Projeto: VLI – Estação de Memória: Porto & Pesca
Entrevista de Ricardo Aguiar Yumoto
Entrevistado por Ane Alves
São Vicente, 16 de outubro de 2025
Entrevista nº: VLI_HV008
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Arielle Oliveira Paro
Revisada por Ane Alves
P/1 - Ricardo, para iniciar, você se apresenta para a gente, por favor, dizendo seu nome completo, data de nascimento e o local de nascimento.
R- Meu nome é Ricardo Aguiar Yumoto, sou nascido dia 03/04/1976. Nascido em Santos, mas criado e vivido em São Vicente.
P/1 - E você sabe por que seu nome é Ricardo?
R- Não sei te dizer assim, mas foi escolha da minha mãe. Porque são eu e mais três irmãos. Então, tem o Marcos, que é um irmão dez anos mais velho que eu, e tem a Viviane e a Sílvia. Então, são nomes comuns, não sei te dizer, não tem nada especial.
P/1 - E a sua mãe, seu pai, alguém chegou a contar pra você como foi o dia do seu nascimento?
R- Não, acho que como eu fui o quarto filho, sou caçula deles todos, não falou. Mas eu acredito que foi uma coisa normal, não teve nenhuma complicação, nem nada assim, uma coisa tranquila, normal.
P/1 - E você lembra como que era a casa, a primeira casa que você morou lá em Santos?
R- É, na verdade eu só nasci em Santos, mas a minha mãe já morava em São Vicente, que não tinha maternidade na época em São Vicente. Então, era nascido em Santos, então o registro era de lá. Mas assim, a casa onde eu nasci, minha mãe mora lá até hoje. Entendeu? A casa era do meu vô, do pai da minha mãe. Hoje ela mora lá. E eu, na verdade, casei, tenho dois filhos e moro em frente à casa dela, comprei um apartamento em frente à casa dela. A casa dela é numa esquina e eu estou em outra esquina. Então, eu todo dia vejo ela.
P/1 - E quais as recordações que você tem de você pequeno nessa casa?
R- Então, ali foi criado, na minha época, na rua, jogando bola com os amigos, sempre tinha vizinhos, ou estava na casa de um brincando,...
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Entrevista de Ricardo Aguiar Yumoto
Entrevistado por Ane Alves
São Vicente, 16 de outubro de 2025
Entrevista nº: VLI_HV008
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Arielle Oliveira Paro
Revisada por Ane Alves
P/1 - Ricardo, para iniciar, você se apresenta para a gente, por favor, dizendo seu nome completo, data de nascimento e o local de nascimento.
R- Meu nome é Ricardo Aguiar Yumoto, sou nascido dia 03/04/1976. Nascido em Santos, mas criado e vivido em São Vicente.
P/1 - E você sabe por que seu nome é Ricardo?
R- Não sei te dizer assim, mas foi escolha da minha mãe. Porque são eu e mais três irmãos. Então, tem o Marcos, que é um irmão dez anos mais velho que eu, e tem a Viviane e a Sílvia. Então, são nomes comuns, não sei te dizer, não tem nada especial.
P/1 - E a sua mãe, seu pai, alguém chegou a contar pra você como foi o dia do seu nascimento?
R- Não, acho que como eu fui o quarto filho, sou caçula deles todos, não falou. Mas eu acredito que foi uma coisa normal, não teve nenhuma complicação, nem nada assim, uma coisa tranquila, normal.
P/1 - E você lembra como que era a casa, a primeira casa que você morou lá em Santos?
R- É, na verdade eu só nasci em Santos, mas a minha mãe já morava em São Vicente, que não tinha maternidade na época em São Vicente. Então, era nascido em Santos, então o registro era de lá. Mas assim, a casa onde eu nasci, minha mãe mora lá até hoje. Entendeu? A casa era do meu vô, do pai da minha mãe. Hoje ela mora lá. E eu, na verdade, casei, tenho dois filhos e moro em frente à casa dela, comprei um apartamento em frente à casa dela. A casa dela é numa esquina e eu estou em outra esquina. Então, eu todo dia vejo ela.
P/1 - E quais as recordações que você tem de você pequeno nessa casa?
R- Então, ali foi criado, na minha época, na rua, jogando bola com os amigos, sempre tinha vizinhos, ou estava na casa de um brincando, ou na casa de outro, sempre brincando assim lá. Mas eu comecei a vir muito cedo para cá, onde estamos, aqui, na Marina, que antes não era Marina, era só onde morava meus avós por parte de pai. E tinha só os casarões, as casas. E era muito, vamos dizer, rústico naquele tempo, o pessoal já trabalhava com marina, essas coisas. Mas era muito voltado à pesca. Então, eu também comecei a vir muito cedo pra cá com meu pai. Então, vamos dizer, lá onde eu fui nascido e criado lá, foi muito pouco.
P/1 - As brincadeiras com os amigos, com seus irmãos, eram aqui ou lá?
R- Então, bem no comecinho foi lá, e depois eu vinha aqui, eu ficava mais com meus primos, brincava aqui. Eu tinha também rede de amigos aqui, na rua Japão, aqui. Então, a gente jogava bola, empinava pipa. Tem uns terrenos aqui, aí por trás ainda, a gente ficava empinando pipa, bolinha de gude, a gente fazia até uma brincadeira, porque aqui tinha muita terra, então a gente fazia circuito de terra com tampinha de garrafa. As brincadeiras bem antigas, assim. Ainda peguei uma parte disso.
P/1 - E vocês e seus irmãos vinham pra cá?
R- Não. É mais eu e meu irmão mais velho, que também chegou a vir uma parte, mas ele vinha para ajudar já. Porque a gente começou a ajudar meu pai cedo, na pescaria. Que o meu pai viveu da pesca a vida inteira, entendeu? Eu acho que quando eu tinha uns oito, nove anos, ele começou a me levar a pescar, ele tinha um barco grande, parecido com esse que está aqui. E vinha duas canoas, chamava de parelha. Então, ele pescava muita tainha. Então, trabalhavam cinco pessoas, quatro pessoas e mais meu pai, cinco. Meu pai me levava desde pequeno. Eu tenho algumas recordações que a gente saía três horas da manhã. Então ele fazia, amarrava umas cordas, jogava uma coberta, fazia tipo uma cabaninha e eu ia dormindo. E a gente ia para Boracéia, Bertioga e voltava pescando tainha. Então, chegava... O dia inteiro pescando, e quando era seis, cinco, seis horas da tarde, sete horas da noite, encostava aqui no porto. Aí, o que a gente fazia? Chamava o caminhão, às vezes, tinha 800 quilos de tainha, 900, 700.
P/1 - Nossa, então a história da pesca já começou com o seu pai bem... Como começou? Vamos lá. Seu pai e sua mãe se conheceram como, você sabe?
R- Então, foi nos bailinhos, nos bailinhos da época. Só que a pesca, na minha família, já vem do tempo do meu vô. Meu vô. Que o bisavô, em 1910, que veio do Japão pra cá e se instalou aqui.
P/1 - Aqui em Santos?
R- Em São Vicente. São Vicente, se instalou aqui. E nisso começaram a viver da pesca. Então, o meu vô... Tinha meu tio Toni, meu tio Teto, os três. Aí, tinha meu tio Sui, tem o meu tio Jiochi, esses quatro viveram da pesca também um bom tempo. E por final, eu me lembro até quando eu era pequeno que eu vinha pra cá, meu avô pescava manjuba. Eles pescavam nessa ponte, eles pescavam de jaú ainda.
P/1 - E você sabe as histórias, porque que a sua família veio pra São Vicente, veio pro Brasil?
R- Então, bisavô dizem por causa da guerra, por causa da guerra ele veio. Acho que na época era Estados Unidos, Japão, e ele queria, pelo que eu fiquei sabendo, não sei se é verdade, que ele queria ir para os Estados Unidos, mas não conseguiu entrar, então ele veio para o Brasil. E dizem que ele ganhava dinheiro aqui e levava para o pessoal no Japão, para a família no Japão. Mas é que eu escuto, assim, eu não sei muito se é a verdade ou não. E eu me lembro, quando eu era pequeno meu avô pescava numa rede que chamava jaú, que eram três varões e um em pé. Então, esse varão central tinha uns cinco metros de altura, quatro metros, cinco metros, eles desciam, iam trabalhando na canoa com remo, até nas colunas da ponte, quando eles estavam em cima do cardume, eles levantavam e puxavam. E era bonito de ver. E nisso, a minha avó já tinha um caldeirão, tinha um fogão a lenha com uma panela de ferro, ela já ia esquentando a água, fazia a salmoura, quando ele vinha com a manjuba, já tinha todos os cestinhos. A gente ajudava a tirar a manjuba, por tudo no cestinho, ela mergulhava naquela água fervendo, que já tinha horário de ele chegar. Fervia e depois botava para secar. Eles vendiam manjuba seca. E é até engraçado, que quando a gente vinha, era muito gostoso, aquela manjubinha salgada, a gente quando criança, eu e meus primos, ia pegar as manjubas e meu vô pegava o estilingue e dava a pedrada na gente, que não era pra comer. E a gente... E ele dava mesmo. Mas era... Foi aquele tempo bom, coisa de moleque. Mas era coisa, assim. E ele não gostava, porque ele secava para vender para os turistas, que já vinham pra cá.
