Muhamad Amin Baccar. Local de nascimento: Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul. Data de nascimento: dois de junho de 1932.
A minha primeira formação foi como engenheiro químico. Eu me formei em 1953, em Porto Alegre, na Faculdade de Engenharia do Rio Grande do Sul. Posteriormente, fiz o concurso em fins de 1957 para a Petrobras. Fui aprovado e terminei tirando o curso em Geologia do Petróleo, que a Petrobras patrocinava. Esse curso era dado pela Universidade da Bahia, com professores americanos de Stanford, durante dois anos, porque se partia do pressuposto que os componentes do curso, normalmente engenheiros e bioquímicos, já tinham conhecimento das cadeiras básicas da engenharia. Aprendíamos, praticamente, geologia voltada para o petróleo. Havia vários cursos que a Petrobras oferecia, um dos quais era Engenharia de Refino de Petróleo. Foi pra esse curso de refinaria de petróleo que fui aprovado. Mas havia a possibilidade de trocar e resolvi estudar geologia, porque era uma ciência nova que não existia no Brasil até então. Ela me daria, talvez, oportunidades futuras. A minha idéia era fazer o curso, ficar na Petrobras os dois ou três anos que o contrato exigia, e voltar pro sul. Só que fiquei até aposentar.
No fim do curso, a Petrobras, ao seu exclusivo critério de escolha, determinava a ida dos alunos pras várias regiões onde tinha atividades. Teve gente que foi pra Alagoas, Amazonas e Maranhão. Dependendo de onde estavam, a Petrobras decidia onde recolocava o pessoal. A Bahia foi minha sorte. Era a unidade mais importante, pois tinha alguma produção de petróleo e atividades de refino – a Refinaria Landulfo Alves já estava em atividade. Eu fui designado pra ficar na Bahia e trabalhar numa equipe de geologia de superfície.
Geólogo de superfície
Na época, os professores eram geólogos de superfície. Quem conseguia notas melhores no curso, em geral, era escolhido para ser geólogo de superfície. Os que tinham algumas...
Continuar leituraMuhamad Amin Baccar. Local de nascimento: Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul. Data de nascimento: dois de junho de 1932.
A minha primeira formação foi como engenheiro químico. Eu me formei em 1953, em Porto Alegre, na Faculdade de Engenharia do Rio Grande do Sul. Posteriormente, fiz o concurso em fins de 1957 para a Petrobras. Fui aprovado e terminei tirando o curso em Geologia do Petróleo, que a Petrobras patrocinava. Esse curso era dado pela Universidade da Bahia, com professores americanos de Stanford, durante dois anos, porque se partia do pressuposto que os componentes do curso, normalmente engenheiros e bioquímicos, já tinham conhecimento das cadeiras básicas da engenharia. Aprendíamos, praticamente, geologia voltada para o petróleo. Havia vários cursos que a Petrobras oferecia, um dos quais era Engenharia de Refino de Petróleo. Foi pra esse curso de refinaria de petróleo que fui aprovado. Mas havia a possibilidade de trocar e resolvi estudar geologia, porque era uma ciência nova que não existia no Brasil até então. Ela me daria, talvez, oportunidades futuras. A minha idéia era fazer o curso, ficar na Petrobras os dois ou três anos que o contrato exigia, e voltar pro sul. Só que fiquei até aposentar.
No fim do curso, a Petrobras, ao seu exclusivo critério de escolha, determinava a ida dos alunos pras várias regiões onde tinha atividades. Teve gente que foi pra Alagoas, Amazonas e Maranhão. Dependendo de onde estavam, a Petrobras decidia onde recolocava o pessoal. A Bahia foi minha sorte. Era a unidade mais importante, pois tinha alguma produção de petróleo e atividades de refino – a Refinaria Landulfo Alves já estava em atividade. Eu fui designado pra ficar na Bahia e trabalhar numa equipe de geologia de superfície.
Geólogo de superfície
Na época, os professores eram geólogos de superfície. Quem conseguia notas melhores no curso, em geral, era escolhido para ser geólogo de superfície. Os que tinham algumas aptidões e melhores conhecimentos eram encaminhados para geologia de poço de exploração. E aqueles que não tiveram um treinamento tão proveitoso ficavam como geólogos de desenvolvimento. Dependia das características da pessoa e da necessidade da Petrobras. Essencialmente, da necessidade da Petrobras. Na época, a geofísica era muito incipiente. Os poços pioneiros, as descobertas, eram oriundos praticamente de geólogos de superfície. A maior parte dos chefes de equipe era americana, cujo contrato estava se esgotando, e eles queriam substituir por brasileiros.
