Projeto 30 anos Alunorte
Entrevista de Victório Siqueira
Entrevistado por Luiza Gallo e Silvia Fujiyoshi
Rio de Janeiro, 17 de junho de 2025
Realizado por Museu da Pessoa
Revisado por Lígia Scalise
P1 – Seu Victório, primeiro de tudo, quero te agradecer por topar conversar com a gente e nos receber aqui na sua casa. E queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R - Primeiro, muito obrigado. É um prazer e agradeço à Hydro que teve essa ideia e me distinguiu dessa forma. Fico muito feliz. Mas, de qualquer... Bom, nasci há 80, quase 85 anos atrás, 19 de julho de 1940, em Boa Esperança, sul de Minas Gerais. Meu nome completo, Victório Siqueira. Meu pai, José Manoel de Siqueira. Minha mãe, Ozília Maria de Jesus. Na verdade, ela era Monteiro, a família dela. E ganhei o nome da minha bisavó. A minha bisavó faleceu uma semana, ou pouco mais, antes do meu nascimento. Então, eu já nasci com um nome definido. Ou era Victório ou Victória, não tinha outra alternativa. Porque meus pais gostavam muito dessa minha bisavó (avó de minha mãe), que era uma mulher de grande expediente, de grande respeitabilidade na microrregião, certo? Pessoa muito generosa, ajudava todo mundo, então eles gostavam muito dela. Então, daí veio o meu nome, do nome dela. Não tem nada de italiano, é só uma homenagem à minha bisavó. Dessa época, não tem muito mais a contar. Vivi na fazenda ainda por algum tempo. Meu pai era fazendeiro, ele tinha uma propriedade de café, produzia café e gado. Naquela idade (6 anos), lugar certo era do lado de pai e mãe, então eu fiquei lá na fazenda. Ele criou uma pequena escola na fazenda e nessa fase, eu participei da escola junto com todas as crianças da fazenda. E eram muitas crianças, porque nós tínhamos, sei lá, umas 40 casas de moradores, famílias. Toda fazenda era movimentada por um grupo de empregados, efetivamente, quase não tinha máquinas. Então, essas...
Continuar leituraProjeto 30 anos Alunorte
Entrevista de Victório Siqueira
Entrevistado por Luiza Gallo e Silvia Fujiyoshi
Rio de Janeiro, 17 de junho de 2025
Realizado por Museu da Pessoa
Revisado por Lígia Scalise
P1 – Seu Victório, primeiro de tudo, quero te agradecer por topar conversar com a gente e nos receber aqui na sua casa. E queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R - Primeiro, muito obrigado. É um prazer e agradeço à Hydro que teve essa ideia e me distinguiu dessa forma. Fico muito feliz. Mas, de qualquer... Bom, nasci há 80, quase 85 anos atrás, 19 de julho de 1940, em Boa Esperança, sul de Minas Gerais. Meu nome completo, Victório Siqueira. Meu pai, José Manoel de Siqueira. Minha mãe, Ozília Maria de Jesus. Na verdade, ela era Monteiro, a família dela. E ganhei o nome da minha bisavó. A minha bisavó faleceu uma semana, ou pouco mais, antes do meu nascimento. Então, eu já nasci com um nome definido. Ou era Victório ou Victória, não tinha outra alternativa. Porque meus pais gostavam muito dessa minha bisavó (avó de minha mãe), que era uma mulher de grande expediente, de grande respeitabilidade na microrregião, certo? Pessoa muito generosa, ajudava todo mundo, então eles gostavam muito dela. Então, daí veio o meu nome, do nome dela. Não tem nada de italiano, é só uma homenagem à minha bisavó. Dessa época, não tem muito mais a contar. Vivi na fazenda ainda por algum tempo. Meu pai era fazendeiro, ele tinha uma propriedade de café, produzia café e gado. Naquela idade (6 anos), lugar certo era do lado de pai e mãe, então eu fiquei lá na fazenda. Ele criou uma pequena escola na fazenda e nessa fase, eu participei da escola junto com todas as crianças da fazenda. E eram muitas crianças, porque nós tínhamos, sei lá, umas 40 casas de moradores, famílias. Toda fazenda era movimentada por um grupo de empregados, efetivamente, quase não tinha máquinas. Então, essas crianças tinham as primeiras aulas lá nessa escolinha. Ali eu fiquei uns quatro anos de primário, escola primária, que tinha uma inspeção, vinham inspetores de vez em quando para fazer uma supervisão, mas, na verdade, era muito dirigido por essa minha tia, minha tia Tilita, que eu adorava, e ela foi a minha primeira professora.
P/1 - E era professora de todos os alunos?
R - De todos esses alunos, em qualquer idade, tudo era ela, porque não tinha outra alternativa, não tinha como conseguir professores adequados e em número, não tinha.
P/1 - Seu Victório, como era essa escola? Como era esse espaço? As interações? Que recordações você tem? Os amigos?
R - A escola em si, era uma casa de morador adaptada. Meu pai pegou uma das casas de moradores e adaptou para fazer a escola. Aí, não tinha morador nessa casa, era só a escola. E adaptou. Então, deve ter quebrado parede, não sabia direito, mas a gente tinha espaço. E as turmas eram pequenas, não passava de 15 ou 20 alunos. Normalmente, uns 15 ou 20, no máximo. E era bem tranquilo. A escola num ritmo
razoavelmente normal. No meu primeiro ano, eu me lembro que meus pais achavam que eu era muito novo para ir para a escola. Mas eu queria ir para a escola de todo jeito. Então, meu pai deu autorização, eu podia ir. Mas todo momento que eu quisesse sair da aula, eu podia. Então, foi estranho. Mas era assim. Aquele primeiro ano foi assim. Mas eu saía? Não. Então meu segundo irmão, que não gostava de escola falava assim: mas não é possível, que você pode sair e não sai! Ele não gostava. Mas eu gostava muito da escola, e a professora também gostava de mim, minha tia. Então, ali foi tranquilo.
P/1 - E essa tia?
R - Essa minha tia?
P/1 – É! Que recordações você tem com ela?
R - Ela já faleceu há bastante tempo, mas enquanto ela estava viva e lúcida, e ela ficou lúcida até o final, eu, sempre que ia à Boa Esperança, procurava encontrá-la. Era meu tio e ela. E ela faleceu antes do meu tio. Então, certamente, eu visitava sempre. Mas a vida é difícil. De lá, fui para Belo Horizonte, para Ouro Preto, então ia à Boa Esperança de vez em quando. E passei a trabalhar, desde o segundo ano científico, eu passei a trabalhar, então era nas folgas que dava para ir lá, não tinha muita chance.
P/1 – E antes da gente seguir, queria te perguntar um pouco mais da sua infância. Como era o dia a dia na fazenda? Você participava, ajudava nas atividades? Você era muito pequeno? Como era o dia a dia?
R - Meu pai era uma pessoa de pouco estudo, mas de muita visão e muito inteligente. Entre os vizinhos, as fazendas vizinhas, quase todas também cuidando de café e coisas assim. Ele era meio pioneiro, estava sempre um pouco à frente. Eu me lembro que eu tinha três, quatro anos, por aí, ele fez uma represa e instalou um gerador. Então, passamos a ter luz em casa à noite, o que era coisa rara na região. E, em seguida, ele providenciou uma captação de água acima dessa represa, numa nascente e trouxe canalizada para dentro de casa. Outra coisa que também era raro naquela região. Coisas assim. Ele se antecipava. Ele que abriu a estrada para ligar da fazenda até a cidade. Mata-burro, vários mata-burros. Estrada cruzava divisa, tinha que ter mata-burro. Sabe o que é mata-burro? Sabe?
P/1 – É tabua?
R – Não, mata-burro é um bloqueio para animais. Então, você vem com a estrada e tem uma cerca. Ou faz uma porteira, e aí toda vez tem que parar e ir lá abrir a porteira, ou um mata-burro. Então, o mata-burro é uma vala, com duas pequenas pontes, justo na bitola do carro, para você passar para lá e para cá. Certo? Como você tinha várias fazendas vizinhas, várias cercas, e mesmo dentro da própria fazenda, você tem pasto, você tem café, você tem roça de outras culturas, tudo tem cerca. Então, cada uma dessas tinha que fazer um mata-burro. E ele é que fez os necessários para ter uma boa ligação para a Boa Esperança. Então, desde os cinco anos, mais ou menos, seis, eu passei a ter chance de ir mais à Boa Esperança, porque ele passou a ter carro. Aprendeu a dirigir nessa época. Eu me lembro dele aprendendo a dirigir.
P/1 – Ele aprendendo?
R – Ele aprendendo. Jogou um carro ladeira abaixo, uma vez. Mas ele não foi dentro, não, ele pulou fora antes.
P/1 - Caramba! Como?
R - Olha, são várias coisas assim. Como eu falei, lá era uma região meio montanhosa, então, ele tinha feito a represa e a usina com gerador lá embaixo, no fim de uma ladeira grande e bem abrupta. Mas lá do lado da represa tinha um terreno meio plano, que era onde ele estava aprendendo a dirigir. Então, ligava o carro, ia para lá, para cá. E tinha um tio, irmão da minha mãe, que era o professor dele. O tio deve ter dado as instruções mais ou menos e não foi tão claro nas coisas. De repente, o carro disparou na direção daquele despenhadeiro; aí um pulou para um lado e o outro pulou para o outro. E o carro foi. Bom, perda total. Foi o primeiro carro dele. Ele comprou outro em seguida. Ele era teimoso. Comprou outro em seguida. E aí, passamos a ter carro e a rodar. Ia para a Boa Esperança, ia para festas, Semana Santa, coisas assim. Ele sempre levava a família. A gente ficava lá, ficava no hotel. Hotel vagabunderrimo, mas era o que tinha. Então, é isso. A infância foi muito nessa linha. Tinha os amigos que eram crianças da fazenda, que a gente jogava bola, fazia as caças de fruta. Por exemplo, chegava à estação de manga, você tinha várias mangueiras. No quintal da casa tinha mangueira. Mas a gente gostava é das que tinham no meio do cafezal. Tinha algumas mangueiras isoladas, cuja a manga era simplesmente sensacional.
P/1 - Era melhor?
R - Era melhor, gostosa. Sei lá! Talvez nem fosse, mas a gente achava que era. E a gente ia, quando começava a estação de manga amadurecer; e aqueles meninos, eu, meus irmãos e os meninos da fazenda, iam e, quando ia chegando perto da mangueira. “Opa, aquela lá é minha.” Quem via a manga madura primeiro, era o dono. E aí, era uma competição assim absurda, para ver quem achava mais manga naquela ocasião. Então, bobagem. Tinha a represa, a gente aprendeu a nadar nessa represa do meu pai. Uma coisa para contar: uma vez meu irmão, logo abaixo de mim, eu devia ter uns sete anos, e ele era três anos mais novo que eu, ele devia ter quatro. Era menos ainda, ele tinha uns dois ou três. Então, eu devia ter cinco ou seis, não mais. E ele foi entrando dentro d'água, sem ninguém perceber. Estavam outros meninos, mas eu percebi. Quando eu vi, ele já estava com água cobrindo o cabelo. E aí, eu corri lá, e o tirei de lá. Então, na ocasião, até eu fiquei admirado e feliz por ter percebido antes de qualquer outra pessoa e tê-lo tirado a tempo, porque ele não ia sair. Ele foi e não percebeu. Ele era muito pequeno, tinha dois, três anos. Dois anos, talvez. Mas as brincadeiras eram muito nessa linha. E tinha andar a cavalo, jogar bola, essas coisas que criança fazia. Até que a gente foi para Três Pontas. Meu pai comprou uma casa lá para levar os filhos para estudar. Aquela escolinha da roça estava limitada. Na hora que passou-se a falar em ginásio, quer dizer, era o segundo ciclo. Acho que hoje chama… Aí, tinha que ir para uma cidade. Então, ele comprou uma casa e nos mudamos para lá. Mas só que ele passou a fazer falta na fazenda e viu que não dava, ele tinha que voltar pra fazenda. Ele ficou lá um ano, coisa assim, e voltou para a fazenda, e botou a mim e meu irmão imediatamente acima de mim, no colégio, em regime de internato, em Três Pontas. O outro mais velho já estava no internato, de Boa Esperança, estava no final do estudo dele e ficou lá. E os outros mais jovens voltaram para a roça, para a fazenda, mas ele melhorou aquela escola num outro local, próximo a um mini povoado, e aí ela virou uma escola pública realmente. Então, minhas irmãs começaram lá. Depois, cada uma foi indo para internato também. Até que a família se mudou para a Boa Esperança, onde meu pai comprou uma casa, e todo mundo passou a estudar. Eu já não estava mais lá, eu já estava em Belo Horizonte, fazendo científico. Aí acabou o internato para mim. Teve internato para meus irmãos mais velhos e depois para mim mas o que vem logo abaixo de mim, não teve internato. Mas minha irmã teve, a mais velha. Porque lá na minha casa foram cinco homens, depois cinco mulheres, depois um homem. Então, é engraçado. Meu pai era semianalfabeto mas fazia questão de que os filhos estudassem e não mediu esforços para tal.
P/1 - E, antes da gente ir para o internato, eu queria saber como era a relação com os seus irmãos.
R - Bom, já viu, aquele monte de menino, porque, como eu falei, eram cinco homens primeiro, e depois é que vieram as meninas. Então, os cinco meninos era movimento demais: muitas brincadeiras, algumas brigas, bicicleta, cavalo, todo mundo queria andar de cavalo. Não para brincar, não. Meu pai dava. Cada um tinha praticamente um cavalo. E ele mandava a gente circular, ir lá na fazenda. “Vai lá naquele campo, assim, assim. Tem uma vaca querendo parir, vai lá.” Aí, tinha que ir lá. “Mas está chovendo, pai.” “Mas você não é feito de açúcar, não, vai lá!" Desse jeito. O meu pai era assim, bem exigente. Mas também muito, muito amigável. O meu pai era uma pessoa, assim eu diria, simpaticíssima. Todo mundo gostava dele. Os empregados gostavam muito. Vinham lá para casa, à noite, para ouvir as histórias dele. Ele contava muita história (história real), então a gente ficava lá do lado também, ouvindo as histórias. E tinha uma memória impressionante, guardava nomes e detalhes e tudo. Então, as histórias dele eram quase um filme. Você ia vendo uma história que era quase um vídeo que a gente tem hoje. E ele teve esses expedientes de, primeiro, botar energia, depois botar água e escola na fazenda. Essas coisas todas eram dele, iniciativa dele. E, como eu disse, ele era muito simpático. E ele era generoso. Então, as pessoas necessitadas, mesmo que não fossem da fazenda, se tinham uma doença especial, o carro dele é que levava para a cidade para poder dar assistência. E, com isso, ele tinha assim, uma popularidade enorme. Ele era uma pessoa alta, tinha 1,90 m, ou quase isso. Mas ele herdou um apelido da família dele, do pai e tios, que era Pequeno. Então, ele era conhecido na minha cidade, Boa Esperança, como Zezinho Pequeno. Todo mundo conhecia ele. Mas era o Zezinho Pequeno, embora fosse um galalau. Então, era muito engraçado isso. Boa Esperança teve lá uns escritores (Rubem Alves e outros). Um deles disse: Boa Esperança é a cidade das coisas interessantes: o cara mais magro da cidade, tem apelido de Zé Gordo e o cara mais alto da cidade, tem apelido de Zezinho Pequeno, então essa aqui é a cidade dos contrastes. Eram coisinhas bobas, mas que faziam tornar a vida mais engraçada.
P/1 – Ele te chamou para auxiliar no parto da vaca. Você sabia fazer isso?
R - Não, a gente não sabia, mas ele sabia que a vaca ia ter a cria. Normalmente não precisava de auxiliar. O meu irmão mais velho, que hoje é veterinário, ele acabou se tornando veterinário. Ele tinha um pouco de noção disso, mas eu, particularmente, nada. Eu falava: se eu tiver que viver de fazenda, eu vou morrer de fome. Isso lá com uns 15, 16 anos, eu falava isso. E aí, quando pintou a ideia de ser engenheiro, falei: ou vou ser engenheiro, ou eu vou morrer de fome. Era como eu falava. Eu queria ser focado naquilo. Mas na fazenda, eu quase não podia ajudar. Então, teve sim uma fase, quando meu pai começou a ficar com a situação financeira complicada. A gente dava uma despesa muito grande em Belo Horizonte, eu e meus irmãos e aí decidimos que nós íamos ficar um ano na fazenda ajudando, para ele se recuperar. Mas na semana santa, três amigos lá de Belo Horizonte, foram lá na fazenda, (eles já tinham ido lá outras vezes), e foram brigar com a gente. “Não, vocês não podem parar, não, vamos lá, vamos lá.” E aí, me convenceram a ir para arranjar um emprego. E eu fui. Os outros dois ficaram mais alguns meses. Mas logo brigaram com o meu pai e foram também pra BH arranjar emprego. E assim foi a vida. Minha mãe era uma pessoa formidável, linda. Meu pai era muito alto e ela muito baixinha mas era igualmente muito joia e eles se davam muito bem. E ela era muito habilidosa em coisas de casa. Então, ela cozinhava muito bem, o prato típico mineiro, era com ela mesmo, fazia tudo delicioso. E costurava muito bem também. Toda a roupa que eu e meus irmãos usávamos, quando crianças, era ela que fazia. E fazia muito bem, tudo certinho, caprichosa. Ela tinha tanta habilidade e gosto que ela fazia algumas coisas para vender. Porque na fazenda tinha lá um armazém gerido por um proprietário que era quem abastecia todos os moradores. Todo mundo
comprava lá, certo? Nesse tempo, obviamente, tudo que se fizesse pra levar lá pra vender, vendia. E minha mãe fazia rosca. Uma rosca da rainha, como a gente chama aqui no Rio, deliciosa, você não acha igual, certo? Ela tinha aqueles fornos enormes a lenha e ela fazia roscas no capricho e enchia cestos enormes e mandava lá para essa venda e era chegar e vender tudinho. A gente... Eu, particularmente, era vidrado em doce. E na fazenda tinha muita fruta. Então, doce de goiaba, doce de banana, doce de abacaxi, de tudo. Pêssego, marmelo, cidra, laranja, tudo delicioso. E a gente tinha moinho para fazer fubá. Então, o fubá era feito lá por nós. Eu era o gerente do moinho.
