Projeto Memórias de Serra Pelada
Entrevista de Maria Cleonice Lopes
Entrevistado por Glaydes Bento Coutinho e Luid Pinheiro de Souza
Serra Pelada, 5 de setembro de 2024
Código da entrevista: MSP_HV013
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Dona Maria, muito obrigada aqui pela sua participação, a senhora está aqui conosco hoje para essa entrevista. O Museu da Pessoa agradece. E vamos começar. Nos diga qual o seu nome, local e data de nascimento?
R - Meu nome é Maria Cleonice Lopes, sou do dia 21 de outubro de 1960. O que mais?
P/1 - E o local? Sou de Nazaré, município de Tuntum no Maranhão.
P/1 - Dona Maria, te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Sim! Foi uma data muito esperada, meu pai ele… cada filho que a minha mãe tinha era uma felicidade pra ele. E ele sonhava muito com a filha mulher, porque os primeiros filhos foram dois homens. E aí, ele ficava sonhando que eu ia ser mulher. Que realmente nasci mulher de verdade. Então, foi um dia assim, de muita alegria, muito prazeroso para o meu pai. Ele chegou a comentar comigo que foi um dos dias mais felizes da vida dele, ter conhecido a filha. Inclusive, eu sou muito parecida com ele, aí o orgulho aumentou da parte dele.
P/1 - E a senhora tem quantos irmãos?
R - Eu tenho… por parte de pai e mãe nós somos cinco. Agora, meu pai, só ele com outra família, tem cinco. E minha mãe casou de novo e teve mais dois. São doze irmãos ao todo.
P/1 - Dona Maria, porque lhe deram esse nome?
R - Maria. Porque a minha mãe era muito devoto de Nossa Senhora, da mãe de Jesus, aí ela queria colocar Maria, ela era do interior, minha mãe não tinha cultura nenhuma, então ela… o sonho dela era colocar Maria, as filhas tudo era Maria. Aí, meu pai não queria aceitar, porque meu pai era um cara estudado, era contador, era homem da cidade grande, bem vivido. Aí ele queria Cleonice. Para que não tivesse nenhum desentendimento, aí foi colocado Maria Cleonice. A Maria da minha mãe e a...
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Entrevista de Maria Cleonice Lopes
Entrevistado por Glaydes Bento Coutinho e Luid Pinheiro de Souza
Serra Pelada, 5 de setembro de 2024
Código da entrevista: MSP_HV013
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Dona Maria, muito obrigada aqui pela sua participação, a senhora está aqui conosco hoje para essa entrevista. O Museu da Pessoa agradece. E vamos começar. Nos diga qual o seu nome, local e data de nascimento?
R - Meu nome é Maria Cleonice Lopes, sou do dia 21 de outubro de 1960. O que mais?
P/1 - E o local? Sou de Nazaré, município de Tuntum no Maranhão.
P/1 - Dona Maria, te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Sim! Foi uma data muito esperada, meu pai ele… cada filho que a minha mãe tinha era uma felicidade pra ele. E ele sonhava muito com a filha mulher, porque os primeiros filhos foram dois homens. E aí, ele ficava sonhando que eu ia ser mulher. Que realmente nasci mulher de verdade. Então, foi um dia assim, de muita alegria, muito prazeroso para o meu pai. Ele chegou a comentar comigo que foi um dos dias mais felizes da vida dele, ter conhecido a filha. Inclusive, eu sou muito parecida com ele, aí o orgulho aumentou da parte dele.
P/1 - E a senhora tem quantos irmãos?
R - Eu tenho… por parte de pai e mãe nós somos cinco. Agora, meu pai, só ele com outra família, tem cinco. E minha mãe casou de novo e teve mais dois. São doze irmãos ao todo.
P/1 - Dona Maria, porque lhe deram esse nome?
R - Maria. Porque a minha mãe era muito devoto de Nossa Senhora, da mãe de Jesus, aí ela queria colocar Maria, ela era do interior, minha mãe não tinha cultura nenhuma, então ela… o sonho dela era colocar Maria, as filhas tudo era Maria. Aí, meu pai não queria aceitar, porque meu pai era um cara estudado, era contador, era homem da cidade grande, bem vivido. Aí ele queria Cleonice. Para que não tivesse nenhum desentendimento, aí foi colocado Maria Cleonice. A Maria da minha mãe e a Cleonice do meu pai, um belo casamento.
P/1 - Como era o nome da sua mãe? Como a senhora a descreveria?
R - Isabel Félix Gomes. Era uma mulher de pequena estatura, mas muito bonita, muito trabalhadora, muito carinhosa, era uma pessoa maravilhosa.
P/1 - E o seu pai, como ele era?
R - Meu pai era um piauiense moreno, não era preto, era moreno, lindo, educado, um homem muito sabido. Pense numa pessoa maravilhosa que me deu muito orgulho de ser filha de um personagem daquele.
P/1 - Como que seus pais trabalhavam?
R - A minha mãe só trabalhava em casa. O meu pai era contador, mas quando ele foi para o Maranhão, ele foi para região de interior, e se apaixonou por essa linda moça, se casaram, ele foi trabalhar lá na roça. O que o amor não faz na vida de uma pessoa?
P/1 - A senhora tinha algum parente, algum tio que a senhora gostava muito, que era muito próximo?
R - Eu tinha era muitos, não era só um. Mas tinha um que era meu xodó, era a minha paixão, irmão da minha mãe, tio Luiz, ele já partiu, não existe mais.
P/1 - Por que vocês eram tão próximos?
R - Porque nós era uma família muito assim, amorosa uns com os outros. E o meu tio, eu pra mim que ele não era só meu tio, eu pra mim que ele era meu irmão, era meu pai, ele era tudo para mim, ele era uma pessoa muito importante pra mim, porque ele era ótimo. Pensa numa pessoa maravilhosa.
P/1 - O que a senhora sabe sobre a origem da sua família?
R - Eu não sei muita coisa da origem deles, não.
P/1 - Tem alguma vivência, alguma história que para a senhora foi inesquecível da sua infância, que a senhora lembra?
R - O meu pai, ele foi embora eu era pequena. A minha mãe ficou grávida, ele não chegou nem conhecer a filha. Hoje minha irmã já tem 58 anos, e não se conheceram. O meu pai foi embora e a gente ficou sozinho sem ele. Então, isso é uma coisa que marcou a minha vida, ser criada longe do meu pai, uma pessoa que eu tanto amava. Mas tive a felicidade de encontrar com ele depois de alguns anos, e viver com ele até o dia que Jesus chamou ele. Ele estava na minha casa.
P/1 - Quantos anos a senhora tinha quando seu pai se foi?
R - Meu pai morreu, eu tinha quarenta e poucos anos. Ele já morreu aqui na Serra Pelada. Ele veio me visitar e aqui ele morreu. E a última palavra dele pra mim… Eu disse: “Pai, eu vou caçar um carro para lhe tirar” “Não minha filha, não dá mais tempo! Mas se eu partir do lado da minha filha e da minha neta eu vou morrer feliz” Uns 10 minutos depois ele partiu. Meu pai era um homem tão carinhoso que ele nunca me chamou pelo meu nome, ele só me chamava “minha querida”. Foi uma pessoa que me deixou muito exemplo de vida, era uma pessoa carinhosa, meu pai era tão carinhoso com os filhos, ele sabia entender a gente, mesmo que a gente errasse, ele não era aquele pai bruto, não! Ele sabia conversar, ele sabia explicar, dizer que as coisas não estavam certas daquela forma. Então, eu não tive só um pai, eu tive um amigo também.
