Projeto 30 Anos Alunorte
Entrevista de Yasmim Sostenes
Entrevistada por Ligia Scalise
Barcarena, 14 de julho de 2025
Transcrita por Selma Paiva
P1 (00:14) - É Sostenis que fala?
R1 – É.
P1 (00:19) Yasmin... obrigada, antes de tudo, por você ser pontual, por você estar aqui. E eu vou começar pedindo pra você me falar seu nome inteiro, sua data de nascimento, dia, mês e ano e a cidade onde você nasceu.
R1 - Meu nome é Yasmin Sostenis Espírito Santo Machado. Eu nasci dia 28 de junho de 2006 e eu moro aqui em Barcarena mesmo, foi onde eu nasci e fui criada.
P1 (00:43) - Então, você é filha de Barcarena.
R1 – Sou filha de Barcarena.
P1 (00:46) – Seus pais são de onde?
R1 - Meu pai Ilha do Maranhão e a minha mãe é de Barcarena, mesmo.
P1 (00:51) - Como que seus pais vieram para cá?
R1 – O meu pai veio pra cá a trabalho. Na verdade, eu não tenho tanto afim a história dele, porque eu não convivo com ele, nunca convivi... convivi pouco. Então, a minha mãe veio pra cá com a minha avó, a minha avó trabalhava aqui, em Barcarena, minha avó também é filha de Barcarena. E, quando ela veio pra trabalhar, ela acabou indo morar um tempo pra Belém e quando a minha mãe tinha 13, 14 anos, a minha mãe voltou mesmo pra Barcarena.
P1 (01:17) - A sua mãe nasceu em Barcarena, saiu e voltou?
R1 – É, e voltou. Aí hoje a minha mãe mora aqui Barcarena mesmo, a minha família boa parte é tudo de Barcarena, são poucas pessoas que são de Belém, mas basicamente a gente é tudo filho de Barcarena.
P1 (01:32) - Você sabe como eles se conhecem, em Barcarena?
R1 - Um pouco. O meu pai... a minha mãe... a minha avó, quando veio pra cá, eles se conheceram, pelo que minha mãe me falou, foi em uma festa que teve e a minha mãe tinha uns 19 anos, por aí e foi quando eles se conheceram e eles ficaram um tempo, eles passaram 15 anos juntos. Foi um bom período.
P1 (01:56) – E aí você nasceu?
R1 - Sim.
P1 (01:59) - Você tem...
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Entrevista de Yasmim Sostenes
Entrevistada por Ligia Scalise
Barcarena, 14 de julho de 2025
Transcrita por Selma Paiva
P1 (00:14) - É Sostenis que fala?
R1 – É.
P1 (00:19) Yasmin... obrigada, antes de tudo, por você ser pontual, por você estar aqui. E eu vou começar pedindo pra você me falar seu nome inteiro, sua data de nascimento, dia, mês e ano e a cidade onde você nasceu.
R1 - Meu nome é Yasmin Sostenis Espírito Santo Machado. Eu nasci dia 28 de junho de 2006 e eu moro aqui em Barcarena mesmo, foi onde eu nasci e fui criada.
P1 (00:43) - Então, você é filha de Barcarena.
R1 – Sou filha de Barcarena.
P1 (00:46) – Seus pais são de onde?
R1 - Meu pai Ilha do Maranhão e a minha mãe é de Barcarena, mesmo.
P1 (00:51) - Como que seus pais vieram para cá?
R1 – O meu pai veio pra cá a trabalho. Na verdade, eu não tenho tanto afim a história dele, porque eu não convivo com ele, nunca convivi... convivi pouco. Então, a minha mãe veio pra cá com a minha avó, a minha avó trabalhava aqui, em Barcarena, minha avó também é filha de Barcarena. E, quando ela veio pra trabalhar, ela acabou indo morar um tempo pra Belém e quando a minha mãe tinha 13, 14 anos, a minha mãe voltou mesmo pra Barcarena.
P1 (01:17) - A sua mãe nasceu em Barcarena, saiu e voltou?
R1 – É, e voltou. Aí hoje a minha mãe mora aqui Barcarena mesmo, a minha família boa parte é tudo de Barcarena, são poucas pessoas que são de Belém, mas basicamente a gente é tudo filho de Barcarena.
P1 (01:32) - Você sabe como eles se conhecem, em Barcarena?
R1 - Um pouco. O meu pai... a minha mãe... a minha avó, quando veio pra cá, eles se conheceram, pelo que minha mãe me falou, foi em uma festa que teve e a minha mãe tinha uns 19 anos, por aí e foi quando eles se conheceram e eles ficaram um tempo, eles passaram 15 anos juntos. Foi um bom período.
P1 (01:56) – E aí você nasceu?
R1 - Sim.
P1 (01:59) - Você tem irmãos?
R1 - Não. Por parte da minha mãe, não. Por parte da minha mãe eu sou filha única. Mas por parte do meu pai nós somos, eu acho, cinco. Cinco ou sete.
P1 (02:10) - Quando você nasceu, sua mãe te contou como foi o parto?
R1 – Contou. Ela falou que foi parto cesáreo porque, assim, a minha mãe tinha mioma e ela não poderia engravidar e ela estava com cirurgia marcada para fazer retirada do útero, do mioma, tudinho e ela foi em um médico que, até hoje, ele faz consultas em Barcarena e ele falou que não era mioma, que era uma criança e que, se fosse, ele rasgava... ele me dava o enxoval inteiro, mas se não fosse ele rasgava o diploma dele e ele apostou com a minha mãe, a minha mãe aceitou e aí eles foram fazer ultrassom e viram que era uma criança, ao invés de um mioma. E aí a gravidez da minha mãe foi totalmente de alto risco e o parto foi cesáreo e o meu pai biológico estava e toda a família estava do lado de fora, esperando e quando - a minha mãe conta - eu nasci ela passou, ficou lá na sala de espera e quando a gente foi liberado todo mundo a esqueceu na sala e me pegou e foi embora. E aí ela falou que passaram uns minutos, que foram buscá-la de novo, para poder levá-la pra onde eu estava.
P1 (03:16) - Pela emoção?
R1 – Pela emoção. Todo mundo queria me ver logo, queria saber como que eu era e aí acabaram me trazendo e a deixaram na sala. E aí ela conta até hoje que todo mundo me pegou e levou e ela ficou lá.
P1 (03:29) – Qual o nome da sua mãe?
R1 – O nome da minha mãe é Eucilene.
P1 (03:31) – Como ela é, fisicamente?
R1 - Ela é bem parecida comigo.
P1 (04:04) - Então, como que é a Dona Eucilene?
R1 - A minha cara, eu sou a cara da minha mãe, todo mundo diz isso e a minha mãe é a pessoa mais maravilhosa que a senhora pode conhecer na face da Terra. A minha mãe é uma pessoa muito, muito, muito... ela é minha luz, ela é tudo que eu tenho, é tudo de onde eu sou e de onde eu vim e a minha mãe tem uma história muito linda, muito, muito linda mesmo, porque ela me criou sozinha, até os meus dez anos. Foi só eu e ela. E a gente passou tudo que uma criança poderia passar e, inimaginavelmente, coisas. E ela é tudo pra mim. Eu não tenho como dimensioná-la. Ela é muito... muito tudo. Ela é muito intensa, ela é muito extrovertida. Ela se dá com qualquer pessoa. Se a senhora chegar e falar um oi pra ela, ela já lhe trata como filho, já lhe acolhe. Ela é tudo. A minha mãe é incrível.
(05:14)
P1 - Yasmin, você falou que sua mãe ficou com seu pai biológico por 15 anos. Quando ela engravidou de você, já estava no final desses 15 anos?
R1 - Ela passou ainda cinco anos com ele, depois que eu nasci. Ela o conheceu, a minha avó ainda era viva e ela ficou com ele um tempo e depois eles se separaram. Até hoje ninguém se fala, (risos) porque foi uma confusão muito grande, do término deles, que talvez esse é um dos motivos pelo qual eu não fale com meu pai biológico, eu não tenho contato com ele. Eu o vejo... passei dez anos da minha vida sem ter nenhum tipo de contato com ele.
P1 (05:55) – Então, nos seus primeiros cinco anos você ainda o tinha perto.
R1 – É.
P1 (05:59) – E depois?
R1 - Depois não. A gente costuma dizer que é assim: depois que ele larga a mulher que ele está, ele larga os filhos também, ele esquece que tem filho. Então, todas nós, em torno de sete, seis crianças e hoje são já adultas, não tiveram nenhum contato com ele depois que separaram da mãe, depois que ele se separou da mãe. Vieram ter contato depois de tempo. Eu acho que, assim: elas tiveram contato com ele na adolescência, minhas outras irmãs, na juventude. Eu já não, eu já vim ter contato com ele no falecimento da minha avó paterna, que era a mãe dele. Foi o único momento, assim, que eu cheguei, eu falei com ele, não por respeito a ele, mas sim pela minha avó, porque foi o que ela me pediu antes de morrer e foi assim: um pouco dos contatos que eu tenho. Eu falo com ele uma vez a cada dois anos, um ano.
P1 (06:50) - Você sabe do porquê sua mãe deu o nome de Yasmim pra você?
R1 - Sei! (risos) O meu nome ela queria que fosse Maria Eduarda. Só que o meu pai a traiu uma vez e a amante dele engravidou e o nome que ela deu pra filha dela foi Maria Eduarda e aí a minha mãe falou que não queria e até a minha mãe decidir isso, ela falou pra mim que foi uns três dias antes do meu nascimento e quando eu nasci eu não tinha nome, ela não tinha escolhido nenhum nome e foi o meu irmão de criação, que ele era apaixonado pela Joelma, a paixão dele era a Joelma e a Joelma tinha uma filha que o nome dela era Yasmim. E foi daí que a mamãe veio com o nome Yasmim. A Joelma, a cantora de Belém, mesmo. Foi daí que veio o nome Yasmim. Só que o meu pai me registrou com outro nome, quando eu estava no hospital e aí a minha mãe o fez me registrar novamente.
P1 (07:49) – Qual foi o nome?
R1 - Evaldina Elastolabia.
P1 (07:51) - Como?
R1 - Evaldina Elastolabia foi o nome que ele me registrou.
P1 (07:54) – De onde ele tirou esse nome?
R1 – Também não sei. (risos) Ele fala que foi do nome dele e o Elastolabia eu não sei de onde veio.
P1 (08:02) – Qual é o nome dele?
R1 – Evaldo.
P1 (08:04) – Ah, ele fez Evaldina.
R1 – É. Depois a minha mãe o fez rasgar a certidão que ele tinha feito e me registrar novamente, com o nome que ela queria, que foi Yasmim. Aí ele colocou Sostenis, ele fala que foi como sobrenome, porque até uns anos atrás era somente eu que tinha o sobrenome Sostenis, da família. E aí ele fala que foi como nome composto. A minha mãe conta também.
P1 (08:29) - Tá, então só Sostenis não é nome de ninguém?
R1 - Veio da mente dele isso, porque nem a parte da minha avó... foi a minha avó que deu esse nome pra ele, Sostenes. Era assim que eles o chamavam também. E nem a parte do pai dele, nem a parte da mãe dele tem esse sobrenome. Aí ele registrou ele mesmo com esse nome e eu também tenho esse sobrenome.
P1 (08:54) – E tem algum significado?
R1 - Eu nunca parei pra perguntar pra ele. Mas eu uso Sostenis muito como nome composto.
P1 (09:02) – Yasmim Sostenis Machado?
R1 – Eu uso o Espírito Santo, mas eu costumo mais ser chamada como Sostenis, por pessoas da minha família, por...
P1 (09:14) – Mas qual o seu nome no registro?
R1 – Yasmim Sostenis Espírito Santo Machado. O Sostenis registrou mesmo como se fosse nome composto ou que eu usasse como sobrenome.
P1 (09:25) - Entendi. Que coisa! Quantos anos sua mãe tinha, quando ela engravidou de você?
R1 - Ela tinha 23. É, 23. Ou era 23 ou era 22.
P1 (09:37) – Ela trabalhava?
R1 – Trabalhava. Ela fazia, estava fazendo curso técnico de administração, na época e trabalhava em uma empresa que se chamava, se eu não me engano, Enfab. Foi onde ela estava trabalhando e aí ela saiu do emprego, quando ela descobriu... quando ela estava doente e aí foi que ela descobriu que ela estava grávida.
P1 (10:00) – E ele, trabalhava?
R1 - Trabalhava. Ele trabalhava com construção civil, ele era encarregado de obras. Aí depois, quando eu nasci, eles tinham um parque, aqui em Barcarena, chamava Coqueiro Park Clube.
P1 (10:15) – Parque de quê?
R1 - Era um espaço onde tinha piscina, bar, essas coisas, aí foi daí onde eles ficaram comigo, depois que minha mãe engravidou.
P1 (10:26) - E você falou de vó, de irmão de criação, me conta quem eram as pessoas que você tinha por perto, enquanto criança.
R1 – Olha, a minha infância não foi nada boa. Então, quando meu pai foi embora, ele levou tudo que a gente tinha. Deixou eu minha mãe sem nada. Nada, nada, nada. O que eu me lembro que ficou em casa foi uma garrafa de água e farinha. Porque arroz, carne, tudo ele levou com ele. E quando ele foi embora, ele abandonou totalmente. E aí eu tinha meus tios, que eu chamo de avô e vó, que é o meu avô Laércio e a minha vó Zilda. Foram eles que ajudaram a minha mãe, desde pequena e os meus padrinhos também. Então, eles ajudaram a minha mãe numa boa parte da minha infância. Quando meu pai despejou a gente, retirou a gente de casa, deixou a gente sem nada, eu me lembro que eu saí com a roupa que eu estava na escola, porque minha mãe foi me buscar na escola e ela estava com a roupa do emprego que ela tinha conseguido. E a gente foi pra casa dos meus avós e eu acho que, assim, na minha infância, as pessoas que eu tive mais por perto foram o meu avô, minha avó.
P1 (11:31) – Maternos?
R1 – Não, os de criação, mas são tios da minha mãe. Tios não, irmãos da minha mãe. E foram meu avô, minha avó, os meus padrinhos e o meu irmão.
P1 (11:45) – Esse irmão, quem é?
R1 - Ele é o meu irmão, o nome dele é Franciscarlos. Franciscarlos, não, Francislei. A minha mãe adotou várias pessoas, porque ela não poderia ter filho. Quando ela foi morar no Coqueiro, moravam algumas pessoas atrás, que eram os filhos da tia Ana. E a minha mãe puxou todas aquelas crianças, aqueles adolescentes, tudo pra ela. E o que aconteceu? Eu tenho seis irmãos. E um deles era o Francislei. Francislei é Darley. Darley, hoje, mora Brasília. E o Francislei, infelizmente, morreu. E ele foi afeição, uma das pessoas paternas que eu tive. Ele era muito fã da Joelma. E ele foi literalmente tudo também, para mim. Ele foi uma boa parte da minha infância. E ele é uma das memórias melhores que eu tenho, da infância, tê-lo.
P1 (12:41) – Ele era bem mais velho?
R1 - Era. Ele tinha na faixa dos vinte a trinta anos, quando eu era pequena.
P1 (12:50) – E a sua mãe o adotou?
R1 – Foi. A minha mãe o adotou, ele ainda era mais jovem. Ele tinha 19 a vinte 20 anos. Aí, como eles moravam atrás do Coqueiro e minha mãe trabalhava lá, aí eles iam para lá, passavam o dia lá. E quando a minha mãe conta que era ele e a Darley, que quando a minha mãe precisava sair, passavam o dia todo comigo. E aí foram eles que cuidaram de mim, uma boa parte, desde bebezinha. E eles que... quando a minha mãe se mudou, foi o meu irmão que foi embora para morar junto com a gente, para cuidar de mim.
P1 (13:20) - Eles tinham quase a mesma idade, então?
R1 - Quase. Ele era pouquinho mais novo que minha mãe, mas eles tinham quase mesma faixa etária, de idade.
P1 (13:28) - E aí ela pediu ajuda, então, para eles cuidarem de você?
R1 – Foi. Ele mesmo, minha mãe fala, falou que ele ia. E aí ele foi, morou junto com a gente, ele ia pra casa dele de vez quando, que era a casa da tia Ana, mas ele passava a maior parte do tempo comigo, cuidando de mim. Ele ficava em casa, a gente brincava, saía. Muita boa parte que eu me lembro, ele sempre teve presente, até o momento que ele faleceu.
P1 (13:55) – Então, me lembra das boas memórias com ele, enquanto você era pequenininha. O que vocês faziam?
R1 - A gente gostava muito, muito mesmo, de brincar na chuva. Principalmente quando estava chovendo assim, que a gente morava em um local que tinha um buraco assim, que ia para o bueiro e aí ficava muita água acumulada, a gente ficava brincando ali. Ele gostava muito de dançar, ele era apaixonado pela Joelma. Então, sempre, eu tinha algumas fotos dele de quando ele se vestia com o vestido, o salto alto da minha mãe e começava a dançar a Joelma. Ele era apaixonado por dança, por música e ele é um dos que me fez ser apaixonada pela culinária, porque ele não sabia cozinhar, mas uma vez a minha mãe deu dinheiro pra ele, pra gente ir pra um aniversário e, pra ir pra esse aniversário, a minha mãe falou: “Olha, ou vocês vão pro aniversário, ou vocês compram bolo e comem, caso vocês não forem” e aí ele teve a brilhante ideia de não ir pro aniversário e a gente ficar e fazer o bolo. Aí a gente foi, comprou todo o material, na época era ainda Yamada, a gente comprou tudo que tinha que comprar. Quando a gente chegou em casa, a gente foi fazer, só que a gente esqueceu o leite e a manteiga de pôr no bolo e aí o bolo ficou muito duro, muito duro, ninguém conseguia cortar. Aí, quando a minha mãe chegou em casa, minha mãe ficou olhando pra nossa cara, viu o bolo e ela só saiu, rindo. E ele também tem uma memória muito boa, de quando a minha mãe pediu pra ele comprar caranguejo. A gente era apaixonado por comer caranguejo e aí a minha mãe falou: “Olha, compra o caranguejo e deixa aí, que eu vou fazer”. Aí falou que ele iria fazer, que ele sabia fazer. E ele deixou os caranguejos fugirem e foram entrando por tudo que era canto da casa. A gente passou quase um mês sentindo o cheiro de caranguejo por tudo que era canto, porque ele tinha deixado fugir. Aí ele, com medo do caranguejo pegá-lo e eu, a gente ficou do lado de fora, na rua, esperando a minha mãe chegar do trabalho, até que ela chegasse, fosse limpar a casa e pegar todos os caranguejos.
