P - Eu gostaria que você falasse seu nome, data e local de nascimento.
R - Adel Yussefs Sidarus, nascido no Cairo, Egito, em 2 de outubro de 1941.
P - Falei seu nome totalmente errado.
R - É só pronunciar na maneira árabe.
P - Qual a sua atividade?
R - Eu presentemente estou pesquisador, como vocês dizem, investigador. Mas sou professor universitário na Universidade de Évora, no Alentejo, Portugal.
P - O senhor ensina que matéria?
R - Estudos árabes e islâmicos, mas investigo também o cristianismo oriental e em especial o cristianismo copta, que é o cristianismo autóctone do Egito, e a suas relações com as civilizações árabes e islâmicas.
P - O que o motivou a participar de fórum cultural mundial?
R - Foi uma grande coincidência, porque quando um dos organizadores, o professor Danilo Miranda, veio numa vila perto de Évora, onde eu vivo, apresentar o fórum, chamou a minha atenção esta atividade, então fui assistir a apresentação deste Fórum Cultural e gostei muito da perspectiva e da própria intervenção do professor Danilo, e então, ao sair, ele pediu o meu cartão, porque depois eu fiz uma intervenção no fim e pelos vistos calhou bem, é uma perspectiva única de um multi cultural. Um mês mais tarde me convidaram a vir para falar hoje, dia um de julho, à tarde, vou participar num painel sobre religião e identidade cultural.
P - O senhor já conhecia o Brasil?
R - Não, infelizmente não conhecia. Só conhecia um bocadinho através dos estudos, alguns colegas especialistas em estudos árabes ou islâmicos que colaboraram aliás comigo em projetos que envolviam esta dimensão de estudos árabes e islâmicos. E era o meu grande desejo de conhecer o Brasil porque é um país mestiço, e eu próprio até estou mestiço sendo copta, egípcio, cristão, árabe, mas também educado a maneira ocidental. Estudei na França, na Itália, na Alemanha, onde tenho o meu doutorado, e lá conheci uma mulher portuguesa, minha...
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P - Eu gostaria que você falasse seu nome, data e local de nascimento.
R - Adel Yussefs Sidarus, nascido no Cairo, Egito, em 2 de outubro de 1941.
P - Falei seu nome totalmente errado.
R - É só pronunciar na maneira árabe.
P - Qual a sua atividade?
R - Eu presentemente estou pesquisador, como vocês dizem, investigador. Mas sou professor universitário na Universidade de Évora, no Alentejo, Portugal.
P - O senhor ensina que matéria?
R - Estudos árabes e islâmicos, mas investigo também o cristianismo oriental e em especial o cristianismo copta, que é o cristianismo autóctone do Egito, e a suas relações com as civilizações árabes e islâmicas.
P - O que o motivou a participar de fórum cultural mundial?
R - Foi uma grande coincidência, porque quando um dos organizadores, o professor Danilo Miranda, veio numa vila perto de Évora, onde eu vivo, apresentar o fórum, chamou a minha atenção esta atividade, então fui assistir a apresentação deste Fórum Cultural e gostei muito da perspectiva e da própria intervenção do professor Danilo, e então, ao sair, ele pediu o meu cartão, porque depois eu fiz uma intervenção no fim e pelos vistos calhou bem, é uma perspectiva única de um multi cultural. Um mês mais tarde me convidaram a vir para falar hoje, dia um de julho, à tarde, vou participar num painel sobre religião e identidade cultural.
P - O senhor já conhecia o Brasil?
R - Não, infelizmente não conhecia. Só conhecia um bocadinho através dos estudos, alguns colegas especialistas em estudos árabes ou islâmicos que colaboraram aliás comigo em projetos que envolviam esta dimensão de estudos árabes e islâmicos. E era o meu grande desejo de conhecer o Brasil porque é um país mestiço, e eu próprio até estou mestiço sendo copta, egípcio, cristão, árabe, mas também educado a maneira ocidental. Estudei na França, na Itália, na Alemanha, onde tenho o meu doutorado, e lá conheci uma mulher portuguesa, minha mulher, com a qual casei na Alemanha, e há 28 anos eu aceitei me instalar em Portugal para criar os estudos árabes, que infelizmente naquele país ainda não eram muito desenvolvidos e continuam, infelizmente, ainda não muito desenvolvidos.
P - O senhor é a própria diversidade cultural.
