Projeto 50 anos da Ponte Rio Niterói
Entrevista: Antonio Carlos Regis Jacques
Entrevistado por Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 2024
Código da entrevista: PRN_HV006
Revisado por Nataniel Torres
P - Boa tarde, Antonio.
R - Boa tarde.
P - Queria agradecer a sua participação no nosso projeto…
R - É um prazer…
P -... Para conceder um depoimento…
R - Será um prazer…
P - Sobre tanto a sua história de vida, trajetória pessoal e profissional, quanto às suas experiências, vivências, na construção da ponte Rio-Niterói nos anos 70, tá? Então, vamos começar a entrevista pedindo, por favor, que você nos dê seu nome completo, local e data de nascimento?
R - Antônio Carlos Regis Jacques, nasci no Rio de Janeiro, em 12 de junho de 1948.
P - Em relação aos seus pais, o nome completo, qual era a profissão do seu pai?
R - Meu pai chamava-se Globerto Barbosa Jacques, de Glória e Alberto que eram os meus avós, e meu pai era, tinha sido advogado, mas ele gostava mesmo era de fotografia. E minha mãe era bisneta, aliás, era neta do ministro do supremo tribunal federal, o Bento de Faria.
P - O nome da sua mãe?
R - Noemy de Faria Regis.
P - Você conhece um pouquinho a história dos avós? O nome dos avós maternos e paternos? E um pouquinho da origem familiar?
R - Não conheço muito, mas a família dos meus pais era, tinha alguma origem mineira, também do sul. E da família da minha mãe, era de origem nordestina.
P - Em relação a profissão do seu pai, sabe contar um pouquinho dessa fotografia, ele fotografava era um hobby, era uma profissão?
R - Era um hobby, profissão do meu pai, meu pai foi fotógrafo de crianças, especialista de crianças, então até eu fui um modelo dele, né? Depois eu vou até mostrar uma foto para vocês, e meu pai também tinha um espírito assim, inventor, né? Gostava muito de tecnologias novas, e nós crianças também, adorávamos mexer com isso, né? Até a turma toda gostava...
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Entrevista: Antonio Carlos Regis Jacques
Entrevistado por Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 2024
Código da entrevista: PRN_HV006
Revisado por Nataniel Torres
P - Boa tarde, Antonio.
R - Boa tarde.
P - Queria agradecer a sua participação no nosso projeto…
R - É um prazer…
P -... Para conceder um depoimento…
R - Será um prazer…
P - Sobre tanto a sua história de vida, trajetória pessoal e profissional, quanto às suas experiências, vivências, na construção da ponte Rio-Niterói nos anos 70, tá? Então, vamos começar a entrevista pedindo, por favor, que você nos dê seu nome completo, local e data de nascimento?
R - Antônio Carlos Regis Jacques, nasci no Rio de Janeiro, em 12 de junho de 1948.
P - Em relação aos seus pais, o nome completo, qual era a profissão do seu pai?
R - Meu pai chamava-se Globerto Barbosa Jacques, de Glória e Alberto que eram os meus avós, e meu pai era, tinha sido advogado, mas ele gostava mesmo era de fotografia. E minha mãe era bisneta, aliás, era neta do ministro do supremo tribunal federal, o Bento de Faria.
P - O nome da sua mãe?
R - Noemy de Faria Regis.
P - Você conhece um pouquinho a história dos avós? O nome dos avós maternos e paternos? E um pouquinho da origem familiar?
R - Não conheço muito, mas a família dos meus pais era, tinha alguma origem mineira, também do sul. E da família da minha mãe, era de origem nordestina.
P - Em relação a profissão do seu pai, sabe contar um pouquinho dessa fotografia, ele fotografava era um hobby, era uma profissão?
R - Era um hobby, profissão do meu pai, meu pai foi fotógrafo de crianças, especialista de crianças, então até eu fui um modelo dele, né? Depois eu vou até mostrar uma foto para vocês, e meu pai também tinha um espírito assim, inventor, né? Gostava muito de tecnologias novas, e nós crianças também, adorávamos mexer com isso, né? Até a turma toda gostava de… Tinham vários primos, e irmãos, e a gente gostava de desmontar os brinquedos, remontar, então era assim…
P - Mas essa fotografia dele, ele fotografava em estúdio? Fotografava na rua? Fotografava nas casas?
R - Fotografava em estúdio, ele teve um estúdio em Minas Gerais e depois acho que aqui no Rio também, né?
P - Vocês tinham álbuns fotográficos de família?
R - Tínhamos, muitas, muitas, muitas fotos de criança, de… E meu pai também e depois foi trabalhar na Petrobras, e fez levantamentos fotográficos para a Petrobras, na época em que a Petrobras estava se aventurando dentro da Amazônia.
P - Caramba, interessante…
R - Interessante
P - Em relação a irmãos, você tem irmãos?
R - Tenho, todos já falecidos, né?
P - Você pode dizer o nome, por favor? Para a gente deixar registrado.
R - Mário e Lauro.
P - Como é que era um pouco a vida na infância com esses irmãos? Você morava em que bairro?
R - Eu nasci na Tijuca, e na Muda, né? E morei na Tijuca até os 10 anos de idade. Éramos uma turma endiabradinha. Então, aqueles meninos ali só aprontavam tudo que era possível (risos)
P - Conta um pouquinho qual é memória de infância, como é… Vocês moravam em casa, apartamento?
R - Morávamos em um predinho na avenida Maracanã, atrás da fábrica da Brahma. Ali, uma história interessante, é que na parte de trás dos fundos do meu prédio, sempre batia o sol da tarde, e eu garoto resolvi pegar um espelhinho e jogar o reflexo do sol da tarde dentro de uma janela lá na Brahma.
P - Os caras enlouqueceram?
R - Quando o sol mudava de posição, eu ajustava espelhinho de novo, até que o sujeito foi bater na porta lá em casa, e dizer assim: “Poxa, sou desenhista lá, você fica jogando…” (risos)
P - Mas a vida era de brincadeira de rua, vocês brincavam na rua?
R - Sempre, a rua era praticamente sem trânsito, e a gente sempre brincava no meio da rua, né?
P - De que?
R - Ah, brincava de carrinho, de jogo de bola, de tudo… De tudo…
P - E apelido, você tem? Teve?
R - Só depois, agora de… já crescido, né?
P - Qual é?
R - É o AC, pessoal chama de AC.
P - Mas o nome profissional que você usa?
R - AC Jacques.
P - AC Jacques…
R - É o que eu mais uso, AC, né?
P - Em relação à questão da religiosidade, a família era religiosa?
R - Minha mãe, a parte de mãe sim, mas meu pai era ateu, e eu também sou ateu, né? Acabei sendo ateu. Mas sempre fui tolerante. Até também em alguma época da vida tive alguma mística, mas depois desencantei disso.
P - A origem do sobrenome Jacques, você conhece?
R - É um nome francês, tem alguns descendentes franceses, mas Jacques na França tanto é nome, primeiro nome, quanto sobrenome. E a parte da família do meu pai teve parentesco com muitos militares positivistas, que eram do grupo do Rondon, do Marechal Rondon, Horta Barbosa, eu sou descendente do Horta Barbosa, que foi o general que lutou pela nacionalização da Petrobras e pela luta do petróleo. ‘O petróleo é nosso’, né? E por parte de mãe, tem um, meu bisavô foi ministro do supremo tribunal federal, e conhecia muito de direito. Então, até mesmo crianças, eu pegava aqueles livros de direito e lia (risos), então eu conheço até um pouco, alguma coisa, mas é, então foi assim minha vida, e aí depois que nós mudamos para o Leme, e aí minha vida ficou muito mais ligada a praia e o mar. Então, já começamos ali com surf, primeiro jacaré de peito, que era o famoso jacaré, que se usava, que se falava, depois teve algumas pranchinhas que usamos, e finalmente apareceu a prancha de madeira, a madeirite, né?
P - Mas, antes da gente falar dessa parte, eu queria voltar um pouquinho, como é que foi o teu começo da vida escolar? Estudou em que escola na Muda? E como é que eram os passeios? Você saia com a família, passeava? Era bonde, carro, ônibus? Como é que era?
R - Bonde e carro, meu pai tinha, teve um carrinho morris, que tinha que dar partida na manivela (risos), e às vezes viajávamos, íamos, por exemplo, acampar no Recreio dos Bandeirantes; o Recreio dos Bandeirantes era totalmente deserto, então nós levamos até barraca para ir acampar no Recreio dos Bandeirantes, aí chegou lá, minha mãe uma dondoca, não gostou de ficar na barraca. Então, aí fomos para um hotelzinho que tinha ali bem em frente ao Recreio, e aí brincando na praia, com meu pai lá, brincando, e daqui a pouco eu olho na água assim, olho assim, vejo umas notas de dinheiro dentro da água, aí comecei… Aí gritei: “Pai, achei um dinheiro, achei um dinheiro…” E aí ele mete a mão no bolso do calção e fala “é meu”. Perdeu todo o dinheiro, a sorte é que eu achei quase tudo, né?
P - Mas, esses passeios ou vocês viajavam também? Iam para fora?
R - Viajar, algumas viagens, né? Petrópolis, Corrêas, né? Não muito…
P - Para o lado da regiões oceânicas, ou Região dos Lagos?
R - Naquele tempo pegávamos um trem, o trem macaquinho e íamos para Mangaratiba e Ibicuí, aquela região ali de Angra, que era muito lindo também na época, que não tinha estrada, né? Então era o trem, era uma viagem maravilhosa, né?
P - E em termos de escola? Conta um pouquinho qual foi tua primeira escola, alguma lembrança?
R - A escola principal minha foi o colégio Pedro II, quando já morando no Leme. Minha mãe… Eu era meio assim, só meio vagabundo. Eu gostava de ficar na praia, e minha mãe falou assim, me deu uma dura e falou que ia me colocar em um Colégio Militar (risos), e eu “não, não, peraí, eu dou um jeito aqui, não, vou estudar”. Ela falou: “Então, você tem que fazer um…” Porque, o colégio Pedro II era concurso, e era difícil. Então, aí caí no estudo e consegui passar, entrar para o Colégio Pedro II, e o Colégio Pedro II foi realmente um, abriu um mundo totalmente novo, né? Porque, tive um conhecimento com humanidades, com cultura, um outro mundo, e era considerado o melhor colégio do Brasil. Então, tive ótimos professores, fantásticos, e também lá começou certo ativismo político, porque nós estávamos já em uma época da ditadura, aliás, quando começou a ditadura, quando eu já estava no Colégio Pedro II, em 64, e eu participava do diretório estudantil, a gente tinha um jornalzinho que estávamos lá no mimeógrafo, que era um jornalzinho de crítica. Até a própria escola, algumas coisas, e logo depois do golpe de 1964 todos o pessoal teve que ficar quieto e sumir mais ou menos, teve até que o, alguns colegas nossos foram presos, né? Havia um movimento da UNE, e a UME, [ UBES] estudantes não universitários, os estudantes.
