P1- Eu queria que você se apresentasse, falando seu nome completo, a data e o seu local de nascimento.
R- Meu nome é Cristiane Donizete, eu sou de julho de 1971 e nasci em São Paulo, capital.
P1- Nasceu em São Paulo capital? E qual o nome dos seus pais?
R- É Maria Lurdes da Silva e meu pai é Sebastião Alves da Silva. Meu pai já falecido, minha mãe viva.
P1- Cristiane, me conta um pouco, o que você sabe da história da sua família, da origem da sua mãe, do seu pai, como que eles se conheceram?
R- Eu sei tudo, o que você quiser me perguntar, eu sei tudo. Eu sou apaixonada por histórias, viu? A minha mãe e meu pai se conheceram muito jovens, meu pai foi o primeiro namorado da minha mãe. Se casaram, eu sou filha única. Eles se casaram em 69, nasci um pouquinho depois e convivi muito pouco com meu pai. Meu pai morreu , eu tinha quatorze anos. Com minha mãe eu nunca me separei, vivemos muito próximas até hoje.
P1- E o que seus pais faziam? Qual era a atividade profissional deles?
R- Meu pai era motorista de caminhão, ele trabalhava em uma cerealista e minha mãe era doméstica. A minha mãe foi acho que a primeira mulher empreendedora que eu conheci, porque na atividade normal dela, ela trabalhava em casa de família, mas no final de semana ela alisava o cabelo das amigas. Na época a chapinha não era a chapinha que a gente conhece hoje, eram umas chapinhas que iam no fogo e alisava o cabelo das amigas como uma forma de ganhar um dinheiro a mais.
P1- E Cristiane, como seus pais se conheceram? Você falou que se conheceram ainda jovens, mas como é que foi?
R- A minha mãe trabalhava em uma casa de família que era perto de onde meu pai trabalhava, guardava o caminhão e minha mãe sonhava em ter a casa dela. A vida de uma empregada doméstica não é fácil. Ela perdeu a mãe muito cedo, com doze anos, e já foi encarar essa vida de trabalhar para outras famílias. E acabou dormindo no emprego, você não tem essa de ter o seu lar; você trabalha na casa de uma outra pessoa, você dorme no quartinho do fundo… Você não tem aquela identidade com o teu lar. Ela sonhava muito em ter a casa dela, o lar dela e hoje, a gente conversa muito sobre isso, ela disse que nunca amou meu pai, que ela queria uma fuga do… como eu posso dizer? Da escravidão do trabalho em casa de família. E meu pai era um homem muito bonito, o que eu acho dificil ela nao ter se apaixonado, porque meu pai era um negro muito bonito e… Perdi um pouco a linha do raciocinio. Ah, lembrei. E ela se casou para fugir desse trabalho. Como ele guardava o caminhão perto de onde ela trabalhava, ela passava , ele observava, convidou-a para sair naquela época, que eles ficavam em coretos ouvindo música, tinha muita quermesse; hoje em dia a gente não tem tanto essa presença desses eventos, mas ela ia pra quermesse para namorar, ouvir uma música e assim eles começaram. Quando a minha mãe estava para se casar com meu pai, ela sempre foi muita amiga da minha avó e chegou uma mulher na acasa da minah avó, minah mae estava la… Minha mãe estava prestes a se casar, e chegou uma mulher, uma mestiça e ela estava grávida e chegou procurando meu pai e minha avó questionou: "Quem mea aquela mulher?”. E ela falou: “Eu sou namorada do Tião”. Meu pai se chama Sebastião, o apelido dele era Tião. Ai minha avó: "Como assim namorada? Meu filho tá noivo, ele vai se casar”. E minha avó olhou para barriga dessa mulher e viu uma saliência, a protuberância de um ventre, provavelmente de cinco, seis meses. E minha avó ficou brava, porque sabia que meu pai estava para se casar, adorava minha mãe, meio que escorraçou essa moça. E eu sei que eu tenho um meio-irmão, ele se chama Sérgio, mas nunca tive contato com ele. A minha loucura, que sou filha única por parte da minha mãe... Minha loucura era conhecer esse meu irmão. Depois de uns três anos, minha avó se encontrou com essa moça e o menininho já estava com uns dois, três anos talvez,. E minha avó olhou para o menino e teve certeza realmente que o menino era do meu pai, porque era a cara. Então eu não sei se essa história vai ter o alcance que espero, mas tenho um irmão que se chama Sérgio, mas nunca tive contato com ele. Essa é uma parte.
P1- Sim. E você nasceu aqui em São Paulo, mas qual a origem dos seus pais? Vieram… moram aqui em São Paulo, vieram de outras regiões?
R- Meu pai é paranaense, inclusive eu vivia no Paraná e minha mãe é de Piracaia, do interior. Cheguei em Piracaia para conhecer um pouquinho a cidade da minha mãe, sozinha, sem minha mãe, porque ela está acamada e o meu pai eu conheço a família dele toda, muita gente no Paraná, em Rondônia, mas cheguei a morar em Bandeirantes, que é uma cidade do Paraná.
P1- E eles se estabeleceram em São Paulo Em que região?
R- Na zona oeste de São Paulo. Eles se casaram na Vila Mirante, um bairro relativamente conhecido e minha mãe morou lá e eu nasci na Lapa, que é um bairro aqui próximo e morei uma boa parte na Vila Mirante. Depois também morei em Jardim Pirituba, que é um bairro perto de Taipas, ali já é zona norte. Quando morava lá achava que era zona oeste, depois que fui entender essa coisa de regionalização, que eu percebi que lá era zona norte.
P1- Mas então o lugar que você tem referenciada sua infância é na Vila mirante, né?
R- Não, eu nasci na Vila Mirante, depois morei no Jardim Pirituba, com mais ou menos cinco anos a família mudou para o Paraná. No Paraná devo ter ficado uns três anos lá. Minha mãe inclusive foi boia-fria no Paraná e meu pai acabou por essa vida de caminhoneiro, ele deixou a gente lá e foi tentar ganhar a vida. E minha mãe se sentiu muito sozinha lá. E a irmã dela, que também trabalhava em casa de família, mas muito melhor situada, um dia foi lá e falou: “Olha Maria, vamos para São Paulo, não dá para você ficar aqui sozinha com a menina. Vamos voltar para São Paulo”. E essa minha tia trouxe a gente, alugou uma casa e nós três fomos morar juntas. Nessa época houve uma separação entre meus pais, porque minha mãe não aceitava essa vida. Ela não sabia, era muito inconstante onde ele estava, em um hora estava em um lugar… A gente não tinha os meios de comunicação que temos hoje, de saber precisamente onde a pessoa estava e nós nos sentimos abandonadas lá. E a irmã da minha mãe, que vive com a gente até hoje falou: “Não Maria, vamos para São Paulo, porque estando lá eu consigo assistir melhor vocês”. Essa minha tia, que é irmã da minha mãe, é a irmã mais nova, ela também sempre foi uma mulher à frente do tempo dela. Ela é semi-analfabeta, mas fez o mobral, se esforçou, aprendeu a ler, mexe muito bem com dinheiro e ela que alugou uma casa e colocou a mim e minha mãe e ela vinha nos finais de semana, porque morava no emprego e nos finais de semana ela vinha para ficar conosco. Eu digo que sou muito abençoada, porque sou filha única, meu pai faleceu, mas tenho duas mães, que é essa minha mãe de sangue, que cuida de mim e a irmã dela, que também é minha madrinha. Essa minha tia tem um papel fundamental na vida da gente, porque essa união que elas tiveram desde sempre, desde a morte da mãe delas, estruturou toda nossa vida. Porque minha mãe adoeceu, hoje minha mãe é acamada e quem cuida da minha mãe é essa minha tia. Ela praticamente abdicou da vida dela pra viver cuidando da gente, digamos assim.
P1- Você e sua mãe voltam para morar junto com essa tia, mas eu queria te perguntar Cristiane, qual é um lugar de infância... Qual a primeira casa que você tem lembranças de criança? Dessas várias…
R- Quando você paga aluguel, você é meio que normal, então parece meio maluco. Eu nasci no Mirante, eu não tenho lembrança nenhuma lá. Eu tenho muita lembrança do Paraná, porque a família estava lá, lembro da plantação de algodão, dos familiares, mas onde a gente fixou residência e onde tenho amigos de lá, até hoje, foi um bairro chamado Jardim Pirituba: lembro da rua, da viela em que morava e era um bairro muito gostoso. Às vezes eu entro até no Google Streets para acompanhar a evolução. E eu percebo que a rua ainda tem as características de quando eu morava. É um saudosismo fantástico. Então a minha lembrança de infância, que foi mais ou menos até os 15 anos, foi no Jardim Pirituba.
P1- E você pode contar como era esse bairro Jardim Pirituba, nessa época que você está descrevendo, que você tem essas lembranças mais fortes? Como era esse bairro, como era a casa que você morava nesse momento? Você consegue descrever esses lugares?
R- Essa casa que eu vou relatar foi a casa que a minha tia alugou para que nós morássemos. Então ela trabalhava na casa da família, mas no final de semana vinha para ficar com a gente. Então morava praticamente só eu e minha mãe. Eu morava em uma casa que dava de frente para duas ruas e as ruas do bairro tinham números. Então eu morava na rua oito, aí tinha pessoal na rua nove, da rua onze… é super interessante. A casa em que eu morava, foi dividida, era uma casa só, a dona da casa ficou viúva e dividiu a casa a meio. Então a minha família ficava em uma ponta e a senhora, que era a dona, ficava na outra. Nós moramos em dois cômodos. Como morávamos na parte que era quarto, a minha cozinha tinha taco, é uma coisa que me lembro muito. A nossa cozinha tinha taco, o quarto também de taco, era um quarto cozinha, e nós tínhamos uma varandinha; hoje está muito em alta a varanda gourmet, mas naquela época a gente chamava de area, varanda… E era com aqueles caquinhos, quebradinhos que a gente encarava; a minha mãe sempre foi muito caprichosa e mesmo sendo taco, ela passava acera. Eu me lembro de um… o pessoal de hoje nem sabe, era um escovão, era super-pesado, e tinha um peso e a gente ficava escovando, passando aquilo. Os ricos tinham enceradeira, os pobres usavam escovão ou davam o brilho no pé mesmo. E era uma casa muito gostosa, lembro que tínhamos a sola dos pés sempre avermelhada por conta da cera e jogávamos pedrinha, era a diversão da gente jogar pedrinhas ou saquinhos… Lembra? De umas pedrinhas que você jogava.
P1- Sim.
R- Era uma delícia.
P1- Cinco Marias, né?
R- Isso! Eu tenho duas amigas dessa época, entre oito e nove anos, que o Orkut, Facebook me trouxeram, que a gente se acha. Foi uma fase muito gostosa, uma fase muito difícil. Hoje eu consigo entender as dificuldades que minha mãe passava, porque pagar o aluguel não era fácil, trabalhar para fora, para outras pessoas, deixar a sua filha em casa era uma dificuldade para minha mãe, mas eu sempre fui muito estudiosa, então ela não tinha essa preocupação e naquela época, diferentemente dos dias atuais, os vizinhos meio que olhavam os filhos dos outros. Então a gente estava dentro de casa, mas o vizinho estava dando uma olhadinha. O que era difícil para mim era mais a questão de equiparação, porque criança se compara muito. Eu não podia ter o tênis que eu queria, não podia ter roupa de marca, e algumas amigas tinham e a gente sentia muita falta disso. minha mãe não dava conta, com o pouco que ganhava era para pagar aluguel e comer. E nessa época ela já não trabalhava mais com cabelo, e ela basicamente cuidava de outras duas crianças e cuidava da casa dessas crianças. Então ela era doméstica, levava as crianças para escola, buscava as crianças, fazia alimentação… O que ela deveria fazer na casa dela, ela fazia na casa de outra família, como milhares de outras mulheres fazem no dia-a-dia.
P1- E Cristiane, você falou de uma das brincadeiras, Cinco Marias… Quais eram suas brincadeiras de infância? Quais que você lembra , além de cinco marias, quais eram suas brincadeiras favoritas de infância?
