?”, “Foi”. Falei pra chamar ele: “Chama ele que eu vou falar pra senhora o que ele fez. Não sei se tá lá na sua cama uma colcha azul e ele perguntou qual era de nós duas que queria deitar das sete ao meio-dia em cima da sua cama”. Menina do céu, aí eu sei que, meu Deus, ficou uma confusão danada, já dele _____. E esse aí foi o meu primeiro trabalho assim que eu arrumei, que eu fiquei meu Deus. E fiquei até com medo de não arrumar trabalho. Depois eu saí de lá muito chateada com isso, aí eu fiquei pensando assim: “Meu Deus, será que todo trabalho que eu for arrumar vai ser assim?”, porque eu não tenho até hoje esses costumes. E eu fiquei com muito medo, Márcia, de voltar a trabalhar na casa dos outros, por causa disso, que tinha acontecido isso. Cheguei, contei pro meu marido, ele falou: “Não, você não vai passar fome, eu trabalho”. Aí depois de muita, pelos menos uns três anos, foi aí que eu fui arrumar outro trabalho. Trabalhei numa padaria, lá a mulher me tratava muito bem, graças a Deus. Tanto ela como o esposo dela me tratavam muito bem. E aí eu saí da padaria, fiz o concurso, passei. Concurso do estado, passei, aí pronto, fui trabalhar no estado. Mas eu sofri, sabe? Assim, até dentro do estado mesmo tinha, teve um professor, não sei, acho que ele não gostava mesmo de mim, ele não foi com a minha cara, ele tentou me incriminar várias vezes, só que tinha muito professor bom do meu lado, falava: “Não”. O meu diretor mesmo, assim: “Não, eu observo a Hosana, ela não é essa pessoa que você tá falando, ela não fez isso, quem fez isso foi Fulano e Fulano, tá aqui”. Ele tinha a capacidade, Márcia, esse professor, ele trabalhava com 35 alunos dentro da sala dele e os 35 alunos, ele fez os 35 alunos escrever me tratando assim: “Professor, tira essa gorda”, ele me chamava de gorda. “Tira essa gorda, essa gorda me queimou”, “Tira essa gorda que essa gorda me molhou”, sempre assim, sabe? E era coisa que eu nem mexia, nem com água, nem com fogo, mas ele tentou fazer eu perder o emprego várias vezes, esse professor.
P/1 - Você trabalha de que na escola?
R - Eu trabalhava na escola, eu era merendeira. Eu fazia merenda.
P/1 - Mas aí depois você falou que... a partir de quando foi que vocês começaram a fazer a retomada do território e garantir direitos na escola específica do povo Puruborá?
R - Nós começamos em 2001 para voltar a ser reconhecido de novo. Em 2005, eu fui ameaçada, eles lá, os fazendeiros descobriram que a gente tinha sido, que tinha um grupo indígena lá e eles começaram... e nessa época eu trabalhava na cidade ainda e estudava, e eu tinha um amigo, que através desse meu amigo, ele escutou, ele trabalhava numa serraria e ele escutou eles comentando lá que eles iam me matar, que eles sabiam, eles tinham descoberto qual era a mulher que tava querendo ‘tomar’ as terras deles. E nesse dia, eles sabiam onde eu estudava e o horário que eu ia para escola e o horário que eu saía, e aí eles iam me pegar na hora que eu ia sair da escola, onze horas da noite. Aí meu amigo escutou e quando chegamos lá na escola, ele me chamou: “Hosana, vem cá que eu quero te falar uma coisa: tá acontecendo isso, isso e isso. É verdade?”