P - Roberta, para começar, eu queria que você falasse o seu nome completo, dia que você nasceu e onde você nasceu. R - Meu nome é Roberta de Santana Pessoa, nasci em Recife, completo ano dia 12 de janeiro de 1974. P - E qual o nome dos seus pais, Roberta? R - Do meu pai é João Farias Pessoa, o nome da minha mãe é Maria dos Prazeres Santana. Todos os dois são de Recife. P - Qual a atividade do sei pai? O quê que ele fazia? R - Meu pai, ele era pescador. Ele sempre foi, nem estudar, ele nunca estudou. Desde que a mãe dele morreu, ele morou com a madrasta, teve aquela vida sofrida. Ele foi crescendo e pescando, irmão com irmão. A gente já morava na Beira da Maré, a gente sempre morou, a família perto da Maré. Foram crescendo só os irmãos naquela comunidade do Caranguejo. Foi produzindo, produzindo, e foi crescendo a comunidade, chegando gente prá morar. A minha mãe trabalhava na comunidade mesmo, porque tinha uma fábrica de vinho, de cerveja preta, la trabalhava lá, e a gente tudo pequenininho. Teve um tempo que ela parou de trabalhar, a fábrica caiu de produção, eu estava com sete anos, minha mãe falou: “Oxente, não tem nada pro meu filho comer”. A gente foi no depósito, pegou uma carroça: “Bora prá rua” Aí: “Eu também vou” Desde pequena que eu vou. Trabalhando com minha mãe na carroça e estudando. Teve tempo que eu falei: “Oxe, eu vou trabalhar” Fui trabalhar na casa dos outros, casa de família. Comecei a trabalhar na casa de família. Não deu certo mais, parei de trabalhar. Já estava com uns 15 anos, por aí. P - E vocês eram em muitos irmãos? R - Só quatro, dois homens e duas mulheres. P - O quê que você lembra, Roberta, da época que seu pai pescava? Algumas cenas que você lembra... R - Rapaz, tinha dia que ele ia pescar, dava muito bem. E, tinha dia que ele ia, o mar não dava peixe, porque não tinha nada. Eu dizia: “Peraí, pai A gente não vai ficar...
Continuar leituraP - Roberta, para começar, eu queria que você falasse o seu nome completo, dia que você nasceu e onde você nasceu. R - Meu nome é Roberta de Santana Pessoa, nasci em Recife, completo ano dia 12 de janeiro de 1974. P - E qual o nome dos seus pais, Roberta? R - Do meu pai é João Farias Pessoa, o nome da minha mãe é Maria dos Prazeres Santana. Todos os dois são de Recife. P - Qual a atividade do sei pai? O quê que ele fazia? R - Meu pai, ele era pescador. Ele sempre foi, nem estudar, ele nunca estudou. Desde que a mãe dele morreu, ele morou com a madrasta, teve aquela vida sofrida. Ele foi crescendo e pescando, irmão com irmão. A gente já morava na Beira da Maré, a gente sempre morou, a família perto da Maré. Foram crescendo só os irmãos naquela comunidade do Caranguejo. Foi produzindo, produzindo, e foi crescendo a comunidade, chegando gente prá morar. A minha mãe trabalhava na comunidade mesmo, porque tinha uma fábrica de vinho, de cerveja preta, la trabalhava lá, e a gente tudo pequenininho. Teve um tempo que ela parou de trabalhar, a fábrica caiu de produção, eu estava com sete anos, minha mãe falou: “Oxente, não tem nada pro meu filho comer”. A gente foi no depósito, pegou uma carroça: “Bora prá rua” Aí: “Eu também vou” Desde pequena que eu vou. Trabalhando com minha mãe na carroça e estudando. Teve tempo que eu falei: “Oxe, eu vou trabalhar” Fui trabalhar na casa dos outros, casa de família. Comecei a trabalhar na casa de família. Não deu certo mais, parei de trabalhar. Já estava com uns 15 anos, por aí. P - E vocês eram em muitos irmãos? R - Só quatro, dois homens e duas mulheres. P - O quê que você lembra, Roberta, da época que seu pai pescava? Algumas cenas que você lembra... R - Rapaz, tinha dia que ele ia pescar, dava muito bem. E, tinha dia que ele ia, o mar não dava peixe, porque não tinha nada. Eu dizia: “Peraí, pai A gente não vai ficar com fome, não” A gente saia de novo, com a carroça do deposeiro, que a gente não tinha a nossa. P - Então, o seu pai continuou pescando e a sua mãe trabalhando com a carroça. R - Com a carroça. Eu ia com ela. Sempre, só com ela. Quando não deu certo, eu disse: “Mãe, sabe de uma coisa? Eu não vou mais trabalhar em casa de família prá ninguém. Bora puxar a carroça mesmo”. A gente ficou puxando carroça, ficou puxando carroça, ficou puxando carroça, tive o primeiro filho, primeiro casamento. P - Quantos anos você tinha, mais ou menos? R - Dezoito. O primeiro filho, eu tive com 19, com 21 eu tive outro do mesmo casamento. Não deu certo. Eu falei: “Melhor eu ficar na minha vida mesmo”. Separei. Inventei de casar de novo, passei uns quatro anos sem ter filho, lá vai eu, caso de novo, lá vem mais dois, que é Maria Vitória e Wesley. Os dois primeiros chamam: Felipe e Zainan. Não deu certo. Agora inventei de conhecer lá na comunidade, o pessoal mudou muito lá na comunidade. O pessoal lá, os líderes comunitários, que eu ajudava meu pai na pesca. Fiquei sendo uma líder comunitária. Todos os eventos que tinha, eu ia no lugar do meu pai, que meu pai já estava com aquela idade de tanto ele pescar, ele não tinha força nos ossos pra andar, ele ficou meio doente. Eu ia representando ele. P - Como que é o nome da comunidade? R - A comunidade é Caranguejo Tabaiares. A associação de lá é União dos Moradores. P - Você ajudava o seu pai na pesca? Você saia pro mar com ele? R - Não, ele ia pescar na Maré, ele tomava conta de um viveiro de camarões. Eu sempre ajudava ele. Eu sempre controlava a pesca, e comprava as larvas prá colocar no viveiro. P - E ele pescava mais camarão, ou... R - Ele, normalmente, ia pescar mais peixe, porque camarão é de três em três meses. Ele não podia ficar só no camarão, senão a gente ia comer só de três em três meses. O camarão dava um dinheirinho bom, mas pro mês todo, prá três meses, não dá Eu nunca deixei de puxar minha carrocinha. Viram que eu estava com uma carrocinha velha do deposeiro, doaram uma prá mim. Uma carroça...doaram o material, kit, todinho me deram. P - Agora, eu queria que você falasse um pouquinho da sua infância. E depois, você vai contar essa história, de como você começou esse trabalho de catadora. Mas e na infância, vocês brincavam? Quais eram as brincadeiras? Você se lembra? R - Brincava Gostava de rodar bambolê, pular