Na Bahia, fiquei até 1968. Inicialmente, como geólogo de superfície. Depois de três anos, a Petrobras me re-alocou. Aqueles que falavam um pouco melhor o inglês iam pras equipes de geofísica. Para equipe de geofísica fomos: eu e o Wagner Freire. Tudo lá na Bahia, trabalhando na Bahia. Tinha que falar inglês melhor do que os outros, porque todo o curso de geologia foi em inglês. Esse trabalho de geofísica era uma fiscalização, por parte da Petrobras, e um aprendizado também. Naturalmente, nós lutamos, eu e meu colega, contra a dificuldade, porque o americano não dava nada de graça, não ensinava nada, a gente tinha que ir descobrindo tudo pra poder fazer. A meta da Petrobras, em longo prazo, era colocar brasileiros. Eu fiquei, primeiro, trabalhando numa equipe sísmica de refração e depois numa equipe sísmica de reflexão. Existia também uma outra equipe de geofísica, que se chamava de gravimetria. Alguns colegas foram encaminhados para essa equipe. Nesta época, a geologia de superfície começou a declinar, porque a área mapeável da Bahia era pequena, 11 mil quilômetros quadrados, e a geofísica, não só no Brasil como no mundo, começava a tomar vultos maiores como uma ferramenta útil e presente em toda a exploração de petróleo. Hoje, então, ela é imprescindível.
Na equipe de superfície, a geofísica tomou a primazia. A geofísica não substituiu a geologia, porque cada um da equipe buscou uma coisa diferente. Quando a estrutura onde está o petróleo não se mostra na superfície, você não consegue mapear. Muitas delas estão enterradas há alguns milhares de metros. Então, a geofísica, em geral, e a sismografia, em particular, são de extrema utilidade. E na plataforma continental é imprescindível.
A Petrobras dessa época já estava se orientando pra ir pra plataforma continental. Como não achavam quantidades grandes de petróleo em terra, a recomendação do Relatório Link, era ir pra plataforma continental. A Bahia já estava mapeada. Mas as bacias, às vezes, causam surpresas. Hoje se trabalha na Bahia com algum sucesso. É um sucesso pequeno, mas é um sucesso. Eu estava dizendo que a Petrobras passou a ir pra plataforma continental em 1958, a sismografia muito rudimentar, e já tinha feito algumas linhas sísmicas ao longo do Espírito Santo, algumas na Bahia, em São Marcos no Espírito Santo, e uma no Maranhão. No Espírito Santo, tinha feito também alguns levantamentos de gravimetria. Baseado no dado de 1958, por volta de 1966, eu resolvi fazer uma revisão. A interpretação que fiz dos dados do Espírito Santo diferiam da interpretação vigente e aceita aqui no Rio de Janeiro pelos técnicos estrangeiros – interpretação dos americanos, porque não tinha brasileiros. Brasileiros éramos nós, guris com 10 anos de empresa. Mas eu ousei dizer que a interpretação que tinham feito era diferente da minha, e que a minha seria provavelmente a certa. Dei as minhas razões técnicas, porque achava que teria mapeado um domo de sal. Naturalmente, o pessoal do Rio de Janeiro, alguns colegas brasileiros, e a maior parte americana, não aceitavam aquela interpretação. No entanto, outros colegas da Bahia, aceitaram. Isso causou certo frisson e muita discussão técnica. Mudou a direção de exploração da Petrobras, e o novo diretor passou a ser o Carlos Walter Marinho Campos. Eu tinha trabalhado pouco tempo com ele na Bahia. Ele acreditou que eu estivesse certo e resolveu furar o primeiro poço da plataforma para provar o que dizia: se era domo de sal ou não, porque isso mudaria a concepção da história geológica das bacias. Furou e deu domo de sal. Hoje isso é corriqueiro. O poço foi furado no Espírito Santo Submarino 1, o ESS-1. Foi o primeiro poço offshore furado na plataforma continental. Foi furado pra comprovar a existência de domos de sal na plataforma continental brasileira. Eu acho que isso foi em 1968.
Depois que a gente descobre no papel com os dados, só fica esperando bons resultados, as notícias. Outros colegas acompanharam, furaram o poço. Já começavam a se especializar, cada um no seu nicho de trabalho. Eu, por exemplo, nunca estive na plataforma desse poço, mas a alocação, a perfuração e a interpretação – dei sorte – foram minhas, e deu o que se esperava. A Petrobras começou, em 1968, a se deslocar para o Rio, porque ia fazer uma equipe só pra cuidar da plataforma continental.