P/1 - Vendia como para os turistas, na praia?
R- Não, aqui mesmo, porque já tinha alguém, o pessoal que vinha comprar os peixes, os camarões, e ele vendia manjuba seca, naquela época. E isso, meu vô começou a trabalhar com manjuba já de idade. Antes ele teve barco de pesca, trabalhou todos os filhos, inclusive, meu pai. Só que aí... Isso na juventude do meu pai, assim, só que eles foram crescendo, um foi para um lado, outro foi para o outro e só meu pai ficou na pesca. Aí, meu pai teve esse barco, o Fofoca. Chamava até de Fofoca.
P/1 - Ah, por que o nome do barco era Fofoca?
R- Ah, não sei, já veio. Ele comprou o barco com esse nome, entendeu? Mas foi muito conhecido esse barco, tem histórias...
P/1- Fred Fofoca?
R- Não, era só fofoca. Fofoca 1. Então, tem muita história. O pessoal, os antigos da rua, que muitos trabalharam, conhecem. Que meu pai pescava muita tainha na época. Então, quando eu era pequeno até, vinha descarregar, que eu estava falando, chegava seis, sete horas da noite, ele ia pra peixaria pesar. E eu já estava exausto, cansado. E antigamente, embalavam o peixe com jornal ainda. Meu pai fazia uma cama com as pilhas de jornais e eu ficava dormindo ali esperando eles pesarem o peixe. Aí, depois a gente ia embora. Então... E meu pai continuou na pesca ainda aqui. Aí depois disso, eles já vendiam camarão, o camarão era armazenado em viveiros, na beira d'água e tal, até que ele falou, vou fazer uns tanques. Aí começou a fazer os tanques. Aí meu irmão ficava vendendo camarão aqui. E meu pai pescava e eu ia com meu pai. Então, às vezes, a gente... Tem a safra do camarão branco nosso aqui, que começa geralmente em dezembro, vai até março, abril, maio. E quando acabava essa safra, entrava a safra do camarão-ferro. Só que hoje não tem mais o camarão-ferro na nossa região.
P/1 - Você sabe por que não tem mais?
R- Acredito que naquela época, eu ia com meu pai, a gente ia no Pompeba, aqui por trás, ele ia tarrafeando e eu ia tirando o camarão do meio do limo. Tinha muito limo. Às vezes, a gente ia lá na Ilha Barnabé, a gente pescava de engodo.
P/1 - Pescava de quê?
R- Engodo.
P/1 - Como que é isso?
R- Engodo é uma massa que a gente fazia de barro vermelho com sardinha. Cozinhava sardinha, pegava o barro vermelho e amassava, misturava. Aí, quando a gente chegava no ponto de pesca, punha quatro, cinco varetas. Então, jogava, eu ia fazendo as bolinhas do engodo. Então, jogava uma pra cá, uma pra lá, pra lá, pra cá. Fazia um X, uma cruz, quatro pontos na vareta. Aí, quando chegava na última, a gente voltava e dava uma tarrafada aqui, outra ali, outra ali, porque juntava o camarão para comer aquele barro com a sardinha. Então, a gente pescava ali. E eu acompanhava ele nessa pescaria, ficava com ele. Aí, o tempo foi passando e tal. Eu comecei a sair sozinho. Ele ia num barco, eu ia no outro. E no camarão, pescando camarão. Porque aí nós fizemos mais tanques. Aí, começou... Meu pai nunca teve marina, assim, o negócio dele era pescar. E eu que fui passando o decorrer da vida e tal, falei: pô, eu vou... Tinha o terreno. Eu vou começar a melhorar as coisas aqui. E devagarzinho, trabalhando, ele me ajudando, eu também, e ele. Nós fomos e construímos hoje. Hoje nós temos uma marina, que é voltada à pesca. E aí, hoje eu que pesco o camarão, meu pai não está mais, já é falecido. Mas naquela época... Ele pescou, acho que até os 72, 73 anos. Aí, depois ele que ficava em terra e eu que ficava no mar pescando. Trocou um pouco.
P/1 - Você falou bastante dos seus avós paternos, que foi os que começaram a história da pesca aqui. E você falou também da sua avó, esquentando a água. Eu queria que você lembrasse, assim, alguma comida gostosa, alguma coisa gostosa que a sua avó fazia.
R- Ela fazia um niguiri. Niguiri era uma comida, um arroz japonês com legumes, ovos. Ela fazia o makizushi também, que eu gostava muito. Ela fazia sempre essa comida, assim. Então, sempre que ela fazia, ela sabia que eu gostava, então ela sempre me chamava para comer essa comida aí.
P/1 - E os seus avós maternos, você conviveu com eles também?
R- Não, meu avô já era falecido quando eu nasci, por parte de mãe. E minha avó faleceu, acho que eu tinha uns dois anos, então não tive muita convivência com eles. Só que não tinha nada a ver com pesca, o meu avô foi do exército, da cavalaria. Acho que se aposentou como capitão, eu acho, foi pra reserva, mas ele faleceu... Faleceu muito cedo, acho que foi em 1963. Faleceu novo, com 59 anos, assim.
P/1 - Você falou que seus pais se conheceram nos bailinhos, mas eles nunca chegaram a comentar com você a história de como que foi o encontro deles?
R- Não, não, não. Assim, tem algumas fotos de casamento. O casamento, se eu não me engano, foi aqui, que tinha um casarão, que tem algumas fotos que... Aquelas fotos antigas, que você vê que era parede de madeira, que a casa era de madeira. Até tinha, acho que uns siris empalhados, assim, na parede. Era uma coisa bem antiga, assim, sabe? Mas eles não falaram muito, assim. A minha mãe, que teve uma participação também importante na nossa criação, porque meu pai pescava e ela que criou a gente, assim, que ficava mais com a gente, que nos estudos e tal, na participação da criação, foi ela.
P/1 - Ela trabalhava na pesca também?
R- Não, não. Ela ficou do lar mesmo, de casa, cuidando dos filhos. Cuidando mais dos filhos.
P/1 - E você falou que seu pai fez questão que todos os filhos fizessem faculdade. Eu queria entender um pouquinho como que foi a parte dos estudos. Vocês estudavam em escola perto de casa? Estudava você e os seus irmãos na mesma escola?
R- Sim, nós estudamos até colegial em colégio estadual. E aí, as faculdades fomos fazer particular, fizemos faculdade particular, todos nós. E é isso, meu pai falou, vou fazer o estudo, vocês têm uma profissão, agora é com vocês, entendeu? Então, eu tenho duas irmãs que estão na área, uma economista, outra fonoaudióloga. Meu irmão mais velho se formou em biologia, mas não trabalhar na área. E eu sou formado em ciências contábeis e também não estou na área.
P/1 - E por que você escolheu ciências contábeis, você sabe?
R- Então, eu gosto um pouco de exatas, de números. E minha mãe é contadora também, fez um técnico na época. E eu achei interessante, só que eu sempre trabalhei com meu pai em cima de um barco, nisso aqui, nessa liberdade. Aí, eu fiz Ciências Contábeis. Só que quando eu fui fazer o estágio, eu entrava, era meio período, eu entrava a uma hora até às cinco horas da tarde, seis horas da tarde. Mas você entrava, era ar-condicionado, janela tudo fechada, por causa da claridade, você não sabia se estava ventando, chovendo. E aquele negócio me deixou... Falei: não, isso aqui não é pra mim, não. Deixa... Eu ainda fiquei pagando CRC há alguns anos, mas eu falei: não, não é isso que eu quero, não. Eu não sou para trabalhar numa sala fechada. Não é comigo. Então, eu gosto de estar aqui. Na época do caranguejo, pegar caranguejo também. Porque uma parte da minha infância também foi aqui. Além de pescar com meu pai, tinha meus primos. Aí, quando a gente chegou na adolescência, vinha a época do caranguejo. A gente pegava duas canoas, uma ia três e a outra ia duas pessoas. E a gente ia remando. Aí lá tem um piassá. E a gente sempre pescava. Então, a gente ia remando, levava lanche, guaraná, sanduíche. Ia e passava o dia. E a gente tinha um trajeto, que a gente ia, ia pegando carangueijo...
P/1 - Só os adolescentes?
R- É. Faixa de 14, 13. É, acho que dos 13 para os 16, 17 anos. E a gente ia até um trecho que tinha um barranco, tinha um barranco branco. Lá a gente parava as canoas, tirava todos os caranguejos, já estavam dentro de sacos de ráfia, lavava toda a canoa, tirava as calças, a blusa, que estava tudo cheio de lama, lavava tudo. Que chegava em casa com a roupa cheia de lama, a mãe falava: pode levar de volta e lavar lá. Então, a gente tirava o grosso ali, da sujeira, lavava os caranguejos também, tudo. Aí, depois a gente vinha embora. Então, a gente passava o dia no mar pescando. Aí, depois disso, quando foi para os 17, 18 anos, que eu comecei já a pescar sozinho, a gente tinha um barco de arrasto também, porque como começou a faltar o camarão-ferro na região, a gente começou a trabalhar com sete barbas lá fora. Só que sete barbas não é... é uma rede de arrasto com porta. Então, a gente trabalhava. Só que para trabalhar com sete barbas vivo, é um camarão muito sensível. Então, você tinha que dar um arrasto de 35, 40 minutos, parava, subia a rede. Não pode tirar a rede da água. Aí, ali, você ia tirando aos poucos, escolhendo só o camarão, o restante, voltando peixe, essas coisas, jogando tudo na água, porque estava vivo ainda. E só separando camarão. E não poderia tirar nenhum pouco da água, porque ele é muito sensível, o sete barba. Então, começou a trabalhar. Então, aí às vezes, eu já comecei a ir pescar sozinho lá fora. Eu ia sozinho, meu pai ficava aqui. Às vezes a gente ia em duas embarcações. E foi indo. Só que chegou um tempo que nem o sete barba... Que o sete barba não é muito bom pra pesca.