. Pois é, e meu amigo chegou, ele me chamou e me falou: “Hosana, eu escutei, eu ouvi lá na serraria isso, isso e isso. Vai-se embora, minha amiga, vai embora pra tua casa”. Aí quando eu cheguei em casa, eu liguei pro ________ e contei a situação que estava acontecendo. Nessa hora mesmo, ele falou assim, o Francisco Marinho falou: “Olha, se tiver ônibus, manda ela vir embora para cá, manda ela vir para Porto Velho, vamos ficar com ela aqui”. Aí ele pediu para alguém, nem sei, depois eu sei que foi alguém na rodoviária e falou tinha o horário de ônibus ________ nem sei como é que foi, mas eu sei que nessa hora mesmo, filha, eu só peguei umas mudinhas de roupa e falei para minha filha... meu esposo não estava, que tava na aldeia. Aí falei para minha filha que eu ia viajar, também não falei para elas o motivo, só falei que tinha sido o ________ que tinha me chamado e eu tava indo. Aí quando eu cheguei aqui, depois, no outro dia, pela parte da manhã, eu contei. E liguei para elas e contei pra elas o que tava acontecendo, pedi para ela tomar cuidado e tudo mais. Aí conversei com meu esposo também. Aí fiquei dois meses morando aqui em Porto Velho e todo dia eu ia na ________, foi onde eu te conheci lá na... você lembra, né, na ________ aqui em Porto Velho. Mas aí, Márcia, naquele tempo eu era muito calada, você lembra disso, com certeza, e eu chorava todo santo dia porque tinha deixado os meus filhos - naquele tempo, meus filhos ainda tavam tudo em casa, tudo pequeno -, eu falei para o Francisco Marinho, depois de dois meses, quase três meses que eu tava aqui, eu falei para ele que eu ia embora, não ia ficar aqui. E ele perguntou: “Hosana, se você acha que lá no sítio - falava sítio naquele tempo ainda - é mais seguro para você do que na cidade”, eu falei que era, né, que lá no sítio era muito mais seguro, “então vamos fazer uma escola. Você tem quem dê aula lá?”, eu falei que tinha, mas a minha sobrinha, que já tinha terminado o estudo, demorou para mandar o documento, e era tudo, era hoje. Ele falou: “Vai você mesmo como professora. Você já é funcionária, a gente só te dá mais vinte horas para você dar aula lá”. Minha filha, eu não pensei duas vezes. Falei com as meninas, liguei lá, falei: “Olha, vamos fazer uma escolinha aí, cortar uns paus, umas tábuas ________ uma escolinha”, eu consegui rapidinho. E desde 2005 já começamos a nossa escolinha indígena a funcionar, até hoje. Mas foi assim, foi através de ameaça, mas conseguimos. E hoje em dia, Márcia, a gente está enfrentando uma grande, também, uma grande dificuldade. Com essa campanha política, está sendo muito difícil pra nós lá.
P/1 - Eu me lembro sim, parenta, desse período, fico feliz de te ver aqui firme e forte, guerreira nessa luta pelo reconhecimento do território de vocês. E aí eu queria que você falasse para gente assim, geograficamente, onde que se situa esse território que vocês estão ocupando, tão demarcando com o próprio corpo e espírito? Onde fica exatamente nessa configuração geográfica o território de vocês?
R - Pois é, Márcia, eu, assim, o nosso território fica localizado… indo para, de Ji-paraná a gente já vai... que aqui a gente vai assim: indo nessa até chegar em Ji-paraná, aí de Ji-paraná a gente já vai descendo como se fosse em direção para Costa Marques. E nós estamos naquele meio de Seringueiras a São Francisco, nós estamos na divisa de município para município, só que nós estamos dentro do município de Seringueiras. Eu não sei se tu entendeu ou como será, porque eu não sei te explicar bem assim geograficamente falando ou se eu fosse fazendo tipo um mapa, aí eu sei, porque tenho na mente isso aí. Mas nós ficamos nessa divisa aí de São Francisco com Seringueiras. Mas o nosso município de origem é Seringueiras. Porque o que faz divisa dos dois municípios é o nosso rio, Manuel Correia, e nós estamos do lado esquerdo no meio do Rio Manuel Correia.