P1 (15:52) – E ele te ensinava a dançar?
R1 – Sim. Qualquer pessoa, assim, a gente fala que ele não conseguia ver ninguém quieto. Se chegasse quieto perto dele, ele falava: “Eu vou te fazer soltar alguma palavra”. Aí ficava calado, no canto dele. Ele tinha, tinha que fazer com que a pessoa ficasse extrovertida. Qualquer canto que ele chegasse, a senhora conseguia, ele exalava que ele estava ali, que o momento tinha que ser qualquer, fosse o pior dos momentos, ele era esparrento, ele estava fazendo bagunça, em qualquer lugar. Meu pai e minha mãe brigavam muito em casa e eu presenciava, algumas vezes. A gente, uma vez, se trancou dentro de um banheiro, que meu pai e minha mãe estavam brigando, discutindo feio. Aí ele foi e me levou para dentro do banheiro e ficou trancado comigo. E vendo eu ficar desesperada, não. Ele começou a ficar desesperado. E aí ele começou a gritar, a falar, pedir socorro. E aí ele começava a girar em círculo, com medo. Aí, quando não era eu que o acalmava, era ele que me acalmava. E ele era muito, muito tudo também. Ele era extrovertido, era engraçado. Ele odiava chegar num local e ter pessoas muito quietas ou ele ter que ficar muito quieto, ele não se segurava, ele tinha que soltar piada, tinha que fazer bagunça, tinha que falar com todo mundo. Qualquer lugar que ele chegava, ele falava com todo mundo que estava e ele tinha que fazer graça com cada um dos que estavam, pra cada um sorrir pra ele. Se alguém estivesse triste, se alguém não sorrisse, ele ficava ali, até conseguir um sorriso da pessoa.
P1 (17:21) - Você falou que seus pais brigavam. Você tem essa memória? Porque você era até cinco anos de idade, né?
R1 - Eu presenciei muitas brigas deles. Até o meu pai separou da minha mãe quando eu tinha cinco, seis anos. Depois disso ele me sequestrou. Então, após isso, eu continuei presenciando muitas brigas deles. Eu presenciei brigas, eles se batiam, ele batia na minha mãe. Era muita coisa que tinha. Por isso que eu falo que eu vejo a minha mãe como pessoa muito forte, porque ela aguentou 15 anos com ele. Ela aguentou muita coisa com ele. Então, tudo que eu presenciei dele, eu via dele, é que eu começava a ver minha mãe como mais forte ainda. Eu tenho muito, muito, muito peso ainda de um fato em específico com ele: foi quando ele atacou as nossas coisas num terreno baldio. Ele tirou, eu estava na escola e minha mãe foi para o primeiro trabalho que ela tinha conseguido, depois de ter se separado dele. E aí ela me deixou na escola, eu morava bem... a minha escola era bem atrás de onde eu morava. E aí ele foi e invadiu a nossa casa, enquanto a gente tinha saído e tirou tudo que a gente tinha e jogou num terreno baldio, bem do lado da casa e uma amiga minha, da escola, chegou pra mim e falou: “Caramba, se tu não queria as tuas coisas, tu me dava, tu não quer nada do que é teu?” Aí eu fiquei olhando pra ela e falei: “Não, eu quero”. Ela: “É porque os seus brinquedos estão todos jogados na rua”. Eu falei: “Não, meus brinquedos estão em casa”. E nisso bateu o desespero e aí minha mãe foi pra lá e aí a gente foi juntar o pouco que a gente tinha e o que sobrou nosso a gente levou pra casa da minha avó e foi nesse dia que eu falei, eu prometi pra mim mesma que eu seria a luz da minha mãe, que eu daria uma vida melhor pra ela, do que ele pode proporcionar pra gente. Que a gente poderia ter sido despejada, a gente não tinha nada. Por várias vezes depois que ele foi embora de casa, a gente ficou tipo sem ter nem o que comer. Aí a minha mãe tinha adquirido depressão, na época e ela foi e ela me levava pra casa do meu avô e voltava pra casa. Quando não, ela ia fazer faxina na casa dos outros, pra conseguir alguma coisa e comprar comida. E ela, nesse quesito todo eu sempre acompanhei muitas brigas dele, mesmo depois deles dois separados, eu presenciei muita ameaça, muita briga, muita coisa, que foi o que me acarretou muitos traumas, depois de grande.
P1 (19:39) – Você falou que ele te sequestrou.
R1 - Ele me sequestrou no meu aniversário. É por isso que eu acho que o meu aniversário eu nunca comemoro. É algo que eu sempre deixo quieto. Eu amo comemorar aniversários dos outros, mas eu odeio o meu. Justamente por causa disso, porque foi na época que ele me sequestrou. E quando ele me sequestrou, ele me levou pra Tucuruí e a gente ficou numa casa que ele tinha lá, depois a gente foi pro Breu. E a gente ficava alternando entre Tucuruí e Breu. E quando ele veio pra cá pra Barcarena, foi pra invadir a nossa casa e pegar minha documentação, porque ele queria me levar pra outro local, sem que minha mãe soubesse. E a minha mãe tem os documentos que ele falava pra ela que ele não estava comigo por amor, ele estava comigo pra fazê-la sofrer.
P1 (20:22) – Quantos anos você tinha?
R1 - Eu tinha cinco pra seis anos. Não. Tinha seis pra sete anos.
P1 (20:26) - No dia do aniversário de sete? Você lembra de como foi?
R1 – Lembro.
P1 (20:31) - Ele te pegou e te levou?
R1 - Não, ele estava... a minha mãe, até então, estava querendo ser amigável com ele, pra fazer com que eu tivesse convivência com ele. E a minha mãe falou pra ele me buscar no dia do meu aniversário, pra passar o aniversário com ele. Que ele iria passar uns dias antes comigo, ele iria passar uns dias do meu aniversário com uma parte das minhas férias, mas depois que ele me devolvia pra ela. E depois disso ele já não quis mais me devolver, ele me tirou todo o contato com ela, eu passei por volta de 12 dias sem ter nenhum contato com ela. E depois disso ele me trouxe e aí ele jogou a minha mãe na Justiça, na tentativa de ficar com a minha guarda. E aí ele falou pra minha mãe que ele não iria me pegar porque ele me amava, ele iria me pegar pra fazê-la sofrer.
P1 (21:09) – Como que ele te tratou?
R1 – Assim: ele era, até o momento, comigo, um pai muito bacana, muito bom. Eu tenho memórias um pouco boas com ele. São poucas as memórias, mas eu tenho algumas memórias boas. E quando ele me levou pra Tucuruí, logo em seguida a gente passou uns dias lá, só eu e ele, mas depois ele veio buscar o meu irmão e o meu irmão foi comigo pra Tucuruí. E as poucas das memórias que eu tenho não seria tanto da convivência com ele, seria mais da convivência com meu irmão. Eu tenho tipo: as memórias de quando a gente ia pro igarapé, ou quando ele me levava pra ir comer churrasquinho na rua, algumas coisas. No entanto, que o meu apelido que ele me chamava era Churrasquinho. E aí ele me levava pra comer churrasquinho na rua, me levava pra tomar sorvete, mas eram poucas as lembranças que eu tenho dele. As minhas lembranças são ruins, porque eu sempre o via brigando com a minha mãe, ou brigando comigo, ou coisas do tipo.
P1 (22:03) - E o irmão que ele levou foi esse Francislei?
R1 - É, a gente o chamava de Lei. Foi ele.
P1 (22:09) - E o Lei foi?
R1 - Ele foi pra cuidar de mim. No entanto que, quando meu pai me devolveu, ele ainda teve um último contato comigo, meu pai biológico, que foi no meu aniversário de oito anos, que ele me deu uma bicicleta. E foi, assim, eu acho que a última vez que eu o vi, só que eu tinha muito medo dele, muito medo mesmo. E eu acho que, por ser uma criança, eu me tremia de medo. E a minha mãe fala que a última vez que eu o vi, de fato, foi num supermercado, que eu saí correndo, com medo, porque eu tinha medo dele me levar de novo, dele fazer alguma outra coisa. E quando a gente foi embora, a gente ficava numa casa que eram várias pessoas que trabalhavam junto com ele e eu sempre ficava com uma moça que cuidava de mim ou com alguma outra pessoa, só que desde pequena a minha mãe e a minha avó me ensinaram a ser ‘desenrolada’, então muito pequena minha avó me ensinava a fazer arroz, as coisas, ou ela me sentava numa cadeira e me fazia ficar bem pertinho dela, pra ver as coisas e quando eu fui embora com ele, quando ele me sequestrou, ele me colocou pra uma pessoa que não sabia fazer comida. Uma pessoa que foi ficar comigo, não sabia fazer comida e o Lei ainda não estava com a gente. E aí, como a minha avó tinha me ensinado a fazer arroz, foi eu que fui ensinar pra menina como fazer arroz. E aí o Lei que, depois, quando foi pra lá, que começou a fazer comida, ele ficava perto de mim, me levava pra onde ele ia, ficava comigo, até os últimos segundos ele estava ali, comigo.
P1 (23:39) - Ainda bem que foram 12 dias só, né?
R1 – Foi um pouquinho mais. Eu passei mais tempo com ele, só que foram 12 dias em que ele me afastou de tudo, da minha mãe, tudo. Ele deixou sem saber, minha mãe sem saber nada. E aí era o Lei que falava algumas coisas pra minha mãe ou o meu tio que estava a trabalho pra lá.
P1 (24:00) - E você pedia pra voltar?
R1 - Eu pedi algumas vezes pra voltar, só que ele não deixava. Aí foi eu e uma irmã minha pra lá. Pra ficar lá junto com ele, que era a minha irmã do meio. Só que ele não permitia voltar. Ele só permitiu voltar quando a minha mãe estava indo atrás dele, com a polícia, porque ele me levou numa churrascaria muito... que a minha mãe conhecia, na época que eles estavam, ainda, juntos. E quando ele me levou pra lá, a moça da churrascaria me conhecia. E ela perguntou: “Cadê sua mãe?” Eu falei: “Eu não sei cadê a minha mãe”. E aí ela foi e ligou pra mamãe. E aí a mamãe falou pouco comigo, mas aí ela me perguntou tipo: “Qual rua tu está?” Aí eu falei a rua e eu devolvi pra moça de lá, do restaurante, que eu tinha ido no banheiro lá, perto de onde ela estava e ela estava falando com a mamãe. E aí foi que a minha mãe foi atrás de mim. E me trouxe. Me trouxe não, ele me trouxe pra Barcarena e quando chegou em Barcarena ele me devolveu pra minha mãe.
P1 (24:59) - E aí, daí para frente ficou com sua mãe?
R1 - Não tive mais contato com ele. Foi. Eu fiquei com a minha mãe e tive contato com ele só no meu aniversário de oito anos, mas eu não poderia ficar próximo dele. Então, ele entregou a bike para a minha irmã e a minha irmã veio trazendo, da esquina da casa do meu avô, para mim.
P1 (25:15) - Quem morava na sua casa desse tempo para frente?
R1 – Morava eu, meu avô, minha mãe, minha avó, meu padrinho e minha madrinha. Meu padrinho e minha madrinha são filhos dos meus avós de criação. Aí morava todo mundo lá.
P1 (25:30) – E aí todo mundo mimava você?
R1 – Sim. Eu tenho muita memória do meu avô porque, quando eu fui morar com ele, ele trabalhava na Albras. E aí ele chegava todo queimado, ou muito cansado. Aí eu e meu padrinho, ia e um tirava uma bota, o outro tirava outra, a gente ficava falando com ele. E pra todo canto que meu avô ia, eu estava junto. Meu avô, meu padrinho. Se eles iam na padaria, meu padrinho me colocava na bicicleta e me levava junto, ou meu avô. Então, eu sempre tive muito contato com eles. Com ele, com a minha avó, com a minha madrinha. Pra onde eles iam, eu estava junto. Não tinha um local em que eles fossem, assim, quando eu era pequena, que eles não me levassem. Eram raras as vezes que eu ficava casa porque, como a minha mãe trabalhava, na época que ela foi para lá, ela acabou tendo que ir para outra cidade, para conseguir se profissionalizar. E conseguiu emprego em outro local. E aí ela veio para Castanhal. Quando ela foi para Castanhal, eu fiquei com eles. E aí, para todo lugar, eu estava junto com eles.
P1 (26:29) – E Castanhal é longe?
R1 - É um pouquinho, são algumas horas de viagem.
P1 (26:33) P1 – Então, ela não voltava pra casa todo dia?
R1 - Não. Ela passou uns três a dois meses para lá, para Castanhal, porque ela precisaria se profissionalizar numa clínica de lá. Ela precisaria passar um mês de experiência dela lá, em outra clínica, para ela aprender, para poder voltar e ‘botar’ em prática em Barcarena.
P1 (26:48) - E ela foi se profissionalizar em que área?
R1 - Ela trabalhava numa clínica.
P1 (26:53) - De quê?
R1 - Clínica Pró-cardíaco, que é o nome. É uma clínica de exames médicos. E aí ela foi pra essa clínica, lá pra Castanhal, pra se profissionalizar, pra aprender como auxiliava o médico e tudo mais. E aí depois ela voltou pra Barcarena e aí ela começou a auxiliar daqui, de Barcarena. Quando os médicos vinham, ela que estava junto. E aí ela teve que passar um tempinho fora. E aí era com eles que eu ficava.
P1 (27:15) - Como que era a sua rotina? Você ia pra escola que horas? Você ia a pé? Como que era?
R1 – O meu padrinho me levava de bicicleta, ou de carro e o meu avô também. Aí, era sempre eles que me levavam pra escola, ou quando a minha mãe estava, minha mãe me levava. Só que quando a minha mãe começou a trabalhar nessa clínica, ela chegava, eu estava dormindo, ela saía, eu estava dormindo. Então, era sempre meu padrinho, ou minha avó, ou meu avô que me levava. Ou minha madrinha, quando minha madrinha estava de folga. Sempre eles ficavam alternando, quem estava de folga, pra me levar pra escola. Ou era de carro... a maioria das vezes era sempre de carro ou de bicicleta.
P1 (27:52) – E era uma escola estadual, particular?
R1 – Era uma escola particular, lá na Vila mesmo. Ela era bem pequena, mas ela era muito bacana. Até hoje eles ainda ensinam e é uma escola muito boa.
P1 (28:07) – Você gostava?
R1 – Gostava, porque quando tudo aconteceu, a escola de lá me deu muito suporte, eu tinha muitos amigos lá. Então, eu fiquei lá por um bom tempo, eu só saí de lá mesmo porque já não tinha mais a série que eu precisaria continuar.
P1 (28:22) – Você era estudiosa?
R1 - Era. Eu, sempre, depois que tudo isso aconteceu, eu falei pra mim mesma que eu iria dar um futuro pra minha mãe. E o meu avô sempre me falou assim, que o esforço sempre vai vencer de qualquer talento. E o que adianta a pessoa ser mais talentosa, ter o dom e não saber aproveitar aquele dom, usufruir. E o meu avô sempre falou pra mim: “Estuda, estuda, estuda”. E o meu padrinho é muito estudioso. E foi dele que veio a minha paixão pelo estudo. Então, qualquer coisa que eu tenho eu vou estudar, vou aprender cada vez mais. O meu avô e a minha avó de criação sempre falaram pra mim que o conhecimento ninguém vai te tirar. Eles podem te tirar tudo, mas o conhecimento que você tem vai ficar ali, marcado em ti para sempre, até o final da tua vida.
P1 (29:10) - Yasmim, você era muito pequenininha, com muita consciência, parece. Como que você era, enquanto criança?
R1 – Eu falo que eu tive que amadurecer muito cedo, por conta disso. Então, eu não tenho tantas memórias de viver uma infância, de ter uma infância porque, depois que ele me sequestrou, eu não podia sair de casa. Eu sempre ficava dentro de casa. E, se eu saísse, era sob supervisão de alguém. Eu não tinha aquele costume de brincar na rua, essas coisas. Eu vim ter esse costume com uns nove, dez anos, que foi quando a minha mãe conheceu o meu padrasto, porque aí eu tive um pouquinho mais de liberdade pra brincar, pra ficar na rua um pouquinho mais, mas eu tenho memórias tipo assim: poucas de infância, de brincar, de ser criança, mas o meu avô e a família do meu avô, sempre que eles tinham tempo, eles conseguiam me proporcionar isso, de forma que eu pudesse lembrar daquilo e as lembranças que eu tenho de sair, de aproveitar, ir praia, era com eles. Quando a minha mãe trabalhava, eu ficava muito tempo mesmo com eles, então as memórias que eu tenho é isso.
P1 (30:14) – Me conta: eles te levavam pra praia?