P/1 - Dona Maria, como é que foi a sua infância em casa? Com a sua mãe, com os seus irmãos?
R - Foi muito boa, fia! Quando a gente tem uma uma família boa, uma família de pessoas carinhosas, que entende a gente, que procura entender. Eu sei que eu era uma pessoa meio travessa. Até hoje eu ainda sou meio perigosa, imagine quando era mocinha. Mas eles foram muito bons, sempre souberam me levar no conselho, sempre me ajeitaram. E acabou dando tudo certo!
P/3 - Como era a relação da senhora com os seus irmãos?
R - Muito boa! O meu irmão mais velho, ele era meio bravo, ele era muito direito, devido ele ser muito direito ele me castigava no reio. Mas foi só esse. Mas os outros tudo me agradava, fazia de tudo assim para não me ver aborrecida, triste. Eu tinha irmão quer ele dizia: “Maria, você é a alegria dessa casa, sem você essa casa é triste”
P/3 - Vocês como criança aprontaram?
R - Toda criança gosta de aprontar uma hora ou outra, às vezes, brigar na rua com os outros, porque eu com meus irmãos nunca gostei de brigar. Eu, às vezes, apanhei para defender meus irmãos, porque de primeiro tu sabe que a lei era dura, não era? Mas, às vezes, um irmão meu fazia um mal feito, eu dizia que era eu. “Não, isso aí não foi ele não, fui eu!” Porque eu sabia que a pá que ia cantar. Então, eu pegava, que eu era dura mesmo. Até hoje eu costumo, às vezes, tomar partido de neto, dos outros. “isso aí fui eu que fiz. Então, você vem me bater? Porque fui eu que fiz!” Arrumar confusão.
P/3 - Por que a senhora faz isso?
R - O amor que é demais.
P/1 - Dos seus irmãos, qual que a senhora era mais próxima?
R - Todos eles eram muito próximos, mas o Raimundo, meu irmão, e a Núbia, eram meus amores.
P/1 - Por que a senhora era mais próxima deles?
R - Ele eram muito mais carinhosos do que todos. A Nubinha até hoje, ela é viva, ela é muito carinhosa, ela só me chama Neguinha, meu amorzinho, ela sempre foi muito carinhosa, então não tem como a gente não ser…
P/1 - A senhora tem alguma lembrança de alguma brincadeira, de alguma coisa com eles?
R - “Cair dentro do poço, quem me tira? É me bem. Quem é seu bem? É fulano de tal”. Meu Deus! Lembrar o passado a gente acaba chorando.
P/1 - Dona Maria, qual era a brincadeira que a senhora mais gostava?
R - Cair dentro do poço. Sei lá, eram tantas brincadeiras naquela época. Era tudo brincadeira boba, não é que nem hoje, né! Mas tudo aquilo.. Cantar verso, tudo pra mim era bonito, brincar de roda. Eram as coisas da época.
P/1 - A senhora nos contou que morava em roça…
R - Era interior, não era bem na roça.
P/1 - Como era o interior que a senhora morava?
R - Lá era um interior pequeno, tinha poucos moradores, só que os moradores, aquele povo todo, tudo era amigo, tudo era compadre. Naquela época o pessoal batizava os filhos. Então, aqueles vizinhos tudinho era compadre dos pais da gente. E a gente tinha aquele carinho pelos vizinhos. Aquelas noites de luar, aquelas luas bonitas, aquilo os vizinhos iam logo lá para casa, a gente ia debulhar fava, feijão. Às vezes, tinha um rapaz de olho na gente, ficava por debaixo da mesa triscando no pé da gente. Vixe, aquilo era uma emoção tão grande, tão grande, tão boa. Não é que nem hoje que as coisas são tudo muito liberal. De primeiro a gente era diferente, aquela lua bonita a gente aproveitava para debulhar feijão, ou fava. E conversar, contar história. E os rapazes de uma hora para outra dava uma triscadinha no pé da gente de baixo… Era tão legal!
P/3 - Os pais deixavam vocês à vontade?
R - Os pais ficavam por perto. Naquele tempo pai não deixava gente jovem assim, muito a vontade não, porque é perigoso. Tu sabe, né? Os pais sempre ficavam por perto. Lá em casa era o meu avô. Ele era gente boa demais, foi quem me criou, na ausência do meu pai. Então, ele sempre ficava por perto, ajudando a gente. Mas nem com isso empatava dos rapazes darem uma triscadinha com o pé no pé da gente.
P/1 - Dona Maria, como eram os seus avós?
R - Meus avós… Eu fui uma pessoa de muita sorte, posso dizer que Deus é muito generoso comigo, sempre foi e será. Porque os meus avós eram pessoas tão boas pra mim, era um segundo pai. Os velhos carinhosos com os netos, criava assim… Para eles nós era muito prazeroso na vida deles, eles cuidar da gente era um prazer. Ensinar a trabalhar, eles sempre ensinaram. Lá em casa todo mundo trabalhava, não tinha essa de viver sem trabalhar, não. O jovem de manhã cedo ia para roça. Ele levava pequeno, ele começava a levar para a roça. E as mulheres ficava em casa, era lavando roupa, era carregando água na cabeça, que era mais de um quilômetro pra gente pegar água. Era pisando arroz, à noite às vezes até fiava, às vezes, sentava lá fora batendo papo, mas as mãozinhas tava trabalhando, fiando, produzindo, dava uma rodada que era para torcer a linha. Mas eles foram muito carinhosos comigo.
P/1 - Dona Maria, o que vocês faziam com as peças que vocês fiavam?
R - A gente fiava que era para fazer rede naquela época, coberta. Naquela época não tinha rede que nem hoje, que a gente vê em todo comércio tem rede pra vender, não! Eram as mulheres que fiavam e levava para o tear, tinha alguém lá que tinha que tear. A gente até visitou agora, né? E aí, fazia as redes, aquelas redonas de algodão branca, redona bonita. Minha mãe fazia labirinto para botar aquelas redona linda.
P/1 - O que era tear?
R - O tear é um maquinário, como é que se diz, manual, com ele vai tecendo as peças e vai fazendo as redes, vai fazendo tudo.
P/1 - Como era a sua rotina quando a senhora era jovem?
R - Era trabalhando, naquele tempo não tinha assim, muita folga não. O domingo que às vezes tinha um vesperal, sabe o que que é vesperal? Era umas festas ao dia assim, do meio-dia para à tarde. Aí, fazia um vesperal na casa de uma pessoa, os pais de família ia lá levar as moças, os rapazes, para dançar, brincar.
P/1 - E o que acontecia mais nesses vesperais?
R - Era só dançar. E quem tinha um namorado também, ficava por ali. Não era assim, namoro arrochado que nem hoje não, primeiro tu tinha que ser suave, tranquilo.
P/3 - Que horas terminava o vesperal?
R - Sempre ia até às seis, seis e pouco. Festa de sanfona, pandeiro, aqueles tamborzão, o triângulo. Rapaz, aquilo era animado demais! Eu ficava com os meus pés que era só dedo, quando eu escutava aquilo ali tocando. Era muito bonito as danças também, um rapaz pegar uma moça com delicadeza, não ficava pulando feito um bando de doido, não. Hoje parece um bando de doido pulando.
P/1 - Como as pessoas iam para a festa aquele tempo?
R - Ia! Naquela época os pais de família iam levar as suas filhas para dançar. E tinha pai de família que gostava de dançar também.