P - Secundaristas…
R - Secundaristas, né? Então, aí eu fui estudar no Colégio Pedro II no centro à noite, mais ou menos como para se esconder, porque a turma lá era meio de esquerda, vamos dizer assim, e havia esse perigo da perseguição, então, mas foi um excelente aprendizado.
P - Você entrou em que ano?
R - Eu não tenho a data exata, mas foi eu acho que em 63, se eu não me engano, 62, 63, por aí…
P - E algum professor que tenha te marcado, que você lembre?
R - Olha, teve um professor de história que foi o JG de Araújo Jorge…
P - Incrível, né?
R - Maravilhoso.
P - Que privilégio, né?
R - Oi?
P - Que privilégio seu…
R - Privilégio, tive outros professores também de matemática, e de ciências também que eram fenomenais, a professora de português, que chegou a trazer Fernando Sabino para na nossa aula… Então, era uma coisa fantástica. E nós líamos muito, fazíamos leituras, ela era, se não me engano, parente até do Chico Buarque de Holanda… Tinha algum parentesco, né?
P - E em termos de atividade artística na escola, vocês faziam teatro, cinema?
R - Não, eu gostava muito de desenho e pintura. Tem até uns rabiscozinhos que andei fazendo, mas…
P - Você pinta? Você desenha até hoje?
R - Não, hoje não. Hoje só desenho, às vezes, um rabisco técnico para mandar fabricar uma peça.
P - E a questão política em casa, era um assunto do seu pai? Da sua mãe?
R - Meu pai era mais ou menos de centro, mas não era de esquerda, ele era um nacionalista, a família do meu pai era toda positivista, militares positivistas, que eram nacionalistas, mas não eram de esquerda, não eram considerados de esquerda, eu me considero de esquerda progressista. Sou um democrata, mas… Já a família da minha mãe também, acho que era apolítica, né? Não se metia muito em política.
P - E você fez toda a sua escolaridade, até o científico no Pedro II?
R - Fiz, até, fiz Pedro II.
P - Então, conta um pouquinho, como é que eram as atividades na escola? Você tinha, de alguma forma prospectiva alguma profissão? Estudar alguma coisa?
R - Olha, na realidade eu não sabia muito o que queria, viu? Porque eu oscilei entre, entre alguma tecnologia, alguma coisa entre desenho, alguma coisa entre fotografia, cheguei a ser desenhista de desenho animado.
P - A é?
R - Desenhava, era um, fui trabalhar em uma produtora de filmes, que faziam comerciais, desenho animado, para comerciais de televisão. Então, você tinha que desenhar quadro a quadro, e eles tinham os desenhos e a gente só ia preenchendo, mas comecei a mexer com isso, com fotografia também, eu já fazia muitas fotos, e depois comecei a trabalhar também com cinema. Mas, foi bem mais tarde, com cinema.
P - Em relação à juventude, quer dizer, no científico, como era a juventude na sua época? Que música vocês ouviam? Qual era o programa? Eu sei que o momento político era um momento mais difícil, mas vocês frequentavam, iam ao cinema, iam a shows? Que músicas vocês ouviam? Você lembra um pouco?
R - Ouvíamos era, acho que Beatles, né? Ouvíamos rock, rock’n’roll, depois quando começou a Bossa Nova também curtimos muito. Depois apareceram o tropicalismo. Vivemos essa época toda aí. Foi muito boa, maravilhosa.
P - Tinha muita festa? Vocês faziam muita festa?
R - Eu não era muito de festa, não, mais de natureza, de acampar, de praia, de mergulho, snorkel.
P - Então, conta um pouquinho como é que era esse contato com a praia na juventude?
R - É, aí foi o surf. Tinha uma turma grande, ali no Leme de rapazes. Todos mais ou menos da mesma idade, e começamos, todo mundo gostava muito de pegar jacaré, aí de repente apareceu a moda da prancha de surf, de madeirite, que era uma prancha que não era flutuante, ela mal flutuava, e para se pegar onda era necessário usar um pé de pato, mas só um pé, só de um lado, porque o outro lado tinha que ajudar a subir na prancha, então era uma coisa meio estranha, e a gente tinha que remar bastante, né? Porque era mais difícil de entrar na onda com essa prancha pesada. E aí foi, começou uma turma, e as pranchas eram interessantes, porque elas começaram a ser quase obras de arte, porque havia pinturas africanas, pinturas havaianas, desenhos fantásticos nas pranchas. Então era assim, uma demonstração de arte. E bem, aí foi história do madeirite, até o momento que apareceu, aqui no Rio de Janeiro, um sujeito chamado Peter Troy, que era campeão de surf na Austrália. Quando havia ressacas no mar, nós, no Leme, ficava muito forte, um mar muito forte, mas o Arpoador ficava ideal para pegar onda, então a turma ali no Leme, se reunia, falava “O mar está bom no Arpoador, vamos para lá”. E a gente com aquelas pranchas grandes, pesadas, um segurava na frente, o outro atrás, e saiamos em duplas, carregando as pranchas pela Avenida Atlântica à pé, até o Arpoador, e quando chegamos ali na altura da praça do Lido, apareceu um sujeito loiro, alto, olhos azuis, falando inglês com a gente, que a gente não falava muito bem, e ele dizendo que era surfista na Austrália, e ninguém acreditou muito nele, né? E ele resolveu acompanhar a gente então, até o Arpoador, aí veio andando, foi andando com a gente e fazendo brincadeiras, até aquela brincadeira de pegar tampinha de cerveja, botar assim e dar um peteleco, e a tampinha sair igual um disco voador, ele trouxe essa moda, né? E aí quando chegamos lá no Arpoador, aí a gente pegando onda, etc e tal, aí ele pediu a prancha emprestada, só que ele não quis usar o pé de pato, ele falou: “Não, tem que usar o pé de pato”. Ele: “Não, não, não estou acostumado com isso, e deixa comigo”. Aí, entrou na água e nesse dia o mar estava, a água estava bem fria, ele ficou horas e horas tentando pegar onda e não conseguia. Aí quando saiu da água ele estava roxo igual uma uva (risos), ele estava praticamente preto assim de roxo… E por acaso, nesse dia, tinha aparecido lá no Arpoador também, um outro colega nosso, que era um dos filhos do dono da Coca-Cola, Russel Coffin, que era um filho de um americano, e ele tinha, tinha conseguido comprar uma prancha, trazido dos Estados Unidos, uma prancha de fibra de vidro, uma prancha de marca being, e ele ia para praia com essa prancha, só que não emprestava para ninguém, nem ele pegava onda, ele ficava na praia só exibindo a prancha, ele tinha levado essa prancha lá para o Arpoador, e encostado lá no posto, e quando o Peter Troy, o australiano saiu da água e viu aquela prancha, falou: “Caramba, me empresta essa prancha”. Aí foi lá conversar com o Russel, e por acaso o Russell emprestou, pela primeira vez emprestou a prancha para alguém. Aí o australiano entra na água, com aquela prancha que ele estava acostumado e fez então um show, arrasou, e arrasou de fazer hang ten, dar voltas na prancha, aí todo mundo saiu da água e ficou de boca aberta, boquiaberto olhando as manobras que o australiano fazia, e aí todo mundo falou “você é surfista?”, “não, eu não sou”. Ninguém era mais surfista.
P - Perto dele, né?
R - Perto dele… (risos). Então, a partir daí mudou a história totalmente do surf. Ninguém mais queria prancha de madeira, os madeirites. E aí se partiu para se fabricar pranchas de fibra de vidro. Só que não se conhecia a técnica, qual era de fabricação, primeiro se tentou usar isopor, só que o isopor com a resina, com a resina poliéster, o isopor derrete, então não funcionava, e aí tivemos até, então, contactámos algumas pessoas, algumas pessoas que tinham ido aos Estados Unidos para trazer algum material lá, para se fabricar a prancha, aí se descobriu que se usando o araldite poderia isolar o isopor, depois colocar a fibra por cima, e a fibra de vidro era muito cara naquela época, né? Então, o Arduíno Colassanti, que depois foi nosso sócio, foi fabricar prancha nas areias do Arpoador, botou uns cavaletes lá e fez o shape, e veio, como a fibra de vidro era tecido. A fibra de vidro era muito cara, ele usou sacos de aniagem, saco de pano, e funcionou, tem uma, depois, futuramente, até uma dessas pranchas que o Arduino fez, eu comprei essa prancha. Depois eu tenho até foto dela, e a prancha depois de ter sido muito usada pelo Arduino, a prancha começou a encharcar de água. Então, toda vez que saia da água tinha que esperar 20 minutos para escorrer a água para você usar a prancha (risos), porque eu morava em prédio e tinha que subir com a prancha pela escada do prédio, para guardar, e era assim, complicado, mas essa prancha, histórica. Tenho a foto dela.
P - Nossa, que história incrível, quer dizer, o começo do surf no Rio de Janeiro, na praia de Ipanema…
R - O começo do surf… Foi o começo do Surf…
P - E naquela época como é que era um pouco esse metiê do surf? Qual que era… Como é que era a roupa, que calção vocês compravam? Aonde?
R - Eram bermudas grandes e floridas, né? Enormes, bermudas bem enormes, floridas, até quando, às vezes vinha, ali, no próprio Leme, vinham americanos, geralmente você olhava na praia, você sabia logo quem era o americano, porque ele estava com uma bermuda dessa, e o pessoal abordava os americanos “me vende a bermuda, me vende a bermuda…”
P - Para ter uma roupa transada da época…
R - É, exatamente… E era assim. Aí, posteriormente, acho que até algumas lojas perceberam o negócio comercial disso, e começaram a lançar o surf wear, né? As roupas de mergulho, essas bermudas, e aí aproveitavam vendiam parafina, que passava na prancha, vendiam revistas americanas da Califórnia, com fotos de surf, etc e tal, teve filme de surf, virou uma… Não foi uma moda passageira. Começou a pegar mesmo…
P - A cultura do surf…
R - A cultura do surf, foi exatamente…
P - E já tinha a Galeria River?
R - Já. A Galeria River foi uma das que começou com essa moda. E como eu fazia alguns desenhos até de surf, ele me chamou para pintar as vitrines, com… Aí eu pintei algumas coisas lá na vitrine dele. Depois teve uma outra loja, que foi inaugurada no Lido, que também chamava surf, e o dono tinha me chamado lá para dar uma certa consultoria. Só que depois ele contratou um gerente que começou a vender coisas que não tinham nada a ver com surf, e acabou. Atrapalhou tudo.
