IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Newcea Azevedo Lima, nasci aqui na cidade do Rio de Janeiro, no dia 11 de março de 1951, uma boa idéia.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Sou formada em Engenharia Química pela UFRJ. Ao concluir a faculdade, fiz um curso técnico de planejamento, patrocinado pelo Ministério do Planejamento. O Brasil inovava nessa fase de começar a criar uma carreira técnica dentro da empresa.
PRIMEIRO TRABALHO
Fiz um concurso de caráter nacional do Ministério da Indústria e do Comércio para constituição de cerca seis turmas de trabalho no Brasil. Fui aprovada e trabalhei quase dois anos, foi meu primeiro trabalho formal.
INGRESSO NA PETROBRAS
A Petrobras é uma empresa sempre desejada profissionalmente. Uma coisa interessante: quando fiz concurso à Petrobras, as mulheres engenheiras deviam encaminhar-se para a área de pesquisa, pois não eram aceitas na parte técnica, como engenheira química. Eu estava formada há quase um ano e meio, quando abriu uma possibilidade de concurso para, o que hoje chamamos, analista de comércio e suprimentos. Interessei-me, fiz o concurso e entrei. No ingresso à Companhia, fazíamos um curso de oito ou nove meses, um curso muito pesado e forte para conhecer melhor a área. Gostei muito, porque tinha contato com a área técnica e eu podia aplicar muito do que sabia como engenheira química. Gostei de poder trabalhar numa área comercial ligada à parte de refino e de E&P [Exploração e Produção]. Embora eu não estivesse numa área técnica específica, não trabalhava no processo de petróleo, podia conviver muito diretamente com o mundo do petróleo. Meu conhecimento me ajudava, por exemplo, na linguagem técnica. Quando entrei na área comercial, concluía-se a implantação da indústria petroquímica. Vivi a inauguração do segundo pólo petroquímico do Brasil, na Bahia, em 1978. Cerca três anos depois, teve a fase do pólo petroquímico do sul. Foi interessante, porque se discutia problemas de...
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Meu nome é Newcea Azevedo Lima, nasci aqui na cidade do Rio de Janeiro, no dia 11 de março de 1951, uma boa idéia.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Sou formada em Engenharia Química pela UFRJ. Ao concluir a faculdade, fiz um curso técnico de planejamento, patrocinado pelo Ministério do Planejamento. O Brasil inovava nessa fase de começar a criar uma carreira técnica dentro da empresa.
PRIMEIRO TRABALHO
Fiz um concurso de caráter nacional do Ministério da Indústria e do Comércio para constituição de cerca seis turmas de trabalho no Brasil. Fui aprovada e trabalhei quase dois anos, foi meu primeiro trabalho formal.
INGRESSO NA PETROBRAS
A Petrobras é uma empresa sempre desejada profissionalmente. Uma coisa interessante: quando fiz concurso à Petrobras, as mulheres engenheiras deviam encaminhar-se para a área de pesquisa, pois não eram aceitas na parte técnica, como engenheira química. Eu estava formada há quase um ano e meio, quando abriu uma possibilidade de concurso para, o que hoje chamamos, analista de comércio e suprimentos. Interessei-me, fiz o concurso e entrei. No ingresso à Companhia, fazíamos um curso de oito ou nove meses, um curso muito pesado e forte para conhecer melhor a área. Gostei muito, porque tinha contato com a área técnica e eu podia aplicar muito do que sabia como engenheira química. Gostei de poder trabalhar numa área comercial ligada à parte de refino e de E&P [Exploração e Produção]. Embora eu não estivesse numa área técnica específica, não trabalhava no processo de petróleo, podia conviver muito diretamente com o mundo do petróleo. Meu conhecimento me ajudava, por exemplo, na linguagem técnica. Quando entrei na área comercial, concluía-se a implantação da indústria petroquímica. Vivi a inauguração do segundo pólo petroquímico do Brasil, na Bahia, em 1978. Cerca três anos depois, teve a fase do pólo petroquímico do sul. Foi interessante, porque se discutia problemas de matéria prima, fornecimento, comercialização e tudo o que envolve aspectos técnicos. Minha formação técnica era uma ajuda muito boa para os momentos em que devia conversar com as pessoas envolvidas nesses processos. Ingressei na Petrobras para trabalhar no então Decom, Departamento Comercial; a chave de correio eletrônico era DC, a sigla do departamento. Fui trabalhar na área de planejamento, especificamente na área de preços.