P/1 - Você sabe se tem algum outro nome originário, esse rio? E quem foi que deu esse nome de Manuel Correia?
R - Manuel Correia foi dado, eu acredito que por Marechal Rondon. ________ Eu acredito que foi o Marechal Rondon, porque lá tem todos os igarapés, que tem esse, tem vários nomes e diz que Marechal Rondon quando tava fazendo a linha telegráfica dele, ele vinha colocando o nome nos lugares abertos que ele passava. E eu ________ me entendi por gente, que eu conheço como Manoel Correia. E o outro rio que é encostado ao nosso... porque lá eles estão: Caio Espíndola, Manuel Correia, o Bananeira e o Rio São Miguel. Esses rios, Bananeira, Manuel Correia e Caio Espíndola nascem do Rio São Miguel e o Rio São Miguel nasce do Rio ________ e assim sucessivamente. E nós estamos localizados no Manuel Correia.
P/1 - Logo no início da sua fala, da sua narrativa, você falou que tinha retornado com as antropólogas no lugar que você viu usurpar de vocês. Por que vocês saíram desse lugar e vieram para o lugar que vocês estão hoje?
R - Pois é, Márcia. Muito triste também essa passagem aí para nós, porque nesse lugar onde eu fui criada, ele fica na... eu nasci no Manuel Correia e esse lugar era também Manuel Correia, onde meus irmãos, teve um irmão meu que nasceu nesse lugar. Nós moramos nesse lugar mais de trinta anos, porque eu tenho um irmão, meu irmão caçula, que nasceu nesse lugar, agora, em setembro, ele fez acho que 45 anos, e nós moramos nesse lugar mais de trinta anos. Onde... quando a Funai foi demarcar a terra dos Uru-Eu, eles encontraram esses sobreviventes lá, que era o meu pai, minha mãe e nós, irmãos, e a Funai pegou e expulsou, nós fomos expulsos pelo órgão Funai, desse lugar. E eles falavam que não existia mais Puruborá, que os Puruborá foram extintos, não tinha mais Puruborá nessa região ali. E meu pai falando: “Eu não sou índio, mas a minha mulher é Puruborá”. E um tempo assim, eu não sei se tu conheceu, tal, o Doutor Ailton, ele era um dos que tava fazendo esse trabalho lá, e onde ele chamou, disse que a minha mãe, como se não fosse gente, que ele perguntou agora que meu pai conversando com ele... porque naquele tempo a gente não podia ouvir a conversa dos velhos, as crianças. Quando chegava gente em casa, a gente se recolhia pra cozinha, só saía da cozinha se meu pai pedisse água ou café, a gente chegava, deixava lá e saía de novo. E aí ele perguntando, meu pai falou: “Não, a minha mulher, ela é índia, ela é Puruborá”. E ele se tocou ________ meu pai: “E cadê a sua mulher?”, “Está lá na cozinha”,” Chama ela aí para mim”. Meu pai chamou minha mãe, minha mãe foi, tadinha, muito humilde, muito humilde mesmo. Aí disse que ele olhou assim para minha mãe e falou assim: “Essa aí que é a índia? Essa mulher é uma boliviana, rapaz”, chamou a minha mãe de boliviana. Meu pai falou: “Não, ela não é boliviana, ela é indígena Puruborá, da etnia Puruborá”, falou dos meus tios, onde meus tios estavam, os irmãos dela moravam... Mas olha, filha, não teve acordo, não teve conversa com esses homens. Eles só deram prazo, colocaram uma placa muito grande assim num pé de árvore que tinha na beira do rio. E lá eles deram um prazo: “Você tem sessenta dias pra se retirar daqui. Porque se nós chegarmos e toparmos com vocês aqui de novo, a gente não sabe o que vai ser com vocês, o que vai acontecer com vocês”. Nossa, menina, meu pai ficou doido, mas a minha mãe só chorava, porque pra onde que ela