P - Tinha uma loja chamada Magno também? Não sei se você lembra…
R - Eu acho que essa Magno era da Galeria River.
P - É?
R - É, eu acho que era essa Magno, não, não era não, não era da Galeria River, minto…
P - Era na Visconde de Pirajá…
R - Era quase na esquina da, entre, quando muda a Francisco Sá para..
P - Sá Ferreira…
R - Para Visconde de Pirajá, onde se encontram ali as duas, onde tem bem a Bulhões de Carvalho, né?
P - Bulhões de Carvalho, é, exatamente.
R - Você subia naquela esquina em frente, havia uma lojinha…
P - Loja Magno…
R - É, exatamente, foi esse que me contratou…
P - Eu me lembro dessa loja… Bom, então, falando da sua vida ainda no mar, você mergulhava? Você fazia...
R - Caça submarina?
P - Brincava com arpão? Caça submarina? Com snorkel? Como é que era?
R - Não, eu gostava mais de olhar mesmo, gostava mais de olhar, fazia snorkel, que era o mergulho só com a máscara, o tubinho. E um pé de pato para você ajudar a locomover, mas eu gostava muito mais era de olhar, se bem que ali no Leme não tinha muito o que se ver. Tinha aquelas pedrinhas ali, havia um pessoal no Arpoador que pegava muito, caçava muito polvo. Mas, eu nunca fui muito disso, mas eu, aí um belo dia eu estava tipo assim, vagabundando na praia, minha mãe me pressionando para fazer alguma coisa na vida (risos), e eu tinha largado a escola, eu tinha parado de estudar, até mesmo uma questão um pouco política, né?
P - Mas, você concluiu?
R - Não, não conclui, não, o científico, eu conclui.
P - O científico você concluiu…
R - E aí, eu olhei no jornal, tinha, vi que tinha, ia ter um curso de mergulho na marinha, aí eu falei “ué, bem, acho que eu vou lá para ver como é que era isso”. E era, e acabei indo lá, e era um curso para militares, que chamava “um curso"... E havia uma parte do curso dos militares, que era específico do mergulho autônomo, com garrafa, aí então essa parte que a gente, cívil, poderia fazer. Então, eu entrei para esse curso, e era uma coisa muito também muito puxada, haviam testes rigorosíssimos, mas uma parte técnica muito, muito bem explicada, muito interessante, que eu fiquei fascinado por isso, por essa parte técnica, e aí consegui da minha turma de 3 civis, eu fui o único que conseguiu terminar, porque os outros acabaram sendo eliminados, porque o curso era muito, muito pesado, né? Muito puxado.
P - Aonde que era?
R - Era exatamente na Ilha Mocanguê, onde viria a ser a base da Ponte Rio-Niterói, uma das bases, né?
P - Que ano que você está falando?
R - Nós estamos falando em 1972.
P - Então, você estava me contando do seu curso, o que que te motivava? Algum professor que tenha te marcado? Alguma cadeira? Alguma disciplina lá, específica que tenha sido importante para você na tua vida depois profissional?
R - Não, foi, foi…
P - Como é que era um dia de um curso desses, de mergulho?
R - O curso de mergulho? Bem, começava 5:00 horas da manhã, eu tinha que sair do Leme e chegar na praça, aqui no Arsenal de Marinha, no Arsenal, ali onde é, perto da Praça Mauá, ali na… Onde é, na primeiro de março ali, naquele cais, ali esperar chegar um barco, o barco tinha um horário certo, e íamos todos neste barco para Ilha de Mocanguê, levava umas, quase uma hora, em um barquinho, chegava lá no Mocanguê a gente tomava café da manhã, e já partia para o exercício físico, era botar garrafa dupla nas costas, subir aquele morro correndo (risos), pagar não sei quantas mil flexões, e por aí vai né, então era assim. E depois aulas técnicas. A parte de técnica que eu gostava muito, e me destacava, na parte física eu sempre tentava fugir um pouco, mas eu também tinha, como eu era surfista, eu tinha um bom preparo físico, naquela época, né? Era um atleta assim. E, agora quando perdíamos, por exemplo, o barco aqui, chegávamos atrasados na praça aqui, na Marinha, e para não perder a aula, a gente pegava a barca e ia até Niterói. De Niterói caminhávamos ali até a Ponta da Conceição, tirava a roupa, botava em um saquinho plástico, botava dentro do calção, nadava até o Mocanguê, chegava lá no Mocanguê se vestia e falava: “Ô, cheguei na hora”.
P - Nossa, que coisa, essa é uma história…
R - É, porque não podia perder a aula, porque se não era desclassificado do curso, né?
P - Quanto tempo era a duração do curso?
R - O dia inteiro, praticamente.
P - Não assim, foi um ano?
R - Ah, não, foram, acho que uns 2 meses, por aí, um mês, dois meses, uma coisa assim, mas todo dia muito puxado, muito puxado. Então, tinham provas, né? O mergulhador tinha que ficar dentro de uma piscina e praticamente sendo torturado, vinham os instrutores, arrancavam a máscara, arrancava pé de pato, fechava a sua garrafa, faziam tudo e você não podia subir. Então, você tinha que resolver o problema lá embaixo sem entrar em pânico nem nada, se subisse era desclassificado, estava fora do curso. Então, você tinha que resistir, e aí era bem difícil isso, né? Então, eu acabei resistindo (risos).
P - Você tinha o que? 20 anos? Quantos anos você tinha?
R - Eu tinha 20 poucos anos, eu acho, tinha 24 anos, estava na flor da idade na plena disposição física. Então, aí quando terminei o curso, eu tinha feito mais o curso para aprender, porque naquele tempo tinha mundo submarino, o Jacques Cousteau, tinha Mike Nelson, programa de televisão, e eu gostava muito de ouvir aquelas histórias, de naufrágio, de mergulho, etc e tal, era tudo muito fascinante, as fotografias submarinas, tudo… Era um mundo novo. Estava começando a aparecer, as pessoas não tinham muito conhecimento, não saia, não tinha revistas com essas fotos coloridas, não tinha isso. Então, era uma coisa, bem assim, interessante. E aí o que que aconteceu? Eu acho que eu perdi o fio da meada…
P - No curso, quer dizer, você fez um curso de dois meses, o que prospectava? Sair de lá para trabalhar como mergulhador, era isso?
R - Sim, não. Quando eu entrei no curso, minha ideia inicial não era trabalhar, era apenas ter o conhecimento, poder fazer mergulho com o conhecimento, mas acabou que apareceu, como estava começando a construir a Ponte Rio-Niterói, já havia a notícia assim “vai ser um bom lugar para se trabalhar”. Aí eu falei assim: “Bom, talvez possa ser, né?”. Aí peguei, logo assim, que acabou o curso, peguei meu currículo, e deixei em algumas empresas de mergulho, existia umas 3, 4 empresas de mergulho aqui no Rio de Janeiro.
P - Você lembra o nome?
R - Subaquática, Tecnosub, não, era BH Engenharia, Subaquática eram as principais, as duas que trabalhavam mais, que foram depois, trabalharam na ponte Niterói. E aí deixei então meu currículo, e “vou tirar férias agora”. Fui para Angra dos Reis e lá em Mangaratiba, pegando aquele trem, etc e tal, e aí um belo dia consegui telefonar para casa e minha mãe falou “chegou aqui um telegrama da Subaquática Engenharia querendo que você vá lá”. Aí eu falei: “Tá bom”. Aí, voltei lá de Angra, e fui lá fazer essa entrevista na empresa, né? A empresa Subaquática Engenharia, e havia um engenheiro lá, que era o mais técnico da empresa, que era o Ciro de Andrade, o outro sócio era o Gilberto La Porte, e havia um outro sócio, um terceiro, que era Paulo Muller, o Gilberto La Porte era cria ali do Arpoador, também, surf também, e o Ciro de Andrade era o mais técnico, mais engenheiro, aí ele me apresenta uma prova, e fez uma série de perguntas lá, mas eu era bom nisso, eu tinha aprendido bastante, aí me pergunta como que funcionava um descompressímetro, que era um equipamento que quase ninguém conhecia, e eu peguei e descrevi como é que funcionava, fiz até desenho de como era por dentro e tudo. E aí o Ciro, quando eu apresentei a prova, ficou espantado com aquele… Ele próprio não sabia. E aí eu falei: “É assim que funciona”. Então, fui contratado na hora. E o primeiro trabalho que eu fui contratado foi para, não tinha nada a ver com mergulho fundo, com mergulho técnico, nada disso, era limpar uma doca ali no Caju. Aquela água ali, onde é a saída do Mangue. E, fui lá eu de roupa de mergulho, coloquei máscara, etc e tal, aquela água imunda, e eu tinha já que fazer um jato de água para limpar o trilho onde fechava a doca, aquele trilho ficava cheio de lama, de detritos, e com o jato de água eu tinha que jatear para limpar para a comporta encaixar certinho. E aí eu falei “não, vou fazer uma gambiarra aqui”. Peguei o meu cinto de chumbo, não, o meu não, peguei o cinto chumbo de um outro mergulhador, que estava na superfície, amarrei lá na ponta da mangueira de água, prendi aquele negócio e falei assim “Olha, quando eu der o sinal de mangueira você abre a água”. Eu não imaginava a força que era, que aquela água ia sair, aí quando o camarada abriu a mangueira, aí sai eu amarrado com a mangueira, e o cinto de chumbo voando para tudo que é lado, e aí o cinto de chumbo, caí lá metros adiante, e eu olho na superfície, para o dono do cinto de chumbo e o cara “poxa, meu cinto de chumbo”. Aí eu falei “calma, calma, calma”. Aí eu falei assim: “Poxa, eu já fiz uma coisa errada aqui logo no primeiro dia trabalhando”. Aí continuei lá no trabalho, depois arranjei uma maneira melhor de fazer o trabalho, quando consegui fazer, aí quando está terminando o trabalho, eu na água ainda, o supervisor ali, esse mergulhador que me emprestou o cinto de chumbo ali tomando conta, e falou assim: “Olha, agora você vai ali, toma essa faca aqui e vai ali, e corta aquele cabo lá, etc e tal…”. Aí eu peguei a faca do cara, aí saí lá, cortei o cabo, ele falou assim: “Agora tu faz o seguinte, agora vai lá naquele outro lugar e amarra não sei o que”. Eu falei: “Poxa, eu vou fazer o que com essa faca?”. Aí eu olhei assim, na água, em cima tinha um bloco de madeira, bem grande, flutuando, eu falei: “Vou cravar essa faca aqui, depois eu pego”. Cravei a faca no bloco de madeira, saí nadando lá para fazer, para amarrar o outro negócio, aí passa um barquinho por fora, e veio na marola, veio a marola, a faca em cima do bloquinho de madeira, a marola fez assim, esse senhor a placa, e cai naquela água, aquela água você não enxerga nenhum um palmo, absolutamente nada, nada, você não enxerga, água preta, né? Aí o cara lá em cima de uma… “Poxa, agora perdeu minha faca"..