R- A gente brincava muito de … Eu não tinha TV em casa até um período e eu gostava muito de rua, eu era muito “rueira”. Era o meu maior problema com minha mãe era esse, porque eu nunca gostei de boneca, eu tinha uma prima, inclusive, que achava que eu era sapatao, porque eu vivia com os meninos, adorava brincadeira de menino, eu gostava de bola, queimada, eu gostava de rua. Eu adorava ficar na rua, porque eu não tinha nada dentro de casa, não tinha irmã, não tinha TV, minha mãe ia trabalhar, então a rua era uma delícia. Eu brincava muito de queimada, eu ficava com a cara no sol, então era muito queimada e eu gostava demais da rua. Eu lembro que eu tinha o dedão, nunca cicatrizava. Pensava em uma menina que tinha sempre a ponta do dedo machucada. Levava muita bronca, porque minha mãe não se conformava, queria que eu ficasse dentro de casa. Porque ela enxergava os perigos., mas eu não, pra mim era só diversão. Eu estudava das sete às onze da manhã, eu voltava para dentro de casa e o ideal era que eu ficasse em casa. Eu comia, não tinha aquela coisa de microondas, então minha mãe deixava uma panelinha com a comidinha separada. Então esquentava a comida, comia e rua. Às vezes outras crianças não estavam na rua, então eu ficava meio perdida ali. Ai chamava um, outro… Eu meio que dominava aquela calçada. Tinha uma viela do lado da minha casa, a gente jogava muito vôlei ali, queimada… Tinha aquela brincadeira.. .Engraçado que as brincadeiras eram atemporais, então tinha época que jogava muita queimada. Em uma época era muito taco. Lembra do taco? Eles chamavam de bat, eu não sei a origem.
P1- Eu conheci por taco, mas já ouvi bat, dependendo da região muda.
R- Sim. Ai entardecia muitas vezes ,aí começava, beijo, abraço e aperto de mão. Eu era aquela que nunca era beijada, eu brinco, ninguém queria me beijar. Então ficava ali tapando os olhos de todo mundo. Depois a gente começou na adolescência a ficar mais intelectual, então a gente já não brincava tanto de correr, as brincadeiras não tinham tanto esse” bate, cortou, alto”. A gente sentava na calçada, começava a trocar ideia,... Eu sempre fui muito de ler, por não ter televisão, eu tinha acesso aos livros, então eu lia muito. Tudo que caía na minha mão eu lia. Eu lembro que essa minha tia que trabalhava, colecionava os passiculos chamado “Vida Íntima" e eu folheava aqueles passículos daquelas revistas e aprendi tudo sobre sexualidade… tudo , né? Porque minha mãe era meio travada, não falava, mas eu li, aprendi e aí eu ia pra rua falar o que tinha aprendido. Por isso que eu falo, quem tem o conhecimento, de certa forma detém o poder, porque eu aprendi uma coisa e aí para rua e falava: “Você sabia que…”, aí dava uma aula, porque tinha acabado de ler e dava com acuamento e pretensão, o meu repertório ia se reproduzindo e eu lembro que eu sonhava em menstruar, porque eu queria ser moça. E eu sonhava com isso, e aí eu li que era por volta de dez a doze anos e estava quase com dez anos e nada e aí eu simulei e menti para as amigas que eu tinha menstruado. E aí minha amiga levou para a mãe dela e você sabe que é assim, a criança menstrua, ela conta para todo mundo. E aí a mãe dessa minha amiga veio perguntar para minha mãe, na verdade veio parabenizar minha mãe. Aí minha mãe: “Mas não estou sabendo disso”. Eu lembro que foi a primeira mentira que contei que minha mãe desmascarou e queria entender porque tinha inventado aquela mentira. E aí ela me explicou e coincidentemente no mesmo mês eu tive a minha primeira menstruação. Então foi uma coisa que me marcou muito, essa fase. E dentre as amigas eu fui a primeira, então eu achava que eu já era uma moça, que eu já era acima de todo mundo por conta disso. Isso eu nunca contei para ninguém, acredita? Estou contando para você, que nunca encontrei na vida. (risos)
P1- A gente vai aproveitando e é uma coisa mesmo, é um desvelar. Eu gosto de pensar nessa coisa: aquele rolo de linha, de repente você começa a lembrar de uma coisa e quando você vê, já morreu ali um novelo enorme. Você vai lembrando, desemaranhando outras histórias. E antes de te perguntar sobre a escola, de que você já falou, você veio com a sua mãe e a sua tia para São Paulo e seu pai continuava trabalhando como caminhoneiro. Vocês ainda mantiveram contato? Ele ainda continuou… Quando vocês mudaram para São Paulo, vocês se encontravam?
R- Quando a minha tia nos resgatou, ela meio que aconselhava minha mãe: “ Como você quer viver com um homem que te abandona em uma cidade, ano te apoia, não manda dinheiro?” e minha mãe… Por isso que eu faço, quando ele diz que não amava, eu acredito que ela amava sim, porque nessa época eles meio que se separaram, mas meu pai veio procurar minha mãe e eles voltaram e a minha mãe dizia que ele não abandona meu pai, porque o medo que ela tinha era que, por conta dele ser alcoólatra, que ele acabasse virando indigente. Essa foi a desculpa que ela deu a vida toda. tanto é que ela ficou com ele, meu pai morreu muito jovem, mas ela ficou com ele até a morte dele, com medo que ele virasse um indigente. Ela falou: “Fiz um juramento que estaria com ele nos bons e nos maus momentos, então vou levar esse casamento”. Quando meu pai veio nos procurar, minha tia se afastou, minha tia não quis mais ficar na família, junto. Ela vinha no final de semana e ficava com a gente. Então ela alugou outra casa para ela e eu fiquei com meu pai e minha mãe. e nessa epoca eu ja deveria ter uns 13 anos, mais ou menos e percebi que meu pai estava doente. meu pai estava emagrecendo muito, ele era alto, e percebemos que ele estava debilitado. Como ele bebia muitos anos, naquela época a gente não bebia muita cerveja, eles bebiam, por exemplo, destilado; era pinga mesmo. Eu lembro que na pia da minha casa já tinha uma garrafa de pinga e meu pai bebia pela manhã. Tinha um copinho que ficava emboscado e ele tomava pinga pela manhã; então aquilo acabou com ele. E eu lembro de uma vez que eu estava na porta e meu pai estava fumando e ele tossiu. Quando ele tossiu, que ele abaixou a mão, eu percebi que a mão dele estava cheia de sangue. E eu falei: "Pai, olha sua mão", que olhou, estava cheia de sangue. E eu contei isso para minha mãe e falou assim: “Seu pai está muito doente”. O que aconteceu? Por ele beber bebidas fortes, ele acabou tendo cirrose e ele morreu aos 44 anos, na flor da idade, um homem super-bonito, alto. Já não estava tão forte, estava magro. Quando ele ficou internado pela primeira vez, os médicos disseram: “Olha ele precisa parar de beber imediatamente, senão ele vai morrer”. Quando ele veio para casa, ele começou a delirar. Sem a bebida, ele começou a delirar, ele via coisas. E ele durou pouco tempo depois disso, da primeira internação que teve, uns três meses depois ele morreu.
P1- Eu falei que ia te perguntar sobre escola, qual a primeira lembrança de escola que você tem, Cristiane?
R- Lembrança de escola… Eu tinha uma prima que fez magistério, ela até faleceu, a Edna. Então ela fez magistério e quando voltava para casa, ela treinava comigo o que ela aprendia e eu aprendi a ler muito cedo, de cinco para seis anos eu já lia, por conta dessa prima. Eu devo muito aos ensinamentos dela. Eu entrei na escola aos seis anos, porque como faço em julho, tive essa quebra de ano e eu lembro que entrei aos seis anos; isso no Paraná. Mas eu lembro muito fortemente na escola ,que eu estudava na parada de Taipas. Morava no Jardim Pirituba, caminhava quase dois quilômetros até a escola. Ali estudei muitos anos; eu fiz todo o ensino médio, primário, ensino médio, nessa escola. Fui fazer faculdade muito tempo depois. Antigamente era primário, ginásio e segundo grau.
P1- Eu sou dessa época. (risos)
R- E foi uma época muito gostosa. Tenho amigos dessa época que eu guardo com muito carinho. Mais amigas, que a gente se achou e permanecemos em contato até hoje.
P1- E você falou que era um trajeto de dois quilômetros da sua casa até a escola, na parada de Taipas. Como que era esse trajet? Você fazia com outras pessoas, outros colegas, amigos ,amigas iam com você? Você ia sozinha? Com que era?
R- Era uma galera, porque um saia chamando o outro e a gente ia em trupe. Porque não tinha essa facilidade de pegar ônibus. Mesmo que tivesse condição de pegar ônibus, deixava de pegar para ir com a galera, conversando no caminho. Tinham os meninos que iam com o caderno embaixo do braço e as meninas com o caderninho aqui. Todas arrumadinhas. Era muito bacana. E eu esperava a outra, às vezes alguém tinha aula vaga, mas esperava para poder vir junto. A gente ia a pé mesmo, não tinha opção. Até porque, se a gente subisse em um ponto, o ponto mais próximo quase dava o que a gente ia percorrer, então ia todo mundo. E financeiramente também. Isso duas vezes ao dia, porque a gente ia para aula de educação física, voltava e porque depois tinha que ir para escola, então era essa loucura. Eu acho que não tinha educação física todos os dias, eu acho que eram três vezes na semana.
P1- E você lembra de algum professor ou professora que tenha sido marcante nessa sua formação escolar?
R- Lembro no primário, da professora Brasilina. Muito bacana. lembro da professora Margarida de educação física. Com certeza Margarida já faleceu, porque já tinha uma idade. Já tem muitos anos, estou falando aí de trinta anos, mas de repente posso estar comentando uma besteira. Porque ela tinha cinquenta anos na época, ela pode estar com oitenta… Depois você edita, para eu nao cometer um deslize.(risos) Eu tive o professor Mirão, Claudemir Miro Esperança Cláudio; era o nome do meu professor. Esse foi um professor, já no ginásio, que confundiu minha cabeça, mas confundia da forma boa, porque ele dava aula de filosofia e de história e filosofia conduz conhecimento. e eu lembro que ele colocou tanta dúvida em minha cabeça, dúvidas boas, que ele se tornou inesquecível por causa disso. Por que? Porque pensava, eu questionava. eu lembro que me tornei uma chata, porque questionava todo mundo, questionava tudo. Então a partir desse momento, houve uma ruptura, porque me falavam alguma coisa e eu ficava: “Será que é?”, eu questionava. Então eu ia a fundo para saber das coisas. Foi um professor que marcou bastante. Teve a professora Angela de portugues, que ela e o Claudemir acho que depois se casaram, que me incentivou muito a leitura, eu sempre gostei muito de ler. Eu tive bons professores, mesmo estudando em escola pública.
P1- E Você falou dos questionamentos que esse professor te trazia e que marcou uma mudança em sua visão. Você se lembra de algum questionamento que você: “Nossa, nunca tinha pensado. Isso me fez pensar de uma forma diferente”; você lembra de algo específico?
R- Eu acho que foi por conta da religião. Eu lembro de uma discussão em sala de aula que… as meninas costumam ser na adolescência, comprar umas revistas de astrologia e lembro que a meninada ficava falando: “Meu signo hoje está falando isso… Não posso fazer isso porque meu signo…”. E lembro que ele falou assim: “Meninas…”; ele era alto. “O que vocês estão vendo está a olhos luz. Vocês estão se baseando em algo que já aconteceu. Se você fosse levar em conta essa distância dos planetas, isso já teria acontecido. Então isso é uma furada. Esquece esse negócio de horoscopo”. E uma ficou olhando pra cara da outra, a gente tinha meio que uma paixão platônica por ele, sabe. E começamos a questionar: “É mesmo, quem garante que isso é verdade?” Então isso é uma coisa que marcou também. Uma das outras coisas acho que foi sobre religião. Ele em alguns pontos parava; ele pontuava que era ateu. Então quando alguém fala para você que é ateu, você tem um choque, ainda mais quem é religioso… Aí você fala: “Nossa, mas ateu?” E aí você via boas atitudes em alguém que não acreditava em deus. Porque assim, quando uma pessoa fala que é ateu, você pensa em uma pessoa ruim; quando você é criança você já pensa isso. E ele era uma pessoa tão boa, tão bacana que não combinava; ateu, né. Depois você começava a questionar, você falava: "Não tem nada a ver, ele não acredita em deus, mas ele tem boas açoes”. E aí você começa a construir essa coisa, esse questionamento, atitudes, educação, a falsidade, a hipocrisia,e você começa a olhar o mundo com outros olhos. nem todo mundo que é aquele beato, é tão bom quanto dizia… enfim.
P1- É uma coisa que você trouxe já em alguns momentos, foi essa importância da leitura na sua vida. Você lembra de alguma leitura, algum livro que você leu nesse período, nessa fase escolar, que tenha sido marcante?