ia, para onde que ela ia levar as criações dela nesse momento e nós tínhamos muita criação, muita criação mesmo. Aí meu pai pegou, meus irmãos já moravam todo mundo na beira do rio, e eu tinha três irmãos lá pra assim mais ou menos, um dia de viagem de canoa. A gente andava de canoa, dava mais ou menos um dia de viagem assim, a gente indo de canoa pra chegar na casa desses meus irmãos. Aí chegando lá, meus pais chegaram lá e contaram essa situação, meu irmão: “Não, o senhor vem para cá, vem para cá pra onde nós estamos morando”, mas não tinha onde deixar os animais, meu pai tinha muito porco, muita galinha. Na época, até vaca meu pai tinha já, tinha comprado. E aí nesse lugar que nós estamos morando hoje, já tinha um homem morando lá e aí já tinha aparecido já a [BR] 429 e a demarcação dos Uru-Eu ocorreu por causa da [BR] 429. E aí quando eles abriram a estrada já, que passou os maquinários aqui na estrada, já foi entrando gente pra ir ocupando os lugares na beira da estrada. E já tinha gente ocupando, e era um ocupando, outro já vendendo. Chegava, só dizia que “aqui é meu”, mas se tu chegasse mais atrás um pouquinho, ele já te vendia aquele mais para frente. E era, assim, vendendo. E aí meu pai quando chegou lá, esse homem estava vendendo esse lugar e a minha mãe: “Não, eu quero ________ compra aqui”, sendo que era nosso de origem. Meu pai comprou esse lugar que é um lugar que a gente vive até hoje.
P/1 - Esse mesmo lugar que vocês moravam antes e que foi dito pra vocês saírem?
R - Não te entendi.
P/1 - Esse lugar que teu pai comprou era o mesmo lugar que vocês moravam e foi dito para você e para seus pais saírem?
R - Não, é o outro lado, onde eu levei as antropólogas. Lá que nós morávamos e que a Funai fez nós saírmos, meu pai comprou aqui, que é o lugar que nós moramos até hoje.
P/1 - Entendi.
R - Mas só que era nosso também, porque morava meu tio, meus irmãos. Nesse lugar que nós moramos hoje, era do meu irmão. Quando meu irmão casou, ele foi morar lá. Era do meu irmão. Porque todo mundo morava assim, na beira do rio, o rio era cheio de casinha. Mas aí quando foi a [BR] 429, foi o tempo que meus tios também foram embora pra… uns foram para Limoeiro, outros foram para Guajará, outros vieram aqui para Porto Velho e só nós mesmo que ficamos lá, minha mãe: “Não, eu não saio! Eu não vou!”. E ela nunca quis sair, nunca, nunca.
P/1 - Hosana, tu me falou que a tua mãe foi dada de presente para o seu pai porque ele era seringueiro e tinha um trabalho que rendia. Então os Puruborá viviam nessa mesma região aí onde seu pai foi morar com a sua mãe?
R - Sim. Meu pai foi para lá como Soldado da Borracha, ele tinha dezessete anos. E ele nasceu no Acre, mas ele se criou aqui ________ Guajará. Ele conta da madeira... a Estrada Madeira-Mamoré, um negócio assim, ele contava tudo isso aí pra nós, porque ele ficou ali no Ouro Preto, Rio Pacas Novas, ele contava tudo aquelas história dali, ele contava pra gente. E com dezessete anos ele foi para lá trabalhar com esse Arlindo Freitas e o Arlindo Freitas era o seringalista daqueles lugares ali. Com dezessete anos ele tinha quando foi presenteado pela minha mãe.
P/1 - Parenta, você já falou bastante do seu esposo, da importância que ele tem na sua vida e o apoio que ele te dá. Como foi que vocês se conheceram e se vocês tiveram algum ritual específico cultural de casamento ou casaram dentro das leis não indígenas? Como foi essa relação de vocês?