Quando se descobriu que havia domo de sal na Bahia, se mudou inteiramente a maneira e o modo de fazer a pesquisa de como o petróleo devia ser encontrado em quantidades. Principalmente, porque os Estados Unidos estava furando no Golfo do México e todo o petróleo de lá era associado ao domo de sal. A expectativa foi imensa. E nada como um fato para corroborar a teoria, porque até então era só uma expectativa. Quando furou, se comprovou e acabou a expectativa. Todo mundo sabe. Hoje os dados sísmicos são extremamente melhores do que os usados naquela época para interpretar, e se sabe que toda a plataforma continental está cheia de domos de sal. Na grande maioria, esses campos de petróleo são associados a isso. Mas já é história. Depois que se descobre tudo fica óbvio. Foi uma época de muita discussão técnica. Houve um choque de percepção.
Essa turma nova – gente como o José Ignácio [Fonseca], e da minha turma pra baixo, que hoje já não é tão nova – acreditava nessa nova perspectiva. Mas a turma anterior, que fez muita coisa certa e teve muito mérito na Petrobras também, não acreditava nisso, porque não havia na parte terrestre, no parte on-shore do Brasil, nada que sugerisse esse tipo de coisa. Na época, a concepção geológica era muito estreita, não só no Brasil, como no mundo todo. A gente se guiava muito pela escola americana, porque os professores eram americanos. A escola americana não admitia o que hoje se chama de separação continental, “continental drift”, porque tinha sido um geógrafo alemão, um europeu, que desenvolveu e defendia a teoria. Hoje isso é um fato aceito. Depois os americanos se convenceram, em 1970. Ele começou a pesquisar e comprovou que foi isso mesmo. Hoje a teoria é aceita no mundo inteiro. Eu estava dizendo isso, porque a turma antiga tinha uma outra concepção da geologia. Houve uma mudança mesmo, não só no Brasil, como no mundo inteiro.
A Petrobras, para ir pra Plataforma Continental, começou a trazer gente dos distritos e fundou o Seplal, que só cuidava disso. Essa sigla já não existe mais. Mas o primeiro campo comercial que se descobriu foi Guaricema, em Sergipe. Hoje é considerado um campo muito pequeno, mas foi um marco histórico, porque demonstrou que na plataforma também tinha óleo. Depois, o resto era gastar dinheiro em pesquisa e preparar as pessoas. A Petrobras sempre foi muito feliz na preparação do seu corpo técnico. É um negócio extraordinário, até hoje a Petrobras persegue a pós-graduação, o preparo do pessoal técnico muito bem. Foi isso que levou a essas grandes descobertas e a Petrobras a ser pioneira em águas profundas, porque nunca descuidou dessa parte. Para falar da história da Petrobras é bom entrevistar o senhor Seabra Moggi, que foi um realizador. Ele foi o realizador do antigo Cenape, que depois se transformou, e hoje é o Cenpes. Aquilo é um nicho de tecnologia mundialmente reconhecido.
Em 1969, vim pro Rio de Janeiro. Nessa altura dos acontecimentos, já não havia mais estrangeiros na parte exploratória da Petrobras, só brasileiros. Apesar de sermos gente nova com 10 ou 15 anos de experiência, o que era muito pouco em termos de petróleo, tivemos que assumir várias funções de relevo. E me coube a parte de interpretação em geofísica, que começou na plataforma. Naquela época, para dar uma idéia, só se perfurava até 50 metros de profundidade, 200 metros era algo inalcançável, até inimaginável Essas coisas mostram como evoluiu. Havia aquela linha que falei que ia até o “Plateau de São Paulo”, mas o chefe da exploração não queria. Como me dava bem com o diretor da Petrobras, o Aroldo Ramos da Silva, fui conversar com ele. Ele morava perto da minha casa e pegávamos o ônibus da Petrobras juntos. Eu tinha certa intimidade com ele, que era então superintendente da perfuração de Salvador. Era um cara brilhante, um rapaz novo, mas brilhante. Ele terminou como diretor da Petrobras; um dos diretores mais brilhantes que a Petrobras teve. Eu falei e ele aprovou a linha, apesar de ser um negócio que entrava a 360 quilômetros mar adentro. Se 200 metros era água profunda, imagina entrar 300 quilômetros mar adentro Uma loucura
O que não havia, e hoje tem, é posicionamento exato do navio. Agora com o GPS você vai pra onde quiser e sabe exatamente onde está, com uma diferença de um metro, um metro e meio. É uma precisão absoluta. Naquele tempo, era na base do sextante e manter a bússola no mesmo lugar. Você poderia estar fora uns cinco ou 10 quilômetros, mas pra um reconhecimento geral era suficientemente bom. São coisas que a gente deu sorte de fazer e deram certo. Nós fizemos uma linha pra ver se tinha uma bacia sedimentar, e tinha lá longe. Isso foi na costa de São Paulo. O “Plateau de São Paulo” é uma feição fisiográfica conhecida na geologia há muito tempo. Feito essa parte, começou o trabalho na plataforma. A primeira descoberta foi em Sergipe, onde se concentraram os trabalhos geofísicos. Depois, se fez um reconhecimento em toda a costa. Prolongou-se linhas até 200 metros de lâmina d’água, e se estendeu mais mil metros. Nesta época, as descobertas estavam custando a aparecer, porque as únicas descobertas eram Guaricema e outros campos pequenos em Sergipe. Os campos posteriormente descobertos em Campos eram mais pra dentro do mar.
