Projeto 30 anos Alunorte
Entrevista de Sidney Rodrigues de Carvalho
Entrevistado por Ligia Scalise
Barcarena, 13 de julho de 2025
Transcrita por Selma Paiva
(00:15) P1 - Treze é o número do senhor, será que é o número da sorte?
R1 - Não! Sou Bolsonaro! (risos)
(00:22) P1 - Vamos lá, ‘seu’ Sidney! Vamos fazer silêncio, todo mundo. Eu vou pedir para o senhor começar me dizendo o nome inteiro, o dia, o mês e o ano que nasceu e onde. Pode começar.
R1 - Sidney Rodrigues de Carvalho. Nasci em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. Nove de dezembro de 1960.
(00:44) P1 - O senhor nasceu em Nova Iguaçu?
R1 - Nova Iguaçu.
(00:47) P1 - Seus pais são de lá?
R1 - Meus pais eram de Natal e foram pra lá. Mas como meu pai era militar, depois eles voltaram pra Natal.
(00:59) P1 - Quem eram seus pais?
R1 - Ari Rodrigo de Carvalho e Maria das Dores de Carvalho.
(01:06) P1 - Ari e Maria.
R1 - É, a Ari e Maria. E eram primos.
(01:10) P1 - Então, se conheciam desde pequenos?
R1 - Não, conheceram depois de grandes, porque um era da capital, outro era do interior, de Santa Cruz, minha mãe. A minha mãe era de Santa Cruz, aí era. O pai dela era o mais rico de Santa Cruz, da cidade e quando o pai dela morreu, os irmãos acabaram com tudo. Eles tinham caminhão, que foi um dos primeiros caminhões do nordeste que foi para São Paulo. Eles iam tudinho e eles acabaram com tudo. Aí ficaram na miséria. Por isso que minha mãe sempre foi controlada. A gente aprendeu com ela a vida que é difícil. Ela saiu de uma fase boa para fase ruim.
(01:55) P1 - Ela viveu as duas coisas?
R1 – As duas coisas. Por isso que ela era muito rígida e meu pai muito rígido, aí a gente se tornou uma pessoa muito rígida.
(02:06) P1 - Quando o senhor nasceu, tinha irmãos?
R1 – Tinha. Eu sou gêmeo, aí tem a foto dela novinha e agora já com a minha idade e tenho mais quatro irmãos. Todos aí engenheiro, médico, só eu que sou técnico.
(02:24) P1 - E o senhor é...
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Entrevista de Sidney Rodrigues de Carvalho
Entrevistado por Ligia Scalise
Barcarena, 13 de julho de 2025
Transcrita por Selma Paiva
(00:15) P1 - Treze é o número do senhor, será que é o número da sorte?
R1 - Não! Sou Bolsonaro! (risos)
(00:22) P1 - Vamos lá, ‘seu’ Sidney! Vamos fazer silêncio, todo mundo. Eu vou pedir para o senhor começar me dizendo o nome inteiro, o dia, o mês e o ano que nasceu e onde. Pode começar.
R1 - Sidney Rodrigues de Carvalho. Nasci em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. Nove de dezembro de 1960.
(00:44) P1 - O senhor nasceu em Nova Iguaçu?
R1 - Nova Iguaçu.
(00:47) P1 - Seus pais são de lá?
R1 - Meus pais eram de Natal e foram pra lá. Mas como meu pai era militar, depois eles voltaram pra Natal.
(00:59) P1 - Quem eram seus pais?
R1 - Ari Rodrigo de Carvalho e Maria das Dores de Carvalho.
(01:06) P1 - Ari e Maria.
R1 - É, a Ari e Maria. E eram primos.
(01:10) P1 - Então, se conheciam desde pequenos?
R1 - Não, conheceram depois de grandes, porque um era da capital, outro era do interior, de Santa Cruz, minha mãe. A minha mãe era de Santa Cruz, aí era. O pai dela era o mais rico de Santa Cruz, da cidade e quando o pai dela morreu, os irmãos acabaram com tudo. Eles tinham caminhão, que foi um dos primeiros caminhões do nordeste que foi para São Paulo. Eles iam tudinho e eles acabaram com tudo. Aí ficaram na miséria. Por isso que minha mãe sempre foi controlada. A gente aprendeu com ela a vida que é difícil. Ela saiu de uma fase boa para fase ruim.
(01:55) P1 - Ela viveu as duas coisas?
R1 – As duas coisas. Por isso que ela era muito rígida e meu pai muito rígido, aí a gente se tornou uma pessoa muito rígida.
(02:06) P1 - Quando o senhor nasceu, tinha irmãos?
R1 – Tinha. Eu sou gêmeo, aí tem a foto dela novinha e agora já com a minha idade e tenho mais quatro irmãos. Todos aí engenheiro, médico, só eu que sou técnico.
(02:24) P1 - E o senhor é gêmeo de homem ou de mulher?
R1 - De mulher.
(02:27) P1 - Qual que é nome dela?
R1 - Conceição de Maria.
(02:30) P1 - E quando o senhor nasceu, contaram como é foi o parto desses gêmeos? Como é que tudo começou?
R1 - Isso aí não me contaram, mas que os meus irmãos é que cuidavam, porque nasceram dois de uma vez, né? Aí meu pai que cuidava... os irmãos que cuidavam, né? Aí eles foram, em muita luta, porque moram em Nova Iguaçu, tudinho. Aí, quando foi para Natal, melhorou mais, que a gente foi para Natal. Aí a gente ficou lá, todo mundo estudando, todo mundo. Só tive uma irmã que teve um problema numa perna. Ela ficou dez anos internada no Rio de Janeiro, num hospital, Marcílio Dias e ela fez o... como se fosse... antigamente chamava Mobral, como se um supletivo hoje, num hospital e, quando ela saiu, ela se formou - amputou a perna - engenheira, virou engenheira calculista. E trabalhando no Rio de Janeiro. Hoje em dia ela está com mal de Alzheimer, está com oitenta anos.
(03:49) P1 - Vamos voltar ainda lá para a infância. Vocês são os caçulas, os gêmeos?
R1 - Somos, somos caçulas.
(03:56) P1 - Quando vocês nasceram, como que estava a vida dos seus pais, da família, o senhor sabe?
R1 - Estava tumultuada, porque o meu pai nunca bebeu nem fumou, mas ele tinha um problema com negócio de mulheres. Ele sempre era metido a bonitão e as mulheres atrás dele. Minha mãe disse que não se separou do meu pai, porque ela queria formar os filhos, tudinho.
(04:23) P1 - Ela sofria?
R1 - Sofria.
(04:26) P1 - E ela cuidava da casa, trabalhava?
R1 - Cuidava da casa, tudinho e meu pai não a deixava trabalhar. Aí, no final, ela conseguiu emprego e foi trabalhar. Ela trabalhava na secretaria de um colégio. Ela se aposentou na secretaria do colégio, fazendo aquele negócio burocrático. Antigamente não tinha internet, não tinha computador, era tudo na mão. Ela fazia aquele negócio daquelas notas de todo mundo, ela fazia isso aqui. E meu pai não queria, mas ela disse: “Não, eu vou”, porque ela é muito decidida e ela foi e trabalhou e se aposentou.
(04:59) P1 - E o seu pai era militar, quando senhor nasceu?
R1- Era. Meu pai era. Aí depois ele foi para a Reforma, aí virou professor de inglês, aí lá em casa todo mundo falava inglês: minha mãe, meus irmãos, minha irmã gêmea e eu, devido a ele ser muito rígido, não conseguia aprender, porque tinha que traduzir, para poder brincar, um capítulo. Todo dia tinha que fazer essa desgraça. Aí eu fiquei duas coisas ruins, em português e em inglês, de tanta raiva. Aí eu fui para a área da matemática, fui para a engenharia e por isso que eu estou hoje.
(05:39) P1 - E de onde que surgiu esse inglês? Como ele sabia falar inglês?
R1 – Ele fez um cursozinho, mas ele aprendeu rápido, entendeu? No final ele tinha uma doença, negócio de português, ele pegava todas revistas, todos os livros e saía - com marca-texto, quando saiu - marcando os erros de português. Ele pegava todos os jornais do Brasil, aqueles jornais todinhos e saía... era uma psicose dele, marcar os textos que a pessoa fazia errado, entendeu? Ele era muito bom em português e muito bom em inglês, então ele... e minha mãe falava inglês, todo mundo falavam inglês, lá em casa. Aprenderam tudinho. Meu irmão, quando foi o navio - era médico - veio um navio dos Estados Unidos, Hope, ele era o tradutor. Hoje todo mundo sabe inglês, né? Antigamente ninguém sabia e meu irmão era o tradutor. Essa minha irmã que amputou a perna traduzia livros técnicos e meu pai também traduzia.
(06:47) P1 - Muito inteligente, né?
R1 - Era muito inteligente, ele.
(06:52) P1 - Na carreira militar dele, ele fazia o que lá?
R1 - Ele era, na época, radiotelegrafista, que era hoje como fosse Comunicação.
(07:00) P1 – Então, ele já usava as palavras lá, né? Comunicação.
R1 - Ele era Comunicação.
(07:07) P1 – ‘’Seu’ Sidney, você lembra da casa que senhor cresceu pequenininho, lá em Nova Iguaçu?
R1 - Não.
(07:13) P1 - Não lembra nada?
R1 - Porque eu vim com dois anos, eu não me lembro.
(07:17) P1 – Então, você ficou lá até dois anos?
R1 - É, fiquei com dois anos lá. Aí passei vinte em Natal. Não, 19 anos em Natal. Aí depois vim para o Pará e estou aqui no Pará.
(07:28) P1 - E por que vocês foram de Nova Iguaçu para o Pará?
R1 - Por causa de mulher, que meu pai mexeu com uma menina de 16 anos e o pai dela queria matá-lo e ele pediu transferência, foi pra lá e isso tudo estragando a nossa vida.
(07:49) P1 - Foi a família inteira?
R1 – Todinha. Como é que minha mãe, sozinha, ia criar seis filhos? Difícil, difícil.
(07:58) P1 - Mas esses anos que a sua irmã ficou no hospital, então foi antes?
R1 - Lá não, ficou lá. A gente veio para Natal e ela ficou lá no Rio.
(08:04) P1 - Ela ficou no Rio?
R1 - Ficou no Rio. E ela sobrevivia sabe de quê? Fazendo crochê, vendendo as coisas dentro do hospital.
(08:11) P1 - E por quê? O que ela tinha?
R1 - Ela nasceu com a perna mais grossa do que a outra. Aí tinha um médico nosso, de Recife, disse que ia fazer uma cirurgia. Aí ele fez uma cirurgia, deu errado. Aí ela sofreu vários tempos com aquela perna inchadona, cheia de uma secreção. Aí, quando chegou no Marcílio Dias: “Vamos amputar”. Tentaram ajeitar, não deu certo e amputaram a perna dela. Ela disse que, se ela soubesse, ela tinha amputado quando ela nasceu. Aí ela foi para a Alemanha, ‘botou’ uma perna mecânica. Aí foi. Aí ela ficou com a perna mecânica, aí com tempo apareceu um cisto no coto, aí depois disso ela desistiu de perna mecânica. Aí foi ‘botar’ no Brasil. No estado, na Alemanha, onde ela ‘botou’, você apertava como se estivesse apertando na mesma perna, ninguém sabia qual era a perna. Aí no Brasil era aqueles plásticos velhos, duros, que antigamente era. O Brasil estava muito aquém do mundo, nessa parte. Por isso que ela foi, mas ela continuou trabalhando. Aí ela fez uma coisa, quando ela se aposentou, fez um... ela não aguentava ficar perto do meu pai, lá e tudinho, ela começou a ajudar os outros, ensinar inglês e tudo que ela sabia. Aí ela montou uma associação para deficiente no Rio Grande do Norte. Só que ela cresceu demais, ela fazia muitos projetos e conseguia dinheiro da Alemanha, dos Estados Unidos, do Japão. Ela ganhou uma picape do Japão. A Toyota deu uma picape Bandeirante para ela, o Ministro do Transporte lá deu e ela conseguia. Quando ela montou... que ela estava numa casa de aluguel que uma senhora pagava, ela conseguiu montar um, lá em Natal, circuito de... com galpão para treinamento, para deficiente, com piscina, com médico, dentista, ela fez um polo lá. Ela conseguiu um terreno e ela construiu e ela ‘botou’ uma casa. Aí, quando viram que ela cresceu, que ela se destacou... e ela adotou - ela não teve filho - três crianças dos maiores marginais do Rio Grande do Norte. Aí ela adotou, aí conseguiu formar uma e os outros deram para bom, mas não se formaram. Aí, quando ela estava bem mesmo lá, o que aconteceu? A irmã do prefeito achou que ela estava tomando a cidade. Aí ambição, negócio de política, dizendo que ela estava roubando. Aí a expulsaram de lá. Tudo que ela construiu expulsaram. Aí meu pai a levou para morar na nossa rua e ela foi morar lá. Foi o maior crime que fizeram com ela. Até hoje a gente sente isso, porque ela construiu e está lá. Quem for no Rio Grande do Norte pode perguntar onde é a ADOTE, para você ver o complexo que é. E ela construiu tudinho com a inteligência dela, com o dinheiro da Alemanha, dos Estados Unidos, do Japão. Ela ia para todos esses lugares e conseguia dinheiro.
(11:33) P1 – ‘Seu’ Sidney, eu estou ouvindo o senhor falar bastante da sua irmã, tem muito orgulho aí, né?
R1 – É.
(11:39) P1 - Quando o senhor era pequeno, lá em Natal, o que o senhor lembra da tua infância?
R1 - Me lembro de meu pai botar num colégio militar e era muito rígido e eu era gêmeo e aí eu não conseguia acompanhar minha irmã, porque ele ‘botou’ muito cedo a gente para estudar, ele conseguiu ‘botar’ antes da idade. Aí minha irmã se destacou e eu não consegui. Aí eu fiquei um ano atrasado dela. Por exemplo: ela terminou a escola técnica com 16, eu terminei com 17. Mas foi com esse... e ele me judiava muito, ele me chamava muito de burro. (choro) Era ‘foda’. Aí, engraçado foi... na rua todo mundo estava fazendo vestibular para entrar na escola técnica e era à noite, eu sempre dormi cedo. Eu durmo aqui de sete horas da noite. Aí, ele queria... eu ia para o cursinho, não aguentava, aí eu deixei. Aí, ele me chamava: “Você não vai passar”. Aí, quando saiu o resultado, quem passou? Só eu, da rua todinha. Aí eu disse: “Está vendo como é que é?” Aí, pronto. Aí, eu fui fazer escola técnica. Aí, fiz a escola técnica. Aí, fui trabalhar numa empresa de ônibus que meu irmão era médico. Quando ele olhava aquilo, ele se revoltava, porque ele me via tirando motor, caixa. Ele disse: “Não, eu não aceito isso”. Falou pro meu pai pra me tirar do emprego. Meu pai: “Não, isso é com ele”. Eu disse: “Não, eu quero trabalhar, não quero...”...
(13:17) P1 - Esse foi o primeiro emprego?
R1 - Foi o primeiro emprego: mecânico de uma empresa de ônibus, de transporte.
(13:24) P1 - Mas antes de chegar na fase adulta já, o senhor está pulando aí a parte da criança. O senhor gostava de brincar de quê?
R1 - Meu pai não deixava a gente brincar.
(13:34) P1 - Nada?
R1 - Nada. A gente não brincava, a gente não podia ter amizade com ninguém, na rua.
(13:39) P1 - Nem em casa, com seus irmãos?
R1 - Não, porque os irmãos todos grandes e eu pequeno, não tinha nada que brincar.
(13:46) P1 - Nem com a sua irmã gêmea?
R1 - Não. Porque ele separava muito homem de mulher, lá. Coisa de homem é coisa de homem, coisa de mulher é coisa de mulher. Coisa de nordestino bem direito, né? Aí eram três mulheres, tinha que ir pra cozinha. Três homens era pra fazer coisas da vida, né? Aí pronto.
(14:10) P1 - E o que o senhor fazia, enquanto menino? Estudava?
R1 – Não fazia nada. Eu estudava, mas não gostava. Estudava porque era obrigado, mas não gostava. Mas ia, levando a vida, ia passando. A gente não tinha brinquedo, não tinha nada, porque nunca teve aniversário lá em casa. Meu pai detestava negócio de festa. Para ter uma ideia, essa minha irmã que perdeu a perna, quando estava lá ela deu aula um ano e meio juntando dinheiro, para fazer a festa de 18 anos dela. Quando ela fez a festa, que juntou os amigos tudinho, quando deu 11 horas meu pai mandou acabar. Uma festa de 18 anos. Foi o maior trauma da minha irmã.
(14:54) P1 - Mas tinha algum momento dessa infância, que era gostosa? Alguma coisinha?
R1- Não, nunca, nunca, nunca foi.
(15:00) P1 – Nada? Às vezes, televisão?
R1 - Não tinha televisão.
(15:05) P1 - Música?
R1 - Não, lá em casa não tinha. Nem rádio, nem televisão. Não tinha. A gente foi ter já velho, televisão, lá.
(15:15) P1 – Um carinho da mãe?
R1 – Minha mãe, não é que ela não gostasse da gente, ela não tinha tempo, que ela que fazia tudo.
(15:23) P1 - Corria pra cima e pra baixo?
R1 - É, lavava, passava, tudinho. Antigamente não tinha máquina de lavar, tudinho, passar pra esse monte de gente tudinho, fazer comida pra esse monte de gente. Ela não... não é que ela não tinha carinho, não e ela era rígida também. A gente tinha mais medo dela do que do meu pai. A gente nunca... eu vejo os meninos gritarem com a mãe hoje em dia, ele só olhava, assim e já todo mundo... era incrível! A gente foi educado assim, de não ir na casa de ninguém, que também ninguém não ia na nossa. Era assim a vida da gente. Ele era bem radical.
(16:00) P1 - Até no domingo, que era um dia...
R1 – No domingo a gente ia para casa da nossa avó. Era a única vez que a gente tomava refrigerante, (risos) que é guaraná. A gente não podia, lá em casa não podia.
(16:12) P1 - Era mãe de quem? Do pai ou da mãe?
R1 - Da mãe.
