P/1 – Seu Narcizo, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Eu, primeiro, gostaria de agradecer de o senhor ter aceitado o convite para essa entrevista. E pra gente começar, eu queria que você falasse pra gente o seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R – Meu nome é Solidonio Narcizo dos Reis Neto, nascido 24 de novembro de 1956, na cidade de Ilhabela (SP).
P/1 – Fala pra gente o nome dos seus pais, seu Narcizo.
R – Meu pai se chamava Antônio Venâncio dos Reis e minha mãe, Rosa Gomes dos Reis.
P/1 – Tá joia. E o nome dos seus avós? Do seu avô é fácil.
R – É. O pai do meu pai se chamava isso aí, Solidonio Narcizo dos Reis… não tô lembrado, só se pegar a documentação…
P/1 – Não tem problema.
R – Esqueci.
P/1 – Você chegou a conhecer os seus avós?
R – Não. Não, quando eu nasci, os meus avós já eram falecidos.
P/1 – Tá. Fala pra gente da atividade dos seus pais, o quê que os seus pais faziam?
R – Meu pai foi funcionário público, pescador e depois, ele veio a ter esse Barracão do Samba, que antigamente se chamava Recanto do Samba, depois que passaram pra Barracão do Samba.
P/1 – E a sua mãe?
R – Minha mãe era doméstica.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho.
P/1 – Quantos são?
R – Da minha mãe, somos em nove, mas tem dois falecidos e nós somos em sete. Mas do meu pai, mesmo, eu tenho 36 irmãos. Meu pai casou três vezes. A maior parte tá tudo falecido.
P/1 – E conta pra gente um pouco dessa família grande, então. Como é que era a relação com a família do seu pai, os outros irmãos?
R – “Nós era” tudo unido, né, meu pai casou a primeira vez, a mulher faleceu, depois casou com a segunda, faleceu e veio a última... [Ele] veio a casar com a minha mãe, mas nós era tudo unido, moravam fora daqui, mas vinham visitar, a gente ia, era tudo unido, não tinha problema nenhum.
P/1 – E dava pra saber o nome de todo mundo e aniversário?
R – Não, não. Aí, não dava. Inclusive, tem um irmão meu que eu conheci ele no casamento do meu irmão lá em Santos. No casamento do meu irmão, ele morava no Rio [de Janeiro], nunca tinha vindo, eu vim conhecer ele na festa do casamento, mas também já faleceu, são tudo falecido, os mais antigos já foram tudo embora.
P/1 – E seu Narcizo, conta pra gente, o que você se lembra da sua casa de infância?
R – A minha casa de infância era nesse setor aqui, era feita de pau a pique e o piso era de madeira e o telhado eram aquelas telhas antigas, que dizem que faziam na coxa, né, a telha. Era… O primeiro morador aqui nesse setor, aqui nesse lugar, aqui fomos nós. O primeiro morador que teve aqui foi o meu pai que naquela época era funcionário público da prefeitura. O brinquedo da gente era subir no morro aí para escorregar no sapê, era a brincadeira que a gente tinha aqui e à noite, brincar, né, de pique e durante o dia, a gente estudava, das oito ao meio-dia no grupo escolar. O resto, antigamente, a luz aqui as dez horas, apagava, as dez horas a gente já tava dormindo, porque naquela época, não tinha televisão, não tinha nada. Dez horas já tava todo mundo dormindo. Fui crescendo aqui e aqui fiquei, nunca sai da Ilha, já viajei muito, mas pra morar fora daqui… Vou fazer 60 anos agora em novembro, nunca sai daqui. Casei aqui, tenho três filhos, tive três filhos, né, tive três filhos homens e uma menina que faleceu. São todos casados e eu me separei com 20 anos de casado, separei e vivo hoje com minha senhora que mora aqui comigo, ela é da Bahia, lá de Vitoria da Conquista e estamos vivendo até hoje. Aí, tem os meus netos, né, filhos das filhas dela e vivo aqui. Antigamente, eu morava de aluguel, aí quando a minha mãe tava já no fim da vida, ela repartiu o terreno nosso pega daqui e vai até em cima, aí ela deu um pedaço pra cada filho, aí eu vim a construir esse barraco meu aqui e parece que tô há 18 anos morando nessa casa. Eu trabalho na prefeitura, comecei como gari, passei para o cemitério, trabalhei um ano como gari, depois passei para o cemitério, no cemitério fiquei, hoje eu tô lá. Tô querendo me aposentar. Restante, eu toco num grupo de samba que tem aqui na Ilha, né, comecei a tocar no Recanto do Samba junto com os meus irmãos e lá, eu aprendi e hoje em dia, eu participo de um grupo, Raízes da Ilha que é aqui da Ilha. E a gente faz samba por aí, tudo. E fim de ano, a gente faz a Folia de Reis, que é tradicional aqui da Ilha. A gente começa em novembro, vai até dia seis de janeiro, cantando nas casas, à noite toda, começa a meia-noite, vai até às seis horas da manhã e participo da Congada, que foi uma promessa que a minha mãe fez. Eu tive uma doença quando eu era pequeno e minha mãe fez uma promessa pra São Benedito e se eu ficasse bom, eu participava da Congada da Ilhabela, que é a Festa de São Benedito, todo mês de maio, segundo domingo de maio. Eu danço na Congada desde os cinco anos, cinquenta e cinco anos na Congada. Tem aqui a tal da levantação do mastro de São Benedito que cai numa sexta-feira e na época do meu pai, ele fazia uma bebida chamada conscertada, uma bebida típica e quando o meu pai faleceu, minha mãe fazia e eu sempre presente, assistindo, ia aprendendo, inclusive, até hoje, eu ainda faço a concertada da Festa de São Benedito, a levantação do mastro. Antigamente, a gente fazia era dois, três garrafões de cinco litros, hoje em dia, eu faço a base de 120 litros e ainda não dá, é muita gente, é uma bebida típica, gostosa, né? Você não pode beber muito também, ela é tipo um licor, se a pessoa bebe demais, a pessoa fica meio alterado, depois, né? E hoje eu tô aí. Pretendo me aposentar logo e curtir um pouquinho a vida enquanto a gente tá levando aí, devagar. E eu trabalho na prefeitura e durante o fim de semana, eu faço esses bicos por aí. O salário que a gente ganha na prefeitura é pouco, então, a gente tem que fazer esses bicos aí pra gente ajudar um pouquinho em casa. E sobre a Barraca [do Smaba], a barraca tem uns 70 anos, 70 e poucos anos. Antigamente, era um quadrado de madeira, madeirite, coberta com brasilit, tinha um balcãozinho, uma geladeirazinha, na época, só vendia refrigerante e cachaça, né, e vendia farinha da terra feita aqui na Ilha, vendia peixe seco, fumo, na época, meu pai vendia fumo de rolo. Uma das primeiras barracas na beira da praia foi essa aqui, que chama hoje Recanto do Samba. Teve três donos, o primeiro dono se chama Francisco dos Reis, depois passou para um senhor que tinha um restaurante aqui, chama João Parateano e o meu pai ganhou essa barraca num jogo de bocha. Eles fizeram uma aposta e antigamente, quando era apostado, tinha que cumprir, né? Meu pai ganhou essa barraca num jogo de bocha e até hoje tá com a gente, a gente não trabalha, alugamos. Minha mãe passou pro meu irmão, meu irmão veio a falecer e minha cunhada não segurou, que mulher, né, segurar bar, não aguentou, e ela vem alugando, arrendando a barraca, mas ainda é da família.