amarelinha, boneca. Até hoje, eu vou dizer a você, eu tenho duas filhas, quando eu tenho tempo, eu vou brincar com as meninas de boneca. Pequenininha, eu ganhei uma boneca, não tô lembrada a quem. Me deram uma boneca que fazia xixi e virava, buf, tibuf, tibuf. Até hoje eu ainda não vi dessa boneca. Em casa, eu e minha irmã brigando por causa dessa boneca. Quem que ganhou fui eu. Ela tinha muita vergonha de ir pra rua com a minha mãe e eu não, eu digo: "Mãe, bora Eu vou pro lixo também". Ôxe, o sustento da gente desde pequeno, foi mais da gente indo pro lixo, dava mais renda. Toda a semana a gente tinha o ganha pão P - Vocês iam no lixão? R - Não, aqui em Recife, mesmo. Aqui em Recife no bairro de Afogados, não tem lixão. A gente ia pros prédio, ia prás feira. Eu catava muito aqui no prédio das Graças. Teve um momento que a gente estava naquela situação precária, que foi o lixo que levantou a minha casa. P - Quando você morava com seus pais? R - Eu sempre morei com os meus pais, nunca se separei não. Mas é que eu podia me casar, mas a casa é grande. Meu pai nunca me botou prá fora de casa. Eu fiquei sempre, bem dizer, em baixo do meu pai e da minha mãe, até hoje, gente, eu sinto falta do meu pai, que era meu companheiro, meu amigo. P - Faz tempo que ele morreu? R - Vai fazer dois anos em novembro, que eu perdi meu pai. Sinto muita falta até hoje. O meu pai foi uma pessoa ó, eu nem sei dizer prá você. Era meu companheiro, meu amigo. Quando a gente estava aperreado, a gente começava a conversar. E agora, eu não tenho essa pessoa companheira. Minha mãe não é feito o meu pai. Teve uma época que minha mãe se separou do meu pai. Eu fiquei com o meu pai. Meu pai entendia mais o meu lado de que a minha mãe. Eu disse a ela várias vezes: “Mãe, eu sei que agora a senhora tá perto de mim. Agora eu sinto a senhora perto de mim”. Mas de primeiro não era assim. Se separaram, eu tive que ficar com pai, eu já tinha filho. Ficou uma responsabilidade muito grande, que eu tinha de trabalhar prá dar de comer a meu filho e ajudar o meu pai, meu pai já estava velho. Muita coisa que dói, que eu não gosto, às vezes, nem de lembrar, porque é muito ruim pra mim voltar o tempo, lembrar umas coisas. É só falar no meu pai que dói mais. A minha mãe arranjou um companheiro pra morar com ela. Bem dizer, ela dava mais atenção a ele de que a gente. Eu grávida da minha menina, eu sou muito rebelde, não vou dizer a você que eu não sou, tem umas partes que eu não gostava. Quando ela fazia: “Roberta, isso é de Fulano”. Eu dizia: “È... Tá certo”. Ela não morava na minha casa, quem morava comigo era meu pai. Eu dizia assim: “É de Fulano, mãe?” “È”. Quando mãe chegava, eu pegava e comia de implicância. Eu, aquela menina “impliqueira” quando eu era pequena. Eu sempre vou dizer a você, se eu ver alguma cosa errado, eu falo. Se eu não gostar, também falo. Eu sou aquela pessoa que tem gente que diz assim: nem sou carne, nem sou peixe. Quando eu quero dizer alguma coisa as pessoas eu chegou na bucha e digo. Eu não vou deixar pra depois. O meu problema eu acho que hoje, é esse, que eu sou sincera. P - A primeira foi uma menina, sua filha? R - Não, o primeiro foi Felipe. Foi um menino. Nasceu no dia 11 de agosto, véspera do dia dos pais. Nesse dia eu tinha até arengado com o pai do meu filho. Quem ficou bêbado foi meu pai. Foi o primeiro neto, foi dia dos pais, ele disse: “Como é esse negócio de cachimbada?”. Eu sei lá o que é cachimbada? E ele fez: “É mel com Pitu”. E eu digo: “Isso é cachimbada? pai? O senhor vai ficar é só bêbado”. Ficou muito feliz. E o menino puxou o pai dele, que é o menino mais velho, tem cabelo bom, bem alto, magro, tem 14 anos hoje. Depois veio outro menino. As meninas são as últimas. Veio o Zainan. Tá com 12. Até a menina de quatro anos meu pai ainda estava vivo. Quando ele morreu, ela estava com três anos. P - Você falou que ficou muito feliz. E, as festas na comunidade, Roberta? Você lembra como eram? R - Rapaz, eu sou uma pessoa que eu cheguei dentro de casa, eu fico. Fulano: “Ô, Roberta, tu vai ver não a festa da comunidade? Eu digo: “Eu não tenho tempo, que amanhã eu vou trabalhar”. Eu começo a fazer as minhas coisas, perde a hora. Mas teve umas festas que eu já fui. Foi dia das mães, que comemorava muito lá. Dia das crianças, que fazia festa pras crianças. Dias dos pais, tem festa na comunidade. Tem clube de mãe. Tem o clube dos idosos, que é um grupo de senhores, de velhinhos lá da comunidade, é dona Nice, tem muito grupo lá naquela comunidade. P - E vocês que participavam, era o quê? Uma colônia de pescadores? R - Eu comecei na colônia, da colônia, eu passei pro clube de mãe da Madalena, que é dona Ivonize, ajudando aquelas crianças desnutridas. A gente foi buscar o leite, aquele leite do governo. Ela me chamou pra eu ajudar ela fazer os cadastros. Quando teve uns tempos lá, Ivonete me chamou: “Roberta, bora fazer um curso lá na ASPAN. “Sobre o quê?” Ela disse: “Eu sei que é sobre lixo. Agora, o que é, eu não sei, Roberta”. Eu disse: “Mas rapaz... ô Neta, eu tenho quatro filhos. Prá deixar meus filho de duas horas da tarde até dez da noite, vai ser um russo. Vai ser ruim pra mim”. Ela: “Não, mas vai mais eu pra tu conhecer, se tu não gostar, tu sai”. A gente foi fazer esse curso sobre lixo e alguma coisa, sobre rato no lixão, os pessoal dentro do lixão. Realmente, eu nunca sabia o que é um lixão. Aqui em Afogados, aí no Derby, que eu ando essa área todinha a pé, puxando a carroça, eu disse: “Por que eu nunca vi um lixão? Eu só vejo aqui, a gente vai pros prédios catar os lixos dos outros” “Aí, a coisa é diferente”. Eu digo: “Oxente, eu nunca vi um lixão, seu Bertran. Ele: “Vai ter um dia que eu vou marcar pra eu levar vocês, pra vocês conhecerem o lixão”. Eu fui pro lixão de Muribeca. Eu fui conhecer a Frompet, que eu nunca tinha visto a fábrica de garrafa pet. Esse curso que foi me puxando pra conhecer mais. Levaram a gente prá conhecer o lixão. Eu vi tudo de perto como era e como não era. Eu disse: “Eu nunca sonhava deu ver um lugar daquele. Eu disse: “Se eu pudesse ajudar aqueles companheiros que estavam ali, eu ajudava”. Porque tem gente que dorme ali. Eu