(16:15) P1 - Como que era essa avó, então?
R1 - Era também muito rígida ela também. A gente ia lá, mas não tinha esses amores que eu tenho com minha neta, tudinho. Era tudo muito rígido. Aquele tempo não era como o de hoje. Era bem difícil.
(16:29) P1 - Como que era seu pai, fisicamente?
R1 - Era bem... o pessoal, as mulheres o achavam muito bonito. Ele era bem simpático. Minha mãe era brancona, muito bonita ela. E ele era... usava um cabelinho todo arrumadinho, tudinho, ele ganhava muito presente de mulheres e aí minha mãe ficava doente, sabendo que não era do dinheiro dele, porque o dinheiro dele ele dava todinho para minha mãe, porque antigamente não tinha banco. Pra ter uma ideia guardava dentro do meu quarto, na gaveta. A gente tinha uma escrivaninha lá, onde a gente estudava, o dinheiro todo da casa ficava lá dentro. E a gente foi educado de nunca tirar uma moeda de lá de dentro, entendeu? Porque a gente foi educado, doutrinado que o dinheiro da casa estava ali dentro. Ninguém podia mexer naquele dinheiro. E a gente estudava em cima, via todo o dinheiro lá, mas ninguém nunca tirou um real de lá. Um real não, a moeda da época, entendeu?
(17:38) P1 - O senhor era também obediente?
R1 - Claro, a gente era tudo obediente, porque a gente foi criado obediente. Certo? Por exemplo: a gente, até completar 18 anos, se chegasse depois das 11 não entrava mais em casa, porque era fechada a porta e ficava na rua. Então, a gente se educou a chegar cedo. O único vício do meu pai era cinema, que aí ele dava dinheiro para a gente ir para o cinema, que antigamente não tinha televisão, a gente ia para o cinema. Aí, todo final de semana ele dava. Por isso que o nome dos filhos ele tentou ‘botar’ tudo artista. Era Sidney, Sinclair, Shirley, tudo era o que ele via no cinema. Minha mãe que não deixou ‘botar’ o resto, mas era tudo...
(18:22) P1 - Sidney era homenagem a algum ator?
R1 - É um ator, aquele Sidney, aquele moreno que era um dos antigos, do meu tempo, dos anos sessenta, era o Sidney.
(18:31) P1 - Sidney o quê?
R1 - Eu não me lembro.
(18:38) P1 - É um americano?
R1 - É um americano, porque ele assistia muito, era viciado em filmes.
(18:44) P1 - Tem algum filme que o senhor viu enquanto menino, que senhor nunca esqueceu?
R1 - Não, era bang-bang. Meu pai gostava muito. Meu pai era assim, mas ele era muito brigão. Ele brigava assim, ele era amigo de todo mundo, mas por exemplo: toda a vida que ele andava no Rio de Janeiro, para Nova Iguaçu, de trem, minha mãe entrava num vagão e a gente entrava no outro, porque toda a vida ele batia em três, quatro pessoas. Porque, por exemplo: ele ‘faturava’ muita mulher, mas ele não admitia que o ‘cara’ fizesse um assédio dentro do... aí, quando ele via um negócio, ele batia. Nesse ponto ele era muito violento, era muito... batia que o ‘cara’ ficava no chão. Pra ter uma ideia, quando a gente morava lá, um vizinho perturbando-o, ele foi lá discutir com o ‘cara’, o ‘cara’ foi na delegacia, dar queixa nele, quando ele chegou na delegacia ele deu um murro no delegado, dentro da delegacia, que fraturou a cara do delegado todinha e ele empurrou os policiais e foi direto pro hospital, que meu irmão era médico do Exército, ele foi lá, aí disse: “Ó, eu fiz um negócio errado agora”. Aí ele contou pro meu irmão, meu irmão disse: “Espera aí”. Falou com o diretor do hospital, aí mandaram um batalhão do exército lá, dizendo que ele era ex-combatente e ele tinha tido uma crise, aí internaram meu pai bonzinho, porque ele deu, aí esse delegado ficou morrendo de medo dele. Ele arrebentou, teve que fazer cirurgia no delegado, quebrou face, quebrou os óculos, quase o ‘cara’ fica cego. E ele batia. Um dia eu o vi batendo em três na rua, assim, que o ‘cara’ foi mexer com ele, ele bateu em três, o cara veio com a faca, tudinho e ele bateu em três e os ‘caras’ ficaram no chão. E ele era muito... agora, todo mundo – o chamava de professor - adorava o professor, um ‘cara’ culto. Os deputados, senadores, iam lá em casa, para ele fazer os discursos. Ele fazia, ele ganhava dinheiro também, assim, que era um ‘cara’ muito culto, aí ele lia muito, aí ele escrevia esse discurso para todos aqueles... antigamente aqueles políticos eram semianalfabetos, ele fazia tudinho e ganhava dinheiro.
(21:07) P1 - Como é que você se sentia, Sidney, vendo dessas coisas?
R1 - Ficava muito triste. Eu não gosto de violência, por isso que eu não bebo, não fumo, não vou para festa nenhuma, não vou para lugar nenhum que tem muita gente e eu não vou, porque eu não gosto de violência. Eu sou considerado um ‘cara’, na fábrica, rígido, brabo, mas defendendo a Hydro, porque eu sou muito Hydro, entendeu? Eu defendo até debaixo d'água. Não aceito, porque lá tudo que eu tenho eu consegui lá. Então, eu não aceito, é mesmo que for meu aquilo. Pode ser que amanhã me mande embora, mas enquanto eu estiver lá eu sou Hydro. Eu era Alunorte, depois... que eu era Vale, depois virou Hydro, eu virei Hydro, mas não aceito. Eu brigo pelos projetos todinhos, projeto de incêndio agora foi uma luta, porque eu queria um sistema, eu descobri um sistema, o ‘cara’... o sistema do incêndio vai custar 1,5 bi. Aí depois que a seguradora veio, que eu conversei com a engenharia todinha, eu descobri que a gente podia ir mudando e economizar. A gente vai economizar 60% de 1,5 bi. Mas eu brigando, foi confusão. Aí ele: “Não, tinha que...”... não sei se você conhece um tal de (22:30), lá da Noruega, que ele é o CEO de toda a Hydro, na parte de segurança. Ele disse: “Não, mas ele falou assim”. Eu disse: “É, mas ele não manda. Não manda nem na casa dele, quanto mais aqui. Vamos lutar”.
(22:43) P1 - Vamos chegar nessa fase da vida. (risos)
R1 - Aí, pronto. A gente mudou.
(22:47) P1 - Vamos voltar antes, um pouquinho. O senhor viu o seu pai tendo essas reações que o senhor chamou, né, de agressivas. O senhor era um menino calmo, um jovem calmo?
R1 - Eu fui calmo, calmo, calmo. Devido a violência dele ele ‘botou’ para eu treinar boxe. Eu treinei boxe. Eu treinava boxe, tudinho. Aí que eu me controlava mais, porque quando você pratica um esporte, você controla. Aí, a única vez que um ‘cara’ desafiou lá, num colégio, ele me empurrou, que era o maior brigão do colégio, aí eu fui com ele, levei desvantagem, porque eu sabia boxe, eu não sabia briga de rua, é outra coisa. Aí quebrou o meu nariz. Essa foi a única briga da minha vida e nunca mais na vida eu entrei. Falo alto, mas não gosto de violência. Meu filho é outro, calmo demais. A esposa dele já é mais ativona e ele não. Ele é calmo, calmo. Ele nunca brigou na vida. Todo mundo o adora aqui, na cidade. Ele é muito conhecido.
(24:02) P1 - Aí, quando seus pais... como seu pai tratava sua mãe? Como sua mãe tratava seu pai?
R1 - Não, ele tratava com respeito. Ele não era, não. Só que depois que aconteceu um problema com ele, que meu cunhado tentou matá-lo, aí deu uma facada nele, aí ele quase que mata também o ‘cara’, né? Aí ficou na UTI, aí quando ele estava na UTI, aí que estourou a ‘bomba’: uma filha dele, que a gente não sabia quem era, foi na Marinha e disse que ele tinha uma filha e a gente não sabia.
(24:42) P1 - Do seu pai?
R1 - Meu pai tinha uma filha fora do casamento e a gente não sabia, ninguém sabia. Mas como ele estava na UTI, aí a mulher, com medo dele morrer, o negócio de fazer DNA, tudinho, foi no dia que ele saiu do hospital, aí ele foi para casa e chegou intimação para ele fazer o exame de DNA. Aí ele pediu para o meu irmão arranjar um atestado, que meu irmão era médico, que ele não podia, que ele tinha saído da UTI. Aí a Maria: “Não tem problema, a gente tem ambulância UTI para te levar. Se você não vier, a gente vai te buscar”. Aí ele foi lá e comprovou que era. Aí a Maria começou a descontar automaticamente da renda dele, que era segundo-tenente, a pensão para a menina. Aí ele perdeu a moral com minha mãe. E minha mãe, quando queria dar para algum filho, para alguma coisa, alguma coisa, algum dinheiro, ela dava: “Você dá para outra, eu dou para esse daqui”. Aí ele ficava calado, aí ele perdeu a moral.
(25:47) P1 - Essa menina era mais velha ou mais nova que vocês?
R1 - Bem nova, bem mais nova do que nós.
(25:52) P1 – Então, foi depois?
R1 - Foi depois, depois dele velho já, aí ele aprontou. Ela tinha, na época, 16 anos.
(25:60) P1 - Esse foi o motivo da briga com o cunhado?
R1 - Não, não, esse não era com cunhado, era com o genro dele, com o casado com a minha irmã gêmea. Esse ‘cara’ era muito violento. Quando ele casou, quando ele a conheceu, foi na Bahia, que minha irmã foi pra Bahia, ele era gerente lá, da Coelba lá, da companhia elétrica. Aí eles começaram e casaram. Aí ele achava que ele estava bem, que ele era um ‘cara’... aí ele entregou o lugar, o irmão entregou o lugar, pra montar um negócio em Alagoas. Aí não deu certo, ele ficou na miséria. Aí ele foi pra Natal e meu irmão que pegou e deu uma casa pra ele, deu dinheiro pra ele, tudinho e montou outro negócio pra ele lá, tudinho. Aí ele pegou, fez uma tremenda... ele pegou a secretária dele, a engravidou e dizendo pra minha irmã pra ela cuidar dela, porque o namorado tinha ido embora e minha irmã, com pena, cuidou da secretária dele, sendo filha dele. Aí, quando nasceu a criança, ele não aguentou e falou que era filha dele. Aí, eles se separaram.
(27:21) P1 - E aí foi quando brigou com seu pai?
R1 - É, aí meu pai a ‘botou’ pra morar lá em casa, construiu um apartamento lá em cima. Meu pai gastou um dinheiro danado, construiu um apartamento pra morar ela e os dois filhos. Aí ele não concordava. Ele tentou incendiar lá em casa. Aí ele jogou gasolina, a bomba na porta, era a porta grande e a casa muito grande. E aí os vizinhos chamaram e meu pai chamou a polícia e falou como era ele, a polícia foi atrás dele. Quando o achou, a polícia o trouxe. Naquela época, quem tinha um Monza, era um carrão, ele tinha um carrão. Aí a polícia perguntou: “É esse aqui?” Porque meu pai tinha prometido um dinheiro para polícia, se a polícia achasse. A polícia o achou, trouxe lá em casa e nisso meu pai foi, deu um cheque para o soldado lá, uma grana alta para o ‘cara’ lá. Aí ele se revoltou. Aí, quando ele saiu de lá, ele tentou matar meu pai. Ficou escondido atrás de um poste, quando meu pai passou, ele deu uma facada nas costas e depois deu uma no braço. Mas meu pai, como era de briga, conseguiu montar em cima dele e quando ia matá-lo o meu sobrinho disse: “Vô, não mate ‘painho’ não, não mate ‘painho’ não”. Aí meu pai jogou a faca longe: “Manda esse covarde fugir daqui”. Aí ele fugiu e foi para São Paulo, nunca mais ninguém ouviu falar nele.
(288:44) P1 – ‘Seu’ Sidney, quanta confusão, né?
R1 - É, tudo violência.
(28:47) P1 - E o senhor via tudo isso e como é que o senhor reagia?
R1 - Não, nessa época eu estava no Jari.
(28:54) P1 - Só ficou sabendo?
R1 - Fiquei sabendo. No outro dia eu fui pra Natal, aí meu irmão tinha segurança e, quando eu vi, ele estava na porta do hospital lá, aí a gente correu atrás dele, aí ele foi e se entregou na polícia, dizendo que tinha vindo um cara do Pará para matar, que era eu, que eu vinha para matar e ele estava com medo, ele se entregou na polícia.
(29:15) P1 - Quando o senhor era jovem, tinha algum sonho?
R1 - Meu sonho era ter uma moto, mas meu pai... antes disso, eu não podia nem ter bicicleta, porque o irmão dele morreu num acidente de bicicleta. Então, lá em casa não tinha bicicleta. Quando eu completei 15 anos, meu irmão deu uma bicicleta pra mim. Aí foi uma luta e eu andei. Meu sonho...
(29:38) P1 - Sabia andar?
R1 - Não, fui aprender, com 15 anos. Aí, quando eu aprendi a andar, meu sonho era ter uma moto e ele não deixava. Quando eu completei 18 anos, eu ganhei um carro do meu pai e desse meu irmão, mas meu sonho era uma moto. Aí eles me deram um carro novo e eu não queria. Aí essa minha irmã veio do Rio, essa que amputou a perna. Aí eu peguei e dei o carro pra ela e eu já trabalhava e eu peguei e disse: “Eu vou comprar uma moto. Aí comprei uma moto. Quando eu cheguei em casa na moto, ele estava na calçada. Quando ele viu, meu pai, eu disse: “Pai, abre o portão da garagem aí” “Moto aqui não. Aí eu fui ‘botar’ em cima da calçada e ele disse: “Aqui não, na rua”. Aí eu disse: “Está bom”. Aí eu fui lá dentro, peguei minhas coisas, fui morar com minha avó. Passei 15 dias morando com minha avó e minha mãe o pressionando e ele liberou pra eu voltar com a moto, porque meu sonho sempre foi moto. Aí eu fui, trouxe a moto e todo dia... que depois eu gostei de estudar, aí eu fiz Senai, eu terminei a escola técnica, fazia motores, fazia um curso à noite no Senai, de dois anos, para estudar, né? Aí eu ia de moto e ele não deixava: “Não, vá no meu carro!” Aí ele quase não me deixava andar de moto, porque ele era... mas o meu sonho era.
(31:04) P1 - Ele não gostava de moto, por que ele tinha medo?
R1 - Não, por causa de acidente que ele dizia, né? Ele não gostava de bicicleta, ele ia gostar de uma moto, que é mais violenta ainda? Aí não teve jeito.
(31:15) P1 - Essa foi a única coisa que o senhor brigou, para ter?
R1 - Foi a única coisa que eu briguei. Foi quando eu fui para o Jari.
(31:22) P1 - Então, espera. O primeiro trabalho do senhor foi nessa...
R1 - Foi. Não, eu trabalhei nessa empresa de ônibus, aí meu irmão pegou, vendo aquilo e foi numa metalúrgica que a dona era médica, amiga dele. A maior metalúrgica do Rio Grande do Norte, Brasil Inox, que ela fabricava só produtos para a Petrobras, para hospital, só em inox. Aí ele disse: “Arranja um lugar para o meu irmão, lá”. Aí ela mandou para o irmão dela, que é o diretor lá, ela nunca nem ia lá, disse: “Ó, escolhe o melhor lugar da fábrica para ‘botar’ o irmão de Darcio aqui”. Aí, quando eu cheguei lá, ele ‘botou’ na engenharia. Aí foi lá quando eu comecei a engenharia.
(32:04) P1 - E gostou?
R1 - Aí eu, na escola, quase que era reprovado, foi a única matéria que eu quase não passava, né? Aí depois eu fui gostando, gostando, aí fui me dedicando, aí fui... eu sempre fui... aonde, qualquer lugar aonde eu ia, eu me esforçava pra... nunca fui o melhor, mas sempre tentando chegar próximo dos melhores. Aí foi que eu entrei, aí depois apareceu um concurso da Petrobras, eu passei. Aí foi que eu fui descobrir. Eu vivia no mar, eu pegava onda, tudinho, eu não tinha medo de mar.
(32:44) P1 – O senhor surfava?
R1 - Surfava. Aí pegava. Aí, o que aconteceu? Quando eu fui para o mar, aí eu descobri que eu tinha um problema de altura. Porque, nas plataformas da Petrobras, você, quando sai da lancha, sobe num cesto. Aí você... é um negócio redondo e tem umas cordas. Aí você ‘bota’ os pés, segura e o ‘cara’ te tira lá de baixo e joga lá pra cima. Devido ao vento, você fica deitado assim, se segurando nas cordas, pra ele te jogar na plataforma. Aí foi que eu descobri que eu tinha esse problema de altura, que até hoje eu tenho, eu não tenho equilíbrio. Eu fico em choque, eu não tinha...
(33:25) P1 - Dava medo?
R1 - Dava medo. Aí eu ficava preso, tenso. Aí todo dia tinha que sair dessas plataformas, ia pra outra, eu não aguentei e entreguei o lugar. Eu fui o primeiro ‘cara’ no Rio Grande de entregar o lugar da Petrobras.
(33:39) P1 - Qual que era o cargo lá?
R1 - Não, era pra técnico, né? Eu estava técnico lá, de processo lá, porque lá o técnico é tanto de perfuração, como de manutenção e de operação, porque vive dentro de um container, nas plataformas. Aí você fica sete dias, aí depois folga sete, porque você fica dentro de um container desses (34:04). Aí lá, duas pessoas, uma fica trabalhando 12 horas e outra fica trabalhando 12 horas. Aí a comida vem do barco, o banheiro é lá também, aí você vive lá esses sete dias. Aí era problema. Aí eu tive esse problema de ter que subir, descer e aí eu entreguei o lugar.
(34:26) P1 - Quanto tempo o senhor ficou nesse trabalho?
R1 - Fiquei uns seis meses, eu não aguentei.
(34:29) P1 - Até que ficou bastante, né?