P/1 - Ah, é?
R - É, aí já estava lá com meus 9, 10 anos. Então, eu cuidava do moinho.
P/1 - Como era?
R - Ué, água; a mesma água que gerava energia para a iluminação, também fazia girar uma roda d’água que dava movimento na pedra. O moinho é formado por uma pedra de granito pesada que gira em cima de outra pedra de granito, fixa e bem plana. Então, elas, uma girando em cima da outra, e o milho entra por um furo no centro da pedra de cima, que tem uma folga embaixo, espaço este que vai se estreitando para as bordas. Então vai sendo moído e vai saindo pelas beiradas e depois é só peneirar e tirar as casquinhas mais grosseiras e você tem um fubá delicioso, perfeito. Milho puro moído.
P/1 - E por que você era encarregado do moinho?
R – Só para ter um responsável. Quando alguém pedia fubá, aí eu tinha que ir lá dar o fubá ou vender, ou sei lá. Eu era o encarregado. Então, vendia e anotava. Não pegava dinheiro, era tudo anotado. E as vacas; meu pai tinha, um conjunto de vacas que produzia leite para nosso consumo. Quem fazia queijo? Eu fazia os queijos. Queijo Minas, claro. E todo o leite que a gente tomava era dessas vacas, as vacas escolhidas pelo meu pai. Todo dia de manhã, era um copo de leite para cada menino. Todo mundo queria e todo mundo ia lá e tomava-se o copo de leite ordenhado naquele momento. Dava-se o copo para o ordenhador que pegava o leite e a gente tomava alí mesmo, na hora. E isso foi desde que eu fui gente, até enquanto morava na fazenda. Depois ainda continuei tomando leite. Hoje, raramente. Já tomei leite demais lá, não precisa mais não.
P/1 - E bem melhor, né?
R - Lá era muito melhor, leite ótimo. Bom, minha mãe fazia manteiga, a carne era de porco criado na fazenda. Basicamente só de porco. Raramente matava-se um boi, um garrote. Basicamente a comida de mineiro, era isso: carne de porco, de frango, e o resto era vegetais caseiros, couve, alface, jiló. Gosta de jiló?
P/1 - Gosto!
R - Isso aí tudo era alimentação. A alimentação era sempre muito farta, porque tinha tudo lá. E aí, fui para o internato. Quando eu fui para o internato, uma coisa que eu estranhei demais foi a comida, porque era ruim, não era bem feita, como era a comida da mamãe. Então, eu passei a comer muito mal e fiquei muito magro, e meu pai me levou ao médico, e este me perguntou: o que você come? Aí, eu fui falar o que eu comia. “Só
isso? Está ruim, está muito ruim.” Aí, foi a razão de eu mudar de um internato para outro internato. Meu pai, então, me levou para o colégio São José, em Boa Esperança, onde eu passei a comer um pouco melhor. Mas era duro, porque a saudade da mamãe, né? E isso foi até… que idade? De uns 15 anos, quando eu terminei o ginásio, era 15 ou 16 por aí. E fui para Belo Horizonte, aí lá não tinha jeito; lá agente foi morar em uma república, eu e meus irmãos, mais dois amigos. E ali a comida era a que a empregada soubesse fazer. A gente tinha uma empregada. Ela fazia lá um feijão com arroz muito mais ou menos. Mas era o que tinha. Também já não era mais criança, né? Era hora de estudar e comer o que tivesse pra comer, sem reclamar.
P/1 - Como foi esse momento, assim, em que vocês eram os responsáveis por si próprio, você, seus irmãos, não tinha um adulto supervisionando. Como foi essa experiência, essas mudanças?
R - Tudo muito tranquilo. Porque como nós éramos três irmãos nessa república e nos dávamos muito bem, e tinha só mais dois, então praticamente a gente mandava. Mas era tudo muito cordato. Um desses amigos é meu amigo até hoje. Ele mora lá em Belo Horizonte, muito amigo do meu irmão, que também mora em Belo Horizonte. Mas esse amigo me liga sempre, pois ficamos mesmo muito amigos. Depois de três anos eu fui
para Ouro Preto, então, não estava mais na República, não estava mais com eles. Lá morei numa pensão, por dois anos. Depois que eu passei para outra República: a República Sinagoga, que é uma das mais antigas de Ouro Preto. Aí o normal é todo estudante morar numa República. Mesmo os de lá, os que nasceram lá, estão em casa, mas, ainda assim, eles sempre ficam bem ligados numa república. É o caso de outro grande amigo, que é nascido em Ouro Preto, foi meu colega na Escola, e era muito presente na minha república. Tem retrato dele lá, como tem o meu. Depois que a gente se forma, deixa o retrato lá. Então, a minha república tem dezenas ou até centenas de retratos de formatura. Mas, mesmo assim, toda vez que eu ia a Belo Horizonte, ficava República, com a turma que estava lá. Então, era isso. A intimidade, a solidariedade era muito grande. E vínhamos todos praticamente da mesma condição, de interior, de fazenda, de cidade pequena. E, em Belo Horizonte, era a hora de fazer um upgrade. Então, começava corrigindo a fala da gente. Lá no sul de Minas, a fala era muito aquele R bem carregado. "Porrrta". A turma de Belo Horizonte caía de pedra: “Força, sordado! Sarta!” Ali era um bullying, mas um bullying bem... brincalhão. E a gente ia se corrigindo para pegar um pouco do jeito de Belo Horizontino, que era bem diferente lá do interior. E quanto à escola em si, Belo Horizontino, tinha colégios muito bons e tinha colégios meio fracos. Então, eu peguei de cara um colégio muito bom (Santo Antônio). E vindo lá do colégio de Boa Esperança, que era meio fraco, foi um ano de insucesso, em que eu consegui aprovação em matemática, física, química, tudo isso era novidade, mas perdi o ano em inglês. Foi lamentável, mas eu realmente, na época, tinha muita dificuldade com o inglês e fui muito infeliz na prova oral final. Depois foi normal, tranquilo. O que mais?
P/1 - E aí, quando termina essa fase da escola, como que é o momento de decidir o que quer continuar estudando? Um interesse específico.
R – É! Aí, eu tenho um lance importante para referir, que foi justamente quando eu terminei o terceiro científico em Ouro Preto. Eu tinha um emprego no DER-MG desde o segundo ano lá em Belo Horizonte, e eu fui para Ouro Preto dar apoio à obra de pavimentação da rodovia Belo Horizonte - Ouro Preto, que terminou em 1960. Estava no final da obra e eu estava lá cursando o terceiro científico e a obra demorou, acabou atrasando um pouco, mas, para mim, foi ótimo. Eu fiquei o ano inteiro bastante folgado, porque a obra estava muito concentrada na entrada de Ouro Preto, o que facilitou para mim: toda vez que precisava ir lá checar algum trabalho - meu trabalho de laboratorista era de verificar a compactação. Toda obra de estrada era muito fiscalizada, bem fiscalizada. Então, a gente tinha que ir lá e verificar se estava bem compactado ou não. Se estava bem compactado, liberava para botar asfalto. Se não, mandava repetir. Tinha que remover todo aquele material e rearrumar, e recompactar, e a gente ia lá testar de novo. Então, esse era o meu papel: ir lá checar. Se estava bom, libera. Se não estava bom, bloqueia. Não
pode botar asfalto. Então, isso estava ali na chegada de Ouro Preto, e isso facilitou a minha vida pois o colégio era lá na entrada de Ouro Preto também, então tudo deu certo. E teve o vestibular, no início do ano seguinte, em 1961. Eu fiz o vestibular e fui aprovado. E o restinho de obra que ainda tinha, acabou. Aí, começou um trabalho na direção de Ponte Nova, mas o laboratório foi mudado para Mariana, que é muito perto de Ouro Preto. Então, até aí, não tinha problema. Eu conseguia vir para a aula de manhã na Escola de Minas e, de tarde, ia lá para ver se tinha algum trabalho. Se não tinha, às vezes, eu até nem ia, dormia em Ouro Preto mesmo, na tal pensão que eu tinha. Pois bem, passados uns três ou quatro meses, tinha mudado o governo, em 1961e o novo governo definiu que a obra para Ponte Nova ia ser gerida de Ponte Nova, não mais de cá, de Ouro Preto, Mariana. Isso impunha me mudar para lá. Para mim não dava pois eu teria que cancelar a Escola. Então, o que eu fiz? Pedi demissão. Eu consegui aulas, duas turmas para dar aula de matemática à noite, num colégio lá de Ouro Preto, Alfredo Baeta. Um diretor muito bom que tinha no DER (José Nardeli), gostava de mim e que já me conhecia do tempo do estágio que eu fiz, mandou me chamar. E quando eu fui lá, ele quis primeiro confirmar que eu tinha pedido demissão. Ele achou estranho: “Você vai realmente pedir demissão?” “Vou.” “Então, eu vou te fazer uma oferta: vou te transferir para Belo Horizonte como empregado do DER, que você é, e vou te ajudar a transferir a matrícula da Escola de Minas para a Escola de Engenharia de Belo Horizonte. Então, tudo bem?” Aí, aquilo me deixou realmente em parafusos, que eu não esperava. E pedi tempo para responder no outro dia. Ele falou: “Não, pode tomar o seu tempo.” Mas, no dia seguinte, cedo, eu fui lá e falei: “Olha, não tem jeito, eu quero continuar em Ouro Preto.” Era a coisa mais absurda, a minha decisão, mas era o que eu queria, então não tinha jeito. Fiz essa maluquice achando que ia ter mais aula, que eu ia conseguir outras turmas para dar aula. O que não aconteceu. Só foi acontecer quando eu estava no quinto ano. Então, nesse período todo, a minha renda não dava. A despesa era pequena, mas ela não dava. Meu irmão, Espedito, logo acima de mim, que já estava em Belo Horizonte, razoavelmente bem empregado, falou assim: “Eu vou bancar você. Pode ficar aí, não tem problema não.” Então, ele me dava uns 40% da minha despesa. E isso durou até eu chegar no fim do curso. Foi fantástico a atitude dele. Então e respondendo a uma pergunta lá de trás, o meu relacionamento com os irmãos, era nessa base, era de um compartilhamento saudável e de uma grande amizade. Nunca tive dificuldade nenhuma de estranhamento com os irmãos. Brigava de vez em quando, é claro, mas isso é normal.
P/1 - E aí, como seguiu?
R - Bom, aí eu fui seguindo o curso de engenharia lá em Ouro Preto, que realmente eu gostava muito e fui convidado para ir para uma república. Então, saí da pensão e fui para a república Sinagoga, onde eu fiz os melhores amigos da minha vida. Ali naquela fase de 18 a 20 e poucos anos, é uma fase que você faz amizades difíceis de quebrar. Dentre esses grandes amigos, três se tornaram meus compadres. Infelizmente, já perdi vários deles, já faleceram. Mas foi um tempo muito bom.
P/1 - Tem alguma história marcante desse tempo?
R – Aí, nesse roteiro eu menciono que a gente fazia muita serenata, e era uma serenata de alto gabarito.
Porque nós tínhamos um colega, um amigo, que era violonista excelente, e sabia as músicas, o principal era isso, ele sabia tocar e sabia as músicas. Então, a gente aprendeu as músicas com ele, as letras, e aí ele só ia dirigindo a gente e a gente ia cantando. E tinha um outro que era violino, excelente no violino, fantástico, sabe? Então, a nossa serenata era disputada, as moças, poxa, todas queriam. Dentre as que eram nossas amigas, tinha uma delas (Marisa) que era namorada de um dos colegas da República (Rômulo), então, a gente ia fazer serenata para ela e muitas vezes, depois que fazíamos serenata, ela abria a casa e a gente entrava e tomava lá uns vinhos, cerveja, o que fosse. E ela estava preparada, arrumava uma mesa de tira-gosto e a serenata continuava dentro de casa. Então, muitas vezes, a gente fazia. E aí, outras amigas também gostaram da ideia e também chamavam a gente. “Vai lá, vai lá, canta lá.” E depois abriam a casa. Foi um tempo muito divertido, havia muita brincadeira. Uma vez, ai já 1964, quando teve o movimento militar, lá em Ouro Preto, a quantidade de estudantes proporcionalmente para a cidade era grande. Então, ficaram de olho. E havia, sim, uma grande divisão nas turmas. Uns de esquerda, outros de direita e aquilo não combinava. É igual hoje. Era pau cerrado entre eles. E na minha turma, particularmente. Então, metade era de esquerda e a outra metade de direita. Eu estava no meio, em cima do muro. Era amigo de todos eles, mas, no partido político mesmo, eu estava mais do lado da direita, mas nunca tomei uma posição tão chocante a ponto de brigar. Mas eles brigavam, alguns deles. E aí, nessa condição, a gente fazia serenatas independentes, gente de um lado, gente de outro, amigas de um lado, amigas de outro. Não tinha problema nenhum. Para nós era tudo normal. Mas, numa noite, a gente estava lá fazendo a serenata e chegou uma patrulha. E, na hora que a patrulha chegou, o violonista empurrou o violão para mim. Por quê? Porque ele tinha um medo danado de polícia. Aí, pronto, eu não era o violonista, mas tive que parecer que era. E a patrulha insistindo, querendo... “O alvará? Cadê o Alvará?” Não tinha o alvará. Estava proibido fazer serenata. A gente estava lá fazendo de doido que a gente era. “Sem o alvará vai para a delegacia.” Está bom, então vamos para a delegacia. Aí, fomos pela rua. Nós na frente, a patrulha atrás. Quando chegou lá em uma determinada esquina, eu parei e disse a um dos policiais: “Olha, daqui para a delegacia é a mesma distância daqui para a minha república. Deixa a gente ir embora e a gente não vai mais cantar. Acabou serenata.” Aí, quando eu estava quase convencendo o chefe da patrulha, um colega nosso, entra no meio, bêbado, estava super bêbado, atrapalhou tudo. Aí, volta a estaca zero. “Não, vai para a cadeia.” Ir para a delegacia significava dormir na cadeia. “Não, vamos conversar de novo.” Conserta daqui, conserta dali. Acabaram concordando que a gente fosse embora para casa. Tá bom. Aí a patrulha desceu e foi para a delegacia, e nós tomamos o caminho de casa. Mas não o caminho direto para casa. Pegamos a rua que passava pela casa de uma amiga e lá fizemos aquela serenata, naquela situação. Mas dali a alguns meses acabaram com a proibição de serenatas. Qual era o governador? Magalhães Pinto. Ele foi lá em Ouro Preto e participou com os estudantes de uma serenata, ou seja, liberou geral. Então, acabou com aquela pressão e chegamos a 1965 que foi o meu último ano na Escola. E nesse último ano, por sinal, eu consegui aquelas aulas adicionais que eu tanto desejara 4 anos atrás. O Colégio Arquidiocesano, onde eu estudara, me convidou e eu assumi duas turmas. E o Colégio Estadual também me convidou. Outras duas turmas. Então, aí eu passei a ter quatro turmas para dar aula. Aí, a renda era suficiente, folgado. Mas meu irmão falou: “Não, mas eu vou manter a ajuda pois é seu ano de formatura, você pode contar que eu vou manter a ajuda.” “Tá bom. Obrigado.” E esse foi um ano muito apertado, porque passei ter quatro turmas, e de dia. As duas turmas que tinha no Col. Alfredo Baeta eram à noite mas essas quatro não, seriam de dia. Então, eu tive que conciliar os horários muito direitinho para poder dar conta de atender aos colégios e não faltar às aulas da Escola pois era meu último ano. Não podia ter um revés ali, né? Então, nessa hora, o que ocorreu? O Colégio Arquidiocesano, disponibilizou um táxi para mim, um carro, era só chamar. Então, eu estava na aula, na Escola de Minas, pedia o táxi, dali a cinco minutos o taxi me pegava, eu ia lá no colégio Arquidiocesano, dava as aulas que eu tinha que dar e retornava à Escola. Com isso, deu para administrar.
P/1 - Você estava contando que eram dias muito apertados.
R - Sim. E como aquele ano inteiro ia ser assim, muito apertado, falei: eu tenho que fazer diferente. Vai ser banho frio às sete da manhã. A República, realmente, não tinha muito luxo. Normalmente, a gente tomava banho mais tarde, porque já tinha feito café, o fogão tinha uma serpentina, dava uma água de temperatura mais agradável. Mas, para mim, não dava, não. Eu tinha que tomar às sete horas. A empregada chegava às sete e meia.
P/1 – Mas você inventou isso.
R - Eu assumi, para mim que precisaria fazer isso que é para ter um dia bem animado, senão poderia fraquejar. Então, me impus aquela rotina. E olha que Ouro Preto, no inverno, é frio. Mas eu tomava o banho. Devia gritar pra danado. Mas tomava o banho e partia para a minha lida. Era escola, colégio, escola, outro colégio, escola. Era isso o tempo todo. Quando cheguei no final do ano, tudo estava ok, eu estava bem na Escola, as turmas que eu dava aula estavam felizes. As duas turmas do Colégio Estadual me convidaram para paraninfo. Pensei: isso significa que eu dei aula direito. E aí, foi uma satisfação. E na Escola de Minas, como era o meu último ano, a turma do último ano escolhia um um dos colegas para falar pelos alunos da Escola, por ocasião das celebrações do aniversário da Escola e eu fui o escolhido pela turma. A Escola de Minas, hoje integrada à Universidade Federal de Ouro Preto, foi fundada, como falei antes, em 1876, por Dom Pedro II. Então, todo 12 de outubro, é aniversário da Escola. E é sempre feita uma celebração. Todo ano é a mesma coisa, discurso de um ex-aluno, discurso de um aluno e discursos das autoridades. Então, nesse ano eles me elegeram. Como eu não brigava nem com a esquerda nem com a direita. “Esse cara aqui é o nosso, é o único que todo mundo aceita.” Aí, eu fui também orador da turma nessa ocasião, foi muito bom. O tempo meu de Escola foi maravilhoso. E culminou no último mês, dezembro, quando ainda estava fazendo provas e recebi o convite da fábrica de alumínio da Aluminas, em Saramenha (bairro de Ouro Preto) e que era uma controlada da Alcan, para ir trabalhar assim que eu me formasse.
