PRIMEIROS PASSOS
“Em nome do pai, do filho e do espírito santo.” Pela quarta vez estou tentando realizar um sonho: Escrever e publicar um livro. O primeiro, foi escrito à mão. Minha mãe, foi arrumar a casa e jogou tudo fora.
- Mãe isso é um livro que estou escrevendo!
- Tem nada não, depois você escreve outro!
E os outros? Desapareceram de formas estranhas: Deletados, rasgados, queimados... Diante desses inconvenientes, resolvi escrever sobre minha vida, dessa forma, posso falar o que eu quiser; o que fiz; o que não fiz; o que tive vontade de fazer e o que deixei de fazer. Se alguém vai ler, é outra história.
“A minha vida é um vendaval que se soltou
É uma onda que se alevantou
É um átomo a mais que se animou
Não sei por onde vou
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí.”
Esse exemplar que em breve será publicado é um resumo da minha história. Em respeito a minha mulher, esposa, amiga e namorada, fiz várias modificações, ocultando passagens que não seriam agradáveis, apesar de fazerem parte de um passado, morto e sepultado, apagado na parede da memória que é o quadro que dói mais. E por que esse apagão? Por uma questão de respeito e merecimento, jamais poderia ferir essa pessoa maravilhosa que me trouxe ao mundo, pela segunda vez, dando-me de bom grado uma nova chance de viver.
A história completa, guardada sob sigilo, debaixo de sete chaves, só será publicada depois que eu for residir, definitivamente, na Cidade dos Pés Juntos.
Muita gente vai dá pulo de todas as alturas, dizer que é mentira, nunca aconteceu, me xingar, esculhambar, mas de nada vai adiantar, já vou estar morto, muito morto.
INFÂNCIA
Nasci em Arcoverde, mas fui criado no Sítio Barro Branco, município de Iguaracy, Estado de Pernambuco. Quando nasci, a cidade chamava-se Macacos. Que coisa horrível. Existe uma lenda, que havia uma princesa que sinceramente, não sei de onde saiu com esse nome. Talvez de...
Continuar leituraPRIMEIROS PASSOS
“Em nome do pai, do filho e do espírito santo.” Pela quarta vez estou tentando realizar um sonho: Escrever e publicar um livro. O primeiro, foi escrito à mão. Minha mãe, foi arrumar a casa e jogou tudo fora.
- Mãe isso é um livro que estou escrevendo!
- Tem nada não, depois você escreve outro!
E os outros? Desapareceram de formas estranhas: Deletados, rasgados, queimados... Diante desses inconvenientes, resolvi escrever sobre minha vida, dessa forma, posso falar o que eu quiser; o que fiz; o que não fiz; o que tive vontade de fazer e o que deixei de fazer. Se alguém vai ler, é outra história.
“A minha vida é um vendaval que se soltou
É uma onda que se alevantou
É um átomo a mais que se animou
Não sei por onde vou
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí.”
Esse exemplar que em breve será publicado é um resumo da minha história. Em respeito a minha mulher, esposa, amiga e namorada, fiz várias modificações, ocultando passagens que não seriam agradáveis, apesar de fazerem parte de um passado, morto e sepultado, apagado na parede da memória que é o quadro que dói mais. E por que esse apagão? Por uma questão de respeito e merecimento, jamais poderia ferir essa pessoa maravilhosa que me trouxe ao mundo, pela segunda vez, dando-me de bom grado uma nova chance de viver.
A história completa, guardada sob sigilo, debaixo de sete chaves, só será publicada depois que eu for residir, definitivamente, na Cidade dos Pés Juntos.
Muita gente vai dá pulo de todas as alturas, dizer que é mentira, nunca aconteceu, me xingar, esculhambar, mas de nada vai adiantar, já vou estar morto, muito morto.
INFÂNCIA
Nasci em Arcoverde, mas fui criado no Sítio Barro Branco, município de Iguaracy, Estado de Pernambuco. Quando nasci, a cidade chamava-se Macacos. Que coisa horrível. Existe uma lenda, que havia uma princesa que sinceramente, não sei de onde saiu com esse nome. Talvez de algum Cordel. Por isso o nome Iguaracy.