soube de uma história de um caminhão que passou por cima de uma criança. Mas aquilo ali dói, dá vontade até de chorar. Eu já fui lá, conhecer os catadores, levaram a gente prá conhecer os catadores todinhos de Muribeca. Foi nesse curso que eu conheci José Cardoso. Ele estava falando sobre os catadores, sobre o movimento dos catadores. Ele deu uma palestra que conquistou as pessoas todinhas. Eu disse: “No intervalo, eu vou conversar com esse homem, que lá na minha comunidade tá precisando dele”. Eu conversei com o Cardoso. Sentei com ele lá fora, eu digo: “Minha comunidade tá precisando do seu apoio, porque lá tem um bocado de catadores, eu mesmo vendo pro “deposeiro”, e é assim, assim, assim. E ele até arranjou, na época, uma pessoa pra comprar os materiais da gente. Ele falou: “Eu vou ficar aqui lhe ajudando”. Eu: “Então, tá bom, já que vai ajudar a gente, então, vão bora”. Então eu falei lá com a presidente, ela cedeu a sede prá todas as quintas ter reunião dos catadores. Foi nessa reunião que a gente foi se ajuntando, se ajuntando. Foi conquistando os catadores de lá da comunidade e a gente começou a dar início a Pró-Recife. A gente começou lá, trabalhamos muito pra conseguir. Eu fui prá Brasília, conheci o pessoal de Brasília. Tive umas três capacitações do movimento dos catadores, um aqui em Olinda, em Piedade, fui em todo canto prá conhecer esses catadores como fazia prá poder a gente dar nisso: A Pró-Recife. A gente foi aprendendo mais, se ajuntando, tendo união, aí começou a Pró-Recife. P - Você falou que antes, vocês vendiam pro deposeiro? Quem é o deposeiro? R - É um depósito, ele empresta a carroça a você. Você vai prá rua catar e você só pode vender a ele. E você, só pegando seus materiais e vendendo a ele, sai muito mais barato. No deposeiro eu vendia, no tempo que eu vendia, o papelão eram cinco centavos o quilo. As coisas eram muito baratas. Depois que a gente foi começando a Pró-Recife, o Osimar veio apoiando a gente. A gente começou a Pró-Recife com uma carroça, que foi a minha. Agente começava a coletar lá no Osimar, na Avenida Cachangá, ele veio apoiando a gente logo do começo. P - Eu acho que você podia contar um pouquinho antes, quando começou com a sua mãe. R - Com a minha mãe a gente começou com um carro-de-mão. “Bora prá rua” Eu digo: “Bora Aí mãe fez: “Tá certo”. Mas no carro-de-mão não cabia os papelão que a gente ganhava na rua, e os material que davam. Mãe falou: “Roberta, bora arranjar uma carroça maior e a gente vende direto pro deposeiro”. Tu sabe, eu não entendia nada de cooperativa. Mãe disse: “Bora” Eu digo: “Bora” Aí, tinha Nilson, meu irmão, Nilson ia me levando dentro da carroça e mãe ia do lado. Ia catando por todo canto, Bom Preço, Madalena, por ali, o Bom Preço da Madalena. A gente pegava muito material também. Minha mãe começou pegando na rua que a gente mora, no Caranguejo, tinha um “deposeiro”, foi o primeiro “deposeiro” que a gente começou a vender. Ela pegava a carroça, a gente ia prá rua, chegava vinha lotado. Era o dinheiro do café de noite. A gente tinha que chegar mais cedo prá vender prá poder comprar as coisas prá dentro de casa. Meu pai, quando ia pescar, tanto faz vim, como não vim, porque a Maré tá poluída. E a gente tá trabalhando também prá limpar o meio ambiente. Sempre lá na comunidade, tem um projeto que vai lá, começa movimentar as pessoas: “Bora fazer isso. Bora fazer aquilo”. A gente ajunta todo mundo pra limpar o mangue. Rapaz, teve uma época que a gente estava passando fome. Lá vai eu e Nilson pro lixo. Eu disse: “ Nilson, a gente leva um carro-de-mão porque hoje a rua pode ser fraquinha”, “É, bora com o carro-de-mão”. Minha mãe inventou de criar porco também, era uma ajuda mais porque quando os porcos estavam gordinhos vendia e ganhava dinheiro. Eu disse: “É mãe, bora A gente vai de carro-de-mão. Não esqueço mais nunca, não tinha nada mesmo, não tinha nem um carrinho de comer. Aí eu disse: “Mãe, vou pro lixo agorinha, a gente vai desenrolar o que a gente comer de noite. Ela fez: “vai minha filha, vai com Deus” Eu digo: “É, bora Nilson”. Nilson pegou, veio. “Vamos se embora”. A gente chegou onde a gente cata, que é nas Graças, a gente chegou lá, o prédio ia botar o lixo ainda, a gente chegou antes de colocar o lixo prá fora. Eu cheguei, lá fiquei. Nilson: “Bora esperar o lixo”, ele fez: “Bora”. Eu peguei e sentei perto do poste que é onde o homem colocava o lixo. Eu disse: “ Ele vai começar agora”. Eu me alevantei, ele foi colocando os tonel prá fora e eu fui catando. Tinha um tipo dum papel marronzinho - não sei se vocês já viram um papel marronzinho? - Parecia aqueles pacotinho que tinha alguma coisa dentro. Eu disse: “Nilson, eu acho que isso daí é cocô”. Nilson fez assim: “É Roberta, deixa isso aí”. Eu digo: “Eu não vou deixar, não. Tá mandando eu olhar, eu vou olhar. Tava me dando aquela sensação, nem que seja merda eu vou ver agora”. Menina, quando eu abri, pá, o relógio brilhou. Eu não sabia nem o que era ouro ou o que não era. Mas meu irmão ficou tão nervoso. Eu digo: “Olha Nilson, a salvação da gente da noite, o café, o almoço do mês todinho. Nilson fez: “É mesmo Roberta?” Eu disse: “É”. Ele disse: “Não, vá se embora”, eu digo: “eu não vou, não Espere Quando eu terminar de catar meu lixinho, eu vou, porque eu achei no lixo, eu não roubei de ninguém. Achado não é roubado”. Ele fez assim: “É, então, bora terminar”. Mas ele ficou num estado tão avexado porque em casa não tinha nada. Eu digo: “Mas a gente só vai depois que terminar”. A gente tinha uma sorte de ir na rua, ganhava uma cesta básica, ganhava pão, ganhava leite. “Ô, tem calma que a gente vai chega em casa”. Quando eu cheguei em casa, vixe: “Pai, o senhor quer ver o que eu achei no lixo, pai? Ele falou: “Que foi, minha filha?” Eu digo: “ Eu achei isso aqui. Vê que coisa mais bonita”. Aí pai: “menina, tu achou isso aonde?” Eu digo: “Foi no lixo, garanto que eu não roubei. Foi não, Nilson? No lixo?” Nilson fez: “Foi pai, foi do lixo”. Pai botou no braço: “vou botar no braço e fazer um teste”. Foi lá prá onde ele vai pegar o bote pra ir prá Maré, depois pai fez assim: “Rapaz, a gente tá numa situação tão precária, eu não vou