P/1 - Um convite.
R – Um convite. Alguns dos professores que eu tive, trabalhavam lá. Particularmente, esse que me convidou era... lembra que eu falei que um colega da República que namorava uma moça? Era o pai dela. Então, como a gente ia à casa deles, eu fui lá algumas vezes, na serenata. Além dele ter sido meu professor, ele acabou me chamando. Então, eu estava fazendo concurso para Petrobras, já tinha feito a primeira prova, estava tudo
caminhando, aí me chamaram, eu falei: não, não quero saber de Petrobras, não, eu vou é para a Aluminas. E já no início de janeiro de 1966 fui para essa fábrica, como engenheiro de Minas e Metalurgia, trabalhei dois meses ou três, como engenheiro de minas e depois virei metalúrgico, isto é, me transferi para a área de metalurgia. Mas quando eles me ofereceram essa mudança, eu falei que não não tinha ficado satisfeito com o meu curso de Hidrometalurgia... A metalurgia é das carreiras de engenharia mais antigas, talvez a mais antiga. Metal sempre teve muito uso na Idade Média. E mesmo antes, bronze e cobre eram muito conhecidos e muito usados, desde os primórdios. Tudo aquilo era Metalurgia. Então, os processos metalúrgicos são hidrometalúrgicos, pirometalúrgicos, ou eletrometalúrgicos. E os hidrometalúrgicos, para mim, não tinham sido bem ensinados, na Escola. Então, eu falei: acho que eu, para mudar dessa área (mineração) para a área de de processamento hidrometalúrgico, preciso de uma complementação. Aí, a direção da fábrica falou: "escolhe o curso, a fábrica vai te dar". Então, eu falei, vou escolher, mas me dê dois anos, eu quero ficar aqui dois anos pelo menos para poder saber quais as minhas principais necessidades. Então, em 1968, eu vim para o Rio de Janeiro fazer o curso da COPPE - Coordenação de Programas Pós-Graduados de Engenharia. E aí eu sentei com o diretor do curso e fui dizendo o que eu queria. Transmissão de Calor, quero saber mais sobre Mecânica dos Fluidos, Operações Unitárias, etc. Em suma eu passei para ele o que me incomodava, que eu não estava bem preparado. Aí, ele foi pegando cadeiras da área de Metalurgia, cadeiras da área de Engenharia Química. Então, ele falou assim: você vai pegar Operações Unitárias da Engenharia Química, Mecânica dos Fluidos e Transmissão de Calor da Engenharia Mecânica e Reações Hidrometalúrgicas da Metalurgia. Pronto e deu o arcabouço final: “Tá bom?” “Tá bom.” O nome é Metalurgia Extrativa. Provavelmente, eu era o único aluno de Metalurgia Extrativa, mas estava lá. Eu ia pescando aula daqui, aula dali, e completei aquele curso. No final, estava com os créditos prontos para fazer a tese, para mestrado. E iniciei a tese, aqui no Rio ainda, e levei para terminar em Ouro Preto, porque escolhi um assunto que era de interesse da fábrica, pensando assim: como eu vou estar lá e eu vou ter muito trabalho, vou fazer uma tese que faça sentido para a Fábrica, porque aí, tenho a certeza que eu faço. Pronto! Cheguei lá de volta, tinha serviço demais, tinha coisa demais para fazer. E, realmente, eu fui postergando a tese. E, de repente, a Escola de Minas me chama para dar aula de Termodinâmica Técnica, que era uma cadeira muito importante que eu estava preparado para dar. Respondi que tinha pouco tempo mas que ia avaliar. Conversei na direção da Fábrica e me deram licença, eu podia fazer, arrumar o horário adequado para mim. Então, assumi a cadeira lá na Escola de Minas, como auxiliar, e depois de um ano eu passei a ser o titular da cadeira. E, com isso, fiquei sete anos dando aula lá na Escola de Minas, enquanto eu trabalhava na Fábrica de Saramenha.
E foi aí, em 1977, que me reiteraram o convite que tinham feito antes, para vir para o grande projeto Albras-Alunorte, que a Vale tinha assumido, um pouco forçada pelo Ministro de Minas e Energia, que era o Sr. Antônio Dias Leite. Não sei se vocês já ouviram falar. Ele foi um ministro muito bom que nós tivemos lá, ainda no Regime Militar. Quando teve a descoberta de bauxita (1967) lá em Trombetas, no Pará, o governo, basicamente o Ministério de Minas e Energia, enxergou que havia uma boa perspectiva para a indústria do alumínio no Pará, porque você teria muita bauxita de ótima qualidade, e teria energia hidroelétrica de Tucuruí, que o governo queria fazer. Mas para fazer uma usina hidroelétrica daquele porte, tinha que ter consumidor. E o mercado de energia lá no Pará era muito pequeno, comparativamente à capacidade de geração lá de Tucuruí. A demanda da cidade de Belém na época, acho que era da ordem de 200 megawatts e a capacidade geradora em Tucuruí, passava 5 mil e trezentos megawatts, algo assim. Então, eles precisavam de consumidores. A indústria de alumínio era uma excelente opção. Então, o Ministério de Minas e Energia e o governo militar, foram atrás de implementar esse projeto. E o Japão que era um grande produtor e consumidor de alumínio, estava nessa hora em apuros, porque tinha havido a crise de petróleo de 72, que acabou repetindo em 1978. Então, a indústria do alumínio lá estava fadada a morrer, porque toda a energia deles era baseada em petróleo. Carvão e petróleo. Aí, quando o petróleo ficou com preço proibitivo, tinha que ser só carvão. Mas eles estavam em dificuldade. Então, se associaram com o governo brasileiro para implementar um grande projeto no Norte, que é o projeto Albras, Alunorte. Então, lá no Japão, eles organizaram um consórcio grande, integrado pelo governo e mais 32 empresas. Era um grande consórcio, que eles deram o nome de NAAC - Nippon Amazon Aluminium Company. E do lado brasileiro, o governo definiu a Vale do Rio Doce. “Vocês que vão fazer.” E a Vale, que era só mineradora, não queria saber de mais nada além disso, teve que engolir, era estatal. Então, ela assumiu o projeto e passou a negociar com os japoneses os acordos necessários para definir quem vai botar dinheiro, quanto dinheiro, que tecnologia, quem vai fornecer tecnologia. Tudo isso era assunto para discutir. E por isso demorou. Isso tudo começou em 1973, com uma missão que veio do Japão, que levou o nome de Missão Kawaguchi. Kawaguchi era o Isao Kawaguchi que virou presidente da NAAC. Ele veio e se juntou com os representantes da Vale para tentar montar os acordos para criação das empresas. Então, essa missão Kawaguchi começou essas negociações, mas demorou muito, porque tudo era difícil nessa negociação. Era muita coisa para negociar e a comunicação era difícil. Então, tinha que ter intérprete e intérprete que fosse confiável, porque você estava negociando valores. E aí, isso tudo levou tempo. A propria Vale era carente de pessoal com conhecimento da indústria do alumínio até que conseguiu contratar o Dr. Raymundo Machado que se aposentara na Alcan Brasil, por volta de 1976 ou 77. A primeira vez que me chamaram era 1976, três anos após a Missão Kawaguchi. E eu só vim em 1977, já por indicação do Dr Machado que me conhecia e eu conhecia muito bem do tempo de Saramenha. e ainda demorou para ter um acordo, o primeiro pequeno acordo para fazer uma revisão na engenharia básica, que a Alcan tinha feito um projeto para a Vale, pedido pela Vale. Quando a Vale começou a se mexer ela pediu um projeto básico lá do Canadá, da Alcan. E a Alcan tinha feito (Projeto preliminar da Alunorte -Agosto de 1976). Um ótimo projeto, mas era só cabeça deles. Então, esse projeto ia ter que ser revisado. E era a primeira ação, mais urgente era revisar esse projeto para ter uma coisa firme na mão, para se ter orçamento e ir avante. Então, nessa hora, eu tinha que ir para o Canadá. Eu fui contratado com esse propósito. Eu iria para o Canadá, ficar dois anos, com a família, para cuidar desse projeto. Mas aconteceu que, como essas coisas foram atrasando, eu vim aqui para o Rio em outubro, trouxe a família em dezembro e não teve decisão imediata. A decisão para eu ir para o Canadá só pintou lá para julho. Então, como eu tinha que botar os filhos na escola, combinamos que eu faria isso e iria sozinho para o Canadá na hora que fosse finalizado o acordo mas ficaria indo e voltando periodicamente. Cada dois meses eu viria passar as duas semanas com a família. Ficou combinado isso e viajei em julho de 78. Só que depois de seis meses em Montreal, as principais definições já estavam tomadas. E lá a gente fechou coisas fundamentais, que a meu ver eram fundamentais: mudamos de lago de lama para depósito de lama filtrada, que é o dry stacking, que era uma novidade na época. Tinha uma pequena fábrica na Alemanha que tinha esse sistema. E eu falei: olha, o caminho é esse, nós não podemos mais fazer lago de lama.
P/1 - Você que deu essa sugestão.
R - Eu trouxe. Nisso aí eu fui bastante firme. Nós não faremos mais lago de lama. Eu tinha experiência lá de Ouro Preto. Um laguinho de lama, pequenininho, era um problema sério, porque aquilo permanecia como uma lama gelatinosa que não se firmava nunca, era uma área inútil. Não, nós temos que ir para um sistema que adquire rigidez, que aquele terreno seja recuperável. Como a gente vê hoje lá em Barcarena, você tem lá um pequeno monte, antes era uma área muito plana. E eu falava: isso aqui está precisando de um monte, fazer uma uma montanhazinha, vamos fazer aqui o nosso depósito.
P/1 - Você estava nos contando do pequeno monte, né?
R – É, o monte é só uma consequência, porque na verdade, o que a gente queria era fazer um depósito de lama filtrada, pra ter o mínimo de líquido possível naquele depósito. Porque, como o resíduo da bauxita é muito fino, ele não decanta, ele não vira um sólido resistente, então, você não pode edificar nada em cima, num lago de lama, ao passo que se você faz do jeito que foi feito lá em Barcarena, que é um depósito de lama filtrada, esses resíduos se acamam e enrijecem; então, pode-se botar trator em cima 48 horas, não tem problema nenhum. E com isso, você consegue fazer aquilo, um pequeno morro, por quê? Porque o material não vai escorrer e ficar plano, não vai, ficará sempre formando um ângulo, certo? Isso significa que você pode botar muito mais material na mesma área. Outro significado, como não tem muito líquido, não tem muita pressão sobre os diques de contenção circundantes, então, chance de arrombamento, mínima, certo? Já com um lago de lama, não, sempre tinha esse risco. Você tinha que fazer barragem muito mais resistente, considerando isso, que ela seria uma barragem de líquido, muito diferente do que nós fizemos lá na Alunorte: uma barragem de sólidos. Então, aquele corpo de resíduo vira um solo forte, resistente, como está hoje lá, trafega-se por cima sem problema. Naquela época, todas as fábricas de alumina no mundo, usavam lagos de lama. Lá, bem na minha origem da produção industrial do alumínio, jogava-se a lama no rio. Lá em Ouro Preto, por exemplo. Em 1966, quando eu fui contratado pela Aluminas e transferido para a área de produção de alumina, minha primeira missão, foi começar um lago de lama. Ninguém tinha experiência lá em Ouro Preto. Então, fizemos lá um pequeno lago, mas ele dava muito problema, uma chuva mais forte, a barragem arrebentava. E, com isso, eu já sabia que a experiência com um lago de lama era muito ruim. Ao vir para um projeto desse porte, você ia fazer um mar de lama, não era mais um lago de lama, certo? Então, eu decididamente bati o pé. Não, isso aqui não. “Nós não vamos mais fazer lago de lama”. Aí, a Alcan, que era a fornecedora da tecnologia e que tinha feito aquele projeto básico preliminar – e que estava construindo duas fábricas na Europa com a mesma tecnologia, a da Espanha e a da Irlanda, ainda insistia em lago de lama. Mas eu também insisti em dizer: nós não vamos fazer lago de lama e mudamos o projeto.
P/1 - Foi facilmente aceito?
R - Não muito fácil, não. Do lado brasileiro, foi fácil. Mas eu era o que mais tinha experiência no assunto, então os outros me acompanhavam. Mas, do lado japonês, que era sócio, forte, eles não tinham experiência com isso. Eles tinham com lago de lama mas não com filtração de lama. Eu tive que levar dois técnicos japoneses lá na Alemanha, para eles verem, e eles viram e aceitaram. Então, foi uma mudança muito significativa, porque de imediato tivemos a primeira conclusão favorável ao meio ambiente: a Alunorte estava com uma área reservada de 2.300 hectares para depósito de resíduos de lama e nessa mudança de tecnologia, reduzimos para 1.200 ha. E bem pertinho da fábrica. A outra era longe, porque foi onde tinha espaço. Então, isso foi uma das grandes mudanças sobre o projeto preliminar da Alcan. Outra mudança importante foi o layout básico da planta. O Pará tinha criado era uma CDI, Companhia de Distritos Industriais, que passou a ser a dona de toda aquela área e nós tínhamos que adquirir o terreno deles. Antes de eu chegar, eles tinham já feito a. definição da área que a gente ia precisar, por sugestão da Alcan, que tinha feito um layout alongado e que a meu ver estava muito ruim. Lá em Montreal, nos meses em que fiquei lá, foram feitos uns 10 ou 12 layouts para a gente poder bater o martelo. E, nessa hora, eu também ali insisti: Esse layout em U é o que nos interessa.
P/1 - Por quê?
R - Porque você mantém aquele núcleo central, a fábrica inicial está ali. E, se você crescer, tiver expansão, cresce para os lados. Você não perturba aquilo que está operando. Entendeu? Então, era fundamental que você deixasse a ideia de expansão. Porque, na Vale, ninguém queria falar em expansão. “Nós vamos fazer a fábrica, é 800 mil e pronto. Para a Vale, era isso. Mas a gente estava pensando que a coisa podia mudar.
Então, nós exigimos e batemos o martelo. Não, aí não era o caso de exigir, isso foi lá em Montreal, num consenso, eu pontuei essas vantagens para elaborar, para crescer, e o pessoal da Alcan e os japoneses que estavam lá também, concordaram que era melhor. Então, foi a decisão, layout em U. Então, ali foi um caminho para facilitar a expansão. Foi aquele layout que tornou tão fácil e barato fazer expansão a partir de Julho de 1996.
P/1 - Agora. Estamos entrando em Julho. 30 anos depois.
R - 30 anos. Exatamente 30 anos.
P/2 – Inclusive eu quero ver se eu consigo gravar com o senhor, no celular mesmo, uma mensagem para os funcionários. Da partida do moinho. Se for possível.
P/1 - Vamos lá, então? Seu Vitório, você estava contando dessas ideias lá em Montreal, contou do depósito de lama filtrada, do layout em U. Que outras…
R - O projeto da Alcan, original, já era um bom projeto, muito bom. Por exemplo, na época, o que era normal em termos de produtividade de licor que é uma maneira de medir a qualidade da tecnologia, o que era normal na época era 57 quilos por metro cúbico de licor circulante. O projeto da Alcan já estava em 60. Então, era um projeto já bastante aprimorado, não havia no mundo, nenhuma fábrica que mantivesse 60 quilos por metro cúbico de licor, na produção de alumina sandy. Este é um tipo de alumina que é único hoje. O mundo inteiro hoje só trabalha com alumina sandy. Mas, naquela época, ainda tinha dois tipos de alumina, a sandy e a floury. Floury era a produção das fábricas europeias. E sandy das fábricas americanas e canadenses. Um pouco depois… Vai ser outra coisa, a gente vai falar disso mais adiante. Mas quero dizer que o projeto da Alunorte já nasceu bastante bom. E o que foi feito lá em Montreal, além daquilo que já tinha mencionado, foi a introdução de algumas melhorias. Uma delas foi o sistema de calha central nos precipitadores. Isso, aparentemente, não é nada, de todo jeito, você tem um bloco de precipitadores, que são tanques enormes, 4500 metros cúbicos cada um, cada tanque é um… E você alimenta o primeiro e vai transferindo para os outros por gravidade. Pois bem, todas as fábricas, as duas grandes fábricas da Europa, que foram projetos da Alcan, anteriores, ela fez o projeto antes de fazer o da Alunorte, não dispõem de calha central. Então, pode-se tirar um tanque de serviços e passar o fluxo desviando daquele tanque, mas não se pode tirar dois tanques seguidos. E, com a calha central, a gente consegue fazer, isto é, pode-se isolar 5, 10 tanques, sem problema. E isso foi crucial no primeiro ano de operação da Alunorte. Por quê? Porque nós tivemos 14 falhas de energia seguidas, ao longo de 40 dias, mais ou menos e que resultaram na necessidade de isolamento de vários precipitadores que se encheram de hidrato. E não era só tirar e deixar fora de serviço; cada precipitador iria demorar muito para voltar a serviço, porque a única maneira de recuperá-lo era abrir uma janela lateral no tanque, escavar com um martelete, descer aquele material e depois fazer uma janela mais embaixo, escavar, descer, outra janela mais embaixo, escavar, descer. Foi esse processo, tanque a tanque. Foi um ano fazendo essa operação. Houve grande prejuizo mas nem tudo deve ser debitado àquelas falhas de energia. Elas de fato evidenciaram que havia um problema de projeto e este ficou claro com a sucessão de falhas de energia. Esse problema teria ficado perturbando a vida operacional da Alunorte por muito tempo mas, ao falhar ali, elas ajudaram a ver que tinha esse erro. Então, você reparava o tanque. “Tá bom, vamos fazer o teste.” Fazia o teste. Cortava a energia daquele tanque para fazer decantar. Decantava o material. Agora vamos 'ressuspender'. Quem diz? Não 'ressuspendida'. Aí, era aquela peleja para voltar a ter o tanque disponível novamente. Isso foi penoso. Foi um ano. A partida foi em julho de 1995 e o primeiro mês de operação normal foi em janeiro de 1997. Só dali pra frente é que nós tivemos a operação normal. Foi uma barra.