P/1 – Bom, eu tenho um monte de pergunta.
R – Pode fazer.
P/1 – Então tá. Seguinte, você contou que a casa era aqui, né, que ela era com o chão de madeira, pau a pique, com a telha, como é que era dentro dessa casa, como é que era a divisão com os irmãos, como que ela aconchegava todo mundo?
R – Ela era dividida, ela tinha uma sala grande… Meu pai gostava muito de festa, fazia muita festa, bailes, os caras vinham tocar e amanhecia o baile que ele fazia, tinha um salão grande que era a sala, era dividida em três quartos, tinha um corredor grandão e no fundo, tinha o banheiro, para o lado de fora tinha o tanque, onde lavava roupa e dentro da casa tinha um fogão à lenha, cozinhava no fogão à lenha, não tinha… Já existia fogão à gás, mas a gente não usava, usava fogão à lenha, inclusive, a lenha a gente pegava nesse morro aí, cortava os galhos secos. Os quartos eram grandão, era separado, um quarto era pros homens, um para as mulher e um do casal, que era o meu pai e minha mãe. A sala grande, o salão onde ele fazia as festas dele. Qualquer coisinha, era uma festa que ele fazia, qualquer comemoração… Ele gostava muito de festa, foi na época que os meus irmãos começaram a aprender a tocar, esse que era dono da barraca aprendeu a tocar cavaco junto com os amigos que iam tocar lá, ele ficava lá assistindo, uma vez ele pediu o cavaco do meu pai, meu pai até deu de presente, aí ele dormia lá na barraca pra tomar conta e ficava à noite toda lá arranhando o cavaquinho, foi aprendendo, aprendeu de ouvido… E quando ele passou a ser o dono da barraca… já veio muito artista nessa barraca aí, participar. Aí começou a servir camarão, peixe frito, melhorou um pouquinho, né, aumentou mais ela, aí depois estava feita de tijolo, aumentou e até hoje, ela tá ali. Paga-se uma taxa para a Marinha, tá na área da Marinha, posto da prefeitura, já tentaram uma vez tirar ela dali, mas não conseguiram, ali só sai se a Marinha mandar tirar, né, nem a prefeitura não… Ali vai ficar até minha cunhada vender, passar para os filhos, ela só tem um filho, só, ela tinha um casal, mas a menina veio a falecer, o meu sobrinho que é dono da barraca, ele tá em Portugal, tá estudando, vai vim embora, depois que terminar o estudo, vai abrir um restaurante em São Paulo, aí só vem aqui na Ilha pra visitar a família. Vamos ver o que a minha cunhada vai… quando acabar esse contrato, o quê que ela vai fazer. Já tentamos pegar, os parentes, tipo os irmãos, mas ela não quis alugar pra parente, não, ela prefere alugar para gente de fora, acho que ela acha que a gente não vai pagar, né? Mas a gente participa aí, de vez em quando, a gente toca lá um sambinha na época da temporada. E aqui, o terreno foi doado por um prefeito, inclusive, ele é até meu padrinho, meu pai fez essa casa… Depois, minha mãe fez uma casa pra cima, dela, aí depois, quando ela tava no fim da vida já, fez a separação, doou um pedacinho pra cada um e quem pode, construiu, tenho uma irmã que mora em Santos (SP), que não pode construir, que tem um terreno aqui pra cima. E ficou tudo junto aqui, tudo unido aqui, a família. Eu não pretendo sair daqui, fico por aqui mesmo, fico pertinho do cemitério, não dá muito trabalho pra levar o caixão, né? Porque não é muito longe, tô por aqui. Tô junto com outra mulher, baiana, não tive filhos com ela, nós vive muito bem, me ajudou muito na época que eu separei, mas tô aqui. Mora eu, ela, tem uma mãe que tá com 82 anos, ela teve começo de mal de Alzheimer e ela fica seis meses com cada irmã e, essa época, agora, fica com a gente, aqui. Então, vou ficar com ela até setembro. Vive aqui, eu, ela, a mãe dela e os netos que moram em São Paulo, dela, que vêm pra cá passar as férias, ficam aqui. E os parentes que de vez em quando vêm, parentes dela, meu também vêm, ficam aqui. Eu tô por aí.
P/1 – Seu Narcizo, conta pra gente, então, como é que era a época da escola, o quê que você se lembra de quando você ia pra escola, aqui, quando você era menino?