ficar com esse relógio no braço”. O pior é que ele estava bom, não estava quebrado, não estava nada, chega brilhava, minha filha, aquelas corrente no relógio, enganchada. Meu pai foi daqui prá ali, os meninos ficaram de olho, ratinho de lá onde a gente mora. Pai: “Roberta, eu não vou morrer por causa desse relógio, não. Menina, leva lá no banco, vamos penhorar prá gente comer?” O relógio foi tão caro que a gente passou uns bons meses sem se aperrear com dinheiro pra comida. Aí, o banco pegou, mandou chamar, e deu outro dinheiro por cima. Ele fez: “Já que você não tem condições de tirar o relógio do banco, você vai e toma esse dinheiro”. Mãe fez: “Tá certo”. Assinou lá que tinha vendido o relógio. Foi outro dinheiro já por cima. Eu disse: “Tá bom. Foi uma ajuda bastante”. Eu digo: “Graças a Deus, viu?” Porque estava num sarro danado. Se você visse eu de primeiro como eu era, sou gorda agora. P - Que idade você tinha quando você começou a catar? R - Sete. P - Até agora, você sempre nessa atividade? R - Sempre. Olha, eu podia trabalhar na casa de família um dia, dois, lá era por escala que a mulher me botava. Eu dizia: “Mas só que na minha casa tá faltando as coisas, daqui que ela me paga, eu vou morrer de fome?” Eu só ia os dia que ela marcou comigo, eu ia lá dava uma ajudinha a ela. Quando foi no meu dia da rua, eu ia prá rua. P - Você disse que estudou? R - Estudava de noite. Estudei de dia, estudei de noite. Quando era menor, estudava de dia. Agora vou retornar, que não dá, não. P - Você lembra de alguma coisa assim da escola? O quê você lembra da época de escola? R - Rapaz, quando eu era pequena mesmo, se eu contar a metade, vocês vão rir até dizer: “Basta”. Eu era muito sapeca, eu pequena. Eu não tinha gordura, eu era magra. Mas sendo que o problema é que eu arengava muito na escola, minha gente, peraí. A minha irmã estudava comigo. “Roberta, bora pra escola”. Eu digo: “Bora”. Os menino pegavam, davam nela. Ela besta, digo: “Agora tu vai apanhar também”. Ela apanhava, digo: “Tu apanha dos outro, é? “Foi quem que deu em tu?. Me diz aí?”. Porque a sala dela era separada, ela sempre maior que eu. Eu digo: Por que ele deu em tu? Ele é teu pai, é? Peraí, deixa a gente sair, deixa a gente sair do colégio”. Quando saia, o pau comia. Eu nunca levei desaforo prá casa. Desde pequena eu sou assim, não chega não. Que se tiver errado, cabou-se. P - De alguma professora você lembra, Roberta? R - Lembro. Teve uma que veio puxar minha orelha. “Ô, professora, posso fazer uma pergunta prá senhora?” Ela: “Pode, Roberta”. “Quantas vezes a senhora dormiu com meu pai? A senhora já dormiu com o meu pai? Ela disse: “Por que, Roberta?”, “Por que ele lhe deu permissão prá senhora puxar minha orelha?”. Aí: “Vou falar pra tua mãe amanhã”. Eu: “Tá certo. Eu digo a ela, não tem problema, não. Chega lá eu digo”. E eu digo a mesma coisa que eu disse. “Mas rapaz, tu fica procurando confusão?” Se der na minha irmã, eu dou-lhe de volta. Eu não mandei ela ser mole. Se ela for mole, ôxe, tem problema não, eu resolvo a bronca dela. P - E a sua irmã é a mais velha, né? R - É a mais velha. E eu sou a caçula de todas. P - E com seus irmãos? Como era? R - Meus irmãos, o único que eu já arenguei foi Nilson, e agora depois da gente grande. Realmente, ¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬a gente sempre tudo muito unido. A gente nunca brigou de um dá no outro não. Arenguinha, é normal. Como eu vejo hoje em dia uns irmão arengando com o outro, vai matar, vai dizer que vai acontecer. Eu fico calada. Eu fico: “Não dá, não”. P - Você disse que vai voltar a estudar... R - Vou voltar a estudar, tô precisando. Com o tempo que eu parei de estudar algumas coisas estão apagando. Eu tenho medo de escrever prá não comer as letras. Se eu for escrever sempre falta uma letra. Eu estudei até a quinta. Vou voltar de novo. P - Você disse que achava coisas no lixo, algumas coisas. É diferente, hoje, o jeito das pessoas lidarem com o lixo? Pessoal que deixa nos prédios, você vê alguma diferença? R - Tem diferente uma coisa sim, porque era tudo misturado. E agora não é. Agora estão separando. O material reciclado e o orgânico. Esses dois tá sendo separado, com certeza. Agora têm algumas pessoas que não tá consciente. A gente dá palestra, a gente dá os panfletos, como é que separa, como não separa. A gente vai dando um exemplo. P - E você falou que na comunidade, vocês têm feito um trabalho sobre o meio ambiente. Como é esse trabalho? R –Só fizeram mesmo até Lusinete, quando ela estava viva. Depois que ela morreu, cabou-se. Lusinete era a presidente da comunidade. Ela morreu no esgoto, morreu porque pegou a doença do rato, foi limpar lá perto da casa dela o esgoto cheio de rato morto. A mulher vai, mergulha dentro pra limpar a fossa porque estava entupida. Porque chamava sempre a limpeza prá limpar lá os canais das fossas, e ninguém ia. Já que eles não vêm, ela foi limpar. Ela ficou doente, nem terminou o curso. P - Olha só. E vocês na comunidade, vocês estão bem organizados? R - Estamos. Tem tanto líder comunitário lá, porque tem Ivonize, tem o clube da Madalena. Essa dona Ivonize trabalha com pet, com a escolinha do governo que é só de criancinha pequenininha, e entrega do leite pras crianças. Aí vem, dona Nice, que é o clube de idosos e vai fazer lá na comunidade uma cozinha de culinária prá quem quiser aprender doce e salgado. Tem dona Zezé Bolachão,que foi presidente da comunidade há muito tempo, ela agora ajuda. Tem seu Suiraquitã. Tem seu Sérgio. P - E a comunidade, de quando você era pequenininha até agora. Que mudança você consegue perceber? R - Hoje tá melhor, porque de primeiro lá era tudo esburacado, uma comunidade cheia de esgoto pelas ruas, agora é tudo calçadinho, tudo em ordem. A ponte que separa Caranguejo de Tabaiares, agora é firmada porque antes era de madeira. Mudou muita coisa. P - E continuam pescando lá? R - Continuam. Tem muito pescador, a família do meu pai. Mas mudou porque na Maré não tem mais peixe, tá poluído. Eles estão mais com pesca de camarão, viveiro de camarões. Então, ao invés de eles pescarem põe o peixe prá crescer dentro do viveiro, tem que passar um ano, de