R1 - É, mas eu não aguentei mais e saí. Aí o ‘cara’ que entrou no meu lugar era um menino que estudava comigo na escola técnica, nesse primeiro embarque ele morreu. Quando eles foram fazer a perfuração caiu um parafuso, o ‘cara’ pediu para ele buscar, quando ele foi buscar a máquina veio e explodiu a cabeça dele. Primeiro embarque do ‘cara’. E eu o encontrei no dia que eu cheguei lá na Petrobras, para entregar o lugar e ele disse: “Rapaz, um ‘cara’ entregou o lugar e eu estou saindo”. Eu disse: “Foi eu que entreguei”. Ele disse: “Foi você?” “Foi” “Mas me desculpe”. Eu: “Não, você...” e ele foi e morreu. No primeiro embarque dele, nem demorou. Aí depois eu fiz outro concurso, passei, aí fui reprovado na psicóloga, porque ela disse que era para eu estudar dois anos em São Paulo, compressores e trabalhar na oficina, em Natal. Aí eu disse: “Isso daí dá para mim, que eu não preciso ir pro mar”. Aí ela disse: “E quando quebrar um compressor no mar, que você vai ter que ir lá?” Aí me reprovou. A psicóloga que eu tinha pedido para sair, ela mesma que me reprovou. Passei em tudo, menos nela.
(35:40) P1 - Você não queria ir pro mar, né?
R1 - Não, no mar não. Eu saí, porque eu não aguentava o mar! Foi a primeira vez que andei de helicóptero. Aí eu vi que dá medo, porque o helicóptero fica em cima da plataforma, pressurizando: buuuuuuuuu. Aí, quando eu vi todo mundo se benzendo, se amarrando, eu disse: “Que negócio é esse?” Aí, quando eu vi, quando ele sai da plataforma ele pega o vácuo, aí ele desce. Vai todo tempo, como se fosse batendo na água, assim, você vai vendo a água chegando, aí ele: bobobobuuuuuuu, porque o ar consegue bater no mar e ele consegue se estabilizar, porque ele sai de uma parte que o ar está prendendo, quando ele sai aqui tem o vácuo, aí ele desce. Desce, desce, desce feio mesmo e todo mundo fica desesperado, aí ele consegue controlar e levanta voo. Isso daí era pior do que a lancha. Todo mundo se benzendo, todo mundo com crucifixo, toda a vida era assim. Eu disse: “Meu Deus do céu, isso aí é...”. Aí eu disse: “Não, não dá, não”.
(36:45) P1 - Aí abandonou?
R1 - Abandonei.
(36:48) P1 - Então, no fim, o senhor abandonou duas vezes? Ou foi a mesma?
R1 - Não, essa foi dessa vez. Da outra vez eu não entrei na Petrobras. Aí eu fiquei lá, aí mandei uma cartinha para o meu amigo no Jari e foi quando eu fui para o Jari.
(37:05) P1 - O que é o Jari?
R1 - O Jari é uma fábrica de celulose, que veio do Japão. Ela veio flutuando, a fábrica pronta, já. Duas plataformas, mas já prontas, maiores que essas caldeiras que a gente tem aqui, na Alunorte. Ela veio do Japão. E as duas chegaram lá, aí fizeram um dique e ‘botaram’ os pés, as estacas de maçaranduba, aí encheram d'água, essa plataforma arriou. Ela ficou em cima da maçaranduba de um metro e vinte cada uma, que era a madeira que tinha aqui. Ela ficou lá. Era uma de força, que gerava energia para a fábrica toda, vapor e para a cidade. E essa daqui fabricava celulose. As celuloses eram das melhores do Brasil.
(37:50) P1 – Que ano que o senhor entrou no Jari?
R1 - Entrei em 1982.
(37:58) P1 - O senhor pediu um trabalho e deu certo?
R1 - Não, eu mandei a carta aqui para meu amigo, dizendo de tinha uma vaga lá, ele falou com o chefe, disse que tinha. Aí meu pai, aperreado, comprou logo a passagem, me mandou. No outro dia eu cheguei lá.
(38:11) P1 - Onde que era?
R1 - No Jari.
(38:13) P1 - Mas onde fica?
R1 - Fica aqui, no Pará. Fica a uma hora e meia de avião, dentro da selva. Você não vê uma cidade, não vê nada. É uma hora e meia de avião, chega lá. Aí quando chega lá tem uma cidade. Foi o Ludwig que construiu a cidade. A cidade é mais estruturada que essa daqui. Quando eu cheguei lá, naquele tempo, já era tudo saneado. Por exemplo: a casa que eu morava tinha o (38:39), a gente não usava nem para fazer café, era abrir a torneira, tem a quente e a fria, já saía fervendo. A gente não pagava energia, não pagava água. Toda casa tinha máquina de secar, máquina de lavar, tudo dado pelos americanos. E as paredes dela não entrava um prego, porque eles fizeram de ferro, com a forma, enchia de concreto, aí ficava a casa todinha. A casa era um blocão. Aí tinha suíte, tinha tudo, mas era uma casona, estilo americana a cozinha, era tudo...
(39:10) P1 – Então, o senhor tinha 22 anos quando saiu pela primeira vez da casa dos pais?
R1 – Vinte e um. Foi, da casa do pai. Aí eu quase que não chego no aeroporto, porque eu dirigi o carro do meu pai, aí eu chorando, chorando. Aí meu pai disse: “Esse daí não vai aguentar nem um dia lá”.
(39:28) P1 - Por que você estava chorando?
R1- Porque eu nunca tinha saído de casa, nunca tinha dormido fora de casa um dia. Minha mãe... eu não comia arroz, só comia macarrão; eu não comia a gema de ovo, só ela que fazia, fritava clara pra mim. Coisa de mãe, né?
39:49) P1 – ‘Seu’ Sidney do céu, então a mãe do senhor era... tinha esses cuidados com a alimentação, cuidava e aí o senhor ficou com coração apertado de ir embora?
R1 - De ir embora, por que quem ia fazer isso pra mim? Eu não comia salada de maionese, ela separava pra mim, né? Eu não tomava café, ela fazia todo dia uma vitamina de alguma coisa pra mim, entendeu? Onde é que eu ia achar isso?
(40:17) P1 - E aí, como é que foi o tchau?
R1 – Aí, quando eu cheguei lá, eu tomei até um calmante, para poder chegar lá. Aí eu fui lá. Quando eu cheguei lá, fui morar numa república. Era só de técnico, mas tudo ‘cara’ vivido. Eu, para ter uma ideia, eu nunca tinha tido uma namorada. Eu andava com mulheres, mas dizer ‘minha namorada’, assim, não, não tinha namorada. E os ‘caras’ tudo vivido, tudo malandro, tudinho. Aí eles... eu sempre comia as coisas boas que minha mãe dava. Aí eu comprava, ‘botava’ na geladeira, eles comiam. Aí teve um dia que eu acabei com isso. Eu peguei, comprei aquele remédio laxante, os piquei todinho, aí ‘botei’ na farinha láctea e no Nescau lá e comprei um monte de banana, um monte de fruta, tudinho. Eles chegaram, eles trabalhavam de turno, quatro horas da manhã estava todo mundo aperreado lá. Aí eu falei para eles, nunca mais eles mexeram em nada meu, lá.
(41:21) P1 - O Jari ficava em qual cidade?
R1 - Ficava no município de Almeirim. O Jari é quase o tamanho do estado do Sergipe. Eu andava de moto lá, eu fazia trilha lá, eu andava mais de trezentos quilômetros, lá dentro. Tem uma ferrovia lá de sessenta quilômetros, para arrastar madeira para a fábrica de celulose. E eu andava com moto adoidado lá dentro, eu fazia trilha, eu fazia... entendeu? Então, o Jari, tem um... do outro lado é o Amapá, tem só o Rio Jari no meio. Aí do outro lado chamava de Beiradão, que hoje é Laranjal do Jari. Aí hoje já ligou com Macapá, que é do estado do Amapá, hoje já tem uma estrada de chão, mas...
(42:09) P1 - Jari é o nome da empresa, ou da...
R1 - Não, a cidade é Monte Dourado. Porque todo mundo só chama de Jari, porque a fábrica era Jari. Aí todo mundo conheceu, mas o nome da cidade é Monte Dourado.
(42:23) P1 - E aí, quando você chegou e começou a trabalhar lá, você se acostumou?
R1 - Aí eu fui me acostumando, me acostumando. Só que, no começo, eu não tinha moto, não tinha... aí eu achava estranho. Aí eu peguei, liguei pro meu pai, pra ele vender meu carro lá, que eu tinha um carro lá, pra ele mandar uma moto. Aí ele mandou uma moto pra mim, aí já foi fácil. Aí foi eu feliz da minha vida, que aí foi quando eu conheci minha esposa, ela levando numa queda de moto.
(42:56) P1 - Como assim?
R1 - Eu ia passando na rua, ela levou uma queda de moto na rua, aí eu fui socorrer. Aí ela fraturou a perna, aquela confusão, aí fui socorrer, levar pra hospital, aquela coisa toda, né? Aí depois eu comecei a ir na casa dela, pra saber como é ela estava, aí eu comecei a namorar com ela. E o pai dela era o homem mais brabo do Jari, era considerado... era o Luizão. Aí os ‘caras’ diziam: “Você está namorando com a filha do Luizão?” Eu disse: “Estou. Graças a Deus que eu não estou namorando com ele, eu estou namorando com ela”. Aí: “Você é doido? Aquele homem é muito brabo”. E se tornou um pai para mim. Ele era meu pai e eu me tornei filho dele, porque ele tinha três filhas e nasceu um. Mas um não era muito direitinho, era meio diferente dos outros. Aí ele não acompanhava o pai, o pai era muito bruto. E eu fazendo, a gente chama de gambiarra: mexendo em máquina de lavar, carro ‘véio’, moto, a gente mexia tudinho e ele me adotou como filho e eu como pai dele, né? Que eu não tinha liberdade com meu pai, eu tive com meu sogro. E ele me defendia mais que minha mãe e meu pai me defendiam.
(44:10) P1 - Qual era o nome da filha do Luizão?
R1 - Do Luizão? A minha esposa? Era Rosana.
(44:15) P1 - A Rosana era dessa cidade?
R1 - Não, era de São Paulo, que eu te falei. Aí eles eram de São Paulo, foram para Araxá e foram para o Jari.
(44:25) P1 - Para ele trabalhar.
R1 - Para ele trabalhar, porque ele tinha uma empresa muito grande lá no Araxá e ele fazia as obras tudinho, o irmão fazia a parte financeira. E quando ele descobriu, o irmão estava fazendo tudo de errado lá. E aí ele, muito honesto, vendeu tudo, os carros, a casa, tudinho, para pagar os funcionários. Aí ele faliu, aí ele foi para o Jari. Lá foi quando eu conheci, ele já estava um ano antes que eu, aí conheci e a gente começou.
(45:03) P1 - Como que ela era, quando o senhor conheceu? Fisicamente.
R1 - Era morena, porque meu sonho era casar com uma negra. Eu fui na Bahia e eu enlouqueci: “Meu Deus do céu, eu vou casar com uma negra”. Meu sonho era casar com uma negra.
(45:18) P1 – Por que o senhor achava muito bonita?
E1 - Eu acho muito bonita. Não estou desfazendo das brancas, não. Mas eu acho muito lindas as negras. E o meu sonho sempre foi casar com uma negra. E ela era morena, mas não era negra, era morena, de cabelos pretos. Só que eu a conheci com 17 anos, para 18. Ela já tinha começado com cabelo branco. Ela já tinha, que era de família. A mãe dela era negra e o pai dela era mais branco que eu. E ela foi... eu a chamava de velha, porque ela era nova, três anos mais que eu, mas já tinha cabelo branco.
(46:03) P1 - E vocês começaram a namorar?
R1 - Ah, começamos a namorar, a gente casou e fomos viver a vida. Ela se formou em professora, né? Aí ela virou professora. Só que era uma mulher muito culta, muito educada. Eu nunca a vi falar um palavrão, ela não falava nada. Ela estudava, ela só vivia lendo, de nível alto. A gente tinha lá um quarto, era uma biblioteca dela. Até aqui, quando ela morreu, eu doei para uma escola toda... não sei se alguém vai ler, porque era um nível muito alto. Era muito culta a mulher e não ia na casa de ninguém, também não ia... ninguém ia lá em casa. É igual aqui, lá no Jari o mesmo jeito: ela nunca foi na casa de ninguém, nem ninguém ia na nossa. A gente sempre viveu. Por isso que eu fui acostumado a não... a gente não recebia visita, mas também não ia na casa de ninguém, era nosso lema. Porque ela gostava muito de ler, era muito tranquila. Só tinha um vício, que era fumar.
(47:07) P1 - Ela?
R1 - É, mas ela não fumava dentro de casa, nem... quando eu cheguei aqui, a Alunorte deu aquele ram para morar. Aí tem uns corredores lá, a varanda lá. Aí, quando ela queria fumar, que ela saía, que vinha alguém, aí ela voltava, porque ela nunca fumou na frente de ninguém. E ela era professora. Por exemplo: ela fumava aqui em casa, ia para a escola e chegava três horas da tarde, não acendia um cigarro. Mas quando vinha, vinha doida, mas ela não queria ver nenhum aluno. Ela virou coordenadora e ninguém nunca nem a viu fumar.
(47:42) P1 – O senhor já a viu fumar?
R1 - Quem?
(47:44) P1 - O senhor viu?
R1 - Não, eu via, porque ela fumava aqui fora. Aí por isso que eu comprei essa casa e me mudei pra cá, entendeu? Me mudei pra cá porque eu ficava com pena. Ela com vontade de fumar, mas ela não ia na varanda, pra ninguém vê-la fumar.
(48:00) P1 - E vocês casaram com festa e tudo?
R1 - Teve a festa lá, tudinho. Eu queria casar de roupa normal. Ela comprou uma calça social e um sapato, porque eu nunca tive sapato. Nunca gostei. Até hoje eu não tenho sapato. Eu passei mais de dez anos sem comprar um tênis e nem um sapato. Eu uso bota e chinelo. Eu vou pra missa, vou pra (48:24), vou pra todo lugar de chinelo. Não vou. Eu já passo o dia todinho de bota, eu não vou. Eu comprei um tênis aí faz dois anos, mas está ali. Nunca usei, está ali, guardado.
(48:37) P1 - Mas no dia do casamento usou?
R1 - Eu usei o sapato que ela comprou e a calça, tudinho, mas foi só naquele dia. Nunca mais usei, que eu não gosto.
(48:45) P1 - E foi na igreja?
R1 - Foi na igreja. Tem a foto ali, da igreja.
(48:49) P1 - Ela estava de véu e grinalda?
R1 - Estava. Ela de véu e grinalda, tudinho. Ela fez.
(48:54) P1 – Linda?
R1 - Foi. O problema foi na hora que tem que ter uma confissão com o padre. O padre me perguntava por que eu queria casar da igreja, porque eu não ia lá na igreja. Eu disse: “Padre, eu não posso falar o que eu sinto” “Isso aqui é uma confissão. Você fala o que você sente”. Eu disse: “Está bom. Sabe por que eu não venho na igreja? Porque eu não vejo a igreja fazer campanha para ajudar ninguém. Eu só vejo a igreja pedindo dinheiro para fazer alguma coisa e eu não me sinto bem num lugar desse. Teve um incêndio no Beiradão, vocês fizeram uma coleta ao menos de roupa, para dar para alguém lá? Vocês não fizeram isso”. Aí ele me olhou, me olhou: “Eu estou entrando agora” “Pois é, tem que mudar isso, porque eu não aceito esse negócio: só pedir e não dar nada em troca. Então, tem que dar e pronto”. Aí, quando eu saí, ela entrou. Quando ela saiu, ela perguntou: “O que foi que você falou pro padre, que o padre disse que eu tinha que ter muito cuidado com você, porque você era um ‘cara’ muito sincero, que era um ‘cara’ muito direto e tudinho?” Aí eu contei pra ela e ela disse: “Você está doido, por que você falou isso?” “Era uma confissão”. Aí pronto, aí ela viu. Pra ter uma ideia, eu comecei a namorar com ela, no mesmo mês, sabe o que eu fiz? Eu fiz uma conta conjunta com ela, fui no banco, abri a conta. Namorado! Os ‘caras’: “Tu está doido, como é que tu faz a conta?” Eu disse: “Rapaz, o máximo que ela pode fazer é gastar um salário meu, depois disso ela não gasta. E eu vou ver quem ela é”. Se ela fosse uma mulher que gastasse... é igual o rapaz que namorava comigo, lá na república: ele mandava o dinheiro para a noiva dele pagar a moto dele aqui em Belém, ela ‘papou’ o dinheiro e, quando chegou a polícia, tomou a moto dele, entendeu? Aí que eu estou dizendo. Aí eu disse ‘não’. Aí pronto. Então, desde namorado, a gente tem conta conjunta. Nunca teve... ela nunca tirou um... ela nunca abriu uma carteira minha. Ela era muito... por isso que nunca mais eu casei, nem nada. Não estou desfazendo das mulheres, não, mas achar outra igual essa daí, difícil. Por isso que eu vivo na minha vida aqui, não aceito esse...
(51:23) P1 - E ela te tratava bem?
R1 - Tratava bem. No começo, eu ia me separar, porque eu queria brigar com ela, ela ficava só me olhando. Eu gritava, eu gritava e ela lá, como se não fosse com ela, né? Aí depois eu aprendi. Aí eu dizia: “Rosana, eu não gostei disso aqui, tudinho”. Eu passava dois dias sem falar com ela, ela enlouquecia. Aí ela disse um dia para mim: “O silêncio é a pior resposta”. Aí eu aprendi isso. Aí eu tento me controlar para isso, para dar o silêncio. Porque ela disse que é triste o silêncio.
(51:59) P1 - E como é que vocês se divertiam?
R1 - Eu não vi meu filho crescer, porque eu sempre trabalhei muito. Eu, todo dia chegava da fábrica às 11 horas da noite. Eu saía de seis e ainda trabalhava sábado e domingo. Aí sábado e domingo, que a gente ia numa lanchonete, comia um negocinho e pronto, a minha vida era essa. Eu sempre trabalhei feito um louco.
(52:25) P1 - Lá no Jari?