P - Gente, tudo errado…
R - Tudo errado, eu falei “vou ser…”
P - Vai ser demitido…
R - Vai me condenar, vai dizer que eu sou um péssimo mergulhador, tudo bem. Aí quando terminou tudo eu falei: “Olha, agora, pera aí, deixa eu dar uma tentada aqui, vou tentar ver se o cara…” Não é que eu fui embaixo da água tateando e achei o cinto de mergulho do camarada? Aí depois eu falei assim: “A faca eu acho que caiu mais ou menos por aqui”. Olhei assim “Deve ser por aqui”. Aí fui lá, vi uma coisa brilhando e achei a faca do sujeito, aí isso, aí pronto.
P - Pronto, abriu as portas…
R - Mas, eu já tinha tido essa sorte também de… Começou com aquelas notas de dinheiro que meu pai perdeu na praia do Recreio.
P - Você aprendeu a nadar onde?
R - Escola não, aprendi na praia mesmo, até quando a gente era criança, garoto, na Tijuca, às vezes ia uma turma de meninos, a gente ia nadar na Quinta da Boa Vista, naquela água ali que na época não era poluída. Era uma água de meio com lodo, etc e tal, pelo menos a gente sobreviveu (risos)
P - Então, como é que foi esse contato com a obra da Ponte Rio-Niterói? Você estava nessa empresa como mergulhador?
R - Aí eu estava nessa empresa como mergulhador, e comecei então com mergulho, mergulho nada técnico, um mergulho bem sujo, vamos dizer assim, que era aquele mergulho raso que se fazia, etc e tal. Mas, como eu tinha bom conhecimento técnico, sobre o mergulho, quando começou a operação na ponte Niterói, eu fui logo chamado para ser um dos primeiros mergulhadores que ia fazer mergulho com misturas respiratórias, né?
P - Pera aí, a empresa que você trabalhava..
R - A Subaquática…
P - Tinham outras empresas?
R - Não, de mergulho, que iria fazer mergulho fundo só a Subaquática, que era o mergulho dentro dos tubulões, tá? Eu vou chegar lá.
P - Tá.
R - Então, bem, tecnicamente deixa eu explicar isso então, o mergulho comum, que a gente faz com garrafa, com garrafa de ar comprimido, o ar comprimido a cerca de 40 metros de profundidade, respirar o ar comprimido, começa a dar uma narcose no mergulhador, o mergulhador começa a ficar tipo embriagado, então profundidade maiores que 40 metros, e na ponte a gente tinha que mergulhar até 80 metros, tinha que usar uma mistura respiratória, que a mistura é de hélio e oxigênio, então não tem mais o nitrogênio no ar, o nitrogênio que é o narcótico, 80% de nitrogênio, 20% de oxigênio é o ar, tá? Com a mistura respiratória esse nitrogênio é substituído por gás hélio, o gás hélio é um gás mais fino do que o nitrogênio, e ele tem muita troca de calor, então o que que acontece, quando o mergulhador usa essa mistura respiratória, ele, após um determinado tempo começa a perder caloria pela respiração, não adianta você botar uma roupa, porque não é a roupa que vai esquentar, é pela própria respiração. Naquele tempo não havia nenhuma maneira de aquecer o ar, hoje em dia o ar, o gás, o gás que o mergulhador respira é aquecido, exatamente para manter a temperatura, para ele não ter perda calórica. E naquele tempo não, então o que acontece? Naquela descompressão, o tempo que é necessário para você fazer um mergulho de 80 metros, o tempo da descompressão é 40 minutos, 1 hora, 1h30, às vezes, dependendo do tempo de fundo, que a pessoa fica no fundo, né? Então, pode ser, e nesse tempo a pessoa morre de frio, é muito frio, muito frio, a pessoa fica tremendo quase descontroladamente. Então, era assim que a gente fazia os mergulhos, então o que acontece, o objetivo do mergulho era, como é que era os pilares da ponte? Os pilares eram feitos em tubulões, tubulões, primeiro vinha o lodo, depois chegava na areia, depois de passar a areia vem a rocha, aí sim, o tubulão tinha que ir até a rocha, perfurar uma parte da rocha, e esse tubulão era mantido lá, depois é que jogava-se a ferragem, os ferros, dentro, e se concretar, né? Então, cada pilar fica apoiado na própria rocha. O trabalho nosso de mergulho, consiste em chegar lá no fundo e ver como estão as paredes do fundo, se havia algum, se tinha realmente chegado na rocha, pegar uma amostra da rocha… Esse trabalho de inspeção, garantir que a fundação ia ficar bastante segura, né? Podia ser…
P - Que responsabilidade…
R - É, poderia concretar lá, e seria uma fundação segura, para evitar qualquer desabamento, porque havia uma perfuração na rocha, depois essa camisa era parcialmente retirada, tá? Então ficava a parede da própria rocha, depois da camisa metálica do tubo, ficava uma parte de rocha, e essa parte que a gente tinha que olhar, mas aí o que que acontece? Se não estivesse exatamente na rocha, tinha um perigo de haver um desabamento, para evitar o desabamento, o que que se fazia? Colocava mais água dentro desse tubulão, o tubulão saia pela superfície, vinha até uns 10 metros acima do nível do mar, e ficava cheio de água também em cima, para manter a pressão, a pressão do tubo lá embaixo na maior do que na externa, então se houvesse algum desabamento seria para fora, se houvesse um desabamento para fora o perigo era o mergulhador ser sugado para algum lugar. Mas, para isso tinha, a gente tinha comunicação por rádio, que era superfície. Então, era bastante…
P - Sempre tinha, quando você mergulhava, sempre tinha um profissional?
R - Sempre, não, sempre, era toda uma equipe na superfície, que ficava monitorando, com máscara facial, com folia, com rádio, e naquele tempo então, não tinha roupa de água quente, usávamos roupas comuns, e o frio era, acabava tendo que suportar mesmo, tá? Depois que chegava em uma fase do mergulho que você podia passar, respirar ar, aí aquecia de novo. Então, mas tinha uma fase crítica que era essa do respirando hélio, oxigênio por muito tempo. E lá você então, esse trabalho era de descer, como é que descia? Descia, a gente estava na plataforma, embaixo, aí se equipava todo, entrava em um gaiolinha de metal. E o guindaste pegava essa gaiolinha de metal e içava você até a ponta do tubo lá e jogava você para dentro, aí quando chegava essa gaiolinha na água o mergulhador saia, e ia afundando, só se largar e deixar cair, quando você saia você estava dentro de um tubulão, 3 metros de largura, você vai com a lanterna, você não está vendo nada, não tem peixe, não tem perigo nenhum, tá? Então é só, era só se deixar largar e cair, quando chegava no fundo…
P - Não tem perigo nenhum, gente?
R - É, aí pegava uma amostra, botava em um saquinho, fechava o saquinho “ok, pode subir".
P - A amostra da rocha?
R - É, amostra da rocha, né? Olhava todas as bordas, etc e tal, e pode subir, pronto. Aí você vinha subindo e passava horas pendurado lá, e essa parte com frio, depois outra hora, e aí às vezes dava sede, aí dava sede, dava fome, aí falava “Aí, joga uma coca cola…” Aí o cara lá em cima…
P - Mentira, e aí o cara que estava lá em cima jogava dentro do tubulão?
R - Jogava dentro do tubulão, às vezes pegava umas bananas a mais, porque a banana flutua, amarrava em um pedacinho de ferro, em um parafuso qualquer, amarrava uma linhazinha, jogava lá, aí você ficava com a lanterna assim, olhando para cima, “lá vem a banana". (risos)
P - Eu estou rindo de nervoso, porque deve ser uma coisa…
R - Aí é difícil, mas você com a máscara, como é que você vai comer a banana? Pô, descascava a banana dentro, levantava a máscara… Parece difícil, mas é possível, né? É possível, dá…
P - E assim, vê, assim, acidentes com mergulhadores? Quer dizer, dentro do tubulão…?
R - Olha, com mergulhadores não…
P - Uma situação errada de alguém lá em cima mandar mensagem errada? Ou alguma coisa; poderia truncar alguma informação?
R - Às vezes acontecia da fonia dar problema, e aí nesse caso, a gente como já estava lá, acaba fazendo o mergulho sem fonia, baseado nos puxões da mangueira, tinha um código, tantos puxões é isso, aquilo. Então, o mergulhador sempre tem esse código, acabou que funcionou algumas vezes. Mas, houve uma ocasião, que quase houve um acidente sério comigo, porque, o nosso trabalho lá, a gente, a gente ficava em plantão, lá em um alojamento no bairro do Caju, e a gente dormia lá, ficava de plantão esperando a ocorrência do mergulho, quando é que chamavam a gente pro mergulho? Logo depois que eles faziam a perfuração, antes de colocar as ferragens, e antes de colocar o concreto, ele chamavam a gente para verificar exatamente se poderia jogar o concreto, se tava tudo certo, etc e tal. Aí chamavam pelo rádio, a gente estava lá dormindo lá no Caju, entrava em um barquinho, numa _____, que era do dono da empresa, nossa, da Subaquática, aí ia até lá o flutuante onde estavam os equipamentos de mergulho já tinha sido rebocado lá para perto de onde seria o mergulho “vamos central, vamo número tal”, entendeu? Aí a gente chegava lá, aí preparava o mergulho, era esse procedimento. Aí quando chegava lá, eu cheguei então, nesse dia, era de madrugada, se não me engano, aí o engenheiro falou assim para mim “vamo lá, mergulha aqui, etc e tal”. E, tudo bem, um mergulho igual outro. Aí eu equipei, quando a gaiola começou a entrar na água, normalmente você, embora você esteja de máscara, de roupa, todo vedado quase, você sente quando chegou na água. E nada, nada de chegar, começou a vir uma espuma, uma espuma meio amarela e etc e tal, meio quente, e aí quando eu comecei a falar na fonia, o cara não escutava minha fonia, e aí eu comecei a tentar dar sinal de mangueira e o sujeito lá em cima só soltando mais mangueira…
P - Soltando a mangueira, em vez de…?