R - Eu conheci meu esposo em Limoeiro, porque Limoeiro, como eu falei, era uma grande maloca também, onde era o povo Migueleno e o pai dele trabalhava de mateiro, o pai dele era indígena boliviano, só que veio da Bolívia, de Madalena, para trabalhar como mateiro. E naquele tempo eles pegaram muitas pessoas assim que conhecia o mato para ser mateiro, para colocar as estradas de seringa, e meu sogro era um desses coitados, né, mateiro, que trabalhava com esse Arlindo Freitas. E casou lá por Limoeiro com a quilombola, minha sogra é quilombola e veio lá de... ai, me fugiu da mente o quilombo lá da minha sogra, que agora eles são Quilombos Santo Antônio, mas eles vieram lá de cima do Rio Guaporé e fizeram o local deles ali em Santo Antônio. Aí ele casou com a minha sogra ali. Daí morava ali os bolivianos, os negros misturados com os índios, trabalhando para esse patrão. Os negros iam para lá tudo também como escravo desses patrões, junto com os bolivianos, os indígenas. E meu sogro fez essa família lá e eu conheci o Gilmar em Limoeiro. Só que eu tinha casado já com dezesseis anos, eu tinha casado, o Gilmar é meu segundo esposo. Não deu certo o meu primeiro casamento, não deu certo, aí a gente se separou, aí foi quando eu conheci o Gilmar, em Limoeiro, e casamos, assim, se juntamos, ‘juntamos as panelas’ e viemos para Costa Marques. Aí depois de muito tempo já, a gente casou no civil, aí ficamos casados no civil bastante tempo, aí casamos na igreja católica, fomos casados, e estamos aí com 36 anos de casados. E eu falo, as meninas, meus filhos acham graça que eu falo assim: “Se eu virasse moça e ele, rapaz, eu casava com ele de novo”. Aí as meninas falaram: “Eu duvido que meu pai queria casar com a senhora” (risos).
P/1 - Parenta, a senhora já falou da Gisele, que é sua filha mais velha. Então quantos filhos a senhora tem, quantos filhos você teve no primeiro relacionamento, no segundo também? Quais os nomes dos filhos, quem foi que escolheu o nome dos seus filhos? Qual é o significado do nome deles? Você pode falar para gente?
R - Pois é. Eu sou mãe, Márcia, de três filhos, mas que foram gerados no meu ventre só dois, que é a Gisele e o Gilmerson. A Camila é minha filha de coração, eu criei a Camila, ganhei a Camila de presente da minha sobrinha, só que ela é meu sangue, eu criei ela. Eu vi a Camila nascer, eu fui a primeira depois do médico, eu fui a segunda pessoa que peguei ela dentro do hospital e eu não sei por qual das quantas o médico achou que eu era enfeiteira e na hora que a minha sobrinha entrou para sala de parto, ele me chamou e eu entrei. E na hora que ele pegou a neném, ele me entregou e eu peguei, entreguei para minha cunhada, porque eu falei: “Dentro do hospital, o que eu vou fazer? A enfermeira está aqui”, eu entreguei para minha cunhada e tal, que fizeram o trabalho de parto e eu ali. Depois que ele me perguntou em qual hospital que eu trabalhava, eu respondi pra ele que eu não trabalhava no hospital: “Mas por que você tava ali?”