P/1 - E quando apareciam esses problemas, você lembra da sensação, de toda equipe?
R - Toda a equipe ficava muito frustrada, muito nervosa, obviamente. Tinha algumas brigas, com certeza, para ver como fazer, o que estava dando certo, o que estava dando errado. Quem é culpado disso? Quem é culpado daquilo? Não adianta, tem que ver qual é o problema e como resolver. Esse problema, por exemplo, da falha de projeto, é difícil de explicar mas se resume numa incapacidade de 'ressuspensão' do hidrato eventualmente depositado no fundo do precipitador. Dentro do tanque tem um tubo com uma bomba que impulsiona a solução do topo para baixo, certo? É isso que mantém o hidrato em suspensão e que faz 'ressuspender' quando tem uma decantação de material. No nosso sistema, esse tubo tem umas fendas estreitas, de forma que aquela solução bombeada de cima para baixo vai escapar por essas fendas com uma velocidade adequada para dar a 'ressuspensão'. E, como essas fendas ficaram largas não dava velocidade, não tinha como 'ressuspender'. Então, essa falha resultou numa briga nossa com a Alcan, e a Alcan teve que nos ressarcir em aproximadamente dois milhões de dólares. Dois milhões de dólares daquele tempo. Mas isso tudo foi dificuldade de partida. E no geral, a partida da Alunorte foi tudo bem. Teve esse problema na área de precipitação, provocado por falha de energia e desse problema de projeto. Este era culpa da Alcan e a gente conseguiu um ressarcimento parcial, vamos dizer, o prejuízo foi muito maior. Mas não era culpa só da Alcan, era culpa também da Alunorte e da Eletronorte. E desta é claro que a gente não conseguiu nem um centavo. Bom, em suma, a partida, depois de superada essa fase de dificuldades, foi muito bem. Aí, tivemos, de janeiro de 1997 a dezembro, operação normal. E a produção passou de um milhão e cem mil toneladas, que era a capacidade nominal. Ótimo.
P/1 – E vocês comemoravam?
R - Ora, claro.
P/1 - Como que era?
R - Certamente, em cada sucesso desses, por exemplo, chegar no fim do ano e ter passado da capacidade nominal, foi algum... Deve ter tido um churrasco lá na fábrica e eu não estava lá. Mas, no geral, toda a equipe que estava à frente celebrou. E assim começou a ter muitos motivos de celebração, porque depois, é como eu falei, no segundo ano de operação normal, um milhão quatrocentos e cinquenta mil ton. Aí, claro, muito mais celebrado foi, porque ali, sim, era um ganho de mais de 20% de produtividade. Ou seja, era produção em cima do mesmo equipamento que você instalou para fazer um milhão e cem, estava produzindo um milhão e quatrocentos e cinquenta mil. Então, você já imagina a grande vantagem econômica disso. Bom, e só foi crescendo, cada trimestre um pouquinho mais, um pouquinho mais, até chegar a um milhão e seiscentas mil ton. em 2000. Em 2001, um milhão e seiscentos e pouco. E estabilizou em um milhão e seiscentas mil tonelada por ano: 2000, 2001, 2002. Em 2003, já entrou a Expansão Um, quando aumenta o nível para dois milhões e quatrocentos mil.
P/1 - O que foi essa expansão 1?
R - A expansão 1, bom, o que foi? Quando a Alunorte começou a mostrar aqueles números fantásticos de produtividade, a economia de energia, a Alunorte desde o começo era recorde, era top, top. A Alumar também, 8 giga joule por tonelada de energia consumida total. Isso até uns dois ou três anos atrás, a média lá na China era 16, 17, o dobro do que se tinha. Quando a Alunorte entrou em operação, a média mundial era na ordem de 11, 12. Quer dizer, a Alunorte entrou já com um ganho maravilhoso em consumo de energia comparado com os outros concorrentes. A Alumar era e é pau a pau com a Alunorte. Então, com aqueles números tão bons, teve gente que despertou. Por exemplo, a Hydro. A Hydro tinha uma pessoa, Jon Larsen, um técnico excelente. E ele observava tudo, ele acompanhava o que estava no mundo. A Hydro mesmo não produzia uma grama de alumina, mas produzia muito alumínio, usando a energia barata que eles têm na Noruega. Então, toda a alumina deles era importada. E ele ficava monitorando o o mercado e quando viu esses números da Alunorte, ele que já me conhecia, me ligou querendo conversar. Marquei um almoço dele com um diretor da Vale. Tudo que a gente fazia tinha que ter o beneplácito da Vale. Então, marquei com esse diretor, mas ele não deu muita pelota para o Larsen. Mas o Larsen pegou e ficou firme atrás de uma participação na Alunorte. Ele queria. Quando foi em 1999, em março de 1999, ele pediu para a gente recebê-los lá na Alunorte numa visita. E vieram ele, mais um técnico ou dois, acho que dois. Viram a fábrica. Ele estava fazendo uma mini due diligence, ou seja, avaliando para querer participar. Nessa época, a Vale já tinha sido privatizada e a nova direção da Alunorte era Luiz Paulo Marinho, você já deve ter ouvido falar, e o Murilo Ferreira. Então, esses dois indivíduos bolaram umas debêntures conversíveis em ações e ofereceram no mercado. A Alcan não quis, a Alcoa não quis, a Alussuice não quis, ninguém quis, só a Hydro. A Hydro não só quis, ela não discutiu o preço, não discutiu as condições, só pediu duas coisas: que fosse feita uma expansão no mais curto prazo possível e que ela queria aumentar a participação que já tinha na mineração do Rio do Norte. Ela queria ter direito a uma quantidade de bauxita correspondente ao que ela iria consumir para fazer alumna. Coisa mais do que razoável. A Vale concedeu as duas coisas imediatamente. E foi então que teve a mini diligência em março e teve uma due diligence para valer, em maio, e em julho eles assinaram um acordo de participação. Tudo assim, a toque de caixa. Entretanto como nesse negócio havia a venda de ação da Mineração (MRN), a Vale estava vendendo ações para a Hydro, os outros sócios da Mineração botaram objeção. “Não, você não pode vender para um sem dar conhecimento aos outros. A preferência é dos outros também.” A Hydro é sócia, mas nós também somos. Então, você tem que dar a participação para todo mundo. Era só para criar caso, era só para atrapalhar o negócio. Aí, a Vale sentou com a Hydro e falou: olha, se eu não puder vender as ações, vocês mantêm a proposta? Positivo. Então, tá. Então, não vamos mais vender as ações. Acabou. Aí, os outros sócios na Mineração não tiveram direito de falar nada. E o negócio foi feito e em janeiro de 2000 a Hydro entrou de sócia já com 25% de participação, e falou da expansão, a Vale confirmou que topava fazer a expansão. Já entramos logo com o processo de expandir a fábrica em 2001. Eles entraram de sócios em 2000, aí fizemos os estudos, mostramos a viabilidade do projeto, eles trataram de arranjar os financiamentos e em 2001 começou a expansão. A Hydro, então, entrou de sócio em xx janeiro de 2000, fizemos os estudos, e a expansão foi aprovada, e em 2001 começou a obra. E, em 2003, foi dois anos só, já estava operando. A partir de julho, eu acho, de 2003. E xx a expansão entrou maravilhosa, sem nenhum problema. Aí, sucesso, aprova outra, mais uma.
P/1 - E quais foram as inovações?
R - Nessa expansão? Entramos com um projeto de cogeração. Porque você tem na fábrica a necessidade de energia, obviamente, para alimentar as bombas e todo o resto, e de vapor para aquecimento. E esse vapor é um vapor de baixa pressão, 10 quilos. Nós compramos inicialmente caldeira de baixa pressão para suprir essa necessidade de vapor. Mas quando vem a expansão, por que não entrar com um projeto de cogeração? Você gera o vapor em alta pressão e usa a energia do vapor de alta pressão para gerar a energia elétrica, e quando chega na pressão requerida pela fábrica, você passa em sua própria fábrica. É esse o processo. Então, um ciclo de gerar energia com óleo pode dar uma eficiência de 33, 35% no máximo. Com um ciclo de cogeração, isso vai para 70%. Então, era uma vantagem econômica muito grande. Por que não fez antes? Porque era questão de investimento e questão de custo do combustível. Porque para fazer isso a óleo, dá para fazer, é econômico, mas não é tão interessante como se você tiver um combustível mais barato. E o governo simplesmente não aprovava importação de carvão e nem de qualquer outro combustível, tipo gás como hoje. Então, tinha que ser óleo e aí não havia essa vantagem tão substancial. Quem não tinha dinheiro não ia fazer. Mas quando veio a expansão, a coisa mudou, já era uma outra situação e o governo autorizou importar carvão. Na verdade, não seria carvão, seria orimulsion. Orimulsion é uma emulsão do orinoco. Orinoco, um rio lá da Venezuela e emulsão do orinoco é o orimulsion. Produto criado, inventado lá na Venezuela por um geólogo português. Esse geólogo foi trabalhar lá e lá tinha uma reserva muito grande de um betume que era muito viscoso para se chamar de petróleo e não era sólido para se chamar de carvão, estava no meio do caminho. E ele bolou que, com a emulsão, com água, você conseguia tirar aquele material do fundo da terra e, separando o betume da água, você tinha um combustível que era perfeitamente usável. Mas ainda era um piche, o manuseio era complicado. Para tirar o material lá do fundo, ele usou uma água qualquer, salgada, ou não, não importava. Mas uma vez na superfície ele trocava aquela água e botava uma água doce, água de rio, e, com isso, a emulsão ficava perfeita, estável. Então, você manuseava como água, bombeava para aqui, para lá, não tinha problema nenhum. E aquele produto passou a ser exportado pela Venezuela para a Dinamarca, para o Japão, para a Itália, as centrais térmicas de lá passaram a comprar aquele material porque era fácil de manusear, era igual manusear água, e tinha o poder calorífico do carvão. Então, em vez de usar carvão, usava aquele material. E nós preparamos a Alunorte para comprar aquele material. E os contratos estavam prontos para assinar, o que ia ser feita na semana seguinte, quando o Hugo Chávez cortou. “Não vai ter mais. Não vou mais suprir orimulsion.” “Mas por quê?” “Porque está competindo com o petróleo.” Não tinha competição com o petróleo. Ele competia com o carvão e este era produto da Colômbia, da África do Sul, etc, não da Venezuela. Venezuela produz petróleo. Então, ideia de girico, você pode dizer. Mas aí a PDVSA, que é a Petrobras deles, realmente teve que parar de fornecer. E a Alunorte teve um prejuízo, porque tinha feito tanque e comprado caldeira para operar com aquilo. Mas a caldeira, a gente teve a precaução de comprar uma caldeira que fosse dual, ou seja, ela pode operar com óleo ou com orimulsion. Então, passamos a operar com óleo e tudo bem, foi em frente. Mas foi uma pena, porque o orimulsion era uma solução brilhante e foi descartada por idiotice do então presidente da Venezuela.
P/1 – Aí, em seguida, tem outra expansão?
R – Aí, vem a expansão 2, que mal iniciou a operação da 1 e foi aprovada a 2. A primeira expansão tinha sido de um módulo. Já na segunda expansão, seriam dois módulos. Ou seja, era uma expansão de custo dobrado em relação à primeira, mas que também foi aprovada tranquilamente e aprovadas as licenças de instalação e de operação. Foi feita a implantação e ela teve de especial que tinha que ter uma outra mina, porque só a mina da Mineração Rio do Norte, não dava, ela tinha a produção já toda comprometida. Ou seja, precisava-se de mais uma mina. E a Vale tinha as reservas de Paragominas, onde então, foi montada essa nova mina. Foi um estudo longo e trabalhoso para poder viabilizar aquela nova instalação e o sistema de transporte de lá para a fábrica. Se fosse depender da estrada, trazer de caminhão, era um absurdo. Então, a ideia foi fazer um mineroduto. E foi feito o primeiro mineroduto de bauxita do mundo. Está lá, operando. E passamos a receber aquela bauxita como uma polpa, uma lama, que tinha que ser desaguada para poder ser usada na fábrica. Ou seja, precisava-se tirar toda aquela água. Filtração novamente. E botamos uma instalação enorme de desaguamento para filtrar aquele material e a água passou a ser aproveitada. Mais ou menos. Ela não chegava a ficar uma água clarinha, mas dava para usar para alguns usos. Mas era água, sem contaminantes químicos e que não tinha maior dificuldade para se descartar. Com isso, foi feita a Expansão 2, e a capacidade da fábrica subiu para quatro milhões e meio. Aí, a Alunorte se tornou a maior fábrica de alumina do mundo. Um detalhezinho, antes de ir avante. Ainda lá, antes da primeira expansão, aquele aumento grande de produtividade que eu tinha mencionado, que a fábrica chegou a um milhão e seiscentos mil t/a mas a capacidade de calcinação foi insuficiente. Essa produtividade é na produção do hidrato que é o primeiro produto antes de virar alumina. Então, tínhamos aquela superprodução de hidrato, mas os calciladores não davam conta. Então, passamos a vender hidrato. E o produto teve uma aceitação enorme pois a qualidade era muito boa. Então, nos Estados Unidos, quanto tivesse, eles queriam comprar, mas só que hidrato é vendido, a quilos, ou toneladas, não milhares de toneladas. Um consome uma tonelada, outro dez, outro cinco. Então, era tudo picadinho. Vários compradores, mas muito picado. E a Vale, obviamente, estava interessada em coisas mais macro, vender maciçamente, navio, navio de alumina para um, outro navio de alumina para outro, e não picadinho. Então, ela desistiu de continuar. Na hora que ela teve capacidade de calcinador suficiente, parou a venda de hidrato. Mas eu acho que devia ter sido mantida.
E ela é mantida hoje, porque uma fábrica lá no Japão parou de fabricar hidrato e passou a comprar da Alunorte: Shimizu, Fábrica de Shimizu. Eles tinham uma gama enorme de produtos baseados em hidrato, não em alumina, e tinham um problema enorme de descarte da lama. Então, eles tiveram que buscar alternativa. E a alternativa foi essa: Parar a produção de hidrato e comprar o hidrato da Alunorte. Então, a Hydro hoje vende, não lembro mais, talvez umas quinhentos mil toneladas por ano, não é? É algo assim ou já foi, pelo menos, dessa ordem. E eu acredito que se está diferente, deve ser para mais, não para menos. Mas, de qualquer maneira, é interessante mencionar, porque isso também ajudou a fazer o nome da Alunorte, de qualidade, produto de ótima qualidade. Quando a Hydro ficou sensibilizada, provavelmente esse também foi um dos pontos que ela considerou. E, quando ela veio, nas due diligence, ela ficou encantada, gostou demais. O Larsen, foi um dos membros que veio e vieram também o Bernt Malme, o Olingrath e outros. Já conheceu?
P2 – Não.
R – Malme era o homem de meio ambiente da Hydro. Ficou deslumbrado também. O projeto da Alunorte, o sistema de lama filtrada (dry stacking), o sistema de tratamento do efluente líquido, porque toda a água de chuva daquela área do depósito de rejeito é coletada, vai para uma bacia, onde ela é mais ou menos clarificada, e depois é enviada para dentro da fábrica para uma área de tratamento de efluente, porque ela vem com uma ligeira contaminação de soda, um PH não neutro, mas levemente básico. Então, tem que ser neutralizada. E é tudo aquilo. É aquele ponto, Silvia, que eu falei, de você ter um único ponto de descarte de líquido. Então, aquele ponto é super controlado, não é pouco controlado não, é super controlado por 24 horas, para que você possa garantir que não saia nenhuma contaminação. Inclusive, recentemente, nesse evento de São Paulo, que a Ignez mencionou agora há pouco, e que era um Congresso da ABAL, eu vi uma equipe lá da Alunorte, apresentando uma novidade que eu não sabia, não era do meu tempo lá. Eles montaram um sistema de amostragem no rio, 24 horas por dia, bem de fronte ao ponto de saída do efluente da Alunorte. E ali eles monitoram a qualidade do rio e do efluente da Alunorte, 24 horas por dia. E fica tudo registrado. E a Secretaria de Meio Ambiente tem acesso direto. Não precisa da Alunorte reportar. Eles de lá estão vendo o que está saindo, a qualidade que está saindo. Então, nota 10 é pouco.
P/1 – Seu Victório, sempre foi uma preocupação do senhor?