R – Da escola, eu só lembro que tinha a classe da gente, de primeiro ano até quarto ano, que era do primeiro ao quarto. Cada classe… Era uma escola antiga, eu era viciado em futebol, tinha um campo de futebol que a gente participava do futebol e os professores, né, professores antigos, ainda existe professor daquela época, ainda e eu lembro disso, era divertimento, divertia muito, entrava às oito, saía às dez para o recreio, como se falava, e meio-dia, saía que vinha embora almoçar, trazia tarefa para fazer, mas eu era meio bagunceiro, na época, gostava muito de caçar passarinho. Eu já ia para a escola com o estilingue dentro da bolsa. Era o divertimento da gente, aqui. E as festas que tem que a gente participava, né? Antigamente, as festas daqui eram muito bonitas, muito boas, ia muita gente, mas agora, mudou tudo, as festas aqui se mete política no meio, esse problema tudo aí, vira uma bagunça. Única festa que a gente não deixa, que a gente tem o nosso grupo da festa é Festa de São Benedito, que todo ano a gente faz, aí vai morrendo os antigos, vai entrando os novos e a gente tá aí, essa Congada aqui na Ilha tem mais de 200 anos. Ela veio do tempo da escravidão, foi passando de pai pra filho, pai pra filho. Hoje ainda tá em pé, porque a gente tá aí, participa, ajuda. Essa festa era uma semana, começava numa sexta e era uma semana direto de festa. Aí vinham, como dizem aqui, eram os festeiros da festa que traziam as coisas, traziam porco, galinha, pato, ai faziam a tal da… comida era festa em fogão à lenha, que se chama ucharia e era servido para todo mundo, de graça, e hoje ainda existe, mas, hoje em dia, existem poucos festeiros. A gente divide ajuda, pede no supermercado, as pessoas que podem ajudam a gente, tem a diretoria da Congada que arrecada dinheiro durante o ano, né, faz festa, faz festinha, bingo, essas coisas e arrecada dinheiro pra gente não precisar muito dos outros. A gente só faz essa festa de São Benedito e a Congada participa só aqui na Ilha, já fomos convidados pra sair fora da Ilha, uma vez, fomos convidados pra ir pra Argentina fazer uma apresentação, mas não saímos daqui da Ilha. Já fizemos uma apresentação, uma vez, lá no Ibirapuera em São Paulo, onde tinha um encontro de Congadas, vários tipos de música típica, vários lugares. Nós participamos só uma vez só, nunca mais nós fomos, chamaram a gente. E é a única Congada do Brasil que tem o instrumento chamado marimba. A nossa Congada aqui e a de São Sebastião, que é um instrumento feito de madeira. É um arco de aia, é chamado aia porque ela arca, né, e no meio tem uma tecla, tem seis teclas, cada uma tem um som e atrás das teclas tem um arame passado com as aqui a gente chama de cabaça, que faz cuia cortado no meio, ali que dá o som da marimba, mas a marimba antiga, mesmo, dos anos atrás, ela tá num museu em São Paulo, não sei que museu que tá lá, foi doado para o museu e a gente fez outra e é essa que a gente usa na Congada e tem os atabaques, são dois atabaques, um de cada lado, aí tem a festa que a gente faz no segundo domingo de maio e todo ano a gente faz essa festa. Existia uma Congada mirim, a gente que fazia, mas esse ano, não deu pra fazer porque a molecada cresceu e os pequenininhos que participavam não dava pra fazer a congada mirim, mas no ano que vem, a gente vai fazer. A Congada mirim, ela representa a Congada dois antigos, porque ela que começa a Congada, então como os mais velhos vão falecendo, a molecada que vem crescendo entra no lugar, por isso que nunca acaba, vai passando de pai para filho e na minha casa, participa eu e um filho meu mais novo, os outros não participam, que são marinheiros, na época, os patrões estão aí, não dá para participar. Participa por fora, com outras coisas, né, doando alguma coisa e…
P/1 – O senhor chegou a fazer promessa para São Benedito?
R – Não. O meu foi uma promessa que a minha mãe fez quando eu com cinco anos ela também não me falou que doença que foi… Tava perto da festa de São Benedito, como ela fazia essa concertada pra festa, ela fez uma promessa que enquanto eu fosse vivo, se eu sarasse, eu ia participar da Congada, só sairia da Congada o dia que eu falecesse, né? Por isso que eu tô lá, 55 anos na Congada e até hoje.
P/1 – Qual que é o sentimento de participar da Congada? Estar junto com outros congueiros, né, em devoção, em festa…
R – Emocionante, né? A emoção maior é no dia, no último dia, que é o último baile que a gente faz, que o rei reconhece o filho como filho, né, ele é filho bastardo, mas no fim da Congada que ele reconhece que o embaixador é filho dele, aí tem várias falas que emocionam a gente, quase todo mundo chora, despedida, né, se despede. Todo ano é uma rainha que tem, apresenta uma outra rainha e fica durante o ano trabalhando em prol do mês de maio fazer a festa. Eu tô aí, aqui tem a festa de São Pedro, onde a gente toca, tem festa da tainha, festa da sardinha e ultimamente, agora, a gente tá indo lá pra trás da Ilha fazer as festas lá, os padroeiros que vão fazer os bailes lá, começa às oito horas da noite e vai até às cinco, seis horas da manhã, tocando direto e lá agora, tem energia elétrica, né, a gente liga as aparelhagens lá e faz uns bailes pra turma, lá, bebemos cachaça à noite toda e bailando.
P/1 – Mais uma pergunta sobre a Congada. Qual que é a responsabilidade de fazer a concertada? É parte do seu trabalho fazer e qual que é essa responsabilidade de preparar?
R – É uma tradição, né? Que veio dos antigos, meu pai aprendeu a fazer, foi passando de pai pra mãe e agora, ultimamente, tá comigo. Então…
PAUSA
P/1 – Vamos só voltar, então, que eu perguntei se dá muito trabalho pra fazer a concertada.
R – Dá. Dá um pouquinho de trabalho, tem que ter os temperos certinho, a dose certa, né, a gente faz numa panela, um panelão, põe todos os preparos ali, ferve, depois de fervida, deixa ela esfriar, aí põe a cachaça, aí ela fica três dias… minha mãe falava conservação, mas não sei o que significa. Fica três dias para os temperos dela pegarem o gosto, depois de três dias, ela é coada, a gente passa nos garrafões e no dia da festa, a gente serve. Eu tenho concertada aqui na minha casa que é difícil eu guardar, eu tenho concertada de dois anos passados, ela fica meio cremosa, quanto mais tempo ela passar, mais ela fica gostosa. E vem gente no dia da festa participar, entrevistar e muita gente pede a receita, eu passo, mas eu passo a receita não do jeito que eu faço, eu digo o tempero que vai, se a pessoa souber fazer, tudo bem. Mas tem que saber fazer, que se der alguma coisa errada, não dá errado, porque a preparação que vai é cravo, canela, açúcar queimado, né, aquela calda, folha de laranja cravo e folha de laranja da china. Aí ferve tudo isso aqui, o cravo, a gente bate, deixa ele em pozinho, a canela também, mistura tudo, põe no fogo, aferventa, deixa de molho três dias, depois de três dias é coada e um mês depois, não dá um mês, 20, 30 dias, serve no dia da levantação do mastro. Todo dia eu faço. Eu faço sempre à tardinha, anoitecendo, dá base fazer dez a 15 litros por dia, não dá pra fazer muito. Eu faço isso aí e tem rendido, eu tenho feito 100, 120 litros e ainda não dá. Eu também distribuo muito, né, tem pessoas que vem aqui em casa e quase todo ano, eu dou, aí vem aqui, inclusive tem um bocado pra doar ainda, eu prometo, né, eles vêm buscar e agora, daqui pra frente, começa a preparar já para em maio a gente tá com tudo preparado, tudo certinho.