FORMAÇÃO DE PREÇOS / MONOPÓLIO
Tínhamos o monopólio, portanto estávamos nas mãos do Governo, em termos de “precificação” e comercialização. A estrutura da Petrobras era também mais centralizada em termos de preço. O Governo estabelecia as regras do que poderia ou não sofrer aumento. Fazíamos estudos internos e chegávamos a algumas conclusões sobre a revisão na estrutura de preços. Tínhamos a necessidade de controles periódicos. Após a fase de disparada inflação, nossa vida era gerar números, fazer projeções, além de negociar com as empresas, dando suporte a todas as gerências que negociavam na ponta com o cliente. Éramos uma espécie de suporte estrutural aos grandes produtos, como combustível. Embora fosse tudo muito controlado, internamente, fazíamos muitos estudos, muitas avaliações. Para os investimentos na Bacia de Campos, devíamos dimensionar recursos, porque a Petrobras nunca recebeu dinheiro do Governo; sendo uma empresa de economia mista, vive com seus recursos. Como os preços eram repassados para o Governo, por meio de uma série de parcelas, precisávamos fazer estudos e avaliações. Interagíamos muito com áreas de finanças, com a parte de investimento; havia uma malha que interligava toda a Empresa, garantindo fluxo de caixa. Trabalhávamos com hipóteses de preços, com cenários do que poderia acontecer, sempre olhando para algumas vertentes do mercado internacional que, certamente, não havia a paridade que existe hoje, mas não poderia ser ignorado, visto que éramos grandes importadores de petróleo. Enfim, nosso trabalho era realizar permanentes avaliações, além das negociações normais com as empresas que compravam.
FORMAÇÃO DE PREÇOS / INVESTIMENTOS
Havia um interesse estratégico do Governo em investir na Bacia de Campos, achavam que havia uma chance de obter sucesso. Mas a Petrobras não recebia dinheiro de nenhum Governo, devia retirar fundos de sua própria receita. Houve uma série de trabalhos, de sistemáticas para angariar esses fundos. Por exemplo, quando eu entrei na Petrobras, nos primeiros anos, a formação de preço dos produtos da Petrobras repassava recursos para muitos outros setores. O próprio Governo retirou algumas coisas, antes destinadas a outros setores. Existia a questão de déficits crônicos dentro do sistema. O FMI, quando chegou aqui, revelou que o sistema não era auto-suficiente. O Governo formava o preço a partir da taxa de câmbio, pois a maioria do nosso petróleo era importada. Caso o preço do petróleo subisse mais do que o previsto, o Governo subsidiava parte do câmbio. Uma conta no Banco do Brasil recebia essas diferenças, mas começou a ficar em déficit e o FMI botou o dedo naquela coisa de divida externa, de administração do país que precisava sofrer acertos. Isso tudo gerou um interesse estratégico em desenvolver nossa produção interna de petróleo, financiada com recursos oriundos de outros segmentos. A Petrobras, naturalmente, precisou comprar equipamentos importados, configurando importante posição no mercado externo. Foi o FMI que levantou todas essas questões.
O Brasil não conseguia levantar dinheiro lá fora, mas a Petrobras e a Vale do Rio Doce conseguiam. Comprava-se petróleo para pagar em 180 dias, mas como a Petrobras tinha uma sobra no fluxo de caixa, suficiente para liquidar a conta em 60 ou 90 dias, o Governo usava o resto do dinheiro para financiar as demais compras do país. A Vale do Rio Doce e a Petrobras foram os pulmões do Governo, porque tinham mais crédito fora do Brasil, do que o próprio Governo brasileiro. Isso permitiu uma política governamental de incentivo à produção interna de petróleo, sempre através da receita dos próprios derivados, retirando uma parte dos recursos que iriam para fora. Tentamos fazer um saneamento desses déficits, mas conseguimos apenas uma pequena mudança na política de contenção destes. A Empresa investiu, reduziu e cresceu, num contínuo esforço técnico. O que temos hoje em produção de petróleo é fruto de um investimento pesado na mão de obra da empresa.
Para poder sair do país, era preciso autorização do ministro, publicada no Diário Oficial. As pessoas liam e criticavam a Empresa, por considerarem excessivo o número de viagens. Eu participava de reuniões com amigos que comentavam: “Saiu no jornal que não sei quantas pessoas da Petrobras viajaram para o exterior.” Nós que estávamos dentro da Empresa e recebíamos boletim com as decisões da diretoria, sabíamos que essas pessoas viajavam para fazer cursos no Texas e em outros lugares ou para fazer negociações. A Petrobras investida na formação dos geólogos e outros profissionais e foi isso que garantiu os frutos que vemos hoje, seu sucesso foi calcado ao longo de anos.