R1 - Lá no Jari. Aí, o que aconteceu? Quando acabou as horas extras, que não deixava mais fazer horas extra, foi a época do AutoCAD de lá, porque o primeiro computador que chegou na cidade foi o meu. Porque eu fui na Bahia Sul, que a Jari me mandou ir na Bahia Sul, lá na Bahia, para ver uma fábrica de celulose, um sistema lá que ele ia implantar, para ver se eu trazia algumas ideias. Quando eu cheguei lá, vi o meu padrinho de casamento lá, num computador e eu disse: “Gilson, cadê as pranchetas?” E ele disse: “Não existe prancheta aqui. Não existe prancheta aqui. É isso aqui”. Ele mostrou o mapa da cidade e um eixo. Eu disse: “Não acredito, é isso aí?” “É”. E a gente fazia nas pranchetas, né? Eu disse: “Meu Deus, Gilson, eu vou comprar um computador”. Sem um tostão. Aí ele disse: “Vai, vai”. Aí, no outro dia ele me trouxe 14 disquetes, porque antigamente não tinha CD, para instalar o AutoCAD, né? O R14. Aí eu fui com aquilo na cabeça, cheguei lá no Jari sem um tostão para comprar um computador. Na época era importado o computador. Aí eu disse: “Mulher, vou vender o carro”. Um buggy que eu levei três anos para construir. Só as rodas dele foram minhas férias todinhas, que a gente ficou liso, passou quase fome. Aí eu construí um buggy daqueles de Natal, levei um de Natal para lá, levei três anos. Eu mesmo desmontei, eu mesmo fiz tudinho, só mandei pintar um vermelho Ferrari, lindo, a cidade enlouqueceu quando viu o carro. Aí ninguém tinha dinheiro para comprar. Aí eu troquei em outro buggy batido, mas já tinha feito a fibra, estava feia a pintura. E o ‘cara’ me voltou uma televisão, um ar-condicionado e quinhentos dólares.
(54:07) P1 – Dólares?
R1 – Dólares. Na época era dólar, porque era dólar. Aí eu vendi, tudinho e mandei para São Paulo, pra um amigo meu que trabalhou no Jari, que já mexia com computador, comprar um computador. Aí ele comprou. E cadê o dinheiro para trazer? Não tinha. Aí meu chefe, vendo o meu esforço, pegou e disse que pagava o transporte, que era a Taba, uma empresa aérea que tinha, aqui no Pará. Aí ela trouxe de São Paulo, aí chegou lá, chegou a caixa, tudinho, eu olhei, a cidade, ninguém tinha computador. Como é que eu sabia, ao menos, ligar? É igual hoje, é tudo moderno, mas dá um computador para um índio, que nunca viu. O que ele vai fazer? Vai fazer nada, ele não sabe nem onde aperta o botão, para ligar. Aí, como Deus é grande, chegou um computador para o diretor. Aí veio uma menina baiana, para dar um treinamento para ele, pra ele começar a mexer lá. Aí ela descobriu que eu tinha e foi perguntar: “Sidney, você tem um computador em casa?” “Tenho, mas não sei nem ligar, porque aqui ninguém sabe, na cidade ninguém tem computador” “Não, eu vou dar uma aula pra você. Eu cobro tanto”, uma mixaria lá. Eu disse: “Está bom, você pode ir”. Aí ela ia de sete horas da noite, lá em casa. Aí foi outro problema: quando ela chegou era um ‘avião’, uma mulher linda, bonitona. Aí minha sogra estava morando comigo. Minha sogra começou a buzinar a cabeça da minha mulher, dizendo: “Como é que você deixa...” - porque a gente estava morando em (55:42), a suíte era em cima, com ar-condicionado era em cima, aí eu não ia ‘botar’ o computador lá embaixo – “... uma mulher daquela, com ele dentro de um quarto?” “Mamãe, ele está estudando, mamãe”. E ela não aceitava, foi uma confusão. Aí ela me ensinou, aí tinha um programazinho para usar o mouse, antigamente. Era igual criança para aprender a escrever, né? Eu tinha que passar o mouse por cima. Aí eu fui e aprendi. Aí eu liguei para esse meu amigo, lá da Bahia: “Sidney, eu vou ensinar AutoCAD para você” “Vai ensinar AutoCAD para mim?” “Vou. Todo dia tu liga, que eu ensino”. Aí eu comecei ligar para ele, ele me ensinando. Eu com o telefone aqui, fazendo tudinho. Aí, o que aconteceu? A conta vinha alta, que antigamente o interurbano era um absurdo. E eu disse: “Como é que eu vou ter dinheiro para pagar isso?” Tinha acabado as horas extras, tudinho, aí eu peguei e montei uma oficina de refrigeração, para limpar ar-condicionado, ajeitar geladeira. Aí nesse buggy eu fiz um reboque, eu mesmo, aí ‘botava’ geladeira, ar-condicionado, levava, lavava. Aí, quando eu chegava na sala, nas casas do gerente, ou dos diretores lá: “Sidney, você trabalha na engenharia, você limpa?” “Eu limpo, porque é honesto, para sobreviver”. Porque eu usava capacete branco, quem usava lá capacete verde era o staff, eu morava no staff e eu usava capacete branco, era um nível alto, mas eu limpava. Aí, com esse dinheiro foi que eu fui pagar as ligações, todo mês. Eu pagava as ligações todo mês, foi um sufoco, tudinho, fui. Aí, quando eu não ligava, ele ligava com vergonha, ele ligava e fui e eu aprendi. Quando eu aprendi, eu levava os desenhos da fábrica e fazia em casa. Aí chamei os diretores pra lá: “O que que é?” “Olha isso aí como é moderno”. Fui mostrar pra eles. Quando eles viram, enlouqueceram: “Sidney, é isso mesmo?” “É isso”. Aí o ‘cara’ tinha feito pra mim o carimbo do desenho, onde vem o selo do desenho, eu já ‘botei’ Jari, igual lá. “Caramba, é isso”. Aí, no outro dia ele chegou lá na sala, tinha 12 projetistas e eu. Aí ele disse: “Sidney, eu vim falar com o pessoal aqui, fui lá casa de Sidney ontem, eu vou comprar computador para substituir essas pranchetas tudinho aí, para vocês. Vi que eu fiquei impressionado ontem”. Todo mundo ficou impressionado, os diretores, todo mundo ficou, aí, o que aconteceu? Os 12 deixaram de falar comigo. Os 12. Ninguém dava nem bom dia pra mim. Eu entrava e saía, ninguém dava bom dia pra mim.
(58:28) P1 - Por quê?
R1 - Porque diziam que iam perder o emprego, iam trazer os ‘caras’ de São Paulo, que sabiam mexer no AutoCad. Eu falei: “Mas o ‘cara’ não conhece a fábrica, como a gente conhece”. Aí: “Não, não, não”. Aí, pronto, deixaram. Aí, levou uns três meses e chegaram os computadores. Aí, o diretor foi olhar e disse: “Na próxima semana está vindo um rapaz de São Paulo, pra dar treinamento a vocês, pra vocês aprenderem a mexer”. E eu já mexia, né? Aí, ficaram lá. Isso, ele falou na terça-feira, no sábado o que é aconteceu? A fábrica incendiou. Pegou fogo a fábrica toda. A parte... porque eram duas plataformas, a de energia e vapor, onde gerava energia para a cidade, pegou fogo a cidade, destruiu a fábrica todinha, ficou um ano até a seguradora liberar, para fazer o conserto. A gente ficou na cidade na maior luta, era quatro horas de energia por dia, numa cidade quente igual o Pará e a gente morria. A geladeira, tudinho perdia as coisas, a gente ficou quase um ano nessa situação desesperada.
(59:39) P1 - Ninguém perdeu emprego?
R1 – Não, demitiriam seis mil pessoas só, de uma vez, logo.
(59:43) P1 - Demitiram?
R1 – Seis mil.
(59:45) P1 - Nossa!
R1 - Acabou a cidade, acabou tudo. E não mandaram a gente embora porque a gente era da engenharia, eles iam precisar. Por exemplo: eu conhecia muito o Jari, eu sabia - porque antigamente era no papel - até a gaveta onde estavam os projetos tudinho e eles precisavam, para partir. Aí o meu sogro, como conhecia muito de elétrica, deixaram meu sogro lá, para poder fazer. Aí, o que aconteceu? Não tinha serviço. Aí eu fui ensinar todos esses doze a usar o computador. Todos eles aprenderam comigo.
(01:00:23) P1 - Que ano que foi?
R1 - Foi em... acho que 1994, mais ou menos. E isso, nesse período, em 1994, eu tinha feito um estudo, porque eu sempre fui na frente de todo mundo, assim. Eu via que a fábrica era toda importada, a gente levava, devido à importação, era crítica, aí eu vi que tinha muito eixo, muita bomba, tinha muita coisa que a gente podia nacionalizar, desenhar, tudinho. Aí eu peguei e tirei um pedaço de cada eixo, cada essa coisa, mandei fazer análise de material, dureza, essas coisas, em São Paulo. Como eu tinha moral lá dentro, eu mandei e eles concordaram. Eu disse: “Eu queria que tirasse o dinheiro, a gente vai mandar fazer análise”. Aí eles pagaram para fazer análise. Aí eu peguei os desenhos e mandei para São Paulo, quanto é que custava, certo? Uma peça, quanto tempo ele levava para entregar e vinha do Japão, quanto tempo? O que aconteceu? Ficava 20% o valor do Japão e eles entregavam em trinta dias. E o outro era nove meses a um ano. Quando eu mandei isso, aí minha esposa já estava mexendo no computador, aí ela já fez a planilha, que ela aprendeu sozinha. Aí ela fez a planilha, a gente mandou pro Rio de Janeiro, pro Grupo KM, que era o dono que comprou do americano, o Jari. Aí eles, quando viram lá, eles contrataram 12 projetistas lá de São Paulo, para mexer com o desenho, mas na prancheta ainda. E só tinha validade se eu aprovasse o desenho. Eu ganhava cinco reais a hora, eles ganhavam vinte. E eles ganhavam hora extra e eu não ganhava. Eles tinham direito a almoçar, lá no restaurante. Eu tinha que pagar, porque no sábado e domingo não tinha, eu ia trabalhar sem ganhar nada. Aí eu pedi pra mudar e eles não deixaram: “Não, eu queria virar...”, que depois eu descobri que era PJ. Aí eu peguei e falei, né? Aí eles não deixaram: “Como é que a gente vai te mandar? Não, não, tu vai ficar assim”. Aí eu fiquei, mas continuei trabalhando feito um doido, né? Chegou um ponto, depois de dois anos e meio, que eu pedi para ir embora. O diretor disse: “Tu não vai embora daqui nunca, nunca tu vai embora daqui”. Aí eu peguei, nunca fui bom em português, pedi para um amigo meu fazer um e-mail bacaninha, para mandar para esse diretor que eu tinha mandado as coisas. Aí ele perguntou se eu queria um aumento, ou queria ir embora. Eu disse: “Não, quero ir embora, porque já estou 16 anos aqui, já não aguento mais”. Aí ele pegou, mandou a liberação, o diretor soube, ele foi lá gritar comigo: “Tu não vai sair daqui nunca, nunca, nunca tu vai sair daqui”, porque eu fazia de tudo lá.
(01:03:29) P1 - Mas não te valorizavam, né?
R1 - Era. Eu era como um líder lá, na engenharia. A engenharia fechou três vezes e eu ficava sozinho. Mandava todo mundo ir embora e eu ficava sozinho esse período lá. E eu era um líder. Eu passava serviço para os outros, eu fazia tudo e ele não... aí eu fiquei revoltado e peguei e saí. Aí ele pegou e mandou, porque eu queria que ele me mandasse embora, para o direito de ter indenização, as passagens de avião para Natal, para ir para Natal e a mudança minha para Natal. Aí eles me deram tudo, aí eu fui para Natal.
(01:04:02) P1 - Nesse tempo que você ficou trabalhando, 16 anos, você ficava visitando a família em Natal?
R1 – Ficava, porque eu tinha direito de passagem de avião. A primeira eu fui de moto, porque era o meu sonho ir de moto. Aí foi nesse ano que eu casei com ela e no outro ano eu já fui de avião, porque quando eu casei com ela, ela já tinha esse meu filho, já tinha um bebê. Ele tinha seis meses. Porque ela engravidou lá em Minas e ela veio pro Jari. Aí teve esse menino, que é meu filho. Eu o considero meu filho.
(01:04:39) P1 - Como ele chama?
R1 - Rogério. Aí ele veio pra cá bebezinho, eu comecei a namorar com ela, ele era bebezinho, né? E quando ela mandou a foto dele pra uma amiga dela, o pai dele se matou. O pai do Rogério, (choro) um acidente de moto.
(01:05:12) P1 - Acidente de moto? Mas ele se matou?
R1 - Ele bateu num muro lá e morreu.
(01:05:19) P1 - Mas foi um acidente?
R1 - Foi um acidente, mas ele provocou, porque ele ficou desesperado.
(01:05:24) P1 – Por que estava longe do filho?
R1 - Porque o pai dele não o deixou casar com ela. Aí ela foi pro Jari, nasceu lá e o pai dela ‘botou’ como fosse filho dele. Aí, quando eu casei, foi um rolo, porque eu o ‘botei’ com meu nome, aí o Jari descobriu, foi uma confusão, quase dá cadeia para nós dois, porque ele já tinha registro e eu o registrei como meu filho.
(01:05:50) P1 - Você o adotou de coração, né?
R1 - Eu tenho uma filha com ela.
(01:05:56) P1 - Depois veio uma filha?
R1 - Foi uma filha, mas ele cuida mais de mim do que a minha filha. Minha filha morava comigo aqui, ela agora está em Natal. Mas para falar com ela, a porta é porta com porta, eu tenho que passar um zap e ele vive direto no meu quarto.
(01:06:12) P1 - Depois de quanto tempo veio a filha?
R1 - Depois de uns três anos. Não, cinco anos que ela veio.
(01:06:21) P1 - E ela chama como?
R1 - Cíntia. Aí, quando ela veio aqui para Natal... quando veio de Natal para cá eu vi a escola que era muito ruim e eu peguei e a mandei de volta. Então, ela sempre estudou em Natal. Ela fez duas faculdades, fez especialização, fez a terapeuta, todinha, veio para cá. Mas lá eu a sustentava, porque eu ganhava muito dinheiro aqui.
(01:06:45) P1 – Tá. Então o Jari acabou, 16 anos depois você pediu demissão?
R1 - Pedi demissão. Fui para Natal.
(01:06:51) P1 - A família inteira?
R1 - Foi para Natal. Eu pensei que eu ia arranjar um emprego lá. Quando eu cheguei lá em Natal, o maior salário de lá era quase 20% do que eu ganhava no Jari. Já não dava, eu pagando aluguel lá e no Jari eu não pagava. Aí eu fiquei lá, meio desesperado. Aí um amigo meu, lá no Jari, era irmão da secretária do diretor. Era um gaúcho, era o Miguel (01:07:19). Ele veio do Rio Grande do Sul e o chefe disse: “Ó, a partir da manhã vai chegar o irmão da Luíza”. Só que ele é projetista civil e lá era tudo ferro, não tinha nada. “Ele não sabe nada de mecânica. Tu vai ensiná-lo, só que ele vem ganhando mais do que você. Mas não ‘esquenta’”. Eu nunca olhei salário de ninguém. Eu só olho o meu e acabou. Não me interessa se tu ganha trinta mil, pra mim. Aí ele veio, aí eu fui ensiná-lo a entender mecânica, tudinho. No primeiro dia eu já dei uns gritos com ele, que ele fez um levantamento malfeito, assim, de uma peça. Aí eu digo: “Não, não é assim”. Aí, depois, ele era muito orgulhoso, ele fez os desenhos dele na mão, era melhor do que os meus nas pranchetas. Aí ele se tornou meu amigo, aí ele saiu e foi pra Trombetas. E toda a vida que ele precisava tirar as dúvidas, ele ligava pra mim, eu fazia o rascunho e mandava via fax pra ele, como é era a solução do problema. Aí, quando ele ligou pro Jari, eu não estava mais lá, o ‘cara’: “Não, está em Natal”. Ele ligou pra lá: “Tu quer vir pra Trombetas?” Eu disse: “Quero”. Aí eu peguei e mandei. “Manda o currículo”. Eu tinha um fax em casa, eu mandei. Aí quem recebeu lá foi o diretor: “Pode trazer esse daqui, pode trazê-lo pra cá”. Tudinho ele falou pra secretária providenciar as passagens pra eu vir. Só que ele pegou, estava de olho aqui no Jari, aqui na Alunorte. Ele pegou, mandou pra cá o currículo dele e o meu. Aí, quando os ‘caras’ viram o meu, que o pessoal... que o Jari teve uma fase que foi a pior coisa que aconteceu no Jari, a minha tristeza, foi dentro da engenharia, montaram um sindicato. Todo mundo tem sua coisa, eu nunca gostei de sindicato. Aí montaram e eu nunca aceitei isso daí. Aí eles inventaram uma greve lá, mas uma greve sem honestidade, porque eles pararam a fábrica normal, né? Que tem uma parada geral. Eles pararam. Sabe o que eles fizeram? O pessoal da elétrica e instrumentação disse: “Não, a gente só volta agora...” - desmontaram tudinho, os equipamentos tudinho – “se der aumento para nós”. Aí o meu gerente, que era o... disse ‘não’, negociou dois dias. Ele disse que não. Aí ele falou com o diretor: “Demite todo mundo”. Ele demitiu todo mundo de elétrica e instrumentação. Demitiu todo mundo, não ficou um. E ele foi em São Paulo, para cada eletricista, cada instrumentista, ele trouxe três. Foi a primeira vez que desceu um Boeing lá, no Jari. Quando ele desceu, a fábrica atrasou a partida dois dias, mas eu enlouqueci de procurar documentação, tudinho. Como eu conhecia demais, eu conhecia mais do que o pessoal do arquivo, eu sempre fui metido demais, aí a gente distribuiu os desenhos, os ‘caras’ conseguiram montar de novo a fábrica. Aí ele pegou terceiros lá. Aí ‘botou’ (01:10:27), estilo Petrobras. Aí, quem era da Petrobras foi pra lá e o nível lá cresceu, de manutenção.