P/1 - Você explicando assim, todo camarão tem que pescar... Todo tipo de camarão tem que pescar com rede?
R- Sim, mas aqui dentro do estuário do canal usa-se uma rede chamada jerival.
P/1 - Como?
R- Jerivá. Que é uma rede de arrasto, mas é uma coisa mais artesanal, pra dentro do rio. A rede de porta, que é... Ela vem comprida, tem as mangas e tem o sacador dela, que o pessoal trabalha lá fora arrastando. Aí, já é de amarração de porta. Aquele tipo de rede é proibido aqui dentro do estuário, só pode ser em alto mar, lá fora, em mar aberto. Aqui dentro é proibido. Só que aqui não dá sete barbas, dentro do estuário, ele não entra a barra, o máximo que ele chega é até ali, Ilha Porchat, Ponte Penso.
P/1 - Por quê?
R- Talvez salinidade. É um cabanão de água mais salgada. Aqui dentro do estuário, a gente vai ter uma água de salinidade 20, 25. E lá fora já tem uma água de salinidade de 35, 40. Quando dá maré muito alta aqui, como nós estamos perto da Barra de São Vicente, consegue entrar uma água de 35 de sal, de salinidade. Então, eu acho que ele não entra por causa disso. Aí, devido a isso também que ficou escasso, aí o pessoal já começou a não querer muito sete barbas. Eu também viajo e compro camarões de outras regiões, vivo. Vou lá, compro vivo, transporto ele vivo, pra mim comercializar. Nessa época da entressafra, que falta. E aí, eu vou buscar Iguapé, Cananeia. Às vezes vou até Santa Catarina. Se não tem aqui, eu vou indo atrás. Quem tiver, eu vou lá, compro e trago.
P/1 - Porque aí você se especializou em camarão e quando não tem aqui, você sai pra pescar em outro lugar.
R- É! Hoje eu só trabalho com camarão vivo. Vivo ou morto, também. Porque eu vendo isca, isca para pesca amadora. Eu venho aqui, o cliente vem, ele quer pescar no Deck de São Vicente, quer pescar na plataforma de Mongaguá, no Deck do Pescador em Santos. Ou ele vem de barco, vem das outras marinas, encosta aqui, aí eu forneço o camarão para ele pescar.
P/1 - E qualquer tipo de camarão pode servir de isca? Assim, porque deve ter os camarões mais caros e os camarões que são um pouco mais baratos. E aí as pessoas...
R- Não, é assim, na safra, quando tem bastante, é fácil, o camarão fica mais barato. Fica mais barato. Mas quando falta, ele fica mais caro. E devido, ás vezes, que eu tenho que viajar, que eu vou buscar de carro, tem o custo da gasolina, pedágio, do oxigênio. Então, ele se torna mais caro, nessa época. Que geralmente nós temos a safra do camarão branco que começa mais cedo, em dezembro, e vai até março, abril. Quando se estende um pouco mais, até maio e junho. E depois ele dá uma pausa. E que nem em Cananéia e Iguape, essa época já tem camarão ferro lá. Porque lá é mais preservado. Aqui os rios já não são tão preservados quanto lá.
P/1 - Como você sabe em que época que você vai encontrar camarão em tal lugar?
R- Não, mas aí a gente tem os contatos. A gente se informa, liga. “Como é que está aí, e tal? Está pegando bem? Consegue me atender.” Porque aí a gente não vai lá para pegar pouco, a gente vai lá e pega uma quantidade boa para compensar a viagem. Então, a gente sempre tá em contato com eles.
P/1 - E aí você pega esse camarão, você falou do oxigênio, porque você precisa trazer esse camarão vivo?
R- É, vivo.
P/1 - Porque para pesca tem que ser vivo?
R- É, tem que ser vivo. Pode ser morto, só que o camarão vivo é a melhor isca para pesca, porque o camarão vivo ele pega quantidade, “n” quantidades de peixe, vamos dizer, o robalo, a pescada, o sargo, badejo, vários peixes. O camarão morto vai se limitar um pouco a betara, que é a perna de moça. Vai pegar a corvina. O robalo, a pescada, o sargo também pega, mas alguns peixes já não vai. E o pessoal quer a pescaria de robalo. Que é um peixe de primeira, é um peixe conhecido, peixe de boa qualidade. Então, por isso que se usa o camarão vivo. Então, a procura é grande. É grande. De camarão vivo. Então... Aí, eu me especializei nessa parte de camarão.
P/1 - Ricardo, e você desde pequenininho estava contando que você já ia pescar com seu pai, né?
R- Sim.
P/1 - Mas você lembra quando de fato você começou a pescar? E quando você era pequenininho, ele ia te explicando, falando das coisas de pescaria, como tinha que fazer.
R- Sim, sim, sim. É assim... Quando eu era pequeno, que eu ia no barco com ele, era até coisa... Porque naquela época tinha muito peixe. E a gente tinha, na lateral do barco, o barco de madeira assim, ele tinha uma rede que dava umas 30 braças, vamos dizer, uns 50 metros de rede. Aí, as canoas saíam com os quatro pescadores que estavam lá e iam dar o lanço em cima da tainha, do cardume. Ele fazia dois ganchos e batiam na canoa para o peixe ir para os ganchos. Trabalhava de lanço. E nesse tempo, eles demoravam lá, às vezes, 30, 40 minutos, até uma hora para pegar o cardume no jeito, para onde o cardume estava indo e tal, para fechar o lanço. E meu pai falava: vamos soltar essa redinha. E nós soltávamos aquela redinha. E aquela redinha ali, de 50 metros, às vezes, saia uma caixa e meia, dava uns 30, 40 quilos de peixe. Era coisa, assim, era muito peixe. Eu mal aguentava com a rede, era pequenininho, e no balanço, porque lá fora balança, e a rede com a pressão de água, um barco grande, dá pressão. Então, já ali eu pescava com ele. Depois comecei... Que antigamente não tinha essa rede jerivá que a gente tem hoje. Isso foi uma pesca trazida de Cananéia e foi aperfeiçoada aqui. E antes era de tarrafa. Então, quando eu tinha meus 11, 12 anos, meu pai me levava de reboque. Nós íamos até lá o Pompeba, ali naquela região do Casqueiro, que tem muito lugar baixinho, então, ele me deixava numa beirada e ele ia pra outra beirada, eu ia tarrafiando ali, pegando camarão. Eu já pescava sozinho ali.
P/1 - E reboca ele te levava em outro lugar?
R- Me levava, com motor, ele ia de motor e eu ia com outro. Ele me deixava num ponto e ele ia no outro tarrafeando. Então, eu ia tarrafeando numa beirada e ele ia na outra. Aí, depois ele vinha, me pegava e a gente ia embora. Depois de uma pescaria. Então, ali eu já comecei a pescar. Já, assim. Então, foi indo assim. Aí, depois... Porque o meu pai foi uma pessoa que sempre aperfeiçoou a pesca. Tipo assim, “sete barbas não traz vivo, não traz.” Aí, ele falou: não, vou trazer. E foi lá, “não, não vamos tirar da água, vamos fazer assim.” Meu pai sempre fez teste, sempre experimentando isso, experimentando aquilo, até chegar num ponto bom. E se aperfeiçoou, e nisso, os outros sempre querendo saber. “Pô, o Wil conseguiu, o Ricardo também conseguiu, vamos lá que a gente consegue.” E nisso as pessoas também foram pegando. Hoje tem mais pessoas que fazem isso, hoje, com sete barbas também. Só que o sete barbas hoje... A pescaria hoje em dia está muito defasada. Muito defasada, muito. Questão de camarão, de peixe. Você vê o pessoal que trabalha nos barcos aí, reclamam muito. É tipo assim, que nem minha esposa fala, eu não quero a vida que você tem para os meus filhos. Entendeu? Meus filhos frequentam pouco aqui, eles não têm a paixão pela pesca, assim, de estar aqui, de acordar todo dia cedo, às vezes vai embora tarde. E aqui, hoje, que eu tenho a marina... Porque meu pai nunca pensou em marina. A marina quem construiu fui eu, comecei a construir em 2000. Então, meu pai não gostava de lidar com o público, assim, não tinha muito jeito.
P/1 - Antes de me contar da marina, me fala um pouco, assim, por que você acha que está defasada a pescaria?
Você tinha um amor, assim, pela pescaria, de ver seu pai pescando e de participar com seu pai. Hoje em dia, você não pensa nos seus filhos pescando com você?