COTIDIANO DE TRABALHO
Nós não tínhamos todos esses recursos tecnológicos que temos hoje. A Petrobras sempre teve um grande sistema de computação, sempre na ponta do que tem no país, mas isso não chegava a todas as áreas. Logo depois da área de E&P [Exploração e Produção], a área do Abastecimento foi a primeira a ter um micro computador, por sugestão de um assessor do Ministro Delfim Neto. Nosso primeiro micro foi o Polymax, com o qual fazíamos uma planilhinha, para agilizar o nosso trabalho nas inúmeras projeções necessárias.
PLANOS ECONÔMICOS
Passamos pelos inúmeros planos econômicos implementados no país, como Plano Cruzado. Mas nós nos saímos bem nessas reviravoltas. Esse slogan “o desafio é a nossa energia” revela uma realidade típica nossa. Enfrentamos muitas mudanças; o Plano Cruzado foi uma virada, com a chamada “tablita” [tabela de deflação]. Mas nós conseguimos tocar tudo para frente. Certa vez, eu assistia à televisão, em uma sala instalada na Empresa para acompanharmos as notícias, meu superintendente entrou e me disse: “Depois, quero conversar com você.” Como ele não tinha tempo de acompanhar nos jornais as mudanças ocorridas durante o Governo Collor, porque eram muitas, me pedia ajuda. Era tudo muito dinâmico e nós estávamos no “olho do furação”, com diferença de caixa, corte de investimentos por causa da inflação alta e controle de preços. Nossa exploração de petróleo era ainda pequena, trabalhava-se com petróleo importado, sendo difícil importar quando o valor do dólar mudava todo dia, a inflação era alta e a taxa de câmbio com inúmeras mudanças. Fazíamos os cálculos com o valor do dólar de hoje, mas não podíamos prever o valor de câmbio para daqui 30 dias, quando deveríamos pagar pelo petróleo recebido. Por isso trabalhávamos com projeções, para estimar o que poderia ser feito, se haveria um ganho na baixa do dólar. Faziam-se contas para acertar as necessidades de investimento da empresa, acertar a sobrevida da empresa, os pagamentos, levando em conta o caixa. Fazíamos várias rodadas para negociar com o Governo o que poderia ser feito dentro das limitações pelas quais o país passava. A Petrobras, muitas vezes, sofreu cortes de investimentos e nós tínhamos que fazer palestras a todos os gerentes da Empresa no Brasil, para que eles entendessem a causa daqueles cortes, entendessem o que estava acontecendo com o preço. Dizíamos: “É por isso que precisamos fazer cortes de investimento e serão vocês a elencar o que deve ser cortado.” Esta era a mecânica e sempre deu certo, nunca teve um problema que abalasse a máquina. Felizmente, o pessoal conseguia tocar. Eu fazia parte disso, mas era um desafio: estávamos abastecendo o país todo.
DEPARTAMENTO COMERCIAL / NÚCLEOS REGIONAIS
Muitas vezes, trabalhávamos com profissionais que não eram gerentes comerciais, eram gerentes de refinaria, de terminais e de outras atividades. Como a empresa vive dos seus próprios recursos, teve uma hora em que a coisa fechou. A Petrobras deveria desacelerar os investimentos por certo período. Buscava-se deixar para o final do ano, aquilo que se previa para o meio do ano; todo o planejamento foi remanejado. Não lidávamos com essas questões trabalhadas pela área de orçamento e de finanças. Como éramos a fonte, pois, através da comercialização, captava-se o dinheiro, nossa função era sensibilizar o gerente para a realidade que estava acontecendo. O pessoal de preços fazia muitas palestras nos órgãos e apresentava esses mecanismos. Certa vez, fiz uma apresentação, no Rio, sem saber quem eram os presentes na reunião, sendo uma escala muito maior daquela imaginada. Palestrávamos para a área financeira, responsável por gerir os recursos e uma série de pagamentos; explicávamos para os seus gerentes o que acontecia, qual era a filosofia, o funcionamento, expúnhamos os problemas, as desvantagens. Caso prevíssemos um corte de 6%, dizíamos qual seria a contribuição de cada área, para que todos ficassem cientes. Tínhamos núcleos de comercialização, ligados ao Decom [Departamento Comercial], nos diversos órgãos da Empresa, principalmente nas refinarias, onde estava nosso principal público. Esses núcleos acompanhavam o dia-a-dia da atividade de comercialização, afinal eram nas unidades que o caminhão chegava, que o faturamento era emitido, que se negociava com os clientes. O Decom estabelecia um sistema de regras básicas, mas para entregar, faturar, negociar, ouvir reclamações de clientes e atender aos pedidos, era preciso o núcleo que executava as regras no dia-a-dia. Havia certa centralização em termos de política global comercial, dentro do hoje chamado ABMC, Abastecimento Marketing e Comercialização. Trabalhávamos com os preços comercializados no mercado interno, para os vários produtos, como gasolina, diesel, nafta, GLP, óleo combustível e produtos industriais. Este último envolvia mais a negociação com a empresa; os produtos de petroquímica, por exemplo, geram plásticos e acompanham políticas governamentais. Não bastava dizer: “Eu quero implantar uma fábrica e preciso dessa matéria prima.” Era necessário apresentar uma idéia, um projeto e negociar. Normalmente, havia uma gerência para negociar diretamente com o cliente, mas a Gerência de Preços estava sempre no pano de fundo, para oferecer uma análise mais global da situação.