R - Sim, como meu próprio nome é interessante, porque Adel é um nome árabe que quer dizer justo. Depois Yussefs, que é o nome do meu pai, mas que entra na onomástica de qualquer árabe, como se fosse Adel, filho de Yussefs, Ben ou Ibn de Youssefs, e Sidarus, que podia ser o avô ou nome de família; Yussefs é um nome bíblico, como a gente sabe, de língua hebraica, e depois Sidarus é um nome também tipicamente mestiço, ele não é egípcio porque é dádiva de Isis, a deusa egípcia, Isidorus, e a forma Sidarus é só uma corrupção ou corruptela através, digamos, do árabe moderno.
P - O senhor já conhecia um pouco desta diversidade brasileira?
R - Sim, é isso que me tem sempre fascinado, eu lembro, em primeiro lugar, é engraçado, porque quando cheguei a Portugal, há mais ou menos 28 anos, as pessoas me tomaram por um brasileiro dado a minha pronúncia, eu articulo muito as palavras, ao contrario do português corrente; mas quando começou a primeira telenovela brasileira, que era como se chamava o grande romance de Jorge Amado, Gabriela Cravo e Canela, com o tempo as pessoas perceberam que não era brasileiro, mas precisamente neste romance, nesta telenovela, havia um árabe, um nascido, vivendo instalado naquela região da Bahia. Então comecei a conhecer esta realidade que é o povo brasileiro, li outros romances do Jorge Amado e pus nos quadros dos meus estudos árabes, islâmicos, as relações portuguesas ou de Portugal com vários continentes, me interessei precisamente por este novo produto muito interessante do Brasil, do ponto de vista civil e político moderno Brasil tem mostrado um desejo de contrariar um certo uniformismo a um nível cultural, a um nível político atentaram um bocadinho a ser o porta voz de todo... Já não é o terceiro mundo, mas digamos, do sul em oposição ao norte. Por isso eu segui de perto os fóruns sociais mundiais, se não pude participar diretamente, mas em Portugal participei na inauguração do primeiro Fórum Social português, semelhante ao Fórum Social Mundial de Porto Alegre, então por isso também fiquei fascinado com a idéia do Fórum Cultural Mundial.
P - Qual o caminho que a gente tem para lidar com esse movimento, não digo valorizar, de dar voz a essa diversidade?
R - É claro, é difícil, temos que distinguir o que deveria ser o ideal humano razoável e o que as forças políticas, militares e econômicas estão a nos impor. O discurso, diria eu, é diferente de acordo com o tipo de público ao qual a gente, digamos, se dirige. Eu, enquanto árabe, já integrado na parte do norte da Europa, rico, dominando grande parte das planetas, impondo os seus valores ou pretensos valores culturais, políticos, econômicos. O meu discurso é dizer que isto não pode continuar assim, estamos a afundar o nosso planeta num confronto supostamente religioso, cultural e étnico, mas que é fundamentalmente econômico e político, daí que da parte do norte tem que mudar de perspectiva, ser solidário com o conjunto da humanidade para trilhar as suas riquezas, serem abertos também à riqueza milenar das suas culturas, dos teus costumes, das suas perspectivas religiosas. Para nós, porque eu também faço parte do sul, o sul pouco desenvolvido, digamos, com grande pobreza, sentindo uma grande opressão, é tentar juntar as nossas forças com o que nós temos. E com o que nós temos, o nosso ser, tentar fazer perceber aos arrogantes do nosso império que esta barbárie e não é assim que podemos, até para eles próprios, progredir e manter um planeta sustentável para toda a humanidade. É claro, a diversidade cultural é muito importante, porque os nossos desafios são múltiplos, sendo múltiplos não é possível que uma única via venha arrepender a esta multiplicidade. Tem que ser uma colaboração fraterna solidaria, igualitária e também diversificada, e sabendo nós aprender dos outros o que há de melhor neles.
P - Apesar de toda esta barbárie a que nós assistimos hoje. O senhor acha que esta diversidade está conseguindo se manifestar melhor hoje em dia?