P/1 – Qual que é o segredo da concertada?
R – O segredo dela? O segredo dela… Os caras que brincam muito comigo dizem que tem uma reza que faz, né? Mas não tem nada disso, não. O segredo… o segredo não… não tem segredo. O único segredo é saber fazer, do jeito que a gente faz. Eu aprendi com a minha mãe, na época do meu pai eu era pequenininho, mas a gente vai aprendendo, mas não tem segredo nenhum. O segredo dela é ficar boa e a turma gostar, né? Cada ano que passa, que eu vejo a turma falar que toma, cada ano que passa, ela tá ficando mais gostosa. A gente não inventa nada, é o mesmo tempero, mas a gente faz com tanta fé, que parece que fica mais gostosa, mais saborosa que a turma fala. Tem levado para São Paulo, Rio de Janeiro já foi concertada minha, feito por mim e agora, o meu filho mais novo que participa da Congada mandou passar a receita, ensinar, o ano que vem agora, quando eu for fazer, vou chamar ele pra ele aprender, eu já tô com 60 anos, eu já tô meio… aí, passo a minha parte pra ele. Ele vai fazendo até… pra não acabar, né? Porque se uma hora uma pessoa que sabe fazer não ensina ninguém, aí acaba. Isso é uma tradição, né? É feita há um bocado de anos. Sobre a Congada, teve uma época que se meteu umas políticas no meio, deu uns problemas, quase que acabou a Congada. Aí foi quando nós nos reunimos: “Vamos fazer a nossa diretoria e ficar nós, mesmo”, política não dá certo em nada.
P/1 – E seu Narcizo, e o instrumento? Quando que você começou aprender a tocar?
R – Uma base de dez pra 11 anos.
P/1 – Que instrumento foi, como é que foi?
R – Eu até hoje, só toco surdo, não aprendi tocar cavaco, pandeiro, não aprendi a tocar nada. Eu quando ia na barraca que era do meu pai, os batuqueiros antigos, eu era apaixonado por surdo, mesmo e vim a aprender vendo os outros tocar e hoje em dia, toco, participo do grupo aí, a gente toca em vários lugares, como Santos, São Paulo, já tivemos em São Paulo tocando. Aí, os meus irmãos foram falecendo e fui o único da família que ficou e tem os meus amigos, né, que aprenderam também na barraca e tocam comigo, agora.
P/1 – O que tem no som do surdo que te fez apaixonar?
R – Eu achava o som dele bonito, um som… eco, né, porque antigamente, os batuqueiros que tinham aqui na Ilha tocavam muito bem, você sentia que o cara tocava aquilo com gosto e eu olhando aquilo, eu me apaixonei por tocar surdo. Já tentei tocar pandeiro, não consegui, dou uma arranhadazinha, mas tocar, tocar mesmo… Inclusive, o nosso grupo são cinco pessoas, só, um cavaco, um violão, um surdo, um pandeiro, um cara que faz o chocalho, tamborim, a gente faz, toca nas festas, aniversários, casamentos toca também, somos convidados pra tocar, porque o nosso é samba, não é pagode, só samba antigo, a velha guarda como a turma fala, né? Por isso que os mais antigos chamam a gente pra tocar em aniversário, casamento, porque eles gostam, né? Pagode é bom também, mas os mais velhos gostam mais de música antiga, né? Pessoa mais idosa.
P/1 – Como é que vocês chegaram no nome do grupo?
R – Esse grupo já existia… Esse grupo começou como um grupo de Folia de Reis, chama-se Raízes da Ilha, os antigos foram falecendo, foi entrando gente nova e depois é que formou o grupo Raízes da Ilha como grupo de Folia de Reis e fomos tocar em festas, aniversários…
P/1 – E como é que funciona a Folia de Reis? Como é que é?
R – A Folia de Reis é cantada nas casas, a gente começa lá no sul da Ilha, vai até a Armação, lá. Cada noite, a gente toca de três a cinco casas. A gente chega na casa, a pessoa tá dormindo, começa a cantar Folia de Reis, a pessoa abre a porta, oferece alguma coisa, um café, bolo se tiver alguma coisa, bebida também tem. A gente fica ali, toca uns dois sambinhas pra pessoa, sai e vai para outra casa. Aqui, antigamente, andava-se a pé. Hoje em dia, não, hoje em dia, tem carro, porque a casa é distante, é distante uma da outra, então, hoje em dia, a gente vai de carro, mais rapidinho, também, mas a gente começa a base de meia-noite e vai até às seis, ano passado tocamos até às sete horas da manhã… Quem participa dessa Folia de Reis é a Secretaria da Cultura, então já tem a lista das casas que a gente toca. A gente começa dia… Antigamente, começava em novembro, agora começa dia 20 de dezembro e vai até dia seis de janeiro, a gente só toca fim de semana, também, porque trabalha, né? E dá. Tem muita casa que não abre, porque antigamente, não tinha as casas pra gente ir, a gente tocava em qualquer casa, abria… Na época do meu irmão, a gente conhecia muito turista aqui, que vem de São Paulo, a gente tocava na casa das pessoas, ganhava dinheiro, outro dia repartia e agora quem paga a gente para fazer essa Folia de Reis é a Secretaria da Cultura que paga, a prefeitura. A Folia de Reis tem aqui na Ilha, ela, antigamente, tinha cinco grupos de Folia de Reis, aí, e cada grupo tocava no seu bairro e cada grupo, os versistas, né, eles tocam os versos diferentes um do outro, o grupo do sul tem um versista que canta a música deles lá do sul, diferente. Tinha aqui no Perequê, tinha aqui no centro, que era a vila, tinha a Praia do Barreiro e tinha a Armação, só que a gente não aprendeu muito todos… A nossa Folia de Reis toca Folia de Reis que é do sul, né, o cara que formou lá é do sul e canta Folia de Reis daqui da ilha, que é a tradicional, né?