P/3 - Vocês iam de que forma?
R - A pé! De primeiro era no pezão. De primeiro quem tinha um cavalo bom ia num cavalo bom, e quem não tinha era no pé. Aquilo era bom demais. Ninguém ouvia falar em diabetes, em colesterol, em nada. É porque o povo se esforçava, andava, era assim.
P/1 - Quais eram as comidas que vocês mais comiam?
R - Rapaz, naquela época, nego comia arroz, feijão, chambaril, galinha caipira. Porque não tinha galinha de granja, não tinha essas coisas não. Era porco, era tudo, era abóbora, era o que pintava nego comia. O que não faltava era apetite.
P/1 - Dona Maria, a senhora lembra da casa onde a senhora passou a sua infância? Como ela era?
R - Muito. Minha casa era uma casa grande de taipa, coberta de palha, a frente assim, era areoso, muito bacana! Era uma casinha simples, era uma casinha simples, mas a gente era feliz. Foi uma época na vida da gente que a gente é feliz e não sabe, eu já disse isso uma vez para um irmão meu, quando ele ainda era vivo. E disse pra ele: “Raimundo, tem época na vida da gente que a gente é feliz e não sabe”. É quando a gente está junto com os pais, com os avós, os irmãos, todo mundo. Aí, de repente a gente vai e começar a perder. Quando a gente da fé tá quase só. Não é?
P/1 - Dona Maria, onde é que a senhora e seus irmãos dormiam?
R - Eu dormia no quarto com os meus avós. Que naquela época não tinha esse luxo de cada filho ter um quarto, não. E os outros dois dormiam num quarto, em rede, todo mundo dormia em rede naquela época lá em casa. Não era só lá em casa não, era todo mundo. A vida de primeiro não era… E todo filho naquela época era feliz, respeitava os pais. Às vezes, tinha uma roupinha melhor para ir na missa, ou para ir para uma festa. Mas todo mundo era feliz. Às vezes não tinha um sapato. Rapaz! Não tinha um sapato para calçar, mas todo filho respeitava os pais, não cobrava nada.
P/3 - Dona Maria, só para a gente entender. A senhora morou então boa parte da sua infância com os seus avós?
R - Foi! Meus avós e minha mãe.
P/3 - Mas eles moravam juntos?
R - Tudo junto! Era! Minha mãe ficou sozinha, aí depois que ela casou, que ela ficou morando vizinha, mas era aquela convivência só, todo mundo junto. Meu padrasto era uma pessoa muito bacana também, se entendia com toda a família. Então, nós nunca tivemos assim, divisão, não. Sempre foi muito próximo.
P/1 - E como era o sustento da família?
R - Na roça, fia! Era roça, naquele tempo todo mundo amanhecia o dia e ia para a roça. Só que a gente ia para a roça, plantava muito algodão. Toda época de safra de algodão, depois que colhia aquele algodão todinho, que vendia, é que ia para rua. Naquela época a gente comprava no comércio em um ano, para pagar no outro ano, na safra do algodão. E não pagava um centavo de juros. Aí, que vendia o algodão, que pagava a conta no armazém que se comprava, e fazia compra de tudo de novo. Naquele tempo comprava o querosene, ninguém tinha energia, era na lamparina. Comprava o querosene, sal, quase para o ano todo. Meu avô era um homem assim, muito farto, ele gostava de fartura na casa dele. Era o sal, ele não gostava de sair comprando pacotinho de sal, naquela época nem tinha pacotinho de sal, era os sacos grandes de sal grosso. Pois é! Comprava o sal, comprava as coisas necessárias, café, açúcar. Se por um acaso o açúcar acabasse, ele pegava uma cana e moía no engenho e fazia a garapa, e fazia café, e nós bebia do mesmo jeito. E era bom! Muito bom! Então, a gente criava muito porco, muita galinha. De tudo a gente tinha. E a gente sobrevivia tranquilo.
P/1 - Com quantos anos a senhora começou a trabalhar?
R - Eu comecei a trabalhar desde pequena, naquele tempo não tinha esse negócio de criança não pode trabalhar não. De pequenininha eu já ia lavar roupa mas a mãe, puxando água no poço, já tinha que trazer a bacia de roupa na cabeça. A vida de primeiro era diferente de hoje. Só que era legal, o povo era feliz naquela época.
P/1 - Do que a senhora mais gostava na sua infância?
R - Do convívio com a minha família, era o mais bonito de tudo.
P/1 - Dona Maria, a senhora estudou?
R - Muito pouco! Naquele tempo ninguém não se importava com estudo, aprendia a fazer o nome, tava bom demais. Tinha que aprender a trabalhar mesmo.
P/1 - Mas o pouco tempo que a senhora estudou, a senhora gostou?
R - Gostei! Porque de primeiro, professor não tinha que nem hoje nas escolas não, você pode botar um filho para estudar, você tinha que ir atrás de um professor, por dentro da sua casa, e aí vocês se juntavam à vizinhança e pagava aquele professor. Que era uma mixaria também. E o professor vinha porque gostava da profissão. Aí, ficava ensinando aquelas crianças, aprendeu a ler e escrever, tava bom demais. Só que naquela época o professor era igual um pai, filho respeitava, o que o professor falava ele tinha que obedecer, não era nem doido de dizer um não para o professor. Os pais até tirava o couro das costas.
P/1 - A senhora conheceu a palmatória?
R - Ora, não só conheci como foi usado na minha mão.
P/1 - Dona Maria, qual a primeira lembrança que a senhora tem da escola?
R - Finais de semana, naquela época nas escolas, tinha que dizer versos. A gente ia dizer verso, e aí eles faziam uma chamada, como é que chamava? O argumento, o argumento de colocar o nome aqui. “Maria, vem aqui!” Se eu não soubesse chamava outra, aquele outro não sabia, aí, ó… Palmatória. Aquilo é uma coisa inesquecível. Quando acertava, achava bom dar uma palmatorada no colega. Que eu sempre fui muito cheia de arte.
P/3 - E as crianças nessa época não sofria nenhum tipo de…
R - Nada! Quem é que se importava. Que nem hoje, négocio de bullying. Ninguém sabia o que era isso. Se alguém te chamasse de nego, não tinha problema, nego é nego mesmo. Eu pra mim, até hoje, preto e preto, branco é branco. Aí, hoje que o povo tem essa besteira, se um homem olha para uma mulher, é assédio. Que conversa, rapaz! De primeiro não tinha isso e todo mundo respeitava todo mundo. Aí, hoje tem essa molecagem. Isso pra mim é molecagem.
P/1 - Dona Maria, o que a senhora gostava de fazer para se divertir na adolescência?
R - Cantar. Eu gostava muito de cantar, a minha maior diversão era cantar. Eu ia pisar arroz, ia cantando. E eu tinha a voz bonita naquela época, hoje não tenho mais por causa da tiróide, ferrou. Eu gostava muito de cantar aquelas músicas daquela época. A minha mãe tinha dia que ela dizia assim: “Maria, mulher, tu não enjoa dessas suas cantorias” “Eu sei que a senhor acha bonito também.”
P/3 - Quais músicas?
R - Roberto Carlos, naquele tempo. As músicas do Roberto Carlos, eram muitos cantores.
P/3 - A senhora lembra alguma dele que a senhora possa cantar pra gente?
R - José Ribeiro. Eu não sei se ainda me lembro, meu Deus. Debaixo dos caracóis dos teus cabelos tem uma história para contar longe e tão distante. Era muito bonito. Agora eu não canto mais, não tenho garganta mais.