A Rodagem passava bem em frente da nossa casa. Três ou quatro carros por dia. Incluindo dois ônibus. Pela manhã, a Princesa do Agreste. À tarde, a Realeza. De quebra passava Elpídio Preto, de quando em vez, num Motor esquisito parecia mais um Cavalo do Cão.
Morávamos no sítio, perto de três cidades: Iguaracy, Tabira e Afogados da Ingazeira.
Iguaracy, continua pequena, aconchegante e bela. Todos os anos comemora o padroeiro, São Sebastião, com a festa de janeiro. O Cantor e compositor, Maciel Melo, é natural dessa cidade.
Iguaracy alojava um bando de malucos: Zé doido, Joao doido, Pedro Maravalha, o mais sabido e Júlia Cajueiro. Sem contar os transeuntes que volta e meia pediam alguma coisa lá em casa. Um casarão com duas dispensas, vários quartos, muitas janelas e uma grande cozinha. Mais tarde tornou-se um mausoléu. Depois fez igual Terezinha de Jesus.
Um certo dia, Zé doido chegou lá em casa, pediu uma corda, dizendo que ia se enforcar. Meus irmãos deram a corda e o seguiram.
Sentou-se debaixo de um pé de imbuzeiro, comeu um taco de rapadura, tomou um gole de água, pegou a corda, amarrou na cintura e ficou balançando pra lá e pra cá. Meu irmão chegou e falou para ele que não era assim que se enforcava. Teria que amarrar a corda no pescoço. Ele disse que no pescoço era muito ruim. Dava falta de ar. Já havia tentado uma vez e continuou balançando.
Segunda-feira, a cidade lotada, um bando de matuto comendo no Hotel de Dona Toínha, bode, carneiro, buchada, arroz, feijão e cuscuz. Zé doido entra com um osso na mão, sapeca na cabeça de um sujeito, vendedor de gado e saiu correndo. Mais tarde, encontra com o sujeito na Bodega de Mané Pinto, aproxima-se de mansinho e pergunta se ele havia melhorado da ossada. O cabra já com umas doses de pitu, no lombo, meteu-lhe a mão no pé do ouvido que o doido caiu de cu trancado. Em pouco tempo levantou-se, bateu a poeira e saiu cantarolando.
João doido, era de outra qualidade. Mania de ser guarda de trânsito. O carro podia vir na maior velocidade, ele atravessava na frente e apitava. O motorista tinha que se virar. Na última vez que encontrei com ele, estava morando na casa do meu padrinho, José Virgínio. Um dos homens mais ricos da região e muito generoso. Todas as vezes que me encontrava, enfiava a mão no bolso e me dava uma nota. A primeira que pegasse.
Hoje tem uma Cruz em frena casa dele. Foi brutalmente assassinado, por causa de política.
Ensinou-me também, que o dinheiro tem vários problemas: Uns não gastam um centavo. Não viajam, não compram roupas de qualidade, não comem bem... Só pensam em guardar. Sabendo que não vão levar um centavo. Outros gastam o que tem, o que não tem e o que vão ter.
Naquele momento que ele me dava uma nota graúda, tornava-me mais rico que os outros moleques, mas não me fazia melhor que eles.
Como não fiz esforço algum, para ganhar, gastava todo no mesmo dia.
João Doido mostrou-me onze uniformes, militares. Vestiu todos, aproximadamente umas duas horas de serviço.
Pedro Maravalha tocava ganzá. Tudo quanto era lata de óleo, de leite ninho, ele jogava umas pedras dentro, sentava-se numa esquina e metia o pau a tocar. Um dia alguém passou por ele e falou baixinho:
- Coitado!
- Tudo como Deus o fez. Respondeu Pedro Maravalha, e continuou tocando umas músicas que ninguém entendia nada.
Júlia Cajueiro, muito despachada, certo dia chegou lá em casa, pediu um copo de água, sentou-se na calçada com as pernas abertas, olhou bem sério para nossa mãe e disse:
- Comadre Maria, essa casa tua é muito boa, dava certo pra nós fazer um cabaré.
Perto do Sítio da Lajinha morava uma família que, pelo fato de terem muitos gêmeos, chamavam de “os Parecidos” mas pra mim eles eram loucos mesmo. Os mais velhos compravam um par de sandálias, um usava o pé esquerdo o outro o direito, ou vice-versa. Achava aquilo muito engraçado, nos meus cinco anos de idade.