A Petrobras resolveu se internacionalizar e criou um pequeno grupo, capitaneado pelo senhor Geonísio Barroso. Ele me levou pra trabalhar como geofísico e o José Maria de Lima Perrella como geólogo. Havia um acerto entre o governo brasileiro e o governo iraquiano pra levar o Brasil pra lá. Foi numa época em que o Iraque tentou se abrir. Já tinha uma equipe francesa lá, e eles convidaram a equipe brasileira, a Petrobras. E assim se criou a Braspetro. Nós três começando a pesquisar no exterior.
Logo que começou a se pesquisar essa parte de Plataforma, houve aquela euforia. A plataforma tinha o delta do Rio Amazonas, que se pensou que fosse como o Golfo do México. Pensou-se que aquilo era um negócio fantástico, mas os primeiros poços não deram a resposta que se imaginava. Não deram, porque não se tinha conhecimento da geologia que hoje se tem. Havia um desconhecimento, não havia poços pra furar. A geofísica trabalhava, no máximo, até 200 metros. Quanto mais profundo mar adentro, a resposta da geofísica é melhor e é mais fácil de interpretar. Na medida em que você vai pra costa, fica pior, mais difícil de interpretar. Estava demorando e não existia tecnologia pra furar poço de 200 metros, naquele tempo. O negócio era uma sonda chamada jack up, que bota os pés no chão e levanta 30 metros, 40 metros. Sergipe tinha dado alguns campos, mas todos os campos eram pequenos, a gente sabia perfeitamente que se tinha que descobrir campos gigantes, grandes, que só foram descobertos por volta de 1973, 1974. Quando o campo começou a aparentar aquele trend. Foi aí que deslanchou.
Eu não gosto da palavra “convidado”. Nunca fui convidado pra coisa nenhuma na Petrobras. Eu recebia telex: “Você está transferido no dia tal pra cá”. O máximo que você discutia era a época: mais um mês ou menos um mês. Para o Iraque foi: “Você vai trabalhar no Iraque agora. Vai trabalhar nessa parte internacional, ver umas áreas no Iraque”. Fui com tudo pronto, porque o Iraque nos ofereceu três áreas, e tínhamos que discutir se eram boas, tínhamos que saber a localização, se era mais 20 quilômetros pra lá ou mais 30 quilômetros pra cá, o tamanho delas. Fomos com a cara e a coragem, não tinha nada selecionado. Fomos eu, o Perrella e um terceiro rapaz, o Phortos Lima, que era da área de compra de petróleo, da parte comercial da Petrobras. Nós já tínhamos contato com eles, porque a Petróleo era uma grande compradora de petróleo no Iraque. Costumávamos dizer que éramos os três mosqueteiros, porque fomos pra lá sem saber o que fazer, sem saber o que estava pela frente. Ninguém tinha conhecimento na Petrobras do negócio.
Nós fomos em 1971. Isso é uma história comprida, a Braspetro foi criada bem depois. Nós somos anteriores a Braspetro. O contrato com o Iraque foi feito com a Petrobras, e depois a Petrobras passou pra subsidiária. Nós fomos lá pra ver a área. Trouxemos os dados aqui pra Petrobras e a coisa foi evoluindo. Eles também não tinham muita prática em negociações, tinham medo, desconfiavam de tudo. O Iraque estava se abrindo para o mundo, então, eles estavam desconfiados de tudo. Terminamos acertando quais eram as áreas – três áreas –, depois escolhemos quais eram os limites dessas áreas. Claro que a gente começou a ter idéias depois que fomos lá ver a geologia. Eles também tinham nacionalizado, fazia pouco tempo, as reservas deles, e também não tinham gente. Mas a Petrobras fazia as coisas, às vezes, meio na cara e na coragem.