P/1 - Dona Maria, como é que a senhora escutava as músicas?
R - No rádio. Lá em casa não tinha rádio, mas às vezes, uma hora por outra, meu avô levava nós lá pra casa do vizinho, do seu Quincas. Até falei com ele essa semana, está com 90 e tantos anos. Aí, ele tinha um rádio sempre. Aí, juntava aquela vizinhança todinha e ia pra lá e ligava o rádio e a gente ficava escutando as músicas. Aquilo era muito bonito.
P/1 - Dona Maria, algo mudou quando a senhora ficou adolescente?
R - Não! Não, porque até hoje eu sou tipo adolescente, o que é de bom eu gosto de aproveitar também, fazer o bem, tá no meio das pessoas. Comigo não tem essas coisas, tem velho, porque tá velho se amoita. Eu não! Eu toda minha vida fui assim. Essa é minha vida. Conforme o toque eu tô junto, eu tô dançando. Então, pra mim não houve essa mudança toda não.
P/3 - Dona Maria, em termos de… a senhora chegou na adolescência, novas amizades. E chegou aquela fase, uma namoradinho. Houve alguma mudança em relação a essa situação?
R - Olha, namorar é uma coisa muito boa, né? O namoro, eu vou te falar, é uma coisa assim, que não tem nem como dizer que foi ruim, foi bom! Eu namorei um bocado, os cabras era tudo convencida, e eu também, ficava convencida. Porque os rapazes gostava de namorar comigo, outros queriam, eu não queria. Mas aquilo foi muito bom, aquilo foi uma fase boa da minha vida. Eu queria que voltasse hoje, eu nova.
P/1 - Como é que era o namoro daquela época?
R - O namoro de primeiro não é que nem hoje, não. Que tem o negócio do beijo da boca, e o aperta, aperta, não. Aquilo ali você sentava perto do cara, um apertinho de mão, era coisa pouca, o cabra não podia ser muito para a frente não. Que os pais também não deixavam só não, fica sempre, ó, de olho. Mas era bacana. Eu acho que o namoro, quando ele é mais reservado, ele é até melhor. Hoje as coisas são tão liberais, que eu acho que perde a graça. O rapaz namorar com a moça é um lambe lambe. E tem cabra que já quer ir para a casa das moças dormir lá. Ah, vai te danar! Eu não aceito isso não! Na minha casa, não.
P/3 - Dona Maria, naquela época, em relação aos namoros, quando os rapazes chegavam a certo ponto, que mexesse com aquela garota. O que acontecia?
R - Tinha que casar! Tinha que casar, se não casasse por bem, os pais obrigavam. Ou casa com a moça, ou então casa com os pais dela. Aí, quem queria casar com velho? Tinha que casar. Nem que casasse e um saísse por uma porta do cartório e outro pela outra, mas tinha que casar. Isso aí era lei. Tinha que casar.
P/1 - Como é que era os casamentos de antigamente?
R - De primeiro era simples, fia. Chegava lá, os nomes já estavam botados, chegava lá, casava, e pronto. Quando era na igreja… O pessoal gostava muito de casar, meu Deus, como é que se diz? Era uns casamentos que tu nem se conhecia com a moça. E aí, chegava lá o padre, ia dizer uma missa no interior, aí aquele rapaz chegava. “Minha fia, tu quer casar comigo?” “Bora!” Só chegava lá, botava o nome, e casava. Quando os pais botava fé, a menina que tinha saído pra missa já chegava casada. E eu conheço casal daquela época, que casou assim e vive até hoje.
P/3 - E como era a reação dos pais?
R - Tinha pai que ficava triste, a mãe chegava até a dar agonia, de surpresa. Mas, fazer o que? Depois de estar casados. Naquela época era comum fazer esse tipo de coisa. Eu achava era bonito isso aí. Mas os doidos que me convidaram eu não me agradei. “Quero não! Desse jeito, não!”
P/1 - E a senhora se casou Dona Maria?
R - Me casei no padre. Eu já me casei aqui no Goiás. Eu vim para onde meu pai, aí que eu me casei. Apareceu um motorista, que naquela época motorista era igual a Doutor, não era? Vixe, moça que se casasse com motorista, ela era uma sombra. Apareceu um caboclo, um motorista de fora, um negão muito ajeitado, e eu me casei com ele. Ainda vivemos 23 anos, tivemos quatro filhos. Foi bom, valeu! Hoje ele mora com Deus.
P/1 - Do que foi que ele faleceu?
R - Foi derrame, que é o AVC. Ele foi pra Belém, e quando ele vinha, ele passou mal na estrada, foi levado pra Marabá, chegando em Marabá ainda entraram no hospital, ele morreu.
P/1 - Como foi que vocês se conheceram, a senhora lembra?
R - Eu lembro. Foi no Goiás, tô te falando que ele apareceu lá, ele era motorista, e ele veio fazer um frete lá e a gente acabou se conhecendo. E aí, não deu outra.
P/3 - Nessa época…
R - Os partos naquela época não era fácil não Carlinhos, morria muita mulher de parto. Eu mesmo, eu nunca fiz uma ultrassom. Eu tive esses filhos, eu nunca fiz um ultrassom. Ninguém sabia também se a criança era homem ou mulher, só na hora que ganhava. Aquela época era com uma parteira. Era raro uma mulher que ia no médico, era raro. Era parteira, dava as dores, chamava uma parteira. Tinha mulher que passava dois, três dias passando mal, a bichinha com dor. Tinha delas que até morria de parto.
P/1 - Como a senhora descobriu a sua primeira gravidez?
R - É porque naquela época quando a gente via faltar os tempos da gente, não era outra coisa não, era gravidez mesmo.
P/1 - Qual foi a sua reação?
R - Muito boa! Fiquei muito feliz. Filho é presente de Deus. Quando a gente tem um filho, Ave Maria, é uma benção. Não tem como não ficar alegre não, fiquei muito alegre. Cada filho meu foi um presente que Deus me deu. Sou muito feliz com os filhos que Deus me deu. Sempre tem uns que é mais trabalhoso um pouco, mas isso é normal. No meio de uma família não só tem santo não, mas eu agradeço a Deus que todo mundo é pai de família, todo mundo trabalha, isso pra mim já é um privilégio e uma benção de Deus, não é? Sou muito feliz com os meus filhos.
P/1 - A senhora diz que foi para o Goiás, como foi isso?