P/1 – E quais que são esses versos?
R – Eu não sei. Eu participo mais… eu faço uns três ou quatro versos, só…
P/1 – Mas pode falar pra nós.
R – O primeiro verso… deixa eu ver se eu me lembro… acho que é assim: “Boas novas vem dar…” (risos) me deu um branco (risos).
P/1 – Tudo bem, se lembrar, daí, no finalzinho eu pergunto de novo e aí, a gente vê se consegue. Aí, mudando um pouquinho, mas mantendo no samba, você falou que tiveram artistas que vieram para o Recanto do Samba, Barraca do Samba, que artistas que eram esses? Como é que era ver a barraca cheia?
R – A barraca funciona o ano todo, mas o que dá mais gente, mais pessoas, é na temporada, verão, né, temporada, férias, carnaval é muita gente. Eu me lembro que quem veio tocar com a gente foi o Jair Rodrigues, veio ele, a esposa dele e os dois filhos dele, eram pequenininhos os filhos dele. Que eu me lembro que veio. Vieram vários artistas, que essa barraca já saiu naquela revista “Quatro Rodas”, veio muito estrangeiro aí que não entende de música, não entende o brasileiro, mas eles participa, gosta e antigamente, era melhor, que hoje em dia… Muita bagunça, muita… Mas tá ainda em pé, né?
P/1 – Como é que era pra você tocar lá?
R – A gente gostava, participava do grupo e gostava porque ficava à noite toda divertindo, se divertindo e divertindo os outros, né? E participava. Lotava, na época de carnaval, meu irmão era muito querido aqui na ilha, ele fechava aquela rua ali, a parte de baixo, ele mandava fechar, ele falava com o delegado, com a prefeitura, fechava a rua e isso aí ficava o carnaval a noite toda. E só samba. Ficava marcha de carnaval e era direto, era de dia e de noite, parava as cinco, seis horas da manhã, dava uma descansada até as dez horas e continuava de novo. Antigamente, os caras eram com braço, hoje em dia, não, o cara toca aí três, quatro horas e já vai dormir, no outro dia já não tem condições de tocar mais, fraco.
P/1 – E qual que é a importância da barraca pro samba da Ilha? Já que ela foi o lugar de encontro de pessoas, de sambistas, batuqueiros, lugar onde as pessoas aprenderam a tocar…
R – É que vem passando de geração pra geração e… não sei explicar (pausa).
P/1 – A gente, agora, um pouco antes conversou com o Geraldo [Pinna]. Ele falou que ele aprendeu a tocar lá, quer dizer, então o que eu perguntei é qual que é a importância da barraca pro samba da Ilhabela, assim, como lugar de encontro…
R – É um lugar de encontro, lugar de fazer amizades, né, pessoas de fora e tipo, os caiçaras, né, que veem os antigos aprendendo a tocar. O Geraldo e o irmão dele aprenderam tudo tocar dentro da barraca. Aqui na Ilha, acho que era o único lugar que tinha, fazia assim, samba, né? E todo mundo participava e a gente ia pra lá pra assistir e aprendia com os mais velhos. Hoje os mais velhos estão indo e nós vamos ficando no lugar, inclusive, seu Geraldo toca pandeiro muito bem. Inclusive, ele tá participando da Folia de Reis com a gente. Agora, ele tá meio adoentado, né? Mas vai ficar bom pra participar… Ele participa também da Congada, toca atabaque.
P/1 – E fala pra gente porquê que mudou de nome de Recanto do Samba pra Barraca do Samba.
R – Eu sei que antigamente se chamava… porque era uma barraca, mesmo, era uma barraca e foi batizada como Barraca do Samba, só que agora puseram… registraram ela como Recanto do Samba… não, Barraca do Samba, perdão. Era Recanto do Samba, agora que se chama Barraca do Samba, mas o nome dela verdadeiro, mesmo, é Recanto do Samba. É dos antigos, né? Depois, não sei se foi na época do meu irmão que passou… Na época do meu irmão era Recanto do Samba, ainda, não sei porque passaram para Barraca do Samba.
P/1 – Aí voltando então para a sua história, você contou da escola, mas eu não perguntei como é que foi quando acabou a escola e aí, começaram-se os trabalhos, né, a vida profissional. Como é que foi esse período pra você?
R – Quando acabou a escola, eu estudei até a quarta série, depois eu fiz a tal da admissão e fiz até o segundo grau, fiz primeiro, segundo, aí eu desisti, não estudei mais, aí vim a trabalhar pra ajudar a família. Casei com 19… Casei novo, com 19 anos e fiz um curso… eu tive carteira de moço de convés, eu fui marinheiro, eu trabalhei na Petrobrás, aqui em São Sebastião (SP) como marítimo, trabalhei dois anos no Rio, na coisa de navio, lá, trabalhei um ano lá na plataforma lá em Macaé, trabalhava 15 por 15, aí vim embora, trabalhei dois anos na plataforma, saí de férias, vim embora, quando voltei, fiquei no navio que tinha pegado fogo no Rio e ele ia para o Japão, me convocaram pra mim fazer as últimas reformas no navio, mas eu desisti, pedi as contas e vim embora, por causa da minha ex-mulher, vim embora e sai da marítima. Trabalhei de marinheiro, já fui mestre de lancha, essas lanchas de passeio. Trabalhei no Yacht Clube, trabalhei nas docas lá em Santos, no cais e depois disso tudo, vim trabalhar na prefeitura, entrei em 1991 na prefeitura. E tô lá até hoje.
P/1 – Conta pra gente, então, como é esse trabalho com o mar, né, ser marinheiro, trabalhar no Yacht Clube ou na lancha, no cais?