R - Soltando, soltando, e eu meio naquela pasta, no meio daquele negócio meio pastoso, eu falei “Isso é concreto, isso é concreto…”. E o concreto, a cura desse concreto era em questão de horas, tá? Em questão de horas e eu, como eu tava… Geralmente o mergulhador nessa situação, ele está pesado, porque ele está sempre pendurado, pela mangueira, nesse caso eu tive que puxar a mangueira toda, o cara soltou a mangueira toda, depois que ele soltou que eu consegui dar o sinal de mangueira para ele me puxar, puxou a mangueira de volta e eu falei assim “cara, como é que pode, o cara me mandar mergulhar dentro de um lugar que está com concreto?”. Aí quando eu cheguei lá na superfície de novo lá no… Normalmente os engenheiros esperavam até o mergulhador voltar, nesse dia o cara, cadê o engenheiro? Se mandou, ele tinha ido embora, porque ele queria exatamente saber, aí eu perguntei lá “que horas o engenheiro foi embora?”, “quando ele viu que você parou de descer ele foi embora”. Então, ele só queria saber quanto que tinham colocado de concreto por engano naquele tubulão, porque a central de concreto, houve esse erro, as vezes jogou sem sequer ter colocado a ferragem, entendeu? Então, foi esse caso aí, ocorreu…
P - Que coisa séria.
R - Pois é, aí eu andei atrás desse… A sorte dele foi que a gente não se encontrou…
P - Você procurou ele em terra e em mar…
R - Mas, foi, mas houve alguns acidentes, mas não com mergulho fundo, então só alguns casos assim, nunca nenhum acidente fatal, nada muito grave. Com mergulho raso houve alguns acidentes, a gente soube, era da empresa BH Engenharia, e agora o que mais pode ter acontecido no mergulho fundo foi a pessoa ter evitado mergulhar no gás, e ter feito o mergulho no ar comprimido, como eu cheguei a fazer…
P - E aí o que que acontece?
R - Aí acontece uma narcose absurda, né?
P - Aí a pessoa fica…
R - Então, a pessoa fica viajando, fica delirando, e quando eu cheguei no fundo não me lembro de mais nada, só me lembro quando eu já estou na descompressão, a supervisão me pergunta assim “ A.C., cadê? Você trouxe o saquinho?”. Eu falei “Que saquinhos?” Eu olhei assim…
P - Você entrou em outra…
R - Aí eu olhei assim, não tinha, e a lanterna? Eu tinha perdido até a lanterna, estava viajando completamente, aí foi considerado um mergulho invalido. Alguém teve que voltar lá para fazer, porque, porque não poderia considerar o tubulão aprovado, né?
P - Claro, você não viu nada? Você deu a sua…
R - Perdemos o mergulho por nada, né? Mas..
P - E o mergulho raso é o que?
R - Mergulho raso é considerado até 40 m de profundidade, tá? É considerado, a partir daí é obrigatório utilizar as misturas respiratórias. No caso hélio e oxigênio. Então, hoje em dia a técnica evoluiu muito, se usa a roupa, que a pessoa usa, já tem mangueirinha, já tem água quente por dentro, o gás que você respira já tem, já é aquecido, então o mergulhador, a fonia é muito melhor, tem câmera de vídeo, tem robozinho te seguindo, te ajudando, entendeu? Hoje em dia então o mergulho é muito mais seguro, embora a tendência mundial seja a substituição dos mergulhadores por robôs. Então, a parte de robotização, é o que eu estou fazendo hoje em dia, a parte…
P - A gente vai chegar lá, você vai contar… E em relação a Baía de Guanabara. Você via da água essa dimensão da ponte? Como é que era a Baía, o fundo era muito mais limpo?
R - Não, a Baía já nessa época, a Baía já era bastante suja, mas havia dias e épocas que às vezes tinha uma certa claridade, sim, então eu cheguei a fazer alguns mergulhos rasos, ali, alguns vãos ali, não no vão central, ali onde, é, mas era uma profundidade de uns 20, 30 metros, não, menos de 30 metros, uns 15, 20 metros, e ela tinha, o mergulho teria sido para tentar localizar uma balsa que afundou com compressor enorme, um compressor, não, um gerador, uma máquina geradora, grande da Rolls Royce, do Rolls Royce que custava uma fortuna, aí eu fui lá, mergulhei, olhei, falei assim “a máquina está aqui, vão içar?”,“não vamos içar mais isso não”. O custo não valia a pena, mas era, se fosse, se fosse a ponte provavelmente teriam se recuperado. Mas, andei fazendo alguns mergulhos rasos, né? Mas..
P - Mas, tinha polvo, peixe?
R - Não, dentro do tubulão não tinha nada, não tinha nada, às vezes achava um peixinho que ficou perdido ali, coitadinho, acabar ia ser concretado ali, mas na maior parte do tempo não tinha nada. E, mas, fora, na parte de fora, no mergulho raso, sempre tinha lá um polvinho, algumas coisas assim, a Baía sempre teve, né? Umas garoupinhas.
P - E em relação a equipe, você saberia me quantificar quantos mergulhadores tinham? Trabalhavam…
R - Olha, eu acredito que no máximo uns 10 mergulhadores faziam mergulho fundo, como eu fiz, na ponte Rio Niterói, no máximo uns 10. Tinha uns 3 ou 4 supervisores, que eram mergulhadores mais antigos, que sabiam também, estavam aprendendo a tecnologia, de mistura de oxigênio, com hélio e oxigênio, que estava começando no mundo. No mundo estava começando, no Brasil também, então não existia, nem tabela de descompressão, não existia procedimento, não existia nada, estava tudo, tudo na aventura e tudo se descobrindo como fazia. Então, a gente participou, eu participei dessa época de vanguarda, vamos dizer assim, do mergulho profundo. Então, depois que terminou, terminou a construção da ponte Rio-Niterói, começou a Petrobras a ir para o mar…
P - A.C., antes da gente passar para sua experiência profissional na Petrobras, você poderia explicar um pouco mais, só para ficar um pouco mais detalhado. A história dos tubulões. Como é que eles eram, o que que se chama de camisa? Por exemplo, no tubulão?
R - Deixa eu explicar então, a fundação da ponte são vários tubulões fincados. Então, quando a gente olha na superfície do mar, a gente vê aquele retangulozinho ali de concreto, embaixo dali, tem um paliteiro de tubos de aço, todos cheios de concreto. Então, o concreto serviu de molde, e ficou lá, aliás, o tubulão, que a gente chama, a camisa de aço, é um tubo, onde que foi, que se usou esse tubo para fazer a perfuração, e retirou o material todo de dentro, que sobrou, que ficou, quando chegou na rocha, depois que chega na rocha, e se a rocha estiver toda certinha, há a autorização para haver a concretagem do tubulão, aí o que que se faz? Se coloca a ferragem toda dentro desse tubulão, depois que se coloca a ferragem, se joga o concreto, e esse concreto se cura lá em algumas horas, e daí você já tem parte de cima, a base para… E eram vários tubulões desse, cada pilar daqueles da ponte Rio Niterói tem no mínimo uns 30 tubulões desse, é um paliteiro, é um paliteiro para o fundo do mar. Olhando aqui de cima, parece tudo bonitinho, mas embaixo tudo são vários tubos de aço, e essa camisa de ferro, de aço que está ali, ela vai ser enferrujada com o tempo, mas não vai ter a menor, ela não tem nenhuma função estrutural, ela serviu apenas de molde para o concreto.
P - E o concreto e essas ferragens eram, eram despejados de que altura, de que parte? Eram plataformas? Era…
R - Não, existia o seguinte, a ponte, existiam fábricas de concreto, e essas centrais de concreto eram, vamos dizer, eram plataformas, balsas grandes, flutuantes, com quantidades enormes de concreto, e tinham bombas que jogavam, que permitiam você jogar esse concreto por cima dos tubulões, tá? Então, era feito assim, mas tudo tinha que ser rápido, porque o concreto, como eu te falei, embora, até como ele, até curava dentro da água salgada, e rapidamente, em algumas horas já estava totalmente sem poder manipular, então tudo tinha tempo, tinha que ser muito rápido, então era, uma perfuração deu ok, a ferragem já está lá, era concretagem. E a concretagem era a parte final, onde a gente já não trabalhava mais. Poucas vezes a gente mergulhou onde se tinha alguma ferragem, mas seria apenas para ajustar, às vezes as ferragem deu algum problema na colocação, e o mergulhador às vezes tinha que ir lá para fazer algum ajuste, mas poucas vezes, né?
P - Ainda falando do seu vínculo com a ponte Rio Niterói, depois da ponte inaugurada, esse serviço de manutenção, por exemplo, dos tubulões, até hoje é feito por mergulhadores?
R - É feita uma inspeção periódica.
P - Você chegou a fazer?
R - Não, não, não. O que teve depois, que logo no início não tinha sido, acho que não estava programado no início, era proteção do vão central. Hoje em dia os pilares do vão central tem um perigo, de se um navio colidir é um perigo muito sério. Então se construiu em volta dos pilares do vão central, talvez alguns outros, proteções que são outros tubulões, nessa a gente já não participou, tá?
P - E qual foi o período que então você considera do seu trabalho na ponte Rio Niterói?
R - Foi de 72 talvez até o final da construção, não sei se foi em 74. Eu acho que sim.
P - A inauguração foi dia 04 de março de 1974, mas vocês continuaram trabalhando? Você lembra disso?
R - Não, nessa ocasião, a Subaquática Engenharia, como ela tinha adquirido esse know-how de tecnologia submarina de mergulho profundo, a Petrobras já tinha partido pro mar, para exploração…
P - Know-how na prática, né…
R - Na prática, na prática , exatamente…
P - Os mergulhadores aprendendo…
R - A Subaquática, essa empresa, a Subaquática, que a gente trabalhava, era a única no Brasil, talvez na América Latina que.. Uma das poucas empresas no mundo que começou a ter a tecnologia de mergulho profundo. Porque lá fora estava todo mundo começando também, todo mundo era aventureiro.
P - Mas, você acha, você acha que o que se fez na ponte Rio Niterói, era inovador ou pioneiro?
R - Era, totalmente, totalmente…
P - Na parte de mergulho…
R - Na parte de mergulho, o que que a gente fez ali? A gente de certa maneira fomos cobaias. A gente foi lá vendo qual era a descompressão que poderia fazer, qual que não poderia fazer, embora não tenha sido assim, talvez não tenha sido um número muito grande que possa ter de operações, de mergulho fundo, mas se aprendeu bastante. Aí depois disso o que ocorreu foi que a Petrobras resolveu partir para a exploração offshore, e a Petrobras começou com uma plataforminha, não, a Petrobras já tinha feito algumas sondagens na Bahia, e aí começou, a Petrobrás contratou um navio de perfuração chamado “Petrobras II”, um navio de sonda, que era um navio que tinha uma torre enorme, ia fazer perfurações, isso na, ali na área de campos, Bacia de Garoupa, o Poço de Garoupa que foi o pioneiro, eu estava lá. Então o seguinte, quando a Petrobras contratou a Subaquática para fazer os mergulhos profundos. Então nós começamos na Petrobras fazendo esses mergulhos profundos, aí já se fazia esse mergulho profundo dentro de um sino, que é uma, havia um, um sino que é uma esfera, e uma câmara de compressão que se acopla à câmara de compressão, depois a gente vai chegar lá, mas o mergulhador primeiro entrava no sino de mergulho, fechava as portas, se equipava, e o sino descia, quando chegava lá embaixo abria-se umas garrafas de mistura respiratória e o sino começava a ser pressurizado, para chegar na mesma pressão do fundo, aí quando chegava a mesma pressão do fundo, com a pressão equalizada, você consegue abrir a portinha do fundo, aí a porta do fundo abre, e a água não entra. Porque está a mesma pressão, então aquela piscininha que está ali embaixo para você descer e ir trabalhar..