R - É porque meu pai, quando ele veio embora do Maranhão, ele veio aqui para o Xambioá, que a mãe dele morava aí, no Xambioá. Então, depois de muitos anos, ele mandou um moço, que era da nossa região e morava aí. Ir lá no Maranhão e saber qual era dos filhos dele que queria vir para onde ele. Aí, eu e um outro irmão decidimos de vir morar com ele. Aí, a gente veio morar com ele. Meu irmão mais velho já tinha vindo. Meu irmão mais velho ele veio trabalhar porque o pessoal dizia lá, que o meu pai tinha vindo embora e tinham matado ele, justo na região de Xambioá, que era o garimpo do Chiqueirão, naquela época, né! Aí, meu irmão saiu no mundo, meu irmão quando completou 18 anos, ele disse: “Eu vou descobrir onde meu pai é sepultado. Eu tenho que descobrir”. Ele veio numa firma por nome de CBPO, Araguaína. Aí, aos finais de semana, eles iam jogar em Xambioá, o pessoal de lá da firma, e ele vinha. Aí, ele ficava indagando, procurando a um e outro, que conheceu o Zé Felícia que o nome dele era Zé Lopes, mas chamava ele de Zé Felício por causa da mãe dele, que era Felício. Aí, meu irmão ficou procurando até, e nunca ninguém sabia quem era Zé Lopes. Aí, até que um dia ele falou com o meu pai mesmo, procurou. “O senhor tem muitos anos que mora aqui?” Meu pai disse: “Tenho, tenho muitos anos que moro aqui!” “O senhor conhece todo mundo?” Ele disse: “Conheço! Por que?” “É que eu estou procurando um moço que veio embora pra cá, para essa região, e disse que mataram ele aqui. E eu tinha muita vontade de ir no túmulo dele, acender vela.” Aí, ele disse: “Meu filho, como é que é o nome dessa pessoa?” Aí, ele falou: “É Zé Lopes, e ele veio pra cá e disse que mataram ele aqui.” Aí, meu pai disse: “Zé Lopes? O que que o Zé Lopes é seu? Conheci!” Ele disse: “Era meu pai. E aí, eu tô vindo para descobrir onde é o túmulo dele. Porque o meu sonho é acender vela para o meu pai”. Aí, ele disse: “Pois você acabou de encontrar seu pai. É eu!” Aí, com isso, aí ele contou pra ele, que eu era muito apaixonada por ele, e eu tinha muita vontade de reencontrar ele. Aí, ele mandou esse moço ir lá no Maranhão. Naquela época tudo era muito difícil, não é que nem hoje. Hoje você sai daqui de manhã, de tarde você está no fim do mundo. De primeiro, não! Aí, ele mandou o moço ir lá buscar nós. Aí, veio eu e outro irmão pra onde ele. E aí… Foi aí que eu encontrei o maridão.
P/3 - Dona Maria, como foi essa questão da separação do seu pai e da sua mãe? Quantos anos a senhora tinha?
R - Eu acho que eu tinha uns cinco anos, Carlinhos. Eu não tenho certeza absoluta. Mas eu não acho que era uma faixa de 5 anos, 6 anos, por aí. Porque o meu pai, ele vivia bem com a minha mãe, só que meu pai era muito bonitão, e minha mãe muito ciumenta. O meu pai ele… a minha mãe pegava muito no pé do meu pai, por ele ser um cara bonitão, sabido. Aí, ela tinha muito ciúmes. Acho que ele se cansou daquele lenga lenga de gente ciumenta. E um dia ele foi para uma festa e dessa festa ele foi embora, nunca mais voltou lá. Com os filhos pequenos, quatro filhos pequenos e ficou uma na barriga, que ela ficou grávida. Ele saiu em março, abril e maio, minha mãe ganhou ela. Ele morreu e não conheceu essa filha.
P/1 - Como é que foi o encontro da senhora com o seu pai?
R - Ah, foi o dia mais feliz da minha vida. Quando o moço chegou lá, que chamou ele: “Zé Lopes, olha aqui os seus filhos”. Ele estava deitado, ele levantou, meu pai chorou nesse dia, e eu também. Nós todo mundo chorou, até a esposa dele, todo mundo chorou abraçado.
P/1 - Dona Maria, como foi a reação da sua mãe, quando seu pai foi embora?
R - Eu não tenho muita lembrança assim, que eu era meio pequena, mas que eu saiba minha mãe sofreu demais. Ela era muito apaixonada por ele, muito apaixonada mesmo. Então, ela sofreu muito. Mas teve que agir, porque tinha os filhos, tava grávida também. Então, ela foi encarar o serviço. Mas o meu vô era uma pessoa muito boa, gostava muito dos netos, e aí acolheu todo mundo e ajudou a criar os filhos dela. E foi uma benção, porque não deu nem um marginal, todo mundo é trabalhador, pessoas de bem. Foi uma benção. Valeu a pena o sacrifício dela. Minha mãe, ela quebrava coco, ela ia para a roça trabalhar. Ela fazia de tudo, porque naquela época não é que nem hoje não, que a mulher vai para o escritório, vai para uma empresa, naquele tempo não tinha isso não. Mulher naquele tempo era cuidar de casa, ou então de roça. Era essa a vida de mulher naquele tempo. Mas ela enfrentou tudo. E ela sempre dizia, que valeu a pena, ela faria tudo de novo, pelos filhos.
P/1 - Dona Maria, ela tornou a se casar?
R - Depois de 5 anos. Ela passou 5 anos na esperança dele voltar. Depois de 5 anos, aí apareceu lá a história, que tinham matado ele, aí ela ficou mais um ano, aí depois de um ano aí ela casou. Apareceu um viúvo, aí ela casou. Morreu casada com esse viúvo. Morreu os dois já. Teve dois filhos mais, dois filhos homens.
P/1 - Voltando à história do seu casamento. Como era a convivência da senhora e do seu esposo?
R - De muita confusão. Era igual a história do meu pai com a minha mãe, meu marido tinha muito ciúmes. Ele era mais velho do que eu, acho que ele, não sei! E aí, ele tinha um ciúmes terrível. É tanto que a gente se separou antes dele morreu, ele morreu a gente era separado, que eu não aguentei mais. Era muita conversa, era muita palavra de baixo escalão. Era muita coisa para me ofender, até que chegou um dia que eu não dei mais conta, eu falei para ele: “Meu filho, a gente é casado, mas não é obrigado a viver a vida inteira”. Depois de 23 anos nos separamos.
P/1 - Como casamento naquela época alguém separava? Como era a reação das pessoas?
R - Eu já separei dele aqui. Não, acho que quase todo mundo entendeu, porque é muito difícil, a gente viver humilhado, uma pessoa atribulando, dizendo coisas que você não faz o tempo inteiro. Isso é muito difícil. Aí, eu fui uma pessoa que eu sempre trabalhei, sempre lutei pela vida. Eu criei os meus filhos botando bacia de cuscuz na cabeça aqui e saindo aí na chuva… Acho que tu ainda lembra, né? Botando banca, onde tinha um movimento de gente eu estava levando as minhas coisas para vender, minha comida, meu beiju, meu bolo frito. Foi assim minha vida. Então, pra mim não teve nem muita diferença, que eu me virei trabalhando. Aí, depois de um tempo eu arrumei outro marido, ainda morei 15 anos com esse outro. Era um homem muito bom, eu me atrevia viver 200 anos com ele, mas no dia que ele bebia, o diabo saia de dentro da garrafa, ele tinha um negócio de querer matar, que o negócio dele era só matar, ele só pensava em matar. E aquilo ali me fez eu correr muitas vezes de casa, até a noite, com medo de morrer. Aí, quando ele ficava bom, ele era uma pessoa boa, me pediu perdão. “Minha Velha, nunca mais na vida isso vai se repetir”. Às vezes não passava 15 dias, era tudo de novo. Mas esse nós separamos porque ele matou um rapaz aqui, ele matou um irmão e baleou outro. Aí, ele foi para o Maranhão e eu não quis acompanhar. Ele morreu lá no 32.
P/3 - Dona Maria, a senhora conheceu o seu primeiro esposo nessa vinda que a senhora veio para conhecer o seu pai?
R - Não, porque eu já morava com o meu pai quando eu conhecei ele. Eu já conheci ele lá, eu morava junto com o meu pai.
P/1 - A senhora falou que se separam aqui em Serra Pelada. Como foi essa vinda pra cá da senhora para Serra Pelada?