. Eu falei: “Porque ela é minha sobrinha e eu acompanhei ela. E na hora que vocês trouxeram ela para cá, o senhor me chamou e eu vim”, e fui a segunda pessoa a pegar. Aí quando ela tinha... aí eu cuidei dela, na dieta dela, da minha sobrinha, eu cuidei, e quando terminou a dieta dela, o marido dela veio, levou ela e eu pedi para eles cuidassem bem, porque a neném tinha nascido perfeita, de uma saúde perfeita, e eles cuidassem daquela menina. Eles foram embora, na época, ela morava em Seringueiras e eu morava em Costa Marques. Aí com uns quinze dias que eles tinham ido pra lá, ela voltou com a criança. Naquele tempo era muito difícil, não tinha médico em Seringueiras e nem em São Francisco, só Costa Marques ou São Miguel. Aí ela chegou com a neném já assim meio passando mal, chorando e eu falei assim: “Não, você vai me contar o que aconteceu com a nenê, porque ela não nasceu doente, ela era boa”. Aí ela contou que o marido dela tinha batido na neném pra neném parar de chorar. Aí eu sei que ele judiava, menina, muito dela, e teve um senhor lá e falou para o meu pai e meu pai foi lá e pegou ela e a bebê, mandou que ela fosse para minha casa. Aí ela foi, chegou lá, ela me deu e eu criei minha filha Graças a Deus, muito obediente, meus filhos, todos os três, Márcia, são muito assim, me escutam, né? Porque eu falei assim: “Eu sou mãe” e quando eu ia bater em filho meu, chegasse a bater, era porque tinha que levar umas palmadas mesmo, pra se aquietar, porque eu conversava muito, eu deitava na cama com eles ou eles sentavam na minha mesa para conversar, assim, do jeito que a minha mãe me criou, eu criei meus filhos e portanto, meus filhos são tudo pra mim. São filhos muito bons, como você conhece as minhas meninas, tanto a Gisele quanto a Camila estudaram, gostam de estudar. Agora, o menino não gosta de estudar, gosta muito de trabalhar, muito trabalhador. Ele não é, assim, da luta, ele não é da luta, ele apoia, mas assim, para ele sair pra lutar que nem a Gisele ou a Camila fazem, ele já não faz isso. Ele só apoia o nosso trabalho, mas ele mesmo diz que não tem, não é assim, uma coragem. Ele acha uma coragem, e ele não tem essa coragem de lutar que nem nós lutamos pelos nossos direitos, correr atrás dos nossos direitos. Mas os meus três filhos foram um presente de Deus.
P/1 - Que linda essa história da Camila, muito bonita! Parenta, você já mencionou algumas dificuldades que aconteceram durante a pandemia, mas você poderia dizer como foi que vocês fizeram para se proteger do Coronavírus? Aí você já falou do falecimento do seu irmão, se você se sentir à vontade de falar como que foi, se perdeu muita gente do povo, como foram esses desafios, como que o Coronavírus impactou sua vida, pensando assim, impactou culturalmente, profissionalmente, pessoalmente, o dia a dia, a rotina, o próprio povo. Se você se sentir à vontade e quiser falar.
R - O Coronavírus, Márcia, ele foi assim, para nós, muito, muito, como povo, foi assim muito impactante mesmo, porque nós tivemos de aprender a conviver longe um do outro e nós não tínhamos esse costume, nós não temos até hoje. Nós mesmo ali de dentro da aldeia, nós fazíamos… nós temos o costume de todo final de semana... por exemplo, esse domingo eu vou dar um almoço para minha família na minha casa, no outro domingo eu já vou para casa do outro irmão. E assim nós fazíamos e ia todo mundo. A gente tinha isso com a gente e foi onde, para nós, eu fiquei assim muito triste, eu chorava, porque... chorei muito, muito mesmo. Se choro valesse alguma coisa, acho que eu era muito feliz hoje, de tanto que eu chorei. E eu fazia o meu esposo: “Eu sei que eu não posso ir na casa dos meus irmãos, eu sei que eu não posso estar junto. Você vai me ‘botar’ dentro desse carro e vai andar nessa BR”, (risos) eu fazia meu esposo me levar lá de________ que a gente ficava andando na estrada, dava