R – Trabalhar de marinheiro de lancha é bom porque conhece vários lugares, né? Eu nunca tinha ido no Rio, tive um patrão, fui para o Rio com ele… Estive até Cabo Frio com ele, passeando. Ele gostava muito de pescar, a gente saía pra pescar, é bom, porque a gente conhece vários lugares, conhece várias pessoas. Eu gostava muito de dirigir lancha, gostoso. No rebocador, trabalhava lá no convés, na plataforma, trabalhava também no convés. Eu trabalhava numa plataforma… Eu trabalhava num navio que recebia petróleo da plataforma e do nosso navio, passava para outro navio para trazer para o píer. Trabalhei dois anos. Trabalhava 15 e folgava 15. A única coisa que eu tinha medo lá era o helicóptero, nunca tinha voado de avião. Naquela época, na plataforma ventava muito, fazia vara em volta pra descer, teve vários acidentes lá, o ruim era descer para o rebocador, porque a plataforma é muito alta, aí é uma cesta com cabo de aço, vai quatro pessoas, segurava do lado de fora, punha a bolsa dentro e fica para o lado de fora, mas os gringo lá era sacana, quando chegava lá embaixo, quando o mar tava muito bravo, né, o rebocador ficava… Descia, quando chegava pertinho de colocar a cesta assim no rebocador, eles largavam tudo. Teve vários acidentes lá, os gringos eram danados, sacaneavam com a gente. Eu, a primeira vez que fui, quase morri de medo. Passei por isso tudo aí e hoje, eu tô aqui, pretendo me aposentar o ano que vem. Deixar passar essa eleição, ver o prefeito que vi entrar pra eu fazer um pedido para me aposentar.
P/1 – E conta pra gente do trabalho aqui na prefeitura, você falou que ficou um ano como gari…
R – É, eu trabalhei um ano varrendo rua aqui no centro, aqui, trabalhei um ano. Aí, o coveiro que tava na ativa aqui, além de ser analfabeto, ele andava aprontando muito aí, um coveiro meio atrapalhado. Aí, como eu morava aqui perto do cemitério, vieram falar comigo. Primeiro, vieram falar com o meu irmão, que ele também é funcionário, mas ele não quis, aí o prefeito veio falar comigo se eu queria trabalhar no cemitério. E eu tinha um medo de ir em velório, tinha um medo de defunto, falei: “Como que eu vou fazer?”, daí: “Mas o que é para fazer lá?” “Tu vai lá trabalhar como servente, fazer limpeza do cemitério, quando tiver velório, você vai ter que estar lá e ajudar a sepultar as pessoas” “Tá bom”, aí eu vim. Nos primeiros dias… na primeira semana, eu não dormia de noite, porque fazer sepultamento de conhecido, pessoa aqui da Ilha que a gente conhece, mas depois eu fui me acostumando, aí o coveiro se aposentou, saiu, eu já tava como pedreiro, aí me passaram para coveiro. Aí arranjaram mais pessoas para trabalhar. Hoje, trabalham dois serventes, um pedreiro, um coveiro e uma moça que faz a limpeza no velório. Eu, hoje em dia, não faço nada. Tenho um escritório lá, eu fico lá só para anotar as coisas lá, presença dos funcionários, anotando no livro lá, os mortos. Fico o dia todo ali. Aí, quando o coveiro falta, aí eu tenho que fazer sepultamento e eu que abro o cemitério, abro e fecho. Às vezes, de madrugada, três, quatro horas da manhã, telefone tocando para abrir o cemitério que tá chegando um corpo aí, eu tenho que ir lá abrir, preparar, aí sobra tudo pra mim.
P/1 – E tem história de assombração?
R – Não, eu nunca vi nada. Antigamente, quando eu morava aqui em cima… a dente fazia as casas aqui em cima, à noite a gente brincava de pique dentro do cemitério, pique, esconde-esconde, ia esconder dentro do cemitério, ali, não tinha medo. E antigamente não tinha rua aqui, era tipo, uma trilha só, encostava no muro do cemitério, pra baixo era tudo mato. Quando chovia, a gente passava por cima do muro do cemitério, que era muita lama, não dava pra passar na trilha, passava pelo muro ou por dentro do cemitério, não tinha essa parte de cima, antigamente era só a parte de baixo. Não tinha medo, não.
P/1 – E depois, quando começou a trabalhar dentro do cemitério, de coveiro, ou abrir o cemitério à noite ou fechar, dava medo?
R – Não, não dava.
P/1 – Frio na barriga?
R – Dava, no começo dava, mas depois, você acostuma, né? Aí, eu retiro, abro gaveta, tampa, retiro os ossos, tipo exumação, a gente faz exumação da pessoa, ajudo sepultar. Antigamente, quem trocava o defunto era eu, que quando morria aqui, a funerária era em São Sebastião, só que ela tinha um depósito aqui, eu que tomava conta do depósito, eu que ia lá, vendia o caixão, retirava o caixão, trazia aqui para o velório, eu mesmo que trocava o defunto. Já fiz barba de defunto, fiz um bocado de coisa… Um bocado de atrapalhada com defunto. Daí, perdi o medo. Já fiquei velando defunto sozinho, esperando a família chegar. Nunca vi nada. Tomei um tapa uma vez de um defunto. Morreu um cara aqui, morreu de enfarte, caiu na rua, aí eu fui lá buscar ele. Aí, nós trouxemos… Antigamente, era um caixão de lata que a gente pegava os defuntos, só que como ele era muito gordo, começou a inchar, aí eu tirei ele do caixão de lata e antigamente, o cemitério era uma pedra de mármore, colocava a pessoa ali em cima, né, pra preparar. Aí, ele tava com o braço aberto, aí eu peguei o braço dele e coloquei aqui e fui pegar um pedaço de gaze para amarrar, para ficar, que a barriga dele cresceu… A hora que esse braço aqui, eu fui virar o outro, quando cheguei lá, pegou no… quase me derruba. Aí, o cara: “Pô, o cara te bateu depois de morto”, aquele dia eu fiquei meio esperto (risos). Mas eu nunca vi nada, não sei se alguém já viu coisa no cemitério, mas é mentira. Nunca vi nada.
P/1 – Mas esse dia deve ter dado um baita susto!
R – Tomei um susto. Já teve caso aí da pessoa dizer que tá viva, a pessoa se mexeu, não tem nada, não.
P/1 –Bom, vou ter que contar, mas falando também com o Geraldo, ele falou pra gente do seu irmão Carlito, né, que é dele que você tava contando, né? Que é o irmão da barraca…
R – É.