R1 - Sim, eu tenho meus bisas, que são os pais dos meus avós de criação. Eles moram na Trambioca. Então, a gente sempre ia pra lá. Ou ia pra lá, ou ia pra Praia do Sirituba, ou pra Bédia. O meu avô sempre estava saindo. Então, ele sempre me levava pra qualquer canto. E aí, quando a gente ia, eles brincavam muito. Meu padrinho era muito molecão. Então, as memórias que eu tenho de brincar, de ser criança, é com ele, com meu padrinho também. Porque a gente implicava muito, muito mesmo, qualquer oportunidade que eu tinha de estar implicando com ele, a gente implicava. E hoje eu olho assim pra ele e eu tenho muita memória disso, porque a gente brigava muito, eu implicava com ele, a gente ficava fazendo birra pra todo mundo ou, tipo: minha mãe não estava em casa e não tinha ninguém, que eu tinha que ficar com ele, ele colocava filme, ele ‘botava’ algum joguinho no computador, pra gente ficar jogando. E hoje ele tem filho e esse menino é a minha cara e ele tem as mesmas coisas, algumas mesmas atitudes de quando eu era criança.
P1 (31:21) - Você tinha algum brinquedinho que você gostava muito?
R1 – Tinha. Eu tenho ainda, até hoje, eu não consegui trazer hoje, mas é uma boneca que eu a ganhei quando eu tinha ano de idade e até hoje eu tenho. Ela é uma bonequinha desse tamanho, ela é uma vaquinha. E é o único brinquedo, assim, que eu consegui guardar, que a minha mãe ficou, foi esse. E uma boneca em específico, que foi a primeira boneca que minha mãe me deu, depois que ela começou a trabalhar.
P1 (31:49) - Você tinha quantos anos?
R1 - Eu tinha sete para oito.
P1 (31:54) – Aí foi especial.
R1 - Foi. Eu guardo até hoje. Ela está guardadinha, em casa. Eu não consegui trazer porque a minha sobrinha riscou algumas. Ela conseguiu achar e riscou e eu acabei não trazendo.
P1 (32:04) – Mas é uma boneca, um neném?
R1 – É. Uma é um neném e a outra é aquela tipo Barbie. Aí são os únicos dois brinquedos que eu tenho.
P1 (32:15) – Você fala bastante do Lei e ele ficou com vocês até quando?
R1 - Ele ficou comigo até os meus oito anos.
P1 (32:22) – O que aconteceu?
R1 – Ele teve que trabalhar. Depois que meu pai me sequestrou, a gente se distanciou um pouco, porque ele precisou ir trabalhar. E eu tinha também ficado triste, um pouco, com ele, porque eu pensei que a culpa era dele e eu acabei ficando ressentida com ele. Mas foi só os primeiros dias, depois tinha passado e ele foi chamado para trabalhar em outra cidade. Se eu não me engano, foi Rondônia, na Amapá. E aí ele foi trabalhar para lá. E para lá ele ficou doente, foi pro hospital e ele acabou não avisando ninguém. Aí ele ficou, passou um tempo lá e depois, quando gente descobriu, já foi quando ele estava com hemorragia. Aí deu uma hemorragia profunda nele e ele acabou falecendo.
P1 (33:05) - Nossa!
R1 - Aí a gente teve que trazê-lo de Rondônia pra cá, pra enterrar.
P1 (33:10) – Ele ficou doente do quê?
R1 - Hoje, eu não sei ao certo o que foi porque, como ele estava longe, a gente não teve acesso ao que aconteceu com ele. A gente só soube que ele teve uma hemorragia, foi muito profunda e ele acabou falecendo. E aí foi... é uma das coisas que eu sei dele, foi isso, porque no velório dele eu acabei não podendo ir. A minha avó e a minha madrinha, junto com a minha mãe, acharam que não seria bom eu ir. Porque, como eu era muito apegada com ele, muito mesmo, eu só fiquei sabendo acho que uns dias depois que ele tinha falecido, pra não ser um choque tão grande pra mim.
P1 (33:51) - E você lembra da sua casa, como ela era?
R1 - Lembro. Hoje eu trabalho como motoboy, de noite e aí eu passo toda vez na frente dessa casa e eu me lembro que ela tem um pátio grandão. Tinha um pátio enorme. E nesse pátio era onde a gente passava a maior parte do tempo, eu e ele, brincando. Tinha uns quartos aí. Eu dormia num quarto com ele, ou junto com a minha mãe. E aí tinha o meu quartinho, que era o quarto da bagunça, que era onde ficava todos os brinquedos entulhados, lá dentro. E aí o quintal também era muito grande, a gente criava cachorro. Antes do meu pai ir embora, ele criou... ele levou bode, cabra, essas coisas, tudinho, pra deixar lá casa, pra gente criar, só que a minha mãe acabou ‘botando’ pra rua, porque comeu o lençol dela, fazia muita bagunça. E tipo: a casa era muito grande. Até hoje eu passo na frente dela assim, eu olho pra ela, mas...
P1 (34:44) – Era uma casa simples?
R1 – Um pouco. Ela era uma casa grande, aconchegante e tipo: quando toda a família se reunia era tudo lá casa, porque era a que tinha o pátio maior.
P1 (34:59) - Que legal! E aí você falou que sua mãe conheceu o padrasto. Você tinha dez anos, mais ou menos. Como ele chama?
R1 - Ele se chama Gilberto. E foi dele minha paixão pela Hydro, porque ele trabalha aqui acho que tem mais de 15 anos. E quando a minha mãe o conheceu, ele estava acidentado da perna. A minha mãe cuidava dele na clínica que ela trabalhava. Ela o conheceu lá. E aí foi o doutor, o chefe deles lá da clínica que mandou ela vir cuidar dele, fazer os cuidados particulares na casa dele. E aí foi aí que ela se apaixonou por ele, os dois começaram a se conhecer. E o meu padrasto tem quatro filhos e quando a gente saiu da casa da minha avó, a minha mãe queria ir para o aluguel. E a mãe do meu padrasto era muito bacana. E ela foi no local que a gente tinha alugado para ficar, pegou as nossas coisas e levou para casa dela, sem que a minha mãe soubesse. E quando a minha mãe soube, a gente foi ficar para lá, pra casa dela. E aí ela adotou, ela ficou com a gente lá, um tempo. Ela me adotou como neta também. E ele trabalha aqui na Alunorte. Veio daí minha paixão mesmo, pela Hydro, porque toda vez, quando ele chegava em casa, ele sempre contava, quando a gente era pequena: a gente sentava, era uma mesa tipo com 15 lugares, assim, todo mundo sentava pra jantar, todo mundo junto. Tinha que jantar todo mundo junto e almoçar pelo menos metade do pessoal, todo mundo junto. E quando ele estava casa, ele sempre contava como tinha sido no trabalho, o que ele tinha feito e como que era. E foi daí mesmo que veio a minha paixão genuína pela Alunorte. É desde pequena, assim, que eu falava pra ele. E quando eu entrei na Alunorte, ele falou que o que eu falava se concretizou, porque eu falava pra ele: “Ainda vou trabalhar na mesma empresa que o senhor, ainda vou trabalhar com o senhor”. Ele falava: “Alguma filha vai ter que seguir o meu rumo. Alguém vai ter que levar os meus passos”. E aí ele trabalha aqui. Ele é sala de controle.
P1 (36:46) - Como ele chama?
R1 – Gilberto.
P1 (36:48) – O quê?
R1 – Gilberto Lopes.
P1 (36:51) - E aí, quando sua mãe se apaixonou pelo Gilberto, ela te contou? Ela falou: “Tenho um namorado?”
R1 - De imediato não. Eu lembro assim: que a gente só via chegando presente em casa e ele sempre mandava presente pra ela e presente pra mim. Aí toda vez chegava bombom, chegava sandália, as coisas e eu ficava: “Hum”. E aí a minha mãe tinha um namorado antes, que era o tio Greg e eu pensava que era o Greg. Eu sempre falava pra ela: “A senhora vai voltar com o tio Greg” e tudo mais. Porque, quando a minha mãe se separou dele, do meu pai, o tio Greg foi um dos esteios pra minha mãe conseguir voltar a viver, pra ela conseguir ter um sentido e aí ele também me tratava como filha e aí, quando chegava os presentes em casa, eu sempre falava: “É do tio Greg, é do tio Greg”. E foi depois que ela foi me apresentar pro meu padrasto hoje. Ela foi, me apresentou pra ele, falou que ele tinha filho. Até então os meninos não moravam com ele, mas depois, assim que a minha mãe e meu padrão se juntaram, aí os filhos dele mais novos vieram morar com a gente.
P1 (37:51) – E aí você ganhou irmão?
R1 - Ganhei. Hoje a gente briga, se estapeia, mas está todo mundo sempre junto.
P1 (37:58) - Como é você se sentia, nessa nova família?
R1 – Eu me sentia acolhida porque, como eu não tive uma paternidade tão presente, eu me sentia acolhida. Qualquer tipo assim, local, quando eu era pequena, que eu me lembro que chegava comigo, me acolhia, eu me sentia bem. Mas, tipo assim: eu me sentia muito bem na casa do meu padrasto, porque a mãe dele era uma pessoa muito bacana e aí ela me tratava muito bem, ela era apaixonada por cozinha também e ela me ensinou bastante coisa no tempo que a gente passava junto. E aí, quando eu fui embora da casa dos meus avós, eu senti um baque muito grande, porque eu ficava, não estava todo dia ali, com eles. Quando acordava não dava de cara com meu avô. Então, foi um baque um pouquinho grande, mas ao mesmo tempo foi acolhedor pra mim, porque estava conhecendo novas pessoas e também eu tinha uma rua lá, eu poderia brincar, que a Dona Edi sempre estava lá fora com a gente, brincando. Ela sempre levava... e ela era muito católica. Muito, muito católica mesmo e ela, todo dia a gente tinha que estar na igreja com ela. Eu chegava da escola, era o tempo de almoçar, mudar de roupa e ir pra igreja, com ela. Ela passava a tarde todinha na igreja, rezando e a gente ficava lá com ela, até ela sair, pra gente poder brincar na rua.
P1 (39:12) - Você gostava?
R1 – Um pouco porque, quando a gente chegava, estudava uns dois de manhã e uma tarde, que era eu, que sempre estudava de tarde e, quando eu chegava, eu tinha que ir de manhã com ela para a igreja e os meninos iam à tarde, ou quando eu não ia para a escola ficava a tarde com ela, na igreja e a gente tinha que ir pra igreja, pra gente poder brincar na rua. Era sempre uma troca dela.
P1 (39:36) – E você obedecia?
R1 - Se não obedecesse, ou a gente ficava de castigo, ou ela deixava a gente lá no cantinho, sentadinho, enquanto via todo mundo brincar na rua. Ela ficava brigando com a gente.
P1 (39:50) - Eu estou entendendo que você era uma criança alegre, apesar das dificuldades e muito obediente, é isso?
R1 – Sim. A minha mãe fala que, quando eu era pequena, eu era muito espoletada.
P1 (40:01) – O que é espoletada?
R1 - Eu sempre queria fazer um pouquinho de tudo. Se os meninos estavam brincando, era uma brincadeira tipo que era com uso de força, eles estavam se batendo, eu queria estar no meio. Se a minha mãe estava ajeitando a casa, eu queria estar no meio. Qualquer coisinha que eles estivessem fazendo, eu queria estar no meio, para pegar um pouquinho de cada. No entanto, que a Dona Edi tinha uma vendinha. Ela tinha um comércio do lado de casa. Aí, toda vez, quando ela ia para o comércio, ia eu e a minha outra irmã pra lá e ficava sentadinha lá, com ela, vendo o que ela fazia. Algumas vezes era a gente mesmo que ficava na baiuquinha pra ela, quando ela saía. Então, era algo que eu queria estar no meio de tudo, eu queria fazer pouquinho de tudo.
P1 (40:46) – E você tinha algum sonho?
R1 – Tinha, eu queria me formar em Medicina Veterinária. Eu tinha o meu irmão, ele sempre falava assim, pra mim, que a gente tivesse mais de um sonho. Ele falava: “Olha, tu tem que ter vários sonhos porque, se um não der certo, tu já tem outro ali, que tu já sabe que tu vai gostar” e o sonho do meu irmão era ser dançarino da Joelma, era esse um dos sonhos dele. Enquanto ele estava vivo, todo tempo ele estava se inscrevendo e quando ele faleceu, ele foi chamado pra dançar na Joelma, por um dançarino que virou amigo dele, mandaram o convite pra ele e quem foi que acessou foi a minha irmã de criação, o convite que tinham enviado para ele. Aí ele sempre me ensinou isso, que eu tinha que ter mais de um sonho. E depois que ele faleceu, meu maior sonho também foi fazer Gastronomia, ou Medicina Veterinária. E aí, depois, assim, quando eu fui pra Dona Edi eu acho que veio uma parte, assim, que me pega um pouquinho, porque com 13, pra 14 anos eu adquiri depressão, ansiedade e crise de pânico. Então, eu tinha muito medo de estar sozinha, eu tinha muito medo de qualquer coisa, qualquer gatilho ativava. No entanto, que eu tentei suicídio algumas vezes, eu fui pra psicóloga, pra psiquiatra e que a memória que eu tenho muito forte do psiquiatra foi no dia em que ele chegou pra mim e falou: “Não vou ter jeito, vou ter que te internar, porque tu vai se matar, ou vai acontecer algo pior contigo”. E aí ele já tinha tentado me dopar, eu já ficava com altas doses de remédio e quando eu comecei a tomar remédio eu já estava treinando caratê e um professor meu falava, conversou com a minha mãe e ele falou: “Não, não tira ela, deixa ela ficar aqui, mesmo que ela esteja dopada, ela fica sentadinha ou ela treina, mesmo, só para ela ficar no meio de todo mundo”. E aí ele, sempre, quando via cortes em mim, machucados, sempre estava ali, perto. E quando, às vezes, eu tentei suicídio, ele sempre conversava comigo e aí eu ficava muito tempo dopada e no dia que foi para doutor me internar na clínica psiquiátrica, ele tinha uma vaga e ele falou: “Essa vaga aqui tu vai ficar internada, já”. E ele levou a gente nessa clínica e, quando chegou lá, estava sendo ocupada e ele falou: “Não tem mais vaga, você vai voltar pra casa e assim que liberar uma vaga você vem”. Depois que teve esse episódio, a minha mãe não queria que eu fosse internada e aí nem eu mesma. Então, eu falei: “Não, eu vou tentando melhorar de pouquinho em pouquinho”. E foi quando veio a minha cirurgia. Tive que me operar às pressas. E aí foi uma coisa atrás da outra e eu acabei parando de tomar remédio. E depois da minha cirurgia que eu falei pra mim que eu iria mudar o meu rumo. Eu iria me reconstruir, pra não ter que voltar naquela clínica.
P1 (43:43) - Mas você falou que você tinha 13 anos quando algumas coisas começaram a acontecer, a ponto de te deixar nessa situação. Foi uma coisa que aconteceu especificamente ou foi esse resumo da sua vida?
R1 - Tudo da minha infância. Eu adquiri muitos traumas, tinha medo de tudo que meu pai já tinha feito. Então, eu fui, juntei tudo aquilo e armazenei dentro de mim. E eu não conseguia contar, eu não conseguia ‘botar’ para fora. Então, quando eu comecei no tratamento psicológico foi justamente por causa disso, por causa desses traumas dele. E aí a psicóloga já contou para minha mãe que já não era mais da área dela, ela teria que repassar para alguém mais competente. E ela foi e repassou para o psiquiatra. Quando ela repassou para o psiquiatra, eu fiz acho que algumas sessões com ele, em Belém. Eu tinha que ir toda quinta-feira, se não me engano, para Belém. E aí, nesse meio tempo, cada vez mais que eu via, era a dosagem mais alta de remédio, tinha que ficar mais tempo dopada. E aí todo mundo de onde eu treinava sabia da condição. E o meu professor sempre tentava conversar ao máximo, para não fazer, para distrair a mente ali. E mesmo eu estando dopada ali, ele tentava me incluir em tudo dos treinos, qualquer coisa, ele tentava me ‘botar’ no meio. E aí acho que foi tudo, tudo, tudo me acarretou trauma da minha infância.
P1 (45:11) P1 – E você, com 13 anos, foi diagnosticada com depressão?
R1 – Fui. Foi dos 13, 14, até os 15.
P1 (45:23) – Era depressão, ansiedade...
R1 – Não, foi dos 12, 13, 14. Aí os 15 foi quando eu me reconstruí sozinha, eu fui lutando contra minha ansiedade. Eu tinha crises, eu recaía, mas eu tentava ao máximo não piorar, não cair no fundo do poço de novo.
P1 (45:38) - Você chegou a perder anos de escola?
R1 - Não.
P1 (45:42) - Você ia para a escola?
R1 - Eu ia para a escola normal, eu estudava normalmente. Somente quando eu tinha crise de ansiedade, essas coisas, aí os professores me retiravam da sala, esperavam eu me acalmar, para eu retornar. Mas, assim, eu nunca perdi ano de escola. Eu sempre mantive ali a constância para estudar, para fazer tudo.
P1 (46:00) - Você pedia ajuda, Yasmim? Você falava pra alguém que você não estava bem?
R1 – Falava para duas pessoas em específico, somente. Eram duas pessoas, assim, que eu conseguia conversar, naquela época, que era o meu professor de caratê e uma amiga minha. Eram as duas únicas pessoas que eu chegava e falava: “Olha, eu não tô bem, está começando a me dar crise”. Só que eu não conseguia falar o porquê, eu não conseguia dizer de onde está vindo. Eu só começava chorar e falava: “Olha, eu não tô bem”. E aí eles me retiravam da sala.
P1 (46:33) - E o que te fazia bem a ponto de te ajudar a sair da crise?