R- Não, não penso porque eu acho que pescaria hoje não dá mais. Não dá. A pescaria é pouca. Às vezes... Que nem você vai pescar de malhão, rede. Onde pega um peixe bom, um robalo flash, uma pescada grande, é na costeira. As costeiras, tudo viraram APA, área de proteção ambiental. Você não pode mais pescar de rede. De arrasto, você tem um limite. Então, você não pode ter um botinho pequeno, você tem que ter um barco grande, fazer um belo investimento, pra você pescar mais longe. Você entendeu? Então, eu acho que não é mais viável. Eu vejo o pessoal aí que vive da pesca, tira ali o sustento, mas eu acho que fora da pesca você vai conseguir ter um...
P/1 - E você acha que a questão da poluição, mudanças climáticas também influencia pra isso?
R- Talvez o progresso, a poluição... Vamos dizer, São Vicente já tem pouca área de mangue, já. Lá para cima, que era muita área de mangue, as casas já chegaram perto. Então, quer dizer, ali que era o berçário, não tem mais, entendeu? Não tem. Talvez pode ser isso? Mudança climática também, aquecimento. Pode ser? Pode ser. É a mesma coisa, onde a gente está aqui, tem vez que a água chega no piro ali, que não chegava quando eu era pequeno. A rua hoje dá uma ressaca muito alta, com mar ruim, vento, ela invade a rua. Coisa que quando eu era pequeno, eu não via. Então, você fala que o aquecimento global está afetando? Está. O nível do mar está subindo? Está subindo. Até saem aquelas notícias, “Santos, São Vicente, um dia...” Que é uma ilha, Santos, São Vicente. “Que vai pro fundo.” Eu não sei se vai, mas que o nível está subindo, está. Isso é fato. O que a gente sente aqui no dia a dia. Entendeu? Agora, é que nem o Porto de Santos. Melhorou? Melhorou em questão... Aprofundou. Porque hoje em dia você vê que tem cargueiros enormes que entram, cargueiros, não sei se estou falando alguma coisa de 300 metros, com calado, que antes entrava com menor calado. É, a parte de baixo. Com um calado de 15 metros. Então, sempre tem draga trabalhando lá, tão aprofundando. Eu, na minha opinião, acho que isso melhora, porque entra uma água mais salgada, entra mais oxigenação na água, entendeu? Acho que melhora. Só que a gente que trabalha, que nem com camarão, que trabalhava ali nas beiradas, hoje você não consegue mais trabalhar.
P/1 - Porque está mais fundo?
R- É, tá uma parede. Você tá trabalhando aqui com 3, 4 metros, daqui a pouco cai pra 15. Você não consegue achar a linha do camarão. Então, isso é muito ruim. No Porto tinha muita pescaria artesanal. Hoje, pelo crescimento, pelo progresso, está reduzindo essa pescaria. Está ficando uma coisa limitada, pouco espaço para o pescador artesanal, entendeu? Então, quer dizer, uma das coisas que não tem muito espaço mais para o pescador explorar, entendeu? Se o cara põe a rede num lugar proibido, ele está arriscado a perder a rede, o barco, o motor, entendeu? Então, aí ele tem que ir mais para fora. Aí, mais para fora, às vezes, não pega muita coisa. Entendeu? Aí, o gasto de gasolina é maior. Entendeu? Tudo isso. Tem o perigo de passar um outro barco de arrasto e não ver, arrastar a tua rede, estourar tudo. Entendeu? Elas são demarcadas com bandeiras, boias com bandeiras e tal. Mas é meio complicado. Então, o que eu falo, eu não incentivo meus filhos. Eu até falo que eu acho que o legado da pescaria da família Yunoto vai acabar comigo. Que eu já não sou, não estou todo dia na água. Eu vivo, assim, um pouco da pesca ainda. Mas eu acho que o legado da família acaba aqui, porque os outros primos, da parte dos meus tios e avô e tal, ninguém mais pesca. Da terceira geração, acho que foi meu pai, e a quarta geração, acho que está sendo eu. Aí, eu acho que o legado da pesca acaba aqui.
P/1 - Me conta um momento marcante de quando você era pequeno e pescava com seu pai, uma coisa que você lembra, assim?
R- Então, meu pai gostava muito de pesca. Ele, às vezes, fazia... Pegar peixe grande para ele era uma satisfação, um troféu, uma vitória. E eu me lembro quando pequeno, adolescente já, foi quando ele pegou um mero de 150 quilos. Eu estava com ele, nós estávamos em uma embarcação pequena e não deu nem para embarcar. E esse peixe... Na verdade, teve um outro, que eu era menor, acho que eu tinha uns 10 anos. É! Esse foi o que mais me impactou, porque nós armávamos o espinhel debaixo da ponte de pense. O espinhel é uma linha, tipo um varal, que vem os anzóis pendurados. Então, a gente punha ou um palatino, um anzol, cortava a tainha no meio, botava um pedaço e armava. E a gente ia lá pegar. E eu sei que dessa vez nós pegamos, eram dois, um acho que tinha 120, outro tinha 70 e pouco, quase 80 quilos. E os dois estavam um na frente, um embaixo. E eu pequenininho, e o peixe puxava, chegava até a arrastar, porque fazia força. E brigando, brigando, brigando. Quando subiu aquele peixe, eu nunca tinha visto um peixe vivo daquela proporção, daquele tamanho, eu me assustei. Aí, eu sei que até o... Que na época o meu pai tinha o barco e ainda os meninos trabalhavam, os outros pescadores, mas ele já não trabalhava, só administrava daqui, porque nós estávamos só no camarão vivo, só, já. Aí, o barco estava passando, ele chamou, eu sei que o pessoal veio ajudar ele com as canoas. Aí, eu pulei da canoa, pulei pro barco grande e fiquei só assistindo de longe. Tem até fotos aí. Aí, depois, em 1998, eu já estava com 22 anos, esse aí eu me lembro, nós pegamos um de 150 quilos, eu estava com ele, aí eu já ajudei e tal. Mas não deu para embarcar. Nós tivemos que botar mais anzóis na boca dele para trazer ele rebocado. Foi no primeiro de maio. Esse aí já saiu na TV Tribuna, aqui na região local. Foi no dia primeiro de maio, dia do trabalhador em 1998. Então, também tem foto dele aí, dos peixes aí. Então, é assim... Meu irmão também foi uma pessoa que, no começo, gostou muito de mergulhar, meu irmão. Meu irmão foi mais para área do mergulho. Se formou na marinha profissionalmente. Tentou abrir uma escola de mergulho. E às vezes, final de ano, aqui atrás desse morro, que é o Itaquitanduva, a costeira do forte, antigamente não era proibida, chegava o final de ano, meu pai levava meu irmão para mergulhar lá. E nessa região tinha ainda Lagosta. Então, pegava lagosta, polvo, para gente fazer no final de ano. Então, são memórias também que me marcaram. Que eu era pequeno.
P/1 - Você ia também?
R- É, então, meu irmão já estava com, acho que 23, 24 anos, eu tinha 13 anos, ele é 10 anos mais velho que eu, e eu ia ali acompanhando. E meu irmão mergulhava e ficava eu e meu pai no barco esperando. Levava ele, “ó, pode ir aqui que aqui tem lagosta.”
P/1 - E aí pegava lagosta?
R- É, com gancho, com bicheiro. Bicheirinho pequeno de mão, pegava. Porque meu pai armou muita rede nesse costão, então ele conhecia tudo. A cada pedra, a cada buraco, ele conhecia.
P/1 - Ah, eu ia perguntar isso mesmo. Como que eram as festas de final de ano? Era uma família grande aqui, pelo que você falou. Vocês comemoravam o Natal, todo mundo junto? Que tipo de comemorações, aniversários?
R- Não. Aqui, antigamente, bem antigamente, que eu era bem pequeno, se fazia festa de São Pedro. Festa de São Pedro Pescador, que fazia na marina. Já tinha as marinas todas separadas. Aí tinha o meu tio, o Teto, ele fazia. Então, eu me lembro que vinha carrinho de algodão doce, tinha brinquedo, tinha vários tipos de comida. Tinha muita comida japonesa também. Então, vinha, vinha o pessoal da Rua Japão, na verdade muitos pescadores moravam aqui na rua, então ele chamava todo mundo. Então, se reunia ali pra fazer a festa de São Pedro. Então, sempre tinha uma festa uma vez por ano ali. E final de ano, não. Final de ano, o que eu me lembro, foi sempre na casa da minha mãe lá, dos pais da minha mãe lá. A gente sempre comemorou lá, como até hoje, a gente se reúne, a família toda e Natal e Ano Novo é lá.
P/1 - Quando vocês começaram a optar só pela pesca do camarão, ainda foi o seu pai?
R- Foi o meu pai.
P/1 - E você sabe por quê? Como que ele começou a ter essa ideia de pescar só o camarão?