P/1 – Ele falou de uma tradição ou de uns versos que tinham quebra-chiquinha, né, e a gente não conhece, não sabe o que é. Então, eu queria saber se você podia explicar pra gente o quê que é e ele falou de uma ciranda famosa, de um verso famoso que era sobre a dona Durvalina. Você podia contar essa história pra gente?
R – Esses versos, antigamente, os caras contavam na barraca, era tipo uma dança típica que tinha antigamente aqui na Ilha, a tal da ciranda, né, cirandinha. No meio da dança, eles versavam, cada um fazia um verso, foi quando fizeram o verso de uma tal de dona Durvalina, que era uma mulher muito grande, aí o meu irmão inventou esse verso aí. E tocavam no meio do samba, tinha a hora da versada aí, eles cantavam essas músicas. Tem várias músicas. Existe hoje, ainda, aqui na Ilha a quebra-chiquinha, ciranda, cirandinha, dança do pau de fita que é o tal do Adriano Leite que faz essa, ele que tá com essa tradição aí e nós que tocamos nessas danças. Que antigamente, era tocado com viola, antigamente, na Folia de Reis, essas coisas tinha viola, violino, a gente chama rabeca, não tinha surdo, era um tambor, pandeiro, triangulo. Até em garrafa, os caras tocavam antigamente, eles faziam som na garrafa, mas hoje modificou tudo. Hoje não tem mais viola, não tem violino, não tem nada. Tipo nessas festas era tocado, tinha sanfona também. Hoje não tem nada disso.
P/1 – E você lembra dos versos da Durvalina?
R – Eu não sei os versos quase todo, não.
P/1 – Um pedacinho, só pra gente sentir o clima.
R – Essa da Durvalina é meio carregada, meio pesada. Vou falar mais ou menos, deixa eu ver se eu me lembro (pausa), eu não vou falar ela certa: “As cochas de Durvalina mete medo e tem pavor/ tem sala, tem cozinha, também tem um corredor/ Deu uma mijada na cachoeira/ 120 patos matou…”, é assim, no finalzinho que eu não sei o verso, mas eu aprendi muito verso, mas a gente vai esquecendo, vai ficando velho, vai esquecendo. Tem assim: “Você diz que sabe tudo/ lagartixa sabe mais/ ela sobe na parede/ coisa que você não faz”. “Lá atrás daquele morro/ tem um homem gaioleiro/ quando vê moça bonita/ faz gaiola sem ponteiro”. “As meninas de Ilhabela/ têm o andar de tirar sangue, uma perna vem na frente e a outra vem lá pelo mangue”. Deixa eu ver… “A cidade de Ilhabela anualmente não produz/ no inverno falta água/ no verão, falta luz”. Esse aí, o cara que fez esse verso foi preso, o delegado mandou prender ele, o prefeito que mandou prender ele. Tinham vários versos … Os outros eu não sei. Só quando a gente toca que a gente vai lembrando, né, pessoa vai cantando, a gente vai lembrando, mas tem muito, muito verso. Meu irmão sabia tudo, tudo.
P/1 – Bom, seu Narcizo, eu queria agora que o senhor falasse pra gente dos seus filhos. Fala pra gente como é que foi ver a família crescer e a chegada dos filhos.
R – Meus filhos… O meu filho mais velho tem… Eu tô com 59 pra 60, ele tá com 39 anos, o mais velho. É casado, tem três filhos, trabalhou em vários lugares, não para em serviço. Ultimamente, agora, ele tá trabalhando aí no trânsito, na prefeitura, separou da mulher também, mora com a mãe dele e o meu filho do meio, Alex, é marinheiro, casado, tem três filhos e o meu filho mais novo ultimamente, o serviço dele foi fazer evento de casamentos, ele trabalhava com bar de caipirinha, aí foi mandado embora, ultimamente, tá trabalhando de carpinteiro. Casou, agora, há pouco tempo, não tem filho ainda e cada um vive a sua vida, têm as casas deles, só o meu filho mais novo que não tem casa, mora na casa da sogra. Cresceram tudo junto, quando eu separei, eles ficaram com a mãe, né, mas eu ajudava. Quando separei, vim morar na casa da minha mãe, que era aqui pertinho, morava aqui pra cima. Todo dia eu via eles, o que precisava, eu ajudava, foram crescendo, casaram, cada um para o seu lado. Hoje vive tudo aí tranquilo, aí, trabalhando, sustentando a família e eu fiquei por aqui. Vêm aqui em casa, de vez em quando, me visitar e se da muito bem com a minha esposa, aqui, agora. São tudo unido.
P/1 – Pensando em avaliações, eu queria que você falasse pra gente qual que é a importância desses versos que você acabou de falar pra gente, de manter essa tradição, que nem, o ano que vem, você vai passar a concertada pro seu filho, né, qual que é a importância de se manter a cultura, essa cultura oral, então os versos que vão passando de um pro outro, algumas tradições…
R – A gente que tá ficando velho tem que passar para os mais novos pra continuar, né, nunca acabar, porque isso aí é uma tradição, coisa aqui da Ilha, que vem dos antigos, então a gente não pode deixar acabar, por isso que a gente promete passar para um filho, para um parente, pessoa estranha também, né? Por isso que isso aí tinha que ter u… tipo isso que estão fazendo aí, arquivar, pôr num livro os versos, fazer livros, né, e deixar, distribuir para as pessoas e segurar isso daí. Antigamente, era tudo mais fácil, hoje em dia, é difícil, a molecada que estão agora não querem saber de nada. Tem uns que se interessam, tem outros que não se interessam em nada. Então, a gente vai passando pra continuar.
P/1 – Como que você imagina estar com o seu filho do seu lado fazendo a concertada?
R – Eu achei emocionante, porque passar uma tradição na família, eu vou ficar meio emocionado, porque passar uma coisa que veio da minha família, não passar para outra pessoa, passar para família e vamos ver se ele vai continuar, né? Que ele tem interesse.
P/1 – Então, é uma super responsabilidade?
R – Uma responsabilidade que ele vai ter e não deixar de fazer, que eu não vou deixar de fazer, só a hora que eu não tiver mais aqui, aí enquanto eu for vivo, vou continuar fazendo e chamando ele para ele vir aprendendo e continuar o que a gente aprendeu com os mais velhos, continuar até ele depois passar para outro, para o filho dele ou irmão.