R- Você pode não acreditar, eu lembro do primeiro livro que li na vida e lembro que fui em busca desse livro e encontrei em um sebo, na Lapa.A minha tia trabalhava em uma casa de família e a mulher era professora, a patroa dela era professora, dava aula particular. Em uma das férias eu vi passar uns dias com a minha tia. Ela morava na casa dessa família, tinha uma edicula no fundo e tinha uma estante de livros. Eu lembro do primeiro livro que eu li, se chamava “O Soprinho”, era uma menino que era o vento e umas letras gigantes e lembro que eu devorei aquele livro. Foi o livro que me marcou ,tanto é que eu não parei de ler, queria ler a todo tempo. Como meu pai trabalhava na cerealista, a Lux, sabonete Lux, fez uma, acredito que uma campanha: vinha um fardo, a cerealista vendia tudo em fardo, é como se fosse um Atacadão hoje. Tinha um pacote de sabonete e eles pararam um romance dentro. Na época era um romance chamado.. .era Julia, Sabrina, Bianca, uns romances desse bem água com açúcar e lembro que meu pai trouxe um fardo de sabonete e em cada caixinha de sabonete com dez ou doze, vinha um romance. como tinha estourado, eu peguei o primeiro para ler, devia ter uns doze, treze anos; peguei o primeiro romance. Ou era Julia, Sabrina, Bianca e comecei a ler. E lembro que tinham umas pornografias, mas coisa muito leve, mas eu devorei aquele livro. Porque eu li o primeiro, eu abri todos os outros para ler e meu pai teve que consumir todos os sabonetes, porque a empresa não aceitou, porque estava com embalagem lacrada. Então é uma coisa que me lembro por conta da leitura, eu li o primeiro, gostei, li todos os demais e meu pai foi obrigado a ficar com os sabonetes, por conta da minha intromissão de rasgar embalagem. Depois não parei mais, eu li minha vida inteira. Eu acho que não tem um dia da minha vida que eu não leia. Por isso que os livros entraram na minha vida dessa forma tão forte.
P1- E você estava falando também de uma fase no qual você começa a descobrir outros lugares, está conhecendo mais pessoas… Você lembra de lugares que gostava de ir, passear, sair com amigos, amigas, nessa fase da adolescência?
R- A gente não saia muito, a gente não tinha muito recurso. Eu lembro que a gente torcia quando vinha um parque e se instalava, um circo, então me lembrava que tinha um parquinho que se instalou de vez em quando e a gente ia para lá, mas a novidade mesmo foi quando chegou o Mc Donalds. Eu lembro a primeira vez, a gente fez como se fosse uma excursão para o Mc Donalds, era uma delícia, porque íamos para o centro de São Paulo, onde haviam os cinemas Marabá, o Ólido, nem sei como se fala, se é Ólido ou Olido; tinha aquela região que tinham os cinemas e a gente ia nos cinemas, assistia um filme e ia no Mc Donalds que tem ali na República, sentava uma galera, tudo 14, 15 anos, comia aquele lanche, devagarinho, que era uma delícia. O dinheiro era contado: cinema e o Mc, e depois ia para casa de ônibus, porque é a CMTC, busão mesmo; era muito gostoso. Era a época das paixões platônicas, que você gostava de um menino, ele nem sabia que você gostava dele.. .Enfim, época dos apelidos, da época das confidências.
P1- E Cristiane, me fala, você contou muito da experiência de infância, primário, ginásio… Como você vai seguindo na sua formação, terminado esse ciclo da escola?
R- Eu comecei a trabalhar em uma lotérica e era puxado para o trabalho. Trabalhei por muitos anos nessa lotérica, onde essa lotérica vendeu e o segundo comprador comprou e me deixou como parte do acordo entre eles, porque era uma pessoa que não era do ramo e lá eu fiquei por muitos anos, nessa lotérica. E aí eu sai, um senhor que… Eu me perdi um pouquinho, vou te falar do meu primeiro emprego, porque já pulei uma fase. Na minha adolescência eu mudei de casa e morei na casa de uma… Morava nos fundos e a menina que trabalhava na frente, trabalhava em uma loja na Lapa de armarinhos: vendia lãs, linhas, botões, tudo o que você imaginar. E vendia também roupas infantis nessa loja. Foi minha primeira experiência, eu estava louca para trabalhar, meu pai tinha acabado de falecer, minha mãe estava dando um duro danado, grana curta… E ai essa minha amiga trouxe uns catálogos de lãs, sabe umas lãs que ficam uns fiapinhos? E eu fiquei encantada com aquelas lãs e comecei a ler.. .resumindo, praticamente decorei aquele catálogo, número de linha, nome de lã. Mas a minha amiga, a mãe dele era dona da casa, já trabalhava e falou assim: “Cris, abriu uma vaga lá na loja em que trabalho, mas precisa ter experiencia”, e eu não tinha, tinha acabado de fazer 15 anos. E falou assim: “Vou te apresentar lá, mas tem que falar que já conhece alguma coisa“ e eu falei: “Vamos lá”. Ela me deu esses catálogos e eu reforcei o conhecimento. Chegou no dia da entrevista, o dono da loja falou assim: “Você conhece lãs, linhas?”, eu falei: “Conheço”. E ele falou: “Sabe algumas?” e eu falando o catálogo da Pinguim, lembro até hoje: eram Lãs Santistas, Pinguim… e eu falando com uma propriedade. Ai ele: “Você é boa de conta?” Eu falei: “Sou”. Aí ele passou uma conta no papel mesmo, eu fiz, tirei de letra e ele falou: "Está contratada”. Foi meu primeiro emprego, fiquei dos 15 aos 19 trabalhando nessa loja. Lá eu vendia lãs, linhas… Chegava uma senhora com uma revista e falava: “Quero fazer uma blusa e eu preciso dessa lã”. Eu ia lá, pegava as lãs e sempre fui muito observadora, então eu observava as clientes que compravam mais, porque tinham a senhoras que iam buscar encomendas, então elas já tinham encomendas de dez blusas, entoa decorava o rosto delas Então quando chegava ja atendia super-bem e a lã é interessante, no novelo da lã tem uma partida, uma numeração, se ela perde por exemplo, ela leva um número muito justo de novelos e falta, ela pode comprar o novelo que vai dar a diferença, então eu observava que muitas meninas vendiam justinho o número de novelos, e vira e mexe tinha um problema, porque faltava lã e dava diferença nas malhas. E aí comecei a atender e falava: “Olha, leva uma mais para garantir. Se sobrar eu troco para você”. E as clientes adoravam isso, então eu fui cativando e vendi muito, bati a minha meta todo mês; por que? Por essa coisa de cativar, de conversar, aprendi a bordar talagarça, telas, aprendi a fazer alguns bordados em macramê, aprendi a fazer algumas malhas com pontos básicos, porque a gente vendia. Esse foi meu primeiro emprego. Aí sai dessa loja e fui trabalhar na lotérica e lá fiquei mais uns três anos. Coincidiu com o término do segundo grau e eu trabalhei nessa loteria. Como eu consegui dar uma guinada e sair dessa coisa mais braçal, digamos assim? A minha tia, que é essa que cuida da minha mãe, conhecia uma moça que trabalhava num jornal e falava assim para moça: “Quando surgir uma oportunidade, convida minha sobrinha para trabalhar. Minha sobrinha é tão inteligente”. Sabe como mãe e tia são, adora conversar, é super-comunicativa, ela lê… E a moça que trabalhava no jornal, era ojornal da Lapa. Você lembra desse jornal, amarelinho? Trabalhei muitos anos no amarelinho. E aí essa moça que trabalha lá me convidou. Fui, fiz uma entrevista e trabalhei por dez anos no meu jornal. E foi lá onde aprendi muita coisa e aí fui para o mundo corporativo, digamos assim ,aprendi a me relacionar com clientes, trabalhar com equipe, sobre pressão, tínhamos metas; tínhamos prêmios muito bons e trabalhando no jornal eu cresci muito como pessoa, fiz excelentes amizades, eu tenho amigos… eu entrei no guia de empregos em 94 e fiquei ate quando ele falou, que ele quebrou. Jornal amarelinho existe até hoje, muita gente acha que é a mesma empresa, mas não é; é um jornal que tem uma identidade visual muito forte. Então muita gente não notou, mas um fechou e o outro começou, mas eu trabalhei no segundo também. Mas foi uma empresa onde ganhei muito dinheiro, aprendi a trabalhar em equipe, conheci pessoas maravilhosas. A minha melhor amiga, nasceu dessa amizade com ela nessa empresa. Aí em 2010… Estou dando um salto, você percebeu?
P1- Tudo bem, depois eu recuo, se for o caso. Não tem problema.
R- Trabalhei muitos anos no jornal, aprendi tudo que sabia, eu vendia classificado de empregos, porque era um jornal que saia com vagas de empregos; então eu atendia empresas que contratavam funcionários, só que na época que entrei, não existia esse advento da internet tão forte quanto hoje. Então a empresa que precisava de um funcionário, ela fazia o quê? Ela recorria a uma agência e a agência para dar conta da demanda, colocava anúncio. Então eram anúncios, com inúmeras vagas, com logotipo e era isso que a gente fazia: captação dos anúncios para poder publicar. Essa foi uma fase muito gostosa da minha vida. Em 2010, a minha mãe adoeceu. Ela sempre foi uma pessoa muito ativa e minha mãe começou a reclamar muito que estava com dor na coluna; ela já fazia um tratamento para hérnia de disco. Ela tinha esse diagnóstico, que tinha hérnia de disco. E a gente ia mudando de médico e o problema continuava, até que um dia estava na empresa e minha tia me ligou e disse: “Cris, vem para casa que sua mãe travou”. Quando me falou que minha mãe tinha travado, eu achei que fosse pescoço, ou um mal jeito na coluna. Eu lembro que eu fiz de Pinheiros, que a gente estava aqui na Rua Aspicuelta, que é relativamente próximo; eu fiz o trajeto assim, em minutos, porque estava no desespero, preocupada com minha mãe. Quando cheguei em casa eu ainda consegui ver minha mãe em pé, foi a última vez que vi minha mãe de pé. Ela estava segurando na pia e tinha se urinado toda. Depois que a gente foi entender o que aconteceu: eu vi minha mãe em pé, mas ela não deixa ninguém tocar nela. Ninguém tocava na minha mãe. A minha rua, em que morava; eu já tinha casado e tudo mais, eu morava em uma rua bem curtinha e minha mãe achava que estava gemendo, mas ela estava gritando, porque quando encostei o carro, a rua estava tomada de gente. Quando entrei, que fui socorrer minha mãe, eu percebi que era algo muito sério, mas não entendia a complexidade. Aí nós entramos minha mãe, ela não deixava ninguém tocar nela. Eu tinha uma amiga que namorava com um bombeiro na época, ela ligou para os bombeiros e minha mãe foi socorrida pelo corpo de bombeiros. Resumindo, minha mãe teve um câncer na medula, no meio da medula ela teve um tumor, um mieloma múltiplo. E esse tumor, ele comprime a medula da minha mãe, então os comandos que o cérebro manda, ela perdeu todos. Então isso foi uma ruptura na minha vida, porque estava empregada, minha irmã também. Tenho uma irmã adotiva, que pulei uma parte aí, mas depois a gente volta. Nós trabalhávamos as duas na mesma empresa e nós tivemos que pensar como seria a vida cuidando da minha mãe, porque ela ficou acamada, tem dez anos que minha mãe não anda. Então foi uma mudança assim, uma guinada na nossa vida, por conta dessa doença. Quando os médicos nos chamaram para dar o diagnóstico, eles avisaram para não que a minha mãe teria seis meses de vida. Então foi um baque, porque você tem um ponto forte, o alicerce da sua família e o médico fala: “Pode levá-la para onde ela quiser, dar o que ela quiser comer, porque é curto o tempo dela”. E graças a deus, eles estavam enganados, obviamente é o que a gente chama de milagre, porque minha mãe está com a gente até hoje. Ela não anda,as sequelas ficaram, mas está sob controle a doença dela. Acho que a gente vai ter que voltar algumas coisas. (risos)
P1- Tudo bem, a gente pode voltar. Inclusive uma das coisas que eu ia te perguntar, você falou do seu primeiro trabalho na Lapa, trabalhando naquela loja vendendo produtos de lã, crochê… Uma coisa que ia te perguntar era se você se recorda, você ainda adolescente, mas o que você fez com o primeiro salário que você recebeu?
R- Eu lembro. É algo que conversamos há pouco tempo, eu e minha mãe. Na época das vacas magras, uma coisa que eu conto assim, meu marido dá risada: a gente não tinha muita roupa. Antes da abertura do Mercosul, a gente não tinha essa coisa de comprar roupa com a gente compra hoje. Na minha época, praticamente eram três vezes no ano: você comprava no Natal, no meio do ano, era muito tumultuado comprar roupa, calçado. Isso quando você não herdava do primo, da prima. E lembro que tinha poucas roupas e já cheguei a passar, por exemplo, uma calça jeans no ferro, a parte do bolso eu ficava passando no ferro. E eu lembro que falava para minha mãe: “Quando eu começar a trabalhar, a primeira coisa que vou fazer é comprar várias calaças”. E minha mãe não dava bola para isso e lembro que com meu primeiro salário, tinha uma loja na Lapa chamada Mongoose, eu acho que se falava “Monguse” porque tinham dois “Os”. E a gente fazia crediário para comprar roupa; a geração de hoje não sabe o que é isso. Eu lembro que comprei duas calças, uma jaqueta jeans, que era louca por uma e camisetas; e fiz crediário para pagar em vezes, não lembro quantas vezes foram, para comprar roupa. Acredita? (risos)
P1- Acredito. (risos)
R- Eu lembro o que eu fiz com meu primeiro salário. Foi isso. E hoje a gente compra roupa com tanta facilidade, né? É uma loucura isso. Hoje é um outro momento, então as facilidades são muitas.