Uns quatro ou cinco anos depois que estava lá pelo Iraque, alguém na Petrobras descobriu que eu falava árabe. Meu pai é libanês. Aprendi com ele a escrever, a ler e a falar. Pelo menos a falar a parte familiar. Mas a Petrobras nunca se preocupou em saber quem falava árabe. A companhia deu sorte, colocou por acaso alguém que sabia. Quando foram para Angola, mandaram um brasileiro branco. A Petrobras se deu conta que tinha geólogos pretos depois. Vocês têm que entrevistar o Jaconias Queiroz, ele trabalhou em Angola muito tempo. É negro, legítimo, não tem nem como dizer que é uma mistura de branco com negro, ele é negro puro. Por que não o levaram pra lá? O homem tem um cartaz, em Angola, fantástico até hoje. Ele representa vários interesses angolanos, porque agora está aposentado. Quer dizer, nós tínhamos um geólogo. Em vez de botar ele logo no início, só botaram na segunda vez. Se nós temos gente preparada e mais identificável com eles, porque não mandar esse tipo de gente?
O que acontecia no Iraque era interessante. O Iraque devia muito a Petrobras, e deve até hoje. Eles são muito agradecidos a Petrobras, pelo seguinte: quando o Iraque nacionalizou o petróleo, eles tinham exportado petróleo para Itália. O navio chegou na Itália e a companhia, que foi nacionalizada, entrou com o embargo do navio do petróleo, dizendo que o governo iraquiano não tinha direito de vender petróleo que não era dele. O navio ficou parado e eles perderam dinheiro. Nessa mesma época, o governo iraquiano estava fazendo um navio pequeno na Espanha. Quando o navio ficou pronto, a Petrobras fretou esse navio pra trazer óleo da Argélia pro Brasil. Quando eles começaram a trabalhar, a Petrobras foi o primeiro cliente, fretou um navio. O Brasil também importou o petróleo do Iraque, o navio veio pra cá. Nessa época, a companhia nacionalizada também entrou na justiça dizendo que o óleo era roubado, que o governo iraquiano não podia vender. E entrou na justiça aqui do Rio de Janeiro. Parece que o juiz que ia resolver o caso era meio suspeito. O Geisel era o presidente da Petrobras. Eu sei que o governo brasileiro disse que tinha interesse no caso e este foi parar em Brasília para o juiz federal decidir. O Brasil decidiu que o país tinha o direito de nacionalizar o óleo e que o óleo era iraquiano. Com isso, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o direito soberano do Iraque sobre o óleo deles. O juiz da Itália também levantou o embargo e, depois disso, o Iraque começou a exportar óleo para o mundo inteiro. Eles sabem que devem muita coisa ao Brasil. O brasileiro é muito bem visto lá, começa por aí. Estrangeiro, em geral, eles têm um pé atrás, principalmente americano, esses que já têm uma tradição guerreira. Tem esse tipo de coisa, mas o Brasil é muito bem visto.
Eu nunca morei com minha família no Iraque. Quando nós assinamos o contrato, finalmente, depois de um ano e meio de discussões, eu fiquei lá pra montar o escritório e vim embora, porque outra pessoa estava indo pra ficar permanentemente lá. Isso deveria ser uma coisa rápida, só que começou a dar problema dentro dos trâmites políticos, falava-se na época que teve gente contra alguma coisa, houve algum embaraço. Em vez de ficar um mês, que seria o razoável, eu fiquei sete meses lá. Nesse meio tempo, eu montei o escritório, porque eu não tinha dúvidas que iria sair. Como se sabe, era um regime forte, era só uma questão de tempo. Eu montei o escritório, contratei as equipes francesas pra fazer o trabalho, porque francês era bem visto lá, fiz os programas de geofísica, toda a programação de trabalho para os dois próximos anos, de tal maneira que quando foi aprovado, já estava tudo engatado, e um mês depois já estávamos trabalhando. Nesses sete meses eu me dei bem. Primeiro, nós tivemos um apoio muito grande do Itamaraty através do embaixador Assunção. Esse embaixador, que faleceu agora aos 91 anos, há pouco tempo, ele era uma pessoa muito interessante, muito sabido. E ele já tinha servido em vários lugares, mas com a Revolução [Golpe Militar de 1964] parece que ele não era bem visto, e terminaram jogando ele lá pra Síria. Ele acumulava a função do Iraque, então, ele também foi lá, fez a sua pressãozinha, e terminou saindo o contrato. E nós fomos pra lá. Os sete meses em que estive lá não tive dificuldade nenhuma. Primeiro eu falei: “Vamos ver como eles me enxergam”. Eles me enxergam como muçulmano e árabe como eles. Pra eles eu não sou um estrangeiro. Agora, vai um brasileiro que não fala o árabe e é cristão.