um ano prá outro. Camarão é de três em três meses. P - E aumentou muito o número de pessoas lá da comunidade? Cresceu a população lá, ou continua do mesmo jeito? R - Rapaz, lá multiplicou e muito porque da época que eu era pequenininha pra agora era muito calminho, a gente dormia de porta aberta, não se preocupava com nada. E até hoje se brincar, eu durmo com a porta aberta. Porque eu sou uma pessoa que não se mete na vida de ninguém, sou do meu trabalho prá casa. P - E é tranqüilo lá, Roberta? As crianças, adolescentes, como é? R - Rapaz, as crianças lá, a vida das crianças está no vídeo game, o passa-tempo, ou na rua, tu chega lá, vumm, você quer passar, os meninos passam correndo. É corda, de pular corda, é elástico. Até eu, às vezes, tô pulando elástico, voltar à infância. Vou brincar com as meninas, pulo elástico, pulo corda. Até meus filhos brincam comigo. Moram todos comigo, não dou nenhum. Me separei do pai, mas nenhum nunca deu nada. Eu sempre trabalhei, sempre sustentei meus filhos com minha carroça. Sempre ganhava meu sustento, dos meus filhos com a carroça. Depois que eu conheci o movimento eu não ando com nenhum. Não posso andar com nenhum em carroça. Porque o movimento educa os catadores prá não dar a vida da gente, o que a gente vem lutando há muito tempo é prá melhorar a vida dos catadores. Não passar pros filhos da gente, porque para os filhos a gente quer uma coisa melhor. Não ensinar os filhos da gente a puxar carroça. Eu levava tudinho comigo, dentro da carroça, os quatro. Agora quando era a hora da escola, eles estão na escola. Quando eu via que era hora da escola, eu voltava, pegava, dava comida, tudinho. Tudinho ia comigo. Comigo na carroça eu achava melhor porque eu estava ali, junto deles. Estava olhando, estava observando. Eu achava melhor. Mas Zeca não acha. Agora tem uma de seis anos. E tem a Carolina, Maria Carolina que está com um ano, que é a filha de Cardoso comigo. Se tu ver a menina, mulher, como ela é gorda Que eu digo:”Quando eu era pequena, eu era magra. E por que tu estás gorda?” P - Você disse que conheceu o Cardoso, e como foi até vocês chegarem a casar ou ficar junto? Como é essa história de amor? R - Ele viajava muito sobre esse negócio de catadores. Ficava ligando prá mim: “Roberta, tal, tal, tá bom”. Teve um dia que ele falou: “Bora sentar e conversar?” Eu disse: “O quê? Conversar o quê? E eu tenho o quê pra conversar com tu? Porque eu morava sozinha mesmo. Mas também nesse conversar, eu dei tanto bolo em Cardoso. Nesse dia disse: “ta bom, já dei tanto bolo no homem, eu vou lá conversar com ele”. Eu fui, conversei com Cardoso. “É, bora tentar, se der certo a gente fica, se não der, tu fica pra lá que eu fico pra cá”. Eu já disse: “Olha, tu sabe que eu tenho quatro filhos e moro sozinha”. Ele disse: “Tá certo, Roberta, que isso daí eu vi que eu fui na tua casa”. A gente começou a conversar, conversar, conversar e terminou ficando, que até a data de hoje, nós estamos juntos, tenho Maria Carolina. P - Você disse que quando conheceu o Cardoso que começaram o trabalho da Cooperativa, conta como foi essa história. R - A gente começou a juntar os catadores, eu fui de porta em porta os convidando pra reunião, pra gente se unir e fundar uma cooperativa. Saí de porta em porta chamando: “Olha gente”. Quando era no dia da reunião: “Gente é hoje a reunião, não esqueça não”. Aí, os meninos iam, saiam de porta em porta: “Sete horas da noite, olha a hora”. Cardoso ia lá, a gente se reunia com os catadores, ajuntava o grupo, ficava conversando como a gente ia começar fazer a cooperativa. P - E o quê que os outros catadores comentavam, achavam, quais eram as dúvidas? R - Agente tirou muita dúvida sim, porque a gente vendia pra quem? Pra “deposeiro”. E a gente formando uma cooperativa, a gente não ia ficar na mão do “deposeiro”. Que o deposeiro sempre ganhava mais as custas da gente, e a gente ganhava menos. O sonho da gente mesmo era formar a cooperativa e vender pras fábricas. Nas fábricas a gente ganha muito mais. O dinheiro dá pra você tirar sua renda e da sua família, que a gente hoje está, com fé em Jesus, tirando quase um salário. O sonho do Cardoso era fundar uma cooperativa, que foi a Pró-Recife. O primeiro parceiro da gente foi o Osimar, sempre Jakeline apoiando a gente, logo desde o começo. P - E a Pangea? Como que entra nisso? R - O Pangea são os técnicos que vem apoiando a gente em como administrar uma cooperativa. Tem Cris que apóia Nilson, que é o contador, como fazer as contas do pessoal da cooperativa. Tem Geórge que é o técnico de logística, que faz o roteiro pros pessoal sair com a carroça. E tem Rita, Rita de Cássia, que é assistente social, que qualquer dúvida da gente, conversa com ela. Ela resolve alguns negócios de documento, São esses quatro que são do Pangea. P - E a Iara? R - A Iara é assessora de todos. P - E quantos eram no começo da cooperativa, esse pessoal que você conversou? R - Quarenta logo no começo. Tudo da comunidade. E tem uns lá que ainda não entrou porque eles gostam do dinheiro deles por semana, e agente na cooperativa é por mês. Todos da cooperativa recebem, final do mês todo mundo tá recebendo sua folhinha. Lá na cooperativa agora tem o quê? Tem dois grupos. O grupo dois sai na segunda-feira e na quarta. O grupo um sai terça-feira e sexta-feira. O grupo um fica na segunda-feira dentro do galpão. Todo serviço de triagem que tem dentro do galpão, é aquele grupo que ta lá que vai triar. O grupo dois, tá na terça, o um já vai prá rua catar seu material, fazer sua coleta. Aquele grupo dois tem que fazer a mesma coisa, separar, triar, pesar. Nilson faz: “Roberta, eu quero tal material, que a gente tem que vender hoje, entrega do papelão”. Então, a gente tem que fazer todos os fardos só de papelão naquele dia. “A Frompet, a gente vai vender amanhã na Frompet. Amanhã tem que estar tudo pronto prá entregar tal hora, jornal, beber, catembra um, tem catembra dois, tem pet óleo, vinagre, tem mineral. Catembra são aquelas vasilhas usadas, balde quebrado. Antes você vendia tudo, não separava nada, você também não sabia o preço de x, de nada. Você podia vender ao deposeiro misturado. Eu mesmo vendia