(01:10:36) P1 - Mandaram o seu currículo para Alunorte?
R1 - Mandaram para a Alunorte. Quando os ‘caras’ que tinham saído da Alunorte viram o currículo: “Não, esse ‘cara’ fazia tudo lá, resolvia tudo lá”. Aí no mesmo dia ligaram perguntando meus dados e mandaram a passagem. Quando eles mandaram, aí com uma hora depois, Trombetas ligou perguntando meus dados, para mandar a passagem. Eu disse: “Não, eu já fechei com a Alunorte”. Mas o meu contrato aqui era dois meses. Eles falaram: “Você quer vir?” Eu, pô, estava desempregado. Dois meses. Aí vim. Quando eu cheguei aqui...
(01:11:14) P1 - Foi no comecinho?
R1 - Aí, numa sala grandona lá, tinha uma mesa de madeira e uma cadeira, assim. Aí eu disse: “Caramba, onde é que eu vou trabalhar, aqui?” Eu fui o segundo a chegar, porque quando a fábrica partiu, começou... porque você soube da história do Jari foi antes da Albras, só que ele parou, ficou 15 anos parada, quase, aí cresceu uma selva dentro dela, com os equipamentos todinhos lá dentro. Aí venderam a Alunorte em quilo. Aí veio um amigo meu, que é o Orly, que era engenheiro do Rio, veio para fazer, mostrar, para vendê-la no quilo, para cortarem-a e levar os pedaços dela.
(01:12:00) P1 - Da Alunorte?
R1 - Da Alunorte, nessa época. Aí, o que aconteceu? Os ‘caras’ enlouqueceram, os motores tudo zero, ela não tinha rodado nada no circuito, mas viram que não tinha logística, o porto não estava pronto, não tinha estrada, era balsa, não tinha como levar essa fábrica embora, a primeira fase. Aí veio o pai da Alunorte, que eu chamo, o Victório Siqueira. Ele mudou o processo e ela se tornou viável. Aí, quando eles a partiram, ela começou a quebrar muito, porque a bomba não estava dimensionada. Aí criaram o Firmap, foi quando eu entrei, nessa equipe.
(01:12:45) P1 – ‘Seu’ Sidney, quando vocês falam: “Quando a partiram”, o que é isso?
R1 - Partida é quando ela funcionou a primeira vez, que entrou o produto, ficou circulando. A partida da fábrica é isso daí, porque são trinta anos que ela começou a funcionar, que ela ligou, igual um carro, que ela ligou a primeira vez, são trinta anos. Só que ela tinha quase vinte parada, para poder voltar, ela partiu há trinta anos.
(01:13:10) P1 - 1995.
R1 – É, 1995. Aí, o que acontece? Eu cheguei aqui em 1998, começo de 1998. Ela já tinha partido, mas ela estava quebrando demais, ela parava, porque quebrava demais. Aí montaram a equipe onde eu entrei, do Firmap, que era para estabilizar a planta. Aí a gente montou a equipe, aí foi quando eles me vieram com a lista: treze pranchetas de Arquimedes, com cilindro hidráulico. Eu disse: “O quê? Me dá minha passagem, vou embora amanhã” “Por quê?” “Eu não trabalho com prancheta, eu trabalho com o computador” “Não, aqui...”. A Alunorte, em si, a engenharia da Alunorte era tudo na prancheta, todo mundo na prancheta, não existia computador e nada digital, era tudo papel aqui, era tudo... aí eu disse: “Não, não aceito”. Aí ele: “Mas como?” Eu disse: “Minha esposa, eu já tinha falado pra ela vir conhecer aqui. Eu mandei a passagem da minha esposa, pra ela vir pra cá. Se você autorizar, eu trago um computador pra cá”. Porque eu já tinha três, quando eu montei no Jari. Eu montei uma empresazinha, eu fazia projeto para prefeitura, já me ‘endoidei’, de tanto trabalhar. Por isso que eu não vi meus filhos crescerem. Eu sempre trabalhei de segunda-feira a segunda-feira. Aí eu peguei e a mandei trazer o computador, trouxe. Quando chegou aqui, me deram o carro da Alunorte, eu fui em casa, peguei e liguei lá. Quando eles viram, eles ‘endoidaram’. Aí, cancelaram as pranchetas e compraram os computadores e só ia fichar gente que entendesse do computador. Aí a Alunorte viu, aí tinha o Roberto Trindade, ele viu, que era o gerente lá da engenharia: “Não, a gente vai comprar”. Aí comprou e obrigou eu dar treinamento. E eu disse: “Mas eu não sei nem para mim” “Não, você...”. Aí eu todo dia ficava até dez e meia da noite dando treinamento. O pessoal da engenharia todinha da Alunorte aprendeu comigo. Aí o sistema que hoje está montado, como arquiva eu já trouxe do Jari, que eu tinha implantado no Jari, eu trouxe a ideia, aí eles foram fazendo tudinho.
(01:15:23) P1 - Você veio pra ficar dois meses?
R1 - Foram dois meses. Aí, quando foi completar os dois meses, Gasparini, era Maurício Gasparini, que era o meu gerente, eu disse: “Ó, amanhã está completando dois meses, eu quero minha passagem de volta, porque você disse que eu ia ficar dois meses” “Não, não, não”. Porque nisso ele disse que vinha um ‘cara’ me substituir. Aí chegou um projetista, um senhor já, desses baixinhos, pequenininho, todo bombadozinho, se fosse hoje era porque vivia em academia, todo bombadozinho. Aí foi apresentá-lo. Aí ele pegou e disse assim... ficou em pé logo, para poder crescer, porque baixinho não aparece. Aí ele ficou e disse: “Olha, eu vim ensinar vocês a trabalhar”. Sem conhecer ninguém. Aí, eu já sempre fui... eu disse: “Eu tô aqui pra aprender”. Só que ele conhecia muito de tubulação, mas ele não fazia os projetos certos. Ele chegava assim, media: “Mil e duzentos”. Ele não pegava a trena, segurava aqui, ele chutava muitas as medidas. E os meus projetos começaram a montar e o dele não montava nenhum. Aí, no dia que eu disse, aí o Gasparini: “Não, não” “Mas o Josimar não veio pra ficar?” Aí ele disse: “Não. Você vai ficar na tubulação”. Aí pegou, depois, mandou esse ‘cara’ embora e eu fiquei na tubulação. Até hoje eu mexo, aprendi com ele mais tubulação, que eu mexia no Jari, mas não mexia tanto, aqui eu aprendi os procedimentos da Hydro, que são totalmente diferentes as montagens de tubulação, válvulas, só existe aqui no Jari, não existe em outra fábrica, só se for de alumínio. Aqui no Maranhão e aqui. No Brasil, só existem dois lugares, o tipo de válvula e como monta, essas coisas, eu aprendi muito. Aí eu fiquei trabalhando. Aí eu comecei, começou as obras, aí de dia eu era fiscal de campo e à noite eu fazia projeto e sábado e domingo eu fazia projeto. Eu fazia cento e vinte horas extras todo mês. Eu vivia feito um louco.
(01:17:26) P1 - Mas ganhava pra isso?
R1 - Ganhava, porque aí o... esqueci o nome. O gerente do Rio de Janeiro, que era o gerente do... chegou e disse: “Sidney, você tem que virar PJ”. Eu disse: “O que é isso?” Eu nunca tinha visto falar. Eu disse: “Não, eu não quero, não” “Você vai virar PJ” “Eu não quero”. Ele: “Então, eu vou mandar você embora”. Eu disse: “Mas o que é isso?” “Não, você tem que abrir uma empresa”. Aí eu peguei e abri uma empresa. Aí eu virei PJ. Fui em Abaetetuba, que aqui não tinha, abri a empresa, não sabia o que era. Aí ele pegou meu salário, exemplo: eu ganhei mil, ele multiplicou para quatro mil meu salário. Aí PJ não tem direito. Ele me deu férias de vinte dias durante o ano e 13º. E hora extra liberada. Então, de quatro mil reais a hora extra, já viu quanto é que não dava, né?
(01:18:20) P1 – Dobrava.
R1 – Triplicava, tinha meses, que era um absurdo de tanto dinheiro, que eu nunca tinha visto tanto dinheiro na minha vida. E eu trabalhava feito um doido. Aí começou a estourar esses dedos todinhos, aqui. Aí depois, numa das folgas que eu fui em Natal, meu irmão, que era médico, me levou numa médica: “Não, isso aqui é estresse”. Aí depois que eu descobri, minha irmã, quando tem estresse, ela estoura um furúnculo aqui nas costas. E eu era nos dedos, eu vivia tudo só de luva, com os dedos todos estourados.
(01:18:53) P1 - E ele mandou você virar PJ para poder trabalhar tanto, né?
R1 - Não, para poder me pagar o que eu merecia, que ele dizia. Que ele me dizia que eu era uma máquina de trabalhar, porque nenhum fazia a loucura que eu fazia. E eu brigava no campo, o pessoal me chamava de cerol, porque eu andava com níveis, que é torto, arranca. Eu brigava com todo mundo, eu era um louco, assim. Brigava no sentido de as coisas saísse certas. Dava prêmio para o ‘cara’ que terminasse... as horas, eu mandava dar a hora para ele e as empresas ficavam doidas, porque eu tinha autonomia, porque eles me deixavam, eles me davam um carro da empresa, tudinho, mas sempre fui radical, nunca usei nem para comprar um pão, nunca saí num carro da empresa, nunca, nunca. Tirava o meu para comprar pão, voltava, nunca, ficava com o carro... eu sempre fui muito radical, nunca, meu pai me ensinou.
(01:19:54) P1 - E como que era morar em Barcarena naquela época, de 1998?
R1 - Naquela época era bom, porque eu morava naquele ram lá, a cidade aqui era... tinha um monte de rua, tudo asfaltada, tudo drenado aqui, porque quem construiu isso aqui foi a Vale. A Vale construiu aqui, chama Vila dos Cabanos, ela construiu. Eram só as casas padrões aqui, tudinho, mas já tinha saneamento básico, saneamento mesmo. Água, tudinho, tudo tinha. Rua que depois de 15 anos foi ter casa, mas tinha poste com luz, com água, com tudo, esgoto, com tudinho. A Vale construiu uma cidade aqui. Construiu o Porto Vila do Conde. Por isso que ela passou muitos anos pagando um pouco menos, porque foi descontado da construção do porto. Porque o governo não entrou com um real, a Vale que entrou. Porque a Vale era ‘louca’, fazia as coisas sem pensar. Ela não é Hydro. A gente que trabalha na engenharia, é uma loucura a Hydro, pra você aprovar, mover isso aqui pra ali. É tanto estudo, tanta coisa, túnel pra viabilizar e a Noruega que dá o final. Aqui a gente não apita em nada. E antigamente tinha muito roubo na Vale, porque os nossos fiscais viam a proposta técnica e a financeira, que era o maior crime que eu achava. Aí o ‘cara’ era amigo do empreiteiro e dizia: “Ó, fulano está dando tanto e o ciclano está dando tanto, você dá menos. Agora você tira o guindaste, tira isso aqui tudinho”. Aí ele ganhava. Quando ele ganhava, que gente ia fazer a obra, saia muito mais caro. Por quê? Faltou o guindaste, faltou isso aqui, tudinho. Isso era a Vale. Os fiscais nossos, que faziam a obra lá, as empreiteiras tinham carnê dele, dentro da gaveta deles, para pagar carro. Eu ficava doente com isso. Eu nunca aceitei isso. Aí, o que aconteceu? Quando a Hydro entrou, acabou. Hoje em dia a gente analisa a proposta técnica. E se a gente receber um e-mail, a gente é demitido. Se a gente receber dizendo: “Custa mil reais um negócio”, a gente é demitido. A gente não pode. A gente avisa as empresas: “Não pode mandar nada para a proposta técnica”. Tem um departamento em Belém que cuida só disso. Foi a melhor coisa que eu vi dentro da Hydro. Da Alunorte, quer dizer, que virou Hydro, é isso. Entendeu a situação?
(01:22:22) P1 - Colocar cada um fazendo o seu trabalho.
R1 – Claro! Ninguém sabe, quem ganha é porque ganhou, mesmo. Aí a gente analisa a técnica, a gente diz: “Fulano e fulano, vocês analisam”. Eles analisam lá o financeiro e olha qual é a que... isso, pra mim, foi primeiro mundo aqui, que o Brasil não está acostumado com essa coisa, a corrupção é grande. Lá não, Hydro não tem corrupção. Por exemplo: esses eventos que houve aqui. Por exemplo: teve um evento lá no Porto, que caiu - deu uma falha no equipamento -um pozinho lá de (01:22:57). A prefeitura montou para... o que a gente fez? A gente construiu uma caixa d'água. Eu que fiz a instalação, que fiquei lá trabalhando direto, mas a Hydro não dá um real para a prefeitura. O que acontecer aqui dentro, se for para ela receber uma multa, ela... por exemplo: ela construiu a escola técnica aqui, foi ela que construiu, mas ela não deu. Fazia 16 anos que estavam construindo essa escola, a prefeitura roubando, a Hydro assumiu. Aí ‘botou’ até o nosso pessoal sendo fiscal lá, para a obra sair. Aí ela entrega a chave, pronto. Mas a prefeitura não sabe nem quanto custa um saco de cimento. Por quê? Ela não aceita desvios. A coisa que eu fico feliz na Hydro é isso, porque ela é muito séria, uma empresa séria. Na época que teve a maior tristeza da nossa vida, quando teve aquele embargo, ali foi a maior vergonha que teve. Eu estava trabalhando lá, não aconteceu nada. Foi um ribeirinho lá que viu uma aguinha, tirou uma foto, mas não era nem água de produto, era água da bauxita, que não tem nem um produto químico. Trouxeram muita gente para analisar e ainda deram uma multa e interditaram a nossa produção em 50%. E ainda fez a Hydro dar um ticket, que era, parece, oitocentos e cinquenta, durante três meses, para a cidade toda. Toda casa recebeu. A minha nora trabalhava, não queria receber, mas recebeu, porque tinha que receber. A senhora que trabalha comigo há 26 anos aqui, 27 anos que ela trabalha comigo, recebeu na casa dela. Todo mundo da cidade que tinha um endereço recebeu. A Alunorte deu, mas não deu um real (01:24:43). Já a Vale não. Tinha um ‘cara’ que negociava. Qualquer manifestação ele ia na prefeitura, ia lá. A Hydro não é isso, é totalmente diferente. Ela é muito, muito, muito séria. A única coisa que eu amo na Hydro é isso aí, que ela é muito séria.
(01:25:00) P1 - E em relação às pessoas que moravam aqui, como é que foi? Que tem algum impacto ou não, na vida das pessoas? Porque a cidade cresce, não é?
R1 - Cresce, não. Aí, nas expansões, começou as invasões, porque o pessoal vinha e não voltava, né? Aí começou a invadir, por isso que esses bairros grandões aí, sem infraestrutura, é do pessoal que veio. Aí teve muita invasão, invadiram muita terra, que era terra da Alunorte, invadiram, a maior ‘onda’ foi porque esse pessoal, a cidade cresceu. É uma cidade rica, ela é, eu acho, que a terceira, eu acho que a quarta do Pará, em arrecadação, perde lá pra Tucuruí, lá pra aquele pessoal lá, mas a gente arrecada muito. Tem um porto, acabou o Porto de Belém, veio pra cá, aqui todos os embarques são aqui, de tudo, até Ferrari vem aqui, quando chega, chega carrão, chega tudo aqui, nesse porto.
(01:26:05) P1 – Então, o senhor sempre foi PJ, nesses 27 anos?
R1 - Não, eu fui 25 anos... 24 anos PJ, aí eu me aposentei, porque eu pagava sempre o máximo e minha esposa morreu e eu peguei a pensão dela, então eu fiquei... aí a Hydro pegou, depois desse evento lá, passou uns anos, ela tirou a gente de PJ e ‘botou’ a gente nas empresas, mas fazendo o mesmo serviço. Pra ter ideia, o mesmo e-mail. Eu tenho esse e-mail desde que a Hydro foi Hydro, a minha matrícula é a mesma. Aí eu só troquei pra empresa. Aí, eu entrei, a primeira vez, numa empresa, eu fiquei PJ também. Eu saí da Hydro e fiquei. Agora os três últimos anos que eu virei CLT.
(01:27:49) P1 - E senhor era PJ, porque eu escuto bastante o pessoal falar que os benefícios eram importantes também, né? Escola boa para os filhos.
R1 - É isso que obrigaram eu virar Alunorte, o que era o diretor, o Galib, eu disse: “Não, me mande embora”, porque o salário da Hydro não é alto. É um salário... o terceiro ganha mais que um funcionário da Hydro. Por exemplo: tu é engenheiro na Hydro... eu sou engenheiro na Hydro. O de fora ganha menos... o de fora ganha mais, mas em compensação ela dá um ticket de mil reais, ela dá o melhor plano de saúde, ela paga escola pra você. Igual a minha nora, que está fazendo faculdade, ela paga. Ela paga só de escola das minhas duas netas, dá mais de dois mil e quinhentos, ela paga, entendeu? Ela dá o material escolar, entendeu? O remédio ela dá também, ela dá muito benefício. Então, se tu for analisar, é melhor. O sonho de todo mundo é trabalhar na Hydro. Eu que não aceitei, porque eu não tinha... meus filhos todos grandes, não precisava de escola. Aí o Galib disse que eu tinha que virar Alunorte. Eu disse que não virava, porque eu ia abaixar o meu salário quase... ganhar um terço do que eu ganhava. Que vantagem eu estava tendo? Eu já vesti a farda, eu sempre vesti a farda, agora é que eu não visto mais. Mas agora, quando eu entrei na outra empresa, que eu não uso mais a farda da Alunorte, mas sempre usei. Aí, o que acontece? Para mim não interessava, porque aí ele disse que eu tinha, porque ele era meio durão. Aí eu disse: “Então, amanhã eu nem venho mais”. Aí foram para lá: “Não, não, deixa ele, deixa ele”. Aí me deixaram. Aí eu fiquei esse tempo todinho.
(01:29:50) P1 - Quais são os momentos do seu trabalho que mais te orgulham?