FORMAÇÃO DE PREÇOS
O Conselho Nacional do Petróleo ditava as regras e precisava enfrentar o problema da disparidade de renda, dos problemas sociais do país. O GLP, por exemplo, era um produto preservado dos aumentos, mas aqueles de menor valor social, como a gasolina, eram mais penalizados. O diesel, como tinha muita repercussão na cadeia produtiva, no transporte de mercadorias, sempre foi privilegiado. Isso é uma regra básica, claro que teve uma época em que foi mais ou menos parecido, mas sempre tinha alguma coisa neste sentido. Recentemente, o preço do GLP passou quatro ou cinco anos congelado. Os aumentos eram distribuídos de uma maneira que desse mais resultado. Para aumentar 10% o GLP, precisava aumentar 14% a gasolina e 12% o diesel.
PRÓ-ÁLCOOL
É preciso lembrar da fase Pró-álcool. Eu peguei a fase do início da comercialização de álcool no país, não me lembro se isso foi em 1979 ou 1980. Lembro-me que a Petrobras tinha um fusca azul, novinho, exposto na rampa da Avenida Chile para que as pessoas pudessem ver o que era um carro a álcool, como funcionava. Quando começou a produção de álcool, o país ainda não tinha uma demanda de carros suficiente para absorver a produção, sendo necessária a exportação de álcool. A Interbras colocou o produto no exterior, o que incomodou alguns países, por isso foi processada nos Estados Unidos. Nosso álcool tinha um preço muito competitivo, inferior ao álcool de milho, comumente comercializado no exterior. Disseram que o nosso preço tinha dumping, ou seja, que estava abaixo do custo, com subsídio do Governo. Contratou-se um escritório de advocacia para nos defender e nossas contas foram controladas. A ação não teve conseqüências para a Petrobras, mas foi criada uma sobretaxa nos Estados Unidos. No período da entrada do álcool, tivemos problemas nas contas, pois não podíamos repassar para o consumidor o real preço do álcool, este deveria manter-se a 60% do preço da gasolina. A Petrobras segurou essa história. Começamos a lucrar com o álcool anidro, adicionado na gasolina, e o álcool hidratado começou a se expandir no mercado. Chegamos ao ponto de não termos álcool suficiente para atender ao mercado. Mas no início a Petrobras precisou segurar; o déficit atingia 120 milhões por mês e isso foi pago depois de muitos anos. Nas nossas contas, tínhamos de levar em conta o álcool, era uma maneira de administrar a parte financeira da empresa.
DÉCADA DE 1980 / INFLAÇÃO
Ocorreu uma fase na qual a Petrobras produzia muito petróleo, mas se colocássemos no papel o valor que ela recebia por isso seria menos de dois dólares o barril, porque a Petrobras devia pagar o fornecedor de petróleo importado e precisava bancar as contas. Fazíamos o acompanhamento diário para observar essas situações. O petróleo internacional, muitas vezes, custava 18 ou 25 dólares. Helio Beltrão, nosso presidente, diante da turbulência da inflação, propôs de ficarmos três ou quatro meses sem aumento de preços. Conseguimos segurar por um mês, mas a situação tornou-se insustentável e tivemos que reajustar os preços. Chegávamos a ter dois ou três reajustes nos nossos preços em apenas um mês, em épocas de inflação a 30% ao mês. Foi uma fase muito difícil, uma loucura, porque todos os nossos produtos sofriam reajustes ao mesmo tempo. Não tínhamos esses mecanismos de comunicação existentes hoje, ou seja, o monitoramento exigia muito trabalho. Como eu digo sempre, não havia monotonia, o trabalho era animado.