P1- E nesse momento que você, ainda jovem, conseguiu vislumbrar alguma coisa que você queria ser? O que você queria ser quando crescesse, quando adulta, para trabalhar?
R- Eu pensei muito em ser professora, porque eu sempre tive essa coisa de ouvir e disseminar., eu contava o que eu aprendia. Então pensei em ser professora, mas eu percebia que alguma coisa da comunicação estava muito presente na minha vida. Quando eu estava no jornal, a primeira faculdade que eu fiz foi letras, e fiz na São Camilo; não cheguei a concluir justamente porque a empresa quebrou, mas foi a primeira faculdade que eu fiz e sempre gostei muito de gramática, de ler, de escrever, então por esse motivo eu pensei na licenciatura como uma saída. Como não terminei a faculdade de letras, isso continuou adormecido, eu continuei trabalhando no jornal. Em 2004, eu acredito, o dono da empresa que eu trabalhava resolveu implantar os 9001, era uma certificação de qualidade, e uma das métricas era que todos os funcionários tivessem nível superior, aí eu cogitei entrar em uma faculdade e foi onde fiz comunicação social. Eu fiz mais por estar no jornal e por estar ligado na área de comunicação. Como estava em uma área que gostava e ganhava bem, não via muito mercado de trabalho ,porque dentro do jornal já havia jornalistas, revisor, então não pensava em formar para trabalhar na área. Entrar no mundo editorial foi uma loucura, porque quando sai de um jornal, eu abri o meu e quando abri o meu, eu também comecei a trabalhar com classificados de empregos. A minha empresa teve uma vida muito curta, eu quebrei por “n” motivos, hoje a gente sabe. Eu não gosto de falar, eu não gostava mais ainda de falar. Depois de uma terapia, o coach falou pra mim: “Você tem que falar. Você só acerta hoje porque errou la atras”. Mas eu quebrei, peguei uma baita de uma indenização, uma indenização muito boa e resolvi investir em uma empresa. Só que estava mudando esse mercado, essa rota de internet, com procura de emprego, estava mudando a forma como as pessoas procuram emprego hoje é totalmente diferente de como procuravam na época. Antigamente tinha dia para você comprar jornal, por exemplo; saia um jornal que era muito bom que era na quinta e no domingo, então as pessoas compravam o jornal, separavam o caderno de empregos,... Eu lembro que via muita gente circulando as vagas direto no jornal e saia na segunda-feira, batendo nas agências. Isso era o que acontecia na época, mas com a entrada da internet, o mundo mudou e tudo mudou, inclusive a forma de procurar emprego. Então as empresas passavam ter sites, existe um canal “Trabalhe Conosco”, começou a existir empresas que trabalham com a captação das vagas por exemplo: Manager, a Catho… Tinham os profissionais, os Headhunter, os caçadores de talentos, que olhavam para o profissional mais qualificado e levava para aquela empresa, que tinha o perfil. Então houve uma guinada muito grande e esse mercado hoje, praticamente você não vê alguém procurando emprego através de jornal. E eu quebrei bem nessa época. Mas quando eu estava com o jornal, uma amiga me procurou para fazer um livro. A família dela é japonesa e acho que estava fazendo o centenário que a família tinha vindo do Japão para o Brasil. E ela quis fazer uma edição comemorativa, um livro onde contava um pouquinho a história da família. Eu fazia jornal, mas eu nunca imaginei…eu tinha uma editora aberta, mas nunca pensei em fazer um livro. Eu fiz esse livro para ela com um carinho para ela entregar na festa, eles fizeram uma festa muito bacana e cada convidado teve um livro, contando a história da família. Foi uma edição que eu posso dizer hoje que foi praticamente caseira. Quando eu estava trabalhando no jornal ainda, eu selecionei uma pessoa para trabalhar que era minha amiga. Quando saí do jornal, eu levei essa moça para trabalhar comigo. Ela trabalhou comigo e saiu do jornal que abri para ajudar minha irmã em uma editora. Quando eu quebrei ela voltou a fazer um contato comigo, ela falou: “Cris, tem uma vaga aqui na editora. Você não quer tentar?”. Ela falou: “Só estou com vergonha de te falar salario”, porque eu tinha cargo de chefia, gerência e ela tinha vergonha de apresentar salário. Mas como tinha quebrado, eu topei e entrei em uma editora que fazia livros; porque trabalhava em uma editora que fazia jornal. E aí me apaixonei pelo mundo editorial e aí entrei de cabeça nesse universo. Eu comecei a conhecer autores, escritores, revisores, capistas ,diagramadores… E aí recebia um livro, um original, como a gente chama, um diamante bruto, muitos escritos em caderno; nem todo mundo escreve, digitaliza, e eu entregava um livro pronto. Então passei a fazer parte do processo dos sonhos, porque escrever um livro tem a ver com essa coisa de sonho, realização pessoal. Ai eu me apaixonei. Foi um caminho sem volta. Eu posso dizer hoje, aos 50 anos ,que eu me achei, que literalmente esse é o meu universo. É o que eu amo fazer, é o que eu gosto realmente de fazer.
P1- E a gente vai voltar, porque acho que é super-importante você contar um pouco mais dessa experiência como editora, mas eu queria voltar para esse momento que você comentou, que a sua tia fez essa indicação para que você trabalhasse no jornal, em uma época em que o jornal tinha outro peso, jornal, classificados; queria que você contasse como foi essa experiência de começar a trabalhar em um jornal, como foi entrar nesse universo que envolve editoria; como que foi essa entrada nesse universo para você?
R- Quando entrei eu não tinha experiência nenhuma, minha vivência tinha sido na lotérica. Eu não sabia passar fax, para você te rodear, nunca tinha tido contato com um fax. Eu lembro que tinha feito algumas ligações e o barulho do fax era horrível e eu falei para minha amiga: “Nossa, acho que esse telefone está com problema, porque toda vez que ligo olha o barulho que faz”. E ela riu e falou: “Nao Cris, isso é um sinal de fax que ele está dando” e eu “Fax?”, e ela falou: “Fax é esse aparelho aqui”. A molecada de hoje não sabe o que é um fax, as minhas enteadas por exemplo desconhecem um aparelho de fax ,mas na época era o que a gente usava para transferir e receber informações. Quando eu entrei no jornal eu era uma esponja, eu posso dizer, porque minha sede de aprender era tanta que eu parecia um radar, porque eu vinha, assimilava. E no jornal, a gente trabalhava em duplas, era um homem e uma mulher e juntava-se às iniciais do nome e aquela dupla tinha um nome; então a minha dupla era Cris e José Roberto, então era Crijó ou Jócri, entendeu? E nós fizemos duplas imbatíveis, por que? Porque um conhecia o outro, a maneira de trabalhar. Os homens eram externos e as mulheres eram internas. A gente trabalhava prospectando clientes, não existia celular; eu dou risada, porque às vezes falo assim, eu me sinto uma pessoa jovem, mas já passei por tantas coisas assim, que quando começo a cantar a pessoa pergunta: “Que idade você tem?”. Eu sou da época do past up, tem gente que não sabe o que é o past up, mas na época não tinha telefone celular, mas tinha o pager. Lembra do pager?
P1- Lembro sim. O bip.
R- Isso. Os meninos saiam pra rua e a gente ligava, mandava mensagem, aí eles iam até o orelhão e retornavam a ligação para gente. E eu o o Jó, que é meu amigo até hoje, desde 94; eu lembro que eu era muito esperto, digamos assim, porque eu sabia que ele ia para determinada região e separava os clientes daquela região. Então ligava para todo mundo e sabia que ele estava perto, às vezes prospectar um cliente que estava nas imediações. Eu passava um pager para ele, uma mensagem e ele falava: “Cris, estou idno la”, e fachavamos muito anuncio por conta dessa empatia que tínhamos de saber que ele estava perto, já ligava, agendava e ele ia e fechava. Era muito gostoso e nós tínhamos prêmios que eram muito bacanas. Eu lembro que o prêmio era um salário que eu falava: “Meu deus, muita gente não ganhava isso e eu ganhava como premio”. Foi uma época muito bacana de aprendizado, uma época boa financeiramente, uma época de boas amizades, foi inesquecível para mim, posso dizer. A gente tem um grupo hoje, que tem alguns funcionários. Teve muita gente decepcionada com a quebra do jornal, muita gente não recebeu, mas hoje se eu for fazer um contrapeso, eu acho que as amizades que eu trago tem muito mais valor do que minha indenização, uma rescisão contratual, entendeu?
P1- E como é que foi ao longo dessa trajetória, você foi desenvolvendo experiência dentro desse universo de jornal, anunciantes, e de repente perceber que ao longo do tempo foi acontecendo uma virada também de setor, com a coisa da internet principalmente; jornal deixando de ser um canal de acesso a informações de emprego, como você falou um pouco antes, mudou também a maneira como as pessoas procuravam trabalho. Como foi perceber essas mudanças que foram acontecendo nesse setor?
R- Foi super-interessante essa sua pergunta, porque a gente não percebeu. Quando você está envolvido ali, o seu dia-a-dia naquela rotina, você vê que as coisas estão mudando, mas não percebe que a mudança muitas vezes é desfavorável para você. Eu lembro que a gente mede pelo número de páginas, é sempre múltiplos de quatro, então quando você via que caiu: “O Jornal saiu com 20 páginas, com 28, 32…”. Então era normal cair em uma semana que tinha feriado prolongado, mas quando vinha em uma crescente decadência, todo mundo começou a se preocupar, porque de 70 e tantas páginas, foi caindo.. .E foi triste, porque era um calhamaço, eram os jornais; aí você acompanha: o Diário de São Paulo fechou… Teve um monte de jornal que foi fechando. E quem está andando de uma forma geral, ele começa a ver saídas. eu vou ser franca com você, eu estava meio alienada, porque primeiro porque você não quer que acabe, é a sua fonte de renda; você se nega, é uma negação nesse sentido, você não quer que acabe. Eu lembro que quando a empresa estava quebrando, todo mundo indo embora, eu lembro que ouvia os comentários de alguns amigo falando: “A Cris vai ficar para apagar a luz”, e era tão doloroso aquilo porque ele não entendiam que eu não queria que aquilo acabasse e eu literalmente fiquei para apagar a luz, porque fui umas das últimas realmente a sair. É triste você ver uma empresa com tantos funcionários, com tantas famílias que dependiam dos funcionários, dos pais de família, acabar; e acabou, literalmente acabou. Foi muito triste, teve muita gente que não se recuperou até hoje e é interessante você me perguntar isso, porque meu esposo trabalhou na bolsa de valores. A bolsa, pregão, como a gente vê aquela loucura e meu marido fala que ele percebeu quando estava acabando, ele foi um daqueles que estavam antenados. Eu já não tive essa visão que ele teve, então o choque para mim foi muito triste. Por que? Porque chegou uma hora que não tinha mais o que fazer e não tinha procurado outras coisas. Tive que aceitar, resignar e aceitar. Mas quando o jornal fechou, eu fui para uma agência de publicidade, lá no centro de São Paulo, na Rua Avanhandava, essa agência existe até hoje, se chama Novo Horizonte. E eu fiquei lá um curto período, por que? Eu tinha uma carteira, um relacionamento muito bom com os clientes, eu sempre fui muito comunicativa, muito sincera, então cria-se um vínculo. Mas aí quando abriu a segunda versão da amarelinha,... Lembra o que te falei? Não é a mesma coisa, mas deu uma continuidade na identidade visual; eu fui uma das convidadas a fazer parte do quadro. Aí eu voltei, aí eu retomei com força total e tive uma segunda chance, só que eu já estava muito mais esperta nesse sentido de ganhar dinheiro, de revisão de marcado, aí já fui estudar… Eu olhava para o mercado com outros olhos, com novas possibilidades.
P1- E você mencionou agora que você já vai com outro olhar de estudar; eu queria te perguntar o que isso te representou? Por exemplo, você fez duas faculdades: uma que você não concluiu, que foi a de Letras e depois você vai fazer a faculdade de comunicação social. Como é que foi entrar na faculdade nesses momentos e o que representou fazer faculdade na sua vida?