três, quatro voltas na estrada, nessa aqui, para mim, sei lá, parecia que se eu ficasse andando, parece assim que eu tava na casa dos meus irmãos. E ele falava assim: “Tu é doida e ainda tá fazendo eu ficar, porque agora eu vou ficar andando para lá e para cá com você”. E eu fazia isso, Márcia, porque eu tinha o costume, não é todo dia que a gente fica na casa um do outro, mas todo final de semana eu sou muito de visitar, muito, muito mesmo, de visitar minha família. Eu tenho um irmão que mora em Costa Marques, eu tenho meu pajé, que é vivo, na época ele morava em Costa Marques, o pai do Antônio, e eu fazia essas visitas. Eu ia para outra comunidade visitar meus parentes lá, parente de sangue, que nem eu tenho um irmão que é casado com Miguelena, eu ia para lá com os Miguelenos. Assim, eu sou muito de ________, muito mesmo, e com essa pandemia, eu tive que ficar em casa, foi muito difícil. E até agora pouco, não acabou a pandemia ainda, que a gente sabe disso, a gente tem que ter os cuidados e aí eu sempre reservada, com medo ainda, porque a gente não sabe, ainda sabe que não terminou a pandemia. É claro que não está mais como estava, porque a gente também já tomou as vacinas e tudo mais, mas essa Covid ela veio assim, eu não sei se foi para, assim - como eu posso dizer? -, para ver se realmente a gente vê como é que são as pessoas ou como é até a gente própria. E realmente, a gente gosta da família ou fazia aquilo por fazer, mas eu, no meu entendimento, eu sinto muita falta ainda desse convívio de compartilhar as alimentações: “Vamos comer hoje”, “Vamos fazer isso”, todo mundo junto, “Vamos pra beira do rio pescar”, né, ainda a gente fazia. Então assim, esse ano eu não fui nenhuma vez pescar ainda, ainda me reservo muito assim.
P/1 - É, tempos difíceis, né, parenta? Não foi fácil e nós, muitos dos nossos se foram. Do povo Puruborá, como foi essa situação, vocês perderam bastante gente do povo?
R - Perdi. Perdi meu irmão, perdi tio, primos pra Covid. E assim, se a gente puder partilhar o sofrimento, da dor da perda pertinho um do outro… porque quando meu irmão faleceu aqui em Porto Velho, a gente ficou assim ainda mais contente, porque nós ainda tivemos o prazer de fazer o velório dele, assim, o enterro só, porque levaram para cá, nós pedimos, os filhos dele que tavam aqui, falaram: “Não, nós não aceitamos colocarem o pai dentro do caixão pra nós levármos dentro do caixão sem saber se é o pai que está dentro. Nós queremos ele dentro de um caixão, não queremos ele enrolado com nada, vede bem o caixão, nós queremos com uma janela de vidro, que é para nós vermos realmente que nós estamos levando nosso pai e chegar lá e os irmão dele verem que é ele”. E isso aí nós fizemos, Márcia. Agora, meus primos, os irmãos da minha prima que moram lá, ninguém viu. Morreram aqui em Porto Velho, daqui ninguém sabe nem o que foi feito, só sabe que morreu. E assim, é uma tristeza muito grande pra gente, família, perder um ente querido e nem saber como foi enterrado. Muito difícil.
P/1 - Foi uma fase difícil da gente não poder fazer o funeral dos nossos entes queridos, mas o nome desses nossos queridos entes que a gente vai seguir em frente lutando, seguindo firme.
A gente está encaminhando para as perguntas conclusivas agora, parenta. Você poderia falar o que você faz hoje e quais são as coisas mais importantes para você hoje? Quais são os seus sonhos e o que você gostaria de deixar como legado?