R1 - Treinar. Eu acho que foi um dos pontos que me tirou do fundo do poço. E quando meu sobrinho nasceu, que nasceram os dois primeiros e o Jonathan foi um dos motivos pelo qual eu não fiz nada, porque eu queria que ele tivesse memória da infância dele boa e eu queria que ele tivesse memória de mim. E aí a minha mãe começou a tentar me trazer de volta, quando ele nasceu, que aí eu tinha muito contato com ele, eu o via todo dia, eu estava ali, perto dele. E quando ele me via chorando, me via em crise, ele ficava do meu lado, ele falava: “Não chora, não chora, não chora”. Ele ficava ali, até parar. Aí ele foi um dos motivos também pelo qual eu falei que eu iria me reconstruir, que eu iria tentar. Foi ele e a Maria Cecília, que foram os dois meus sobrinhos que vieram primeiro. E foi quando eu falei: “Não, eu preciso que eles tenham memória de mim. Eu não quero que eles cheguem a saber o que aconteceu comigo. Eu quero que eles tenham orgulho, tenham alguém que eles possam, mais do que eles já têm espelho, mas que eles tenham alguém que eles possam confiar”. E foi dali, então, que eu falei que eu iria me reconstruir, que eu iria tentar mudar muita coisa. E foi quando eu consegui um pouco, mas de vez em quando ainda vem algumas crises, algumas coisas que fazem com que algumas coisas desandem.
P1 (48:05) – Sim. Aí você tinha uns 15 anos, as coisas começaram a ficar um pouquinho melhor e você nunca parou de treinar caratê?
R1 - Eu parei quando eu me operei, só.
P1 (48:14) – O que você operou?
R1 - Eu me operei de um cisto entre o útero e o ovário. Foi em torno de uma semana, assim. Foi em 2019. 2018, 2019. Foi em torno de uma semana pra eu me operar. Eu descobri numa terça-feira, eu passei três dias internada, pra descobrir. Passei domingo, segunda-feira e terça-feira. Na terça-feira eu descobri. Na quinta eu fui pra Belém e no sábado eu me operei.
P1 (48:38) - Você tinha dor?
R1 - Tinha. A minha perna travou, eu inchei muito. Parecia que eu estava grávida. Isso aqui meu ficou muito inchado e eu fui pro hospital e todo mundo falava: “É apendicite, é apendicite”. Aí o médico, quando eu estava internada, aqui em Barcarena, a minha mãe e meu padrasto estavam juntos e aí eles foram pro médico: “O que ela tem? Ela já está há tanto tempo sentindo dor”. E a minha cólica, meu ciclo menstrual era muito, muito pouco, era um, dois dias, no máximo e era cólica o mês todo e aí o médico falou pra minha mãe: “Olha, eu não sei o que a sua filha tem. Eu já fiz tudo e não é nada”. Minha mãe falou: “É apendicite? O senhor não quer operar como apendicite? É apendicite?” Ele falou: “Não, não é. Não tem nada nos exames que é apendicite”. Aí ele foi e o meu padrasto falou: “Qual é o último exame que está faltando?” Aí ele falou: “É uma ressonância”. E aí foi quando eles me passaram a ressonância e viram que o cisto estava afastando o meu útero do meu ovário. Ele estava no meu oco pélvico. Então, como ele estava afastando, a minha perna estava travando. E aí eu fui pra Belém numa quinta-feira, quando foi na sexta-feira, eu já me internei e me operei no sábado de manhã.
P1 (49:50) – Aí como é que foi, se recuperou?
R1 - Me recuperei, só que seis meses depois eu descobri outro. E aí foi um atrás do outro e foi desencadeando a SOP, que aí eu fiquei, eu tinha muito, muito ovário... muito cisto no meu ovário. E aí acabou desencadeando um problema e meu ciclo menstrual era totalmente irregular e aí a doutora começou a me passar remédio para tentar tratar, só que acabou não diluindo os cistos. Então, eu fiquei tomando remédio até certo período e aí com acho que de 14, 15 anos eu já tinha descoberto já esses problemas tudinho, eu me operei 2019. Então, com 16 anos em diante a doutora me falou: “Tu é infértil, tu não pode engravidar de maneira nenhuma. E o dia que tu engravidar, tu vai ser de muito alto risco”. E eu tinha aquilo em mente: não posso engravidar, eu nunca vou poder ter filho. Então, eu me apegava nos meus sobrinhos e aí a minha cabeça começou a se autorregular de que eu não poderia engravidar e aí o meu padrasto falava: “Já pensou o dia que tu tiver filho, não sei o quê” e eu falava: “Não, não posso engravidar, não vou ter filho”. E eu sempre busquei ficar bastante tempo com os meus sobrinhos. Eu parei de ser presente na vida deles depois que eu comecei a trabalhar e aí eu ficava todo tempo perto deles, porque eu tinha aquilo em mente: não posso ter filhos, então eu vou me apegar neles, vou vê-los crescerem e tudinho, até onde eu puder. E aí, quando foi esse ano, eu consegui engravidar. Engravidei ano passado. Eu trabalhava uma hamburgueria e eu não... eu comecei a enjoar do cheiro de hambúrguer. Eu saía muito tarde de lá. Eu trabalhava como faz tudo lá. Eu era a primeira a chegar e a última a sair. Então, eu ficava, passava muito tempo ali e eu comecei a enjoar do cheiro de hambúrguer. Eu comecei a enjoar do cheiro do meu marido. Eu ficava com enjoo de tudo. E eu fazia teste, mas sempre dava negativo. Aí o último teste que eu fiz foi em outubro e deu negativo. Eu falei: “Não vou mais fazer”. E eu falei pra uma amiga minha, que trabalhava junto comigo: “’Cara’, eu tô muito mal”. Aí ela falou: “Antes de tomar qualquer remédio faz um teste, porque tu está enjoando muito, tu está enjoando o cheiro de hambúrguer, então faz um teste”. Aí eu fiz e deu negativo. Eu falei pra ela: “Não, deve ser algum outro problema no estômago”. E aí, quando eu fiz o exame do meu estômago, deu que eu estava com gastrite H.pylori. Aí eu falei: “Não, então é isso de onde que está vindo o meu enjoo, não é de nada”. E aí eu viajei, em dezembro e eu desejei um sorvete específico. E aí eu peguei e tomei, lá em Capanema, que era onde a gente estava, eu fui de moto daqui, com ele e aí, quando eu cheguei Capanema tomei o sorvete e, instantâneo, eu ‘botei’ na boca e eu vomitei o sorvete e eu falei: “Não, não deve ser gravidez, nem nada”. E quando eu voltei do Natal eu estava em casa e aí eu falei com a minha médica que queria retornar a tomar remédio, pra voltar o meu tratamento e aí ela foi e falou pra mim: “Antes de tu retornar o teu remédio e fazer qualquer coisa, faz um teste de gravidez, só por desencargo de consciência”. Eu fui e fiz o teste. No exato momento que eu fiz, deu positivo. E aí eu fiquei: “Meu Deus, o que eu faço agora?” E aquilo lá foi o meu maior momento de alegria, assim. Eu contei para o meu esposo e a gente deixou para contar para os nossos pais dois dias depois, que seria quando a gente iria fazer a ultrassom, para saber com quanto tempo estava, para poder expor para eles. Isso eu descobri numa segunda-feira. Na terça-feira marquei o exame, tudo bonitinho, quando foi na quarta-feira, na terça-feira pra quarta-feira eu acabei perdendo e aí eu tive... foi muito... depois que eu descobri, eu já sabia, a doutora tinha dito que, se eu estivesse grávida, algum dia que eu engravidasse, seria de alto risco. E aí eu me resguardei totalmente. Eu fiquei quieta, parei de trabalhar como motoboy. Uns dias eu fiquei muito quieta. E aí nem para ir no banheiro eu ia sozinha. Para pedir ajuda, para me levantar da cama, para me levantar de cadeira. E aí, quando foi do nada veio aquela dor, tipo como se fosse vontade de fazer xixi. Eu fui no banheiro e quando eu vi eu já estava ensanguentada e aí eu vi saindo algumas coisas e quando eu fui no médico eu digo assim que eu perdi muito por negligência médica também porque, quando eu estava no hospital, eu ainda estava com a criança, eu estava só com aquele sangramento, sangue mesmo, mas não tinha saído nada e quando eu... saiu só uns coagulozinhos, mas bem pequenos, como se fosse o sangue mesmo, empedrado, do útero e quando eu cheguei no hospital, eu dei entrada e uma moça de lá da triagem falou pra mim: “Olha, tu vai ter que esperar três horas pro médico chegar, porque o médico tem que vir de Belém, pra poder te atender”. Aí, como eu já tinha andado a entrada no hospital, não tinha como sair, aí eu falei: “Está bom, espero, eu só quero o medicamento pra segurar”. E quando eu cheguei no hospital, passou uma meia hora, uma hora, eu fui no banheiro e começou a sair os coágulos, eu comecei a ver as coisas saindo e aquilo começou a me dar um desespero. Eu entrei desespero no hospital, eu não sabia mais o que fazer. Aí eu fui, o meu esposo largou do trabalho dele e foi pra lá, comigo, no momento que eu comecei a sentir dor casa mesmo. E aí a gente foi pro hospital e aí o médico, quando chegou, fez o ultrassom tudinho e ele falou: “Olha, eu não entendi o porquê que tu perdeu. O teu útero estava segurando a criança. O teu útero está fechado”. Eu falei: “Mas, doutor, eu tinha SOP, isso pode ter sido alguma coisa?” Aí ele olhou e falou: “Não, tu não tem SOP. Se tu tinha, tu está curada agora, porque não tem nada”. E aí ele mostrou, ele falou: “O teu ovário está totalmente limpo, não tem absolutamente nada aqui”. E aí a gente ficou tudo em estado de choque e ele falou: “Olha, eu vou fazer exame de sangue e a gente vai ver com quanto tempo tu estava, pelos teus hormônios”. E quando eu fiz o meu exame de sangue deu que eu estava com aproximadamente quatro meses, que foi o tempo que deu início ao programa da empresa.
P1 (55:59) - Calma, a gente vai chegar aqui, espera.
R1 - Foi quando foi, eu acho, o meu estopim. Aquele momento eu acho que me trouxe tudo de ruim que já tinha na minha vida antes e eu fiquei muito mal, eu passei muito tempo muito mal, pra poder me recuperar e foi essa uma das coisas que eu trago, que foi desse ano, foi uma das melhores e das piores coisas da minha vida, foi isso.
P1 (56:24) - Yasmim, vamos lá um pouquinho antes disso tudo, que você chegou no tempo de hoje já, né? Qual foi seu primeiro trabalho?
R1 - Meu primeiro trabalho foi uma confeitaria. Eu abri uma confeitaria com 13 anos, foi 13. Treze eu comecei a fazer bolo, só que até o momento era só pra família. Com 14 para os 15 anos eu já comecei a fazer para externo, pra vender. E eu fiquei com uma confeitaria até 2020, 2021. Aí foi daí em diante que eu comecei a trabalhar em sorveteria, vendendo doce, trabalhei em hamburgueria. Eu montei a minha própria hamburgueria, só que aí eu dei uma parada também.
P1 (57:10) – Como é que você conheceu o seu esposo?
R1 - Foi no caratê. Eu treinava numa academia diferente da dele e eu mudei da academia em que eu estava para a academia que ele treinava. E aí a gente já se conhecia, só que a gente nunca tinha trocado nenhuma palavra, nem nada. E foi daí que a gente começou a se conhecer, a se conhecer e a gente está até hoje.
P1 (57:30) – Como ele chama?
R1 - Luan, ele é atleta de alto rendimento do estado. Ele era atleta de alto rendimento do estado, a gente teve que dar uma parada.
P1 (57:39) – Ele foi seu primeiro namorado?
R1 - Não, ele foi meu segundo namorado.
P1 (57:44) - E aí vocês se apaixonaram?
R1 - A gente se apaixonou mais, também, por causa do esporte, porque a gente se via todo dia, a gente treinava todo dia. E aí a gente se aproximou mais em um campeonato que ele teve, que ele precisou de ajuda. Como, assim, a gente ser atleta é um fardo muito grande. Porque, para a gente ser atleta, tu não tem que se preocupar só com o teu físico, com o teu possível bem-estar. Tu tem que se preocupar como que tu vai, como que tu vai voltar, como que tu vai se alimentar. E foi um dos campeonatos que eu me aproximei dele e foi nisso, porque a gente foi buscar ajuda, buscar patrocínio e foi aí que a gente começou a conversar, dialogar e daí em diante.
P1 (58:27) - E aí você estava virada para a área da gastronomia, teve confeitaria, trabalhou em sorveteria, teve hamburgueria. Por que isso tudo acabou, parou?
R1 – Porque, assim: a gastronomia sempre me ‘encheu os olhos’, mas quando a gente trabalha com isso, eu não tive tanta rentabilidade. A minha hamburgueria cresceu bastante, teve uma visibilidade, mas infelizmente tudo acarretou para parar. Porque, como eu lhe disse, o meu esposo era atleta de alto rendimento. Em uma das nossas competições, a gente teve que parar a nossa hamburgueria, para ir competir. A gente ‘correu atrás’, a gente passou tempão e aí, quando a gente conseguiu uma quantia que a gente estava juntando para gente ir, a gente foi. E quando gente voltou, não reabriu. A gente foi reabrir depois de uns meses, só que aí parece que tudo acarretou pra dar errado. E aí começou a queimar a nossa geladeira, a nossa chapa e foi daí em diante que a gente falou: “Não, ‘bora’ dar uma parada, a gente vai procurar outro rumo”. Aí foi que a gente parou na nossa
(59:37).
P1 (59:37) – E quando é que você foi morar com ele, que vocês se juntaram?
R1 - Foi ano passado, novembro. Foi quando a minha mãe teve que se operar e aí eu fui passar uns dias na casa dele, ficava em casa e na casa dele, em casa e na casa dele e depois disso a gente foi e se juntou.
P1 (59:54) - Ele é de Barcarena?
R1 - É.
P1 (59:56) - A família também?
R1 - A família, na verdade, eles são nascidos em Capanema. Aí veio a mãe dele, o pai dele e o irmão dele pra cá, pra Barca Arena. Mas o resto da família dele é toda de lá.
P1 (1:00:07) – E aí vocês estavam namorando cada na sua casa. E as famílias se deram bem, sua mãe gosta dele?
R1 - A minha mãe, eu falo pra ela que ela gosta mais dele do que de mim. Porque ele chega em casa, parece que ele se tornou mais filho do que qualquer um. Meu irmão, filho do meu padrasto, sente muito ciúme. E quando meu esposo chega lá, que a mamãe começa: “Meu filho, tu quer isso, tu quer aquilo?” Aí ele fica: “É, quando eu tô em casa ninguém faz isso, quando eu tô aqui ninguém pergunta o que eu quero”. E ele sempre fica, a gente tem uma convivência muito boa entre as nossas famílias.
P1 (1:00:40) – Vocês moram perto?
R1 – Um pouco. Minha mãe mora no Novo Horizonte e a gente mora na Vila.
P1 (1:00:45) - Vocês foram alugar uma casa?
R1 – Não, a gente mora com os pais dele. A gente está construindo a nossa.
P1 (01:00:51) – Então, vocês moram hoje na casa dos pais dele.
R1 – É.
P1 (01:00:54) - E aí ele foi para um treino, para um campeonato. Deu certo?
R1 - Deu, mas não deu. Porque assim: a gente competiu, ele competiu na seletiva brasileira, pra ele fazer parte da seleção e no campeonato. A gente, no primeiro que a gente foi, foi em São Paulo. Foi eu, ele e a mãe dele. E aí, como ele foi, o local onde ele treinava era uma ONG e essa ONG falou pra gente que ele não tinha nada a ver e que era pra ele ir por conta própria. A gente começou a ‘correr atrás’ junto com a minha mãe, fomos na prefeitura, batemos de porta em porta nas empresas, para conseguir ajuda e a gente conseguiu para ir para o primeiro campeonato dele fora, porque ele já tinha sido convocado para ir para a Argentina, mas por falta de patrocínio ele não conseguiu ir e a gente pegou e foi para São Paulo e aí, quando chegou na última luta dele da seletiva, ele perdeu, porque ele leu as mensagens que estavam mandando falando dele e acabou sendo muita... foi uma enxurrada de mensagem, foi muita coisa, muito peso, ele acabou perdendo, mas no campeonato mesmo a gente acabou ficando em segundo lugar e tipo: só tinha ele lá daqui de Barcarena, foi o único que representou Barcarena em São Paulo. E quando a gente vai para campeonato fora, ele já é conhecido como o menino do Pará. A maioria das vezes é só ele mais outro menino que vão. E aí eles que ficam competindo lá, representam o nome de Barcarena. Ele que representa Barcarena e o outro menino representa Breves. E aí ele sempre, quando a gente ia competir, a gente foi para o Ceará no passado, a gente ia para o Rio de Janeiro, para conquistar a vaga para ir pro sul-americano, só que por falta mesmo de patrocínio a gente não conseguiu ir e aí a gente, depois que aconteceu tudo isso, que a gente não teve apoio, porque o caratê é visto como esporte amador dentro de Barcarena, ele não é um esporte que é visto. Você pode ver que tem vários atletas dentro de Barcarena que são bons, que têm um potencial grande para chegar, só que não é investido, não é visto da forma correta e se for investido, é investido para outros locais que não tem nada a ver com a gente. Então, quando a gente foi, a gente fez rifa, fez churrasco, saía espalhando para todo mundo, para ver o que a gente conseguia. E a gente conseguiu competir em alguns, mas outros não. E foi quando ele parou de competir, a gente foi dar aula em um local que é da Hydro, que é o Trilhando Caminhos. A gente foi fazer uma aula experimental com eles e aí a gente chegou lá para conversar com as crianças, foi o nosso primeiro contato, assim, dando aula pra pessoas externas, que não conheciam a gente. Quando ele começou a contar quem era ele, o que ele fazia, que ele fazia parte da Seleção paraense e tudo o mais, as crianças meio que brilharam os olhos. E ficou até hoje, quando a gente vê umas crianças de lá, da rua, eles falam com a gente, falam com ele, que queriam treinar com ele. E quando eles chegaram pra gente e falaram: “Olha, a gente quer treinar com vocês”, a gente olhou e falou: “Está bom, a gente vai dar um jeito”. E foi aí que a gente criou um projeto e a gente começou a dar aula, pra pouquinha gente, um pouquinho para as crianças, mas depois a gente parou de novo, porque a gente não tem local para dar aula para eles. Porque para a gente ofertar uma aula para a criança, precisa ter toda uma estrutura, para te agregar. Porque quando a gente teve a ideia do projeto, a gente pensou assim: “Não, a gente quer o projeto, a gente quer que as crianças acessem aquilo de graça, não tenham que pagar nada”. Porque os pais, eu vejo assim, pensam: “Não, não é um esporte, a criança vai lá, vai se machucar, vai se quebrar e o meu filho... ainda vou ter que pagar?” Aí a gente pensou: não, então a gente vai ser totalmente gratuito. E aí, quando a gente teve essa ideia, a gente começou a dar aula para uma, duas crianças, três e hoje a tem algumas criancinhas só, mas a gente teve que dar uma parada total, porque o nosso tatame ficou todo ruim, aí a gente não tinha mais espaço bom, para agregar as crianças. E a gente parou e a gente treina só mesmo a gente, com algumas outras pessoas.