R- Quando eu entrei na faculdade eu já era uma trintona. e eu lembro que na minha sala tinham dois alunos que tinham 17 anos. Um é meu amigo até hoje. Sou apaixonada por esse meu amigo, hoje ele é pai e acompanho a carreira dele e eu acho que eu era aluna mais velha da sala e se não era a mais velha, tinha um só rapaz lá que era .Foi um mundo de novidades para mim, porque você cursa é um sonho, você saber que você pode hoje fazer um faculdade e naquela época… Hoje você tem faculdades com preços bem bacanas de se pagar, mas antes era difícil, então você está ali, ralando, conectada a sua faculdade, é muito gratificante. Ainda mais em um curso que tinha tudo a ver com seu universo. Eu trabalhava em jornal, fazia uma faculdade com comunicação, a ênfase do meu curso de comunicação social era o jornalismo. Era sensacional, todo dia era um aprendizado e um lugar de muitas amizades também. Eu me achei ali; tinha uma professora que me incentivou muito a escrever, ela gostava muito da minha linha de escrita e me valorizava muito, apoiava muito. Lembro que um dos exercícios em sala ela falou: “Cris, você escreve tão bem. Tem um canal chamado Recanto das Letras; vai lá, começa a escrever, deixa as pessoas conhecerem seus textos”. E eu fiz isso e me espantei quando coloquei um texto e visualizei que meu texto teve trezentas leituras e eu falei: “Uau!”. Isso era gratificante. aí passou um tempo, as pessoas me mandando mensagem: “Cris, escreve de novo”, e aí o texto tinha mil leituras; era fantástico. Isso eu consegui através da faculdade. É um envolvimento com o universo literário que só veio reforçar.
P1- E você lembra como foi o fechamento da faculdade, trabalho de conclusão de curso?
R- Foi uma loucura porque meu TCC, eu queria dizer que como eu trabalhava com o jornal que era fora da grande imprensa, eu fiz um TCC baseado nisso, que é a vida fora da grande empresa na arena de mídia. E meu ex-marido na época trabalhava em um jornal e ojornal sofreu um atentado, jogaram uma bomba. Aqui tem o jornal da Lapa, Pompeia, Pinheiros, Butantã.. .era tudo de gente que se conhecia e quando você faz críticas, assume prefeitura… Alguém se incomoda. Eu lembro que na época jogaram uma bomba lá e eu contei isso na sala e eles querendo saber os detalhes… Então o foco do meu trabalho foi em cima disso: que havia formas de você se destacar trabalhando em jornal de bairro, por exemplo; cobrindo eventos locais e dando relevância à população. Por que? Um bairro, ele conta muito com o jornal de bairro para dar voz às questões do cotidiano. Então foi esse o enfoque.
P1- E você falou dos seus textos, de começar a escrever, dando incentivo à escrita, sobre o que você escrevia? Tinha a ver um pouco também com esse universo, ou era sobre outros temas, outras questões?
R- Ai já era muito mais autoral no sentido de você levar sua vivência. Eu tenho facilidade de escrever sobre qualquer assunto. Então por exemplo, a gente está conversando em uma roda, e você conta uma história, eu consigo desenvolver uma outra história em cima da sua. Então começou o texto sobre encomenda: alguém queria mandar um texto para um amigo: “Cris, preciso escrever alguma coisa para uma amiga, me ajuda?”, e ia lá e escrevia um texto bacana, mas eram umas crônicas; eu nunca fui ligada a poesia, mas crônicas, contos, os textos curtos. Eu cheguei a comentar com você que sou ghost writer? Não, né? Cheguei a falar para você?
P1- Está comentando agora. (risos)
R- Eu sou escritora, tenho livro publicado, livro infantil, mas eu escrevo para outras pessoas. Então eu vou dar um exemplo: você quer me contar a sua vida e tem tudo, mas não tem aptidão na escrita, então eu consigo fazer isso. Então na época da faculdade, eu nem sei se deveria fazer isso, eu ajudava o pessoal nos trabalhos, nas redações, por conta dessa facilidade com a escrita. E por gostar, eu não tenho dificuldade nenhuma com a escrita, eu gosto muito de escrever e ler, então para mim, fazer um conto, escrever uma crônica é algo muito gostoso, muito fácil. E escrever para um autor, porque às vezes ele não vai saber levar adiante, eu posso pegar a autobiografia dele, eu escrevo, mas não apareço como escritora; ele que aparece como autor.
P1- Acho que a gente vai depois falar mais dessa experiência no mundo editorial de livros, mas eu queria que você contasse um pouco porque você tem essa segunda experiência no segundo Amarelinho já com uma outra empresa formal, mas mantendo a identidade; e depois disso você tem a experiência de abrir a sua própria editoria, mais ou menos em uma proposta parecida. Como foi esse processo e a decisão de “vou criar meu próprio negocio”?
R- Eu penso que eu tive exemplos de que a paixão move as coisas. Você pode fazer uma receita de um alimento e eu fazer a mesma receita, mas se não estiver com aquela paixão, o que me move não for a mesma energia, não vai ser igual. Eu trabalhava em uma editora em que percebia que o dono da editora não era apaixonado; e o que acontecia? Quando você não tem paixão, as pessoas percebem, se torna mais um. E eu lembro que eu sentia essa ausência de paixão, de envolvimento. Não sei se é porque sou muito intensa, quando chegava a uma pessoas com um livro, ele estava me falando ali e já estava idealizando a capa dele, projeto gráfico… Eu estava assumindo junto com o autor, antes mesmo dele me pagar para isso, porque é algo muito inerente a mim. Então senti essa falta de paixão e isso é ruim, porque isso te desmotiva, porque você quer fazer mil coisas, chega toda empolgada e a pessoa não te dá liberdade. Você ia só até ali, E hoje eu penso assim ,só para você entender: existem três formas de você publicar um livro, você autor; fala: “Joga la na internet: Como publicar um livro”. Vão vir inúmeras formas de publicar um livro, inúmeros dias e muita gente acha que é fácil; e vai e mete as caras, mas existem pequenos detalhes no percurso de publicar um livro, que se você não faz de forma profissional, você vai perder tempo. Já vi livro que anotem ISBN, que não tem ficha catalográfica… A segunda possibilidade é uma editora tradicional, como COmpanhia das Letras, Sextante, te descobrir, notar que você já tem relevância no mercado e te adiantar direitos autorais e investir em você; mas se você é um autor que não quer desistir dos seus sonhos, não que publicar de forma caseira, você publica de forma independente. Por isso que existe uma editora, como a que eu trabalho, que é uma editora independente. Só que para tudo você precisa ter paixão, por que? Se você faz sem o envolvimento necessário, é só mais um. E muita gente é só mais um, mais do mesmo; está cheio. Então o motivo que me levou a sair da editora em que eu trabalhava foi notar que a pessoa não tinha a mesma paixão que eu e eu nem era a dona. Então me envolvi em emoções para fechar um negócio e o negócio era fechado. E depois no decorrer não tinha essa mesma paixão e os autores notaram a diferença, ora de tratamento, ora de envolvimento. Porque você é a porta de entrada e muita gente saindo com livro debaixo do braço. E quando estava ali, eu falava: “Eu preciso fazer alguma coisa”. E no auge da minha insatisfação, digamos assim ,eu atualizei meu currículo e joguei no Linkedin e o que foi estranho foi que uma gráfica me procurou. Eu falei: "Não quero trabalhar em uma gráfica, quero trabalhar em outra editora”. Passando um tempo, uma outra grafica me procurou, e era uma que já conhecia. Aí fui conversar com essa gráfica e recebi uma super-proposta: de abrir uma editora dentro da gráfica. Por que? Eles já tinham toda a saída, que era impressão, mas não tinham o know how de produzir o livro. Eles imprimiam o livro, mas para fazer o processo editorial, eles não tinham. E eu achei tentador a proposta. Eu ia ganhar três vezes mais que eu ganhava. eu sai dessa reunião com essa gráfica com a tarefa de montar um plano de negócios, para que ele pudesse avaliar quais seriam os gastos, desde insumos de… até material de escritório, mesa, maquinário, funcionário, o que ia precisar. Eu fiz um plano de negócios e eu tinha uma reunião marcada com esse pessoal da gráfica 15 dias depois. Quando fui apresentar o plano de negócios para meu esposo, falei: “Eu vou ter uma reunião com o pessoal da gráfica e quero apresentar da melhor forma. Me ajuda, vejo o que eu posso acrescentar mais”. Aí sentei na mesa da cozinha com meu marido, liguei o computador e fui apresentando…. Ai meu marido é um cara de visão e falou assim: "Chris, porque você vai abrir uma editora, com pessoas que você não conhece, levar todo o conhecimento para lá, ficar presa a uma gráfica só; porque você não monta uma editora?”. Eu não queria me ver à frente de um negócio porque já tinha quebrado. Lembra que comentei? Você quebra uma primeira vez e fica muito inseguro. Aí falei: "Não quero, tenho medo”. Aí ele falou: “E se eu tiver com você? Você topa?”. Eu falei: “topo”, e foi aí que nasceu a SOUL. A gente começou assim, de uma apresentação de um editorial que ia montar dentro de uma gráfica, ao olhar do meu marido. Ele falou: "Você está pronta para montar, tem todo conhecimento, apaixonada pelo que faz; então acho que vale a pena arriscar novamente”. E foi o que eu fiz. Isso tem três anos, graças a Deus tem dado tudo certo, são três anos, 153 livros publicados, praticamente sozinha, porque comecei somente eu e ele. Quando digo sozinho não quero dizer que não tenha profissionais comigo, tenho capista ,revisor, diagramador; mas assim, na editora mesmo, até um tempo atrás, éramos somente três pessoas, uma equipe super-enxuta, mas apaixonada pelo que faz. Então esse foi o grande start para eu sair de uma e migrar para SOUL.
P1- Eu vou voltar para esse momento depois, que acho que é um momento muito especial e você falou que em 2010 que houve a doença da sua mãe. Você ainda estava trabalhando no jornal ,se não estou enganado, você está contando e você disse que ali também marca uma mudança muito grande na sua vida e na maneira como você vai enxergar a carreira. Como foi essa mudança, quais foram as mudanças que foram efetivamente acontecendo após esse evento?
R- É interessante, por que? Quando descobrimos a doença da minha mãe, você passa a olhar a vida de outra forma, porque quando a morte acontece com vizinho, é uma coisa. Quando você vê a morte muito perto de você, começa a se questionar: “Se tivesse dado mais atenção. Se tivesse levado mais para passear…” Sabe aquela sensação de consciência pesada? É mais ou menos isso. Como eu e minha irmã trabalhávamos juntas na mesma empresa, nós optamos que ela sairia para cuidar de nossa mãe e eu continuei. Mas ao mesmo tempo eu queria estar mais perto de minha mãe, então essa foi a parte que mais foi difícil para mim: sair de onde eu gostava, pra cuidar da minha mãe. Foi um divisor de águas nesse sentido. Quando saí do jornal, eu fiquei um tempo em casa. Meu ex-marido trabalhava também em jornal, eu em jornal de empregos, e ele de bairro. E fui ajudar em algumas questões e as meninas que trabalhavam comigo começaram a me mandar email: “Cris, me leva para trabalhar com você”, “Mas não estou, só estou aqui ajudando”, “Cris, queria tanto trabalhar com você”. E aí surgiu a ideia de abrir meu jornal, ano sai com ideia de abrir minha empresa; sai com ideia de cuidar da minha mãe. Mas quando as meninas começaram, elas queriam trabalhar comigo, aí abri minha empresa. Então talvez não fosse o momento, não era o que eu queria fazer, estava entrando a internet muito forte no mercado, estava tendo essa mudança e não percebi… Então foi uma junção, várias coisas que impactaram nesse negócio. Não sei se respondi, respondi?
P1- Não, claro. Eu ia te perguntar se a decisão de empreender a partir desse momento vem também de um desejo de talvez ter mais tempo para poder também ficar com sua mãe. Claro que empreender é algo que toma muito tempo , ainda é algo simples, mas talvez você tenha mais maleabilidade com relação a rotina. Você acha que isso influenciou também essa sua decisão de começar a empreender, pensar em ter um negócio próprio?
R- Eu acho que foi uma consequência, digamos assim. Não pensei em empreender por conta da minha mãe, não. Eu sai do meu emprego para cuidar da minha mãe. Quando saí, que as pessoas começaram a me procurar, eu cogitei a possibilidade de abrir uma empresa. Mas não sei nem se foi uma veia empreendedora nesse momento, eu acho que foi a junção de eu ter saído, as pessoas me procurarem, eu estar com a faca e o queijo na mão e decidi montar. Foi mais ou menos isso. Mas, o fato de eu abrir SOUL foi o maior empreendedorismo que eu poderia fazer, porque estava com uma outra cabeça, outra visão, muito mais preparada.. .Acho que nesse caso foi o empreendedorismo puro. Ai sim posso dizer que foi uma coisa pensada para acontecer. Eu até então não tinha pensado, mas a partir do momento que eu construí esta ideia, eu não voltei atrás. Foi como se minha mente se abrisse como um paraquedas e depois não desse mais para fechar.