R - Márcia, o que eu faço hoje? De tudo um pouco. E o que eu mais gostaria de fazer para deixar como legado do meu povo, é minha terra demarcada. A terra do meu povo Puruborá demarcada. É um sonho da minha mãe, ela não, em pessoa ela não viu, mas eu tenho certeza que ela tá no nosso meio, nos ajudando, nos orientando. E eu queria deixar isso como legado pro meu povo, que foi um pedido que a minha mãe fez para mim, foi um pedido, e eu gostaria que isso acontecesse. Muito mesmo. E assim, eu queria deixar meu povo, dizer assim, realmente, que ela, como mulher... porque nós, mulheres Puruborá, nós somos mulheres muito guerreiras, muito guerreiras mesmo. Isso é do nosso corpo mesmo. Porque até o pessoal pergunta assim: “Você não tem homem na aldeia de vocês, não?”, “Temos”. Porque todo trabalho que a gente faz… fomos, nós, mulheres, que isso aí vem já da nossa geração. E era uma coisa que eu queria deixar pro meu povo, mas quem sabe, só Deus sabe, é difícil e com a ajuda dele a gente vai conseguindo as coisas. E o que eu faço hoje na minha vida é buscar cada dia mais melhorias para o nosso povo. Com toda dificuldade que está, como você vê que nosso estado brasileiro não tá fácil para ninguém e nós estamos aqui para lutar. Lutar, lutar e vamos vencer porque parados não podemos ficar, porque quem para, cansa; e quem corre, alcança os seus objetivos. E esse é o meu objetivo, é de correr atrás das coisas em nome de nosso pai ________ eu vou conseguir, nós vamos conseguir.
P/1 - Isso aí, parenta, siga firma, estamos juntas nessa luta. A senhora podia me dizer, parenta, como está a situação hoje do território nesse processo de reivindicação da demarcação?
R - Nós tivemos, Márcia, esse ano com o estudo, com as antropólogas, onde elas ficaram do dia doze de agosto ao dia trinta fazendo trabalho de campo e ela pediu três, seis meses de prazo para ela entregar um relatório pronto, e aí a gente, pelo trabalho que ela fez conosco, quem acompanhou o trabalho fui eu, meu sobrinho, de Campos mesmo, foi nós dois, e aí nas conversas, ela conversou com a comunidade e diz ela que tem um trabalho e ela tem certeza que vai dar um relatório muito bom, que foi o pedido que o Pedro do ________ fez. Ele fez até um ____ junto com nós, o trabalho que ele, ______________ que ele pediu, a gente alcançou esse objetivo. Aí elas vão escrever e com seis meses elas vão escrever lá... foi em agosto, né? Setembro, outubro, novembro, dezembro, janeiro e fevereiro. Vamos ver o que vai acontecer nessa transição de governo, mas como foi no pedido feito pelo juiz, eu acredito sim que o nosso trabalho vai pra frente. Vai demorando, você sabe, tira uma coisa daqui, tira outra ali, só tira os nossos direitos. Mas eu tô confiante, porque eu confio no ________, por isso.
P/1 - Estou muito feliz de estar ouvindo, parenta, muito importante toda essa luta que você traz para gente, toda essa memória, toda essa história. Eu gostaria de saber, para finalizar, se você ainda tem alguma coisa que você gostaria de falar, que não falou ainda, e também saber como é que foi para você contar a sua história de vida, que envolve a história do seu povo?
R - Se nós formos conversar, você me faz perguntas e nós conversamos hoje ou amanhã, né? (risos) Mas foi muito tranquilo, foi tranquilo para mim. Apesar, assim, devido ao ventilador, eu fiquei um pouco surda, mas foi ótimo, foi muito tranquilo. E como eu estou te falando, se for para a gente conversar, a gente vai, uma conversa puxa a outra, a gente vai lembrando, porque eu tenho certeza que eu não falei nem a metade do que eu sei pra você, mas a gente vai lembrando aos poucos, porque depois eu vou pensando assim, eu vou ficar com isso na minha mente, eu vou dizer: “Poxa vida, eu devia ter falado isso para a Márcia”, mas quem sabe um dia vai ter outra oportunidade dessa, né? Estou grata por esse trabalho, sou grata por você ter me convidado para eu tecer esses momentos com você. Estou muito grata por isso, gratidão mesmo, Márcia.
[Fim da Entrevista]
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