Segunda, quarta e sábado as coisas mudavam. Cavalo, Burro, Jumento, caminhão, Jeep e Rural, passavam pela rodagem. dias de feira. Sábado em Afogados, segunda em Iguaracy, quarta em Tabira.
Nos dias atuais a atração fatal de Afogados é o Bar da Tripa. Uma panela de feijão sobre três pedras, na beira da calçada, com um corredor de boi, temperando o feijão. O melhor que comi em toda minha vida. A cozinha lado a lado com o banheiro, dividida por duas folhas de compensado. O cheiro da cozinha, se confunde com o odor do banheiro. Ao lado um pé de castanhola, secular. Uma sombra de primeira qualidade. Tripa, o dono, atendente e animador, mantinha um copo, cheio em cada mesa.
Certo dia chegaram duas senhoras, não sei de onde, pediram uma porção, da galáctica, maravilhosa e tão comentada tripa. Não demorou muito o cheiro começou a transitar pelo Bar. Imediatamente, perguntaram que fedor era aquele? O proprietário respondeu: “é sua tripa.” As mulheres levantaram-se rapidamente e foram embora.
Em Iguaracy, tem o Bar do meu amigo Vada. O melhor tira-gosto do Sertão. Na época que o IBAMA afrouxava as rédeas, fazíamos sempre churrascos ecológicos. Sem falar no melhor preá com farofa, preparado por minha inseparável amiga, Mariquinha.
Tabira, tem hoje, a maior Feira de Gado do Sertão, o maior rebanho de putas, gays, lésbicas e simpatizantes do Brasil, per capita.
Do lado esquerdo da nossa casa, um pé de Juazeiro e um de Agaia. Não sei qual a razão desse nome esquisito. Na frente, um pé de Algaroba. Seguindo alguns passos, uns pés de Pereiro, sempre verde, no meio do mata pasto. Muito bonita a pastagem, quando chovia. Por entre as pedras, formava-se uma grota, que desaguavam na bueira. Pequenas piscinas de águas cristalinas, entre as pedras.
Um nevoeiro cobria toda a campina, durante o inverno. Quando o sol esquentava um pouquinho, a gente corria para tomar banho. Podia pular a vontade que a água continuava limpa, por ser formada sobre as pedras. De todas as lembranças da minha infância, essas grotas permanecem acesas no meu pensamento.
Tínhamos vários apelidos. Chamavam-me de João Vermelho e João do Binga. Josa de Jacaré, Elvira de Bagaceira, Manoel, de bacurim preto. Um dos meus irmãos com a genética diferenciada da nossa, anda meio arredio e não quer que seu nome faça parte dessa folia. Era o que tinha mais apelido: galo branco, titela de aço, peito de pomba, charanga do gogó fino e assim por diante. O apelido que ele menos gosta é peito de pomba. Não pelo fato de ele ter o tórax bem saliente. Namorou uma moça e o pai dela, não permitiu. Um moleque, irmão da pretendida, saiu espalhando pela cidade:
- Papai botou peito de pomba pra fora de casa.
Nas festas de janeiro, a gente parava na porta da igreja para ver os Pifeiros tocando, “Livrai-nos da peste, São Sebastião.” Mãe comprava as peças de volta ao mundo e de Tropical. Fazia as roupas iguais. Saíamos parecendo uns papangus, mas muito felizes, isso posso garantir.
Do outro lado da estrada de terra, uma cancela grande onde os caminhos se dividiam: Um para o baixio, outro para o Barreiro. Antes do Barreiro, o resto do engenho de cana de açúcar. Dois tachos e umas moendas no chão, resistindo ao tempo. Meu pai e minha irmã Elvira, queimaram-se na fornalha. Dizem que quando ele melhorou, pegou uma marreta e botou o engenho abaixo.
Num dia de moagem, meus pais discutiram por alguma razão. Mãe foi para o engenho e meu pai foi arrumar uma cerca, na beira da estrada. Um desocupado passa no engenho e pede um litro de mel. Minha mãe disse que se ele tivesse a vasilha ela daria com prazer. Disse que não tinha e saiu resmungando. Pensando que meu pai era um reles trabalhador, aproximou-se e já puxando conversa, dizendo: ‘Um cabra dono de um engenho que não tem uma vasilha, para levar um mel, é muito corno.” Meu pai tirou uma vara da cerca e sapecou nas costas do elemento que saiu correndo estrada a fora.