P1 (01:05:01) – O Luan tem sua idade?
R1 – Tem 19. Tem 21, na verdade.
P1 (01:05:05) – Um pouquinho só.
R1 - É, um pouquinho mais de diferença. Tenho 19, ele tem 21.
P1 (01:05:09) - E aí você terminou a escola? Me conta um pouco da sua área de educação, assim. Você saiu da escola e foi fazer o quê?
R1 - Eu saí da escola e fui trabalhar, porque eu queria trabalhar. A minha mãe falava que o trabalho dignifica o homem. Então, eu tinha sempre em mente: eu tenho que trabalhar, eu tenho que trabalhar, eu tenho que trabalhar. E aí eu cursava inglês e eu dei uma parada, porque o dia que eu ia trabalhar empatava com o meu inglês. E eu falava assim: “Não, eu vou dar um tempo do inglês e vou começar a trabalhar direto”. E eu comecei a trabalhar, trabalhar, trabalhar. E aí foi quando eu... a minha área da escola já foi direto para o trabalho. Aí foi quando a minha mãe falou assim para mim, uma vez: “Caramba, tu está perdendo tudo da família, qualquer aniversário tu não está, porque tu está muito tempo no trabalho”. Porque eu trabalhava pela parte da manhã em um restaurante, fazendo entrega e pela parte da tarde e noite eu trabalhava em uma hamburgueria.
P1 (1:06:06) - Que era sua?
R1 – É, que era a minha. A gente iniciou, quando eu saí da escola, na hamburgueria a gente começava quatro horas, que era o tempo de preparar as coisas, tudinho, deixar tudo arrumado e a gente parava seis horas da manhã. A gente levava a madrugada todinha fazendo lanche. E aí o meu esposo trabalhava ainda numa empresa, pela parte da manhã. Então, quando ele dormia eu ficava lá fora esperando chegar pedido ou cliente, até pra fazer e aí quando tinha entrega, eu o acordava, ele ia fazer entrega e voltava pra dormir, pra poder trabalhar no outro dia. E aí assim a gente ficava.
P1 (01:06:43) P1 – Qual era o nome da hamburgueria.
R1 – Mega Burguers. A gente trabalhou acho que por uns oito, nove meses, na hamburgueria.
P1 (01:06:51) – Era um lugar alugado, era na sua casa?
R1 - Era na minha casa, mesmo. Eu comprei um carrinho daqueles, de lanche e aí eu colocava tudo lá, no trailerzinho e deixava tudo lá, ajeitadinho, pra poder trabalhar no outro dia.
P1 – (01:07:05) - E aí, então, você começou a perder as coisas da família.
R1 - Perdia. Aniversário, quando tinha aniversário e a hamburgueria estava aberta e eu tinha que ficar na hamburgueria, não podia ir para aniversário. Eu perdia muitos eventos, assim, de família, por causa do trabalho.
P1 (1:07:21) - E o dinheiro que você recebia ficava para você, você ajudava casa, como que era?
R1 - Eu ajudava casa e eu investia. E comprando mais coisas todo o tempo.
P1 (01:07:32) - Você ajudava na casa da sua mãe?
R1 - Na casa da minha sogra. Que, na época, minha mãe ainda trabalhava junto com meu padrasto. Aí a gente pegava e direcionava o dinheiro pra casa da minha sogra, que era onde a gente estava. E mais também pra dentro da hamburgueria. A gente ficava comprando umas coisas todo o tempo, pra nunca faltar, quando precisasse. Porque, como a gente trabalhava de madrugada, nosso medo era: “Caramba, vai faltar ingrediente, como é que gente vai comprar?” Aí a gente pegava e sempre deixava em estoque as coisas, lá.
P1 (1:08:00) – Nossa! Então, você levava uma vida ‘puxada’, né?
R1 – Sim.
P1 (01:08:05) - Não tinha tempo para se divertir.
R1 - Não, eram poucas aas vezes, assim, que eu e ele saíamos, porque ele trabalhava em um horário e a gente trabalhava em outro.
P1 (01:08:16) P1 - E ele parou de treinar?
R1 – Ele parou de treinar um tempo. Só que aí, quando a gente estava na hamburgueria, ele ainda achava um tempo para treinar. Ele treinava assim: quando ele chegava da empresa ele ia direto para lá, para a academia, onde a gente treina. E ele ficava lá, treinando. Aí, quando chegava o primeiro pedido da hamburgueria, ele corria para a hamburgueria. Aí ele começava a trabalhar direto na hamburgueria.
P1 (01:08:36) – E qual era o seu objetivo?
R1 - Era conseguir ter uma renda boa, ter uma vida estável, uma vida financeira estável. Então, a gente investiu na hamburgueria até o último segundo que a gente pôde porque, quando a gente abriu pela primeira vez a hamburgueria, a gente tinha quatrocentos reais para abrir. Duzentos reais foram da chapa e duzentos a gente comprou de material. Foi ali quando a gente abriu pela primeira vez a hamburgueria. Daí em diante a gente foi ajustando as coisas, ajeitou uma geladeira, comprou os nossos utensílios, os materiais que eram necessários. E daí em diante...
P1 (1:09:14) - E a vida da sua mãe estava já um pouquinho mais encaminhada?
R1 – Estava. A minha mãe trabalhava e o meu padrasto também.
P1 (01:09:21) - Aqui na Hydro?
R1 – Hum-hum. Minha mãe trabalhava numa clínica. Aí ela saiu, foi na época que ela se operou e aí, depois, ela já ficou só com o meu padrasto trabalhando. Mas como morava só eles dois, que os meus irmãos tinham ido embora, aí já era mais tranquilo para eles.
P1 (1:09:37) - E aí, quando é que você foi fazer o técnico, que você entrou para o Jovem Aprendiz?
R1 - Eu me inscrevi no Jovem Aprendiz, eu estava trabalhando. Eu estava fazendo entrega como motoboy. E aí eu olhei a vaga e eu fiquei... todo ano eu me inscrevia, só que eu nunca passava por causa da minha idade, porque eu não tinha 18 ainda. Aí eu fiquei, fiquei. Aí eu falei: “Será que eu me inscrevo?” Aí eu fui e mandei irem fazer entrega e eu iria ficar lá, pra me inscrever. E eu fiquei me inscrevendo, fiz todinhos os processos, o primeiro processo da empresa e eu terminei e voltei a trabalhar. Passou dois dias, eu fui trabalhar em outra hamburgueria, que já foi na área da cozinha e aí, quando eu fui trabalhar nessa outra hamburgueria, eu não falei pra ninguém que eu tinha me inscrito ainda, só quem sabia era meu esposo, mas eu não tinha contado pra mais ninguém, porque eu fiquei assim: se eu não passar pelo menos eu não vou decepcionar ninguém, vai ficar só comigo e aí, quando eu passei pela primeira vez, eu falei pro meu padrasto: “Ei, eu passei no primeiro processo, eu tô fazendo a prova da empresa”. Aí eu fiz a prova da empresa, só que aí eu fiquei com receio de contar pra minha mãe e quando eu fui chamada para ir para dinâmica em grupo, que me mandaram o e-mail e a mensagem, eu peguei e fui falar para ela: “Olha, eu passei no programa da empresa, eu vou fazer a primeira entrevista”. Aí eu peguei e fui para o processo da empresa, minha mãe chorou demais, ela ficou chorando um tempão e aí o meu padrasto ficou muito feliz e eu falei: “Seja o que Deus quiser. Se for para ser, vai ser, eu vou entrar”. E quando foi o dia da dinâmica em grupo, eu me peguei com Nossa Senhora, falei: “Me ajuda, pelo amor de Deus, eu preciso disso”, porque mesmo que eu estivesse trabalhando em uma hamburgueria era muito ‘puxado’, porque eu saía muito tarde, era muito cansativo e por várias vezes, quando eu estava lavando toda a hamburgueria, tudinho, eu ficava chorando e eu falava: “Senhor, me dá uma oportunidade. Só uma oportunidade, que eu vou agarrar do jeito como eu puder”. E aí foi quando saiu a vaga da empresa e eu fui chamada pra vir. E aí aquilo foi o meu momento de refletir sobre o que eu queria. Porque, por mais que eu quisesse a gastronomia, a oportunidade que viesse eu iria agarrar. Seja qual fosse eu iria agarrar, seja sendo eletricista, porque eu tinha jogado pra ser operadora, porque o meu padrasto era operador. Então, eu falei: “Não, vou jogar pra ser operadora”. E aí ele não sabia que eu tinha jogado para ser operadora. Ele pensou que tinha jogado para ser ADM. E quando ele viu, ele falou: “Pra que tu jogou na empresa?” Eu falei: “Para operadora”. Aí ele falou: “Não, não acredito”. E aí ele falou para minha mãe. E aí foi quando eu passei mesmo, de fato, que eu fui assinar meu contrato, eles estavam tudo na frente do Senai, chorando, esperando porque, para eles, foi o maior momento que eu pude proporcionar para eles. Foi o meu primeiro dia que eu assinei meu contrato. E eu cheguei, eu mandei pra minha mãe, eu mostrei pra ela. Foi o meu momento também maior de alegria, porque eu não imaginava que eu ia passar assim. Tanta gente se inscrevendo e muita gente na dinâmica, fiquei: “Caramba, tem tanta gente que tem profissionalização, tem tudo e eu ainda não tinha o meu técnico, não estava, ainda, cursando. E aí tem tanta gente com tanta profissão aqui, eles não vão querer alguém que não tenha, além do inglês, nenhuma outra formação. E aí foi quando eu fui chamada para entrar na empresa.
P1 (01:13:13) – Quando isso aconteceu?
R1 - Isso aconteceu o dia que eu fui chamada pela primeira vez para assinar os contratos da empresa, foi dia 9 de dezembro do ano passado. Foi quando foi o meu primeiro dia que eu tive o real contato com a empresa.
P1 (01:13:28) – Então, 9 de dezembro de 2024?
R1 – Foi.
P1 (01:13:31) - Yasmim, por que você tentou entrar para Jovem Aprendiz?
R1 - Porque a área industrial sempre me chamou a atenção. Só que, quando a gente se inscreve, sendo jovem, numa empresa, eles só querem se você tiver experiência. E hoje em dia, para um jovem ter experiência sem oportunidade, nunca dá certo. Então, eu fui, eu trabalhava nessa hamburgueria, mas eu queria entrar em alguma empresa. E todo o tempo eu me inscrevi em diversos Jovens Aprendizes e nunca passava.
P1 (01:14:03) – Para outras?
R1 – Para outras empresas e nunca passava. Aí, quando eu vi o da Hydro, eu falei: “Essa é minha oportunidade. Eu vou trabalhar na empresa, eu vou fazer tudo e eu vou conseguir entrar”. E foi aí que eu fiquei. Eu fiquei tentando, tentando, tentando. E todo dia eu entrava no meu e-mail, para ver se não chegava alguma coisa.
P1 (01:14:19) – Mas qual que era a promessa? O que você via, de esperança? Por que entrar para uma empresa como a Alunorte?
R1 - Porque a Alunorte é tipo assim: quando você é de fora e não trabalha aqui, a Alunorte é o ponto mais alto da carreira que alguém pode ter. Quando você está na rua e você vê a Alunorte externamente, não sendo funcionário daqui, a Alunorte é vista lá fora como uma mãe. Ela é... trabalhar nela é o ponto mais alto que tu pode alcançar, de uma carreira industrial. Então, era esse o pensamento que eu tinha: “Eu preciso entrar na Alunorte. Eu preciso ter o meu primeiro passo empresarial, para depois eu entrar na Alunorte”. Então, sempre foi, assim, uma meta a alcançar, entrar aqui. Então, quando meu padrasto me falava, desde pequena, eu sempre quis tentar entrar aqui. E eu falei pro meu gestor, no dia que ele me entrevistou, que a Alunorte salvou a minha vida uma vez e que pra mim era o meu sonho adentrar aqui. Que foi no dia em que eu estava doente, ela salvou a minha vida naquele dia. Então, adentrar aqui era o mais alto dos meus sonhos. E quando eu fui no meu primeiro dia, dia 9 de dezembro, que eu fui assinar o contrato, quando eu saio do Senai, fui com meus pais na igreja e eu me desolei, comecei a chorar, agradeci, porque realmente aquilo era o que eu queria, era o que eu tinha pedido há um tempo. Então, quando a gente vê onde a gente chega e onde a gente pode chegar aqui dentro, é maravilhoso. Tu vê a Alunorte de fora. Quando foi a minha primeira entrada aqui, mesmo, no dia da nossa integração, a gente foi ver uma maquete que tem lá na frente. E nessa maquete a gente ficava: “Caramba, tudo tão pequenininho”. Só que, quando entra aqui é tudo tão grandioso, tão grande, tipo esplêndido, que tu fica impressionado com tudo que tu pode alcançar aqui dentro. Então, é algo que eu sempre sonhei, é o que eu sempre quis. E é a oportunidade que eu sempre pedi, tô agarrando com todas as forças que eu tenho e com tudo que eu consigo.
P1 (01:16:32) – Você falou, né, você é filha de Barcarena, então você conhece, ainda que escutando as histórias, qual era a imagem que você tinha dessa empresa quando ela começou a crescer, que ela chegou, trouxe tanta gente? O que seu padrasto falava?
R1 - Meu padrasto veio do Jari e ele começou a trabalhar em uma contratada e depois que ele passou para Alunorte. E ele sempre falou que a Alunorte era um dos melhores pontos trabalhistas que ele teve por que, além de trabalhar aqui há tanto tempo, ele sempre teve suporte da empresa. Então, ele sempre falava: “Olha, a Alunorte é assim, assim, assim, tem imenso suporte” e ele nunca, no entanto, pensou em sair daqui. Ele está aqui tem tanto tempo e ele não quer. E eu falava pra ele: “O dia que for pra eu entrar, eu vou entrar na empresa. O dia que eu completar 18 anos”. Ele falava: “Vai completar os 18 anos primeiro, vai fazer curso técnico”. No entanto que, quando... antes de eu a adentrar diretamente, de querer entrar na empresa, eu queria cursar Gastronomia fora do país e aí eu tentei de toda forma, falei assim: “Não está dando certo, é muito caro, eu vou ficar por aqui mesmo, vou fazer a faculdade que eu conseguir”. E quando eu vi que eu poderia entrar na Alunorte, que ela era totalmente grandiosa, eu agarrei qualquer oportunidade. E quando você escuta a história de fora, porque eu escuto história da Alunorte do meu avô e do meu padrasto. E o meu avô falava: Olha, Albras e Alunorte são duas empresas muito boas, o dia que for pra alguém entrar, que seja ali e tudo mais”. E o meu padrasto também. O meu padrasto, eu falo pra ele que ele é a pessoa que, se existe alguém mais apaixonado pela Alunorte que ele, a gente não conhece, porque tudo que ele puder falar do trabalho dele, falar do emprego dele, ele está falando, está mostrando. No entanto que, quando a gente vai, assim, passear, as coisas, ele sempre tem que levar alguma coisa da Alunorte, ele anda com alguma coisa ou dentro da bolsa, um chaveirinho, ou uma bola que ele tinha, que era da Alunorte e a gente sempre fala que ele é totalmente apaixonado pela Alunorte e a mamãe fala que ele acabou me contagiando e me trazendo para esse ramo e foi exatamente isso. A Alunorte é vista de fora como algo muito grandioso, ela é a maior. Então, em Barcarena, ela é vista como a maior. No entanto que Belém, em Abaetetuba, ela também é vista como a maior. A gente vê a Alunorte de fora e não imagina como é aqui dentro. Muita gente tem sonho de entrar aqui, tem vontade, quer trabalhar. E é algo que a gente mesmo, adolescente, jovem, quando vai entrando no mundo empresarial, vai olhando e vai falando: “Não, eu preciso daquilo. Eu tenho que dar jeito de entrar ali, tenho que me profissionalizar”. E quando eu adentrei aqui, o ‘seu’ Pedro, que é o coordenador do Jovem Aprendiz, falou pra gente: “O mundo dos jovens é cada dia mais profissionalizando. Se você não se profissionalizar, você não consegue chegar a lugar nenhum, porque você pode estar no mesmo local que alguma pessoa, mas se alguém tiver uma profissionalização maior que você, um estudo maior que você, a outra pessoa entra e é assim que o mercado que a gente trabalha”. Então, quando eu entrei, eu falei: “Eu vou me profissionalizar o máximo, eu vou fazer quantos cursos técnicos eu conseguir, quantos cursos eu puder eu vou estar fazendo, para ficar na empresa”. E hoje é isso que eu faço: eu estudo de tudo que é forma, no tempo que eu tenho, tentando fazer qualquer coisa, para agregar mais ainda conhecimento.