R - Sempre foi. Desde o início a preocupação com o meio ambiente foi sempre muito forte. Por quê? A gente ia fazer uma fábrica numa área virgem, numa área que não tinha nada. Quando nós chegamos lá, era um tapete verde imenso. A única saliência era rio de água limpíssima. Era maravilhoso. Nas primeiras viagens de Belém para lá, a gente ia de uma barcaça e um carro em cima da barcaça para poder chegar lá e ter como se
locomover. E, nessa barcaça, íamos passando pelos canais que eles conheciam, porque, quando dava maré baixa, o rio baixava, os bancos de areia apareciam, e eram bancos enormes, muito maiores que esta sala. Então, ali, os meninos daquela região vinham de canoa. Isso era bacana. Eles estacionavam o cavalinho deles ali na beirada daquele banco, subiam, jogavam a bola ali enquanto tinha maré baixa. Era um futebol daqueles maravilhosos, na areia, areia bem compactada, e eles jogavam ali, era beleza, eu gostava de ver, está entendendo? Então, você chegava em um mundo virgem daquele jeito, botando uma fábrica, a gente tinha que ser cuidadoso. Não era porque alguém mandava, ou cobrava, ou a lei mandava, não. A gente tinha que ser, certo? E foi o que a gente fez. Foi difícil convencer o pessoal da Secretaria de que a gente estava fazendo a coisa certa. Eles não conheciam. Foi preciso, numa certa altura, eu pegar uma equipe lá da Secretaria de Meio Ambiente. Era antes de saúde, Secretaria de Saúde, que depois virou de Meio Ambiente e absorveu o Meio Ambiente. Mas pegamos uma equipe deles e trouxemos para conhecer as fábricas do sul. Fomos a Ouro Preto, Poços de Caldas, e lá em São Paulo, na CBA. Alumínio, sabe? Perto de Sorocaba. Então, essas três eram as fábricas que existiam no Brasil. Onde eles puderam ver o que era lama, o que era alumina, se sentirem mais seguros de que, o que a gente estava falando era o ideal, era o melhor possível, nós não estávamos fazendo propaganda boba, estávamos falando do que era o melhor possível. Eles foram aceitando. E as outras licenças, a Alunorte nunca teve problema, foram dadas facilmente. Mas aí á tinha a Alunorte operando, com dados excelentes, não tinha como eles embargarem. A Alunorte já estava operando em 1998 que foi o segundo ano de operação normal. Nessa hora, a Vale tinha sido privatizada no ano anterior, e houve a mudança de diretoria, e a nova diretoria fechou o escritório da Alunorte, no Rio de Janeiro. Então, todos os funcionários que a gente tinha, a maioria era remanescente lá da primeira fase da Alunorte, porque, comigo, conseguimos segurar uma equipe. Embora estivéssemos com a Alunorte, paralisada, a gente estava trabalhando, procurando caminho, avaliando alternativas. Algumas alternativas demandavam muita avaliação e quase nada dava certo. Mas uma coisa deu certo, que foi a mudança de tecnologia em 1998. Em 1988, lá na Europa, eles se convenceram de que o tipo de alumina que eles faziam não era bom, que a alumina boa era a que era feita na América. Por quê? Meio ambiente. Foi quando foi desenvolvido nos EE UU, o melhor sistema de captar e tratar as emissões de flúor que os fornos de eletrólise provocam e eles sempre emitem um pouco de HF (ácido fluorídrico), que é extremamente corrosivo, agressivo e, portanto, poluidor. E as reduções no passado mandavam para fora sem qualquer tratamento. Mas, com as pressões de controle ambiental, os grandes produtores começaram a ter que se preocupar com isso. E o primeiro… O primeiro não, o melhor lavador de gases desenvolvido foi o lavador a seco (Dry Scrubber), ou seja, com a própria alumina. Então, você tem a célula eletrolítica, que é como uma piscina rasa, e ali dentro você tem um banho, um líquido, que é uma mistura de fluoretos, tem fluoreto de alumínio e criolita, que é um fluoreto de alumínio e sódio. Aquilo forma uma composição que fica a mil graus, é líquido, porque está a mil graus. Se baixar a temperatura para 900, congela. Então tem que ficar a mil. Nessas condições ocorre o processo de produção do alumínio: uma corrente elétrica circulando dentro desse banco que está carregado com alumina dissociada em seus elementos, pega o elemento alumínio, e leva ele lá para o fundo, junto do catodo, que é o polo negativo dessa célula eletrolítica. Então tem o catodo lá embaixo e o anodo aqui em cima. Esse anodo consumível, porque ele chama o oxigênio. Você pega a molécula de alumina, que é a Al2O3, então tem três átomos de oxigênio e dois de alumínio. O alumínio vai lá para o fundo, levado pelo catodo, e o oxigênio vai para o topo, levado pelo anodo. Lá ele reage com o carbono do eletrodo e vira CO2, que vai para a atmosfera. Então, essa poluição não tem jeito. Mas o flúor que é muito mais agressivo você pode evitar. Então, se você alimentar a alumina no lavador de gases ela absorve o flúor que está no gás e o leva de volta à célula eletrolítica onde será produzido o alumínio. Com a recuperação desse flúor, vai-se diminuir o consumo de fluoreto, e obviamente evitar a poluição. Essa é a lógica do lavador. Que funciona perfeitamente. Com alumina sandy. Não com a floury. Com a floury não tem, não funciona porque ela é mais compacta, tem pouca superfície de reação. Aí, é bom eu te mostrar esta figura. É a foto de um cristal de alumina. Obviamente, aumentado algumas milhares de vezes.
P/1 - Com cristal?
R - É. Então, ele é um amontoado de pequenos cristais, micro, micro, micro cristais. Deixa eu falar aqui em quantas vezes que está... mas é no mínimo, umas 400 mil vezes.
P/2 - Essa é a sandy?
R – Essa é a sandy. Se fosse feita essa foto com a flower, era um pacotinho único, não tinha essas cavidades. Então, para um lavador a seco, você tem que ter uma grande superfície de reação, porque o gás vai penetrar nesses buracos todos. E aí, o flúor é absorvido. Se for uma alumina empacotada, não tem como, não tem superfície de reação. Enquanto essa tem... Vamos dizer, ela tem cem vezes mais área de reação do que a outra. Então, os europeus se convenceram que tinham que converter as fábricas para fazer sandy. Só que, nessa conversão, eles perderiam capacidade de produção nas fábricas. Porque, para fazer essa alumina, você tinha que operar em uma concentração cáustica mais baixa, a produtividade era menor. Então, se eles passassem para a mesma tecnologia americana, eles iriam perder produção nas fábricas deles. Aquilo que para nós foi bom, para eles seria ruim. O resultado é que eles então, desenvolveram um processo de adaptar a tecnologia deles. Então, um técnico deles desenvolveu um método pelo qual eles conseguiram fazer a sandy sem perder produtividade. Opa! Essa aí me interessa. Não é? Se eles conseguem fazer alumina sandy, com concentração mais alta, então vai me dar um ganho de produção. Era o óbvio. Quando vimos esse paper, foi um colega da Vale que recebeu e passou para mim. E eu disse: “Olha, isso aqui para nós é a chave de recuperar a nossa viabilidade econômica.” Isso aí já estava em 1988, a viabilidade econômica da Alunorte já estava a perigo, por causa de todo o investimento feito, que acumulava juros todo ano, e o custo ia ficando cada vez mais alto, então ia perder viabilidade logo logo. Fomos para a Suíça, pois o autor era o Sr. Hans Schenk da Alussuisse. Aí, fomos para lá para ver se a gente podia ter acesso àquela tecnologia, o que ia custar. E conseguimos que eles mostrassem o que eles estavam fazendo. E fizeram uma proposta, que achou caríssima, mas voltamos animados. “Por mim, a gente faria de imediato”. Aí, chegando ao Rio, eu tinha que entrar em contato com a Alcan, que era o fornecedor de tecnologia para a fábrica toda. Eu ia pegar aquele pedaço, que era só a Área de Precipitação, e tirar da tecnologia da Alcan e botar a da Suíça. Eu tinha que acertar isso com eles. Liguei para eles para poder acertar, para ver como é que a gente poderia fazer isso. “Não, não tem problema não, pode fazer sim. Nós damos de acordo, sem problema. Tem que fazer uns termos de confidencialidade, sem problema. Mas eu te digo que nós já temos essa tecnologia.” “Ah, tudo bem, tem. Tá bom.” Mesmo duvidando partí para o Canadá para discutir com a Alcan. “Quero saber como é que está. Onde é que vocês fizeram isso?” “Não, nós não fizemos nenhuma fábrica, é laboratório.” “Aí, não tem jeito, como é que eu vou empenhar lá junto à Vale e aos japoneses, que nós vamos fazer uma fábrica baseada em um teste de laboratório. Fica difícil.” “Não, nós te damos garantia.” Aí, eu falei: bom, então me explica tudo o que foi feito. Aí, me mostraram os dados, os testes, tudinho. E eu saí de lá convencido que sim, podíamos fazer. Falei: só que não é uma tecnologia testada, então não há como pagar por ela. É, isso é verdade. Então, você vai pagar o serviço, só o serviço. Não vai ter Fee de tecnologia. Beleza. Cheguei aqui, comuniquei com a Diretoria e todo mundo concordou. Pronto, mudamos a capacidade da Alunorte na hora, em vez de oitocentas mil, passamos para um milhão e cem mil e com um investimento mínimo: era só mesmo nas pontas: era moinho, porque ia ter mais bauxita para moer, era filtro de lama, porque ia ter mais de lama, e era calcinador. O calcinador foi o grande problema, porque no conceito, todo mundo concordou, mas na hora que eu falei que tinha que botar mais um calcinador. Hã hã. Aí, a resistência foi grande e lá adiante, faltou o calcinador. Bom, mas, com essa mexida, a Alunorte passou para um milhão e cem mil t/ano. E depois, com a operação, ela foi ganhando cada vez mais produtividade e capacidade, e chegamos, como eu já falei, a produzir um milhão e seiscentos mil t/ano, com aquela mesma tancagem feita para oitocentas mil, com a tecnologia original. Então, aquilo foi algo extraordinário, tinha sim que ser celebrado e era dobrado, sabe? E acho que a gente celebrou muitas vezes. Bom, tudo isso foi dando um conforto, uma alegria muito grande, um orgulho, de ver que a gente ajudou a fazer uma coisa grandiosa e muito bem feita. A Alunorte foi muito bem feita. Por isso que tem dado os resultados que tem dado.
P/1 - E o seu trabalho com eles foi até...?
R - Como empregado até 1998, aí eu passei para a Vale, porque na Vale foi criada, então, uma empresa que geria todo o negócio alumínio e onde, então, os assuntos estratégicos para a área estavam sendo tratados. E aí, eu fui cuidar, entrar numa equipe que cuidava disso. Então, tínhamos um diretor, que era o Murilo, que a Silvia sabe quem é. Ele depois virou até presidente da Vale, lembra? Ele é um cara brilhante e trabalhamos
essa parte de estratégia muito bem, de onde vem o plano, não o plano de expansão inicial, inicial foi a Hydro, como eu falei, ela que quis que fosse feita a primeira expansão. Mas as outras expansões, a própria Vale, o nosso estudo já mostrava que era viável crescer a produção de alumina. Inclusive, tínhamos plano para mais uma outra fábrica. Por quê? Porque a China estava se tornando um grande produtor de alumínio. O alumínio estava crescendo na produção na China, em mais de 10% ao ano, enquanto, na média do mundo, não passava de 2,5%, 3%. E eles não tinham nem bauxita, e nem boa tecnologia para produzir alumina. Então, era óbvio que eles iriam ser compradores sempre. Então, o nosso plano era crescer a produção de alumina. Deixe o alumínio quieto lá, a Albras, fica quietinha e nós vamos fazer alumina. Isso tudo estava progredindo dentro dessa linha. E o próprio chinês alimentando essa ideia. Vieram aqui mais de uma vez e decantavam sempre isso, que eles sempre seriam compradores. Chegaram a assinar um acordo conosco, com a Vale, para fazer uma fábrica lá no Pará, do lado da Alunorte. O projeto estava caminhando, até que um dia comunicaram que não iriam mais fazer. Assim, sem mais nem menos. Por quê? Porque tinham levado o nosso projeto e estavam fazendo várias fábricas lá na China. Foi isso. Então, quando eu digo que eu não confio em chinês, essa é a minha experiência com eles. Aí, a Vale ainda tentou fazer com outras associações, outros sócios, mas não saiu. Está lá um princípio de obra parado uns 20 anos, talvez uns 15 anos.
P/2 – Lá em Barcarena?
R – É.
P/2 - É a CAP.
R – A CAP. No início, ela se chamava ABC, Alumina Brasil China, algo assim. Quando morreu a negociação com a China, aí virou a CAP, que era a mesma fábrica, só que com outras participações, outros sócios.
P/2 - Senhor Victório, o senhor disse que ficou até 1998 na Alunorte, aí depois Vale em assuntos estratégicos…
R - Na Vale até 2006.
P/2 – Quando o senhor entra na Alunorte? Porque a gente conversou aqui sobre as suas primeiras idas lá na região, mas que ano o senhor começa na Alunorte e como foi essa passagem? Porque não era Alunorte, era outra empresa, né?
R – Era. Então, quando eu comecei mesmo, era Valenorte. Isso foi em 1977. Em 1978 ou 1979, foi criada a Alunorte. Até ali, você não tinha Alunorte. Então, aí, quando foi criada a Alunorte, eu passei para ser funcionário da Alunorte.
P/2 – O senhor é o crachá 001?
R - Não. Talvez devesse ter sido, mas não era, não. Não sei quem era também, não.
P/2 – Mas o senhor lembra da sua numeração do crachá, era 002, 003?
R - Era por aí. Menos de cinco, com certeza. Mas o que ocorreu? Houve uma fase, como a Alunorte ficou parada... Não. Aí, já era depois. Não sei te dizer exatamente que número eu ganhei, não, porque também foi criado um tal de Consoal, Consórcio de Construção Albras Alunorte, em que todo mundo, fosse Albras ou Alunorte, ficou dentro da mesma estrutura gerencial. Tinha o departamento alumínio e o departamento alumina, mas o grupo era um só. Isso não durou muito, porque quando a Alunorte entrou em slowdown, que foi em 1982, ali, o Consoal praticamente desapareceu, porque aí era só a Albras que estava sendo construída. A Aluinorte virou um apêndice. Então, o Consoal deixou de existir, praticamente. Depois, a Alunorte ficou paralisada e, por uns tempos, acho que administrativamente, o quadro, eu, por exemplo, e mais um grupo que trabalhava comigo, teve que ser transferido para a Albras, porque… assim, no final do slowdown, os japoneses tinham o direito de exercer o direito de saída. Eles, quando concordaram de fazer o slowdown, fazer a Alunorte devagarinho, eles exigiram que, se depois de três anos, que acabou virando quatro anos, não tivesse uma recuperação do mercado, eles iriam sair fora do projeto. E a Vale concordou com esse tipo de acordo. Então, quando chegou no final de 1986, quer dizer, quatro anos de slowdown, eles realmente exerceram esse direito. E aí, a consequência era que as ações ordinárias deles viravam preferenciais. E a Vale virava controladora absoluta da Alunorte. Ou seja, a Alunorte virava uma estatal. Não mais uma economia mista, como era antes. Então, o quadro da Alunorte ficou… morreu ali. Nós todos viramos Albras, eu virei Albras. Depois de seis anos que estava parado, aí ressuscita-se o quadro da Alunorte. Aí, todo mundo foi fichado novamente. Eu ganhei outro número lá, mas não sei que número também. Não sei nem o primeiro e nem o segundo. Bom, o fato é que nessa fase em que ficamos como estatal, dentro da Vale, o que justificava manter aquele quadro? Era a perspectiva de um dia retomar. O que podia cada dia parecer mais distante, mas também era quase impossível acreditar que aquela tancagem toda que estava lá, fosse sucateada. Então, a gente acreditava, isso aqui não vai parar, nós temos que continuar.
P/2 - Houve algum dia que o senhor pensou assim, acho que a Alunorte não vai chegar?