R - Quando eu vim para Serra Pelada, eu já morava no Eldorado dos Carajás. Em 1981, ele trabalhava aqui no garimpo. Aí, eu disse pra ele… Eu sempre queria ficar perto dele, que eu acho que lugar de mulher é perto do marido. Aí, eu disse pra ele. “Barbosa, tu podia me levar. Tu arrumava um pontinho pra mim no Dois e eu ficava trabalhando” [intervenção] Aí, ele me trouxe pra cá para o Eldorado. A gente morou de 1981… [intervenção]
P/1 - Dona Maria, vou repetir a pergunta novamente por causa da interrupção, tá? Dona Maria, a senhora mencionou que vocês se separaram já aqui em Serra Pelada. Como é que foi a sua vinda para Serra Pelada?
R - Pois é, em 1981 ele veio para cá trabalhar, no comecinho do garimpo, foi no fim de 1979, para o começo dos anos 80. Aí, quando foi em 1981, eu queria ficar perto dele, eu falei pra ele. “Barbosa, me leva para o Eldorado, lá pode arrumar um pontinho pra mim eu fico trabalhando e tu vai para o garimpo, todo final de semana tu tá em casa”. E foi assim, ele me trouxe para o Eldorado. Aí, eu fiquei lá de 1981 a 1986, trabalhando, vendendo comida, ganhando dinheiro. E foi muito boa a nossa viagem. Aí, em 1986, quando liberou para entrar mulher, ele já alugou um ponto aqui para restaurante e me trouxe pra cá. Aí, eu vim trabalhar aqui em Serra Pelada. Aí, que eu vendia comida, eu vendia bebida, assim, refrigerante, suco, lanche. Tudo eu vendia aqui! Foi muito bom a gente ter vindo pra cá. Pois é! Então, foi muito bom a gente ter vindo pra cá, porque era meu sonho conhecer Serra Pelada e ficar perto dele. Então, foi muito bom que a gente ficou junto aqui vendo os nossos filhos crescer, porque eu acho que é muito importante, na vida de um casal a mulher tá perto do marido, o marido e a mulher acompanhando o crescimento é a educação dos filhos. A mulher ficar para uma lado e o marido para o outro, eu não acho muito legal.
P/1 - Dona Maria, qual foi a primeira impressão que a senhora teve de Serra Pelada ao chegar aqui?
R - Foi a melhor. Só impressão boa. Esse lugar aqui pra mim, eu já disse para o Carlinhos, que Serra Pelada pra mim foi um paraíso. Eu acho que o meu sonho era tão grande de conhecer esse lugar, que eu não podia ser mais feliz na minha vida do que vim para Serra Pelada. Quando eu entrei nesse lugar eu me encantei com tudo, o movimento de gente, que era muito grande, o reencontro da gente com os conhecidos. Foi muito legal!
P/2 - Por que a senhora não veio direto para Serra Pelada?
R - Porque não entrava mulher. Naquela época, mulher, bebida, tudo era proibido aqui. Aí, só liberou para entrar mulher em 1986. E eu não fui a primeira mulher que entrei aqui. Mas fui uma das primeiras, porque na hora que liberou, meu marido já tirou autorização e me trouxe pra cá, pra mim conhecer. E eu já não fiquei de vez aqui, porque eu estava esperando a Seliane, tava bem pesadona. Mas aí, ele montou o restaurante, botamos gente para trabalhar, e eu ia e vinha, quase todo dia eu ia e vinha pra cá. Ele dizia: “Uma hora tu ainda vai ganhar esse menino aí na estrada”. Ainda não sabia o sexo das crianças naquele tempo.
P/2 - E como é que a senhora ia e vinha? Qual era o transporte que usava naquela época.
R - Não, transporte tinha demais aqui, tinha os pau de arara, tinha caminhonete do meu amigo Azulão, que era meu cliente, ia comer lá na minha casa. E os outros também. Eu sempre tive muita amizade com os motoristas da linha, porque eu vendia comida no Eldorado, então eu tinha aquele entrosamento. Todo dia eu podia vim e voltar, nem gastava nada, que o povo não me cobrava, porque era tudo meus amigos e meus clientes, pra mim sempre foi muito fácil viajar. Até hoje!
P/3 - Dona Maria, então a senhora já trabalhava com restaurante?
R - Já, eu já trabalhava com restaurante. Era assim, não era bem um restaurante, era uma barraca ali, bem em frente ao Gordo, tem aquela área ali no meio da rua, ali era só barraca de mulher vendendo comida, e eu tinha um ponto ali. Pois é! Fui muito feliz ali.
P/2 - Então, Dona Maria, a partir do momento que teve a liberação das mulheres, a senhora já começou a botar o ponto aqui para vender comida?
R - Sim! Lá no Sereno, lá no Sereno, ali bem em frente a irmã Inácia, não era em frente, era do lado da irmã Inácia, tinha um ponto lá que dava o nome de Sorveteria do Ceará. Aí, foi esse ponto que o meu marido alugou para nós. Aí, daí eu comecei que nem Cigano, de uma hora para outra eu mudava. Aí, parei aqui no Pau da Mentira. Rodei nessas casas aqui quase todas. E tô aqui até hoje.
P/1 - Dona Maria, por que deram esse nome Pau da Mentira para essa árvore?
R - É porque essa árvore aqui, ela sempre foi uma árvore muito bonita, grande, é aquela copa maravilhosa que trazia uma sombra boa. E era ponto também de caminhonete, naquela época aqui. Aí, o pessoal vinha pegar carro, contando história e uma hora por outra soltava uma mentira.
P/3 - Dona Maria, o comércio que a senhora abriu, a senhora teve êxito em vendas, ou sofreu alguma dificuldade no início? Como foi sua trajetória comercial dentro da comunidade de Serra Pelada?
R - Carlinhos, foi muito bom. Naquela época tudo que a gente botava para vender a gente vendia. Só que o preço era muito mínimo, os lucros eram pequenos, pelo fato que naquela época tudo aqui era tabelado. Você não vendia as coisas do preço correto, você tinha que vender no preço que a coordenação, a Polícia Federal dava. Então, eu acho que eu nunca ganhei muito dinheiro aqui. Eu trabalhei muito, vendia muito, mas os lucros eram pequenos, que aqui tudo era tabelado, se você vendesse um café fora do preço, naquela época, a polícia vinha, e eles não vinham para conversa fiada não. Eles vinham mesmo era duro, eles jogavam pesado com a gente. Então, a gente tinha que obedecer. Só que aqui Carlinhos, naquela época era tão bom, aqui tudo tinha norma, tudo tinha regra se você tava aqui, quando desse dez horas, todo cliente sabia que não podia passar daquela hora. Todo mundo, tava dando dez horas, todo mundo pagava e já ia embora. Não tinha essas enrolação não. Era uma coisa assim, todo mundo tinha aquele respeito pela ordem aqui no lugar. Você podia dormir também com a porta aberta, não tinha nenhum problema, não tinha ladrão. Então, Serra Pelada pra mim sempre foi muito bom. Pois é! E eu vendia muito.
P/3 - A senhora comercializou dentro da cava?
R - Lá dentro da cava eu nunca fui vender nada lá. Eu ia para lá para pedir reck. Eu fazia uma garrafa grande de cinco litros de café, quando era, às vezes, duas, uma hora da manhã, eu fazia uma garrafa grande de cinco litros, lá eu servia um cafezinho e pedia o reck. O que que era o reck? Aquele pessoal que ia subindo do garimpo, todo mundo trazendo um saco de terra, de cascalho. Eu dava um café. “Mano, daí um tiquinho de terra aí, um reckzinho”. Pessoa metia assim a mãe e tirava cheia de terra e botava. Quando amanhecia o dia, meu filho, eu já tinha era dois, três sacos, cheio de reck. Eu que não fui bonita para ouro, eu nunca peguei um reck rico. Mas pra pegar aquele pouquinho de dinheiro, eu sempre peguei. Deus me abençoou.