Minha infância foi como a de todos os garotos que moravam na roça, fazendo carrinho, onde a boleia era feita de lata de óleo Salada e as rodas de pau, ou de sandália japonesa, quando achava. Para o bem da verdade minha infância o vento levou tão de repente que eu nem vi passar.
Os banhos nos açudes, nas piscinas naturais, nos riachos, as caçadas de baladeiras, as aratacas para pegar preá, os jogos de chimbra, que na maioria das vezes trocávamos por castanha, causando as mesmas brigas quando alguém perdia e não suportava a gozação. Quase todos os dias brigávamos. Hoje apanhava, amanhã batia. Qualquer coisa era motivo para brigar.
Na época da seca levávamos o gado para outro sítio na Barriguda. Uns quatro ou cinco quilômetros. Quase todos os dias quando voltávamos com o gado, os moleques dos sítios vizinhos estavam esperando para brigar. Em pouco tempo o cacete comia.
Na adolescência as coisas mudaram. Se fiquei um pirralha chato, nem percebi.
comecei a fumar e beber cachaça muito cedo.
Em dezembro a Festa de Ano, em janeiro, a Festa de São Sebastião, mesmo assim nós continuávamos chamando de festa de janeiro. Nove dias de festa. Sempre achei um exagero. Na maioria das vezes, o povo não tem dinheiro nem pra comer, vai ter para farrear? E as prefeituras? Pobres, quebradas. Nos hospitais, não tem uma luva, mas para gastar em festa, tem os tufos. Nos tempos de menino, as sete primeiras noites rezávamos a novena, quer dizer, eles rezavam, no dia 19 a festa dos matutos, no meio da rua e no dia 20 a festa da elite, ainda hoje tenho boas lembranças.
Perto do nosso sítio, moravam uns agregados com três filhas, feias que só a molesta dos cachorros. A mais velha, apelidamos de basculho, a do meio de Neguinha. Com toda certeza não era de modo carinhoso. Havia uma moleca de uns nove anos, já com fogo no facho. A mais velha ficou a noite toda se enxerindo para o meu irmão mais velho. A do meio, queria Manoel, mas ele não quis ficar com ela porque a miserável usava sapato de borracha.
Esse meu irmão, que não quer que eu fale o nome dele, pegava qualquer coisa. Passou na frente do meu outro irmão, que ela estava a fim e agarrou a neguinha. Sobrou a mais nova. Eu, moleque com 10 anos, besta que só aruá quando perde a tampa, também estava rodando livre. Meu irmão querendo se livrar da vela, jogou a moleca pra cima de mim. Alimentando minha eterna paixão por Neta, que não queria nem me ver, também não sabia o que era namoro, fui perguntar ao meu irmão o que deveria falar pra ela. Doido para se ver livre de mim, disse, para eu falar qualquer coisa. Se lascou. Fui embora e larguei a moleca com eles.
No outro dia fomos a pé pra casa, juntos. Elas teriam que cortar mais uns 3 km a pé. A mais velha comprou uns pães. Josa havia tomado uns vinhos Jurubeba Indiano, numa fome da gota, enrolou a coitada e comeu os pães que ela levava.
Na segunda feira fomos para a cidade novamente. Quando ela viu Josa foi toda alegre ao seu encontro. Na maior cara de pau, ele não deu um fio de liberdade e ainda disse “sai de mim.” Muito triste ela disse, “você me enganou.” Ou seja, só queria comer meus pães.
PRIMEIRAS LIÇÕES
Estudei nas piores ou melhores, escolas possíveis, quando morava na roça. Serviam apenas para alfabetizar os matutos e dá um emprego para a família apadrinhada pela prefeitura. Passei por umas três ou quatro, na zona rural. Muitas vezes em pouco tempo superava a pobre professora. Não que eu soubesse muito. Elas que pouco sabiam.