pet, catembra, tudo um valor só. Óleo, vinagre, mineral, você não separava nada pro deposeiro. E ele sabendo que vai ganhar nas custa de você. E agora, você aprendendo, cabou-se. Eu sei o valor de todos, sei o valor e já sei a renda que tiro no final o mês. Se eu quiser trabalhar mais, como eu faço, eu largo de lá, venho com minha carroça, no outro dia que é prá estar no galpão, não pode triar. A gente tem que triar no dia que a gente tá na rua. Eu já sei, já levo minha carroça cheia. No dia que eu tô dentro do galpão, eu não trio. No dia que eu vou prá rua, chego lá mais cedo, trio a minha carroça, vou pra rua de novo, venho com ela cheia, aí trio de tarde. Eu tenho uma renda melhor no final do mês. P - E vocês aprenderam isso como? Saber tudo isso, o que vale, o que não vale? R - A gente aprendeu depois que a gente começou a Pró-Recife. Que cada um tem um valor diferente. Cada um que vai comprar um material tem um valor: “Ò fulano, eu quero isso, tal dia”, “É x”. O plástico folha, a gente tem uma vantagem, que está 80 centavos. Quanto a gente vendia no deposeiro? Não tinha nem lógica. Lá são dois galpões. Cá a gente armazena o que tem que triar e pesar, saber o preço e deixar anotado. Chega uma compradora do papelão, que é a Ivânea. Eu só sei olhar naquele papel o valor. Anotei ali, eu sei o valor. Tá ali prá entregar a ela, a gente vai e entrega a ela. A Frompet, já é o caminhão da Pró-Recife que vai levar. Agora quando vai lá pra Frompet, vai o quê? Vai, pet branca, pet verde, vai o mineral, vai o vinagre, vai o óleo e vai o detergente. Tudo a gente tem que fazer fardo pra entregar. A gente tem mais trabalho com a pet porque a gente que tem que separar. Tem que saber qual é, porque já vai definido, tu vai prá isso, tu vai prá isso, e pronto. Muita coisa que a gente não sabia, porque vendia tudo pro deposeiro. Todos os cooperados participam desse trabalho, todos mesmo. P-1 - E vocês pra formar essa cooperativa, vocês aprenderam essas coisas sobre material e aprenderam outras coisas sobre cooperativa? R - Oxe, a gente aprendeu muita coisa sobre cooperativa. Se a gente não tiver união, a gente não vai pra frente. Tem que ter muita responsabilidade. Quando a gente quer uma coisa, lutar por aquilo, se a gente não lutar a gente não vai vencer. Eu sempre cobro lá no grupo, gente, é com um pouco de união que a gente vai pra frente. P - E como é essa convivência, Roberta? Entre os cooperados? R - Prá mim é ótima. Não tenho nada contra nenhum, não tenho nada a dizer sobre eles. São todos legais, são companheiros. Agora tá entrando um novato. A gente tem que explicar aos novatos, que a gente fundou aquela cooperativa, não foi só prá comunidade de Caranguejo Tabaires, a gente começou aquela cooperativa foi prá todos os catadores de lá da Lagoa, a gente pode acolher todos os catadores, quanto mais quiser ir pra lá, pode ir, não tem problema. A mesa da gente lá dá prá botar de catador, 160. Começou com 40, hoje eu já perdi a conta. Porque até na hora do almoço, eu me atrapalho porque tem tanto, que só sobra prá mim repartir o almoço. “Roberta, você sabe repartir”. Só cai prá Roberta. Todo mundo almoça lá, todos os cooperados. Fazemos o almoço. A cozinha, eu acho que já tá pronta, que o homem disse que dava ontem pronta a cozinha. Que a gente estava reformando, porque tem o refeitório prá gente almoçar, e a cozinha estava precisando de uma reforma. E tem um vestiário da mulher que estão terminando. Ele disse que ia deixar tudo pronto. Mas como eu vim hoje prá cá, não deu nem prá eu ver se estava pronto ou não. P - Tem as funções, além de catar, de reciclar...? R - Lá, tem a coordenadora do dia. Quando a pessoa está na cozinha tem que coordenar as pessoas que fazem a limpeza do escritório, do banheiro das mulheres. Dos homens, são os homem que fazem. A gente tem essa regra. Os homens limpam o banheiro dos homens, as mulheres limpam o banheiro das mulheres. Os homem varrem a frente pra deixar a frente da cooperativa limpa. O grupo, quando vai fazer as coisas, sempre tem conversa. Não precisa dizer: “Não, Fulano vai fazer”. Não: “Roberta, eu faço. Eu faço isso”. Tá certo, aí pronto, fica assim. Quem coordena é a gente mesmo, os catadores. A gente mesmo que coordena. O Presidente é José Cardoso. P - E como são as decisões? Como é essa relação da diretoria com os cooperados? R - Rapaz, com a diretoria são tudo ok. Quinta-feira, três horas da tarde tem a reunião do grupão, que são todos os cooperados com Iara, Cris, George, Rita, todo mundo. Hoje tem a reunião da diretoria, agora de manhã, eles saíram lá prá sala por causa dessa reunião. E tem o grupo de ética, lá na cooperativa. O grupo de ética é assim: “Fulano arengou”. Tem o nome da cooperativa, a gente vai, senta, conversa. “Ó Fulano, não é assim, é assim, porque você tá chegando agora”. A gente vai conversando, aí resolve. P - E aí, tem as assembléias que você estava contando... R - As assembléias que a gente vai é sobre o movimento dos catadores. P - Movimento geral? R - É. A gente conhece catadores de tanto canto que eu perco prá gravar, é tanto lugar que vem catadores quando tem assembléia do movimento dos catadores ou quando tem encontro dos catadores. É muito catador que eu nem sei da onde vem. Tem gente que vem de São Paulo, do Rio, de Brasília. Tem gente que tem uma língua que eu não entendo nem um quilo, nem uma grama, não sei nem pra onde vai, às vezes, dá prá rir porque eu digo: “Oxente, tá falando o quê? Tem um que chama: “Cardosito”. Eu não sei prá onde vai. Ele já entende muito, porque ele viaja muito. Não pára muito em Recife, ele conhece muita coisa e ele já entende. Tem um prá Belo Horizonte, eu não vou nem...