R – Olha, teve algumas ocasiões. Uma primeira foi justamente quando decretou o slowdown. O que foi acordado entre os sócios? Era uma verba de cem milhões de dólares para ser gasta em três anos. Então, cem milhões, o orçamento para implantar a Alunorte era setecentos e quinze milhões. Então, cem milhões dava para fazer pouca coisa, mas foi o máximo que o japonês concordou. Aquilo daria para três anos. E ao fazer o primeiro exercício para ter quanto vai gastar o ano que vem, apareceu para mim, que tinha sido feito lá pela área de planejamento, uma verba de dez milhões, o primeiro ano dos três. Falei: de jeito nenhum, isso aqui não pode. Isso aqui, daqui a um ano não foi feito nada, a gente vai parar, isso aqui é para parar. Fui no meu presidente, que era o Romeu Teixeira. Já ouviu falar, né? Não? É meu companheiro na autoria daquele livro. Ele era o presidente de Albras e Alunorte. E eu falei: “Romeu, olha, isso aqui, o planejamento que o pessoal do Japão fez, é gastar só dez milhões no ano que vem. Isso aqui, para mim, é o mesmo que decretar que pára agora. Então, acho que isso não pode ser. Nós temos que fazer uma coisa diferente. Pra mim tinha que ser um gasto maior, bem maior.” O Romeu concordou, e chamou a diretoria, e botou muito forte, que o gasto daqueles cem milhões tinha que ser decrescente, não começar baixinho com apenas dez milhões. Então, foi mudado para quarenta milhões no primeiro ano, trinta no segundo e trinta no terceiro. Aí, quando foi o correr do tempo, nós fomos administrando esse dinheiro e tão apertado que acabou dando para quatro anos. A esperança era… “A gente tem que fazer isso durar para o mercado poder ter uma recuperação.” Mas o mercado não reagia, porque o que tinha acontecido? A União Soviética, que tinha uma grande produção de alumínio e era usado quase todo para fins militares, começou a reduzir a produção de equipamento militar. E aí, começou a sobrar alumínio. E eles despejavam no mercado para poder faturar, pegar dinheiro. Então, produzia lá, não interessa quanto era o custo que eles tinham, vendia pelo preço que o mercado pagasse. Aí, o preço foi só despencando. Então, ali não havia jeito. Não vai ter como, isso aqui não vai recuperar nunca. Então, dava um baixo astral terrível. Até que conseguiram, no meio diplomático e econômico, industrial, trazer os soviéticos para a reunião e fazê-los assinar um acordo de entendimento, um MoU, Memorandum of Understanding, que botava limites naquela quantidade de alumínio que eles podiam jogar no mercado. Aí, o mercado começou a recuperar. Já era 1987. Isso foi assinado em 1987. Começou a melhorar. A Albras que tinha cortado a metade da capacidade em 1982 voltou com o projeto da segunda metade que foi aprovado e começou a construir em 1988. A segunda metade já estava funcionando, em 1990. Mas, de todo jeito, ali, quando houve esse entendimento, abriu-se uma perspectiva um pouco melhor para a gente, na Alunorte. Mas a Vale era muito descrente, de alumínio e alumina, porque o grande negócio dela era minério, que dava uma rentabilidade absurdamente alta. O alumínio dava uma rentabilidade comparativamente muito baixa. Então, a Vale não se entusiasmava com o alumínio, de jeito nenhum. Fez porque teve ordem do ministro, mas de fato não se interessava pelo negócio alumínio. Mas ali (1987/88), ela começou a enxergar que o único meio dela recuperar o que tinha investido na Alunorte, era ela fazer o projeto. Então, ela resolveu fazer uma proposta de compra das ações dos japoneses. Eram ações preferenciais, mas ela tinha que comprar, para que a Alunorte virasse um departamento da Vale do Rio Doce. Então, a ideia dela era essa: não tendo sócios a Alunorte se transformaria num departamento da Vale. E o que isto significaria? A Vale pegaria a bauxita dela, lá em Trombetas, e processaria na fábrica dela em Barcarena. Não teria compra de bauxita e não teria imposto. Então, era a solução para viabilizar a Alunorte. Todo mundo botou fé naquilo. E a Vale fez uma missão para ir ao Japão e comprar essas ações. E eu tive o privilégio de estar junto, fui junto. Éramos o vice-presidente da Vale, o diretor financeiro, o presidente da Alunorte, seu diretor financeiro, eu, um intérprete e mais dois advogados; uma comissão de alto nível. E chegamos ao Japão e tivemos uma última reunião lá, e o Bernard Spiegel que era o vice-presidente e chefe missão da Vale. Discutimos o que era o plano, como é que nós íamos fazer, as apresentações que íamos ter que fazer para eles e tal, tinha até uma parte para mim. Pois bem, tudo explicadinho, tudo combinado. “E se eles não quiserem?”alguém perguntou e o Spiegel respondeu firme: “Não, não tem alternativa.” “Não, não tem plano B.” “É isso, e isso.” “Eles têm que querer. Então, nós temos que fazê-los querer.” Beleza. Aí, fomos para a reunião. Segunda, terça, quarta, quinta, sexta. E só a gente justificando, explicando porque vai ter que ser assim, etc. Tudo explicado, tudo discutido. Os japoneses, na sexta-feira, pediram um tempo, interromperam a reunião, foram para lá, discutiram um bocado e quando voltaram: “Não!” “Como não? Por que não?” “Não. Nós concordamos com tudo que vocês falaram, tudo está certo, vocês têm razão, é isso mesmo. Exceto na questão das ações, nós não podemos vender.” Eles não explicaram com todos os detalhes, mas o que a gente entendeu é que, como eles tinham investido um valor grande e ao vender não ia poder falar naquele valor, ia ter que vender por um valor pequeno, eles teriam que realizar o prejuízo, esse era o problema, eles não iam realizar o prejuízo de forma alguma. Então, cultura. Não aceitaram de jeito nenhum. E a gente voltou, mas num baixo astral, de dar dó. Tinha dois advogados, porque a gente contava que isso ia dar certo, então, já tinha os advogados para ajudar a redigir os termos lá. Nessa hora, eu vi de novo a viola em cacos, vamos dizer. Mas, não sucumbimos. Foi justamente nessa hora que apareceu aquela coisa da tecnologia lá do Suíço, que a gente reabilitou, melhorou o projeto, recuperamos a viabilidade, então dava chance de atrair alguns sócios, outros sócios. Isso aí, para mim, foi um dos pontos mais importantes. Porque também, mais ou menos nessa época, tinham me chamado para ir lá para Samarco. Mandaram-me passagens e um convite para que eu me transferisse pra lá. Fui lá, conversei e falei: “não, agradeço, mas não vou aceitar. Meu caso é Alunorte. Voltei e fiquei aqui, indiquei outra pessoa para eles, e pronto. Eu sei que teve todas essas nuances e situações críticas em que a gente viu, ora, o projeto morrer, e outra hora ressuscitar. Naquela hora, quando os japoneses saíram, exerceram o direito de saída, também foi uma hora muito crítica, porque o mercado estava horrível, não tinha perspectiva ainda. As tentativas de viabilizar que envolvessem algum dinheiro brasileiro de governo, não tinha, o Brasil estava em moratória, a dívida brasileira estava sendo paga com atraso. E dinheiro privado que quisesse investir naquela firma endividada, porque já estava com uma dívida grande, com viabilidade mínima ou nada, não ia achar, não ia ter quem quisesse. Então, o baixo astral foi imenso. Aí, teve uma reunião na Vale, grande, todos os diretores, várias pessoas, e eu estava lá. E assisti à reunião em que todas essas nuances negativas foram colocadas. Era muita gente querendo que parasse logo, acabar. No fim, não parou. Ou melhor, continuou parada, mas com uma decisão. A equipe que está lá hoje é mantida. Aí, quando teve essa decisão, para mim, significou: o projeto não morreu. Se tivesse mandado desmobilizar o grupo, que fosse um para um lado e outro para outro, significaria que a Vale desistiu. Mas, quando ela decidiu que não, que a equipe
permanecia para cuidar do acervo que já estava lá e das possibilidades de recuperar, eu ganhei alma nova. Opa! Nós vamos em frente com isso. Essa reunião ocorreu pouco depois que nós fomos ao Japão para comprar as ações. Depois, ainda em 1988 veio a tal ocasião do Suíço em que fomos lá...
P/1 - Senhor Victório, sabe o que eu queria te perguntar, assim, entendendo o nosso horário e todas as histórias que vão faltar sempre. Mas acho que tem algo que só você pode nos contar, pensando nesse começo. Que é a sua chegada em Barcarena, e o que vocês viram? Pensando em alguma história desse primeiro momento, alguma pessoa, algum caso que aconteceu, dessa mata que você vai dizendo, e por que esse lugar?
R - Quando eu cheguei, o lugar já estava definido. Era lá. Tinha sido estudado... Como eu disse, um ano antes eles já tinham até me acessado, tentando me trazer. Ali tinha um grupo que tinha recebido o tal estudo preliminar da Alcan, e que estava incumbido de definir local do projeto e tal. O governo, os dois governos, Brasil e Japão, já tinham alinhado às ideias que iriam fazer um projeto. A primeira ideia deles era um projeto que era o dobro do que nós fizemos, o Brasil ia ter seiscentas mil toneladas por ano de capacidade de produção de alumínio no norte; de alumina seria o dobro; um milhão e seiscentas mil. Esse projeto não foi viável e morreu. Isso foi um ano ou dois anos antes de eu vir para o projeto. Um ano antes, eles me chamaram, mas aí já tinham chegado à conclusão que aquele mapa já não existia mais. Então, passou a ser um projeto mais pé no chão, que é o que foi feito. E, quando eu cheguei lá, o local já estava definido, era ali, e eu via que o local estava perfeito, era muito bom. Uma das alternativas era a Ilha do Mosqueiro, que era uma ilha turística. Então, botar uma fábrica lá seria burrice. Ademais a direção de ventos era de Mosqueiro para Belém, seria péssimo. Feito em Barcarena, a direção de vento predominante era favorável: de Belém para Barcarena. Sobre as condições de drenagem, ali nós tínhamos pelo menos oito metros, dez, de barranco no rio. Lá em Mosqueiro, não, era praticamente nível do mar, então tudo era favorável para aquele local. O pessoal que estava implantando a Mineração do Rio do Norte, chegou a querer levar a fábrica de alumina para lá. E, quando cheguei, fizeram questão que eu fosse lá para discutir com o diretor da MRN, porque a ideia dele era que a fábrica devia ser lá. Eu fui, discutimos, mostrei pra ele que não fazia sentido. Ele falou: “Não, mas daqui para lá você tem que levar duas toneladas e meia para fazer uma de alumina. Você faz aqui, muito melhor.” Eu disse: “Seria ótimo, se você tivesse as condições aqui.” Na época, não tinha nada, comunicação era a coisa mais difícil do mundo. Então, aquela ideia morreu e a Alunorte ficou naquele mesmo local, Ponta Grossa, onde já estava. Quando nós chegamos lá, na primeira semana de janeiro, de 1978, eu, um diretor e um técnico japoneses e um intérprete. Sobrevoamos a área e depois pegamos uma barcaça, um carro que nos levou lá no local, até próximo do local, porque a estrada não chegava no local exato. Então, ia como se fosse para a Vila do Conde e parava mais ou menos ali, naquele trevo grande que tem lá, onde vira para Albras, Alunorte, ou vai para a Vila do Conde. A estrada parava por ali. Então, a gente sabia que, naquela área, ia ter a subestação da Eletronorte, ia ter Albras, ia ter Alunorte. O mapa estava mais ou menos na cabeça, mas como enxergar isso no campo? Difícil. Então, eu sei que nós fomos lá em Vila do Conde e, de lá, olhava. Eu tenho uma foto aqui. A gente está lá com o mapa na mão para poder garantir que estávamos no local. Então, via lá a Ponta Grossa, que era onde ia ser o porto, e onde é o porto, onde já tinha um marco cravado, que foi a base para a nossa topografia, tinha um marco geodésico, que dizia que ali era norte tanto, leste tanto, tudo certinho. Então, nós quisemos ir lá, nessa ponta. Como? Arranjamos um rapaz com um facão bem grande e ele ia na frente abrindo uma picada para a gente poder passar. Foi assim a minha primeira ida lá. E chegamos no local, tem no livro uma foto, eu e esse diretor japonês, Yoshida, nessa ponta, lá exatamente onde hoje é o porto. E vimos que tudo parecia muito bom. Uma área totalmente despovoada, não ia ter grande dificuldade de deslocamento de pessoas. Uma topografia plana, mas com um barranco, com potencial para drenagem adequado até o rio. A maré que tinha era pequena, não era uma maré muito forte, então era também conveniente. E aquele mundo de água, aquele rio imenso. “Isso aqui, nem se a gente tiver um acidente absurdo, nós vamos conseguir fazer um estrago muito grande. Mas tem que ter cuidado.” Bom, então essa foi a primeira visão, a primeira noção que a gente teve. Chegamos naquele local que está retratado ali: São Francisco era aquela igrejinha, aquele caramanchão, exatamente aquilo que está ali. E aquela meia dúzia de casas, e só. Depois não tinha estrada para ir até lá na fábrica direto, não. Dali, a gente voltou para dentro do barco, contornamos, fomos até Barcarena Nova, e lá pegamos o carro. Este carro saiu da prancha, e nós pegamos a estrada para Abaetetuba, e lá numa certa altura viramos para Vila do Conde. Quando chegamos lá naquele ponto final, é que descendo do carro, e aí só com o mateiro na frente, abrindo, abrindo a passagem. Mas isso foi a primeira vez. A segunda vez já estava mais fácil, e contratamos a topografia, que foi para lá, mergulhou dentro da mata para demarcar a área da Alunorte e a área da Albras. E tudo baseado naquele marco lá de Vila do Conde, e do Porto, aliás. Quando voltaram… Eles ficaram lá uns três meses fazendo esse trabalho. Quando chegaram ao Rio, com os mapas, nós vimos que estava tudo errado. Da fábrica até o Rio, a gente contava que ia ter, vamos dizer, cinquenta metros. Estava com trezentos e cinquenta metros. Então, a fábrica estava bem mais distante do Rio do que o que nós tínhamos pensado e planejado. Então, o que fazer? Perde-se a topografia, faz outra? Três meses de atraso. Aí, pegamos as pilhas de bauxita e fizemos a primeira mexida no layout, ainda ainda antes de ir para o Canadá. Aí, botamos as pilhas de bauxita que estavam na posição Leste-Oeste, naquele layout esticado da Alcan e eu mudei para Norte-Sul, aí entrando na área do porto. Aí, ponta da pilha ficou lá, pertinho do rio. Está pronto, está resolvido. E aí, conseguimos aproveitar aquele erro a nosso favor, o que foi muito bom, porque ali evitamos aquele atraso e o dispêndio que ia ser fazer uma nova topografia. E no final, ganhamos, porque a pilha no sentido Norte-Sul deu margem a que se tivesse várias pilhas ao lado. Se ela ficasse na posição Leste-Oeste, ia ser muito mais complicado. Então, tudo isso é uma longa sucessão de eventos. Se a gente ficar aqui uma semana, e capaz de não acabar.
P/1 - E você tem alguma história, alguma conexão com alguém de Barcarena? Pensando nessas viagens que você sempre ia, ficava um tempo?
P/2 - Só antes de passar para essa parte. Essas visitas que o senhor fez, nessa primeira visita, depois essa segunda. Qual era o seu papel nessa visita?
R - Bom, eu era o técnico que tinha a melhor ideia do que seria aquela fábrica, como é que você poderia ver uma fábrica daquele tamanho naquela área. Quem tinha ideia da fábrica era eu. Dentre os outros companheiros tinha engenheiro Civil, de transportes, eng. Elétrico e de outras especialidades. Antes de mim, eles já tinham contratado alguns engenheiros, mas nenhum que conhecesse fábrica de alumina e de alumínio também não tinha. Os que vieram depois para a área de alumínio, eu que indiquei. Era o Rômulo Rosa e o Roberto Machado. Então, esses dois eram homens mais da área de smelter, então eles vieram para olhar o projeto da Albras. Mas da alumina era eu. E eu ia porque como eu tinha esse conhecimento, e os japoneses queriam também estar discutindo, talvez para entender quais eram as nossas ideias da fábrica, o que eles estão querendo e tal. Então, suponho que, por causa disso, eu sempre é que ia, naqueles primeiros tempos. E depois, não, quando começou mesmo a tocar a obra, aí não, passou a ter gente, ter engenheiro residente lá, Edson Ferreira. Você já ouviu falar? O Edson Ferreira, o Maurício Gasparini. O Maurício já veio depois. O Edson Ferreira foi o primeiro e ficou bastante tempo. Agenor Portelli. Já ouviu falar? Não. Ele ficou lá pouco tempo mas ficou muito tempo na Alunorte. O Agenor foi quem fez o primeiro alojamento da construção. Você não lembra. Mas tinha um alojamento feito lá, pertinho de São Francisco, que era o alojamento da gestão da obra. E esse alojamento foi extremamente útil, ao longo de toda a construção da Albras, depois da construção da Alunorte, tudo, aquele alojamento era a nossa base lá. Não tinha onde ficar, não tinha hotel, não tinha nada, então, era no alojamento que a gente ficava. E que deve ter alguém que vai contar muitas histórias desse alojamento. De pulo de cerca, essas coisas, deve ter.
P/1 - Tudo bem se não se recordar ou não quiser contar. Mas alguma pessoa marcante da área?
R – Da área?
P/1 – Que foi importante, que teve alguma história marcante?
R - Não, da área mesmo eu não tive grande envolvimento. Tinha pouca gente na área, muito pouca gente. Era uma vilazinha, uma outra que era Itupanema, que era igualzinha a essa. A Vila do Conde era um pouquinho maior. Lá eu conheci, só assim, superficialmente, nada importante. Então, eu realmente não tenho história de lá.
P/2 - Hoje eles falam Barcarena Cidade e Vila dos Cabanos. A área da Vila dos Cabanos é a área nova, que estava totalmente virgem, não tinha nada.
R - Não tinha nada. Eu estava lá quando começou a desmatar. E nesse começo de desmatar, tem um ponto importante, que acho que é bom você anotar. Foi a criação da CIMA, Comissão Interna de Meio Ambiente. Até ali, a Vale do Rio Doce não era muito ligada em meio ambiente, tinha muitas operações, várias minas, mas ela não tomava muito conhecimento, não. Mas, ali, o Romeu Teixeira, o presidente que eu falei, foi preocupação dele desde o primeiro dia, criar a CIMA. Tinha um representante do governo estadual, um do governo federal, um da Federação de Indústria, que não existia. A Federação de Indústria, só existia no papel; que eu me lembre só tinha uma indústria lá, aquela de fazer sabonete, Phebo. E assim mesmo estava, coitada, em maus lençóis, porque a energia lá era péssima, falhava demais, era fraca. Então, eles não tinham estabilidade operacional. Então, tinha esses representantes do pessoal e tinha eu e um outro engenheiro que era o Roberto Machado, o equivalente a mim na Albras. Tinha mais um. É, nós éramos assim, um timezinho de... Ah, e tinha o líder maior de nós todos, que era um consultor, Mário Borgonovi, ele era um botânico, um engenheiro agrônomo que virou botânico. Ele entendia de mato, que era uma coisa incrível, sabia tudo. E ele é quem dava as principais diretrizes para nós. Ia precisar fazer aqui uma estrada até a Praia do Caripi e a primeira estrada foi aberta com autorização da CIMA, que era quem fiscalizava. E eu me lembro bem que tinha sido autorizado, numa reunião de manhã. E quando chegamos lá, na hora do almoço resolvemos ir lá ver como é que estava. E quando chegamos lá, para ver o que seria uma estradinha para chegar à praia, tinha virado uma larga avenida. Uma estrada muito mais larga do que tínhamos pensado. E aquilo estava bem no começo .... “Pô, não era nada disso.” Tivemos aquela briga e conseguimos reduzir o desmatamento dali para frente, fazer uma coisa mais sensata, porque aquele começo tinha sido um desastre. Lá no núcleo urbano também, cada rua daquelas, cada uma foi desmatado, sempre com aquela diretriz de ser comedido, desmatando só o que precisa para construir, não mais. Então, ficava um lote vago, não vai construir nada aqui, deixa o mato como está. E assim foi feito. Hoje, você chega lá, o núcleo urbano está totalmente tomado, coberto de casa. A estrada de São Francisco, até as fábricas, foi aberto pela fábrica. Albrás, Alunorte, é que abriram a estrada, cercamos a área de proteção ambiental, aquilo tudo ficou também definido, bem lá no início. Tem um mapinha ali que eu quero mostrar. Aqui é o rio Pará, que é onde está o porto, Vila do Conde, as áreas das duas fábricas, Alunorte e Albras, essa área verde é a área de proteção ambiental, desde o início a gente cercou essa área, que era a mata que existia na ocasião, que já estava meio degradada, mas ainda era virgem. Virgem não, era típica da região. Mas tudo isso aqui era mato.
P/1 - Quando vocês chegaram, tudo isso era mato? R - Tudo isso era mato.
P/2 – Só que não era mata nativa, não é, Senhor Victório, era mata secundária.