P/1 - Dona Maria, e quem cuidava dos seus filhos enquanto a senhora trabalhava?
R - Eu. Eu tinha minha filha mais velha, quando eu vim para cá ela tinha uma faixa de 9 anos, e aí se eu saía para trabalhar ela ficava cuidando dos irmãos. Eu também sempre tive alguém que trabalhou aqui, porque como eu mexia com restaurante, eu sempre tinha gente trabalhando aqui, cuidando. Eu ia resolver uma coisa, ia resolver outra, comprar. Quem comprava tudo sempre fui eu, porque eu sou enjoada, eu sou muito exigente com as coisas, quem me conhece sabe disso. Então, eu que gosto de comprar, tudo era eu que ia comprar, eu começava pelo leite, e a carne, e tudo, tudo era eu que tinha que comprar. Mas aí ficava. A Comadre Consola mesmo ficou um ano morando aqui mais eu, quando ela veio pra cá pro garimpo, ela morou um ano aqui.
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P/1 - Dona Maria, os produtos que a senhora usava vinham de fora ou a senhora comprava aqui em Serra Pelada?
R - Tudo a gente comprava aqui, naquela época não tinha isso, não. Até porque tudo era tabelado, aqui sempre as coisas foram mais baratas do que lá fora. Tudo era tabelado. Você ia num comércio, você comprava uma lata de óleo, se você fosse em outro comércio, era o mesmo valor, tanto fazia você comprar aqui perto como você ir no fim da Currutela. Porque os comerciantes não era besta de pegar e vender mais caro, porque era tudo tabelado.
P/1 - Dona Maria, como eram as casas aqui antigamente?
R - As casinhas naquela época eram fraquinhas, muitos barraquinhos de plástico, muitos barrinhos que eram de pau, em pé assim, coberto de plástico. E outros eram de tábua. Naquele tempo aqui não tinha casa construída, eu não conheci casa construída.
P/1 - Dona Maria, aqui tinha escola para as crianças?
R - Tinha! Tinha escola. Meus filhos quando vieram pra cá, foram estudar na escola Serra Pelada, lá em cima. Teve, parece que era Rita Monteiro, bem aqui onde é essa cooperativa, também era uma escola. Tinha escola, sempre teve.
P/1 - E quando as mulheres iam dar a luz, podia dar aqui em Serra Pelada, ou tinha que ir para fora para ter bebe?
R - Mulher, tu sabe que eu não lembro bem não, mas me parece que mulher ganhava neném aqui, que até o pessoal tinha medo da Terezona. Lá embaixo, no hospital no fim da pista, tinha, ganhava aqui mesmo. Agora eu, Graças a Deus, eu nunca ganhei nenhum filho aqui, não. O Maurício eu ganhei no Peba. Fui levar a Seliane doente, a Mauricélia, lá eu ganhei o menino. Graças a Deus!
P/2 - Mas o que encantou em Serra Pelada que fez a senhora ficar aqui.
R - Acho que tudo. Eu sou apaixonada pela Serra Pelada. Eu não sei se ela é apaixonada por mim, mas eu me apaixonei pela primeira vez que eu ouvi até falar de Serra Pelada. Eu gosto de Serra Pelada, eu moro aqui com paixão por esse lugar. Já teve pessoas que até sorriu de mim de eu falar, pra mim Serra Pelada é o melhor lugar do mundo. Eu sou apaixonado por esse lugar. Tudo aqui nesse lugar me encantou.
P/1 - E a senhora foi uma pessoa que viajou tanto com seu marido, para vários lugares. Por que é que a senhora gosta tanto de Serra Pelada?
R - Não sei, mulher! Não sei se é porque aqui tem muito ouro, e eu sou apaixonada por ouro. Pode ser isso!
P/2 - Dona Maria, naquela época tinha muitos comerciantes aqui?
R - Tinha! Tinha muito comerciante, aqui tinha muito comércio grande naquela época. Ali tinha uma rua ali, que hoje não existe mais, que era a Rua do Comércio, era só comércio. Pois é! Aqui tinha! Aqui tinha muita loja boa, aqui tinha de tudo.
P/1 - Dona Maria, o que as pessoas antigamente faziam em Serra Pelada para se divertir?
R - Aqui tinha… Como é que? Tinha o Transasom, que era uma casa de festa. Conheceu Carlinhos? Pois é! Tinha o Transasom, tinha a Palhoça lá embaixo. Outras coisas eu não me lembro mais não.
P/1 - Tinha muitas festas?
R - O Playback, tinha o playback. Tinha! Tinha muita festa. Eu mesmo não ia não, mas eu via o fuá como é que era, os jovens naquela época. Eu tinha uma filha que ficou mocinha aqui, a Célia, nossa, ela gostava de festa. Depois veio a Maurinha. Tinha o Jadson que tinha um conjunto, JCR, que a Maurinha ainda cantou nele aí. Tinha as festas, tinha essas festas juninas, arraial, né? Tinha também que era muito bom naquela época, isso aí eu ainda fui várias vezes, levar as meninas, ficava lá, muito legal!
P/1 - Dona Maria, a senhora desenvolve o que hoje? Faz o que hoje em dia?
R - Só vendo comida e conto lorota.
P/1 - Fale um pouco sobre seu pontinho aqui em Serra Pelada?
R - Meu ponto? Meu ponto aqui é uma benção que foi um presente de Jesus Cristo pra mim. Porque quando eu comecei a trabalhar aqui era uma barraquinha de palha, digamos que fosse um três por três, eu não tenho a metragem assim correta. Mas digamos que era assim um três por três, coberto de palha. E Jesus me concedeu a benção, que hoje eu tenho uma casa com mais de trinta metros de casa, cerâmica até em cima, não poupei na cerâmica não, botei até em cima. E eu sobrevivo daqui, aqui é uma benção de Deus. Todo dia Jesus prepara pessoas para vir até aqui, os que não vem comprar, mas vem para bater papo comigo, isso é uma felicidade que eu fico. Só Deus sabe o tamanho da minha alegria. Então, daí por diante é só alegria. Eu posso não sorrir toda hora, mas dentro dessa casa tem felicidade, porque eu sou muito feliz, muito agradecida a Deus por esse lar que Jesus me deu. E hoje eu convivo aqui com meus amigos, com filho, neto. Já tenho bisneto também, que todo dia vem por aqui malinar e me fazer feliz. Então, só resta dizer que eu sou a mulher mais feliz do mundo.
P/1 - Dona Maria, a senhora já foi visitar seu familiares depois de ter vindo pra cá?
R - Quase todo ano eu vou na minha família. Eu vou no Maranhão, às vezes passo uma semana por lá. Depois eu vou aqui no Tocantins, ver a minha nova família, que eu tenho aí os meus irmãos. Eu sempre vou. A minha madrasta, que ainda é viva. Agora, ano passado ela teve aqui. E que é uma pessoa espetacular, minha madrasta. E toda minha família. É por isso que eu sou tão feliz, porque eu tenho uma família que me ama. Sem contar o tanto de amigo que me ama. Então, isso é prazeroso, não é? Eu sou uma mulher feliz, viu minha fia. Queria eu que Deus abençoe cada um de vocês, que tivesse a alegria que eu já tive aqui nesse lugar.