R- A procura. Antigamente, ele tinha o camarão, mas era pouco. Ficava em uns tambores dentro da maré. Só que a procura começou a ficar grande. E aquele negócio, meu pai sempre quis inovar. Sempre quis. Sempre aperfeiçoando. Aí, ele fez dois tanques. Antigamente, tinha umas bombinhas de aquário beta, eram várias penduradas no tanque, pra fazer a aeração. E começou. Então, o pessoal sabia que tinha aqui. Porque já tinha o costume de ir pescar com camarão vivo. Então, o pessoal, “vamos lá que o Will tem e tal.” E começou... E a pesca foi evoluindo, a pesca amadora também, no decorrer do tempo também foi crescendo muito. Então... O camarão foi evoluindo também a venda. Então, o pessoal vinha e começou a encomendar. Então, meu pai começou a estocar. Aí, eu, com os meus 12, 13 anos, eu que vendia o camarão. Aí, começou a vir o pessoal que pescava de isoporzinho. “O camarão vivo é bom para pescar e tal.” Aquele negócio da evolução. Tudo que é bom o pessoal começa a usar. Então, aí foi crescendo, crescendo. Aí, fomos ampliando os tanques. E aí, a gente foi ficando conhecido, pelo fato de não faltar camarão.
P/1 - Os tanques já eram aqui?
R- Já, já.
P/1 - Mas aqui ainda não era marina?
R- Não, não era marina. Só tinha uns barracões que guardava as canoas, guardava as redes. E o resto era terreno aberto. Ficavam uns barcos velhos, de madeira.
P/1 - Mas barcos de outras pessoas também ou só da família?
R- Não, de outras pessoas. De paulistas que tinha. Na entrada lá tinha muito... Tinha umas casinhas lá, ali eram ranchos de paulistas, que eles passavam o final de semana aqui. Entendeu? Eles vinham... Hoje não tem mais ninguém, até já estão muito antigos e tal. A gente está para demolir ali e tal. Porque já não se usa mais. Entendeu?
P/1 - E aí, como que começou a história da Marina?
R- Então, porque é o seguinte, aqui o terreno, morava o meu vô e tal, aí o meu tio que começou a cuidar da parte que meu vô já guardava os barcos. E do meu lado só tinha um barracão, um galpão. Aí, tinha um cliente, o Seu Álvaro, começou tudo com ele. O primeiro cliente a gente nunca esquece. O Seu Álvaro ficava, “pô, Ricardo, guarda meu barco aí, meu barco é pequeno, não vai atrapalhar.” Porque de onde ele saía, quando a maré era seca, ele não conseguia mais descer o barco. “Não, traz, traz.” Meu pai, “tá bom, traz.” Aí, veio o primeiro barco. Aí, nisso, veio mais um pedindo, não sei o quê, “tá bom, põe aí.” Aí, daqui a pouco, quando eu fui ver, eu tinha um galpão que eu tomava conta já de 15 barcos. Aí, veio um rapaz e falou: pô, estou vendendo o meu sítio. Eu tenho dois barcos de alumínio, te vendo a preço baratinho, só para desocupar. Aí, eu comprei esses dois barcos e comecei a alugar também. Aí, nisso, eu comecei a alugar. Daqui a pouco, eu estava com 8 barcos de aluguel e 15. E lá já estava ficando apertado. Aí, como tinha essa parte de terreno aqui, mas não tinha rampa, não tinha nada, aí foi quando eu comecei a construir aqui. Eu comecei a construir, fiz a frente aqui e fiz esse primeiro galpão. Aí, eu trouxe tudo de lá pra cá e fui ampliando. Aí, eu já consegui colocar um pouco mais de barco. Aí, tinha uns galpões velhos, ainda consegui usar eles, de madeira mesmo, fui pondo e tal. E fui ganhando dinheiro e construindo aos poucos, fui fazendo, fazendo. Aí, hoje tá nesse nível. Aí, eu abri empresa, tenho cadastro na marinha. Porque quando é marina, você tem que ter o cadastro na marinha. Você é cadastrado, tem que abrir empresa, tudo certinho. Hoje tenho funcionários e tal. E hoje... Só que eu continuo voltado, eu guardo barco de pescadores, amadores, vamos dizer. O pessoal vem, guarda o barco, quer vir, vem de São Paulo, ele vem, desce, pesca, volta, a gente lava, guarda o barco dele e ele vai embora. E tem muito guia de pesca aqui também. Onde você não tem barco, pega a sua família, um grupo de amigos, vem, ele cobra um valor, põe vocês e vocês passam... A gente desce os barcos a partir das 18h30 e fica até às 17h. A critério do cliente, se ele quiser vir antes. Aí, tem pescaria dentro do canal, do estuário, tem pescaria de mar aberto. Aí, a pessoa que escolhe.
P/1 - E aí tem um site, um telefone?
R- Aí, é cada guia, cada guia tem seu Instagram, tem seu Facebook, tem a mídia, as redes sociais. E eu faço a guarda deles. Eu não agendo pescaria, porque cada um tem a sua agenda, cada um tem seu valor. A pescaria, o tipo de pescaria que quer fazer. Eu só faço a guarda da embarcação dele, sirvo o camarão, e sirvo o espaço. Depois, quando ele volta, se ele quiser tomar uma cerveja, fazer um churrasco, tem esse espaço aqui.
P/1 - Ricardo, você falou que pesca em vários lugares, na busca do camarão, quando não tem camarão aqui. Você já passou algum apuro, alguma situação assim, difícil pescando?
R- Você diz assim de situações de risco?
P/1 - É.
R- Já tive aqui, pescando lá fora sete barbas. Sete barbas. Porque até então, já passei algumas com o meu pai, mas uma pessoa muito experiente.
P/1 - Ah, conta uma com o seu pai, então, primeiro.
R- Então, que a gente estava lá... Porque quem está lá fora conhece o tempo. E meu pai começou a levantar a mão e falou assim: “ó, vamos embora que tá... Vai cair vento.” Levantamos a rede, tiramos o camarão e viemos embora. Só que nesse... No meio do caminho, o vento pegou a gente. Só que é uma pessoa muito experiente... Você não pode navegar de lado num vento forte, ou você põe de frente, ou você põe de popa. Então, a gente pegou uma situação que a barra estava aqui e a gente não poderia entrar direto nela, porque vinha muito vento. Então, nós tivemos que sair mais para fora, sentir navegação, para virar vento em popa e poder entrar na barra. Entendeu? É uma questão que ele, pra ele foi tranquilo, normal, mas eu fiquei apavorado pela situação do vento.
P/1 - Quantos anos você tinha?
R- Ah, eu já tinha meus 14, 15 anos. Agora, sozinho, eu passei numa que foi... Eu não sei que ano que eu vou lembrar, mas eu acho que deve ter sido em... Talvez em 2015, por aí. Estava eu e estava até o Seu José que pescava comigo, nós estávamos lá fora e eu vi uma nuvem correndo baixo. Eu falei: “Zé, vai cair vento, vamos embora.” A gente tinha acabou de largar a rede. E eu colhi a rede. Ele falou: “vamos escolher.” Eu falei: “não, só arrastamos 15 minutos, não tem nada. Vamos embora.” E viemos embora. Quando chegou no meio da barra que eu olhei para trás, já estava vindo tudo encarneirado lá de fora. E o vento pegou a gente, mas a gente já estava entrando na barra. Só que aí, ventando e caindo água, caindo água, aí o motor apagou, no meio da barra. O Seu Zé, um senhor de cor, ele ficou até branco, arregalou o olho. Eu falei: “Seu Zé, fica tranquilo. O máximo que a gente vai fazer é bater na pedra da Ilha Porchat e a gente sobe que nem gato. Fica tranquilo.” E tinha um botão no motor do liga e desliga que tinha dado problema, meu pai mandou trocar, e o mecânico pôs um que entrava água. Eu falei: ele mexeu nesse botão, entrou água e fechou curto. Aí, eu abri o motor debaixo de vento e tal, desliguei ele, corta a corrente. Chama corta corrente, que para o motor, bateu, pegou. Aí, nós viemos. Só que nós não conseguimos nem chegar na ponte pênsil. Aí, tem os barcos de frete, que nem esses barcos grandes, estavam tudo ali por causa do vento. Aí, nós conseguimos chegar até um conhecido, o Catumiro, tem um barco grande. E nós ficamos lá. Só que a maré, nesse dia, deu até tipo um tsunami. Porque assim, a maré começou a vazar, vazar, vazar, vazar, vazar, numa proporção tão grande que os barcos grandes, com essas pontes que são grandes não seguravam com a força da maré. E eles apoitados com o motor ligado, segurando. Aí, daqui a pouco deu uma maneirada e a maré voltou de enchente. Aqui nós temos as marinas desse lado, que no final, quando tudo se acalmou, que abaixou o vento, que nós viemos, tinha lancha que foi parar em cima de flutuante. Que a força da maré foi tão grande que quebrou o flutuante, que estavam as lanchas presas, e uma foi parar em cima de um flutuante de concreto. Lá foi um rebuliço danado. Então, foi uma experiência não muito agradável, que essa deu medo, mas se eu tivesse lá fora, tinha passado pior. Sorte que eu consegui entrar a barra e procurar um barco ali, que foi um seguro pra gente, um abrigo. Entendeu?
P/1 - E você estava contando pra gente, aqui também é rua Japão e a sua família ter vindo do Japão. Tem alguma ligação?