R - Infelizmente, quando não queria ser ouvida, teve que ser muito violenta, tanto no quadro, por exemplo, do continente africano, a imposição de um sistema ocidental. Pretensamente perfeito, se mostrou inadequado para as dinâmicas profundas de vários grupos étnicos culturais e outros. Então, para se afirmar, tiveram que tomar armas e se impor ao nível, digamos, do estado ou dos vários países. O quadro, por exemplo, dos países árabes, e parcialmente muçulmanos também, é a mesma coisa o cristianismo ocidental, eu insisto no ocidental porque temos também um cristianismo oriental diferenciado querendo se perfilhar como único, digamos, a única civilização verdadeiramente correta, etc.. Menosprezou o valor de toda uma tradição cultural religiosa milenar multi cultural, multi étnica, esta afirmação teve que se fazer de uma maneira durante dois séculos mais ou menos razoável, e ultimamente teve que se afirmar das maneiras mais reprováveis. Mas precisamente a mensagem do Brasil multi cultural e mestiço e este Fórum Cultural Mundial, que espero que venha a se multiplicar em vários continentes, em varia regiões do mundo. Me parece ser uma esperança, talvez uma utopia, mas de qualquer maneira isto é o que eu acredito, deveria ir neste caminho, e espero porque venhamos a poder criar estas dinâmicas nesta perspectiva universalista e solidária com todos os homens.
P - Mais alguma coisa que o senhor gostaria de deixar registrado?
R - Como registrado eu gostaria de dar um testemunho pessoal. Na medida em que sou um luso egípcio, quer dizer, um português e egípcio - até tenho duas nacionalidades, com dois passaportes -, há 28 anos que vivo em Portugal, tenho 63 anos, o resto vivi no Egito, no Líbano, mas também em estudos na França, na Itália e na Alemanha, onde me doutorei e comecei a minha profissão de professor universitário. Casei com uma portuguesa, eu vim do Egito, é quase um extremo para quem conhece a área do mediterrâneo, o Egito é a ponta mais oriental e meridional, e Portugal é a ponta mais ocidental e sentriteonal. Talvez por ter sido privilegiado em termos de família, em termos de meio de educação, estudei no colégio dos jesuítas no Cairo, com o conhecimento da língua francesa e da cultura ocidental ao lado da minha própria cultura e língua árabe, consegui com uma certa harmonia com momentos mais difíceis que outros, digamos, integrar todos estes valores e estes sinais diferente, às vezes antagônicos, um cristão egípcio no meio islâmico. É claro, havia no longo da historia momentos difíceis, mas outros momentos muito empolgantes de diálogo cultural científico. A minha tese de doutoramento na Alemanha foi feita sobre um enciclopedista copta, copta quer dizer, de religião cristã autóctone, porque copta quer dizer egípcio em suma, mas em língua árabe. Trabalhou sobre historia, sobre filosofia, teologia, sobre lingüística, é muito interessante a própria odisséia dele, a teologia ou filosofia de Deus, copiou a partir de um grande teólogo muçulmano de um século anterior, século 12, ele é do século 13. Depois, comentando que nós cristãos diríamos isto ou aquilo . E esta é que acho muito bonita em termos de convivência humana e de respeito pela austeridade e a diferença. Eu próprio, além desta multiplicidade e diferenças que vivi no quadro pessoal e individual na minha própria família, agora sou casado com uma portuguesa, há sinal de diferença, mas dos três filhos que tenho, o mais velho, hoje de 32 anos, é um deficiente profundo, veio instalado no meio da nossa família apesar já da diferença entre um egípcio e um português este elemento que para nós foi muito enriquecido. Porque ensinou a nós a aprofundar a essência do homem, a essência da humanidade, para além das capacidades ditas normais e correntes. Ele no meio da sua deficiência tem uma capacidade extraordinária de expressão, ele não fala nada, mas está aberto à fala e gosta que a gente repita tudo que ele faz, tudo que nós fazemos, gosta muito de música, gosta muito de aproximar-se ao outro. Então ajudou a nós ao nível da nossa vida e da sociedade, porque nós criamos uma instituição para deficientes, sobretudo deficientes mentais na cidade onde fomos nos instalar há 27 anos agora, no Alentejo, Portugal. Para marcar ao nível da sociedade a importância que é isso, a sociedade respeitar a diferença, seja ela de características físicas, mental, no quadro dos diminuídos mentais, dos handcaps, como se diz, em geral. Então também estará aberta para a diferença entre homem e mulher, mas na igualdade entre a criança e os adultos, entre o autóctone e o imigrado, neste mundo diferente. E este é também um grande desafio que me mobiliza em termos pessoais e científicos.
P - Parabéns.
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