P1- Então eu queria que você contasse, já falou um pouco como foi a ideia de criar a SOUL, mas como é que foi esse processo? Você teve uma primeira experiência e dela, o que você levou e “Eu vou agora montar a minha própria editora, mas quero fazer de forma diferente, de arrumar outra bagagem também"... O que essa primeira experiência ajudou você a decidir empreender, já com essa visão de empreendedora, já mais desenvolvida?
R- Trabalhar nessa primeira editora foi fundamental, por que? O universo mais literário eu conheci mais como leitora, quando entrei, ele foi fundamental, por que? Porque ele estruturou todo meu conhecimento. Então tudo que sei hoje, eu aprendi na prática. Então foi fundamental. Eu acho que o fato de eu ter querido abrir a SOUL, foi justamente não ter autonomia para ajudar os outros a realizarem os sonhos deles. E isso tem a ver com missão. Eu acho que quando você encontra um propósito, encontra uma missão, é difícil você fugir dela. Você pode não saber qual a sua missão, seu propósito de vida, mas a partir do momento que você sabe, é difícil fugir dele. Porque você já tem essa consciência. Só para você ter ideia, eu nasci no dia 25 de julho. O dia 25 de julho é o dia do escritor. Eu não sabia disso até então, por que? Porque não era o meu universo, só falei: “Que maravilha nascer no dia do escritor, que eu lido todos os dias”. E é interessante porque quando você tem uma missão e se vê realizando isso todos os dias, é algo que é muito gratificante. Uma pessoa te procurar para produzir algo que é o sonho de vida dela. Vou te dar um exemplo. Já peguei casos de autores que ficaram escrevendo um livro por dez anos. Você vai falar assim: “É mentira”. Não, não é mentira. A pessoa fica dez anos com aquela insegurança, aí de repente ela chega para você, você lê o livro dela e fala: “O seu livro tem condições de ser publicado”. Você faz um parecer editorial, uma leitura crítica e você aponta pontos fortes ou fracos ou que possam ser melhorados e fala: “Seu livro é bom” e depois entrega um livro para aquela pessoa; você não tem ideia do que é fazer parte disso e entregar um livro para essa pessoa, o olhar que ela te dá. Eu não estou falando de dinheiro, esquece; estou falando de realização, essa pessoa nunca mais te esquece. É como se você tivesse pegado ela pela mão e juntos caminhar um trecho. É muito impactante isso. Eu gosto demais. Então o que me fez vir a empreender foi justamente essa questão de ter autonomia de realizar esses sonhos. AJudar nesses sonhos. E juro para você , não é demagogia. De repente você fala assim: "Está querendo falar coisas bonitas”, não. Quem me conhece, que tá comigo no dia-a-dia, sabe como eu gosto disso, de trabalhar com a s pessoas, de pegar o autor e de ajudá-lo a realizar esse sonho. É missão mesmo.
P1- E você contou de como veio a ideia, a partir da apresentação que você fez para seu marido, como foi a construção da empresa, como foram os primeiros tempos de constituição?
R- A empresa nasceu exatamente nesse momento, porque? A gente já tinha empresa aberta e ele falou: “Cris, não vamos perder tempo .Vamos para cima, vamos dar o objeto social da empresa e vamos trabalhar com isso”. Como sempre foi do mercado financeiro, hoje ele entende muito do mercado editorial, mas na época, sabia que era um livro de ler, mas como leitor, observador. Aí nós literalmente mudamos o objeto social da empresa, mudamos o que não é da empresa, ai nao aceitamos, fizemos uma reuniao; nao quis trazer ninguém que já trabalhava na outra editora, já estava saindo, já ia deixar uma brecha, um buraco lá, então não queria prejudicar de outra forma. Eu fui em busca de outros parceiros, designers para fazer as capas, revisores, diagramadores e fui prospectar novos escritores. E meu primeiro livro foi um livro infantil. A autora fez dois livros comigo e foi sensacional quando fiz meu primeiro livro com meu ISBN, com nosso registro do início ao fim. Teve muito erro, teve muito acerto; mais acertos do que erro, mas cada erro que acontece é erro novo. Erro que a gente diz às vezes é um projeto que poderia ter um “Q” a mais na época e não tínhamos a experiência. Depois que você entrega o livro pronto você pensa: “podia ter feito assim…”. Então você vai melhorando, dia após dia. Hoje eu pego os livros; eu devia até ter trazido para vocês, até prometi para Luiza que ia trazer um. Hoje pego os livros e falo: "Não acredito que faço esses livros lindos”. É bom demais.
P1- E você diria qual é o diferencial da sua editora em relação ao mercado editorial?
R- Iguais a SOUL, tem muitas editoras, muitas. Eu nem encaro como concorrente, eu encaro como pessoas que amam a literatura e estão ali defendendo o seu lado. Eu acho que o diferencial realmente é a paixão que a gente tem. Foi fácil e foi difícil, tinha três nomes possíveis para SOUL. Aí fui fazer um estudo de nomes, antes delas serem SOUL e muita gente criticava que eu pegava as iniciais dos nomes, porque você vê muita empresa com iniciais dos nomes. E minha amiga falou pra mim: “Cris, eu vejo SOUL para você, porque faz tudo com muita alma”. Eu falei:” É isso”. Aí definimos a cor. Eu gosto muito da cor azul e da cor laranja. Como a outra empresa era laranja, acho que vou azul. E nesse dia, quando levei alguns logos que tinha escolhido, pra mim mãe dar opinião, porque sou muito ligada à minha mãe, ela estava cantando uma música do Wilson Simonal: "Vestia azul, minha sorte…”, falei: “É a cor azul”. E aí fechou. Na minha vida tem esses significados, eu peço muita ajuda do universo, peço muito para o universo conspirar e ele conspira e como conspira.
P1- E você contou a história do primeiro livro que foi publicado. Como vocês chegaram a essa decisão que seria o primeiro livro, um livro infantil; como foi esse processo?
R- Na verdade não foi a gente chegar, foi primeiro o cliente, então a primeira autora. porque assim, o autor paga pela publicação, então não fui eu que escolhi, eu prospectei, a cliente escolheu fazer… Eu lembro que a gente se reuniu no centro de São Paulo em um lugar que vendia almoço, café, salgado, a gente sentou lá, levei alguns livros para ela ver e escolher e fechamos o contrato assim. Não foi nem na SOUL, porque eles são de Santos e não puderam ir até a zona norte, então paramos em um lugar que era meio caminho para todo mundo e fechamos lá. Esse foi meu primeiro contrato.
P1- E como é essa procura de pessoas que têm esse sonho de ter um livro, que muitas vezes é um projeto de vida, que você falou, publicado e como é que vocês vão dar esse tratamento para que esse sonho seja concretizado?
R- O livro… hoje a gente recebe muita indicação, prospectamos, vamos atrás dos autores, temos “n” formas de procurar: a gente vai atrás de rede social, ficamos atentos ao que o mercado está falando e fazemos uma apresentação da empresa. O processo de fazer o livro para nós que já estamos no mercado, é um processo digamos que simples, mas ele tem muitos passos, que uma pessoa fazendo sozinha, pode cometer erros. Temos uma equipe que é muito coesa: tenho um editor que é um super-editor, o Silvio Alexandre. Ele é uma pessoa que tem muita experiência. Eu tenho duas designers que são fantásticas, Cris Spezzaferro e Regina Blandon (1:36:09), que são apaixonadas, elas vestem a camisa junto comigo. Eu tenho a Katarina Ferrer, que é a nossa publisher, que a gente brinca que somos uma dupla, Batman e Robin, porque às vezes eu penso e ela agiliza. Então a equipe ficou tão redondinha que fica fácil trabalho, um conhece… A gente tem um organograma, um fluxograma de trabalho, então um sabe onde o outro termina. Então é muito bacana. todo mundo gosta de trabalhar. Eu acho que um requisito básico para trabalhar comigo é gostar desse universo, por que? Um autor chega para falar do livro, por exemplo; ele chega na sede da SOUL, ele fala muitas coisas e muitas vezes antes de falar do livro. Às vezes uma reunião dura cinco horas lá e se você não gosta de ouvir histórias, de ouvir pessoas, não adianta; você não vai ter paciência. Imagina eu estou falando com você e você está ali, impaciente. Tipo, vamos terminar logo? É horrível isso. E normalmente o autor gosta muito de conversar, mais que eu. (risos) Eu falo muito.
P1- E Cristiane, como é que é ser uma mulher empreendedora e atuar na zona norte de São Paulo?
R- Na zona norte, eu me mudei para essa região especificamente onde estou, Santana, depois que me casei pela segunda vez. O meu marido depois que saiu da bolsa, começou a construir. Então ele compra um terreno e ele constrói; às vezes demolir uma casa e construir um ou dois sobradinhos e bota pra vender. Eu estou com o Peter a dez anos, e nesses dez anos a gente já se mudou pelo menos umas cinco vezes, por que? A gente constrói uma casa, a gente acha que vai morar, aí recebe uma proposta de compra, eu e ele e a gente vende. Então nessa região a gente se apaixonou. Quando a gente comprou esse espaço no Jardim São Paulo, era uma casa antiga, com uma casa no fundo e quando… o construtor tem um olhar, como eu tenho para o livro: “como um livro faz para ficar bonito?” Quando o Peterson olhou o terreno, ele pensou em demolir a casa que é a SOUL hoje, mas é uma casa que tem cara de casa de vó. Aí ele falou: "Não vamos demolir, vamos fazer a SOUL aqui”. Então é uma casa antiga, que tem 80 anos, aquela casa que tem aquelas lajotas bem antigas, tijolinho portugues… E a gente está lá. Essa região é uma região que eu tenho um carinho muito grande, porque é tudo muito perto. Santana é um bairro que tem tudo, tem loja, banco.. .tudo que você precisar está à mão. O Jardim São Paulo, ele está... tem a Zuquim. Você conhece a Zuquim? Do lado da Santana, Zuquim, do outro lado Jardim São Paulo. Muita gente não conhece Jardim São Paulo; eu preciso dizer que estou próxima do metrô para as pessoas conseguirem se localizar. Mas sou apaixonada, bairro tranquilo, bairro de gente boa posso dizer. Moro perto de uma igreja, consigo ouvir o badalar ao meio dia, 18 horas, tenho excelentes vizinhos, estou perto do metrô, vou pra qualquer lugar; estou perto de um monte de shopping, eu pego uma rodovia, eu vou para Guarulhos. Então eu estou tão bem centralizada, as vezes quando eu falo as pessoas falam: “É bairrista”, mas é verdade. Eu estou tão bem localizada que onde eu vou… Estou perto do centro, de Guarulhos, daqui… vim fácil pra cá. Essa localização é favorável, digamos assim.
P1- Eu queria que você contasse como foi essa experiência, porque a gente acabou tendo acesso a te conhecer por intermédio com o contato com o Sebrae, o escritório regional que desenvolveu o projeto Mil Mulheres na zona norte. Como foi participar, se envolver com o Sebrae, conhecer também histórias de outras mulheres empreendedoras?
R- É impactante, porque às vezes quando você está meio desanimadinha e você vê uma pessoa com história de vida tão linda e com aporte de uma empresa, uma organização, te dando a mão, você vendo as pessoas crescendo, tendo oportunidades; isso é fantástico, acho que deveria ter inúmeras frentes como essa, porque temos muitas pessoas empreendedores. O brasileiro é empreendedor por genética. Quando ouço as pessoas brincando falando “O brasileiro precisa ser estudado”, isso é fantástico, porque as pessoas lutam; o nome disso é luta .As pessoas veem perspectivas onde muitas outras não veem. Eu vejo as mulheres principalmente, porque as mulheres estão à frente de muitas coisas: de famílias, negócios, muitas mães solteiras com filhos para… Elas não têm outra opção senão empreender. Só que muitas vezes você fazer de forma desorganizada é ruim, você estagna. Quando você tem uma entidade que te orienta, que te mostra como trazer uma ficha financeira, que te mostra como você empreender de forma correta, a tua chance de ter sucesso é muito maior. As suas chances de erros são menores. Quando você tem uma rede como essa te ajudando. Quando cheguei na projeto, eu já existia, mas isso me ajuda muito; não é só o Sebrae, mas também a associação comercial com palestras, cursos motivacionais; faz com que a gente, que acha que as vezes já sabe tudo, está faltando um detalhezinho que ajuda a lapidar o seu negócio. Eu acho que é fundamental ter empresas assim ajudando. Acho que deveria ter até nas escolas, para ajudar as crianças a desenvolverem uma mentalidade financeira. Esse empreendedorismo tem que vir desde cedo; você dar ferramentas para que as pessoas possam se desenvolver. Essa palavra se desenvolve da forma certa.
P1- Eu queria que você contasse qual foi o momento mais marcante nessa sua trajetória como empreendedora.