P/1 – E que do mesmo jeito que você aprendeu com a sua mãe, você vai ensinar…
R – É, vou ensinar para ele. Antigamente, que eu falei que a minha mãe fazia a base de 15 litros, só, fazia três garrafões de cinco litros, dava pra todo mundo e ainda sobrava. Mas antigamente, os caras tomavam um tiquinho só, só para experimentar, só, né? Tinha gente que fazia promessa pra tomar aquilo. Hoje em dia, não, hoje em dia, você faz 120 litros e ainda não dá, porque os caras são exagerados, os caras tomam demais e é tudo molecada nova, sabe? Eu falei: “Minha mãe fazia 15 litros, dava e ainda sobrava, durava para as pessoas”. Eu aprendi com ela e fui fazendo, fui fazendo, a primeira vez que fiz, eu fiz 50 litros, aí comecei a aumentar, cada ano que passa, vai aumentando. Esse ano, eu fiz 120 litros e o ano que vem, não sei quantos que vai ser, depende da doação que os caras vão dar, porque eu não cobro nada pra fazer, eu faço porque eu gosto, só que eles têm que comprar as coisas pra eu fazer, né, que eu não posso dar tudo, também. Já dou o trabalho que eu tenho, né? Não dá muito trabalho, tem que fazer com fé e coragem, né?
P/1 – E qual que é a importância da Barraca do Samba pra cidade? Ela ainda funcionar e ainda ser um lugar de referência, um ponto de encontro.
R – Eu vou lhe dizer que continua um ponto de referência, mas os proprietários que estão agora não estão com nada.
P/1 – E como é que era quando estava com o seu irmão, né, que você ia lá, encontrava com ele, tocavam juntos.
R – Tocava junto… fora de temporada, tocava só fim de semana, né? Mas o recanto do Samba era aberto todo dia, era de segunda à segunda, não tinha essa não, fim de semana que ia até tarde da noite, a gente fazia o samba lá, aparecia as pessoas pra assistir, beber caipirinha, fazia de dia também. Mas hoje em dia, não, os proprietários que estão aí não abrem mais a barraca durante a semana, só abre a barraca sexta, sábado e domingo, à noite, ainda. E traz uns pagodeiros de São Paulo, umas tranqueiras aí que não tá com nada, não. Vou te falar a verdade, o que vai na barraca é só tranqueira, só. O próprio proprietário é tipo… não é traficante, ele é usuário de drogas, a barraca virou… virou usuário de droga, o cara já veio lá de São Paulo fugido de lá, veio pra cá e chegou aí, minha cunhada alugou para outra pessoa, alugou para uma medica e a medica não segurou a barra e alugou para essas pessoas aí. Eu nem vou mais na barraca, não participo, não.
P/1 – Como é que era antes ir na barraca?
R – Antigamente, n barraca aí, os caras bebia, o cara dormia na praia, aí, não tinha perigo. Hoje em dia, se o cara deitar aí na praia com a carteira aí, os caras levam tudo, tênis, levam tudo. Muita ladroagem, muita molecada, antigamente não tinha nada disso aqui, o cara bebia, ficava bêbado, dormia no meio da rua aí…
P/1 – Você gostava de ir para lá?
R – Gostava. Todo fim de semana, a gente… ficava doido esperando chegar o fim de semana pra ir pra… era o costume, né?
P/1 – Qual que era o diferencial de lá? O lugar que é bonito? Assim, o quê que te fazia ir para lá?
R – Fazia a gente ir para lá porque a gente gostava, né? E conhecer pessoas de fora, né, conhecia muitas pessoas, pegar amizade e aprender muitas coisas com quem vinha aí, né? Era uma tradição que a gente gostava de ir lá para tocar, para assistir, beber uma caipirinha, uma cervejinha. Antigamente, bebia refrigerante, que era criança, né? Mas depois… bom, hoje em dia, não participo muito, não. No ano retrasado, toquei aí na época da chegada do navio, nós tocamos lá de outubro até abril, era quase todo dia, a chegada do navio aí, iam assistir a gente. Depois, o dono da barraca fez uma sacanagem com a gente, eu sai fora.
P/1 – Nessas épocas quando você tocava lá, agora, o ano passado para achegada dos navios e tudo, o quê que você sentia estando lá tocando?
R – Eu sentia… reviver o passado, né? A gente voltar a tocar no lugar onde a gente aprendeu a tocar, é gostoso. Nós tocávamos músicas antigas, mesmo, do passado e relembra muita coisa que a gente passava ali, naquele bar ali. Lembra pai, mãe, irmão, os amigos que tocavam com a gente que já foram embora. A gente volta a ser criança de novo, volta a lembrar… é bom, pena agora que a gente… não participo mais de lá, sai fora. Saio só para outros lugares.
P/1 – E pra gente terminar, seu Narcizo, eu tenho uma última pergunta. Quais são os seus sonhos? O senhor vai se aposentar e o quê que você vai querer fazer?
R – O meu sonho… o sonho da minha mulher, ela quer voltar para a Bahia morar lá. Me aposentando, eu vou ficar um tempo aqui, a hora que tiver dinheiro para fazer uma viagem, curtir, né, enquanto a gente pode. Se tiver que sair fora daqui, a gente aluga a casa aqui e vai embora pra Bahia, mora um tempo lá. Minha mulher queria mais ir lá pra Bahia porque a mãe dela morava lá, né, que a mãe dela morava sozinha lá, só tem um irmão lá que mora lá. Mas agora a mãe dela tá aqui, acho que vamos ficar por aqui mesmo e curtir a vida, dar um passeio, São Paulo, Rio… tem vários lugares que ela quer conhecer, a gente… tendo dinheiro, dá pra gente fazer.
P/1 – E você gosta de pescar?
R – Não, não sou muito chegado, não.
P/1 – Não?
R – Não, não gosto de tomar banho de mar, moro aqui na beira da praia, eu vou na praia com… quando vem os parentes da gente, a gente vai, né, vai pra praia, os caras caem tudo na água, eu fico só tomando uma cervejinha, não sou muito chegado a água salgada.
P/1 – Tá certo então, seu Narcizo. Acho que a gente agradece a sua entrevista, muito abrigada.
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