R - Então, não sei te dizer, mas moravam muitos japoneses aqui. Não só a minha família, mas tinha outras, como a do Seu Juca. Eu não vou saber o sobrenome dele. Tem a do Saborô, que todos trabalhavam na Manjuba também. E como tinha também brasileiros, que eram pescadores, Seu Tunico, um pescador... Se eu não me engano, era Tunico Lancha, que chamavam ele. Um pescador, um dos mais antigos, assim, do tempo do meu vô, que pescou até bastante tempo. Era impressionante, ele pescava com uma canoinha que eu acho que dava uns 40 centímetros. Só que ele era magrinho, um senhorzinho, e ele pescava na tarrafa. E ele brigava muito com meu pai, numa época que meu pai trouxe o jerivá para cá, pra região, que era uma pescaria mais fácil. E ele não aceitava, que tinha que ser na tarrafa ainda. Então, nossa, foram algumas brigas aí. Na época eles não se falavam, mas enfim. A gente hoje tem alguns parentes deles lá, da família deles, cumprimenta eu, a gente conversa, tudo. Eles vêm aqui também, entendeu? Mas eu talvez, não sei se é por causa disso, mas aqui a Rua Japão era uma colônia de pescadores. Quando o bisavô se instalou aqui, na verdade ele não tinha acesso pela rua, eles tinham que sair de barco, ir até a vilinha, que tem a vila da Rua Japão, que é um conjunto de casas, deixava a canoa amarrada ali, para ir para a escola, estudar. Então, para sair, tudo tinha esse trajeto. Aí, com o tempo que foram aterrando, fazendo o caminho e hoje tá essa evolução aí.
P/1 - Você falou que seu pai sabia a hora que ia vir o vento, essas coisas, bem de pescador. Quais foram os ensinamentos que ele passou pra você?
R- Não, é tipo assim, você tá lá fora, tá um dia bonito, aí de repente você começa a ver uma nuvem, a nuvem... Uma barragem de nuvem levantando pro lado sul, porque você vê o horizonte. Se está levantando, pode ir embora, que ali é vento. Entendeu? E às vezes o que a maré faz também, dá para saber que vai... Tipo assim, hoje é para a maré secar, de repente a maré não seca, “Ah, vai cair vento. Vai mudar o tempo.” É dito e feito. Porque quando cai tempo ruim, a maré não seca. Dependendo de como tiver o vento. Ventou sul, a maré já não vai secar hoje. Está ventando leste, não, vai ficar normal. Entendeu? Tem essas coisas assim. A maré está secando, mas já vem o vento sul, ela já não vai secar mais, o que deveria secar.
P/1 - Mas tem a maré melhor pra pescar? A maré que nem adianta sair pra pescar, que não é bom?
R- Tem. Tem, tipo assim, o camarão, o camarão se pega mais na maré correndo. Seria maré de lua cheia ou lua nova. A de quarto crescente, quarto minguante, ela não anda muito, então é mais trabalhoso. Porque o camarão não se junta muito, ele se espalha no poço, que você vai pescar, se espalha um pouco. E na maré correndo, ele já se ajunta. Então, às vezes, você vai ali e pega o que você quer, a quantidade de isca que você quer, vem embora e pronto. E às vezes, você tem que ir na maré de quarto, você trabalha de manhã, não pega a quantidade, você tem que voltar à tarde, almoçar e voltar à tarde para maré para pescar mais um pouco. Porque também o pessoal hoje em dia encomenda, hoje tem WhatsApp. “Amanhã eu vou pescar, preciso de tantos camarões. Guarda pra mim, eu venho na sexta, venho no sábado.” Então, você já sabe mais ou menos quanto vai sair. Então, você vai lá e pesca mais ou menos o que vai ser consumido.
P/1 - E como que você se prepara pra um dia de pesca?
R- Ah... Como assim? Se preparar, eu ponho minha calça, minha roupa.
P/1 - Mas o que leva no barco? Você vai sozinho?
R- Não, eu vou sozinho. É um barco pequeno. A gente põe... Eu trabalho com calça e de capa, bota. Eu trabalho com uma jardineira, porque trabalha e se molha, principalmente no inverno, se você vai pescar, friagem, chuva. Bota e leva ali uma bolachinha, uma laranja, um café. Isso aí sempre tem. Porque a gente não fica muitas horas, porque a gente pesca mais perto. A não ser quando a gente vai pescar lá no porto. Que de onde eu estou lá no porto, num motorzinho de 15 HP, a gente leva uns 40 a 1 hora. 50 a 1 hora. 50 minutos a 1 hora de viagem. Então, lá você tem que explorar um pouco mais, tem que ficar um pouco mais, pra compensar a gasolina. Então, lá você já leva um pouco mais de lanche e tal. Se tiver que ficar duas marés lá, você fica. Entendeu? Mas aí, você fez a sua pescaria, você vem embora.
P/1 - E quando você vai pescar em outras cidades? Você falou que chega a ir pescar até no sul, né?
R- É, mas, na verdade, lá eu mais compro do caiçara de lá, do pescador de lá, do que pesco. Entendeu? É mais ajudando a economia lá. Mas aqui, quando é Cananéia e Iguape, às vezes eu vou com o pessoal lá. Dou minhas voltinhas lá.
P/1 – Aí, você não pesca com o seu barco, você pesca com os caiçaras de lá?
R- É, eu vou com o barco deles, entendeu? Aí, eu vou com eles. Mas... Que nem quando eu vou pra Santa Catarina, eu compro do caiçara de lá.
P/1 - E você tem contato com muitos pescadores aqui. Eu queria saber umas histórias de pescador. Ou sua, ou o que algum pescador contou que você fala: ah, isso é história de pescador.
R- Não, então... É tão engraçado que eu conto essa história que meu pai... Porque tem a Sexta-feira Santa, que ninguém pesca na Sexta-feira Santa. Acho que é o único dia que meu pai respeitava no ano.
P/1 - Mas ninguém pesca aqui ou a sua família não pesca?
R- Não, é pelo pescador, em respeito. A Sexta-feira é porque diz que não dá peixe, que não sai nada. Um dia que não é pra se pescar. O ano inteiro, meu pai podia pescar dia 25 de dezembro, dia 1º de janeiro, mas sexta-feira santa ele não pescava. Então, ele conta as histórias, que os caras falavam, “ah, é bobeira.” Aí, um foi arrastar camarão lá fora, disse que veio com a rede cheia de osso. Aí, teve um que foi pescar à noite, no piassá, jogou a rede, a rede não... Parou em cima da água. Ele largou tudo e veio correndo. Só que quando ele foi no outro dia, era um galho, uma árvore que tinha caído, e ele se assustou porque a rede não afundou, ficou um galho seco, ficou meio pendurado, e não dava, ele jogou aquela rede, ele ficou assustado e jogou tudo, porque não breu à noite, você não vê. Então, as histórias que escuta, assim. Mas eu, particularmente, assim, não tenho história, só história que a gente escuta, assim, dos outros, as lendas dos antigos. E hoje em dia você escuta, o cara pega um robalo de quatro quilos, “pô, fugiu. Fugiu, maior que esse.” E eu brinco com os caras. Mas eu nunca vi o cara perder um menor que esse. Você pode estar aqui anos. O cara pega de um quilo, fala: você precisa ver o que perdeu. “Perdi um, era maior que esse.” Se o cara pegar o de dez quilos, ele fala: o outro era maior. Aí, eu falo com o cara, mas nunca é o menor, é sempre o maior que foge, nunca é o pequeno. Então, é engraçado.
P/1 - E você falou que você, seus primos, quando vocês eram adolescentes, vocês iam pescar caranguejo. Me conta como que era? Devia ser uma bagunça, uma brincadeira de adolescência.
R- Era uma diversão, mas foi onde eu comecei a ganhar o meu dinheirinho. Porque ia lá, a gente trazia, cada um pegava dois sacos de caranguejo. Vamos dizer ali, que dava ali cinco a seis dúzias, cada saco. Então, chegava aqui. Aí, tinha os paulistas que vinham aqui e já sabiam que nessa época tinha caranguejo. Então, o pessoal vinha e encomendava. Só que eles queriam limpo. Então, a gente matava, limpava, tirava o casco, esfregava um por um, na mão e entregava limpo. E a mão ficava toda cortada, porque o caranguejo você tira ele assim, toda cortadinha, assim. Mas isso eu comecei a ganhar meu dinheirinho. Então, vendia, vamos dizer, hoje vende a R$20,00, R$25,00 a dúzia. Vamos dizer que eu botava R$250,00 no dia. Para um moleque de 12 anos, R$250,00 hoje, ganhava. Aí, ia hoje, ia no outro dia, ia no outro dia. E aí, a gente começou a armazenar. Deixava em caixa d'água. E eu tinha um tanque, tinha um tanque ali que era de pedra, que aí nós fizemos cimento com barro, meu pai, “ah, vamos fechar com cimento e com barro.” Nós vedamos todos os buracos do tanque, fizemos uma tela em cima e ali eu armazenava caranguejo. Na época do caranguejo, quando chove muito, o caranguejo vai pra dentro d'água, aí fica na beiradinha. Aí, meu pai falou, bolou o gancho e nós começamos a pescar de gancho, de varinha. Nossa, mas pegava muito. Tipo assim, ele ia num barco, eu ia num outro, cada um trazia, vamos dizer, setenta, oitenta dúzias. E a gente tinha esse tanque. Esse tanque teve vezes de ficar com uns 1.200 a 1.300 caranguejos. E eu tratava. Ia no mangue todo dia, cortava folha. Porque tem o mangue manso e o mangue bravo. Cortava o mangue manso, trazia, tirava as folhas velhas, botava as folhas novas, para eles se alimentarem. Então, passava janeiro, fevereiro, eu tinha caranguejo. E eu vendia muito caranguejo. Então, aí depois virou até um comércio. Hoje em dia, não. Hoje em dia, quando tem caranguejo, eu vou lá pegar só pra comer.