P1 (01:20:14) - Você já tinha entrado aqui antes?
R1 - Não, eu só vim até a portaria, porque algumas vezes a gente vinha buscar o meu padrasto. A maioria das vezes a minha mãe trazia eu e os meus irmãos. E a gente ficava lá, na portaria, admirando. E sempre via a torre de resfriamento de lá, da frente. E ficava naquilo e quando chegava em casa a gente perguntava para o meu padrasto. O meu padrasto mostrava foto de como era o trabalho dele, onde que ele trabalhava, como que era. E aquilo sempre foi brilhando os olhos e foi chamando a nossa atenção.
P1 (01:20:46) - E aí, no dia 9 de dezembro de 2024, você assinou o contrato aqui dentro?
R1 - Eu assinei no Senai.
P1 (01:20:52) - E quando é você pisou aqui?
R1 - A gente pisou em abril, acho. Não, abril não. Foi em fevereiro. A gente chegou ainda a passar um tempo no Senai. A gente veio para nossa integração. Se eu não me engano, foi fevereiro ou foi janeiro mesmo. E depois foi daí que a gente fez a nossa primeira integração. Só que como a turma de elétrica é a última a adentrar na empresa, a gente só veio a adentrar em abril.
P1 (01:21:19) – Então, você entrou para operações na parte de elétrica?
R1 - Eu entrei só por parte de elétrica, mesmo. Eu entrei como eletricista industrial.
P1 (01:21:26) – Mas você nunca tinha feito nada nessa área?
R1 - Nada. Foi o meu primeiro contato com elétrica, foi aqui. Eu nunca tive contato, assim. O meu padrasto fazia alguns trabalhinhos em casa, mas o único trabalho que eu sabia fazer com eletricidade era como apagar tudo. Colocando dois pontinhos de ferro, uma borracha e colocar na tomada. Era a única coisa que eu sabia fazer. E o restante nada.
P1 (01:21:53) - E quando te ofereceram, foi uma oferta, tipo: “Olha, o que temos é uma vaga na elétrica?” Como é que você chegou na elétrica?
R1 – Não. No dia da nossa entrevista em grupo, eles perguntaram pra gente se gente estaria apto a ir pra qualquer área ou se a gente tinha alguma área de preferência. Aí eu olhei e falei: “Não, eu não tenho área de preferência, mas eu prefiro áreas que eu possa ter trabalhos manuais, braçais, essas coisas”. E aí foi o que eles falaram só assim, dessa forma, com a gente. E foi o que a gente falou. A maioria das meninas optaram por ADM, queriam administração e foram poucas as que não queriam. E aí, quando eu descobri que eu estava na elétrica, foi no dia do meu exame admissional. Foi aqui na empresa. A gente veio para cá, entrou, foi no ambulatório e aí a moça falou. Uma das meninas que é da turma da elétrica também foi comigo, falou: “Olha, tu está na elétrica, comigo”. E ela foi todo o processo junto comigo também. Ela falou: “Tu está na elétrica”. Aí eu: “Na elétrica? Não queria elétrica, não sei como trabalhar em elétrica”. Aí a menina foi e falou: “Não, está eu e tu na elétrica”. Aí eu fui, entrei lá com a médica e quando ela assinou nossos exames, aí estava lá, aprendiz, eletricista industrial digestão. E aí eu fui e perguntei pra outra médica, eu falei: “Moça, que é digestão aqui?” Aí ela falou: “Eu não sei te dizer. Só vai descobrir quando tu entrar na planta”. E eu ficava aquele negócio: “O que é digestão, o que é digestão?” e ninguém falava, ninguém sabia explicar. Aí eu peguei e falei: “Caramba, se é elétrica, vou ver o que vai dar”. E aí, quando iniciou as aulas específicas de elétrica, aí que foi a minha paixão maior, porque eu vi que os conhecimentos que eu tinha me aprofundado no tempo de escola, que eu estudava pra caramba, são os que a gente estuda um pouco em elétrica, a gente estuda algo mais aprofundado, mas algumas coisas eram que eu tinha estudado na época de escola. Então, eu comecei a me apaixonar por elétrica. Fui, fui, fui, até que eu tô cursando faculdade.
P1 (01:23:59) - E por que você não queria administrativo? Você queria trabalhos mais manuais, braçais?
R1 - Porque eu sei mexer em computador, eu gosto de mexer computador, mas eu não acho que eu conseguiria passar metade do meu dia ou o meu dia todo na frente de um computador, trabalhando. O meu esposo é almoxarifado, ele trabalha na área de almoxarifado. E aí eu falo pra ele que eu não conseguiria, que eu surtaria, porque eu gosto de trabalhos manuais, de coisas que eu consiga usar a minha força, fazer esforço. Não só esforço mental, porque eu acho que aquilo em uma hora eu cansaria e aí foi por isso que eu queria qualquer área, menos administração.
P1 (01:24:45) - E você, em algum momento, não ficou preocupada se você ia gostar de elétrica?
R1 - Fiquei no início. No primeiro dia que a gente recebeu aqui o exame do ambulatório, eu fui pra casa e fiquei: “Caramba, e se eu não quiser elétrica, o que que eu vou fazer?” Aí eu falei pra minha mãe: “Mãe, e se elétrica não for pra mim?” Aí ela falou: “Se não for, tu vai descobrir”. Eu falei: “Mas e, se não for, o que eu vou fazer?” Aí ela falou: “Não, tu vai descobrir. Se tu não gostar, tu chega e tu vê o que que tu vai gostar. Mas pra ti saber se tu gosta ou não, tu precisa saber o que que é, precisa ver o que é”. E eu fui, fui pro Senai e aí, cada vez mais que ia tendo conteúdos específicos sobre elétrica e que eu comecei a pesquisar mais ainda, aí foi quando meu olho brilhou e eu falei: “Não, eu vou seguir nessa área, porque é assunto em que eu consigo entender e fazer, ‘botar’ em prática. E também elétrica tem trabalhos manuais, trabalhos que eu possa não ficar só dentro de uma sala, então eu falei: “É unir o útil e o agradável”.
P1 (01:25:52) - E o que te fez brilhar o olho? O que que você gosta, nessa área? Que é uma área diferente, né? Pra uma mulher, pra sua idade.
R1 - Eu gosto muito de matemática. Eu me dou muito bem com matemática. Na época da escola eu não me dava tão bem, no ensino fundamental, por aí. Mas eu ficava assim: “Caramba, se eu não sou boa em matemática, eu tenho que estudar mais matemática, até eu ficar boa”. E aí, assim, eu ficava indo, até eu ficar boa. No entanto que, quando eu iniciei no meu ensino médio, eu ainda não era tão boa em matemática. E aí as minhas notas eram muito baixas e aí eu conheci um professor que falou para mim: “Olha, se tu não é boa em matemática, tu estuda matemática até o último segundo”. Eu fui, fui, até que as minhas notas foram aumentando. Quando eu entrei em elétrica, eu vi que era muito matemática, que tinha muito cálculo, que tinha muita conta, mas o que tinha mais era conta de Física, essas coisas e Física também era muito boa. Eu só não era tão boa na área de contas. Eu falei: “Não, eu vou seguir nessa área, porque é uma área que é boa, ela te chama muita atenção, porque cada dia mais você vai descobrindo mais coisas. Quando você acha que sabe as coisas, aí vem mais coisas ainda pra ti estudar”. É uma área que ela sempre está em inovação, tanto elétrica, quanto automação.
P1 (01:27:06) – E aí, quando é você começou a estudar a faculdade?
R1 - Eu me inscrevi e, logo seguida, quando eu fui... em janeiro, foi janeiro, eu me inscrevi na faculdade. Aí eu fiquei assim, eu falei pra minha mãe: “Mãe, eu me inscrevi numa faculdade”. Aí ela falou: “Qual?” Eu falei: “Engenharia elétrica”. Aí ela falou assim: “Mas tu sabe se tu vai gostar de elétrica?” Aí eu falei assim: “Não, não sei”. Aí ela falou assim: “Então espera pra ti começar no segundo semestre, porque depois de agosto... até agosto não é possível que tu não vai saber se tu quer ou não”. Aí eu falei: “É, vou deixar pra começar em agosto”. Aí eu fui e joguei pro segundo semestre. E quando foi em junho agora, ela falou assim pra mim: “E aí, tu gostou ou não de elétrica? Tu vai começar na faculdade ou não?” Eu falei: “Não, vou começar na faculdade, vou fazer tudo certinho”. E aí eu ‘botei’ pra iniciar agora, no segundo semestre.
P1 (01:27:58) – Então, você ainda não começou.
R1 - Porque eu fiquei com aquele negócio. Eu comecei a fazer os cursos técnicos, já, de eletrotécnica e automação. Só que eu fiquei na minha cabeça tipo: “’Cara’, e se eu não gostar de elétrica e se eu não quiser esse ramo, eu vou pagar uma faculdade e vou parar? Não, eu vou começar uma faculdade quando eu tiver certeza”. Aí foi que eu tive certeza e eu dei continuidade.
P1 (01:28:20) – Então, você está trabalhando aqui na Alunorte desde fevereiro?
R1 – É. Aqui mesmo eu entrei em dezembro, mas eu tô mesmo desde que foi quando a gente passou as NRs, todos os procedimentos que a gente precisa ter, pra poder entrar na Alunorte. A gente veio em abril, março pra abril.
P1 (01:28:39) - E aí, como é que é a sua rotina, desde então?
R1 – Eu trabalho aqui, de manhã. Quando eu chego de tarde eu tenho um tempinho de descanso e depois eu vou trabalhar de novo, à noite, como motoboy. É uma rotina um pouco ‘puxada’. Eu estudo no meu tempinho de descanso. Eu faço os trabalhos quando é no Senai, que tem prova. Eu uso o tempo de tarde para estudar, mas a maioria das vezes é bem corrido.
P1 (01:29:09) - E a noite você trabalha de motoboy pra quem?
R1 - Para uma hamburgueria, em Barcarena.
P1 (01:29:15) - Pra ganhar um dinheirinho a mais?
R1 – É. Porque, como a gente está construindo, a gente precisa ter uma rentabilidade maior, porque tudo é caro hoje. Então, eu trabalho à noite, como motoboy, para ter uma renda e o trabalho de noite é para conseguir fazer com que a gente consiga construir nossa casa mais rápido.
P1 (01:29:34) - Você gosta de andar de moto?
R1 - Gosto. E tipo assim: a gente trabalha de noite, depois que eu comecei a trabalhar na Alunorte, eu comecei a diminuir mais um pouquinho meu tempo de trabalho de noite, porque eu fiquei com aquele medo: “Caramba, eu vou trabalhar muito tempo de noite e se eu chegar muito cansada na empresa?” Aí eu peguei e reduzi mais. Aí, como antes a gente chegava uma hora, duas horas em casa, do trabalho, agora a gente chega onze e meia, por aí, pra eu chegar, tomar banho e descansar.
P1 (01:30:03) – Você está falando a gente. É você e seu esposo? Cada um na sua moto?
R1 – É. A gente de vez quando é cada um na sua moto, em duas motos, ou às vezes a gente roda junto. Quando o meu sogro precisa da outra moto, a gente entrega e aí gente roda só em uma.
P1 (01:30:18) – E aí, aqui, o que você faz, no seu dia a dia? Me conta aí, pra eu tentar imaginar.
R1 - Eu acompanho o meu padrinho em alguns trabalhos, quando ele precisa verificar na área alguns equipamentos, alguns instrumentos. Aí eu vou junto com ele, eu faço as anotações, tudinho, para quando eu chegar em casa eu ver mais sobre aquele equipamento, eu aprender mais e, quando chegar no outro dia, ele me explicar tudo bonitinho o que eu não entendi.
P1 (01:30:42) - Quem é seu padrinho?
R1 - O nome do meu padrinho é Aniel.
P1 (01:30:46) - Por que padrinho?
R1 - Porque quando a gente está aqui na empresa a gente precisa ter alguém que acompanhe a gente todo o tempo, a gente não pode ficar sozinho e aí a própria empresa denominou tipo que a pessoa que acompanha a gente é um padrinho, porque ele vai te acompanhar do início ao fim do programa e aí ele que vai te passar tudo que tu precisa saber sobre a área, aí eu o acompanho. Quando ele não está eu acompanho alguma outra pessoa, pra conseguir ter ensinamento de pessoas diferentes.
P1 (01:31:15) – Yasmim, como é que foi vestir essa farda pela primeira vez?
R1 - Foi muito choro. Quando eu peguei a farda pela primeira vez eu me acabei no vestiário, chorando, porque era um sonho. No entanto que o meu padrasto tem foto de quando eu e meus irmãos eram pequenos e a gente vestia as fardas dele e saía desfilando pela casa e aí, quando eu vesti pela primeira vez, foi quando ‘caiu a minha ficha’ tipo: “Caramba, eu tô aqui dentro, eu tô fazendo, eu tô trilhando os meus próprios caminhos”. E aí foi muito choro, porque eu liguei pra minha mãe e eu falei: “Mãe, eu estou realizando o seu sonho e o meu. Eu estou fazendo por mim e pela senhora”. Aí foi muito choro no dia e muita felicidade, porque era uma ansiedade muito grande. Quase todo dia a gente mandava mensagem para o ‘seu’ Pedro, perguntando: “E o uniforme, quando é que chega é o uniforme? Não sei o que, cadê o uniforme?” Porque a nossa maior ansiedade era entrar, era vestir a fada, era trabalhar e fazer com que a gente pudesse sentir a emoção de estar aqui dentro, de fazer tudo acontecer.
P1 (01:32:22) - E o Jovem Aprendiz, me fala um pouquinho desse projeto. Ele tem um tempo específico?
R1 – Tem. O nosso tem um tempo específico: um ano e quatro meses. A gente inicia em dezembro e termina dia 1º de abril. E nesse meio tempo a gente fica alternando uma semana no Senai, uma semana aqui na empresa, conforme o calendário que eles determinaram manualmente. A gente tem muita aula também no Senai, muitas coisas específicas lá, que depois a gente põe em prática aqui. Aí juntam os dois conhecimentos que a gente aprende tanto na empresa, quanto no Senai.
P1 (01:32:54) - No Senai é o curso técnico?
R1 - É, é a área de aprendizagem mesmo. Desculpa, é a área de aprendiz, do estudo, em que eles passam todas as nossas teorias, tudo o que a gente precisa saber e aí, quando a gente vem pra empresa, a gente põe tudo prática. A gente vai, adentra na área, conhece tudinho, vê como é que feito, como que realmente é na parte prática. Lá é bastante teoria.
P1 (01:33:22) – E aí, junto com você entraram quantos?
R1 – Entrou cento e cinquenta jovens... cento e quarenta jovens, eu acho.
P1 (01:33:31) - E tem amigos seus, colegas da comunidade, daqui de Barcarena?
R1 – Tem, tem bastante gente de Barcarena, mas a maior parte mesmo é de Abaetetuba. Acho que 70% dos jovens são de Abaetetuba.
P1 (01:33:44) - Por quê?
R1 - Porque eles têm bastante abrangência, tanto de Barcarena, quanto de Abaetetuba. Teve bastante jovem de Barcarena que se inscreveu, que fez e alguns passaram. Tem bastante gente de Barcarena, mas a maior parte é tudo de Abaetetuba.
P1 (01:33:58) - Dos seus colegas, quando você conta para seus colegas da escola: “Tô lá!” Como é que é?
R1 - Eles ficam em estado de choque. Esses tempos eu encontrei uma amiga minha, do meu fundamental e ela falou: “Olha, o que tu está trabalhando, está trabalhando na Hydro?”. Eu falei: “É, tô trabalhando na Hydro”. Ela: “Caramba, eu não acredito”. E é sempre uma surpresa. Pra qualquer pessoa que entra aqui, quando fala que está aqui dentro, se torna uma surpresa lá fora. Porque é igual quando a criança vê um doce estampado numa vitrine. A criança quer aquilo, mas não sabe como chegar naquilo. E aí a realidade de muitos jovens de Barcarena. Eles têm o sonho de adentrar aqui dentro, mas não têm o caminho por onde chegar. E quando o Jovem Talento foi visto aqui, assim, com uma visibilidade boa, foi quando a gente viu que aquilo era possível. Foi quando a gente viu que dava para adentrar, que dava para entrar de uma forma mais fácil, que seria o Jovem Talento.
P1 (01:34:56) – E você tem pessoas que você se inspira? Tem outras mulheres na tua área?
R1 – Tem. Tem a Raliana e a Raiene. São as pessoas, as meninas são ‘feras’ na área de elétrica, elas são muito boas. E é também uma das mulheres que eu me inspiro. Também tem muitas mulheres aqui que, quando a gente entrou, elas deram entrevista pra gente, elas contaram sobre como era a carreira delas e são, também, muitas pessoas que a gente se inspira. Uma das pessoas que eu falo também que eu me inspiro aqui dentro é uma amiga do meu padrasto, ela era casada com meu tio também e ela trabalha aqui, ela é operadora e ela trabalha aqui tem muito tempo e aí ela também é uma das pessoas que me inspira como mulher. aqui.