R1 - Me orgulha hoje é todo mundo pedindo ajuda a mim, entendeu? Esses engenheiros novos, tudinho, vêm tudinho. Hoje eu tomo conta de quatro empresas que fazem projetos. Todos os projetos. E outra coisa: não sou bom em nada, mas eu tenho um conhecimento de alguma coisa. Aí eu olho civil, olho estrutura, olho tubulação. Eu só não olho elétrica, mas o resto eu olho. E eu comento onde está o erro, tudinho, porque a fábrica é muito complexa. Você não pode montar de qualquer jeito, porque entope a linha, lavagem caustica. Eu aprendi muito com o processo. Tem um vídeo de um senhor aí, quando eu puder passar para você, você vai ver a despedida do Moisés Elgrably. Ele era meu chefe lá no Jari, quando eu era menino e ele veio para cá. Depois, ele foi gerente grandão lá na Alcoa e depois ele veio para cá. Aí, quando terminou as expansões, fui trabalhar com ele. Eu era o projetista dele. Aí eu aprendi muito o processo, como é que funciona. Aí eu fazia os estudos tudo com ele, todos os projetos, todos os estudos grandes, esse último que fez agora, de quatrocentos milhões. O conceito, o estudo, foi eu, ele e o César Magro, aquele baixinho que estava também naquele dia lá. É o ‘crânio’ da Alunorte, aquele ‘cara’, o César Magro. Não sei se você vai entrevistá-lo, mas ele é calmo, tudinho, mas é um ‘crânio’ de processo, aqui. A gente fazia os projetos grandes, a gente primeiro fazia o conceito, para ver a viabilidade, tudinho. Aí eu aprendi muito. Aí eu tenho orgulho é disso, de eu ter contribuído até hoje. Por exemplo: nenhum arquivista, quando precisa de documentação, aí tudo vai pra mim, pra eu procurar, pra eu mostrar onde é que é, entendeu? Eu sei onde é que estão as coisas e ninguém consegue, porque eu conheço as fases da fábrica, todinhas. O plano-diretor foi eu que fiz. Foi eu com o Victório Siqueira, ele me dizendo. Aí eu que fiz. Hoje a fábrica está desse jeito. Foi... eu apanhei muito, levei muito grito, pra poder chegar no coisa assim, mas é porque antigamente era normal. Não é hoje. Hoje, principalmente na Hydro, se você falar alto, você já pode ser enquadrado. Antigamente todo mundo era do mesmo jeito: era o diretor, era o nível mais baixo, todo mundo era alterado. Hoje em dia, ninguém pode ser alterado. Aí, lá a gente via, eram excelentes profissionais, mas se não fosse... falar a verdade, se fosse igual hoje, essa fábrica não tinha feito as obras no período que a gente fez, que a gente tinha sete mil homens aqui dentro, era um ‘formigueiro’ dentro da fábrica, andando e a obra rodando. Aí o meu serviço era mais ‘apagar incêndio’. Aí deu um problema aqui, vamos, a solução, a gente ia lá que, como eu tinha um pouco mais de experiência dos outros, eu fazia... aí esse é o meu orgulho, porque tem muita coisa que rodou com... eu brigando com todo mundo, brigando nesse sentido, de: “Não, tem que ser desse jeito”. Na fase B foi partir as bombas da área quatro, não partiu, porque erraram o dimensionamento. Aí eu tive que mudá-la, eu fiquei três dias sem sair de lá. Minha mulher mandou até minhas roupas, disse que era pra eu não vou voltar mais para casa, não. Fiquei três dias sem sair de lá, porque além do... fazia o projeto, ia no campo montar. Hoje em dia, se você ficar duas horas a mais lá, dá a maior confusão, não pode passar nem um minuto, porque é tudo controlado. Sempre eu entrei seis horas da manhã, hoje em dia teve que mudar meu horário, para eu poder entrar, porque ninguém entra, porque o Ministério de Trabalho fechou muito, né? Antigamente não tinha isso. Hoje você não pode passar das horas, não pode fazer tanta hora extra. Mas eu me orgulho disso, de tanto que eu me esforçava. Aí foi onde eu errei, que eu não vi meus filhos crescerem. Aí eu tentava repor dando moto, dando carro, dando tudo, porque eu ganhava muito dinheiro, dava tudo pra eles, entendeu? Aí foi me distanciando. E minha esposa, eu nunca fui em negócio de escola para criança, nunca levei uma criança no médico, porque eu vivia trabalhando. Na minha cabeça, eu que tinha que prover os proventos aqui para casa e minha esposa que cuidasse dos filhos. Até hoje eu não consigo me livrar, eu trabalho sem ninguém saber, sábado e domingo em casa, eu trago as coisas, porque se eu não fizer nada, eu me sinto inútil. Faz nove anos que eu não saio de férias, porque eu era PJ, depois troquei de empresa, aí a empresa, com um ano trocou de contrato, aí o que acontece? Eu estou pensando, nesses vinte dias que eu vou ficar em casa, como é que eu vou ficar? A minha preocupação, porque a Alunorte bloqueou o computador, bloqueia tudo, eu não consigo fazer nada. Eu tenho computador em casa, mas não tenho o que fazer, entendeu?
(01:35:48) P1 - Mas isso o senhor foi vendo, com o tempo, que faz bem ou faz mal?
R1 - Pra mim, faz bem. Pra mim, é divertimento ir pra Alunorte, entendeu? Pra mim eu rio demais lá, eu brinco com todo mundo. Na brincadeira entre eles lá, eu digo, quando o ‘cara’ é novinho, assim, eu digo: “Rapaz, eu acho que tu parece que é engenheiro de 48 meses”. Aí vou explicar pra ele e aí fica tudo rindo, tudo. Me chamam de velho: “Aí, velho, velho, velho”. Mas eles me adoram, tudinho.
(01:36:34) P1 - O senhor acabou fazendo amigos e família lá dentro?
R1 - Lá dentro. Pra mim é. Aqui fora eu não tenho uma amizade, eu não vou na casa de ninguém, não falo com ninguém. Lá - é como se eu fosse bipolar - eu falo com todo mundo, aí todo mundo ri, eu brinco com um, com o outro, falo o que eu sinto, porque diz que a vantagem de ser velho é essa, que gente fala o que sente, ninguém pode reclamar. Aí ficam todos rindo e nunca ninguém me denunciou, não. Aí eu falo: “Não, não, não”. Aí pronto. Pra mim, a maior alegria é quando eu acordo de manhã, que eu posso ir trabalhar, entendeu? Por exemplo: esse tempo todinho eu nunca ‘botei’ um dia de atestado. Eu só fiquei - a maior tristeza minha foi quando deu a Covid - sete dias sem ir na Alunorte. Aí depois me tiraram e ‘botaram’ aqui fora. Eu estava como PJ da empresa, aí um gerente não ia com a minha cara, aí falou com uma novata lá pra me desligar. Aí ela me desligou uns três meses, depois ela saiu, aí me trouxeram de volta pra lá. Mas eu estava fazendo o serviço aqui fora, não lá dentro. Aí eu ficava triste, porque eu adoro lá dentro, entendeu? Pra mim ali é uma família, eu me divirto adoidado. Eu passo o dia rindo lá, tudinho. Pra mim é o melhor lugar. Aí eu só penso pra ficar igual esse Moisés: ele tem 71 anos, 72 anos.
(01:38:08) P1 - Quem é Moisés?
R1 - É esse do vídeo que eu vou te mostrar. Aquele que era o chefão no Jari, que eu trabalhei com ele. Ele foi embora o ano passado. Ele dizia que ele ia aproveitar, ia trabalhar até os 75 anos, depois ia aproveitar a vida. Aí todo mundo ria dele. Aí acontece que ele saiu, porque trocaram a gerência e tiraram o que ele fazia, o que ele mais gostava, ele ficou triste, aí ele pediu pra sair. Só que o diretor maior foi aluno dele, entre aspas, porque o primeiro emprego foi estagiário com ele. Aí o diretor falou que tudo que ele aprendeu foi com esse Moisés, o Galib. E eu aprendi muito com ele também. O que acontece? Ele saiu, aí ele me liga pra eu arranjar um serviço pra ele, porque ele está fazendo tratamento psicológico e psiquiátrico, porque ele saiu da Alunorte, mas a Alunorte não saiu da cabeça dele. Aí eu só penso eu, no dia que eu chegar à situação dele. Eu vou endoidar, isso é que eu penso porque, pra mim... ele está nessa situação, ele está bem triste lá, tem muito dinheiro, muito dinheiro mesmo, muitas ações, muitos apartamentos. Não é financeiro, é a cabeça dele. Ele está até estudando, fazendo especialização, vai completar 73 anos agora, que agora a moda na Hydro é que a gente tem que mudar todo o sistema de incêndio da fábrica. Então, ele está estudando para ver as normas, faz o curso tudinho, no CREA, para ser um auditor, tudinho. Não é financeiramente, não. É a cabeça dele, que ele diz que não aguenta.
(01:39:54) P1 - E esse é o seu maior medo?
R1 - Meu maior medo é esse. A única coisa que eu tenho. Por exemplo: eu não tenho medo de morrer. Para mim, no dia que chegar a minha hora, já estou tranquilo. Para mim, eu só não quero, peço a Deus para não ficar numa cama, dependendo dos outros, mas se for um infarto para mim é melhor. Mas eu não quero ficar doente mental, entendeu?
(01:40:21) P1 - E me conta uma coisa: nesses muitos anos de Alunorte, qual o momento para o senhor é um que o senhor guarda com muito carinho, que foi uma grande alegria?
R1 - A maior alegria foi quando partiu a fase B lá, que é esse dia que eu passei três dias lá dentro, porque eu cheguei num sábado de manhã e a fábrica não conseguia partir essas bombas. Aí veio um monte de engenheiro e deram as ideias dele e eu disse que não, que a minha ideia era essa outra: ‘botar’ as polias, um trilho, fazer aqui do jeito que eu ia quebrar, ia fazer lá, do meu jeito. Aí ficaram discutindo o dia todinho. Quando deu sete horas da noite, aí ele disse que a minha ideia tinha vencido, que era para eu fazer. Aí ‘botaram’ a equipe 24 horas na oficina, eu fazia o rascunho e descia e entregava para ele, para eles irem cortando as peças e tudinho e fazendo três dias isso. E um companheiro meu da Civil, aí eu o mandei quebrando logo a base, cortando o chassi, tirando lá, para poder... o esqui, de tirar a bomba do lugar, tirar tudo, para poder ‘botar’ as polias e eu ia no campo e a coisa. Aí, para dar certo, eu mandei fazer um gabarito de madeira. Furar, para quando o chumbador, quando a gente concretar, ele não sair do lugar. Tudo isso eu sem dormir, sem nada, direto, direto, direto.
(01:41:50) P1 – E a alegria está aonde?
R1 - Assim, mas preocupado, com medo danado, porque foi a minha ideia, não foi a de ninguém, foi a minha e pa, pa. Depois de três dias foi partir. Quando partiu quase a fábrica toda foi pra lá olhar, pra ver se ia dar certo. E eu fiquei longe, assim, do outro lado da rua. Eu disse: “Daqui eu vou embora”. Eu pensando, né? E, quando ligaram a bicha, um silêncio, aí mediram tudo, a amperagem, tudo certo. Aí esse Galib, que você já deve ter visto falar dele, ele é maior que eu, um alemãozão com os olhos verdes, assim, ele correu, me abraçou: “Sidney, Sidney, você venceu, você venceu. Por isso que a gente pegou a sua ideia, que ideia maravilhosa, tudinho”. Aí eu fiquei muito feliz. Aí ele: “Sidney, começa a fazer nas mesmas bombas da área sete”. Eu disse: “Não, Galib, eu vou pra casa, porque depois de amanhã é Natal e eu tenho que descansar e quando eu voltar de janeiro...” - eu vim pra casa aqui – “... aí eu começo a fazer as modificações na área sete”. Aí eu fazia os desenhos e eu ia no campo montar, entendeu? Aí isso foi a maior alegria da minha vida, que eu vi que todo mundo aplaudiu e foi pra cima de mim e abraçou. E ele era um ‘cara’ muito bruto, muito... e foi lá e me abraçou como se... e a fábrica partiu, porque essa área quatro é o começo, se ela não partir ninguém anda mais, não sai mais nada de produto e lá era o gargalo da fábrica e estava com esse problema.
(01:43:31) P1 - E deu certo.
R1 - Deu certo. Foi essa e outra, mesmo na fase B, um tanque. Logo quando a gente entra na 73, antigamente tinha uns tanques grandões, aí fizeram um. Só que o pessoal da Alunorte foi lá para a Índia, ver o processo. Só que os ‘caras’ viram o processo e esqueceram que tinha que ter um tanque de repouso lá. Aí, o que aconteceu? Quando partiu a fábrica entupiu a fábrica todinha, porque não tinha esse tanque. Aí esse Galib chamou, para eu fazer o tanque e modificar as bombas todinhas, né? Eu comecei a fazer. Ele disse: “Sidney, eu quero segunda-feira aqui”. Mas eu tinha um chefe chileno, que era o Juan, que ele era Alunorte e eu sempre fui terceiro, né? Aí ele disse: “Sidney, seu serviço não vai dar certo, está tudo errado aí”. Eu disse: “Está bom”. Aí eu não fiz, eu parei onde eu estava fazendo: “Não, isso está tudo errado, isso aí não vai dar certo”. Está bom. Na segunda-feira esse Galib chegou: “Sidney, cadê?” “Não, o Juan disse que não, que estava errado. Eu estou até agora ali, mandei vários e-mails para ele, para ele mandar a solução, para eu fazer e até agora” “Por que você parou?” “Por causa do Juan parou”. Aí ele foi lá na sala, xingou esse Juan. O Juan chegou dizendo: “Sidney, faz do teu jeito. O teu jeito é o melhor jeito”. Aí eu peguei e fui fazer. Até hoje, aplicaram em todo o resto da planta. Estão lá os tanques.
(01:45:03) P1 – Do jeito do Sidney.
R1 - Do meu jeito. Isso, eu não tenho os conhecimentos dele, que eles são engenheiros, eu sou um técnico, mas eu tenho conhecimento da fábrica, entendeu? A diferença minha para os engenheiros novos é que eu tenho conhecimento da fábrica e eles não têm.
(01:4445:24) P1 – ‘Seu’ Sidney, o senhor, em algum momento, se sentiu fora da Alunorte por ser terceiro, ou não?
R1 - No começo eu sentia muito, mas por quê? Tinha um ‘cara’, principalmente o ‘cara’ do arquivo, que eu ia pedir alguma documentação, alguma coisa e ele dizia que ele não ia me atender, porque era terceiro. Só que eu ganhava cinco vezes o que ele ganhava. Aí eu ficava, assim, triste, entendeu? Aí eu falei um dia pro Gasparini, que era o nosso gerente, Mauricio: “Mauricio, pô, não aguento mais isso”. Aí ele chamou o ‘cara’ lá e disse: “Olha, sabe quanto é que ele ganha? Ele ganha cinco vezes o que você ganha, certo? Sem falar nas horas extras. E uma hora dele parada é um prejuízo muito grande para a Alunorte. Você o atenda. Ele faz parte daqui. Ele não é Alunorte, porque ele não quer. Ele quer ser sempre terceiro. Ele não quer ser Alunorte”. Aí eu tinha a empresa minha, que todo mundo diz... que o símbolo da empresa é Pegasus, um cavalo de asas, o logotipo da minha empresa, aí o pessoal dizia: “É porque esse é brabo e ainda voa”. (risos)
(01:46:44) P1 - Mas era do coração?
R1 - Era, não, era. Aí pronto, mas aí não, só isso. Hoje em dia não, eles todos me respeitam. Até os Hydros pedem os projetos. Como eu olho todas as disciplinas, aí eles pedem para eu olhar, comento, explico, não dá certo. Aí eles me escutam muito. Eu sou como, entre aspas, se fosse um consultor deles. Aí hoje em dia eu não faço mais projeto. Eu passo o dia todinho lá, verificando projetos, comentando o dos outros e não faço mais projetos, porque não é que eu não queira, mas porque já tem muita gente fazendo. E eu sou o único projetista mais antigo, desde o começo. Lá tem vários projetistas, mas eu sou o único que ficou desde o primeiro dia do Firmap, foi eu. Eu trabalho lá pra isso mesmo.
(01:47:41) P1 - Valeu a pena se dedicar tanto?
R1 - Valeu, valeu, valeu. Eu comprei essa casa aqui, era de madeira, que a mulher quase a gente se separa, que eu vendi um Gol que eu tinha, novinho, pra comprar essa casa de madeira. Aí o que sobrou eu comprei um Uno zero, mas financiado e o outro era quitado: “Eu não vou morar num caixote”, porque a gente morava lá. Eu disse: “Mulher, vamos...”. Aí eu aluguei dois anos, aí depois eu comecei a construir. Aí eu a derrubei todinha, construí. Hoje ela tem quatro quartos, tudo suíte, entendeu? Meu maior problema era energia, aí eu ‘botei’ sistema solar, hoje em dia quatro ares-condicionados, quatro chuveiros elétricos. Pago 141 reais, que eu pagava mil e quinhentos reais. Aí tudo...
(01:48:35) P1 - Formou os filhos?
R1 - Foi, eu formei minha filha. O meu filho é porque ele não quis. Ele terminou o segundo grau, eu disse pra ele fazer uma faculdade, ele não quis, porque ele passou dois anos morando com o avô lá e ele foi pra fazenda do tio e ele se apaixonou por negócio de máquina, caminhão, essas coisas, ele enlouqueceu com isso. Aí, o que aconteceu? Ele era motorista dos diretores daqui. Ele: “Pai, eu não quero ser, eu quero ser motorista”. Eu disse: “Meu filho, mas...” “Não quero”. Aí ele foi motorista. Os diretores daí o adoravam. Tinha o diretor mais chato que teve lá, que eu esqueci o nome dele, assim, muito rígido, vinha aqui em casa e dizia que o sonho era ter um filho igual a ele, porque ele muito pontual, muito direito. E o sonho dele era dirigir caminhão. Aí a Alunorte, antigamente, tinha caminhão. Aí ele andava de paletó e gravata, porque ele atendia o diretor.
(01:49:36) P1 - Ele era motorista da Alunorte?