P - Piscininha? Piscininha…
R - Só que o seguinte, durante a compressão, esse tempo que era da superfície, até você descer, chegar lá embaixo e pressurizar, era tudo muito rápido também, tipo assim, levava uns 5, 10 minutos no máximo. Então, entre você abrir, começar a pressurizar o sino, e chegar na pressão do fundo para você ter tempo de trabalhar, e o tempo era tudo escasso, porque cada minuto de fundo corresponde a quase dezenas de minutos, meia hora de descompressão a mais, entendeu? Então, todo tempo tinha que ser ultra cronometrado, tudo feito na mais rapidez possível. Então, e durante essa compressão o gás sendo comprimido, aquece muito, fica tão quente, que você imagina então, o mergulhador com aquela roupa toda, com a máscara, não, a máscara poderia até estar solta, mas aquela roupa, dois mergulhadores dentro do sino. Um ficava, chamado Bell man, que ficava lá dentro só ajudando na mangueira…
P - Bell do sino?
R - É, e preparado para sair em uma emergência para salvar o outro. Entendeu? Então, mas ele ficava, o Bell man ficava dentro, e era tudo uma coisa nova para eles também, uma porção de manômetros, de válvulas, não sei o que lá, tudo tinha que estar, tudo a gente ter conhecimento de tudo aquilo, como funcionava, porque se um erro desse é fatal. Então, então, aí o que que aconteceu? Então, como a compressão era muito quente, aí o mergulhador está zuando, zuando, aí entra naquela água, que está a quase 100 metros de profundidade, lá em Garoupa, em Campos, uma água azul. Roxa, você olha assim, você vê 50 metros de distância, você vê um peixinho desse tamanhinho… Água claríssima. Maravilhosa, um negócio maravilhoso, parece uma coisa lunar assim, fantástico, né ? Só que a água está a 5 graus de temperatura.
P - Caramba…
R - Parece que você mergulhou dentro do congelador, você imagina que se você colocar a mão dentro de um balde de gelo, em poucos segundos sua mão está doendo, você não consegue, isso acontecia com a gente, então a gente saia para trabalhar, que geralmente era para trocar um cabo de aço, em uma base, ou fazer alguma outra operação pesada que tinha que levar uma ferramenta pesada, ir lá, tudo contando o tempo, quando terminou o tempo você voltar rapidamente para o sino, entrar no sino, puxar sua mangueira toda de volta, se deu a sorte, você não deu uma volta no lugar errado e a mangueira ficou presa lá. Aí fecha a porta do sino, e o sino começa a subir, e fazer a descompressão, aí nessa hora esfria, começa a gelar tudo. Porque começa a despressurizar, e também com aquele gás que o camarada respirou, e aquela água gelada que estava…
P - Gente, é uma bomba.
R - É, também morre de frio, né? Então esses primeiros mergulhos, que eram mergulhos chamados bounce dive, que é bate e volta. Hoje em dia já se usa a técnica do mergulho saturado, o cara já mora naquela profundidade e vai trabalhar com calma. Mas naquele tempo era tudo muito rápido, então era complicado, e não tinha roupa de água quente, o sistema de segurança era muito menor, muito mais arriscado. E a gente começou a notar, nós, os mergulhadores profissionais, que como não tinha legislação, não tinha absolutamente nada, as empresas poderiam fazer o que quisessem. Então, pegava o equipamento sucata lá fora, ou equipamento que era ultra novidade que a gente ia ser cobaia. E aí começamos na nóia mesmo, a gente se conscientizar. Ter uma consciência profissional, e dizer: “Poxa, vamos tentar fazer alguma coisa aqui…”. Aí, começamos já pensando na fundação de um sindicato, de uma associação profissional, e foi o que a gente fez. Que tinha havido algum, alguns acidentes, não com mergulho fundo, mas outros acidentes de mergulho, que poderiam ter sido evitados. Se tivesse um certo regulamento. E como não existia nada, a gente falou: “Poxa, vamos forçar isso, vamos forçar essa barra aí". Aí começamos a montar a Associação Profissional de Atividades Subaquáticas, inicialmente aqui, em uma casa aqui na Urca. Que um outro adepto do mergulho também, uma pessoa nos cedeu lá o apartamento, e depois mudamos para uma casa e montamos uma associação.Inicialmente a associação, os associados tinham que ser secretos, porque se a empresas soubessem que a gente estava montando uma associação, um sindicato, demitia. Ia ser demitido, então…
P - Porque ia começar a exigir direitos…
R - Aí ia complicar…
P - Mais segurança do trabalho…
R - Exatamente, então alguns, por exemplo, como eu, eu já estava praticamente, eu, fora do mergulho profundo, por quê? Eu parei de fazer o mergulho profundo, porque eu fiz, cheguei a fazer 11 ou 12 mergulhos pioneiros nos mais fundos do Brasil, na época, que foi na Petrobras II, no navio da Petrobras, então fiz vários mergulhos, e eu comecei a ter predisposição para doença descompressiva. A doença descompressiva, significa o seguinte, aquele gás que você respirou, não o oxigênio, mas o hélio, ou o nitrogênio, que se dissolveu na circulação, no organismo, se ele descomprime pode formar bolhas, e essas bolhas vão se formar nos tecidos mais gordurosos, que é o que? As juntas e depois sistema nervoso central, então o que acontece, então a chamada doença Bends e o nome da doença descompressiva chama bends em inglês porque é dobrar. Você fica querendo dobrar achando que vai melhorar a dor, mas não melhora. A única maneira de melhorar é recomprimir, tá? Então, se recomprime em um tempo rápido, ou em tempo hábil, vai ficar sem sequela nenhuma, sem problema nenhum, mas se demorar muito tempo, aquela bolha lá pode prejudicar bastante, se chegar no sistema nervoso central pode matar.
P - E com você? Como é que foi? Você chegou a ter uma predisposição para essa doença?
R - Exatamente, isso depende de cada organismo, o meu por exemplo, eu acho que eu tinha a doença descompressiva, e o meu Bellman que estava comigo, fazendo a mesma tabela, não tinha nada. Então, começou, eu comecei a ter recorrentes, eu falei: “Não, vou parar, vou parar de fazer mergulho profundo”. Aí parei e comecei a me dedicar..
P - A militar no sindicato…
R - Na regulamentação do profissional, principalmente na parte técnica, na segurança. E aí juntamos então, na época, a gente tentou fazer um acordo com as empresas, e falar assim “olha…” E as empresas internacionais estavam entrando também no Brasil e tomando o mercado dessas empresas nacionais, aí a gente chamou, a gente convidou os empresários nacionais, falamos: “olha, vamos fazer um acordo aqui, vocês vão arrumar a casa, vão pagar bem os mergulhadores, vão valorizar a profissão, vocês vão colocar segurança, e o sindicato vai se encarregar de botar essas empresas estrangeiras para fora, entendeu? Vamos garantir o nosso mercado nacional, mas vocês têm que arrumar a casa". E os empresários em princípio concordaram, mas não respeitaram. E é aí que aconteceu, partimos para greves, várias greves sucessivas, greves que paralisaram a Petrobras, paralisou a Petrobras 90 dias, chegou a ter impactos nos números da Petrobras, foram tão prejudiciais essas greves para a Petrobras, que a Petrobras era a principal contratante. Todas as empresas eram contratadas da Petrobras, a Petrobras chamou as empresas: “Vem cá, vamos conversar, vocês todos aqui, senta os mergulhadores aqui, olha aqui, o que que vocês querem?”. Aí a Petrobras praticamente obrigou as empresas a aceitar negociar com a gente, negociar com a gente, numa altura dessa a associação já não era clandestina. As empresas acabaram vendo que o número de mergulhadores associados era tão grande que não poderia mais sair demitindo todo mundo. Aí o que aconteceu foi que, praticamente todas as empresas começaram a aceitar a negociar com a associação, com o sindicato, e paralelamente também a isso, tinha ocorrido alguns acidentes fatais no mergulho fundo, que a marinha, a delegacia do trabalho marítimo, o capitão dos portos na época, Milton Ferreira Tito, tomou a ciência e falou “não, nós vamos se meter nessa história aí". Aí chamou todas as empresas, falou: “Não vamos fazer uma regulamentação, uma regulamentação trabalhista". Aí o sindicato nos apresenta então uma legislação, um protótipo de legislação". Aí o que que eu fiz? Eu e o pessoal lá do sindicato, escrevemos para todas as outras associações, sindicatos no mundo inteiro, e para governos também. Governo da França, Noruega, da Austrália, dos Estados Unidos, mandaram legislações que existiam lá fora, já estavam também começando essas legislações, mandaram para gente, aí nós sentamos aqui na Urca uma noite, com tesoura, e fomos assim, cortando item por item “esse serve para gente, esse não serve, esse serve". E fora o que a gente inventou também, então fizemos um protótipo de uma legislação adaptada ao Brasil, com excelente qualidade, muita coisa foi discutida, inclusive os empresários não queriam, mas foi negociado, acabou-se chegou no que é hoje em dia chamada “NR 15”, né? As normas regulamentadoras da profissão do trabalho de mergulho. Então, a gente fez isso.
P - Isso em que ano? Em que época?
R - Isso foi, deixa eu ver, foi em, não, 80..
P - Década de 80?
R - 86, por aí, se não me engano.
P - Então, são duas instituições diferentes? A Associação Profissional de Atividade Subaquáticas… E o sindicato nacional?
R - É, não, a associação, para você fundar um sindicato, você tem que começar com associação, então foi o precursor. Então, inicialmente a Associação, eu era, eu fui o vice-presidente da Associação, eu sou o sócio número um da Associação (risos), o Raul Cerqueira era o presidente, foi o presidente durante muito tempo, depois eu era o vice-presidente da Associação, mas eu que praticamente tinha os contatos, nós tínhamos muito contato com a imprensa também, a imprensa nos ajudou muito, porque também era coisas interessantes, a imprensa sempre gostou dessas histórias.