P1 (01:35:42) - Como ela chama?
R1 - Beatriz Barbosa.
P1 (01:35:44) – E o que você quer para você, aqui dentro?
R1 - Eu quero crescer profissionalmente. Acho que o meu maior sonho é ter uma vida profissional boa. Olhar daqui uns vinte, dez anos e falar: “Caramba, minha vida profissional está ‘voando’”. E cada vez mais é isso, é me profissionalizar. Porque eu falo assim, que eu fui formada de mulheres fortes: a minha mãe, minha avó e a minha tia e todas elas, sempre que tiveram uma oportunidade, souberam aproveitar as suas oportunidades e, como eu as tenho por trás de mim, eu falo assim: “Eu preciso ser o orgulho delas, para daqui uns anos elas olharem e falarem: ‘Caramba, olha, eu tô com orgulho de você, você cresceu’”. E é basicamente isso que eu quero daqui uns anos, aqui dentro. Eu quero olhar para mim mesma e me orgulhar do que eu fiz e de como eu cheguei aqui porque, literalmente, eu estou iniciando do zero a minha vida industrial. Então, eu quero ter orgulho de começar tudo da forma boa, forma justa e honesta.
P1 (01:36:52) – E você tem contato com funcionários que estão aqui desde o começo? Não só o seu padrasto. Aqui dentro você conheceu pessoas que estão nesses trinta anos trabalhando aqui?
R1 - Tem o ‘seu’ Pedro, que é o nosso coordenador da Alunorte. Eu não tenho a certeza se ele está aqui os trinta anos, mas ele falou que ele está aqui desde o início, quando ele veio do Albras para cá. E eu falei para ele até que ele é uma das minhas inspirações, porque ele está aqui desde o início. Ele fala da Alunorte também muito, tipo: é tudo muito bonito. Ele fala com muito orgulho, então aquilo chama a gente. Na primeira vez que a gente teve contato com ele, ele falou tudo da Alunorte, ele contou a história dele, então aquilo foi muito, muito grandioso pra gente. Foi algo que a gente olhou e falou assim: “Caramba, é assim que eu quero falar daqui uns anos, é assim que eu quero ser daqui uns anos”. E aí, toda vez quando eu o via nas palestras, falava pra ele: “Quero ficar igual o senhor, quero enraizar aqui também”. E é algo que a gente - que pelo menos eu e as outras meninas, algumas meninas da minha sala também – pensamos: se profissionalizar cada vez mais, para ficar aqui daqui uns bons tempos.
P1 (01:38:07) - E tem outras meninas? Você falou que tinha uma colega junto com você, na parte de elétrica?
R1 - A elétrica só tem... são 25 alunos. Dois são meninos, o restante é tudo mulher. São 23 mulheres. Saiu uma menina, porque ela passou na faculdade, então hoje a gente é 22 mulheres. É tudo mulher na área de elétrica. Todas as áreas assim: elétrica, mecânica, operação e ADM, é tudo... a maioria é tudo mulher. São poucas as turmas que têm mais homens do que mulheres, são quase todas as salas, mulheres.
P1 (01:38:47) – O que você acha disso?
R1 - É algo perfeito, porque tipo assim: a gente levou muito tempo para conseguir o nosso espaço. Hoje... a minha avó sempre me falou assim que, para uma mulher chegar num posto alto era muito difícil e a minha mãe também me falou que antigamente o trabalho dela era pago um valor a menos do que o trabalho de um homem que fazia o mesmo trabalho que ela. Então, é algo que a gente sempre lutou. Pessoas por trás da gente lutaram para que isso acontecesse e quando eu vejo assim, que a Alunorte abrange outras mulheres, que ela faz com que outras mulheres sejam vistas e ganham seu espaço, porque antigamente o ‘seu’ Pedro conta que, quando a Alunorte iniciou, só tinham algumas mulheres, que eram as secretárias dos chefes e só eram secretárias, o restante era tudo homem. Então, hoje você vê uma mulher que é supervisora, uma mulher que é gerente, até mesmo a antiga dona da Alunorte era uma mulher, a antiga CEO, então a gente olha isso hoje e vê: “Caramba, eu posso chegar, eu tenho local para eu chegar, eu posso alcançar onde eu sonhar. Só basta a gente querer, a gente lutar por aquilo”. Então, hoje, acho que assim: a Alunorte tem um espaço muito grande para a mulher e ela faz com que a mulher se sinta acolhida aqui dentro e saiba que ela pode chegar em qualquer lugar, porque hoje, quando a gente entrou no Jovem Aprendiz, a gente viu a quantidade de mulheres e quando eu entrei na nossa sala de elétrica, eu olhei e falei: “Caramba, é tudo mulher!” E até as próprias meninas falaram: “Olha, só dois ‘bendito ao fruto’”. E é muito grandioso tu ver que tem muita mulher, que muita mulher está indo para operação, está indo para a elétrica, está indo para a mecânica, ganhando seu espaço. Porque antigamente era só mulher na administração, não tinha mulher em outras áreas. Até mesmo externamente, fora daqui, tem muitas mulheres que estão sendo caminhoneiras, estão sendo motoristas de ônibus. No entanto, que tem uma das motoristas que é mulher, dos ônibus do Jovem Aprendiz. Isso é muito grandioso, ver a mulher conseguindo seu espaço e ganhando tudo que sempre foi sonho de outras mulheres atrás da gente, é muito bom.
P1 (01:40:56) - Você está aqui há pouco tempo, mas você já viveu alguma coisa que te marcou, que você ficou muito feliz, que você levou lá, para contar para o seu esposo, pra sua mãe?
R1 - Eu acho que todas as vezes assim, quando eu chego casa, depois que eu saio daqui, a gente sempre senta pra... eu sempre vou, a maioria das vezes eu almoço em casa. Então, eu sempre, quando gente está no almoço, vai falando sobre trabalho, vai contando. E eu acho que, assim: todos os momentos que eu tô vivendo aqui até hoje são marcantes pra mim, porque tudo é novo, toda vez é um equipamento diferente, toda vez é alguma coisa pra calibrar diferente. É alguma coisa que tipo: vai marcando e tu vai buscando aquilo. Então, toda vez é muito grandioso. Acho que o meu momento mais marcante mesmo aqui dentro foi a primeira vez que eu conheci a sala do meu padrasto. Foi no dia que eu vim na automação e aí eu entrei na sala que ele trabalha, para pegar as informações para automatizar um equipamento e eu olhei aquela sala e falei: “Caramba, é a minha infância que eu estou vendo na minha frente”, porque ele sempre levava foto dele sentado na cadeira, com as telas, vendo tudinho e quando eu entrei pela primeira vez foi o meu momento mais marcante. E quando eu cheguei casa eu falei pra ele: “Eu entrei sua sala, eu vi sua sala” e foi todo um alvoroço porque, realmente, quando a gente é criança, a gente vê alguma coisa ali, quando a gente se torna adulto, a gente enxerga aquilo pessoalmente é grandioso, a gente retorna nosso momento de criança, vem aquela lembrança genuína, a infância e tu sente o gostinho de ser criança de novo, o gostinho de se deslumbrar com alguma coisa.
P1 (01:42:28) - Você já encontrou com ele aqui?
R1 - Já. Quando eu estava saindo, estava indo mudar de roupa, aí eu o vi pelo meio do caminho. E eu comecei a chorar de um lado e ele começou a chorar do outro. E toda vez que a gente se esbarra por aqui, é sempre um momento de felicidade, porque a gente está trabalhando em áreas diferentes, setores diferentes, mas eu consigo ver que ele e minha mãe conseguiram realizar um dos sonhos, que é ver os filhos trabalhando, ver os filhos formados, ver os filhos bem. E aí é um dos sonhos que eles tinham e eu estou conseguindo realizar. Meus outros irmãos ainda vão realizar, ainda vão chegar nesse momento, mas é um dos pontos que eles estão... eu vejo felicidade neles e eu fico feliz por estar fazendo-os felizes também.
P1 (01:43:15) – E o que você está planejando, então, daqui para frente, na tua história?
R1 - Eu quero finalizar minha faculdade.
P1 (01:43:23) - Quer começar?
R1 – Iniciar e finalizar minha faculdade e finalizar meus cursos, que eu quero me profissionalizar muito em elétrica e automação. Porque, por mais que eu goste de TI, o meu padrinho é fascinado por TI e ele me mostrou isso, por mais que eu goste, eu quero entender um pouco mais, porque é muito complexo. É muito complexo você estudar, você se dedicar porque, quando você está com a cabeça nos estudos, é difícil entender algo, pegar o macete, para dominar aquele assunto. Então, daqui uns anos eu quero justamente isso: quero me profissionalizar, crescer na minha área, eu quero olhar assim e falar: “Não, olha, eu estou de um jeito que eu sempre sonhei, eu estou vivendo o que eu sempre sonhei, eu estou proporcionando para minha família tudo que eu posso proporcionar”.
P1 (01:44:14) – E quando você é Jovem Aprendiz, você tem a chance de já ser funcionária Alunorte assim que acaba? Como é que é?
R1 - Assim, pelo que o ‘seu’ Pedro explicou pra gente, quando você finaliza o Jovem Aprendiz você faz o seu contrato de demissão, tudinho e após uns meses, caso a empresa vê o seu esforço e tudo mais, você pode ser efetivado, caso surgir alguma vaga. Eu tenho uma conhecida que ela era Jovem Aprendiz e ela foi efetivada.
P1 (01:44:44) - Mas é sempre como estágio, ou não?
R1 - Não, entra como efetivada normal, porque já tenho a experiência do programa e, se tiver o curso técnico, também ajuda muito.
P1 (01:44:54) - E como Jovem Aprendiz você tem benefícios?
R1 - Temos. A gente tem o ticket alimentação, que é o mesmo valor dos efetivados normais da empresa. A gente tem o ônibus, que deixa a gente na parada perto de casa. Tem acesso à área de lazer da empresa. A gente tem acesso a alguns benefícios: questão de academia e plano de saúde. A gente tem bastante benefícios, assim.
P1 (01:45:22) – E eles estão te ajudando?
R1 – Sim, muito. Eu acho que principalmente o plano de saúde, porque ‘vira e mexe’ eu tenho que estar no hospital, tenho que estar me consultando, tenho que estar vendo se está tudo bem, então ajuda muito, muito mesmo e a questão do nosso transporte eu acho que, assim, nenhuma outra empresa disponibiliza ônibus para Jovem Aprendiz. No entanto que o pessoal do Senai é de outras empresas e eles não têm ônibus e o nosso ônibus busca a gente no Senai, busca a gente na empresa, deixa a gente bem pertinho de casa. Então, isso também é um dos melhores benefícios que a gente tem, que a empresa pode proporcionar para a gente, é a questão do ônibus.
P1 (01:46:02) - E você sente que está aprendendo bastante?
R1 – Sinto. Eu acho que a empresa te dá muito conhecimento, vai de você saber usufruir e usar aqueles conhecimentos para seu próprio benefício porque, quando a gente entrou aqui, quando eu entrei aqui eu fui para a área e eu conheci meu padrinho e tudo mais e uns dias depois eu fui para a área com ele. Ele me ensinou muita coisa. Não só ele, quanto as outras pessoas da área porque, por mais que você tenha um padrinho, todas as pessoas da sua área te ajudam e agregam conhecimento em você, tipo: se você quiser todos os conhecimentos que eles têm, eles vão te agregar e aí todo mundo da área é super acolhedor e estão ensinando a gente. Quando o meu padrinho não está disponível, sou eu e mais outras três meninas da minha área e aí eles ajudam a gente, se juntam, explicam tudo que tem para explicar, mostram equipamentos, mostram algumas outras coisas que a gente possa não ter visto e é um conhecimento tipo muito grande. Ela te joga conhecimento e vai de você pegar todos os que você quer e todos os que vão te agregar na tua carreira.
P1 (01:47:13) - E, Yasmim, você me trouxe pontos muito importantes da sua vida, né? Você está construindo uma casa, você perdeu um bebezinho. Quais são os próximos passos para a sua vida pessoal, também?
R1 - Eu acho que na minha vida pessoal, assim, eu quero finalizar minha casa, quero estabilizar a minha casa, a minha vida, para que eu possa levar em diante, porque eu não citei, mas eu e meu esposo estamos adotando uma menina de 15 anos, vai fazer 16 anos e a gente a está adotando, que é irmã dele e aí, devido a uma confusão da mãe dela, o pai dele também não quis ficar com ela, então a gente a pegou e está criando-a desde os 14 anos dela, ou 15 anos. Desde os 14. E aí a gente está criando-a, dando todos os passos, para que ela possa seguir uma vida boa também. Daqui uns anos, na minha vida pessoal eu quero me estruturar. Daqui uns dois, três anos eu quero poder conseguir engravidar novamente, ter um bebê e poder dar para minha família tudo que eu sempre quis, que eu sempre pensei, que eu sempre sonhei.
P1 (01:48:29) - Qual o nome dela?
R1 – Sabrina.
P1 (01:48:32) - Quando você fala que a gente está adotando é de que forma?
R1 - Porque a gente está na Justiça. para conseguir a guarda dela. Porque como a mãe dela tem problemas mentais, ela acabou tentando matá-la. Então, foi muita coisa desde a infância dela, que a mãe dela fazia, só que a gente sempre deixou passar. E quando foi um dia, ela foi e pediu ajuda. Ela falou que ela não aguentava mais, que ela precisava de ajuda. E foi nesse dia que eu falei pra ela: “Olha, já que tu quer vir, eu vou te pegar, mas vai ser de ‘papel passado’. Eu não quero nada para depois eu ter dor de cabeça mais lá na frente”. Então, eu fui na Defensoria, fui na Justiça e hoje a está com processo com ela, para conseguir a guarda dela definitivamente.
P1 (01:49:17) - E isso parece um pouco a história da sua própria mãe, que ajudou tantos outros, né?
R1 - Sim, quando a gente a pegou, eu liguei pro pai dela, eu e meu esposo, a gente ligou pro pai dela, que também é o pai dele e a gente falou: “Olha, está acontecendo isso, isso e isso, é isso que a mãe da Sabrina fez, é isso que está acontecendo há tanto tempo”. E ele já sabia o que acontecia com ela. E aí a gente pegou, conversou com ele e ele falou: “Olha, eu não quero ficar com ela. Se vocês quiserem adotar, vocês adotem”. E aí eu olhei pra cara do meu esposo e falei: “Não, a gente vai adotar”. E a gente ainda não tinha casado, nem nada. Aí eu olhei pra ele e falei: “Não, a gente vai adotar. Pega ela”. E aí foi quando ela já ficou em casa direto, aí a mãe dela me ameaçou, a gente brigou muito. Hoje eu não tenho nenhum contato com a mãe dela, a gente só fala mesmo se for pela Justiça, ou por ela, mas fora isso a gente não se fala e aí foi quando eu a peguei e comecei a criar.
P1 (01:50:15) – Ela mora com vocês?
R1 – Mora com a gente. Ela vai passar somente finais de semana com a mãe. Ela passa um, dois dias e já tem que vir.
P1 (01:50:24) – Como é que é a Yasmim hoje, aos 19 anos, com toda essa bagagem?
R1 - Eu acho que eu digo assim: que eu posso olhar pra mim e ter orgulho porque, quando eu era criança eu não sabia que toda a dor, todo o sofrimento e tudo que eu passei, tudo que eu carrego comigo iriam me trazer bons frutos. Uma vez uma pastora me disse assim: que, se a gente pudesse ver no nosso momento de dor o que espera a gente lá na frente, a gente não reclamaria tanto do momento de dor, a gente não sofreria, não se martirizaria tanto no momento de dor, se a gente soubesse o que espera a gente de bom, lá na frente. Então, quando eu pude entender isso e eu pude ‘botar’ isso na minha vida, eu pude olhar e falar: “Caramba! Hoje, se eu não tivesse passado por tudo que eu passei, se eu não tivesse sofrido tudo que eu sofri, eu não seria a mulher forte que eu sou hoje, eu não teria a determinação que eu sou hoje. Eu acho que, assim, muita coisa mudaria na minha vida, se eu não tivesse passado por tudo isso. Mas hoje eu agradeço a Deus por tudo que eu passei, para que eu pudesse ser quem eu sou hoje, para que eu pudesse ter a minha determinação, para que eu pudesse ser formada da forma como eu fui, porque cada um da minha família tem uma particularidade diferente e cada uma dessas particularidades foi o que me formaram. Os meus avós... meu avô é diferente da minha avó. São mundos completamente diferentes. E o meu padrinho e a minha madrinha também. Então, cada uma da particularidade deles eu carrego comigo. Eu falo para o meu sobrinho e para a minha sobrinha que cada pessoa é formada de cacos e cada um dos cacos vão se juntando e vão formando a personalidade da pessoa. Porque, por mais que ninguém saiba da sua história, por mais que ninguém sabe o que tu passou, só a pessoa vai saber, só a pessoa entende o que ela passou naquele meio tempo e só ela sabe onde que dói e onde que não dói e onde que ela pode se reconstruir. Então, cada pessoa é formada de cacos, ela é formada de pedaços, que ninguém nunca vai saber. Tem coisas que a gente só guarda pra gente, ninguém nunca vai saber, é guardada a sete chaves. Mas quando a gente se forma um ser humano é dessa forma, com particularidade de cada pessoa que passa na nossa vida. Ninguém passa em vão, você não conhece ninguém despretensiosamente. Alguma coisa aquela pessoa vai ter que te ensinar, para que você possa agregar na sua vida.
P1 (01:53:00) - E o que é importante para você, hoje?