GÁS NATURAL
Após muito tempo nesta área, fui para uma gerência que cuidava de gás natural e álcool, isso nos anos 1990. O álcool estava forte no mercado e a negociação com a Bolívia para o fornecimento de gás começou a tomar pé. Todos se perguntavam: “Por que a Petrobras está queimando gás?” Mas as pessoas não sabiam que custava dinheiro transportar o gás das áreas de produção para as áreas de consumo. Ocorreu um investimento para aproveitar o máximo de gás. Quando eu entrei na Petrobras, produzia-se gás natural, existia a Petrofértil, tínhamos plantas de fertilizantes na Bahia, em Sergipe e em São Paulo. A planta da Bahia foi criada exatamente para dar um aproveitamento ao gás, transformando-o em amônia e uréia. A Petrobras comercializava para usinas. Existia a Usiba, Usina Siderúrgica da Bahia, que consumia gás, bem como outras empresas petroquímicas. Mesmo antes da inauguração do pólo, em 1980, usava-se gás natural como matéria prima. Portanto, o gás natural começou um pouco antes do negócio com a Bolívia, mas com a Bacia de Campos se criou outra dimensão, o mercado mudou, entrou a importação com a Bolívia e as perspectivas passaram a ser outras.
PRODUTOS ESPECIAIS
A Gerência de Produtos Especiais trabalha com solventes. Havia a área de lubrificantes, mas eu fiquei mais com a parte de solventes, enxofre e coque. Quando se trabalha na ponta, sem aquela perspectiva global de quem trabalha na área de preços, vivencia-se uma seletividade de situações, ou seja, se experimenta características diferentes da comercialização, pois trabalhar com solventes, não é a mesma coisa de trabalhar com querosene de aviação. O combustível de aviação é vendido para uma distribuidora, para uma BR, uma Shell, ou para a Esso, enquanto o solvente é destinado à indústria de tintas, às gráficas, um mercado mais fino e específico, no qual é necessário estabelecer contatos, respeitar mecanismos de comercialização e regras contratuais. Trata-se de uma negociação estabelecida no dia-a-dia, diferente daquela dimensão pesada da comercialização de gasolina ou diesel. Para a parte de coque, a qual eu me dedicava mais, era fundamental o contato com os clientes. A Petrobras tinha uma planta de coque antiga, em Cubatão, e implantava novas. Adaptava o parque de refino ao tipo de petróleo produzido no país. Era importante pegar produtos pesados e lhe agregar valor, trabalhando-o melhor e dando-o outros usos, além de combustível. Como o petróleo do Brasil possui baixo teor de enxofre, pensou-se em trabalhar com coque. Durante a construção do Replan [Refinaria de Paulínea] e da Refap [Refinaria Alberto Pasqualini], a Petrobras investiu em alternativas para usar o que sobrava do petróleo, pouco rico em diesel. Até então, havia uma pequena participação dos produtos pesados, basicamente usados em asfalto. Colocamos este produto pesado em uma unidade e o transformamos em coque, com utilização siderúrgica em plantas no mundo inteiro para fabricação de alumínio. Nossas perspectivas no mercado internacional eram ruins, porque nossos produtos eram pesados, mas algumas empresas estrangeiras interessadas, no tipo de coque que o Brasil produziria, vieram negociar com a Petrobras, para utilizá-lo como mix para ajuste da qualidade de seus produtos. O pessoal lá fora é muito informado, rapidamente sabe daquilo que estamos fazendo e vem logo saber das possibilidades, das perspectivas. Participamos de uma negociação que garantiu o início da exportação de coque no Brasil: foi um aprendizado. Participei, principalmente, das negociações com os Estados Unidos. É preciso conversar, estudar e escutar aqueles que estão a mais tempo na área. É bem interessante a vida agitada dessa área.