P - Era uma categoria profissional que estava tendo visibilidade…
R - Então, aí era uma troca, a gente levava boas histórias para a imprensa, e eles nos davam um certo apoio político. Nas reivindicações da classe. Então…
P - Você hoje tem noção, existe o sindicato ainda?
R - Existe... Mas, o sindicato foi esvaziado, foi aquela coisa de os diretores se acomodam, fazem acordo com os patrões, e a categoria também precisa estar sempre mobilizada, estar interessada, se ela não estiver interessada acaba ocorrendo isso. Então, sindicato, até os próprios trabalhadores começam a falar mal do sindicato, aí… Então, eles tem que ter essa consciência profissional, que o sindicato é que representa eles, então eles têm que cuidar do sindicato e evitar que a diretoria se corrompa, vamos dizer assim, né?
P - Mas, hoje você acha que o mergulhador usa roupas adequadas? O tempo de trabalho, as condições de trabalho são frutos dessa militância?
R - É sempre uma certa briga. Porque as empresas tentam economizar o máximo possível, e os mergulhadores querem a sua segurança. Mas, há também muita falta de, o próprio mergulhador se sujeita a uma condição que tá fora da lei, vamos dizer, às vezes ocorre. Então, agora, também o que ocorre hoje em dia é que o mercado de mergulho está se esvaziando. Está sendo substituído por robôs. Então, as máquinas, os equipamentos estão praticamente sendo substituídos. A própria Petrobras, por exemplo, um mergulho muito fundo que se fazia há alguns anos atrás, 300 metros de profundidade, custava milhares de milhões de dólares uma operação dessas, custava muito caro, então, já não se faz mais. Então, usam robôs, se o robô já está tendo habilidades que o mergulhador fazia está sendo substituído, né?
P - Você acha que vai acabar a profissão de mergulhador? O homem mergulhador realmente vai ser substituído por máquinas? É uma profissão muito perigosa, né?
R - É perigosa, o mergulho profissional foi considerado pela OIT a profissão mais perigosa do mundo, foi considerada uma época, hoje em dia não sei, mas na nossa época tinha sido, era considerada a mais perigosa do mundo. Quanto à tecnologia, a tecnologia está avançando muito. A tendência vai ser o humano, até agora certas tarefas ainda precisam ser feitas por mergulhadores, então hoje em dia estão se chamando drones submarinos. Antigamente chamávamos ROV - Remote Operated Vehicle, então hoje em dia chama drone, então são drones submarinos que tem câmeras, tem braços, tem sensores, tem várias ferramentas que podem ser utilizadas. Para substituir o trabalho que o mergulhador fazia, é um custo mais barato com um risco humano praticamente zero.
P - Vocês fotografavam? Quando é que começou a se fotografar embaixo da água?
R Olha, a fotografia submarina é muito antiga. Já desde, no início do século já se tinha, já se fazia fotografia submarina, começou mesmo, quem começou a difundir isso foi o Jacques Cousteau. Então, com os filmes que o Jacques Cousteau fez, e os livros que ele publicou, as primeiras câmeras subaquáticas, as primeiras câmeras eram Rollei Mare , eram câmeras 6x6, pegava uma Rolleiflex daquela antiga, botava dentro de uma caixa stank , depois veio aquela câmera fabricada pela Nikon, a Nykonos, foi uma câmera muito difundida porque já era totalmente stank , com lentes próprias para uso embaixo da água, então se difundiu muito, e também aí até começou um pouco a parte da nossa, com fotografia submarina, começou um pouco a parte da nossa história da minha empresa. Estávamos lá na Associação, antes de ser, de virar sindicato, tínhamos lá os diretores, tinha eu, o Roberto Faissal Junior, que é o Roberto Faissal fotógrafo, e o Arduíno Colassanti, que gostava muito de cinema, e já era ator e também já tinha feito várias coisas com fotografia submarina, e já tinha uma certa demanda de uso da fotografia submarina para inspeção, com fotografar partículas magnéticas, que era uma forma de detectar trincas em uma estrutura de aço, e outras formas de você trazer para a superfície um relatório mostrando o que que você tinha visto lá embaixo, porque antes tinha que o mergulhador falar e o cara acreditar, a fotografia está lá. Então, como nós gostaríamos muito disso, estávamos ali na Urca, nós lá falamos: “Vamos fazer um curso de fotografia submarina e vamos criar aqui para Associação, para os associados um curso de fotografia submarina”. Aí juntou eu, Roberto Faissal, o Arduino, o Raul Cerqueira, o Carlos Secchin, várias pessoas ligadas a fotografia submarina, que já na época, já se fazia, e resolvemos montar então um curso, e quem apareceu de aluno lá para fazer o curso de fotografia submarina foram os pesquisadores da Petrobras, do —, do Centro de Pesquisa da Petrobras que foram nossos alunos lá em fotografia submarina, porque eles, eles estavam precisando, a Petrobras estava precisando de fotografia submarina, e como não tinha muito conhecimento do que que era, resolveu colocar os funcionários dela lá, os pesquisadores dela para nos acompanhar, e nos ajudar nas demandas. E a partir daí a própria Petrobras resolveu contratar a gente para fazer um trabalho de como pesquisar, como fotografar contra luz ultravioleta essas partículas magnéticas, que é um pozinho que se adere na trinca e você precisa usar uma luz ultravioleta, então tinha que ter toda uma técnica embaixo da água para aparecer isso. E ser uma técnica padrão para colocar como um procedimento para os outros mergulhadores fazerem o padrão adequado para Petrobras ter o relatório. Aí então isso começou o nosso relacionamento, principalmente pessoal meu, do Roberto Faissal, do Arduino, com esse pessoal da Petrobras. Aí começaram a chamar a gente para fazer várias pesquisas com relação a fotografia submarina, eu já tinha muito interesse em fotografia em terceira dimensão estéril, que usa um óculos para você ver em relevo. Aí eu comecei a sugerir isso para Petrobras, a Petrobras então resolveu financiar uma pesquisa nossa de desenvolver uma câmera de estereofotogrametria, para fazer medições com fotos embaixo da água, e aí começou, aí começaram esses trabalhos, aí juntou eu, o Roberto Faissal e o Arduino e falamos assim: “não, vamos sair do sindicato, porque agora não fica compativél a gente estar… Vamos montar a nossa empresa, a gente já deu o nosso, nosso suor aqui para criar o sindicato, a associação…”
P - Contribuiu um bocado para a categoria…
R - É, então agora vamos partir para a iniciativa privada. E partimos então e montamos uma empresa chamada Hidratec, eu o Roberto Faissal e o Arduino. E a nossa principal função, na época, era fotografia e filmagem submarina, e aí conseguimos comprar uma câmera Arriflex 2C, e mandamos fazer um blimp, uma caixa própria para essa câmera, e começamos a trabalhar em comerciais, em filmes de longa metragem que tinham imagens submarinas, e era só nós que fazíamos, e com uma qualidade de película 35 milímetros, com lentes de alta qualidade, um negócio fantástico, e aí começou… Então, paralelamente também a esses serviços de comerciais, de cinema, estava à pesquisa técnica junto com a Petrobras, com o SEMPS, e eu fazendo a parte de estereofotogrametria, né? De outros sistemas de câmeras, de câmeras de vídeo em terceira dimensão..
P - Que interessante…
R - E aí comecei essa pesquisa junto com a Petrobras, na parte de terceira dimensão, de televisionamento em terceira dimensão eu já tinha estudado um pouco o assunto de como é que era a televisão, que era a imagem entrelaçada, eu falei “Tá legal, então vamos botar um entrelaçamento aqui, um para um olho, outro para o outro, mas como fazer isso?”. Precisava de um óculos que chaveasse, e aí um belo dia eu estou olhando uma revista americana de tecnologia, e olho assim, “não sei o que lá lançou o videogame aqui, para, Atari".. Eu falei assim “Óculos…”. Eu falei assim “Esse óculos talvez me sirva". Aí mandei importar os óculos, entendeu? Aí só que o óculos chegou aqui e eu não sabia como é que ele funcionava, aí fui lá fui lá pedir a uma outra empresa, pedir um técnico de eletrônica e levar os óculos no lugar que a gente editava os filmes, que tinha, aliás o computador era amiga, que ligava no computador amiga e vinha em terceira dimensão os desenhos. Não tinha nada em vídeo ao vivo, mas eu queria colocar o vídeo ao vivo ali, em terceira dimensão, com câmera. Mas, os óculos eu já tinha, e como eu sabia que isso era entrelaçado, aí então com o técnico lá da empresa, botamos o osciloscópio, fomos medir lá como é que hackeava o óculos, aí consegui ligar o óculos nas câmeras de vídeo, aí eu fui lá na Petrobras e falei assim: “Olha, precisa de umas câmeras de vídeo com tais, tais características, com Genlock, que era o sincronismo entre as câmeras, eu não… Eu não sabia nem muito disso, eu gostava de eletrônica, gostava dos assuntos, aí resolvi fazer um curso de engenharia de televisão, aí na sociedade brasileira de engenharia de televisão tinha um curso desses que era lá no Rio no CEFET, aí eu fui fazer esse curso, e conhecia lá um outro técnico que depois veio me ajudar, e aí já com essa ideia de colocar as câmeras lá, e eu também não sabia de nada. Então, eu falei assim: “Quem é que eu posso chamar aqui? Tem um pessoal da TV Globo aqui que pode te ajudar". Aí eu liguei para o pessoal, aí vieram dois técnicos, uma menina e um rapaz, eu falei: “Olha, eu preciso fazer isso, e isso assim…”. Aí a menina falou “Olha, existe um chipinho, um chipinho que a National lançou que faz isso aí que você quer". Aí eu falei assim: “Onde é que eu compro esse chip?”. No Brasil não tinha, tinha que mandar vir dos Estados Unidos, e naquela época algumas coisas para importar era complicado, porque tinha autorização do departamento de defesa deles, aí eu mandei vir os chipinhos, quando chegou os chipinhos, eu falei assim: “Agora eu vou começar a montar esse negócio". Então, a Petrobras já tinha me autorizado a comprar as câmeras, que tinham Genlock, só que eu tinha que agora botar em um monitor e botar o óculos para ver se saia na terceira dimensão, aí no nosso escritório, montei lá em uma mesa lá, era um protoboard, que era uma placa toda perfuradinha, você ia colocando os fiozinhos, eu peguei alfinetes com fiozinho, juntei tudo, comecei a juntar, liguei lá, funcionou. Aí eu falei assim: “Poxa, que beleza”. Aí eu liguei para Petrobras, falei assim: “Olha, o fulano de tal, Paulo César…”, que era o meu maior amigo lá, eu falei: “Paulo César, está funcionando, pode vir aqui". Aí daqui a pouco bate a porta da minha empresa, eu achando que viria o Paulo César mais outro cara, vieram 30 (risos).