R1 - Da Alunorte, mas atendia o diretor. E o sonho dele era dirigir caminhão. Aí ele foi pra lá, pro DRS, pra ver e ninguém aceitava: “Como é que um ‘cara’ de paletó vai dirigir?” Aí ele pegou, foi pra lá e teve um que disse: “Não, eu o aceito”. Aí o aceitou lá. Aí pronto, ele passava pretinho dentro do caminhão, ele limpava, todo mundo ficava impressionado. Caminhão carregando lama e ele... aí eu tenho um amigo meu que tem uma empresa de ônibus e ele disse: “Não, ele pensa que ele tá fazendo rally. Ele adora isso”. E ele vive feliz. Aí eu peguei, quando nasceu a filha dele, eu obriguei: “Ou você faz uma faculdade, ou faz um curso técnico”. Ele disse: “Está bom, pai. Eu vou fazer um cursozinho” “Não, um curso de no mínimo três anos”. Aí ele foi fazer eletrotécnico. Aí eu peguei e chamei o melhor amigo dele e disse: “Eu vou pagar o dele” - que chamava de Seco, o apelido – “e o do Seco, para vocês estudarem juntos”. Aí peguei, fiz a matrícula dele, dei o dinheiro para o ‘cara’ fazer a matrícula. Quando o ‘cara’ pegou o dinheiro, não fez. Ele pegou, fez o curso, tirou notas boas e me fez ir para a formatura, que eu detesto isso. Eu tive que ‘botar’ um sapato, eu aluguei até um sapato, porque eu detesto e fui lá. Quando eu fui, recebeu as notas boas, tudinho. Sabe o ele fez? Ele me obrigou ir lá. Quando ele foi, ele pegou o diploma: “Está aqui, pai, o seu diploma, que o senhor queria. Mas eu quero é ser motorista. Eu não quero ser...”. Aí, o que é que eu pude fazer? Aí ele é motorista e todo mundo o elogia.
(01:51:28) P1 – Então, ele continua na Alunorte?
R1 - Aí a Alunorte terceirizou. Aí ele saiu, no mesmo setor ele ficou dirigindo para empreiteiro, mas dentro da Alunorte. Todo mundo da Alunorte gosta dele, os diretores, os diretores maiores da Alunorte o adoram. Um dia desses o encontraram na padaria lá, fizeram maior festa. Os ‘caras’: “Rapaz, tu tem amizade com aqueles ‘caras’?” “Não, eu trabalhei para eles”. E ele é bem simples. Aí um diretor, o mais chato, esteve lá: “Rogério, escolhe um carro”. Aí ele escolheu. “Senta no meu computador”. Aí ele foi escolher. Escolhei uma SW4, volante de madeira. Aí foi dizendo as coisas tudinho. Aí, quando ele terminou: “Rogério, um carro tem tudo isso?” Ele disse: “Tem”. Aí: “Tá, deixa que eu vou mandar”. E mandaram e compraram... alugaram um do jeito que ele queria, até a cor, tudinho. Aí eu tô dizendo como todo mundo gostava dele, entendeu?
(01:52:25) P1 - E aí ele conheceu a esposa dele na Alunorte?
R1 - Não, ele a conheceu aqui, jovem. Ela trabalhava aqui. Ela tem, acho, 23 anos de Alunorte, mas só que ela era terceira, mas ela sempre trabalhou lá. E eles começaram a namorar, mas antes deles trabalharem lá ela começou a namorar, aí ela veio morar aqui, em casa. Ela saiu da casa do pai e veio morar aqui, que ela é gaúcha. Só que a mulher é muito decidida. Pra ter uma ideia, ela entrou na Alunorte, faz cinco anos que ela tira, supera. Ela faz serviço quase de cinco pessoas, ela é uma ‘louca’. Ela foi fazer curso para ser líder, supervisora, ela foi a melhor, só que ela não tinha um nível superior. Aí a Alunorte a obrigou a fazer um superior. Ela disse que não ia fazer. Eles: “Então, a gente vai mandar você ir embora”. Aí ela está fazendo um curso superior, para não ser mandada ir embora. Só que uma pena: com isso, trocou um gerente lá e ela está com a saúde mental...
(01:53:37) P1 - É. Mas também é uma empresa que a família inteira...
R1 – (choro) Cinco meses ela está afastada. Está bem ruim, mesmo. Mas ela está para voltar agora, né? Mas aí, com isso, a Hydro se preocupa demais, né? Aí já a tiraram do ‘cara’. Não é que o ‘cara’... ela fazia cinco coisas do jeito dela e nunca... sempre os faróis foram verdes. Sempre. Agora ‘botaram’ (01:54:12) cinco pessoas e está tudo vermelho, porque ninguém consegue fazer e o ‘cara’ pressionando: “A Giza fazia isso e você não faz”. Aí, o que acontece? Agora, acho que está voltando, o médico liberá-la daqui, ela vai voltar para outro setor. Aí a Hydro já está... se preocupa demais com isso, já a trocou de setor, já a trocou de coisa, pra ela voltar e não adoecer. Por causa disso, porque ela é muito dedicada e ela tem as duas filhas. Ela é o esteio daqui de casa, ela que manda em tudo. Minha esposa morreu, então ela assumiu tudo, ela que manda em tudo. Eu dou o meu cartão, ela faz as compras, eu não me envolvo em nada, ela que...
(01:55:01) P1 - É uma filha pra o senhor?
R1 - Pra mim eu considero uma filha, ela é uma filha.
(01:55:06) P1 – ‘Seu’ Sidney, o senhor me conta o que aconteceu com a sua esposa?
R1 - Minha esposa foi o seguinte: a gente sempre gostou de moto, era a nossa ‘doença’, a moto. Aí ela pegou e eu dei a moto pra ela, eu comprei uma Biz pra ela ir pra escola, era coordenadora do Dom Ângelo. Aí começou a modernizar aqui, aí começou o Detran a aparecer. Ela, pra poder não dar mal exemplo, andava de capacete, andava tudo, mas ela tinha que ter a carteira. Aí, ela foi tirar a carteira. Quando ela foi para a autoescola, a moto tem embreagem e a Biz não tem. Tem marcha, mas não tem embreagem. Ela começou a fazer aquele oito, assim, aí ela estancou. Quando ela foi estancar, a gente que anda de moto e de carro, ‘bota’ o pé na embreagem, ou ‘bota’ a mão na embreagem e ela não desliga. Ela ficou nervosa, a moto travou e o guidão deu aqui, na barriga dela. Quando deu na barriga dela, ela caiu, se arranhou todinha lá, aí ficou. A perna dela começou a inchar e ela era baixinha. Aí ela estava usando a sandália minha, porque o pé inchou. Aí ela foi para vários médicos. Aí eu levei em Belém para o médico, o médico disse, dos rins, tudinho: “Porque ela não bebe água”. Aí a receita: três copos d'água” “Mas, doutor, ela está morrendo de dor”. E nada, nada, nada. E eu indo pra médico, aí fui pro ortopedista, o ‘cara’ disse não. Fui pra Fisiocenter, lá, pra fisioterapia, o ‘cara’ disse não, isso aí. Isso começou em fevereiro, essa loucura.
(01:56:51) P1 - De que ano?
R1 - Faz dez anos agora. 2014, em fevereiro, aí começou a piorar a situação dela. Eu fui levando para todos os médicos, cheguei em Belém, na época, dez anos atrás, para fazer um exame da perna era mil e quinhentos reais, aí eu tinha plano, aí o plano ia levar dias para autorizar, aí eu fui lá: “Eu quero que faça agora”. Paguei mil e quinhentos reais há dez anos, mas para fazer. Quando eu terminei de pagar, passei o cartão pagando o débito lá, a Unimed liberou, aí já perdi. Aí não, não tem nada, não tem nada, não tem nada, não tem nada. E ela chorava, mas ela não dizia para ninguém, as lágrimas saíam, aí ela morrendo de dor e eu comprava remédio, aí eu peguei e levei e eu disse: “Hoje eu vou internar você em Belém” com minha ignorância toda, peguei o carro, a levei e a melhor amiga dela: “Vamos internar você lá”. Quando eu cheguei lá, em Belém, qual o melhor hospital de Belém? Era o Hospital Saúde da Mulher, era o melhor na época, aí eu disse: “Vamos para o melhor”. Eu cheguei lá, no pronto-socorro: “Quero internar essa mulher aqui”. Ele disse: “Não é assim, não, que interna, rapaz, você está ficando doido? Não é assim, tem que passar por médico”. Aí isso eu cheguei seis horas da manhã, a gente passou por seis médicos, quando deu sete horas da noite, no último médico, que a gente já estava desistindo e ninguém descobria nada, aí o doutor, o nome dele era até Sidney, falou: “Ninguém viu isso?” Porque a gente já andava com a sacola cheiona de remédio. Aí eu disse: “Não” “Está aqui, é o rim dela que está parado, está afetando a perna dela. Que bando de profissional é esse?” O ‘cara’ xingou, mesmo. “O senhor permite que eu a interne?” Eu disse: “Permito, que a gente, desde seis horas da manhã está...”. Aí ele disse: “Eu vou fazer um procedimento invasivo e vou drenar os rins dela e ela vai sair”. Quando ele fez, com quatro dias a perna dela voltou ao normal. Ela passou 21 dias internada. Aí ele pegou e disse assim: “Vá pra casa, passe um, dois dias. Na segunda-feira você volte, para poder a gente continuar o tratamento”. Aí desinchou, ela voltou ao normal, ficou... aí, o que aconteceu? Eu vim, era numa terça-feira, aí minha filha perdeu a faculdade lá, era a última matéria para ela pagar, ela perdeu, para poder vir cuidar da mãe, porque fazia 15 dias que eu estava com ela lá, eu tinha que trabalhar, a fábrica estava em obra. Aí eu vim, quando eu cheguei, com dois dias, eu vinha e trabalhando, aí ela veio para casa. Quando ela chegou aqui, a minha empregada... empregada não, a menina que trabalha comigo, que eu não considero empregada, a mulher que cuidou das minhas netas, disse: “’Seu’ Sidney, vem aqui, Dona Rosana está passando mal”. Aí eu disse: “Mas como? Eu não posso ir, que eu tô cheio de projeto”. Ela ligou: “Venha”. Quando eu cheguei: “Não, porque eu não fiz xixi”. Meu Deus do céu! Aí fui lá, comprei quatro águas de coco, um diurético. Como ela passou 21 dias no hospital e lá não tinha janela, ela pediu pra eu ‘botar’ na sala aqui uma cama de solteira. Eu ‘botei’ uma pra ela olhar o movimento, que ela estava... aí, quando eu ‘botei’ tudinho, no outro dia eu acordei, fui lá. Foi num dia 15 de agosto, que era feriado. Eu cheguei: “E aí, ‘véia’?” “Não, não fiz”. Eu disse: “Vou levar agora você pro hospital”. E levei pra o hospital daqui. Quando chegou lá, a médica gritou: “Seu irresponsável, isso não é coisa daqui, isso é coisa de Belém, rapaz”. Aí eu digo: “Está bom”. Aí ela disse: “Eu não vou pra Belém”. Eu disse: “Você vai”. Aí chamei a amiga dela de novo, aí fui pra lá. Quando chegaram lá, aí era uma médica novinha. Aí olhou no sistema: “É porque ela ficou com a sonda muito tempo, mas deve ter dito uma bactéria. O senhor me autoriza meter uma sonda pra tirar a urina, pra saber qual é a bactéria?” “Autorizo, que a gente está aqui pra isso”. Quando meteu não tinha uma gota de urina. Fazia cinco dias que ela não fazia xixi e ela não falava pra ninguém. Aí ela disse: “Agora tem que fazer hemodiálise. Agora, vamos internar logo”. Aí eu falei com ela a última vez, porque aí levaram pra fazer o acesso aqui, na veia aqui, o médico errou lá, no melhor hospital, rasgou a veia dela, inchou a cara dela de sangue, ficou uma bola preta. (choro) Aí ela ficou 46 dias na UTI.
(02:02:06) P1 – Nossa! Que difícil!
R1 - Foi difícil. Trinta anos com ela. (choro)
(02:02:21) P1 - Uma vida, né, ‘seu’ Sidney?
R1 - Mas é a vida, né? Aí eu continuei, porque tinha que criar minhas netas, tudinho. E ela era muito apegada a essa minha neta, a maior. A menina aprendeu a ler cedinho, tudinho, porque ela era louca pela neta. Aí morreu. Ela tinha seis anos, na época, quase da idade dessa que saiu agora e depois de dez anos ela nasceu.
(02:02:58) P1 - Que é a sua paixão.
R1 - É, essa daí cuida de mim e o pai dela está diabético também. Aí eu digo: “Toda hora que tu ver teu pai fazendo uma coisa errada, eu dou dez reais”. Aí ela fica vigiando. Quando ele faz uma coisa errada, ela: “Vô, vô, vô, o papai está fazendo coisa errada”. Aí eu chego lá, dez reais. Aí a última vez ela pegou e: “Vô, vô, vô”. Quando eu cheguei na cozinha, ele estava pegando um copo de refrigerante e ‘botando’ assim, na cadeira. Aí ela correu: “Está aqui, vô, a prova. Meus dez reais”. Aí eu peguei: “Está bom, filha”. Aí ele disse: “Mas, Cecília, eu não te dei dinheiro para tu não ir falar para o vovô?”. Ela disse: “Agora eu estou ganhando dos dois”. (risos))
(02:03:42) P1 – Danada!
R1 - Aí a semana passada deu uma crise dele que, quando a gente mede... eu todo dia meço, porque eu tomo insulina e se mede, aí o dele deu HI, aí a não sabia o que era HI. Aí, quando gente entrou na internet, hoje em dia a internet é ‘foda’, aí diz que estava super, tinha que procurar urgente. Aí quando chegou, levou pro hospital, porque a mulher dele é Hydro, aí levou pra esse hospital aí, aí fizeram os exames, aí começaram a aplicar a bomba de insulina nele e tirar até aqui, do pescoço, tirava sangue, para analisar. Aí prepararam a ambulância para levá-lo para Belém, para a UTI lá. Aí foi uma confusão. Quando ele entra na ambulância, fizeram de novo e tinha baixado para quatrocentos e pouco, que estava mais de setecentos e pouco.
(02:04:39) P1 - Hoje o senhor cuida da sua saúde?
R1 - Cuido demais, hoje eu medi deu 103, eu não como mais doce, não como mais... devido eu tomar remédio para diabete eu perdi meus rins. Eu estou só com 27% de rins. Aí estabilizou, porque eu não como mais carne. Eu só como frutas, verduras, mais ovo e um franguinho, assim, de vez em quando. Eu só como isso. Eu só tomo leite desnatado. Eu só como torradazinha de... entendeu? Aí eu cuido o maior do mundo. E ele agora está na luta, para ele se cuidar. Aí ele já baixou. Ontem ele mostrou, deu 155. Mas a gente o vigiando, entendeu? Aí, com isso está afetando a visão dele. Aí ele foi para o médico. O médico disse que tem que regular, para passar uns óculos. Aí sexta-feira ela foi para o médico. Aí não tinha com quem deixar essa bebezinha, levou. Aí ela perguntou: “Tia, essa... meu pai pode tomar sorvete?” “Não” “Ele está tomando”. Aí ela falando: “Tia, ele pode tomar Coca-Cola?” “Não” “Ele está tomando”. E ela disse: “Essa daí cuida do pai dela”. Aí a mãe falou: “Não, porque toda a vida que ela fala pro avô, o avô dá dez reais pra ela. Ela tem um cofrinho e ela fica ‘botando’ dinheiro lá”. Ela disse: “Agora que eu entendi essa preocupação com o pai”. É porque eu dou dez reais toda hora pra ela.
(02:06:17) Ô, ‘seu’ Sidney, o que é importante pro senhor, hoje em dia?
R1 - A saúde, só. Primeiro a saúde e segundo o trabalho. Porque sem a saúde eu não tenho trabalho. E o trabalho, se a Hydro me mandar embora, eu ainda consigo noutros lugares aqui. O ano passado teve que trocar de empresa e, devido ao meu salário alto, aí não estava no contrato. Aí tiveram que mudar o contrato da empresa que eu estou, criar umas três linhas, o gerente saiu de férias, eu fiquei três meses fora da Hydro, mas trabalhando no mesmo projeto. A empresa que eu fiscalizo, que eu olho, me contratou. Não queria que eu nem saísse, pagando muito mais do eu ganho na Alunorte, mas eu gosto da Alunorte. Ele me pagava muito mais do que eu ganho na Alunorte. Ele não queria que eu saísse de jeito nenhum de lá. As empresas ficam me chamando. Não é que eu sou bom, mas que eu tenho conhecimento da fábrica e eles não têm o conhecimento da fábrica.
(02:07:28) P1 – Então, hoje é importante para o senhor a saúde e o trabalho, mas o senhor mudou um pouco o tratamento. Antes o senhor trabalhava muito, ficou longe dos filhos, agora está mais perto dos netos?
R1 - É, agora eu estou mais perto. Eu entro às seis horas da manhã e chego cedo. Aí eu já não faço mais horas extras. Eu não faço de jeito nenhum mais hora extra. Em lugar de eu fazer hora extra, sem ganhar eu trago pra casa, faço. Quando o ‘negócio aperta’ eu faço mais sábado e domingo. À noite não, não trabalho à noite, mais.
(02:08:02) P1 - Aí consegue relaxar um pouquinho, ‘curtir’ a neta?
R1 - Não, a neta quando ela entra dentro do quarto, porque eu não saio de dentro do quarto, eu vivo dentro de um quarto. Ontem deu sorte que meu filho escutou, porque eu fico lá no quarto, lá no final, quando o Joel bateu aí. Porque eu não, não, não... se não ligaram pra mim, eu tô lá atrás, com o ar-condicionado ligado, que fica lá. Fica no meu quarto, lá atrás.
(02:08:25) P1 - No computador?
R1 - Tem computador também.
(02:08:27) P1 - Mas fica no computador?
R1 - Não, não. Tem hora que eu fico assistindo televisão, fico no celular, alguma coisa. Mas ontem eu tinha até que fazer um negócio que eu trouxe da fábrica pra fazer e aí de manhã eu estava com dor de cabeça, eu não fiz. Aí fui deixar pra de tarde e aí fiz.
