Me chamo Fernanda, sou mãe de três filhos. Depois de dois abortos espontâneos, sofridos, após alguns tratamentos, tive minha primeira filha, que hoje tem 17 anos.
O segundo filho veio menos de dois anos depois. Não pensava em ter o terceiro, mas, num \"acidente\" de percurso, aos 42 anos, engravidei. Um misto de pânico e alegria tomou conta de mim. Passado o susto, a alegria predominou. 12 semanas de gestação e uma virose esquisita. Dor de cabeça, febre e pintas por todo o corpo. Nenhum diagnóstico conclusivo. Exames negativos para dengue, rubéola e outros. Chega o dia de fazer ultrassom. 16 semanas. Olho pra cara do médico fazendo o exame, coisa que nunca fiz (sempre ficava olhando pra telinha do monitor) e ele faz uma caretinha discreta. E começa a me dizer que tinha algumas alterações. Reavaliar com 20 semanas. Naquele dia acabou o meu sossego (se é que alguma grávida tem sossego). Na ultrassonografia de 20 semanas foram relatados: calcificações na placenta, no cérebro do bebê, um pouco de líquido nos ventrículos cerebrais, perímetro cefálico menor do que o normal para a idade gestacional. Conduta: investigar infecções. Todos as sorologias possíveis foram feitas e todas deram negativo. Também não tomei vacinas cubanas vencidas como alguns teóricos da conspiração espalharam por aí. Assim segui até o final da gestação. Sem um diagnóstico preciso. Nasce Luís Felipe. A pediatra que acompanhou o parto deu a sentença de morte do meu filho ao pai. Não ouvi, mas os olhos dele eram de desespero. Tomografia e outros exames. Cirurgia descartada. Ficamos felizes, mas na verdade Felipe não ser um caso cirúrgico significava que o que ele tinha não era curável. Primeira consulta fora do hospital e uma pancada...como bem canta Herbert Viana: “palavras duras em voz de veludo” me foram ditas. “Tudo muda, adeus velho mundo”. Felipe não andaria, não falaria, precisava de estimulação precoce e só. Uns 15 dias após o seu...
Continuar leitura
Me chamo Fernanda, sou mãe de três filhos. Depois de dois abortos espontâneos, sofridos, após alguns tratamentos, tive minha primeira filha, que hoje tem 17 anos.
O segundo filho veio menos de dois anos depois. Não pensava em ter o terceiro, mas, num \"acidente\" de percurso, aos 42 anos, engravidei. Um misto de pânico e alegria tomou conta de mim. Passado o susto, a alegria predominou. 12 semanas de gestação e uma virose esquisita. Dor de cabeça, febre e pintas por todo o corpo. Nenhum diagnóstico conclusivo. Exames negativos para dengue, rubéola e outros. Chega o dia de fazer ultrassom. 16 semanas. Olho pra cara do médico fazendo o exame, coisa que nunca fiz (sempre ficava olhando pra telinha do monitor) e ele faz uma caretinha discreta. E começa a me dizer que tinha algumas alterações. Reavaliar com 20 semanas. Naquele dia acabou o meu sossego (se é que alguma grávida tem sossego). Na ultrassonografia de 20 semanas foram relatados: calcificações na placenta, no cérebro do bebê, um pouco de líquido nos ventrículos cerebrais, perímetro cefálico menor do que o normal para a idade gestacional. Conduta: investigar infecções. Todos as sorologias possíveis foram feitas e todas deram negativo. Também não tomei vacinas cubanas vencidas como alguns teóricos da conspiração espalharam por aí. Assim segui até o final da gestação. Sem um diagnóstico preciso. Nasce Luís Felipe. A pediatra que acompanhou o parto deu a sentença de morte do meu filho ao pai. Não ouvi, mas os olhos dele eram de desespero. Tomografia e outros exames. Cirurgia descartada. Ficamos felizes, mas na verdade Felipe não ser um caso cirúrgico significava que o que ele tinha não era curável. Primeira consulta fora do hospital e uma pancada...como bem canta Herbert Viana: “palavras duras em voz de veludo” me foram ditas. “Tudo muda, adeus velho mundo”. Felipe não andaria, não falaria, precisava de estimulação precoce e só. Uns 15 dias após o seu nascimento descobri que não estava sozinha. Outras centenas de bebês haviam nascido com o mesmo diagnóstico. Em comum, todas as mães tiveram a “virose esquisita” que finalmente foi nominada: Zika Vírus. Felipe, no entanto, me parecia um bebê como outro qualquer. Mamava sem problemas, tinha alguns reflexos (que me foi dito que perderia). Só entendi que Felipe era de fato diferente no dia em que o levei a um aniversário e algumas crianças, na faixa de 10/12 anos, começaram a olhar para ele, até que um deles gritou: “Olha! A cabeça dele parece uma ervilha”. Aquilo doeu uma dor que nunca tinha sentido na vida. As lágrimas desceram sem controle. Sempre chamava a atenção por onde passava. Os olhares eram de curiosidade, pena. Um dia, num circo, notei que uma moça o estava fotografando. Não, Felipe não era atração do circo. Acostumei. Isso não me machuca mais. Não como antes. Oito anos se passaram. Meu filho segue bem vivo. Não anda, não fala, têm outras sequelas, mas é uma criança linda. Amada.
Recolher