O meu árabe dava pra falar no dia-a-dia. Não dava pra negociar o petróleo. Naturalmente, sempre nos tratavam bem. Durante as negociações – de vez em quando tínhamos que nos reunir com eles – eu dizia: “Olha, entendo um pouco de árabe. Se vocês quiserem falar, nós saímos e vocês tratam aqui na mesa”. Durante a negociação do contrato, eu e o senhor Barroso íamos pra lá. Só na última ida que levamos um advogado para acertar a parte jurídica. No outro lado da mesa tinha umas 10 ou 12 pessoas sentadas, pra você ver como era o negócio. Assim era e nunca tive dificuldade, porque era visto de maneira diferente. Era um país super vigiado, eles praticamente conheciam toda a sua vida. Se saísse de casa, o cara sabia que horas você saiu, com quem e como foi. Era tudo vigiado. E assim continua até a pouco. Naquela época, o país era governado pelo mesmo partido que estava até pouco tempo, o governo Baat. O chefe de governo era o tio do Saddam Huissen, que depois de 1975 ou 1976, se aposentou e passou o governo para o sobrinho, o Saddam, que continuou até ser deposto pelos americanos.
Como era sediado no Rio e era o chefe de geofísica, eu ia para todos os lugares onde tinham geofísicos. Por exemplo, ajudei a negociar o contrato do Egito, logo depois, com o José Ignácio. Aí já tinha a diretoria constituída da Braspetro. A Braspetro foi constituída em 1972, onde fizeram uma coisa formal com a diretoria. Eu fiquei nos quadros da Braspetro. Mais tarde, depois de dois ou três anos, o Perrella não quis mais ficar e voltou. Não se sentia confortável de viajar o tempo todo e voltou pra Petrobras, porque nós éramos empregados da Petrobras cedidos a Braspetro.
A Petrobras resolveu se internacionalizar e criou um pequeno grupo, capitaneado pelo senhor Geonísio Barroso. Ele me levou pra trabalhar como geofísico e o José Maria de Lima Perrella como geólogo. Havia um acerto entre o governo brasileiro e o governo iraquiano pra levar o Brasil pra lá. Foi numa época em que o Iraque tentou se abrir. Já tinha uma equipe francesa lá, e eles convidaram a equipe brasileira, a Petrobras. E assim se criou a Braspetro, começando a se pesquisar no exterior.
Uma vez o Brasil estando no Iraque ficou mais fácil de outros países convidarem a Petrobras. A Petrobras nunca foi vista como uma companhia monopolista. Ela não ia lá pra tomar dos outros, era uma companhia estatal, que tratava de igual pra igual. Terminamos indo depois pro Egito, pra Líbia, pra Argélia e pro Irã. O segundo contrato foi do Egito. Tinham as áreas que queriam oferecer pra gente. Nós fomos dessa vez para analisar os blocos, o Perrella como geólogo e eu como geofísico. Na época, levei o Wagner Freire, formado no mesmo ano que eu, que depois foi diretor da Petrobras. Nós fomos juntos pra escolher o bloco. Escolhemos os blocos no Egito, que não eram nada econômicos. Montamos o escritório, ficamos lá três anos. Por onde a Petrobras passa, o que tem ela descobre. Não tem esse negócio de ficar devendo, ela faz um trabalho bem feito. Ali onde estávamos não tinha óleo, naqueles três blocos não tinha. O Egito praticamente só tinha petróleo no Mar Vermelho, que já está todo tomado pelas grandes companhias. Naquela época, a Eni [Empresa italiana] estava explorando o delta do Nilo, onde se descobriu gás há pouco tempo. Como era o gerente de geofísica da Braspetro, passava um mês fora e um mês aqui. Esse mês fora eu ia pro Iraque, quando eu não demorava mais tempo porque a atividade era maior. Às vezes, ia até o Irã, passava no Egito, Líbia, Argélia, e vinha pro Brasil. Porque a estrutura era diferentemente de hoje, toda a atividade de interpretação era feita no distrito e íamos lá pra fiscalizar, pra ver se estava andando como queríamos. Lá tinha uma estrutura pequena, duas pessoas, e nós íamos pra ver se estava tudo bem, pra sugerir alguma mudança, porque em geral eram pessoas com um pouco menos de experiência do que nós.