Ó gente, eu tenho um medo de andar de avião. P - Você já andou de avião? R - Não andei e não vou andar de jeito nenhum. E teve uns encontros prá ir, mas só que de avião, eu não vou não. P - E as mulheres catadoras, como é que é? Homens e mulheres catadores? No movimento, na cooperativa, tem diferença ou não tem? R - Não tem diferença. Porque tem Maria da Conceição que é uma catadora, ela foi a São Paulo com Cardoso, conheceu o movimento também, conheceu a Natura, a semana passada. Tem mais mulher. Se você for lá, tem mais mulher do que dez homens. A gente estava até falando no carro: “Gente, lá na Pró-Recife tem é mulher e, cadê os homem? Os homem sumiu. Fugiram, se esconderam de trabalhar. Quem trabalha mais é a mulher. Se tiver 12 homens tem muito. As mulheres têm mais. P - E não tem como elas trazerem os maridos prá cooperativa? R - Tem mais catadora solteira, catadora solteira mesmo. P - E o movimento? Como é que você vê esse movimento dos catadores? R - O movimento, ele apóia muito os catadores. Todo o apoio que você precisar o movimento vai lhe dar. Cardoso, lá em Santa Cruz tá formando uma cooperativa. “Chama o Cardoso, prá ele dar o apoio, prá ele ensinar como é que forma uma cooperativa”. E Cardoso é daquelas pessoas que representa o movimento e vai buscar parceiro prá apoiar os catadores. Pra mim a presença dele é muita, ele apóia muito os catadores. Não é de agora. Quando eu conheci ele, ele já era do movimento, já fazia cinco anos que ele era do movimento. E o sonho dele foi fundar uma cooperativa. A gente se ajuntou e começou a fazer essa cooperativa que foi a Pró-Recife. P - E quando entra o Wal-Mart? Vocês já tinham formado a cooperativa? Conta como foi. R - Rapaz, esse Osimar, ele vem apoiando a gente, a gente nem sonhava fazer. A gente já estava no grupo, foram lá fazer a visita, começaram a conversar com o grupo, intermediando, conversaram com a gente, conversaram muito mesmo. Foram fazer visita lá na comunidade, veio muita gente, veio até os pessoal da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás) na comunidade. Conheceram os catadores todinhos. Veio a Petrobrás, veio a ASPAN apoiando também, porque seu Bertran Sampaio sempre dá umas palestras pra ensinar a gente como é. P - O quê que é ASPAN? R - A ASPAN não sei se é Organização das Nações Unidas (ONU), não sei se é Organização não governamental (ONG). Ela trabalha sobre lixo. Sempre fiz curso nela, sobre o lixo, quantos anos passam pra desmanchar um plástico. Ele vai ensinado a gente. E tem seu Bertran Sampaio que é o engenheiro, ensina muito. E a Petrobrás foi que doou o galpão com o Bom Preço. Eu só chamo Bom Preço porque esse Ocimar, tem hora que não quer sair esse Oci-mar da minha boca. Por isso que eu digo logo Bom Preço, fica mais fácil. P - Mas tem que ser Bom Preço mesmo, é o que você conhece, passa e vê na rua. R - Não, problema, não. É que eu passei três dias lá divulgando o trabalho da Pró-Recife. Dando uns panfletos lá nessa Oci-mar, moleque. E as minhas companheira ficaram lá no Bom Preço dando papel, entendeu? E eu fiquei com Jakeline lá no escritório, tem hora que não sai esse nome, eu quero dizer, mas não sai. A agente começou pelo escritório. Era prá pegar o papel branco, papelão, a gente pegava e ainda pega. E até que aumentou mais o volume. A gente começou lá pelo escritório. De primeira a gente começou só na reunião lá. A Petrobrás deu o galpão, com eles, eu digo Bom Preço logo prá não tá dizendo esse nome que eu esqueço. Eles apoiaram a gente, compraram o galpão. “Vamos andar atrás do galpão”. Foram, acharam na lagoa do Araçá. Compraram esse galpão. Ele disse: “O primeiro doador vai ser eu”. E começaram a mandar a gente ir buscar, mas a gente não tinha caminhão ainda. Doaram o caminhão da Pró-Recife, que tem a foto da gente no caminhão. Não sei se vocês já repararam que têm uns ônibus agora nas linhas mostrando a foto da gente, muito chic. Nessa ocasião o Bom Preço, gente, não tem problema não? P - Não, o importante é que a gente está entendendo. R - Porque o Bom Preço está apoiando a gente, muito. A gente foi nas lojas. P - Eu passei na loja e vi que tem um container. R - Tem um container azul, pros clientes levarem material. Está aumentando mais o volume de material. Toda semana tá vindo do Bom Preço, dos clientes também, e fora as coletas que o Bom Preço também doa prá gente. Rapaz, eles ajudaram a gente tanto, é tanta coisa que tem hora que não dá prá lembrar nem a metade. Eles fizeram uma ajuda bastante. Porque só em chamar a gente prá divulgar o trabalho da gente nos Bom Preço. Eu fiz nove lojas, divulgando o trabalho. Só os clientes doando os materiais já é melhor do que a renda dos catadores. Melhorou bastante. Eu comecei na pró-Recife recebendo quanto? Vinte real por mês. A gente come, mas a gente foi, foi seguindo. Agora você tá trabalhando por produção, quanto mais você ir prá rua, melhor. Se você tiver de dar uma volta com a carroça num dia só, você dê duas, e a renda sai melhor. P - Então, cada um recebe por quanto produziu? Por quanto trouxe? R - É. A gente chega lá, tria. Tem que triar tudo, papel branco, misto, pet, PP, que são aquelas garrafas de água sanitária branca. Catembra, aquelas cadeiras de bar brancas, lata, tem que separar lata de ferro, lata de alumínio e tem aquele latão, lata bem grande. A gente separa, vai pesando, faz a filinha perto da balança, o que é seu. O Nilson ou o Sandoval, Alexandro, que tem prá pesar. Vai botando na balança, têm uma nota que têm os materiais, papelão, papel branco, misto, tudo vem naquela notinha. Você vai botar o preço de lado. No final do mês, você sabe quanto você recebeu. P - E você disse que o Wal-Mart trouxe bastante coisa além do caminhão, desse apoio de doar material? Teve mais algum incentivo, Roberta? R - Teve, mas é que é tanta coisa. Tem, a máquina, a prensa a gente tem, foi a Frompet que doou. Ela vai doar ainda outra prensa porque está sendo muito material prá uma prensa só. A gente tem uma farda, bota, luva e chapéu. P - E quem fornece esse material? A cooperativa que tem que comprar ou alguém fornece? R - A cooperativa não. É tanta coisa prá Roberta gravar que tem hora que a Roberta só anotando mesmo. Eu acho que foi o Bom Preço que doou o dinheiro. É que teve uma feira do Bom Preço, que a gente foi, Encontro Bom Preço, que a gente ganhou, 70 mil? A gente ganhou um cheque de 70 mil. P - Ganharam um prêmio? P - A palestra que ele contou que foi a palestra mais cara R - A palestra de Cardoso. Todo mundo adorou, lotou o Classic Hall. Foi um sucesso. Porque até no outro dia quando chega lá: “Não, moça. Foi você que deu a palestra?” Todo mundo queria apertar a