(02:08:43) P1 - E essa motona aqui?
R1 - Essa daí é pequena, porque sempre eu tive moto grande. Eu tinha BMW, eu gosto muito de NC. Eu tinha uma NC vermelha. Aí eu vi - desculpa falar - o Bolsonaro andando numa azul. Na segunda-feira eu fui e comprei uma azul e vendi a vermelha. Aí eu tinha uma nova, mas azul, porque eu achei bonita, porque o pessoal fica todo mundo doido lá, porque lá todo mundo é petista e eu não sou. Olha a bandeira aí, do Brasil. Por isso, mas cada um tem o seu gosto. A minha filha é petista, essa minha netinha se adequou comigo, que ela não usa mais nem vermelho. Até no dia da Páscoa, o short era vermelho e disse: “Mãe, como que eu vou vestir esse short? O vovô vai falar” “Não, fala com ele que é da Páscoa e pronto”. Aí a minha paixão é a moto. Só que eu tô muito doente, eu não tô conseguindo mais subir nas motos, assim, entendeu? Não consigo passar. As motos grandes que eu tinha, muito pesadas, eu não consigo. Aí essa daí é a única que eu consigo andar. Aí eu vendi, aí iniciei agora e comprei essa daí, mais pra eu poder andar. Mas o que é que eu ando? No final de semana eu vou lá no supermercado, faço uma fezinha, como eu digo e volto, guardo a moto. No domingo eu vou ali, na esquina, conversar com os amigos e volto e guardo, mas não ando mais. Aí eu comprei uma moto para a minha neta, a outra.
(02:10:22) P1 - A mais velha.
R1 - A mais velha, que eu ia comprar o ano passado. Aí a minha nora tinha uma bicicleta elétrica, eu vendi, para comprar uma moto. Aí minha nora veio com a maior ‘onda’ comigo, dizendo que ela perdeu o emprego da Hydro, porque eu estava dando para uma filha de menor uma moto, tudinho. Aí eu tive - já tinha vendido a bicicleta - comprar outra bicicleta. Aí esse ano não: “Eu vou comprar”. E comprei a moto para ela. Aí fui comprar uma para a pequenininha, uma à gasolina, para a pequenininha fazer trilha, para ela aprender a fazer trilha, porque ela é boa no skate, é boa nos patins, ela é muito radical, essa menina aí. Aí eu ia comprar à gasolina, uma cinquentinha. Aí já quando eu fui comprar, ela disse: “Se você comprar, a gente expulsa você daqui”. Foi uma confusão. “E quando ela estiver no hospital, você que vai ficar com ela lá”. Aí, pronto.
(02:11:13) P1 - Aí não comprou?
R1 – Não deixou eu comprar a moto para a pequenininha. Mas aqui em casa eu dou moto, mas se eu vir sem capacete, a ‘casa cai’ e eu tomo a moto, entendeu?
(02:11:26) P1 – Tá. Então, ainda é a sua grande paixão?
R1 - É, a única paixão, o único vício, a única coisa que eu tenho é moto. Eu não tenho mais nada que... o único lugar que eu vou é um... eu sou católico, vou na missa no sábado, só. Pronto, acabou. Ninguém me vê... e eu almoço fora, porque eu não almoço aqui em casa. Aí, no domingo e no sábado eu vou almoçar ali, que eu não gosto da comida aqui, eu vou almoçar lá fora. É o único lugar. Aí tem vezes que eu vou de moto, ou vou de carro, depende da chuva. Mas para a fábrica, todo dia eu vou de carro, porque eu me acostumei, porque antes eu deixava o carro e a moto. Aí um dia eu cheguei e vi minha moto quebrada. Aí eu olhei, minha moto quebrada, cheguei em casa e disse pro meu filho: “Você não se machucou, não, nem nada?” Ele disse: “Não, pai, eu não me machuquei, não. Quando eu vi que eu ia cair, eu pulei da moto”. Eu disse: “Está bom. Amanhã a gente vai pra Belém” - era numa sexta-feira – “a gente compra as peças lá, eu vou fazer logo a lista ali”. Só que eu tinha que ir no supermercado, eu peguei o carro e saí, fui pro supermercado. Quando eu cheguei lá, que fui saindo do supermercado, encontrei o amigo dele com a cabeça toda enrolada, todo enrolada, braço, tudo enrolado. Eu disse, o apelido dele era até bala: “E aí, Bala?” “O Rogerinho não teve culpa, não, fui eu que tive culpa”. Eu disse: “Do quê?” “Eu que entrei do lado dele”. Mas sabe o que foi? Meu filho saiu com o carro e deu a moto pro amigo. Aí eles iam num lugar, aí ele foi dobrar, o amigo dobrou pela esquerda, ele não viu, aí deu no meu carro. O meu carro metálico arranhou o carro todinho e quebrou a moto. Aí eu mandei ajeitar o carro e a moto e disse: “A partir de hoje nunca mais eu vou deixar o carro em casa. Eu vou de carro”. Então, eu vou para a fábrica todo dia. Fazia 22 anos que eu não entrava num ônibus. Aí esse carro deu um problemazinho. Aí lá na Hydro é muito rigoroso, eu tive que pagar um reboque, mil reais para tirar lá dentro da fábrica, para trazer aqui para a vila, porque é só um... eu tenho seguro, mas só tira se for na... aí o Rogério conhecia, o ‘cara’ fez por quatrocentos, tirou o carro lá, aí eu fiz o serviço, aí passei - que a peça dele só encontrou em Goiás - 15 dias andando de ônibus. Eu nunca tinha mais andado de ônibus, eu não sabia nem subir dentro de um ônibus, ficava... porque eu não estou acostumado.
(02:14:04) P1 – ‘Seu’ Sidney, pra gente ir terminando, qual que é o grande aprendizado aí, no momento da sua vida? Vivendo tudo isso que o senhor viveu.
R1 – A aprendizagem que eu digo para todo mundo é a honestidade que a pessoa tem que ter, entendeu? Ele tem que ser honesto e humilde, porque tudo o que eu aprendi, por exemplo, lá no Jari eu aprendi muito, eu aprendi com analfabeto. O ‘cara’ não sabia nem ler e escrever, mas ele sabia caldeiraria, essas coisas, ele me ensinou muito. Então, para mim, eu procuro... eu sou humilde, eu não sei de uma coisa, possa ser o ‘cara’ mais simples, ou o gerente, eu vou lá e pergunto pra ele, eu não tenho vergonha. Eu acho que a pessoa não deve ter vergonha de aprender. E outra coisa que todo mundo, entre aspas, me diz que eu ajudo todo mundo, entendeu? Eu gosto de ajudar todo mundo. O pouco que eu sei, o meu pai sempre disse, quando você está ensinando, você não está esquecendo. Então, lá na minha mesa, todo dia três, quatro perguntando as coisas, tudinho, eu me sinto útil em poder ajudar. Eu não sei tudo, mas quando eu não sei, eu sei a pessoa que sabe. Quando eu não sei: “Fulano, eu vou perguntar ao meu amigo ali, que ele vai me dizer, vai dizer como é que é e a gente vai fazer junto”, que a gente tem que ser humilde, a gente nunca vai dizer que eu sou... não. Eu tenho uma coisa que eles ‘botavam’ lá, que eu detesto, é especialista. Quando o ‘cara’ diz que é especialista, pra mim acabou. Esse daí já perdeu 50%. Aí, pra ‘pagar minha língua’, me ‘botaram’ como projetista especialista, porque não tem. Por causa do meu salário, para não dar problema, tem master, tem tudo, me ‘botaram’ especialista. Esse nome eu tirei. Só está na carteira, mas na minha vida, onde aparece, não aparece nunca. Eu sou projetista, eu não sou especialista porque, para mim, todo especialista é um enganador, que eu chamo. Eu tenho a mania de brincar com o pessoal, chamo de enganador: “Ô, enganador”. Mas esse, quando o ‘cara’ chega: “Eu sou especialista”, aí eu digo para os meninos: “Mais um enganador”, então, porque a pessoa tem que ser humilde. Você não sabe tudo. Você pode saber um monte, mas tem uma coisa que o ‘cara’ sabe, que não... foi igual a semana passada: a gente faz o descritivo para contrato, tudinho. Aí o meu líder, que é da Hydro, o engenheiro fez, mandou pro líder fazer, pro líder verificar se tinha. Aí ele foi e ‘botou’ nesse negócio de HI, esse negócio de inteligência, para corrigir se tinha alguma coisa errada lá, né? Aí esse líder nosso, que é o Pedro, que é gente finíssima: “Vou ‘botar’ o Sidney, para ele olhar”. Aí, quando eu olhei, eu achei quatro erros em um e seis no outro lá, que não tinha lógica, né? Aí eu falei para o engenheiro lá, pro Luiz Flávio: “Aí, Flávio, está errado, vocês que sabem, passa para frente”. Aí, quando o líder chegou e foi lá, ele disse: “Não acredito, eu botei o HI e ele não descobriu, o Sidney descobriu”. Eles: “É, não adianta, não”. Eles tudo passam pra mim e eu me sinto útil, entendeu? Não é que eu sou bom em nada, mas eu sou útil, entendeu?
(02:17:35) P1 - E é aqui em Barcarena que o senhor quer continuar o resto da vida?
R1 – É, aqui a minha esposa morreu, eu fiz o túmulo dela e já fiz o meu lá. Eu já fiz de mármore, tudinho, fiz com quatro parafusos, pra não dar trabalho a ninguém. E vão tirar e vão enfiar lá dentro. Aí, o que é eu fiz? Eu entrei dentro de um caixão, me medi todinho, para fazer o projeto, porque eu sou de projeto, né? Eu fiz o projeto. (risos) Aí, quem fez foi um pedreiro bem baixinho. Eu: “Espera aí, ‘bicho’, eu vou medir, porque tu vai, tu fez para o teu tamanho, não vai me caber, vai dar problema”.
(02:18:13) P1 - Você já deitou?
R1 - Deitei no caixão, medi todinho, aqui está a altura, tudinho, a largura, dá tudo certo aqui. Aí eu fiz o projeto, fiz no AutoCAD, tudinho, imprimi, levei pra ele e o ‘cara’ construiu. A mulher embaixo e eu em cima, lá, que é só para enfiar lá. Aí tudo de granizo, aí os parafusos tiram, aí enfiam. Não quero o trabalho de ninguém, é só empurrar lá dentro. É por isso que...
(02:1:42) P1 - É aqui em Barcarena?
R1 - É aqui em Barcarena. Por exemplo: eu sou de Natal, mas já faz muito tempo que não vou, há quase nove anos que não vou em Natal. Tem os irmãos, tem tudinho, mas eu não vou lá. Como eu não saio de férias, eu também não vou.
(02:18:57) P1 - Os pais do senhor já morreram?
R1 - Não, já morreram. Meu pai morreu e a maior tristeza foi que minha mãe morreu, eu fui, mas meu pai morreu e o gerente não me deixou ir. Aí o mundo dá muita volta, com pouco tempo o mandaram embora. Ele não deixou que...
(02:19:17) P1 - O senhor ainda tem um sonho?
R1 - Não.
(02:19:19) P1 - Nada?
R1 - Nada, não tenho. Meu sonho é só continuar trabalhando. A minha tristeza vai ser no dia que eu parar. Então, eu não tenho mais sonho de nada. As motos que eu queria comprar eu já comprei, eu detesto carro, eu não gosto de carro. Antigamente eu não tinha dinheiro para comprar carro novo, mas quando eu vim trabalhar na Alunorte, praticamente todo ano eu trocava de carro. Agora eu não estou trocando, porque minha filha está desempregada e eu tenho que ajudá-la em Natal, ela foi para Natal, mas não tem mais objetivo nenhum, não. Eu digo para minha nora, ela fica brabinha: “Eu só estou esperando a hora da morte, mas o que eu tinha de fazer, já fiz minha parte, eduquei meus filhos, orientei a eles o certo e o errado porque, para mim, eu detesto quando eu vejo uma coisa errada. Duas vezes que aconteceu lá, o ‘cara’ querendo fazer propina comigo dentro da Alunorte, foi a maior confusão. Eu fui parar no gerente, porque eu queria bater no ‘cara’. Foi um rolo do caramba lá. Porque eu não aceito, eu não aceito. Eu fico doente, porque a pessoa tem que ser honesta.
(02:20:43) P1 - Mas tem muita vida pela frente para não ter sonhos, ‘seu’ Sidney!
R1 - Não, não tem mais objetivo. Não tem mais nada. Não tem mais objetivo. O objetivo é poder ajudar, entre aspas, passar meus conhecimentos porque, quando a gente morre, perde tudo, né? Aí isso é que eu faço direto, lá na fábrica, eu me divirto. Lá todo mundo me vê rindo, toda hora eu brinco com um, brinco com outro, tudinho, mas aí eu vivo feliz lá.
(02:21:14) P1 - A vida do senhor começou difícil na infância, mas hoje é uma vida...
R1 - É, hoje a vida... eu, pra mim, tranquilo agora. Os obstáculos da vida, eu acho que eu venci, certo?
(02:27:27) P1 - Deixou um legado, né?
R1 - É, isso aí, pra mim, foi...
(02:27:31) P1 – ‘Seu’ Sidney, como é que o senhor se sentiu, hoje, contando sua história pra gente, lembrando de tanta coisa?
R1 - Voltando o passado todinho: as dificuldades, as loucuras, as coisas. Se a gente fosse pensar, não fazia metade do que eu fiz, né? Se fosse raciocinar normal, como diz uma pessoa normal, não faria o que eu fiz, tudo. Minha vida, não vi meus filhos crescerem de jeito nenhum, não vi. Pra ter uma ideia, esse meu filho eu dei uma moto com 11 anos, pra poder esquecer. E ele quase que morre com a mãe. Um carro entrou na contramão, a moto estava zerada, sem placa ainda, com menos de uma semana. E ela quebrou a mesma perna, de novo. Essa minha esposa que eu conheci quebrando a perna, quebrou de novo.
(02:28:21) P1 – Muita coisa, né?
R1 – É. Eu desmontei essa moto, lá no Jari, eu mesmo, levei para a prensa. Só para ter uma ideia, eu ‘botei’ numa prensa de seis toneladas, ela nem se mexeu, ‘botei’ numa de 12 para ela voltar o quadro, a pancada que foi e meu filho não morreu, com minha esposa. O ‘cara’ entrou na contramão.
(02:28:41) P1 - Mas o senhor se sentiu bem, lembrando disso tudo?
R1 - Eu passei a noite preocupado, porque eu sou muito sincero, falo, aí o pessoal diz que eu falo as coisas sem pensar, mas o que tiver de aproveitar, tira 2% aí e o resto joga fora.
(02:29:00) P1 – A história do senhor vai ficar lá, inteirinha. Não é importante?
R1 - É importante.
(02:29:06) P1 - História de vida, né?
R1 - Só uma curiosidade: como é que, no futuro, a gente vê isso e onde vê?
(02:29:11) P1 - Vai estar na internet.
R1 - Ah, na internet? Ah, eu pensei que era alguma coisa da Hydro, lá.
(02:29:16) P1 - A Hydro vai ficar com um pouquinho da história e a história inteira vai ficar lá no Museu da Pessoa, na internet.
R1 - Ah, no Museu da Pessoa, é isso que eu queria saber.
(02:29:25) P1 - A história do senhor vai estar lá, no acervo.
R1 - Está bom, agradeço aí, porque eu amo a Alunorte, pra mim ela é tudo.
(02:29:37) P1 – Trinta anos de história aí!
R1 - Não, 27 anos.
(02:29:41) P1 – Trinta anos da Alunorte?
R1 - E 27 meus. Quando eu cheguei lá, ela estava ruim. Ela não conseguia sobreviver mais um ano. Aí, a gente começou a modificar bomba, modificar tudo e a conseguiu estabilizar. Aí que ela conseguiu crescer.
(02:30:00) P1 - O que representa esses trinta anos?
R1 – Trinta anos é uma vitória pra cá, pra aqui. Com isso a Albras cresceu, a Alubar cresceu. A Alubar se implantou por causa do alumínio daqui. E naquela interdição que a gente quase enlouquece, porque ia parar a cidade, porque ia parar a Alunorte, ia parar a Albras e ia parar a Alubar. Três empresas iam fechar por uma mentira que aconteceu aqui.
(02:30:30) P1 - Mas para o senhor, o que significa para o senhor?
R1 - Tudo na vida, tudo. Meus sonhos eu realizei aqui, tudo. Comprar carro novo, que eu nunca tinha comprado, eu só vivia ajeitando. Eu era mecânico, eu só vivia ajeitando carro, pra... não empurrava carro, mas eu andava com carro velho, com moto velha, entendeu? Tudinho. Aqui não. Pra ter uma ideia, eu tive oito motos grandes num ano, entendeu? Sempre tinha, no mínimo, quatro motos grandes aqui em casa, porque eram dois estilos de moto. Então, para mim, se não fosse aqui, eu não teria conseguido em lugar nenhum. E também, meu orgulho também, porque a era digital começou comigo, aqui. Se eu tivesse aceitado a prancheta não era nessa época que ia mudar. Depois disso a gente só aceitou projeto digital e agora a gente mudou de patamar, a gente não aceita mais o digital, agora é o BIM, um programa que gera tudo: planejamento, projeto, você está mexendo na civil, o mesmo projeto da elétrica. A Hidro agora só aceita a BIM, aí uma fase que eu estou aprendendo agora, para comentar no BIM. Não vou aprender a fazer o BIM, porque é só menino novo que está aprendendo, mas eu aprendendo a comentar, fazer as coisas, tudo.
(02:32:05) P1 - Significa muita coisa, né?
R1 – É. Significa tudo para mim, para minha família, para tudo, aqui tudo. Minha mulher dizendo, antes de morrer, para minha irmã, se não fosse a minha loucura do Jari, a gente não estaria na situação que estava hoje. Ela mesma dizendo, ela reconheceu a minha loucura. Porque sempre fui determinado, quando eu quero uma coisa eu luto, luto, luto, luto, até conseguir, entendeu?
(02:32:31) P1 - Está ótimo!
R1 - Está bom?
(02:32:33) P1 - Muito obrigada, ‘seu’ Sidney!
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