QUEBRA DE MONOPÓLIO
A abertura do mercado foi uma realidade programada. Abriu-se gradativamente, alguns produtos começaram primeiro, como solventes e outros da minha área de trabalho. Eu não participei diretamente do planejamento de abertura do mercado, mas sei que tudo foi muito bem estudado, todas as alternativas e possibilidades de cenários foram verificadas. A abertura não foi uma virada de cabeça para baixo, nem para a Petrobras, nem para o mercado. Também porque para importar petróleo é preciso ter uma boa logística. Ninguém quer importar GLP com produção subsidiada; as instalações são caríssimas. Nem todas as distribuidoras possuem a tancagem exigida pela legislação; até mesmo a Petrobras devia manter uma tancagem acima da necessária, caso fosse cumprida a legislação. Se ocorresse uma abertura avassaladora na importação de petróleo para abastecer nosso país, isto desestabilizaria o mercado internacional, pois nosso mercado tem um peso considerável, embora não tenha as dimensões do mercado norte-americano. Enfim, o mercado interno e a Petrobras tiveram uma fase para se ajustarem. Hoje, o mercado está aberto e a Petrobras passa muito bem. O mercado também teve maturidade para lidar com isso; não teve “oba-oba”, exceto alguns casos de compra de distribuidoras que não estavam tão estruturadas para trabalharem com solventes e com gasolina. A Petrobras se preparou para isso, assim como o Governo e a ANP [Agência Nacional de Petróleo]. As inúmeras atividades da área de petróleo foram distinguidas, constituindo empresas separadas: quem compra aguarrás não pode comprar gasolina. Era preciso separar as empresas, assim como as gerências na Petrobras, para não ter manipulação. Esta foi uma fase difícil, com algumas questões complicadas em torno do negócio de solventes. Cresceu muito o número de distribuidoras, um aumento enorme; antes, tínhamos 10 ou 12 distribuidoras de gasolina e diesel; agora, existe um mundo de distribuidoras. O mercado de QAV [Querosene de Aviação] continua restrito, porque é mais difícil abastecer aviões. O Governo abriu aos poucos os diversos segmentos e não demorou muito, tudo ocorreu em um curto período. Pelo o que eu saiba, não existem mais barreiras, quem quiser pode importar gasolina, mas não se configurou o que muitos imaginavam, o mercado tem maturidade para verificar as vantagens e desvantagens.
NOVOS PRODUTOS
Quando se deseja um produto muito específico de solvente, a Petrobras não faz, é preciso importar. Quando uma pessoa deseja montar uma fábrica utilizando uma dada matéria-prima, ela verifica se a Petrobras está apta a produzi-la ou se deve importar. Por exemplo, o conhecido post-it é feito de um solvente especial que a Petrobras passou a fazer por solicitação de uma empresa com matriz fora do Brasil. O post-it tem um macete, aquele negócio que cola e não cola. A Petrobras analisou e criaram a fábrica. A empresa era uma multinacional e concorria com outras filiais em outros países para a produção do produto. Eles batalharam, conversaram com a Petrobras e conseguiram instalar a fábrica aqui no Brasil, em São Paulo. O post-it é um produto novo, completamente específico, uma linha nova. Existem sempre produtos novos no mercado. Temos um estudo de mercado, uma aproximação dos segmentos industriais, para verificar o que é importado. Os próprios grandes combustíveis, a Petrobras lançou gasolinas novas, diesel cada vez mais especifico, com enxofre baixo; trata-se de um processo de mudança para se adaptar ao que o resto do mundo comercializa. Nossa legislação exige uma alta redução de enxofre no combustível. Estamos na frente de muitos outros países que ainda toleram altos índices de enxofre, fizemos melhor e antes de grandes países: isso não tem muita repercussão. Temos um centro de pesquisa que acompanha as propostas de novos produtos e estuda sua viabilidade econômica.