mão, conhecer, tiraram foto. P - Então, Roberta, e como você vê essa cooperativa pro futuro? R - Rapaz, pro futuro, eu to vendo a melhora de muitos catadores. Porque foi uma luta muito grande prá gente conseguir hoje o que a gente tem. Estamos ajudando os catadores a terem uma renda prá dar de comer aos seus filhos. Melhorou e muito. Daqui prá frente estamos ganhando mais ainda. Muito melhor ainda. P - E como você se sentia antes como catadora e como você se sente hoje? E mesmo os seus companheiros? Essa profissão, catador, como é que você vê? R - Rapaz, mudamos muito. Nós agora somos conhecidos, Norte, Sul. Não tem mais aqueles preconceitos que tinha de primeiro, de estar botando catador prá trás. Achei que melhorou e muito. P - E na comunidade? Como a comunidade vê o catador hoje? R - Por lá a gente nunca nunca teve preconceito, lá na comunidade onde a gente mora, porque tem muito catador. Ninguém descrimina ninguém. Não vou dizer que lá descrimina porque lá não descrimina. Às vezes, uma criancinha pequena vai: “Tua mãe que é catadora”. Meu menino faz: “Não, minha mãe é catadora, mas ela tem orgulho de ser catadora. E eu tenho um orgulho dela ser catadora porque ela me sustenta com isso”. Eu já ouvi até ele dizendo, eu fiquei calada. Botei ele prá dentro: “Bora, se embora prá casa, deixa ele prá lá”. Eu acho que agora tem muita gente que agradece a gente: “Roberta, obrigado. Dá obrigado ao teu marido porque eu estava passando necessidade com meus filhos. Depois que você me botou na cooperativa, tá sendo o sustento da minha casa. Quem não tinha televisão, quem não tinha DVD, agora tem. Está tudo maravilhoso Obrigado mesmo Seu Cardoso, obrigado, viu? Porque eu estava passando necessidade”. E lá na cooperativa a gente tá tendo muito apoio, graças a Deus. P - E prá você, você tem um sonho? R - Rapaz, meu sonho mesmo é ter uma casa grande. Porque minha mãe já tá com 62 anos, eu queria uma casa grande pra eu fazer um quarto pra minha mãe. Eu já sabia que ela estava na minha casa, se ficar doente, eu tô de olho. Meu pai, não. Meu pai inventou de se amigar com uma mulher mais nova. A mulher só queria sugar o que ele não tinha. Só por causa de quê? Por causa de um viveiro de camarão. Eu me revoltei, eu não quis nem saber de viveiro de camarão. Porque só ganha se Roberta estiver dentro. Roberta se afastou? Perde tudo. Gente, se eu disser a vocês que o que me dói mais é que meu pai morreu com fome e com sede, fome e sede? Eu fui lá na casa dele e disse: “Pai, bora lá prá casa A casa é grande, cabe o senhor lá, eu garanto que cabe”. Morrer de fome, não morre. Porque eu trabalhava, me dói mais porque eu trabalhava, dava sustento a meu pai, toda semana, eu comprava de tudo, e meu pai morrer de fome e sede? Por quê? Porque ela só fazia comida, só dava aos filhos dela. Meu pai precisava dum copo d’água, não dava. Teve uma vez que ele fez; “minha filha, posso comer lá? Entrega pra mim que eu como, mas dela eu não quero comer”. Eu fiz; “Mas pai? Bora lá prá casa, então? Se o senhor não quer comer da mão dela, bora lá pra casa”, “não, minha filha, se eu tiver de morrer, eu morro aqui”. Eu digo: “O problema é seu”. Para depois não dizer que os filhos abandonaram. Mas eu sempre estava lá. Chegava, a primeira coisa era ir lá pra pai. Eu fazia: “Pai, o que é que o senhor tem?”, “eu vou ali resolver um negócio e volto logo”, “O senhor está certo, vá” Se ela viu que ele piorou, qual é o lado dela? Corria com ele pro hospital, depois eu chegava. Eu podia estar onde eu estivesse. Eu estava num curso na, - como é o nome daquele curso? Meu Deus? Que eu aprendi a fazer mosaico. Eu sei trabalhar com mosaico, sei fazer qualquer peça de mosaico, eu faço. Eu fui fazer um curso na Etapas, fui fazer um curso no Serviço de Apoio à Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Fiz um curso na Etapas, trabalhei na Sebrae, quatro dias num evento que ele botou lá no Centro de Convenções. Já foi uma ajuda. - Tem aquela sensação que fica na pessoa: “volta, volta”. Não tem como você ter onde é que tá aperreada. Aí, aquilo: “Volta, volta, volta” Quando eu chego lá, vi aquele prato de comida, eu sei a quantidade que ele comia. Eu disse: “Ó Fulana, tu dá a ele...” que é a mulher dele, “tu dá a ele, que eu vou levar os meninos prá escola”. Ela fez: “tá certo”. Era meio dia, tinha deixado aquilo, fui em casa, no que eu voltei, que era perto, fez aquilo: “Vai-te embora, Roberta. Volta, volta”. Quando eu voltei, ela estava comendo a comida que eu mandei pro meu pai. Ela e a filha dela. Aquilo ficou remoendo por dentro, eu digo: “Não, tinha precisão do meu pai morrer com fome, com sede”. Que eu comprava de tudo, eu não comprava pra minha casa, não. Eu tinha quatro filhos E eu nunca comprava nada, o que eu comprava pro meu pai, eu não comprava pros meus filhos. Como eu disse: “Já que o senhor tá doente, eu vou comprar de tudo pro senhor. Quero ver o senhor passar fome?” E por que ela não cuidou dele direito? Não faltava nada. Teve um dia que não tinha nada dentro de casa, estava chovendo e não tinha como sair por com a carroça. Eu saí de porta em porta, eu já pedi esmola prá dar de comer a meu pai e meus filhos. E nessa época, eu não tinha marido, estava sozinha mesmo, não queria saber de homem. Pronto, eu digo: “Foi tanta tentativa que Cardoso tentou, que eu fiquei com ele, porque por mim até hoje eu estava só”. Se eu não estivesse com ele hoje, essa cooperativa não tinha vencido. Essa cooperativa mudou muita coisa na minha vida, muita. Primeiro, porque conheci Cardoso. Porque se não tivesse conhecido, a cooperativa hoje não é o que é hoje. P - Muito bem. E como foi prá você participar desta entrevista? O quê que você achou? R - Rapaz, Cardoso falou:”Roberta, tu não vai ficar com vergonha de falar, não? Eu digo: “Rapaz, quando eu começar a falar, se a boca quiser parar é problema dela. Mas tem hora que eu converso tanto que é uma beleza. Todo mundo lá na cooperativa faz: “Você não é uma cooperada, não. Você é uma mãe da gente”. Porque eu sei conversar com as pessoas na hora certa e no momento certo. P - Muito bem. Obrigada, Roberta. Foi muito bom.
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