R1 – Eu acho que, pra mim, o que é importante é a minha família. Eu falo assim, que eu posso ir a qualquer lugar, mas eu jamais vou esquecer de onde que eu vim e pra onde que eu quero ir. Porque, independente se eu vá pra outro local, são eles que eu quero levar comigo. É a minha família. A minha parte mais emotiva vem da minha família. Então, eles são literalmente tudo. Eles são a minha base, eles são o meu pilar. Porque se eu, há uns anos, tivesse dado certo as minhas coisas ruins e eu não tivesse mais hoje, aqui, talvez a minha família estivesse sofrendo, eu não tivesse dado o orgulho que eu dei hoje, para eles. Então, eles são literalmente a minha base. Tudo que eu tenho, tudo que eu vim e tudo que eu sou hoje, que eu posso construir, vem de toda a minha família, vem do conjunto de pessoas que me trouxeram, que me fizeram acreditar em mim mesma.
P1 (01:54:01) - Hoje você acredita?
R1 - Acredito. De vez quando ainda vem os pensamentos negativos, vem aquela sensação: “Meu Deus, será que eu tô no caminho certo? Será que eu posso?” E tem horas que você, tipo assim: eu, às vezes, me pego muito pensando assim: “Será que eu vou conseguir? Será que isso é pra mim, mesmo?” Só que, automaticamente, eu chego com Deus e falo: “Senhor, me mostra alguma coisa, pra que me confirme que eu tô no caminho certo”. E aí vem alguma coisa, vem outra. E quando eu estava muito chateada e eu pensei em desistir de tudo, eu cheguei com Deus e eu falei: “Senhor, me mostra algum caminho” - isso perto do dia do meu aniversário – “Eu preciso de alguma coisa, pra que eu saiba que eu tô no caminho certo, pra que eu saiba que eu posso seguir. Eu não quero dar ‘murro ponta de faca’”. E foi quando a Renise me mandou mensagem, a Renise falou: “Ei, tu já olhou teu e-mail?” Aí eu olhei e falei assim: “Meu e-mail? O que tem no meu e-mail?” E eu comecei a ‘endoidar’, porque era meu e-mail empresarial e eu não conseguiria abrir fora daqui, aí eu falei pra ela: “Renise, pelo amor de Deus, me dá alguma luz”. E foi quando ela enviou a mensagem do Museu e aí eu comecei a chorar e eu olhei pro meu esposo e falei: “Caramba, eu pedi pra Deus o sinal e Deus me deu um sinal que eu já tinha pedido há uns dias”. Aí ele virou para mim e falou assim: “Tu já percebeu que tudo que tu pede, tudo que tu pede em oração, ou que qualquer pessoa pede em oração, uns bons anos atrás ou dias atrás, ela chega em um local que ela olha assim, que era a oração dela”. Há anos eu pedi uma oportunidade e hoje eu estou na oportunidade que eu pedi para Deus. Pode ser que eu não perceba, ou que a outra pessoa não perceba, mas tudo que ela pede em oração há uns anos acaba se concretizando. Ela só precisa ter tempo, só precisa ter o tempo de Deus, que às vezes não é o nosso tempo, a gente é desesperado e quer tudo no nosso tempo, do nosso jeito, mas os planos de Deus sempre vão acima do nosso, eles sempre vão além do que a gente pode imaginar e é isso que acontece na vida de qualquer ser humano. Se a gente não tiver turbulência, se a gente não tiver sofrimentos, de que vai adiantar a nossa vida? Uma vida pacífica, uma vida boa, que não tem nenhum problema, que tu não vai ter nada pra ti resolver, ficar no teu conforto, na tua zona de ficar ali, de não querer nada, de não se esforçar para nada. A vida precisa disso, de uma aventura, de um sofrimento, de uma dor, para que você possa florescer e crescer cada vez mais.
P1 (01:56:34) - Esses aprendizados, você acha que você aprendeu com quem?
R1 - Eu digo assim, que eu aprendi muito com meu avô, porque o meu avô é muito pacífico, muito, muito. Chegar com ele é uma calmaria imensa. Já minha avó é totalmente o oposto do meu avô. Ela não é calmaria, ela é totalmente estressada. Ela é determinada, ela quer as coisas naquela hora, se não for do jeito dela, não é. Então, tipo assim: tudo que eu aprendi vem num pedacinho de cada. Vem da paciência do meu avô, vem da determinação da minha avó, da força da minha mãe, da coragem da minha madrinha, da felicidade do meu irmão, da força de vontade do meu padrasto, de tudo isso vem um pouquinho de cada. E o que eu mais aprendi ao longo desses anos, dos meus 17 para cá, foi muito com o meu esposo também, porque ele é um ser humano que acredita muito em Deus. E eu falo para ele que boa parte da minha fé foi sendo concretizada dele e da minha mãe. Então, tudo que eu sou hoje é um pedacinho de cada, é um pouquinho de cada um. Então, eu acredito assim, que tudo que eu vi, eu vivi, eu aprendi, veio de cada um deles, veio um pedacinho de cada. Por mais que eu não tenha tido tanto contato com alguns tios e tudo mais, mas algum aprendizado que eles me deram eu soube usufruir, porque quando a gente tem contato com outras pessoas, quando a gente tem uma família muito grande, uma vida muito grande também, a gente precisa olhar e saber filtrar o que a gente quer, usufruir e o que a gente não quer. Porque quando você é adolescente vem uma enxurrada de informações. Só que o adolescente não sabe filtrar as informações boas e as informações ruins. Ele sempre vai pelo caminho mais fácil. E quando você se torna jovem, tu olha para a sua adolescência, para a sua infância e tu vai filtrar o que você tu quer de bom e o que tu não quer. O que tu quer deixar ali, guardado, não quer levar pra canto nenhum e o que tu quer levar pra tua vida. E é exatamente isso que eu sou hoje. Eu sou formada de tudo que eu passei, de tudo que eu vivi e tudo que eu tenho pra viver ainda é o que vai me formar como uma adulta, uma senhora e tudo mais.
P1 (01:59:00) - Quando você era menor, você até pensou em fazer Gastronomia fora do Brasil. Você pensou em vários caminhos. Qual é o caminho que você pensa agora?
R1 - É cursar a minha Engenharia Elétrica e seguir em alguma área industrial. Daqui um tempo, quem sabe alguns anos, eu poder cursar uma faculdade fora do país.
P1 (01:59:20) – Mas você quer continuar em Barcarena, fazer sua vida em Barcarena?
R1 - Até determinado momento sim, porque o meu sonho mesmo de infância era conhecer a Suíça, ir para lá e cursar. Só que, como a faculdade lá também é um pouco cara, então eu quero ao menos ir conhecer. Então, por mais que a minha vida eu queira estruturar em Barcarena, eu queira crescer aqui, eu tenho vontade de conhecer outros lugares.
P1 (01:59:44) – Mas aí é passeio, também?
R1 - É, de chegar em outros locais. Então, acho que a minha vida estrutural vai ser em Barcarena, vai ser terminando minha faculdade, cursando tudinho, cursando os meus técnicos, fazendo tudo com que eu consiga ter uma vida estável, para depois eu poder proporcionar outras coisas.
P1 (02:00:03) - E você falou que você queria muito ser a luz da sua mãe, ajudar sua mãe. Como é que é isso hoje, pra você?
R1 – É muito gratificante porque, assim, quando você ser criança, quando eu era criança a minha mãe tinha muito aquele negócio de não pode comprar, porque a gente está passando por isso, a gente tem isso e não sei o quê. E a minha mãe, quando ela começou a trabalhar, ela chegava eu estava dormindo e saía eu estava dormindo, então eram raras as vezes que eu a via e eu sempre a via trabalhando, ela andava a Vila todinha de uma bicicletinha, correndo atrás de paciente. Então, aquilo eu olhava e falava: “Não, olha, eu vou ser a sua luz, eu vou lhe ajudar”. E hoje, quando eu vejo assim que ela precisa de alguma coisa e que eu posso ajudá-la, que eu posso proporcionar alguma coisa que ela quer muito, isso daí, pra mim, é o meu maior momento de alegria, porque eu posso olhar pra ele e falar: “Olha, faz o que a senhora quiser, isso aqui é seu, isso aqui é pra lhe ajudar”. É algo que eu vejo como meu maior momento de alegria.
P1 (02:01:03) – Já aconteceu?
R1 – A minha mãe sempre deu preferência pras coisas de casa. Ela nunca se deu preferência. Então, acho que o meu maior momento de alegria foi quando levei minha mãe pra se ajeitar. Pra ir ajeitar as sobrancelhas, os cílios, ir no salão. Então, isso, pra mim, é o meu maior momento de alegria, porque eu consigo ver a minha mãe feliz e consigo vê-la bem consigo mesma. Ver a autoestima dela boa, vê-la feliz. É dos meus maiores momentos, assim, que pra mim nada paga.
P1 (02:01:38) - E isso você conseguiu fazer quando? Esse ano?
R1 - Esse ano, depois que eu comecei a trabalhar aqui. Foi quando eu consegui, logo depois que eu fui efetivada, perto do Natal eu a levei pra fazer a sobrancelha e os cílios. Aí ela ficou muito feliz, porque ela nunca... se dava ao luxo, mas era muito raro, muito raro mesmo, porque ela sempre pensava assim: “Se eu tirar daqui vai faltar aqui, então eu prefiro que falte pra mim, do que faltar pra todo mundo”. Então, foi quando eu acho que eu pude dar esse luxo pra ela e eu fiquei muito, muito feliz, porque era algo que ela queria, era algo que ela almejava. Para mim conquistá-la e fazer com que ela se sinta bem, para mim é a melhor coisa.
P1 (02:02:21) - A gente está chegando no fim, Yasmin, eu queria que você me dissesse o que para você é muito importante sendo Jovem Aprendiz e o que você falaria para outros jovens que talvez sonhem com essa posição.
R1 - Eu acho que é nunca desistir. Quando você é jovem, tem muito aquela ideia de: “Qualquer coisa eu vou ‘pular fora’, qualquer coisa eu desisto, eu vou seguir outro caminho”. Mas quando o caminho é árduo, é dificultoso, ele se torna melhor. A parte boa dele vai chegar, a glória dele vai chegar e vai ser muito grandioso. Então, eu acho que os jovens de Barcarena não podem desistir do que eles querem. Eles têm que sonhar e sonhar alto mesmo, porque quando você é jovem e você sonha alto, você tem aquele negócio de ser jogado para baixo: “Você está sonhando muito alto, está ficando doida?” E isso hoje, ser jovem, é muito taxado. O jovem é visto como um ser humano de sete cabeças. Ele é improvável, é impulsivo e muitos jovens não querem seguir alguns rumos, porque eles acham dificultoso e eu acho que, quando a gente tem um sonho, a gente tem que lutar por ele. Você só consegue algo se você lutar. E os jovens têm que ser exatamente assim: eles têm que lutar por algo. Porque a maioria dos jovens hoje, os adolescentes que vão se tornar jovens estão chegando na era tecnológica. É a era que tu pode se profissionalizar pelo celular, pela internet. Então, é a era que eles podem olhar para si mesmos e usar aquilo lá a seu favor. A ser melhor todo dia, a lutar pelo que eles querem e não só deixar com que ‘caia tudo do céu’.
P1 (02:04:03) - E pra você o que significa ser uma jovem fazendo parte dos trinta anos da empresa que você trabalha?
R1 - É algo que eu nunca esperava e é uma realização de um sonho, porque se chegar pra contar minha história, algo que eu acho que, assim, não era contado pra ninguém, não era exposto, eu acho que é gratificante e fazer parte dos trinta anos da Alunorte é uma coisa mais grandiosa ainda, porque eu me sinto que eu pertenço, que eu tenho meu lugar, que eu posso olhar e falar: “Não, olha, eu pertenci a isso aqui”. Pra daqui uns anos eu olhar pra os meus filhos, para os meus netos, para qualquer outra pessoa e falar: “Eu pertenci àquilo, eu fiz parte daquilo”. E é gratificante. Eu acho que qualquer pessoa que está aqui há muito tempo, algumas pessoas que já têm mais anos aqui se sentem pertencentes. E hoje, tu ser um Jovem Aprendiz que participa dos trinta anos da Alunorte, eu acho que é a maior gratificação possível, porque eu me sinto pertencente a algo. Eu sinto que eu consigo fazer a diferença, que eu tenho voz para mudar alguma coisa, que eu consigo inspirar outras pessoas, porque muita gente passa por problemas, muita gente tem sonhos que se abdicam por conta de sobrevivência. Então, quando a gente realiza um sonho e faz parte de algo muito grandioso, pra gente se ‘espadece’ o gratificante. É algo que a gente pode olhar e pensar assim: “Caramba, isso daí eu posso dizer que eu consegui, eu cheguei a um sonho, eu realizei algo”.
P1 (02:05:37) – Como é que você se sentiu abrindo aqui teu coração, contando a sua história e sabendo que ela vai ficar arquivada, ela vai estar lá, disponível, no Museu da Pessoa?
R1 - Eu acho que eu nunca imaginei ter a minha história exposta em algo, porque é algo que só minha família sabia. São poucas pessoas que sabiam o que tinha acontecido comigo, que conhecem a minha história. Então, é algo que eu olho assim e penso: “Caramba, pode ser que alguém pode ter passado por algo parecido e pode estar no ‘fundo do poço’, pode não saber o que fazer, mas pode ver algo assim e pode pensar assim: “Caramba, se alguma pessoa conseguiu, eu posso conseguir”. Eu levo isso muito também no caratê porque, quando a gente é atleta, a gente se depara com crianças, com pessoas que não conhecem o caratê ainda, elas ficam deslumbradas. E pensam assim: “Caramba, se ele chegou num pódio, se ele chegou num ponto alto, eu também posso chegar”. E é exatamente isso que eu levo para a minha vida: se eu consigo inspirar outras pessoas, isso para mim vai ser o meu maior momento de vitória, porque a minha história pode ser dolorida para mim e a história de outra pessoa pode ser dolorida para ela, mas algumas coisas dessas histórias podem ser que inspirem outras e podem ser que ajudem outras mulheres, ajudem outras pessoas, para fazer com que elas possam se sentir pertencentes, para saber que tudo é passageiro e pode ser que leve dez, vinte, trinta anos, mas em algum momento aquela dor vai passar e ela vai se tornar algo que vai ficar marcado, vai, mas vai ser algo que vai te dar uma experiência e vai te olhar... você vai olhar para si mesma e vai falar assim: “Caramba, se tudo isso aconteceu é graças ao que eu sou hoje”. Porque eu falo assim para minha mãe, que hoje eu olho para mim e eu posso dizer que eu sou forte e que eu consigo chegar a qualquer lugar, que eu consigo ser o que eu quiser ser, porque eu soube como lidar com os meus problemas. E eu tenho certeza que outras pessoas sabem lidar e que tem muita gente que foi inspiradora, no Museu da Pessoa. E eu tenho certeza que cada uma dessas histórias vão fazer com que fique marcado, com que ajude outras pessoas. Por mais que a pessoa possa falar: “Minha história é tão ruim, não quero contar”. Mas em algum momento aquela história ruim outra pessoa vai olhar e vai falar: “Caramba, aquela pessoa foi forte pra caramba. Olha, eu te admiro, porque eu não sabia que tu tinha passado por isso”. E isso se torna, faz com que a pessoa se sinta presente, se sinta pertencente a algo.
P1 (02:08:15) – E a minha última pergunta: quando você recebeu e-mail, como é que você se sentiu sabendo que você, no meio de tanta gente, foi escolhida?
R1 - Eu comecei a chorar, porque eu não imaginava. Quando a Renise tinha me dito que ela tinha me enviado... que era para eu ver no e-mail, eu fiquei pensando assim: “Caramba!”, passou mil coisas pela minha cabeça, mas nenhuma das coisas seria que eu participaria de uma entrevista com o Museu da Pessoa. E quando eu fiquei sabendo, eu comecei a chorar e eu falei para o meu esposo: “Caramba, é algo que eu nunca imaginei”. E eu falei exatamente isso: “Tem tanto Jovem Aprendiz, tem tanta gente, como que eu fui escolhida no meio de tanta gente assim?” e eu comecei a chorar e, pra mim, o meu maior momento foi quando eu contei pra minha mãe, que eu liguei pra ela, ela saiu do trabalho, falei: “Olha, olha o seu celular” e eu mandei a foto e eu estava em ligação de vídeo com ela e ela começou a chorar, ela não sabia o que fazer, ela ficou chorando, chorando, chorando, ela passou muito tempo chorando e foi aí que ela falou: “Eu sabia que em algum momento isso ia chegar, eu sabia que em algum momento você ia conseguir chegar onde você sonhou”. E aquilo, pra mim, foi melhor e eu acho que o Museu da Pessoa é isso, pra servir pra inspirar e pra ver a pessoa olhar pra dentro de si mesma, para olhar para si mesma e falar: “Caramba, às vezes uma pouca coisa da minha história fez toda a diferença para mim e hoje eu vejo assim, as minhas cicatrizes me formaram, me fizeram ser quem eu sou”. E é exatamente isso: acho que todas as pessoas que foram entrevistadas pelo Museu da Pessoa sentem a mesma coisa, que são pertencentes e que as cicatrizes deles hoje fazem parte, não são algo que precisa ser escondido.
P1 (02:09:53) - Você chegou nervosa.
R1 - Cheguei bem nervosa. (risos) Eu estava muito nervosa, porque o meu medo era sobre contar a minha história.
P1 (02:10:02) – E como é que você está agora?
R1 - Eu estou leve. Eu me sinto pertencente. Eu me sinto que eu faço parte de alguma coisa e que eu possa ser alguma diferença.
P1 (02:10:12) – Que bom! Obrigada, viu?
R1 - Muito obrigada!
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