SISTEMA SAP / IMPLANTAÇÃO
A Petrobras vinha de um processo de abertura, com uma visão mais estratégica que acompanhasse os recursos do mercado externo, seguindo o padrão das grandes empresas de petróleo. Nesta perspectiva, a Petrobras resolveu substituir seu sistema interno de gestão pelo chamado SAP, um software de gestão de empresas, um “programão” que facilita e agiliza a apuração de dados. As grandes empresas de petróleo usavam o SAP-R3 e a Petrobras resolveu implantar este sistema. Fui convidada a participar da equipe que o instalou, integrando-o às diversas áreas. Cada área, como a Comercialização e a área Tributária, possui o seu módulo, sendo que existe um sistema totalmente integrado, onde esses módulos conversam. Para a instalação deste sistema, era preciso de alguém da área comercial, como também da área financeira, tributária, jurídica, recursos humanos, contabilidade etc. Vieram pessoas de diversos lugares do Brasil para integrar este projeto e preparar os módulos. O prédio da Petrobras, no Maracanã, ficou cheio de gente. Foi o chamado Projeto Sinergia que fez uma varredura na empresa, para incluir os inúmeros processos neste novo sistema. Naturalmente, nem tudo cai como uma luva; o próprio sistema prevê a necessidade de alguns desenvolvimentos de adaptações às necessidades da empresa. O projeto Sinergia, instalado no prédio do Maracanã, constituiu-se por pessoas das diversas áreas aptas a colocar todos os processos de administração, gestão e operação dentro desse sistema. Foi um processo grande, dada as dimensões da Petrobras. Causamos preocupação e apreensão em todos, porque era uma mudança significativa, uma série de “sistemas alegados” era incorporada por este novo sistema. Como em todas as empresas, foram necessários muitos desenvolvimentos para complementar e ajustar o sistema aos processos da Petrobras, a fim de funcionar redondinho. Este trabalho foi feito para toda a Petrobras, no Brasil inteiro, do Oiapoque ao Chuí, de Fernando de Noronha até a cabeceira do rio no Pico da Neblina. A BR também implantou esse processo de entrar no SAP. Quando um investidor do mercado internacional procura uma empresa para investir, ele deseja saber se esta tem presença, se está no mesmo padrão de análise de uma Shell ou de uma Esso, no mesmo nível de avaliação das grandes empresas. Por isso a Petrobras se dispôs a usar um sistema internacional reconhecido, que evitaria questionamentos quanto sua importância dentro do segmento de petróleo. Implantamos o projeto que, na linguagem desses especialistas, seria um Big Bang, porque desligamos todo o sistema numa quinta-feira e ligamos um sistema novo para toda a empresa numa segunda-feira. Levamos quatro anos para efetuar este processo e foi considerado um sucesso, porque era muito grande, realmente muito grande. Em outubro de 2004, no aniversário da Petrobras, ligamos o novo sistema. Eu fiquei alocada especificamente na parte de preços do projeto, mas como o sistema é todo integrado, me relacionei com pessoas de outras áreas. Minha vivência na área comercial me permitiu ajudar em muita coisa, não só na parte de preço, mas também nas outras. Era uma discussão constante para rever, pensar e testar. Foram muitos testes. Tive que solicitar coisas ao proprietário do software e fazer algumas adaptações para atender à Empresa. Algumas multinacionais de produção de petróleo, embora implementem este sistema, não o colocam para todas suas empresas; colocam um sistema em cada empresa. Mas a Petrobras botou o mesmo sistema em tudo: produção, refino, comercialização, por isso é chamado Big Bang. Para poder parar o sistema antigo, na quinta-feira, foi necessário antes abastecer os mercados.
APOSENTADORIA
Durante esse projeto, eu me aposentei por causa de uma lei que não vale a pena falar muito. A Petrobras teve interesse que eu continuasse a trabalhar na implementação do sistema SAP. A empresa que prestava serviços na instalação do sistema, manifestou interesse em me contratar para dar continuidade ao trabalho. Estou lá até hoje, estou sempre em contato com o pessoal de todo o negócio, por isso me surpreendi quando me chamaram para contar minha história no Memória Petrobras. O próprio projeto me fazia manter contato constante com a área comercial; não fiquei lá fisicamente, mas o contato com o resto da empresa era constante. Eu era simplesmente representante, com alguma experiência e vivência nas diversas áreas, mas tinha constantes reuniões com o pessoal da área comercial.
SISTEMA SAP / ATUALIZAÇÕES
Nessa altura, estamos em plena fase de mudança de paradigma de monopólio. Começamos um projeto durante uma situação em completa mudança. A parte de terminais da Petrobras, por exemplo, tornava-se Transpetro e nós nos perguntávamos como seria este modelo para poder adaptá-lo e poder, por dentro do sistema, se relacionar com a Transpetro. Foi todo um processo de reajuste, considerando as novas variáveis que entravam. No novo cenário de abertura de mercado, a comercialização renegociava condições comerciais com outra base de contratos, o que nos fez refletir para que tudo ficasse automático no sistema. Hoje, a pessoa chega ao ponto de venda e operacionaliza com todos os dados necessários. O sistema é todo integrado, por isso muito diferente dos sistemas anteriores. Ele é on-line, portanto quando alguém fatura, eu posso estar no telefone e consigo ver o que ele fez, na hora. Obviamente, antes havia controle, mas, agora, fica tudo mais integrado. Antes, era preciso um programa para trabalhar com toda a parte de comercialização, faturamento e regras contratuais ligado ao estoque; às vezes era preciso um sistema de contabilidade para fazer a ponte entre eles. Agora, a base de dados é a mesma.