No primeiro ano no Iraque ficou como gerente de exploração o Luiz Oscar Salgado Miranda, já falecido, e o João Vitor Campos, que era o chefe do escritório. Depois, foi o Guilherme Estrella. Eu tenho uma fotografia dele com sua filhinha pequena. Hoje ela já é casada e tem filhos. O Guilherme Estrella ficou lá dois anos e pouco também. O Kazumi Miura também foi. Passou uma porção de gente. Nós escolhíamos aqui e nós colocávamos pessoas com perfil que pudessem dar certo.
O grande sucesso da Braspetro foi a descoberta de Majnoon. É interessante, porque que me lembre, nunca ninguém na Petrobras nos perguntou o que fizemos pra escolher aquela área. Engraçado, não tiveram curiosidade. Eu e o Perrella escolhemos. Nunca me perguntaram e eu também nunca disse, disse em particular pra um amigo ou outro. Ele não foi escolhido por acaso. Eu briguei para mudar os limites, mais pra cá e mais pra lá: “Vamos botar mais 20 quilômetros aqui pra cima pro norte”, porque achava que podia ser melhor. Depois, na última hora, tinha um campozinho de petróleo deles, que eles ficaram: “Mas esse campo aqui foi descoberto pelo homem do tempo, não pode entrar”. Quiseram fazer um dente: “Pode fazer o dente, não tem problema”. Porque o que eu queria era aqueles 10 quilômetros pra cima. A verdade é que se fez a exploração, tinham duas áreas muito boas, e uma terceira área que nós sabíamos que era carne de pescoço, seria só pra gastar dinheiro de exploração, pois não tinha nada. Essa área que era carne de pescoço é essa área que se chama Bagdá Faluja, onde tem uma mortandade tremenda, perto de Bagdá. Tinha uma área perto dos franceses, que pegamos, porque eles tinham descoberto muito óleo e nós achávamos que era a melhor. E a outra, a segunda melhor, que tinha boas indicações, deu o campo de Majnoon. Eu deixei o programa geofísico de sísmica pronto, foi feito aquele programa e se descobriu o campo de Majnoon. O campo é de uma facilidade fantástica de ser descoberto, porque é simples. A figura geofísica, qualquer criança vê. Se você diz: “Olha essa linhazinha e vai riscando em todas as outras seções que foram feitas”, o cara faz, porque é muito simples. As figuras geométricas do Oriente Médio, nessa área sul do Iraque, são de uma simplicidade fantástica. São de um tamanho fantástico também, porque é muito grande. O Campo de Majnoon foi a maior descoberta mundial da década de 1970. Aquilo era muito maior do que pudéssemos imaginar, devia ter uma reserva que é o dobro da brasileira atual, só esse campo. É um negócio inacreditavelmente fantástico. A maioria dos campos no Oriente Médio é assim. O Iraque tem vários campos, mas daquele tamanho é o maior. Tem vários maiores que aquele. O Oriente Médio é um troço fantástico. Pra quem tinha as dificuldades de interpretação como tínhamos no Brasil, aquilo era brincadeira de criança. Aquilo era o mesmo que tomar bala de criança.
O contrato exigia que, uma vez coberto o período de dois anos de exploração, fizéssemos um relatório de avaliação pra começar o desenvolvimento. Nós chegamos a fazer esse relatório. Nosso relatório teve 14 volumes bem, grossos, um negócio fantástico. E isso só da descoberta de Majnoon, não era de tudo que se descobriu em seguida. Quando estávamos preparados para começar o desenvolvimento, que íamos gastar dinheiro, apareceu um artigo no Jornal do Brasil, uma entrevista com o então Ministro da Fazenda, um barítono, dizendo que não tinha dinheiro para fazer aquele trabalho; que ia precisar de um bilhão e meio de dólares pra fazer o desenvolvimento da primeira fase do Majnoon. O Governo Geisel estava começando a ter dificuldades, a inflação já começava, e tinha a dificuldade de ser em dólar. O Brasil não queria. Naquela época, eu era o superintendente de Majnoon, porque quando falava em Iraque eu tinha que tomar conta. Comecei a conversar com os japoneses pra empresa Mitsubishi entrar com o dinheiro. Até conseguimos o interesse deles, porque também tinham interesse no petróleo do Iraque. Mas o Governo brasileiro achou que não valia a pena, que não tinha dinheiro. Na época, o Iraque já tinha comprado a reserva dos franceses, e ofereceram pra eles. Foi um mau negócio pro Brasil, foi mal negociado, foi feito com pressa. A diretoria da Braspetro foi contra a negociação açodada, porque queriam negociar com mais calma, para trazer mais dinheiro e mais vantagens para o Brasil. Mas o [Shigeaki] Ueki resolveu fazer sozinho, fez e vendeu. Foi a um preço muito barato, passando por cima de toda a opinião da diretoria da Braspetro. Inclusive, logo depois o Ueki destituiu toda a diretoria da Braspetro. Isso já foi em 1980. O iraquiano comprou aquelas reservas. Ainda redigi – sozinho – um contrato que nos dava direito de explorar lá, mas já não fui eu quem assinou o contrato, foi o [Joel] Rennó, que era diretor da Braspetro, nomeado presidente no lugar do Dr. Geonísio Barroso. Como a diretoria foi destituída, achei que fazendo parte daquele grupo inicial, deveria sair da Braspetro, e pedi para voltar pra Petrobras. Voltei pra Petrobras em 1981.