P/1 - Você teve algum trabalho fora a pesca?
R- Não. Eu tenho minha carteira de trabalho, não tenho nenhum registro. Só a foto. Só a foto. Eu acho que eu tirei até... Não sei pra quê que foi, que era alguma coisa da pesca, que eu tinha que ter a carteira em branco, eu tirei essa carteira, está lá guardada até hoje. Não tenho nenhum registro. Não tenho nada, nunca trabalhei fora.
P/1 - Mas você tem o registro de pescador?
R- Tenho, sou pescador profissional, tenho a carteira da marinha, da POP, que é pescador profissional, que ali tem até embarque e desembarque. E tenho a da Colônia, a artesanal.
P/1 - E aí, na adolescência, fora aí pescar com os seus primos, o que você fazia para se divertir?
R- Então, na minha adolescência eu peguei gosto de surfar. Então, eu também, na minha adolescência... Meu irmão foi do skate, aí eu comecei com ele no skate. Aí, depois eu comecei a pegar gosto, aí eu, na minha juventude... Jogava bola só na rua, assim. Mas aí depois eu fui mesmo... Passei a minha adolescência pegando onda, trabalhava aqui. Porque, nesse tempo, meu irmão ajudava a gente aqui. Então, eu vinha de manhã e ele ficava na parte da tarde. Porque ele já estava naquela onda de namorinho e tal, então ele dormia mais tarde e acordava mais tarde. E eu, né, vinha cedo, eu vinha pra cá sozinho, de bicicleta. Não é hoje em dia, hoje em dia é mais perigoso. Eu tinha 15 anos, vinha de bicicleta sozinho. Hoje você não vai deixar seu filho sair 4h30, 5h da manhã de casa pra ir pro trabalho sozinho, de bicicleta. Então, mas eu vinha, de bicicleta sozinho. Então, eu ficava de manhã e a tarde... E aí, eu já estava no colegial e estudava à noite. Então, eu ficava aqui de manhã, a tarde ia para praia e à noite estudava. Mas sempre voltado aqui.
P/1 - Mas você ainda surfa?
R- Não, não, não. Depois que casei, veio os filhos, aí eu parei. Parei. Aí, me dediquei mais isso. E também, agora... Meu pai ficou aqui até a pandemia. Porque ele era fumante, tinha enfisema pulmonar. Quando veio a pandemia... E ele era um cara que vinha pra cá todo dia, 3h30 da manhã, 4h da manhã ele estava aqui. E ficava na parte da manhã. Aí, à tarde ele não voltava mais, nesse tempo, ele só ficava de manhã, mas ele vinha, não dava o braço a torcer. Aí, na pandemia, ele foi pra casa. Falei: não! Fiquei duas semanas fechado. E na pandemia não tinha restrição de sair no barco. Porque...
P/1 - Funcionava normal aqui na pandemia?
R- Funcionei normal, assim, agendado. Só que assim, família, pai, mãe, me ligavam, assim, “pô, vou descer meu barco, tudo bem?” Não tinha restrição pela capitania dos portos que eu não poderia descer barco. Então, você está na sua casa, você deve ter ficado com a sua mãe, com o seu pai, com o seu filho, ali. Entrava dentro do carro, vinha aqui, descia. Tinha dois, três. Esperava no estacionamento. “Ó, vamos descer esse.” Descia tal. “Ó, vem cá, vai colocando as coisas no barco.” Descia outro, para subir a mesma coisa. Não tinha bar, não tinha funcionamento, só usava os banheiros e pronto. E meu pai ficou em casa, porque tinha enfisema, não vou colocar ele em risco. E aí, ele pegou o conforto de casa. Aí, ele não quis mais saber de voltar para cá, depois dos dois anos, ele ficou. E aí ele morava em uma casa, tinha as plantas. Até minha mãe já estava ficando doida, porque ele ia lá, uma semana podava as plantas, outra semana podava as plantas, minha mãe: “daqui a pouco você está derrubando as árvores.” Então, foi até engraçado. No começo os dois brigavam muito, dois velhos em casa, que nunca ficaram tanto tempo juntos, semanas, assim, dia e noite, dia e noite. Só que aí meu pai já começou a ter uns problemas de memória, de saúde. E até que ele pegou... Ele sempre foi uma pessoa magra, então, aí começou a querer ficar muito deitado e tal. E aí, a gente começou com fisioterapia e tal. Até que ele pegou uma pneumonia, dessa pneumonia, ele não aguentou. Mas uma pessoa que eu acho que viveu muito, porque eu falava... Falo pra todo mundo, porque ele começou a fumar com 11 anos. 11 anos. E tiramos o cigarro dele com 83. Então, uma pessoa que fuma 72 anos, eu falo que está no lucro. Então, ele viveu bem, viveu bastante, fez o que ele gosta, criou os filhos, conheceu todos os netos que tem, são oito netos. Então, eu acho que ele fez mais de 50 anos de casado. Então, viveu bem. E deixou um legado aí para mim. Ele foi uma pessoa muito respeitada no setor da pesca. Então, eu acho que ele viveu bem, está feliz. Muita gente ainda fala muito bem dele. Teve homenagens depois do falecimento dele em jornal.
P/1 - Fala o nome dele pra gente.
R- É Yukito Yunoto, mais conhecido como Yu. O pessoal chamava ele de Yu. Então, é isso. Então, teve um legado muito grande. Entendeu? Mas viveu bem. Curtiu bastante. Deixou os filhos, hoje a gente... Criou bem os filhos. Eu tenho uma irmã que fez economia, foi para São Paulo. São Paulo é área de trabalho. Hoje ela tem dois filhos que estão estudando lá fora, fazendo faculdade. E eu acho que tudo isso que ela conquistou, que eu conquistei, que meus irmãos conquistaram, veio do meu pai e da minha mãe também. Minha mãe também tem um fundamento na nossa criação.
P/1 - Qual o nome da sua mãe?
R- O nome da minha mãe é Elin Aguiar Yunoto. Então, acho que como ela tinha a casa dos pais dela, meu pai não pagou aluguel. Minha mãe é pensionista do exército, pelo meu vô. Mesmo casada, não perde, porque aquela pensão antiguíssima, de 1963. Ela e tem uma irmã dela, que são pensionistas ainda do exército, que também ajudou um pouco nas partes difíceis, na parte financeira. Porque a pesca tem a fartura, mas tem a parte também que não dá.
P/1 - Quando não tinha fartura da pesca, vocês faziam outro... Tinha outro tipo de negócio, outro tipo de trabalho?
R- Não. A gente aqui da pesca, não. Da pesca, não. Sempre foi camarão. Então, tipo assim... Tinha o camarão branco, aí tinha o Ferro, na época do inverno. Só que aí começou a não ter. Aí, fomos para o sete barbas. Não tem o sete barbas. O que vamos fazer? Aí, vinha um cliente, “tem bastante camarão em Iguape.” “Está dando bastante camarão em Cananéia.” Aí, eu comecei a viajar com 18 anos para lá, pra Iguape, Cananéia. Conheço todo mundo de lá que trabalha com camarão. Então, a gente viajava até num gol, com as caixas, era água voando pra tudo quanto é lado, era um monte de bombinha e tal. E começamos a ir para lá e conhecer e a trazer o camarão. Tipo, sempre coisando, porque tinha outras formas, mas a gente se aperfeiçoou no camarão. Poderia ser no peixe. No começo de tudo, lá atrás, meu pai tinha o barco de pesca, que mesmo quando ele começou a partir para o camarão, ele manteve o barco. E com os pescadores também, para não tirar aquilo que era o sustento do pessoal. Que a pescaria era por partes, tem a parte do barco, tem a parte das redes e uma parte para cada pescador. Da manutenção do barco, da manutenção da rede e dos pescadores. Então, o meu pai, como era o mestre do barco, ele pegava três partes. A dele, a do barco e da rede. E os pescadores, cada um levava a sua parte pela mão de obra. Só que meu pai sempre tinha que manter as redes em dia. Rede nova. A rede já não está boa pra pescar, compra rede nova, corda, boia, chumbo, entralhar, fazer. A mão de obra era deles. Eles faziam os estirão e faziam o entralhe das redes. Então, tinha outro meio de sobrevivência, assim, nesse meio tempo. Mas aí, quando foi pro camarão, que ele vendeu o barco, vendeu tudo, ficamos só no camarão, foi onde também que, passado o tempo, eu comecei a fazer a guarda de barco. Querendo ou não, entrava um dinheirinho. Então... Aí, sempre assim, se esquivando de um lado, de outro. Mas não é... Que nem hoje, o pescador artesanal mesmo, que vive da pesca. Na época do camarão, ele está no camarão. Aí, não tem o camarão, acabou a safra do camarão. Aí, ele vai pro Parati, ele vai pra Tainha lá fora, ele vai pro Bagre Cabeçudo. Na época do caranguejo, ele vai pro caranguejo. Entendeu? Se defende assim. Só que a gente faz de tudo para não faltar o camarão. Pela cartela de clientes que a gente tem. O pescador que entrega na peixaria, se ele tem, tudo bem. Ele tem, entrega na peixaria. Mas se ele não tem, não vai entregar na peixaria. Mas isso não vai competir que a peixaria cobre ele, “olha, estou precisando disso.” Não tem, entendeu? Que a peixaria tem outras fontes também de repor aquele peixe. “Ah, não tem isso aqui, está faltando, preciso.” Vai no CEASA que ele consegue. Diferente da gente. Se você quer o camarão vivo e eu não tenho e está na falta, ele não vai conseguir. Entendeu? Então, até eu brinco assim, a gente tem... Que eu falo assim, você vai no mercado, vai comprar um açúcar. Ou numa padaria, você vai comprar o açúcar. Não tem açúcar. Na outra semana você vai precisar do açúcar de novo. Você vai na padaria e não compra. Só que você foi na outra e tinha açúcar. Você foi aqui a segunda vez, não tinha açúcar. Você vai lá de novo. Na terceira, você vai onde? Vai onde tem açúcar. Entendeu? Então, eu faço isso no camarão também. Se o cliente vem a primeira vez, não tem. Vem a segunda, não tem. Ele não vai voltar mais em mim. Então, por isso que a gente se esforça um pouco mais no camarão, entendeu?