O sistema é melhor para a gestão em um nível mais alto, pois os dirigentes podem ter uma visão mais global. Tudo ocorre na hora. Antes era rápido, agora é uma coisa de doido, uma velocidade impressionante. Atualmente, presto consultoria ao SAP, trabalho na parte comercial, dentro de uma empresa que presta serviços à Petrobras. Quando concluí meu trabalho de implantação do SAP, disseram-me: “Temos interesse em continuar trabalhando contigo, pois você conhece as atividades.” Essa empresa tem uma série de consultores para continuar com as melhorias e o desenvolvimento; temos sempre novas demandas, pois o mundo muda. Devemos fazer coisas novas no sistema, fazer a maquina andar, acompanhar as mudanças na área comercial que possui sempre regras novas. A parte comercial é muito grande; por trás do fato de carregar um caminhão, faturar e emitir uma nota fiscal existe toda uma estrutura, existe a pergunta: “Podemos fornecer esse produto para esse cliente?” Eu recebo reclamações, como: “Tentei faturar, mas não consegui. Tentei criar uma venda e não consegui.” Preciso verificar para informar, por exemplo: “Este cliente ultrapassou o limite.” Tivemos dois grandes eventos, mudamos a versão do sistema e tivemos uma mudança para nota fiscal eletrônica. A área de derivados foi o primeiro segmento em que o Governo estabeleceu maior controle, sendo que a nota fiscal emitida precisa ser validada pela Secretaria da Fazenda, processo que ocorre eletronicamente. A intenção é ter uma melhor previsão de arrecadação de impostos, possível por uma série de dados exigida na emissão da nota. Foi necessário fazer uma variante nova, testar outra vez todos os processos, devido a especificidades muito grandes de um lugar para outro, de um produto para outro. O trabalho é muito do dia-a-dia; se continuarmos esta conversa, certamente surgirá mais assuntos, mais histórias, muitas situações.
IMAGEM DA PETROBRAS
Fiz um concurso público para a Petrobras, entrei e me considero, profissionalmente, uma pessoa realizada. A empresa me deu oportunidade de fazer um estágio no exterior, por quatro meses, em Houston, nos Estados Unidos, onde vi muitas coisas, ampliei a minha percepção. Sempre gostei de viajar e foi interessante estar no meio do olho do furacão e poder ver como funciona. Trabalhava em produtos especiais e tive contato com o pessoal de coque. A Petrobras é uma empresa que me deu oportunidade em termos de trabalho, não é uma trajetória perfeita, mas me agradou, sinto-me realizada por poder contribuiu com um milésimo de milionésimo por cento de alguma coisa de bom.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS
Certa vez, fui a uma reunião, em Brasília, numa sala grande, com a presença do então diretor da ANP [Agência Nacional de Petróleo] e representes de inúmeros governos. Não conseguíamos fechar nenhuma decisão, porque eram muitos interesses. Chegou uma hora em que eu resolvi fazer uma pergunta que irritou o representante de outra empresa, este quase me mandou calar a boca. Eu não podia fazer nada; foi desagradável até para quem estava comigo. Por sorte, um representante de outra empresa resolveu defender o que eu havia dito. Foi necessário viver essas situações. Passei por uma fase em que poucas mulheres viajavam para negócios. Em minha primeira viagem internacional, para negociar com o México que tinha interesse em fornecer petróleo em troca de produtos petroquímicos, o boletim oficial da empresa noticiou que eu viajaria. Havia uma publicação que circulava na mão de todos os empregados, depois deixaram de fazê-la, até porque hoje temos internet. Para que se pudesse viajar era necessária a autorização do ministro, publicada no diário oficial. Uma colega do Cenpes [Centro de Pesquisas e Desenvolvimento] me ligou para me dar os parabéns, dada a novidade do fato. Isso ocorreu entre 1981 e 1982. Normalmente, eram os homens que viajavam. Eu não pude trabalhar dentro da operação de petróleo, porque não se permitia. Quando me formei na universidade, procurava nos jornais vagas para engenharia química e, ao mandar meu currículo ou fazer um cadastro, eu escrevia: “Espero que esta empresa não faça discriminação por eu ser mulher.” Provavelmente era cortada de cara, mas o que eu poderia fazer? Ao menos, eu era sincera e autêntica. Em 1982, ainda era novidade uma mulher viajar pela empresa. Mas, alguns anos depois, tivemos uma diretora na BR. O mundo mudou; houve uma mudança incrível.
MEMÓRIA PETROBRAS
Gostei de participar desta entrevista. Lamento não ter me preparado melhor, para alinhar as idéias. Espero que se aproveite alguma coisa. Mas, mesmo se não for possível aproveitar, valeu pela experiência.
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