P - Todo mundo queria ver…
R - Vieram 30, em uma salinha pequena, eu falei “Não encosta em nada, não encosta em nada". Aí todo mundo viu que estava funcionando e que seria interessante colocar isso para os mergulhadores, para as operações de mergulho. Porque as operações especialmente de robôs. ROV, porque o ROV, vamos dizer que ele tenha que pegar uma peça aqui, ele não tem noção de profundidade…
P - E os óculos…
R - Os óculos ia perfeitamente, você tinha a noção de profundidade, e aí como funcionou isso? Aí construí até um protótipo, com uma câmera submarina, peguei essas câmeras, botei dentro de um invólucro, e fiz até um filminho em terceira dimensão para a Petrobras, né? Existe esse filminho até hoje.
P - Você patenteou?
R - Não, tentei patentear, mas depois eu vi que patente não adianta muito, o que vale é você sair na frente, que logo depois vem alguém e copia, modifica uma coisinha pequena e já era a patente. Então, aí montei esse sistema, montamos depois, a Petrobras evoluiu para um sistema deste digital, com medição por computador, aí nossa empresa contratou um técnico em computação etc e tal, compra placa, isso, computadores, aí começamos nessa parte de tecnologia em 3D, mas só que o seguinte, não era o interesse das empresas usar isso, porque empresa ganha por hora, ganha por dia, então quanto mais demorasse…
P - Melhor. E você tinha pensando em uma coisa para agilizar…
R - É, então acabou que não… E depois também reclamam, porque também o tridimensional não é todo mundo que se adapta, às pessoas às vezes tem dor de cabeça, etc e tal. Então, até que hoje em dia, por exemplo, você não compra mais, não tem mais monitor em terceira dimensão no mercado, não existe mais. Então, às vezes aparece um filme, mas monitores para você ver em casa, não tem mais.
P - E hoje você ainda tem a empresa?
R - Bom, aí o seguinte, então a nossa empresa inicialmente estava nessa área de cinema, e na área de tecnologia.
P - Algum filme cinema, algum filmezinho?
R - Ah, teve “O boto”, o “Romance da empregada”, filmes até para Metro Goldwyn Mayer a gente fez, que era um filme “When the River Runs Black”, “Quando o rio se torna negro”. Era um filme, ficção, um menino, um boto, na amazônia, e a gente filmando lá com câmeras, que eram câmeras importadas, caríssimas, eu o Roberto Faissal, e a gente…
P - Imagina, que turma..
R - É, e a gente… E aí fomos para Fernando de Noronha filmar “Ele, o boto”, vários filmes, fora comerciais, etc e tal. Aí veio o governo Collor e acabou com a Embrafilme, acabou com a cultura praticamente do cinema. Então, aí ficamos lá sem quase conseguir trabalhar, aí nessa ocasião também, a gente resolveu, entre os amigos, “vamos fazer o seguinte, o Roberto Faissal continua só no cinema, que para uma pessoa ele vai dar conta”, o Arduino Colasanti resolveu fazer a escolinha de mergulho dele em Jurujuba, tempo de fundo, se dedicar, ele gostava muito de ensinar também. Uma pessoa fantástica, o Arduino. E eu continuei na Hidratec com essa parte tecnológica. Continuei ainda trabalhando na Petrobras, desenvolvendo alguns equipamentos. E aí comprei também um ROV, um robozinho, um drone desses, e fui prestando serviços de inspeção, e até periciando suporte para outros equipamentos que a gente ia pesquisar. Então, a partir daí também, hoje em dia trabalho eu, os meus sócios Geraldo Figueiredo com essa empresa Hidratec, e fazemos equipamentos, a gente fabrica câmeras, luminárias, sensores para uso submarino, trabalhamos em inspeção em empresas, em hidrelétricas, fabricamos equipamentos, equipamentos de câmera, autônomos, né? Então, é assim que hoje em dia…
P - Você poderia imaginar que você ia estar nessa área? Quer dizer, quando começou aquele curso ali na marinha, né?
R - Eu sempre gostei muito dessa técnica, dessa tecnologia, né?
P - Seu pai era fotógrafo…
R - É, exatamente, é, eu sou autodidata, eu gosto de pegar um livro técnico, ler, desvendar aquilo, né? Gosto de meter a mão na massa, gosto de soldar, a parte de eletrônica, então hoje em dia, por exemplo, eu manjo, entendo bastante de eletrônica, de parte de mecânica, hidráulica um pouco dá para montar os equipamentos que a gente precisa.
P - Mas você ainda mergulha? Você viaja, você gosta de mergulhar? Viaja para o mar?
R - Não, não, fiz até uns, até uns 50 e poucos anos, eu ainda mergulhava, mas depois a idade começa a pesar um pouco, né?
P - Bom, a gente tem algumas perguntas assim, conclusivas, né? Primeiro eu queria te agradecer, e te perguntar, qual é o conselho que você daria para o jovem que está começando a vida como mergulhador?
R - Como mergulhador? Primeiro, se especializar em alguma coisa, em hidráulica, mecânica, solda, alguma outra coisa, e sempre, sempre fuçar, aprender, a grande coisa é o conhecimento, então o conhecimento é que vai botar o camarada em uma boa posição, de poder contribuir melhor, entendeu? É o conhecimento, conhecimento é tudo, é tudo.
P - Hoje você costuma passar pela ponte Rio-Niterói? Você vai muito ao......?
R - Não, não passo muito..
P - Você pensa, quando você vê, a gente está na Urca, você está aqui, você olha [ consegue ver a ponte], você pensa?
R - Penso, sempre quando eu passo eu procuro olhar nas muretas onde tem lá, sempre tem uma plataforma que a gente não vê, mas ela está embaixo da ponte, presa na mureta, e é onde é feita a inspeção periódica na parte de baixo, talvez hoje em dia seja feita com drone. Não sei, mas…
P - E como é que é hoje um dia seu?
R - Bem, um dia meu, vou para a empresa, quase sempre tem uma demanda lá, a gente tem algumas demandas, até projetos nossos que estão atrasados, que às vezes aparece uma urgência para fazer, a gente pega, deixa prioridade, atende a prioridade, e deixa lá, depois fala: “Hoje o dia da para fazer o que? Vamos atacar isso". Aí a gente pega e começa a desenvolver, então são conectores, câmeras, usinar, fabricar peças, fazer um projeto, desenhar um projeto, calcular, sempre tem alguma coisa para fazer, ou consertar equipamentos de outros, a gente conserta também, ninguém faz isso aqui no Brasil, e a gente tem, tem um background. Já desde, minha empresa já está com [ desde ] 87, nós estamos aí com 33 anos. 33 não, mais né? É…
P - Quase 40 anos…
R - Exatamente…
P - Você é casado? Tem filhos? Como é que?
R - Não, não tenho filhos, eu, quando fui casado, ela quis ter filhos, eu não quis, e agora recentemente, mais recente quando minha esposa quis ter, eu já não queria mais, não tem filhos…
P - Você é casado? O nome da esposa?
R - Não, solteiro, tivemos uma união estável recentemente, mas durou aí, durou até bastante tempo, durou uns 15 anos.
P - E você já teve barco?
R - Já, já.
P - O barco que você teve, qual era o nome do barco?
R - Tive, tive desde botinho inflável. E só barcos a motor. Vela, eu gosto da vela, nunca me dediquei, nunca entendi direito, nunca velejei, fiz algumas viagens com barco a vela, mas não foi muito, não foi muito, não pegou, né? Vamos dizer assim.
P - E o teu barco, qual era o nome do barco?
R - Meu último barco era uma lancha, uma ferrete 88 pés, uma ferrete uma boa marca, com dois motores, e era o nome Lover. Só que eu vendi recentemente, e agora estou sem barco (risos)
P - Mas, qual era sua maior curtição quando você tinha barco?
R - Era passear
P - Aqui no Rio?
R - Era passear, até caça submarina, mergulho só de máscara e tubinho, para olhar os peixinhos etc e tal, nada de caça submarina, também nunca fui muito fã de pesca, então era só passeio, ir daqui para Angra, para Búzios, era isso.
P - Tem um fundo do mar que mais te… que você acha o mais bonito, que você tenha mergulhado, que você considera....? Uma praia…
R - Olha, o mais impressionante que eu mergulhei, foi em Cuba. Cuba é o paraíso dos mergulhadores, lá você tem aquela visibilidade que eu falei. A gente aqui na bacia de Campos tem essa visibilidade enorme. De 50 metros, mas você não tem nada lá para ver, você não tem coragem, não tem muitos peixes, na Petrobras lá, às vezes tinha aquela parte da base, com as peças que ficam lá no fundo do mar, sempre aparece muitos peixes que ficam ali. Mas não é um negócio, é uma máquina. Então, você… Em Cuba é o Jardim de corais. Uma coisa fantástica, colorido, é uma vida fantástica, maravilhosa. Nós fomos a Cuba com o Roberto Faissal, com o Arduino Colasanti e com o Marcos Cantareli, que era o dono da Cobra Náutica. Então, foi financiado pela Cobra, que eles queriam fazer, lançar na época vídeo cassete com viagens, com aventuras submarinas, então nós fizemos esse vídeo de Cuba, do Jardim de Corais, com esse nome, para a Cobra. Então, fomos lá, filmamos, e o governo lá nos recebeu muito bem, porque era uma coisa muito turística. Então, fomos tratados, maravilhoso…A ilha, como se sabe, se diz que é pobre. Mas não tem miséria, pelo menos na época que a gente viu, não tinha miséria, todas as crianças na escola, entendeu? Era uma coisa bem bacana, agora, sofre com embargo, né? Então, esse que é, bem…
P - Bom, então para encerrar, gostaria de perguntar, você gostaria de colocar mais alguma coisa?
R - Ah sim, só voltando para o Brasil, Noronha é o outro lugar aqui que é maravilhoso no Brasil. Vamos falar do Brasil. E os Abrolhos. Os Abrolhos também. Os Abrolhos tem época, porque às vezes o mar mexe muito, e cria uma certa suspensão na água, mas também são corais fantásticos, lindos, e é absolutamente necessário essa preservação, né?
P - Bom, a gente agradece, o que você achou de contar um pouco da sua história?
R - Foi bom, teria muito mais coisa para contar, mas o tempo…
P - Bom, a gente agradece, obrigada por compartilhar…
R - Obrigada vocês, e espero que alguma coisa aí seja agradável.
P - Com certeza, obrigada por esse compartilhar de histórias e experiências. Brigada.
R - Muito bom, muito bom, obrigada vocês.
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