R- Mais marcante? Eu vou te dizer uma coisa que foi muito marcante. A minha mãe, ao perder a mãe dela, ela se viu sem saída. Eram três meninas, uma a tia já estava casada, a irmã já estava casada e a minha mãe foi trabalhar para poder se sustentar. A minha mãe foi trabalhar na casa de uma família que eram coreanos e lá tinha uma criança, um menininho, que não via minha mãe como uma empregada doméstica, via minha mãe como uma menina que estava lá na casa dele. Minha mãe ficava limpando a casa e o menininho atrás, com carrinho e minha mae nao sabia que ela era negra; não era que ela não sabia, ela era negra, mas ela vivia tranquilamente junto com outras pessoas negras; mas certa vez ,em certa ocasião chegaram familiares dessa família e ela foi abrir a porta. E quando ela abriu a porta, ela já notou um gelo, uma barreira. Isso é imediato, é notável imediatamente. Eles falam a língua deles, não o da minha mãe e o menininho que adorava minha mãe começou a falar tudo que acontecia tudo para minha mãe. Foi ali que a constatação que minha mãe teve que a cor da pele dela seria um problema e ia encontrar dificuldades na vida dela. A minha mãe teve esse momento e isso motivou a vida dela. Ela tinha muito medo do que as pessoas pensariam dela, tinha muito medo de andar desarrumada, muito medo de andar com uma roupa mais simples; minha mãe sempre andou muito bem arrumada, ela ia na padaria e botava uma roupa bonitinha, por que? Para que as pessoas não pensassem mal dela, tudo isso por essa questão. E o momento mais importante da minha vida, foi que eu, baseada nesse relato da minha mãe, eu escrevi um livro infantil. Contei sobre o racismo, que é as crianças… porque minha mãe com 12 anos era uma criança, estava trabalhando mas era uma criança; e no dia que fiz o lançamento do livro, eu pude olhar para minha mãe e saber que a história dela não tinha sido em vão. Esse momento ruim virou algo que pode ajudar outras crianças; a ideia é combater o racismo. É mostrar para crianças que o racismo machuca. Eu entendo que crianças não nascem racistas, não nascem com preconceitos, então a ideia foi essa: fazer um livro e ensinar às crianças sobre o ensinamento que minha mãe passou, e que não se repita esse comportamento. Então para mim esse foi um momento muito importante, porque eu dei o nome do livro o nome da minha mãe e da minha tia. Contei para você que tenho duas mães: Maria e Lia, então o livro ficou “Marilia”. Então quando eu consegui passar essa mensagem e uma escola me chamou, eu achando que era para conversar com uns alunos somente e eu vi a escola inteira parada, querendo ouvir sobre Marília, eu tive um baque cara, você não tem ideia. Porque eu achei que ia conversar com uma sala e vi o pátio inteiro, eu suava, mas eu entendi que a minha mensagem tinha sido passada. Então esse foi o momento mais importante; de você saber que um negocinho vai se propagando, vai tomando força. E a ideia é que se eu não posso… eu falo isso sempre, um adulto que é racista, é difícil você quebrar a mente, o preconceito do adulto. O que eu posso fazer é diferença nos filhos dele, dos sobrinhos, dos netos. Isso para mim é o mais importante.
P1- Eu ia te perguntar quando o livro foi lançado? Marília?
R- (sem áudio)
P1- A então já foi pela sua própria editora, né?
R- (sem áudio)
P1- E a gente já está se encaminhando já para a parte final da nossa entrevista, que é mais de avaliação, mas se você me permite, até com base nessa história que você nos contou, eu queria que você falasse o que representa ser uma mulher negra que construiu com sua trajetória de vida, que hoje tem uma editora, escreve livros… Como você dimensiona isso?
R- Sabe a coisa da representatividade? De uma criança olhar a salinha da casa dela, olhar na TV e ver a Maju a frente de um telejornal? Essa coisa de você se ver representado eu nunca tive, não tinha na época. Tinha Laura Maria na TV, mas as que eu via ao meu redor, que tinham bons cargos, quase nunca eram negras e o que a gente sabe é que nós precisamos de oportunidades. Eu posso dizer que sou uma pessoa que busquei as minahs oportunidades, então o que eu gostaria era de criar o portunidades para outras pessoas, eu gostaria que o governo desse oportunidades para outras pessoas, que é um papel social para os negros; mas eu vejo que eu nao fiz nada dmemais. Nao vejo, eu tive oportunidade e aproveitei as oportunidades que eu tive e é basicamente isso. Assim como eu, outras pessoas, se tiverem oportunidade, elas farão também. O que a gente não tem, o que não vê, são essas pessoas tendo oportunidades. Então o que a gente precisa pensar em gerar oportunidades. Porque o que as pessoas precisam é disso. Basicamente isso.
P1- Irrefutavelmente a gente tem que perguntar também como esse momento, esse contexto de pandemia afeta a sua vida. Como que foi esse momento é de que maneira esse contexto tem afetado a sua vida?
R- Cara, vou te falar uma coisa, capaz de você rir. Eu descobri que já vivi em quarentena, porque sou uma pessoa super-caseira. Por conta da doença da minha mãe, a gente não sai muito. Eu descobri que não fui afetada no sentido de ser proibida de sair, porque já vivia muito em um círculo pequeno. Lógico que tomo todos os cuidados. Para o meu negócio, eu fico triste de falar no sentido de que tanta gente quebrou e para meu negócio foi extremamente favorável. No primeiro mês da quarentena surgiram muitos escritores, no segundo, muito mais. E a gente que é atento, começamos a trabalhar o pessoal que está em casa. A gente trabalha no sentido de vender livro digital, cutucar aquele cara que já escreveu e :”Tira esse projeto da gaveta, a hora é agora. Está todo mundo em casa e está todo mundo lendo”. Então a pandemia para nós foi favorável, isso posso te dizer sem sombra de dúvida. Surgiram muitos autores e todos que chegaram até nós, não deixamos escapar. Publicou.
P1- E você consegue associar o que foi que fez com que aumentasse essa demanda e a procura também de autores que veem seus livros publicados?
R- O da pandemia é simples: as pessoas estão em massa e chega uma hora que você cansa de ver Netflix, que você cansa de fazer umas coisas que no começo eram prazerosas, que você nunca fazia porque estava trabalhando e você começa a escrever. Tem muita gente que é da literatura, que gosta de ler e “porque não escrever um livro?” E o que é interessante? Que preciso contar para você: estamos em um momento em que temos muito especialista e muito generalista. Tem gente que faz de tudo, mas tem poucas autoridades. Então quando você faz um livro, você se torna uma autoridade, porque você pega seu conhecimento, embasa naquele livro. Não estou dizendo que tem muita coisa ruim publicada, mas quando você publica um livro, você atesta que seu conhecimento está lá. Então com esse mercado que se abriu de coaches, a maioria precisa ter livro publicado, a maioria tem que ter muito conteúdo. Então acho que esse momento foi algo muito natural nesse sentido. Assim como na minha editora, muitas outras editoras também estão bombando nesse sentido. Então quem faz um bom trabalho: quem publica com você, quem tem um bom atendimento, automaticamente ele te indica. “Sua história dá um livro?”muita gente já pensou em escrever um livro. "Publiquei um livro, com a pessoa tal, passou. Posso contar?” Muita coisa acontece assim. Recebo publicações todos os dias, não tem quase um dia que não recebo uma indicação. Às vezes a pessoa não fecha na hora, mas começa aquela namorao de questionamento: "Como funciona?”. Fecho o livro às vezes de pessoas com quem falei lá em 2018 que está fechando agora. O processo do livro, ele vai maturando, digamos assim. A pessoa tem a ideia e fica ali, muito crítica: "Não dá, não está bom para publicar”. E quando ela cai com você, que você fala: “Se melhorar isso, publica”, e você torna possível essa realidade. Basicamente é isso.
P1- Antes da gente passar para essa fase de avaliação, queria que contasse como é ser uma escritora e também ter essa experiência de escrever livros para outras pessoas, às vezes pessoas que querem contar histórias de vida, mas que não tem essa propriedade para escrever. Como é ser uma ghostwriter, como é esse trabalho?
R- Um ghost é composto de um trabalho… um jornalista pode ser um ghost, porque o jornalista apura a informação e ele compõe o texto jornalístico. No livro, basicamente isso. A gente faz algumas entrevistas com o personagem, se for como ghost ,a gente faz um trabalho bem conjunto de entrevista, gravamos; o entrevistado também manda muito áudio, para compor o livro de modo geral. É uma coisa que eu gosto muito, já fiz 16 livros como ghost. Então meu nome não aparece, mas quem aparece é o dono do livro. Existe um contrato de agilidade, é muito comum, tem muitos nomes no mercado que utilizam essa técnica. Não é errado; tem muita gente que… Não, você só não botou a sua escrita ali, sua letra, digitação, mas o conteúdo é seu, a verdade é sua. Então a gente molda a sua história para caber em um livro. Foi essa pergunta que você fez?
P1- Queria saber como é essa experiência, porque tem um pouco desse olhar nas pessoas “não tem o seu nome como autora”, mas às vezes é viabilizar o projeto de outra pessoa que não tem essa habilidade ou competência.
R- As vezes é falta de tempo também. Às vezes é um escritor que já escreve, você faz o esqueleto do livro e ele vem moldando. É uma mão-dupla.Tem muitos organizadores que fazem isso, pegam textos de vários autores, montam uma coletânea, uma antologia. Tem muitas frentes que uma pessoa que escreve por outras também pode fazer. Eu sou apaixonada por escrever, escrita, livros; para mim é fácil e não tenho esse problema com ego, primeiramente porque eu recebo por isso. A lauda de um ghost é totalmente diferente de uma lauda de revisão, um trabalho jornalístico, que leva um ano para fazer. Já teve livros que fiquei dois anos que fiquei escrevendo com o autor. Então é um namoro, você senta e chega uma hora que você conhece tanto a história da pessoa que qualquer texto que ela introduza, você já sabe como colocar, porque você pega a fala dela, escreve como ela fala. É impressionante, você se finge. É um trabalho de parceria mesmo. E é gratificante, no final a pessoa lê e fala: “Você escreveu tudo?”, “Eu só coloquei ali o que você me falou”. Mas a gente põe um pouquinho de alma, porque a pessoa está falando um fato corriqueiro; quando você escreve ,você coloca emoção ali, então você precisa ter essa vivência de escritor para conseguir colocar emoção naquilo que outra pessoa está falando, que não foi você que sentiu. Entendeu?
P1- Eu queria te perguntar agora, como é o seu dia-a-dia Cristiane?
R- Meu dia-a-dia com editoria ou meu dia-a-dia como pessoa?
P1- Como pessoa.
R- Eu sou extremamente caseira. moro muito perto da editora, então eu acordo, vou para casa da minha mãe, cuidou dela, porque é uma pessoa que depende de troca de fralda, limpeza de colostomia; depois volto para casa, me trocar, vou parar editora, entro na editora dez da manhã e não tenho horário pra sair. Às vezes almoço na minha mãe, as vezes em casa das dez até o fechamento, abaixar a tampa do notebook, da muitas horas. Mas eu não sinto, se falar que sinto, eu minto. Noto no final do dia que a coluna está meio dolorida, porque é muito tempo sentada, mas é uma coisa que eu gosto tanto que nem percebo. São muitas horas sentada, fazendo reuniões, porque agora as reuniões são todas por videochamada: é o Google Meets, o Zoom, o próprio Skype.. .Então é uma loucura de reuniões, mas todas assim, como fazemos agora. Mas é apaixonante, meu universo que escolhi para viver. Então não vejo dificuldade nisso.
P1- E o que você gosta de fazer em momentos de lazer?
R- Não é ler. (risos) O que gosta de fazer, ler? Não. Eu gosto de dormir. Eu sinto que o cérebro da gente é muito inteligente, então chega uma hora que você percebe que você está estafada. Então tem dias que tiro que são para mim. Então durmo. Eu consigo dormir muito ,então acordo de manhã, levanto, tomo café e literalmente fico ali pela casa. Cochilo ali um pouquinho, subo, assisto um pouco de TV, quando me vejo estou dormindo. Uma vez ou outra , pelo menos um domingo ou outro no mês, me dou esse luxo de dormir à vontade. E lógico, amo comer, estou fofinha assim porque como pra caramba. (risos)
P1- Eu queria que você falasse, o que você gosta na zona norte? Que lugares você considera que são marcantes na região?
R- Tem a Avenida Nova, a do Dumont Villares, que tem muitos lugares ali, barzinhos, lugares para comer, que são muito bons. A gente tem o Parque da Juventude, que é excelente. Como shopping,a gente tem um monte de shopping, o Santana, o Center Norte, o Tucuruvi. Então tem muita coisa ali acontecendo. tem os metros que são muito fáceis para te ajudar na locomoção, lojas.. .Eu gosto de tudo na zona norte. Talvez eu tenha me esquecido de algo. Eu te contei que sou caseira, mas tem uma biblioteca excelente ali perto do metro Santana, que gostaria que muitas pessoas pudessem conhecer, porque lá é sensacional. Eu acho que é isso. gosto de tudo na zona norte. Sou muito bairrista. Se tiver que sair para conhecer um restaurante fora do bairro, eu penso muitas vezes, porque nosso bairro tem tudo; de japonesa a italiano, está tudo ali.