R - Era um pouco secundária. Era principalmente o seguinte: a mata antiga, onde tiraram aquilo que era madeira de interesse. Mas você tem, aqui está Barcarena. Então, a gente saía de Belém, tinha que contornar esta ilha, Ilha das Onças. Esse era o caminho. Fazia-se por água. E não tinha outro jeito. Hoje você tem estrada aqui. Essa aqui é a estrada chamada Alça Viária que foi feita pelo governo do Estado bem depois. Aí você vai por terra. Essa outra aqui foi uma etapa anterior feita pela Albras que fez essa ponte e esse ramo da estrada para estabelecer este porto de Arapari, que está praticamente em frente a Belém, dessa forma encurtando a viagem porque não tinha mais que fazer o contorno dessa ilha. Nesse tempo o que chamava mais atenção era mesmo aquela mata toda, e a gente viu que tinha sido tirado tudo que era madeira interessante, então a mata não era mais virgem, não era mais original. Então, uma das coisas primeiras que foi feita, a Albrás que fez, ela que seguiu com a construção a partir de 1982. Era para ter sido a Albras e a Alunorte, mas, na verdade, acabou sendo só a Albras. Ela criou um viveiro de plantas para, digamos, recuperar essa floresta que ficou como preservada. Então, nesse viveiro foram feitas centenas de mudas de castanheiras e de outras espécies típicas da área. A castanha por exemplo era fundamental para a alimentação do pessoal local e então foram plantadas muitas castanheiras e outras espécies nativas, de forma que foi-se recuperando a originalidade da floresta, nessa área de preservação, que está lá até hoje, eu acho.
P/1 - Senhor Victório, o senhor tem algum arrependimento de terem mudado?
R - Nenhum. Pelo contrário. A gente vendo hoje, eu vejo que Deus me ajudou muito que eu não saí, que eu não desisti, que eu não lamentei em nenhum momento ter tomado aquele caminho. Isso jamais. Teve aqueles momentos de tristeza profunda, teve, mas não de arrependimento e nem de lamentação. Sempre tive muita crença, acreditei muito nesse projeto, desde o começo, porque era uma produção de alumina, coisa que eu
tinha aprendido e ajudado a fazer lá em Saramenha durante 12 anos. Então, eu sabia o que era, eu estava consciente daquilo que a gente ia fazer, numa escala que eu jamais teria condição de participar no Brasil, porque onde teria condição melhor do que aquela? Nenhum lugar. Então, desde o começo eu acreditei demais no projeto. E aquilo, quando alguma coisa não ia saindo conforme a gente queria, não era motivo de lamentar, era motivo de brigar. Vamos atrás, vamos dar um jeito de recuperar. Então, minha atitude na Alunorte foi sempre isso, de muita confiança no projeto, eu sabia que a gente tinha um projeto muito bom, tecnicamente, e de altíssima qualidade, e que aquilo iria dar frutos bons. Então, inúmeras vezes lá, falando com o pessoal do meio ambiente, lá da Secretaria de Saúde, ou com jornalistas. Tem um jornalista lá que é terrível, como é que ele chama? Lucio Flávio. Uma das coisas primeiras que a gente fez lá… Você perguntou de gente de lá, o Lucio Flávio foi uma das pessoas com quem tive bom contato. Foi bem no comecinho. Nós tínhamos um gerente, Adailton, que ficava em Belém e tinha muito contato com jornalistas, coisas assim. Um dia ele me ligou e falou: “Victório, eu queria que você viesse aqui para mostrar o projeto para um jornalista. Ele é um cara influente, importante aqui para a comunicação da empresa e do Estado, as pessoas leem o que ele escreve, acreditam nele. Então, se você puder vir e fazer para ele uma apresentação, acho que vai ser muito bom.” “Tá bom, eu vou aí.” Aí fui lá, peguei o Lúcio Flávio e fomos para Barcarena. Rodei com ele a área que ainda estava bem no começo, mas já dava para circular, e expliquei tudinho, como é que ia ser a Alunorte, o que ela ia fazer, como é que seria o cuidado com meio ambiente. O Lúcio Flávio comprou a ideia com perfeição e ele, em todo o tempo que participei lá, ele sempre foi excelente. Aquela atitude valeu muito porque passamos a ter uma opinião favorável aos projetos, na imprensa de lá. Diferente de São Luís, onde a Alcoa estava fazendo a fábrica de São Luís e que tinha um péssimo relacionamento com a imprensa. A Alcoa fazia tudo por eles, e eles só desciam a lenha. Até o projeto chegar, São Luís era carente de água potável. Pô, levaram uma adutora maravilhosa para o suprimento de São Luiz e a imprensa deu pelotas para isso, era pau neles o tempo todo. Então, eu acredito que aquela nossa ida ajudou muito. A gente fez também uns pequenos seminários lá em Belém, explicando para a sociedade o que iam ser os projetos. Isso foi feito lá bem no comecinho também. Eu acho que tudo isso ajudou a gente a ter uma boa relação com a imprensa. Agora, em 2018, a coisa mudou. Aquele lance que teve uma chuva violenta lá e que causou uns pequenos problemas, pequenos mesmo, dado o potencial. Uma chuva daquela dimensão, numa área industrial, em qualquer lugar do mundo, causa um monte de problemas. Isso é comum. Mas não teve nenhum arrombamento, nenhuma mortandade de peixe ou nenhum ferimento de pessoa, nada.
P/2 – O que houve?
R - Chuva. Teve uma chuva de 240 milímetros em 24 horas. Foi algo, mesmo para os padrões de Belém, em que tinha chuva pesadíssima, a gente já sabia disso, mas aquela foi espantosa, foi demais. E aí, a imprensa, que não sei se o Lúcio Flávio estava envolvido ou não, mas a imprensa do Pará fez matérias muito ruins. Eu me lembro de uma Denise, não sei se ainda existe uma Denise num jornal de lá?
P/2 - O senhor não estava mais na Alunorte?
R – Não, estava não.
P/2 - O senhor assistiu a essas notícias?
R - Assisti.
P/2 - E o senhor sabia como era a nossa estrutura lá. Eu queria saber como o senhor viu aquilo? E se algum momento o senhor duvidou se aquilo que estava sendo anunciado era verdade?
R - Desde o primeiro minuto eu tinha certeza que aquilo era mentira. Fiz na ocasião... quem era o diretor lá de operação?
P/2 - Na ocasião?
R – 2018, você tem ideia?
P/2 – Era o Robson.
R - Não foi para ele, não. Alguém me deu o nome, eu não conhecia. E eu mandei um... Lisboa. Não, Lisboa é o atual. É o Michel. Não.
P/2 - Um pouquinho antes do Robson, foi o Carlos Neves.
R – Carlos Neves não. Sílvio? Teve Sílvio Porto? Foi para ele. Mandei para ele um e-mail dizendo que tinha plena confiança que aquela matéria que estava sendo publicada estava tudo errado, que aquilo era um absurdo, que a Alunorte tinha que ser elogiada, por não ter tido nenhuma consequência palpável diante de uma chuva daquela magnitude. Porque quando tem soda cáustica, se tem vazamento substancial, vai aparecer um monte de peixe morto. Ou então o rio já era morto. E não era. Então, é claro que não houve nenhum vazamento substantivo, nenhuma contaminação importante. E eles passaram a publicar que tinha não sei quanto de cobre ou de chumbo, chumbo, que tinha na água lá do rio Barcarena, não sei quanto de chumbo, uma coisa assim absurda. Não tinha como, não tinha nada a ver com a Alunorte, a Alunorte não usa chumbo, não tem chumbo no nosso minério, nem nada. Então, aquilo era coisa fabricada. Eles fizeram matéria para encher, para arrancar dinheiro da Hydro. Eu tenho certeza. E na ocasião, eu não estava mais lá, mandei para ele esse e-mail me oferecendo para ir lá dar uma ajuda, se eles quisessem. Nem respondeu. Aí, eu fiquei tranquilo, mas muito danado da vida, está entendendo.
P/2 - Se fosse Lago de Lama...
R – Aí, meu Deus! Poderia ter arrombado o lago e causado um imenso vazamento, muito provável…
P/2 – Porque no final das contas o que saiu na imprensa foi uma foto enviada de um transbordo de um canal para o outro. Que era justamente para o canal onde tinha que transbordar.
R – É. Você tinha um canal circundante para captar algum transbordo do depósito. Aquilo foi nojento. E a Hydro paga até hoje. Teve lá nos idos de... Não lembro bem, não, mas em 1993, ou 92, eu acho, que eu estive na Hungria, e lá tinha duas fábricas. Tinha três, mas duas eram mais novas, era a Alma e... lembrarei daqui a meia hora… Bom, essas duas fábricas operavam normalmente. Visitei as duas fábricas. Bom, aí quando foi uns dois ou três anos depois que estive lá, provavelmente em 1995, 1996, teve um vazamento, arrebentou uma barragem de lama e desceu uma avalanche de lama cáustica que invadiu várias casas, não morreu muita gente não, mas feriu muita gente. Esse fato foi badalado pela imprensa mundial, um grande desastre. De fato foi um grande desastre. Mas, obviamente, para nós não afetava nada, nosso sistema já não era lago de lama. O de lá era. Certo? Então, se tivesse tido aquela chuva em cima de um lago de lama grande, porque o de lá, da Hungria, era pequeno, lá a fábrica era pequena. Se fosse uma coisa grande como a Alunorte, sim, seria uma coisa temerária. Mas voltando ao caso da Alunorte eu não tive nem um segundo de dúvida, porque aquilo ali era uma coisa muito bem feita. Como eu não estava envolvido, eu não tinha como me envolver. O que eu pude fazer eu fiz, foi oferecer ajuda. Mas um pessoal que trabalhou para a Hydro naquela ocasião, tentando explicar para as autoridades de meio ambiente e tal. Esse pessoal eu conhecia, e andei conversando com eles. E eles me falaram que tudo era coisa arrumada para ferrar a Hydro. Um pouco aquela ideia de que é capital estrangeiro aqui no Brasil; naquela hora, 2018 não era mais Vale, já era Hydro.
P/1 - E, Seu Vitório, em paralelo a isso, queria só te perguntar como você conheceu sua esposa, como foi se tornar pai.
R - Pulando carnaval. Ela veio de Fortaleza com uma prima, passar férias aqui no Rio. Então, tinha uma tia dela aqui no Rio, ela veio, ficou na casa da tia e tinha primas também aqui. Então, ela estava aqui de férias. E a prima que veio com ela de lá já tinha um namorado, que é o meu amigo Roberto Machado, uma pessoa que eu mencionei agora há pouco, lá de Ouro Preto. Foi colega meu lá. Então, no período das férias dela, coincidiu, teve carnaval, e resolveram passar o carnaval em Ouro Preto. Bem, então, estava lá no carnaval, eu também. Eu nem ia passar o carnaval lá em Ouro Preto, eu ia para Belo Horizonte, estava combinado com o meu irmão, tudo certo. Mas no dia, no sábado de carnaval, nessa época, eu estava na área de mineração ainda e eu tinha passado a manhã inteira numa mina, amostrando umas frentes de lavra. Então, num sol danado, tinha chegado muito cansado e pela primeira e única vez na vida, tomei uma cerveja, não a pequena, a grande, direto no bico. Eu tomei um banho, almocei, falei: de noite eu vou para Belo Horizonte, não vou agora não, porque estou cansado. Aí, deitei para dar uma dormidinha, quando acordasse eu iria para Belo Horizonte. Estava combinado com o meu irmão. Pô, quando eu acordei, era sete horas da noite, na verdade uns amigos me acordaram. “Ué, você não ia para Belo Horizonte?” “Pois é, eu ai, nessa altura já não vou.” Porque ia chegar lá na hora das relíquias.” Tá bem! Então, fiquei lá e fomos para o baile. “Já que você não foi, vamos lá para o baile.” Aí, fomos para o baile de Ouro Petro e lá no baile de carnaval, tinha moças, amigas, e a Ignez estava no meio de um grupinho, onde tinha outras que eu conhecia, que era amiga. Inclusive, uma que tinha sido minha aluna naquele ano. Aí, estava lá, aquelas coisas de carnaval. Carnaval, cidade pequena, era ótimo. Lá em Ouro Preto era uma maravilha o carnaval. Bom, sei que durante ali, a gente pulando carnaval, brinca daqui, brinca dali, e eu vi que ela era diferente das outras. Então, não sei se as outras perceberam que eu estava de olho. Eu sei que começou a escassear, vai uma, saí outra, saí outra, e me deixaram com ela. Aí, fomos conversar, fiquei sabendo o nome dela, de onde era ela. Aí, soube dessa história, que ela estava aqui no Rio de férias e foi para lá por causa da prima, acompanhando a prima. Certo? Mas o meu plano ainda era, no dia seguinte, ir para Belo Horizonte. Mas, no dia seguinte, de novo, fiquei balançado e acabei não indo. Aí, carnaval de novo. Meu irmão cobrava e eu respondia. “Não, está bom aqui também, não vou mais, não. Agora vou ficar por aqui mesmo. Segunda-feira eu tenho que trabalhar.” E tinha mesmo. Segunda-feira eu ia trabalhar. Então, acabei não indo mais para Belo Horizonte. Aí nos encontramos na segunda e na terça. Na quarta-feira, ela viajou para o Rio, porque ia embora pro Ceará. Talvez nosso caso tivesse terminado ali. Mas no fim da semana eu fui para Belo Horizonte, porque queria entregar uns convites de formatura para algumas pessoas que eu tinha consideração. E, lá de Belo Horizonte, liguei para ela para me despedir. Ela estava aqui na casa da tia.
P/1 - Estava na faculdade?
R - Não, já tinha terminado a faculdade, já estava trabalhando lá na fábrica de Ouro Preto mas a cerimônia de formatura seria em março.
P/1 - Tá. Que ano foi isso?
R - 1996. Carnaval de 1966, foi quando a gente se conheceu. ... Lá de Belo Horizonte....liguei para ela e a tia dela falou: “Não, ela não está aqui. Ela foi para Ouro Preto.” “Como assim?” “Ela foi para Ouro Preto.” Porque teve uma epidemia lá no Ceará de poliomielite, e o início das aulas foi atrasado. Ela ia fazer ainda o terceiro ano. Aí, opa! Então, ela foi para Ouro Preto, eu vou para lá. Aí, fui lá na República do meu irmão, deixei um bilhete para ele. E parti para Ouro Preto. Ainda encontrei com ela a noite. Aí, pronto, ela ficou lá mais uns dias. Teve a minha formatura, que tinha sido postergada por causa de pessoas que ficaram de segunda época, de recuperação. Então, a formatura foi no início de março. Aí, meus pais vieram, e ela já conheceu meus pais, dois ou três irmãos. E aí, a coisa começou a tomar outros ares. Mas ela foi embora. E carta para lá, carta para cá. Telefone era impossível, não dava para conversar por telefone, tinha que gritar tanto, não dá para namorar gritando, né? Então, não tinha jeito. Quando eu ia a Belo Horizonte, eu ligava de Belo Horizonte, aí dava para conversar. Mas, basicamente, era carta, carta, carta. Até que, em janeiro de 1967, eu fui lá, tirei férias, meu amigo Roberto Machado queria ir, aí ficou. “Vamos lá, vamos lá.” “Eu ainda não posso tirar férias, ainda não fiz um ano de casa.” “Ah, você pode ir lá, conversa lá". Fui lá, conversei e me autorizaram. Fui com ele. Fomos lá, passamos um mês lá.
P/1 - Um mês?
R - Um mês de férias para poder aproveitar. E voltamos e, nisso, ela terminou o curso normal que estava fazendo. E ofereceram para ela um estágio num colégio em Belo Horizonte. E uma tia do Roberto falou: “não, pode vir, você fica na minha casa.” A família do Roberto e a família dela já tinham um conhecimento. Eu é que era o franco atirador, totalmente por fora de tudo. “Não, pode vir, pode vir, que você fica aqui em casa e faz o seu estágio". Ela veio para o tal estágio. Claro que eu também já estava namorando. Eu ia a BH todo fim de semana. Em 1968, eu vim para o Rio fazer a COPPE – Programa Pós-graduação de Engenharia da UFRJ. Aí, só quando teve uma folga, acho que foi em setembro, tinha lá uma semana de folga. Eu fui ao Ceará e fiquei noivo. Deixa eu segurar essa moça para ninguém pegar. E aí, acabou dando casamento. Depois que terminei aqui, fui para Ouro Preto. Acho que ainda tive umas férias que eu fui lá, já noivo. Aí, depois teve o casamento em 1970. Só em 1970 que deu para casar.
P/1 - E aí, vocês foram morar juntos?
R - Em 1970 eu trouxe ela. E hoje eu falo com ela assim. “Você gastou a sua coragem total quando deixou a família para acompanhar um pobretão.” Que eu era um pobretão. Para vir para o Sul. Ali você gastou toda a sua coragem. Porque ela é medrosa pra caramba. “Eu sei, você gastou toda a sua coragem lá, naquela hora. Acabou.” E me deu a maior prova de amor.
P/1 - E tiveram três filhos.