P/1 - Ricardo, como você conheceu a sua esposa? Como foi o casamento?
R- A minha esposa eu conheci através de um amigo que namorava a irmã dela. Na verdade, paquerava na época. Então a irmã dela... O nome da minha esposa é Bianca. E a irmã dela, eu tinha muita amizade com a irmã dela também, a Carol. A Cacá falava pra mim, “pô, vai ter um aniversário lá em casa, vem com o Paulo.” Que era meu vizinho. “Vem vocês dois e tal.” E sempre ia. Aí, foi onde eu conheci. Só que a irmã dela já estava na faculdade e tal. Era um pouquinho mais velha que eu, uns três, quatro anos. Eu estava ainda no colegial. E aí, os dois começaram a ter um relacionamento, o meu vizinho e a irmã dela, então toda festa eu estava lá com eles. Aí, foi onde eu conheci. Aí, papo vai, papo vem e começamos a namorar. E estou aí com ela até hoje. Casamos em 2003. Estou com ela até hoje. Fizemos em junho 22 anos de casados. Temos dois filhos, o Gabriel, mais velho, e o Rafael. Eles estudam, fazem esportes. Porque eu não quero essa vida aqui para eles. Lógico, que se eles virem mais para frente para me ajudar, vou ficar muito feliz, sim. Mas pesca eu acho que já não, não gostaria.
P/1 - A família sai com você pra pescar por diversão? O que vocês fazem pra se divertir?
R- Ah, não, a diversão hoje é diferente. Os dois são fissurados em futebol. Então, o mais velho é goleiro de futsal, treina basquete, joga vôlei. Porque ele é bem alto, puxou a família da minha esposa, que é gaúcha. O pessoal, a família é de Passo Fundo. Então, são todos gauchão alto. Então, ele puxou a altura, ele é bem mais alto que eu. Pra tu ver, ele vai fazer 16 anos, tem 1,87m, 1,88m. Então, mas eles são mais para o futebol. E hoje em dia tem essas amizades, aí é shopping, cinema. Já estão na adolescência, então um vai para um lado, outro vai para o outro. Entendeu? Aí, é isso. Mas às vezes eles vêm para cá também. Vêm, passam o final de semana.
P/1 - E vocês fizeram cerimônia de casamento? Teve festa?
R- Fizemos, casamos na igreja. Tudo certinho, festa...
P/1 – Ah, conta pra mim a emoção do dia do casamento.
R- Ah, é um momento especial É uma união, a gente estava concretizando uma união já. E foi bem bacana, porque a minha sogra morreu muito cedo, com 49 anos, mas ela teve esse privilégio de ver a filha casando. Ela tem mais uma filha, mas era mais nova, e um filho também. Então, demos esse prazer para ela de ver a filha mais velha casando, também. Isso foi muito legal pra mim e pra ela também, principalmente. Tanto ela como o padrasto, porque o pai já era falecido. E o padrasto também de ver, que logo depois... A mãe dela nem conheceu os netos. Porque até então, os meus filhos hoje chamam as tias, as irmãs da mãe dela de tia-avó, chamam de vó. Porque a vó mesmo não chegaram a conhecer. Então... Mas é bom a gente tem uma relação boa, tranquila. Ela no começo, ela era comissária de bordo, voou muitos anos na Varig. Só que quando a Varig faliu, ela foi demitida, aí ela optou por cuidar de casa. De cuidar de casa. Aí, ficou assim, porque ela perdeu a mãe e tal. Aí, já veio o... Quando ela trabalhava, é... Aí, logo depois já veio o Gabriel. Aí, depois, em seguida, veio o Rafael. Eu optei pra ela cuidar mais dos filhos, pra gente ter uma criação melhor.
P/1 - E como foi se tornar pai?
R- É uma emoção muito grande. Porque a gente é filho, de repente a gente se vê pai, tem que educar. No começo ali, pequenininho, ajudar a trocar, dar banho. E o bom, que eu falo, hoje temos o celular, então você consegue guardar muita recordação deles pequenos. Porque eu brincava muito com eles pequenininho, então eu tenho muitos vídeos. Hoje a gente para, assiste alguns vídeos ali e morre dá risada da coisa. Porque hoje já estão mais adolescentes, já estão tomando a sua autenticidade como pessoa, vão crescendo. Então, aquelas lembranças ficam só no celular. Hoje tem. Na minha época, não tinha. Só fotos. Só registro de aniversário. Aqueles aniversários dos amigos. E hoje não. Hoje a gente tem, consegue gravar esses momentos. Como joga o futebol. Essas coisas todas. Mas é muito gostoso ser pai.
P/1 - Tem alguma coisa que eu não te perguntei, que você queira falar?
R- Não, acho que basicamente é assim. Essa é a minha história.
P/1 - E o que você achou de contar um pouco da sua história pra gente hoje?
R- Ah, legal! Interessante. O seu trabalho, eu achei uma coisa importante, legal. Vai ficar gravado na memória, vai ficar exposto num museu, né? Que eu até então não conhecia esse museu digital, um museu de pessoas. Eu até dei uma pesquisada, alguma coisa assim, na internet. E achei legal, achei interessante. E fica uma história, guardada aí, quem sabe para os netos. Bem interessante. Talvez, eu não possa ter esquecido alguma coisa, mas eu acho que é assim, essa é a minha história, foi a minha vida. A gente vai mudando, eu acho que eu mudei um pouco a história do meu pai. Meu pai veio só da pescaria, hoje eu sou comerciante também, tenho um outro sustento e meu pai não. Meu pai foi uma pessoa que tirou o sustento todinho da pesca. E eu já não tiro tanto da pesca. É voltado a pesca, mas já... Eu acho que talvez por ele se aperfeiçoar, eu também. Você vê no negócio de aperfeiçoar, de você ter comodidade, praticidade, tudo isso. E pra você ter uma qualidade de vida melhor, você poder criar seus filhos com uma qualidade melhor. Como ele fez com a pesca. Eu acho que você não vai conseguir ver um pescador que tem os filhos formados na faculdade assim, como ele fez. Vai ser bem difícil. Eu, quando... Foi em 2001 que eu fiz faculdade, sou formando de 2000. Acho que foi em 2001, 2008, fui num curso do Sebrae, da Colônia e tal, de pescadores, de negócio de manuseio de pesca e tal. E aí, eu preenchi na ficha, a moça ficou até meio surpresa, porque ela falou assim: seu grau de escolaridade? Eu falei pra ela: superior. Ela, assim: primeiro grau? Falei: não, superior. Ela, “ah, terceiro grau, colegial completo.” Falei: não, moça, superior, faculdade. “Ah, você fez faculdade? Nossa, primeiro pescador que eu vejo com faculdade.” Falei: é, foi uma exigência do meu pai, que todos os filhos tivessem uma faculdade.” Se fosse exercer ou não, era problema de cada um. Mas que cada um escolhesse a profissão que quisesse, que ele daria o estudo até a faculdade. Que tem uma irmã que foi para a economia, biologia, fonoaudiologia, e eu fui para a contabilidade. Mas hoje estou aqui. Tenho a marina, pesco de vez em quando, mas é voltada à pesca. Hoje também tenho uma lojinha de pesca também, pra ter a praticidade que algum pescador esquece uma linha, um chumbo, um anzol. Então, você ter ali pra socorrer o pescador que esquece. E é isso aí. Basicamente essa é a minha história. E fui evoluindo, hoje não dependo só da pesca. Mas meu pai viveu da pesca, como meu avô também. E o legado está se acabando, da família Yumoto na pesca, eu acho.
P/1 - Obrigada, Ricardo.
R- Nada, eu que agradeço.
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