Numa dessas escolas, na segunda ou terceira aula aconteceu uma coisa interessante. A professora Irene, não batia nos alunos, mas tinha uma forma muito elegante de descontar suas indignações. Possuía uma palmatória, com um dedo de grossura e uns 30 centímetros de comprimento. Uma vez por mês, na quarta-feira, ela pegava uma folha de caderno, dobrava em quatro, fazia, com muito carinho, um furo no meio e partia para a inquisição. Em seguida mandava fazer uma roda em torno da mesa, perguntando a letra que aparecia por entre o buraco da folha de papel. O aluno que respondesse errado, levava uma lapada na mão, com a palmatoria.
Esse episódio foi muito marcante na minha vida. A professora, coitada, sem didática alguma, misturava os alunos. Os que sabiam mais se davam bem e os que pouco sabiam levavam a pior. Essa tragédia, aconteceu no meu segundo dia de aula. Aprendi pela dor, naquele momento que o conhecimento é fundamental na vida de qualquer pessoa. Ela sorridente dizia que, apanhar com amor, não fazia mal.
Miseravelmente eu sabia algumas letras, minúsculas. As maiúsculas, cheias de pernas, nunca tinha visto. Vem a primeira rodada, não vou me lembrar da letra, porque fiquei visivelmente cego, tremia mais do que vara verde.
- Que letra é essa? Perguntou a professora. Respondi qualquer coisa, errada. Imediatamente meu carrasco respondeu, sem a professora nem perguntar. Não devia valer, mas a lei já era seca. Por ironia, o condenado sabia. Pegou minha mão e sapecou um bolo com a palmatória de Aroeira. Aquele momento foi muito deprimente e ao mesmo tempo estimulante. Por sorte, não apanhei muito. Também não bati, porque meu oponente não sabia quase nada.
Terminada a aula, só deu tempo de passar em casa, pegar umas moedas e caminhar 5 km, para comprar uma carta de ABC. Em uma semana, havia decorado, ou melhor, aprendido todas as letras, maiúsculas, minúsculas, de forma, de todas as formas. Comprei também uma Tabuada. Em uma semana, sabia todos os quadradinhos: adição, diminuição, multiplicação e divisão. Já que no próximo mês, haveria a verificação de matemática, obedecendo os mesmos critérios. Esperei oito dias. A semana mais longa da minha vida.
Na hora de formar o paredão armei um plano mirabolante para ficar à frente do meu primo, que havia me batido, na semana anterior. Pobre inocente, não suspeitava de nada. Acho que era tão normal para eles. Parecia um momento de diversão, e era, para alguns. Chegou minha vez.
- Que letra é essa? Um nê (N), respondeu meu primo. Jamais esqueci.
Paguei com a mesma moeda. Antes que a professora perguntasse respondi um “mê” (M).
Até o final das perguntas, o infeliz não acertou mais nada, levou tanta pancada que, no final eu já não queria mais aplicar o castigo.
Nas próximas averiguações, fiquei no meio dos alunos mais adiantados. Nem apanhava, nem batia.
PAI E MÃE
Já que o livro é sobre minha vida, nada mais justo que, em alguns parágrafos, seja explicado como foi difícil eu chegar nesse mundo. Minha mãe, apaixonou-se terrivelmente, casou-se, com 11 anos, teve quatorze filhos. O marido, foi cruelmente assassinado, por dois elementos que estavam transitando, pelos seus terrenos. Foi reclamar que não queria que eles passassem pelas suas terras, pelo fato de ter filhas moças. Não gostaram e mataram covardemente.
De outra forma, poderia dizer: Graças a Deus o marido dela morreu, (morrendo ela também um pouco.) Se não acontecesse essa tragédia, eu jamais teria nascido.
Meu pai também se casou, teve 13 filhos. A esposa dele também morreu, de parto. Pelas piores ironias do destino, a parteira fora minha mãe.
Por essa razão, falei no início do texto que Ela se apaixonou e se casou.
O parto, muito complicado, de gêmeos. A parteira, louca ou possuída, não resolveu a parada. Abandonou a mulher, depois de horas de sofrimento. Foram buscar minha mãe, às pressas. Conseguiu salvar um. A outra morre, levando a mãe.
