Eu nasci na Rua do Sossego, no bairro de Santo Amaro, em Recife. Uma cidade que no contexto geral da história do Brasil tem uma importância muito grande. Na minha casa tinha um pé de coqueiro que meu pai plantou no dia que meu irmão mais velho nasceu. Dizia que enquanto o coqueiro prosperasse, meu irmão também ia prosperar. Antigamente as ruas não tinham asfalto naquela área, e a gente brincava muito na rua, com objetos da rua, como estilingue. Tinha um vizinho que era meio sinistro, meio nostálgico, que se enforcou no pé de manga. Tinha outras vizinhas que morreram quase juntas e que dizia a lenda que eram mortas vivas. Coisas que contavam. Eu gostava mesmo era de brincar dentro do cemitério, gostava da arquitetura, da maçonaria, da religiosidade. Tinha muitas frutas lá, tudo muito bem nutrido, então era mais do que um cemitério, era um parque mesmo. Eu lembro bem das minhas primeiras escolas, de uma professa chamada Renata. Eu adorava ir pra escola, as brincadeiras. Quando começou a ter as matérias, a gente começou a “gazear” as aulas – esse termo que a gente usa lá, aqui em São Paulo é “matar” aula. Quando eu era pequeno eu queria ser Karl Marx, mas não deu. Como não deu, queria ser jogador de futebol. Acabou que não fui também. Mas hoje acho que eu já realizei grande parte dos meus sonhos. Tenho ainda um sonho de ver a minha filha crescer em um país mais justo.