R - Três filhos. A mais velha, Virgínia, já tem 53, 53 ou 54, por ai, 71, então, 54. O Maurício já deve ter 52, eu acho. E a outra, 50. Então, todos nasceram lá em Ouro Preto, no tempo em que a gente morava lá e quando viemos para aqui, a mais nova tinha três anos. E acabaram de ser criados e estudaram aqui no Rio. Quando era para eu ter ido lá para o Pará, já em 1994, a Virgínia já estava na faculdade, fazendo medicina. A Inês já estava graduada aqui, na Notre-Dame. E já estava trabalhando lá na Fundação Oswaldo Cruz. Então, a minha ida para o Pará ia desestruturar a família. Ou eu ia sozinho. Então, era muito ruim. E eu cheguei a conclusão de que, para mim, ir para lá já não dava mais. E eu sabia, eu tinha muita coisa para fazer aqui. Ir para lá era para operar a fábrica. Lá atrás, eu teria ido, sim. Não tinha dúvida. Mas naquela altura, 15 anos depois, já não dava mais. E aqui, por outro lado, tinha toda a área de gestão da empresa que demandava um apoio técnico aqui, porque teve tudo aquilo, mudança de tecnologia, contratos de tecnologia com a Alcan e com a NLM, que era parceiro da Alcan na época, tudo era comigo, eu é que era o gestor desses contratos. Então, eu não tinha que ir para Barcarena para fazer isso; eu faria melhor daqui. E tinha toda a assistência à área comercial e financeira, visto que os nossos gerentes comerciais e financeiros, não tinham muito conhecimento. E, tendo eu aqui, eles ficavam muito mais confiantes. Então, eu falei com meus diretores: realmente, para mim, ir Pra Barcarena, não dá mais. Agora, se a empresa quiser, eu continuo. Botei na mão da direção e eles me seguraram aqui. E, quando a Vale foi privatizada, de novo. Aí foi fechado o escritório da Alunorte aqui no Rio, tinha que acabar. Então, a Vale chamou para o escritório dela aquelas pessoas financeiras e comerciais que já estavam aqui e que eu já tinha ajudado a conhecer melhor o assunto, eu ficava sozinho. Então, eu e o resto da turma teve a opção de ir para a Barcarena, ou rua. Aí, novamente, eu tive que colocar na mão da empresa. Falei: “olha, ir para a Barcarena para mim não dá mais, o que eu podia fazer pela Alunorte, já fiz. Agora, fica na mão de vocês, se vocês quiserem eu continuo aqui, se não, vou embora". Aí mandaram que eu ficasse, e eu fui para a Vale, mas ainda como funcionário da Alunorte. Eu ficava lá no escritório da Vale, mas era funcionário da Alunorte. E o Galib era o meu chefe. Ele tinha sido meu subordinado e virou. Gente, eu não tenho o menor problema com isso, eu fico, não tem nada, esse não é o problema. Quero saber se tem, se o meu papel é útil ou não. Então, está bem. Estava indo, mas não estava bem, não estava indo bem não. O Galib era muito estourado e atrapalhava; de vez em quando a gente se batia. É meu amigo. Até hoje somos amigos, mas o temperamento dele é muito difícil. Então, o que aconteceu? Quando estava novamente levando, botando o meu cargo à disposição, o diretor da Vale responsável pela área, que era o Murilo, falou: “não, não, não, espera aí, você não vai pedir demissão não, calma aí.” Aí, fizeram uma mudança e me botaram como funcionário da Vale. Aí pronto, aí resolveu.
P/1 - E aí, você se aposenta quando?
R – Aí, me aposentei na Vale, quer dizer, primeiro eu tinha me aposentado na Alunorte, pelo INSS, né? Quando fiz lá, 40 anos, por aí, 40 anos de trabalho, não de Alunorte. E mesmo depois de aposentado, no INSS, continuei como empregado da Alunorte. Só depois, em 1998, passei para ser empregado na Vale. Aí, em 2006, eu me aposentei na Vale. Nesse tempo em que eu estava na Vale... Eu estava na Vale, mas o meu serviço era principalmente de apoio a Alunorte, e ao plano estratégico da Área de Alumínio. Então, esse era o meu trabalho. Mas, a rigor mesmo, o grande trabalho era com a Alunorte ainda, de apoio para a operação. Então, eu ia muito lá, todo mês, praticamente, eu passava uns dois, três dias por lá, ou uma semana, dependia de como estava o andamento das coisas. Isso durou até 2006. 2006, é aquela placa lá, em que encerrei como empregado da Vale. E aí, eles me deram dois contratos, um de assistência a Alunorte, para continuar fazendo o que eu fazia para a Alunorte, e outro com a Vale, com a própria Vale, pois ela queria que eu continuasse para dar apoio em planos estratégicos. E a primeira coisa que ela, Vale fez, foi me mandar para Nova Caledônia para um projeto de níquel. Ela estava comprando, e comprou efetivamente. Tinha um grande produtor de níquel no mundo, que era a INCO, canadense, e a Vale comprou essa firma, com todo seu acervo. E, dentro desse bojo, tinha esse projeto que estava em andamento lá na Nova Caledônia. Então, a Vale me despachou para lá para ajudar a avaliar o que precisava para terminar a implantação do Projeto Goro e se era viável ou não gastar o que ia ser necessário. Então, era uma revisão do orçamento que tinham, daquilo que estava em construção, já muito adiantado, se continuava ou não continuava e, se continuasse, quanto ia custar. Era uma baba de dinheiro, e a conclusão do grupo que foi, eu era um membro de um grupo maior. A nossa conclusão é que ia gastar o dobro do que estava no orçamento. Tinha sido gasto um bilhão e pouco, e o grupo estimou que ia gastar mais três bilhões de dólares. Era caro, um projeto muito caro. Mas a Vale resolveu tocar. E na época o níquel estava com um preço muito alto. A Vale pagou, a firma toda, em dois anos e pouco, dois anos e meio. Estava tão bom o preço do níquel que, rapidamente, ela quitou aquele dispêndio que teve na compra da INCO. E, assim, ficou feliz e foi concluída a implantação do projeto Goro. O que eu tinha recomendado fazer lá que era principalmente filtrar o rejeito, dentro da mesma ótica que eu tinha dado lá na Alunorte, eles não fizeram exatamente. Não fizeram e acabaram de construir com o projeto que estava lá, que era lago de lama. E, quando chegou ao fim, dez anos depois, a Vale já estava lá, operando, produzindo e me chamaram para ir lá de novo. Aí fui. Estavam botando filtros para filtrar o rejeito, exatamente aquilo que eu tinha sugerido lá atrás. Era óbvio. Não deviam ter seguido o projeto anterior, tinha que ter mudado e essa área de deposição de rejeito teria dado para muito tempo. Quando eu fui, dez anos depois, aquilo já estava bem perto do fim e tinham até expandido um pouco o depósito.
P/1 – E Senhor Victório, hoje, como é o seu dia-a-dia?
R - Bom, duas alegrias para mim, uma é ver a Alunorte pronta e funcionando muito bem e outra é ver minha família toda bem encaminhada. Claro, família para mim é a maior riqueza que a gente pode ter. E eu e a Ignez formamos uma bela família: nossos filhos estão bem, graças a Deus, todos eles. Seus filhos crescendo e também tomando caminhos bons. Ninguém dando trabalho. Trabalho dá, né? Filho dá trabalho. Mas muita alegria, dá muito mais alegria. Sobre o trabalho, eu ainda tenho, às vezes, pouco, cada vez menos. Depois que eu parei com a Alunorte em 2014, esse contrato da Vale ainda durou mais um bocado, fazendo outras coisas. E também teve a Mineração Rio do Norte, que me deu alguns trabalhos. A CBA me deu um trabalho também, mas cada vez menos. Então, também não tem muita necessidade, trabalho tem um pouco disso, a gente tem que precisar dele. Aí, ele fica mais prazeroso ainda. Mas eu gosto de trabalhar. Então, agora mesmo ainda tem um 'trabalhozinho' da Mineração (MRN), que espero terminar em mais um mês, dois, e tá aí.
P/1 - E quais são os seus sonhos?
R - Aí é difícil. Não, meu sonho é só mesmo de fazer coisas, não tem muito mais não. Agora, fiz aquele livro (Alunorte – Uma História de Sucesso), achei que foi razoável, gostei de fazer. Fiz um outro livrinho também menor. Quando fizemos 50 anos de casado, eu tenho esse livrinho aí. Vou te mostrar ele. Era só para rememorar, fazer isso que a gente está fazendo agora. Como é que foi o casamento, a vida de casado, como é que foi a vida de nós dois. E dei o nome do livro assim, 50 Anos Construindo a Felicidade. Até me emociono, porque realmente é o que eu fiz, é o que a gente faz na vida, é construir. A felicidade é assim, a gente tem que construir, acredito piamente nisso. A alegria que a Alunorte nos dá hoje, é porque exigiu muito suor, a gente teve que construir. A família me dá muita alegria, porque também a gente fez direito. Hoje, a neta mais velha está aí fazendo direito e indo muito bem. A gente gosta de discutir com ela, brigamos de vez em quando. Ela é danada! Ora, não tem essa não. Feriu lá o artigo tal da lei tal, ela pá! Mas a gente se dá muito bem. E tem a irmã, que tem 18 anos. Ela já tem 22. E tem as duas norueguesas. Está tudo aqui em foto. Vocês devem ter visto. E tem esse garotinho, que também é um doce, gente boa, gosto demais dele. Briga comigo também. Porque agora tudo é digital, tudo é virtual. Ele chega, “Não vô, tem que passar esse portal.” “Mas cadê o portal?” Aí, eu provoco. “Aonde é que está esse portal?” Aí ele... “É aqui, vô, você não está enxergando, mas ele está aqui.” E assim vai. Então, eu brincando, e ele sério, a gente brincando por horas assim. Inventei outro dia... Já que ele quer viver no espaço, aí inventei que nós tínhamos feito uma casa na lua. Aproveitei uma casinha, que era das netas, e falei: “Essa casa, ela está aqui na lua, mas aqui não tem ar, então há uma cúpula que bota ar aqui dentro, para que as pessoas aqui dentro possam viver. Agora, se sair, morre.” Aí, com isso ele vai divagando e enfiando os personagens de seus desenhos favoritos… Essa brincadeira durou uns dois meses. Bom, o que mais que a gente pode falar? Eu queria que você depois fosse ali ver aquele 'mostruariozinho'.
P/1 - Eu só gostaria de perguntar se vocês dois querem falar alguma coisa que eu não tenha perguntado?
R - Vai ser difícil falar. Você falou aí de dar uma mensagem. Eu acho difícil. Eu me emociono toda vez, fácil. Daqui a pouco vou estar chorando aqui, vai ser muito chato. Mas, certamente, o grande valor que eu dou é no trabalho. As pessoas devem se dedicar a algum trabalho que dê interesse, que ela tenha interesse. E vocação, porque se tiver dentro da sua vocação, invista, vá em frente, passe a dificuldade que tiver que passar, mas não desista, porque isso quanto mais difícil, mais felicidade traz depois. Essa é uma coisa que considero básica. Outra coisa é a família. A família também é algo que a gente precisa investir, porque, quando você investe, o retorno é certo. Se você estiver dando amor, dando carinho e proteção, isso virá de volta. Isso vale para tudo. Para todos os amigos, também vale. Mas para a família, mais ainda. Botar uma pessoa no mundo, é fácil.
Criar uma pessoa é mais difícil, muito difícil. E a gente deve se dedicar a isso e investir nisso. E é o que meu pai fez. Ele investiu nos filhos, porque o normal para ele, que não tinha tido instrução, era usar a mão de obra nossa para fazer o negócio dele continuar prosperando, mas não. Ele bateu firme, eu quero ver vocês estudando, vocês têm que estudar. O meu irmão, segundo, que não queria ir estudar, brigava direto, levava pau mesmo, apanhava, mas acabou não estudando. Mas os outros todos estudaram. O meu irmão mais velho é veterinário, o segundo é eletrotécnico, eu me formei, o outro que é logo abaixo de mim, é economista. Então, todo mundo estudou. A trancos e barrancos, com dificuldades sempre, porque ele (meu pai) foi perdendo a capacidade financeira e aquela fazenda que ele construiu, ele acabou tendo que vender, dado as condições, a inflação. Ele foi criado naquele tempo de inflação muito baixa, então, de 1955, 1958 em diante, a inflação cresceu e ele não soube se colocar direito. Então, ali ele perdeu dinheiro. A forma que ele tinha de administrar não deu condição dele se manter, ou manter a rentabilidade, e aí foi caindo pro buraco. Bom, mas ele deu para a gente aquela ideia de princípio, de cuidar de família, de criar bem os filhos. Isso tudo é coisa que a gente herdou dele, não é meu, não, ele deixou no sangue. Então, vejo que todo mundo hoje quer ter uma vida muito independente, tudo é condição da época. Você já tem filho, mas você tem? Não. Há uma certa resistência para ter filho. Eu vejo isso hoje. Muita gente casa, mas com a condição
de não ter filho. Tem isso, não tem? Aí, pode ser bom por um tempo, mas, mais adiante, você vai sentir carência disso, porque é muito bom quando você tem o carinho de um filho, de um neto. O Maurício, por exemplo, é extremamente carinhoso com a gente, comigo e com a Ignez. Mais até do que as filhas. Que são também muito carinhosas. A minha filha daqui é um cuidado extremo, ela é médica. Então, meu Deus do céu, pega no meu pé direto. Mas é carinho, entendeu? Porque tem mesmo um carinho especial. E a outra filha que mora na Noruega é também muito presente e carinhosa.
P/1 – Senhor Victório, para finalizar, como foi para você contar um pouco da sua história para a gente, relembrar todas as coisas?
R - É um grande prazer. Contar tudo isso, tem hora que é meio difícil ficar lembrando. Mas é um prazer muito grande, porque é coisa boa. Minha vida foi coroada com esse êxito enorme que é Alunorte, a quem eu dediquei uma vida inteira. Fiz a conta lá, naquela dia na reunião, que eu tinha 36 anos com a Alunorte. O período todo meu com a Alunorte foi de 1977 a 2006, como empregado e mais 8 anos sob contrato como pessoa jurídica. Então, foram 37 anos no total. Isso concentrado, prestando serviço à Alunorte, direto ou indiretamente. Tenho então, obviamente, um grande carinho, um grande amor à Alunorte e agradeço penhoradamente a atenção que a direção da Alunorte tem tido comigo. Agora, ao celebrar os 30 Anos de operação, me levaram lá para ver com meus próprios olhos o que estava sendo feito lá. Isso foi uma coisa extremamente prazerosa e que me tocou muito.
P/2 – Como foi entrar lá de novo?
R - E encontrar algumas daquelas pessoas, o Joel, o William, como e que chama o Magrinho? O meu Deus! Agora tem isso, a idade, tem hora que foge o nome. Daqui a pouco ele vem. Mas aquelas pessoas que a gente encontrou, o César Magro, isso foi muito bom. A gente vê que eles estão lá, que vestiram a camisa também, com todo o empenho, porque exigiu o empenho de todo mundo. Ali, naquela fase inicial, foi muito difícil. Naquele primeiro ano de operação, todo mundo se estressou enormemente, porque as coisas dando errado, dando problema direto. A gente não esperava isso, tá certo? Engraçado porque teve os primeiros meses, até novembro, de julho a novembro, tudo beleza, tudo funcionando bonitinho. Teve falha da caldeira. Cada coisa tem uma história. A Alunorte tinha comprado caldeira elétrica porque a Hidroelétrica de Tucuruí ia ter muita sobra de energia; mesmo xx quando ela fez a usina, a previsão era fornecer para Belém, para a Albras, Alunorte, Belém, São Luís e pronto. Então, era uma rede que tinha só aquele destino. Ela tinha que garantir energia permanente para esse povo. Mas, no período de chuva, teria excesso de produção, e não tinha como escoar aquela energia. Não havia interligação com o sul. Hoje tem. Então, como não ia ter tão cedo essa interligação, ia ter muita sobra de energia durante um período. Então, a Alunorte decidiu aproveitar isso e botar caldeira elétrica. Caldeirinha barata, custava pouco, a gente botava aquelas caldeiras e resolvia o problema de vapor. Pronto. Botávamos uma caldeira reserva a óleo pra quando não tivesse energia e não tinha que se preocupar com mais nada.. Tá bom. Esse era o plano inicial. Mas aí tudo foi demorando e tal. Quando nós fomos operar (1995), a Eletronorte já dizia que não tinha energia. O mercado cresceu, não tem mais energia de sobra pra gerar vapor ... Ou seja, não tinha pra vender barato. Tinha energia pela tarifa normal, que era 5 a 10 vezes superior ao custo da energia de sobra. Então, era conveniente. “Não, não vai ter mais energia de sobra.” Bom, então vamos ter que botar caldeiras a óleo. Mas quando nós já estávamos para comprar a Eletronorte voltou atrás. “Não, vai ter sim. Durante um período vai ter.” É, aí tá bem. Então, nós vamos comprar só uma caldeira. Ou melhor, não vamos comprar mais caldeira a óleo. Nós vamos ficar só com as elétricas e quando chegar o período de seca, a gente paga a energia que for, o preço que for. Volta a Eletronorte: Não, não, não, tem que ter caldeira a óleo. Eu não posso te vender essa energia mais barata se você não tiver um sistema alternativo. Você tem que ter. Aí, na época, a gente já estava na retomada. Aí o Antônio Ermírio, que era o novo sócio da Alunorte, porque na reorganização da Alunorte, a CBA entrou como um dos sócios. A Mineração Rio do Norte e a CBA. E foi ficando cada vez menor, a participação japonesa. Mas o Antônio Ermírio, quando a gente explicou para ele que a Eletronorte não venderia a energia para as caldeiras elétricas, se a gente não tivesse uma caldeira a óleo, mesmo sendo só para tê-la lá, aí ele falou assim: tá bom, então vamos aprovar, mas vamos chamar essa caldeira de monumento à burocracia nacional. Tá certo, é isso mesmo, é um monumento à burocracia. Mas não foi não, ela teve que ser operada e logo. Porque o mercado foi crescendo e foi tomando a energia, como energia firme da Eletronorte. Então, o que tinha para fornecer para a Alunorte, como energia de sobra, foi ficando cada vez menos. Usamos um pouco no período de chuva, só. Na hora da partida da Alunorte, não tinha energia para a caldeira elétrica. Aí, teve que ser a caldeira a óleo. Liga a caldeira a óleo, pifou. Aí, e agora? E agora? Interrompe-se a partida? Aí, a Eletronorte liberou a energia e usamos as caldeiras elétricas. Então, a gente partiu com a caldeira elétrica.
P/2 – Isso em julho, na partida do moinho?
R – Tudo não, só para gerar vapor.
P/2 - Antes de começar a rodar o moinho?
R - Não, a energia para o moinho e para a bomba, isso era energia firme. Essa já estava comprometida no contrato de energia firme. Agora, para gerar vapor, era a energia de sobra. E aí, era baratinha. Essa que ela não queria mais vender. Mas teve que vender, senão a gente tinha que abortar a nossa partida.
P/1 - Agradeço muito.
Recolher