Deus me perdoe. Melhor seria se tivesse morrido. Porque, sofrer naquela qualidade... Só couro de pisar fumo. Perdeu a mãe no dia que nasceu, foi criado por uma irmã que, pode ter uma pessoa ruim igual a ela, pior não existe.
Quando não aguentava mais, corria lá pra casa. Saia do espeto, caia na brasa. Havia um meio irmão, meu e nada dele que, só o satanás poderia ser igual a ele. Pior não. Deve ter tido alguns momentos de prazer. Nunca casou, nem teve filho. Tudo que conseguiu, trabalhando dia e noite, perdeu em poucos dias, bebendo cachaça. Possuído por vários demônios, morreu na miséria. Muito mais por nossa culpa que não o apoiamos, quando precisava. Principalmente a minha. Se fosse hoje, que conheço quase todos os passos do capeta, poderia ter dado outro rumo. Mais tarde vocês vão entender.
Bem, poderia também dizer: Graças a bom Jesus, a mulher dele também morreu, senão estava eu de novo, sem florescer.
Como se não bastasse duas mortes, foi preciso meu pai casar com a minha mãe. Tiveram cinco filhos, dos quais sou o caçula. Mais uma vez quase que vou para a cama do Alaor, após meu nascimento, dez meses depois meu pai bateu com as dez.
E a guerra dos Espermatozoides? Apenas uma pequena fração dos espermatozoides consegue alcançar o óvulo. Em geral, cerca de 300 milhões de espermatozoides são liberados na ejaculação. Mas só uns 200 chegam ao óvulo. Ainda assim é uma grande quantidade, já que basta um espermatozoide para fecundar o óvulo. Entenderam a dinâmica? Minha sorte foi que meu pai jogou meu Espermatozoide na boca do óvulo, devia ser bem avantajado. Porque senão teria sido atropelado pelos outros e morrido no caminho.
Com uma semana de vida, voltando para casa, o trem de passageiros pegou fogo. Gente pulando pelas janelas, se estancando no chão, as mulheres cantando tiravam o véu, os homens rezando tiravam o chapéu, outras com histeria gritavam:
- Pule Dona Maria, salve essa criança, mãe continuava sentada, afagando-me nos braços. Conseguiram desengatar o vagão que nós estávamos, quando a lavareda já estava a um passo de virar fumaça.
Como todas as crianças sem sorte, tive Catapora, Sarampo, Asma, Bronquite Alérgica, Lombriga, Solitária e uma Febre Tifóide que por pouco não me levou parado buraco.
Com cinco ou seis anos fomos passear na casa de uns parentes. Minha mãe, afoita e pouco juízo, consumido pelo aquecimento global, inventou de passar um riacho. O cavalo que não mijava para trás entrou e afundou num buraco, minha mãe foi para um lado e eu para o outro. Agarrei-me em alguma parte do cavalo que me levou para a ribanceira. Montamos nosso cavalo e seguimos viagem.
Maria das Dores de Lima não era apenas uma parteira, era a melhor e mais solicitada parteira da região. Quando não estava no mundo buscando vidas, ouvia-se muito cedo essas determinações:
- Acorda que o dia já amanheceu. Elvira vai fazer o café, Josa, Lourival e Manoel, vão moer o milho.
De tão pequeno que eu era não participava dessa atividade, ainda, mas tinha que acordar. Acho que por isso até hoje, quando o dia está clareando, já estou com os olhos arregalados. Essas tarefas geralmente começavam às cinco da manhã. Enquanto Elvira preparava o café, os meninos moíam o milho e ela mesma tirava o leite, sempre reclamando de alguma coisa. Uma seca desgraçada, a vaca deu apenas uma caneca de leite. Ela disse umas palavras sem sentido e em seguida jogou o leite na bunda da infeliz.
- Vumbora! Josa e Lourival pega os bisacos e vão catar algodão. Antes vão buscar um feixe de capim no riacho. Manoel e João, bota a cangaia na jumenta e vão buscar uma carga de de paima. Elvira vá encher os potes. Vá buscar água na cacimba grande, a do barreiro está fedendo a mijo de gado!
Pegávamos os bornais e íamos catar algodão. O sol começava a esquentar, o carrapicho pregando nas pernas, o peso aumentando no ombro. Na verdade, não tem serviço que preste, mas, catar algodão era o pior. E quando encontra um jerimum, de leite, ou de caboclo que tinha que levar pra casa. Muitas vezes Elvira me requisitava para ficar com ela. Não servia pra nada, mas dava cinco ou seis viagens, com ela, na busca da bendita água.