No Egito, trabalhamos três ou quatro anos e não descobrimos nada. Devolvemos a área e saímos. Na Líbia, ocorreu o mesmo, trabalhamos vários anos na Bacia de Murzuq e na Bacia de Searth, não descobrimos nada e também saímos. Na Argélia, tinha um bloquinho que não era grande coisa desde o início. Fizemos uma descoberta pequena e que não era econômica, e também saímos. Na época, não estive envolvido, mas tinha atividades na Colômbia. O José Ignácio cuidava mais diretamente. O José Ignácio [Fonseca] não se metia muito na parte do Iraque, ele viajou pra lá algumas vezes, mas não se envolvia. A não ser como diretor, quando tinha que aprovar as coisas. Ele não ficava naquele dia-a-dia, mas se envolveu com as atividades de um parceiro nosso, que não era lá muito honesto. A Braspetro, por exemplo, tinha atividades de Madagascar associada com a Chevron. A Petrobras como sócia botou o geólogo, o Álvaro Teixeira, que hoje trabalha no IBP. E tinha uma atividade no Irã associada à Mobil. Mas foram descobertas pequenas. A da Mobil foi uma descoberta grande, mas que não interessou. A Braspetro – minha interpretação – por erro da pessoa responsável pela área, deixou passar os limites do tempo e teve que devolver a área.
Eu voltava umas seis ou sete vezes por ano. Depois, houve um problema interno da Braspetro no Iraque, que não interessa aqui, mas tivemos que fazer quase uma intervenção. Eu fui pra lá ajeitar as coisas. Fiquei lá quatro meses. Nesse período, fiz uma re-arrumação toda do escritório e das atividades. Quando todas as coisas ficaram andando redondinhas, conseguiram um gerente pra ficar morando lá com a família. Quando fiquei lá, quatro ou cinco meses, levei minha mulher junto. Eu morava num hotel. Aquela foto do churrasco ainda foi em Bagdá, porque o escritório ficou inicialmente em Bagdá, quando estava na fase exploratória. Depois que se achou o óleo, nos mudamos. Lá só tinha o escritório com uma secretária, um ponto de chegada no país, e de lá embarcava no trem ou no avião pra Basrah. Toda a atividade passou a ser em Basrah. Aí já tinham muitos brasileiros, uns 20 ou 25, com suas famílias. Basrah era muito mais atrasada do que Bagdá.
Bagdá era uma cidade interessante. O museu de Bagdá era muito bonito, muito bem organizado. É um país em que a civilização era lá, então, tem muita coisa, apesar de o que foi roubado ou levado por outros para Europa. Mas tem muita coisa. A comida é um pouco diferente do que se come em qualquer restaurante árabe no Brasil. Aqui a comida árabe é melhor do que a de lá. É como a comida italiana, você come melhor aqui do que lá.
Quando estávamos em Basrah, tinha muitos brasileiros com famílias grandes. Nós resolvemos botar um colégio que reconhecesse o ensino brasileiro. Houve outra discussão, tinha gente que queria mandar o pessoal brasileiro estudar no exterior. Mas terminou vingando o bom senso e botamos o colégio Anglo Americano. Os professores do Colégio Anglo Americano davam aulas e moravam lá, pagos pela Petrobras. Os professores eram brasileiros e os currículos eram de acordo com o Colégio Anglo Americano. Eles tinham uma filial no Iraque que era reconhecida. Quando saíram do Iraque e voltaram para o Brasil, o ensino deles foi reconhecido e continuaram no Anglo Americano. Esse Anglo Americano, na época, era do Ney Suassuna, esse mesmo senador que agora está dando bronca. Eu tive muito contato com ele. Quem tomava conta desse colégio, na realidade, era a senhora dele, uma moça muito bonita e competente, que foi assassinada em 1976 por uma falsa blitz na Barra. Pra você ver que essas blitzs de criminosos já vêm desde então, não é de hoje. Há muito tempo eles fazem isso.
De cada lugar eu tenho
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