P1- E eu queria te perguntar, você falou que nos momentos de lazer você dá um tempo das leituras, mas eu queria que você dissesse que tipo de leitura, um livro, que tenha sido marcante na sua vida. Você falou daquele livro na infância, mas um livro que de alguma forma tenha sido marcante.
R- Tem um livro que eu amo, um clássico, que se chama Grandes Esperanças, do Charles Dickens, eu sou apaixonada por ele. é um livro que eu tenho, li uma edição de biblioteca, mas depois quis comprar esse livro para mim. Mas o meu tipo de leitura, eu gosto muito de literatura fantástica. Eu gosto muito de Stephen King, eu gosto muito desse tipo de leitura que tem morte, suspense, que tenha um pouco de sobrenatural; essa é a minha linha, pode acreditar. Escrevo infantil, mas gosto de uma mortinha. (risos) Tenho um canal chamado ID, não sei como as pessoas falam, eu falo ID; só passa morte, mas eu gosto. Não sei, eu tenho uma atração pelo tema. Eu gosto muito de leitura fantástica, respondendo sua pergunta.
P1- Que ótimo. E você falou que é casada. Como você conheceu o seu atual esposo?
R- Meu marido eu conheci em um bar, na zona norte, na Avenida nova, tem um bar que fica na rua de cima. Pode falar palavrão, ou não? Não né?
P1- Acho que pode, não tem problema.
R- Só para você entender, o bar fica aqui na avenida e na rua de cima tem um posto de gasolina… na rua de cima fica esse bar, que é de um casal de amigos nossos. Esse bar foi apelidado de “Cu do Posto”, porque ele fica atrás do posto. E lá tinha um samba muito bom, feijoada e tínhamos uns amigos que tocavam lá.; e foi lá que conheci meu esposo. Indo um dia para comer uma feijoada ,ouvir um samba, nos conhecemos, viramos amigos primeiro, ai começamos a conversar, trocar mensagens, até que a coisa engatou mesmo. Eu estava recém separada, ele também e aí a gente começou a namorar e a gente se apaixonou de uma forma que nunca mais nos separamos. Aí foi em 2011, e em 2013 a gente se casou.
P1- E como ele se chama?
R- Chama Peterson. Peterson Magalhães, é meu sócio, parceiro de vida e meu melhor amigo. Com ele tenho dois caes, nao tenho filhos. Optei em não te… Uma coisa que você não perguntou, ein.
P1- Dos filhos? Dos cães?
R- É.
P1- Eu ia entrar nessa pergunta agora, aproveitando a deixa eu ia perguntar.
R- Eu optei em não ter filhos. Todo mundo me pergunta, agora não mais porque com essa idade não dá pra ter mesmo; mas no meu primeiro casamento eu tive duas enteadas, em meu casamento eu tenho duas enteadas. Sou apaixonada pelas minhas enteadas, são suas duas meninas lindas. Meu marido já é avô, ele já teve filho antes e esse filho já teve dois meninos e optamos em não ter filhos juntos. Na época em que a gente se conheceu, eu ainda podia ter filhos, porque no ano passado eu fiz uma cirurgia. Eu sofri de uma doença chamada endometriose, então eu fiz uma histerectomia total. Então hoje eu não posso realmente ter, mas até uns anos atrás, eu podia ter filhos e não tive por opção mesmo, por não querer.
P1- A gente entrou na parte dos filhos, mas você tinha falado em um momento e a gente acabou também não perguntando, mas acho que agora talvez seja a deixa, você tem uma irmã que foi adotada num momento da sua vida. Você pode contar a história, como é que foi esse momento que a sua irmã foi adotada e aí vocês começam a criar vínculos?
R- Então, lá no Jardim Pirituba mesmo a gente mudou para uma casa, que tinha uma semana e pouco que a mãe dessa criança, de duas crianças, tinha ido embora e ela deixou duas crianças com o pai. E nós mudamos nessa casa e a gente via aquelas crianças meio que sozinhas, desamparadas ali E aí a gente pegou muito carinho pelas crianças e ela me enviou; a menina tinha dois anos e o menino dez. Ela me via chamando minha mãe de mãe e ela passou a chamar minha mãe de mãe também. Então não foi uma doação de você ir até um abrigo e adotar, foi uma coisa muito natural. O pai precisava trabalhar, deixava a criança e ela ficava muito sozinha com o irmão, que era um pouquinho maior, e a gente foi adotado essa criança abraçando, dando alimento, dando banho... Quando a gente viu, ela já chamava minha mãe de mãe. Passado uns dois anos, o pai voltou para Paraíba, que ele era de lá, levou o menino e deixou ela com a gente; e isso já se passaram muitos anos. Hoje ela tá com 31, na época ela tinha dois, mas ela tá com 31 anos hoje e a gente criou como uma pessoa da família. Então ela nunca foi adotada de fato com documentação, foi essa adoção, esse abraço. Mas há quem olhe e que nem perceba que não é da mesma família, todo mundo acha. Se a gente não disser, as pessoas não notam, acham que é realmente irmã mesmo.
P1- Agora estamos entrando para o bloco final mesmo da entrevista e eu queria que você me dissesse Cristiane, quais foram os maiores aprendizados que você tira da sua trajetória de empreendedora?
R- Os maiores aprendizados? Eu acho que um dos maiores é não desistir, eu acho que não ter vergonha de assumir os erros e analisar esses erros, porque que eles aconteceram, para que você aprenda com eles. Porque quando você omite, não fala, você acaba enterrando eles ali e vira e mexe eles aparecem. e quando você aprende a lidar com eles, eles acabam se tornando naturais e você fala “não, eu não quero mais esse erro aqui”. Ele pode até acontecer, mas de uma forma diferente. Então eu acho que o aprendizado maior é esse: não ter medo de errar e não desistir nunca. Você dá uma pausa, você pode até dar uma pausa, mas você tem que voltar; você tem que tentar. Eu tiro como base pessoas que começaram, que quebraram várias vezes e tem sucesso hoje por conta dessa persistência, dessa consistência de estar sempre ali tentando.
P1- Aproveitando essa deixa da sua fala sobre a persistência, que valores pessoais que você acha que definem a sua trajetória como empreendedora?
R- Eu acho que eu tenho até medo às vezes de falar porque as pessoas podem achar que é demagogia, mas o que molda a minha vida: fidelidade é uma coisa muito importante para mim, honestidade; essa coisa de você ter o amor pela família. Eu acho que você tendo essa coesão de honestidade, de ter simpatia, de não fazer para outras pessoas que você não quer que faça com você, eu acho que é um princípio que rege, ou deveria reger o mundo. Então você não vai ser um mau profissional, porque você não gosta de ser atendido por maus profissionais; você não quer ser uma péssima editora, se você não gosta de ter um atendimento péssimo. Então se você se coloca sempre no lugar do outro, dificilmente você vai fazer algo para prejudicar a outra pessoa. Então esses valores, se você tiver isso em mente, você vai ter uma trajetória bacana.
Eu penso assim.
P1- Como você contou ao longo da sua história que passou por vários lugares da zona norte de São Paulo, queria que você dissesse o que representa essa região na sua vida?
R- Nunca pensei sobre isso. Eu penso com muito carinho por todos os lugares que eu passei. Onde eu morei, eu tive a pedra do meu pai, foi uma perda significativa; depois na própria zona norte, eu tive a doença da minha mãe; mas eu acho que isso faz parte. Eu acho que são momentos que você tinha que passar, eu acho que não é o lugar. Eu gosto muito da zona norte, eu me vejo só favoráveis nela, eu gosto demais. Eu não ligo por exemplo situações com a região; eu desassocio totalmente nesse sentido. Eu tenho sido muito feliz na zona norte, isso eu posso dizer nesse momento.
P1- E qual é o seu sonho hoje? Quais são seus sonhos?
R- Eu vou te contar uma coisa, eu tô estudando, eu não paro. Eu tô estudando marketing digital e aí eu comprei um super curso, uma fortuna o curso para te falar a verdade; e aí esse curso, ele meio que destravou a minha mente para o mercado digital, porque quando eu falo digital não é um livro digital, eu tô falando o mercado digital: você poder vender, comprar... E eu percebi como tem gente ganhando dinheiro nesse mercado digital e fazendo com que ferramentas trabalhem para você, então há toda automatização. Então era um mundo que eu não conhecia, que eu desconhecia totalmente, não tenho vergonha de dizer. Então, lógico, eu sabia o que era um lead, mas eu não conhecia o tráfego pago, eu trabalhava muito no orgânico, então eu não conhecia as ferramentas do Google Google: Google ads... Então tinha um monte de coisa. Então meu sonho hoje, vou dizer para você, é aprender mais sobre o marketing digital para que ele possa melhorar o meu negócio; e a minha vontade é de poder trabalhar de qualquer lugar do mundo. Isso eu acredito que a pandemia mostrou que é possível, não preciso estar presente no local, eu fecho livros de autores de outros estados, então eu não preciso ter um local físico. Então meu sonho é ter essa liberdade de trabalhar com o que eu gosto, em menos tempo, colocando ferramentas que possam lhe auxiliar e de repente tá trabalhando na beira da praia. Por que não? É um sonho bobo? (risos) Se você me perguntasse hoje, eu quero aprender para poder ter um uma tranquilidade dentro do meu negócio, porque eu acho que isso é favorável. Quando isso for meu aprendizado, isso vai me auxiliar.
P1- E o que você achou dessa proposta de mulheres empreendedoras serem convidados a contarem a sua história de vida, nesse projeto de memória?
R- Eu achei excelente, eu fiquei super feliz quando entraram em contato comigo e eu quero poder compartilhar um pouquinho. A minha história é curtinha ainda, mas eu quero que outras pessoas que têm histórias tão mais importantes, tenham essa oportunidade, porque histórias são inspiradoras; eu me inspiro em histórias, eu lido com histórias de vidas e eu acho que todo mundo tem uma boa história para contar e ela é bem contada pode mudar a vida de outra pessoa, pode impactar uma uma outra pessoa, positivamente inclusive.
P1- E tem alguma coisa que você gostaria de ter falado que não falou ao longo da entrevista?
R- Eu falo tanto, que eu não sei te dizer. (risos) Talvez futuramente quando eu ouvir: “poxa, não contei isso”, mas aí será tarde demais. Eu acho que o momento foi válido, à medida que você foi me perguntando, eu falei o que o meu coração sentiu e o que importa isso; se ficou, depois uma outra história, aí a gente conta uma outra oportunidade.
P1- Eu queria te perguntar o que você achou de ter participado dessa entrevista?
R- Eu adorei, gostei mesmo, de verdade. Me fez lembrar de coisas que fazia tanto tempo que eu não lembrava e essa nostalgia muito gostosa, de você sabe se cutucada ali para trazer à mente coisas que você passou; eu adorei. Se quiser fazer outra aí, uma vez por ano, só me chamar. (risos)
P1- Ah sim. E foi muito estranho fazer isso nesse formato?
R- Não, porque eu tenho feito muita reunião e a reunião eu estou no teu papel com o autor, então o que você tá fazendo comigo normalmente faz com o autor, então estou no meu ambiente.
P1- Então ótimo. Cristiane, em nome da Luiza também, que acompanhou a entrevista, e do Museu da Pessoa, queria agradecer muito você ter disponibilizado o seu tempo para poder viabilizar essa entrevista e poder ter compartilhado essa história de vida com a gente. Foi muito gratificante poder ter participado desse momento. Muito obrigado e quem sabe a gente não possa fazer novamente em outra oportunidade.
R- Eu gostei bastante, eu que agradeço. E você, gostou de conversar comigo? (risos)
P1- Foi ótimo.
R- Não pode falar que não, né. (risos)
P1- A gente consegue perceber pela reação também que tem aí uma coisa de se envolver também e acho que isso ajuda também nesse exercício. A história é você quem conta, mas eu estou aqui tentando ajudar nesse exercício.
R- Sim. Você está super-convidado para conhecer a SOUL, vocês, e se a sua história de um livro e você quiser contá-la, você já achou a sua editora. Tá bom?
P1- Ai que bom, tá certo. Vou depois pesquisar mais sobre a SOUL, mas fiquei muito feliz e vou procurar também o livro “Marilia”. Achei linda a história. Parabéns por tudo.
R- Obrigada. Eu que agradeço, de verdade. É isso?
P1- É isso.
R- Obrigada. Tudo de bom para você e para a Luiza.
P1- Obrigado a você.
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