P/1 - Aqui convive quantas pessoas? Os filhos ainda convivem com a senhora?
R - Não! Meus filhos tudinho tem a casa deles. Mas a Seliane mesmo mais o Carlos, se eu der uma gripe eles junta tudo e vem dormir aqui, no meu quarto, junto comigo. Ninguém me deixa sozinho. Eu até brigo. “Não gente, pelo amor de Deus, vão dormir na casa de vocês” “Não, a senhora não vai ficar só”. No período da pandemia ficaram um ano morando aqui comigo. Tem a casinha deles, bem aqui, uma casinha grande, bem boazinha a casinha deles. Mas vinham ficar porque gostam de mim, me amam, meus filhos e meus netos. Tem o Victor, que já é casado, mas trabalha comigo, nunca me deixou. Empresa já chamou ele, tudo, mas ele diz: “Não, eu não abandono a vó não, eu vou ficar é com ela”. Então, é assim! Tem uma filha que mora no Peba, mas sempre vem aqui tá comigo. Então, isso é muito bom. Um dia desses, seu Joaquim da Valdelice, a Valdelice chegou a fazer um comentário comigo. E disse que um dia tinha aqui um monte de filhos. Todo mundo final de semana almoça aqui em casa comigo. Às vezes, até meio de semana, eles deixam de fazer almoço em casa e vem pra cá pra gente almoçar todo mundo junto. Aí, o seu Joaquim olhando de lá, né! Aquele monte de gente aqui, aquela farra, todo mundo comendo, todo mundo alegre. Aí a Valdelice disse que o seu Joaquim falou pra ela. “Olha, Valdelice, tu sabe quem é feliz aqui na Serra? É a Dona Maria, oiá aí a casa dela, cheia de filhos comendo lá, é neto, é genro, todo mundo, todo mundo alegre, você não vê alenga entre eles. É só felicidade. Não é que nem eu e você, que é só nós dois, não tem nem graça sentar na mesa dois velhos”. Eu digo: “É verdade, minha casa é muito alegre por isso, que a minha família me visita”. O Mauricio mora bem ali, às vezes, de manhã ele vem aqui. “Mãe, tem aí ó?” “Tem meu filho, a sobra da janta”. Vai lá e bota, vem comer ali fora. Ele tem a casa dele, lá não falta, lá tem! Mas é o prazer de vir aqui onde a mãe, comer aqui. Isso é muito bom, não tem preço. Não tem preço! Uma Família… A nossa família é a nossa base de vida, toda nossa estrutura tá na nossa família, se você tiver uma família amorosa, carinhosa, tudo vai bem, mesmo que venha um problema, uma situação, mas a gente consegue vencer tudo. Agora se a gente for só, aí fica difícil.
P/1 - Dona Maria, nos conte como é que foi para a senhora enfrentar a pandemia, covid 19. Nos negócios, na família, na questão de idade e saúde?
R - Foi muito difícil! Eu venci porque eu estava junto com a minha família e Deus na minha vida. Porque se não fosse era impossível. No dia que eu saí daqui e começou falando na televisão, pessoas morrendo, não tinha nem quem enterrasse. Aí, a minha filha veio do Parauapebas: “Mãe, pelo amor de Deus, junta tudo que você precisa, e vai para a fazenda, vão morar lá”. Aí, a empresa liberou o Carlos, aí eu juntei mais as filhas, uma nora, os netos, e fomos todo mundo para a fazenda, ficamos 16 dias lá. Tava bom, a gente tava triste, mas pelo outro lado foi bom, porque lá a gente ficou nos pés de Jesus, toda hora a gente um culto dominical dentro de casa, clamando a Deus, pedindo a Deus assim, que fortalecesse meus filhos, que não tava todo mundo junto. Aí, a gente ficou isolado. Aí, o Valmir fechou a cancela lá da fazenda, e ninguém podia… Se alguém ia lá mexer com o gado, tinha que entrar lá pelo retiro, não podia entrar lá, porque eu tava lá, e eu era idosa, né! Meus netos, todo mundo. Então, a gente ficou lá 16 dias. Depois de 16 dias a Vale chamou meu genro Carlos, aí eu disse: “Se o Carlos ir, nós vamos todo mundo junto, se um tiver que morrer, nós vamos morrer todo mundo junto”. Aí, a gente veio pra cá, todo mundo, isolamos a porta aqui da frente, e abrimos só o portão. Todo dia cedo o Carlos ia para o serviço, quando ele voltava ele ia direto para o banheiro, lá no quintal, ele tomava banho, trocava de roupa, lavava o sapato. Aí que entrava pra casa. Todo dia. Aí, nesse trabalho que ele ficou, aí o meu filho falou pra mim: “Mãe, a gente vai abrir uma janelinha aqui, e a senhora começa a fazer marmitex, porque vem gente aí, o povo quer comer e não tem comida”. Aí, eu mandei fazer uma janelinha, ainda tem ali a prova do crime. A janelinha. E gente fazia comida normal, todo dia a gente fazia almoço e vendia tudo, vendia a janta. Deus nunca nos abandonou. E aí, nós vencemos a crise, todo mundo junto aqui. Eu com os meus filhos, meus netos, todo mundo junto aqui. Os amigos só conversavam de longe.
P/1 - Dona Maria, mesmo com a prevenção, alguém chegou a pegar?
R - Só quem pegou foi o Carlos. O médico disse pra ele que ele pegou, mas quando ele descobriu, ele já nem tinha mais a doença. Deus assim, botou a mão sobre nós, nós ficamos sempre clamando a Deus, sempre orando, todos os dias nós tava orando, abraçados todo mundo e pedindo a proteção divina, e ele nos abençoou. Eu não deu, a Seliane, as crianças, nem ninguém, ficamos tudo na benção.
P/1 - Graças a Deus!
R - Deus é fiel!
P/1 - Dona Maria, e hoje para a senhora, quais são as coisas mais importantes?
R - Minha família. Minha família é minha vida, cada um, os netos, os bisnetos, todo mundo. Minha família e o povo dessa comunidade são minha vida.
P/1 - Dona Maria, quais são os seus sonhos hoje?
R - Pegar ouro na Serra Pelada. Ó Meu Deus! Pegar ouro, ainda tô sonhando ainda com o ouro. Afinal de contas, nós estamos na Serra Pelada, né?
P/1 - Dona Maria, a senhora gostaria de acrescentar algo mais? Contar mais alguma coisa?
R - Não! Eu acredito que está ótimo!
P/1 - E como foi para a senhora contar a sua história?
R - Muito bom! Isso é maravilhoso! Porque daqui uns 100 anos, quando eu morrer, porque eu sei que Deus vai me dar muitos anos. Eu quero deixar a minha história para que eu fique de exemplo para esses jovens de hoje, procurar viver bem, ser feliz. Porque a felicidade é coisa que a gente tem que lutar por ela, não é só esperar ela vir de encontro com a gente, não. A gente também tem que lutar por ela. A gente tem que aprender a viver, aprender a ter amor no coração, isso é fundamental.
01:02:50
P/1 - Dona Maria, muito obrigada! Eu amei ouvir sua história, foi muito interessante, eu quase chorei junto com a senhora. O Museu agradece por a senhora ter nos dado seu tempo para contar a sua história hoje.
R - Obrigada! Amém! Obrigada a vocês também. Fiquei muito feliz também em receber vocês, poder compartilhar.
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