Durante muitos anos vi minha mãe chorar todos os dias. As duas pessoas que ela mais amou na vida, se afastaram muito cedo. O primeiro marido, foi cruelmente assassinado por dois elementos desconhecidos. Vejam como as linhas do destino são desenhadas. Depois da morte do marido, minha mãe abraçou o ofício de parteira e caiu no mundo. Passava três, quatro, cinco dias sem aparecer em casa. A gente se virava. Madrinha Zefa, com mão de ferro, assumiu o controle da casa. Coitados dos meus irmãos, sofriam na mão dela. Eu, além de ser o caçula, era seu afilhado. Tinha certas regalias. Na primeira oportunidade foi embora para o Planalto Central, deixando a responsabilidade para Elvira, com apenas treze anos. Os meninos se livraram dos terríveis banhos. Ela pegava um caco de telha e passava atrás das orelhas dos infelizes e nas dobras do pescoço, onde acumulava muito grude.
Um certo dia minha mãe chegou soltando fogo pelas ventas. Havia uma cristaleira linda, na sala que dava de frente para a porta. Ao notar que os ovos não estavam na cristaleira, com o chicote ainda na mão, perguntou ao meu irmão mais velho do que eu, onde estavam os ovos. Tremendo e gaguejando não respondeu nada que agradasse. Complicou-se ainda mais. Todas as vezes que ela queria saber das coisas mal feitas, vinha diretamente a mim. Não que eu fosse dedo duro era porque ela tinha certeza que eu não sabia mentir. Se eu também participasse da aventura, pode ter certeza de que também contava. Sentado estava sentado fiquei. Perguntou-me pelos ovos. Falei que meu irmão havia dado aos ciganos.
Na primeira vez que eles pediram, meu irmão deu aproximadamente uma dúzia. O malandro sabendo que era fácil, mandou a mulher, em seguida mandou os filhos que levaram o restante. Não foi por falta de aviso. Falei que quando mãe chegasse o cacete ia comer de esmola. Ainda com o chicote na mão, perguntou onde estavam os ciganos. Com a língua travando, disse que estavam debaixo do pé de Juazeiro, da Bueira. Deu meia volta, montou no cavalo e partiu. Chegando, pulou do cavalo e foi logo cobrando os ovos. Uma cachorra começou a latir. Mãe sapecou-lhe uma pedra nas costelas que a infeliz saiu gritando ganhei, ganhei, ganhei... O Cigano levantou-se resmungando, ela disse que a próxima seria na cabeça dele ou de quem se levantasse. Sem reação, o sujeito teve que pagar.
José Jerônimo Sobrinho, segundo as lendas, um homem que vivia no futuro, terno de linho, sempre bem vestido, nunca foi homem de roça, a intelectualidade acima de tudo. Dentista prático, protético, versado nos versos, na prosa, na arte do ouro e da prata, infelizmente, por ordem da natureza, muito novo amoleceu o Juízo. Começaram os esquecimentos, as confusões mentais, até que o levaram para o Hospital da capital. Fez o tratamento, recebeu alta e morreu na recepção do hospital.
Guiado por um dos seus devaneios, deixou uma vaca de herança. Elvira a mais velha, ficaria com a primeira cria, Josa a segunda, Manoel com a terceira, eu com a quarta e a vaca seria do meu irmão que não quer ser coitado. Lascamo-nos os dois, a vaca morreu faltando poucos dias para dá cria.
Além de não ter conhecido, nem por fotografia, pouco herdei da sua riqueza. Ao morrer, o terreno que possuía antes do casamento com minha mãe, foi dividido para os filhos da primeira esposa que morreu no parto.
Quando o primeiro marido da minha mãe morreu os bens foram divididos entre os filhos dele. Já ficamos fora de duas. Minha mãe ao embarcar, os bens foram divididos entre os filhos da primeira família, pela segunda vez e entre nós cinco, que não ficamos com nada do meu pai e metade da minha mãe, já que os da primeira família receberam duas vezes.
J.C 16 DE agosto de 24
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