Meu nome é Ezequiel Moraes. Eu nasci em 13 de março de 1966, em Silva Jardim, cidade da baixada litorânea, no Estado do Rio de Janeiro. Sou engenheiro florestal.
Antes de ir pra faculdade, eu trabalhava num projeto em Silva Jardim, na Reserva Biológica Poço das Antas, projeto internacional de conservação do mico leão dourado. Comecei como voluntário. Eu tinha cerca 16 anos. Cheguei a ser coordenador de estágio desse programa; isso sem ter curso superior. Coordenava estudantes de diversos cursos, de diversas disciplinas. Era bem multidisciplinar: tinha estudantes da zootecnia, da veterinária, da agronomia, da biologia, da engenharia florestal. O que mais me chamava a atenção era [o estágio] da biologia e da engenharia florestal.
Num certo momento, eu me decidi: “Preciso sair daqui e estudar. Senão serei um coordenador de estágio perpétuo e isso eu não quero para o meu futuro”. Eu estava indeciso entre a biologia e a engenharia florestal. Numa análise da participação do estagiário no trabalho, eu percebi que o engenheiro florestal era mais prático, muito mais bem resolvido, com muita atividade de campo, atividade na floresta para seguir o mico leão o dia inteiro. [O trabalho do engenheiro florestal] tinha diversas [atividades], como: “Você tem que subir o morro.”, “Você tem que passar num brejo.” Ele precisava resolver coisas de localização, dentro da floresta, por isso tinha de ter certo conhecimento de cartografia. Essa diversidade do conhecimento na prática, no dia-a-dia, aparecia muito melhor no engenheiro florestal do que num biólogo. O biólogo estava muito mais centrado nas questões detalhadas da biologia, muito no comportamento do animal, por exemplo. Eu pensei: “Eu vou ser melhor como engenheiro florestal do que como biólogo”. Prestei vestibular pra Universidade Rural e passei. Não esperava passar num primeiro momento, porque eu vinha de um colégio de interior. Eu achava que minha formação ainda não...
Continuar leituraMeu nome é Ezequiel Moraes. Eu nasci em 13 de março de 1966, em Silva Jardim, cidade da baixada litorânea, no Estado do Rio de Janeiro. Sou engenheiro florestal.
Antes de ir pra faculdade, eu trabalhava num projeto em Silva Jardim, na Reserva Biológica Poço das Antas, projeto internacional de conservação do mico leão dourado. Comecei como voluntário. Eu tinha cerca 16 anos. Cheguei a ser coordenador de estágio desse programa; isso sem ter curso superior. Coordenava estudantes de diversos cursos, de diversas disciplinas. Era bem multidisciplinar: tinha estudantes da zootecnia, da veterinária, da agronomia, da biologia, da engenharia florestal. O que mais me chamava a atenção era [o estágio] da biologia e da engenharia florestal.
Num certo momento, eu me decidi: “Preciso sair daqui e estudar. Senão serei um coordenador de estágio perpétuo e isso eu não quero para o meu futuro”. Eu estava indeciso entre a biologia e a engenharia florestal. Numa análise da participação do estagiário no trabalho, eu percebi que o engenheiro florestal era mais prático, muito mais bem resolvido, com muita atividade de campo, atividade na floresta para seguir o mico leão o dia inteiro. [O trabalho do engenheiro florestal] tinha diversas [atividades], como: “Você tem que subir o morro.”, “Você tem que passar num brejo.” Ele precisava resolver coisas de localização, dentro da floresta, por isso tinha de ter certo conhecimento de cartografia. Essa diversidade do conhecimento na prática, no dia-a-dia, aparecia muito melhor no engenheiro florestal do que num biólogo. O biólogo estava muito mais centrado nas questões detalhadas da biologia, muito no comportamento do animal, por exemplo. Eu pensei: “Eu vou ser melhor como engenheiro florestal do que como biólogo”. Prestei vestibular pra Universidade Rural e passei. Não esperava passar num primeiro momento, porque eu vinha de um colégio de interior. Eu achava que minha formação ainda não estava adequada pra concorrer no vestibular de uma universidade federal. Mas deu tudo certo, eu passei, entrei e me formei. Depois disso, eu fiquei por um pouco de tempo fora do país, pra fazer alguns cursos. Voltei e continuei meus estudos. Consegui fazer um mestrado, na Universidade [Estadual] do Norte Fluminense [Darcy Ribeiro].
Eu nunca parei profissionalmente. Durante as férias da universidade e as greves de três ou quatro meses, eu voltava para o Poço das Antas; sempre fui convidado pelos colegas para participar ou ajudar em algum projeto. Eu me formei em 1995 e, logo em seguida, voltei pra reserva de Poço das Antas, onde trabalhei em pesquisa, por um ano. Fui para o mestrado, fiquei dois anos e pouco na minha tese. Voltei para o projeto do mico leão dourado, pra montar um laboratório de geo-processamento, dentro de um projeto maior. Geo-pocessamento trata a paisagem, tanto do relevo em si, quanto do manejo da paisagem. Um dos nossos focos era pra conservação do mico leão. A gente tinha que detectar, conhecer o quanto de quantidade e qualidade de florestas se tinha na região. Existia um foco muito grande na conservação do mico leão dourado, em saber o tamanho dos fragmentos que tinham restado na mata atlântica, qual a distância entre eles, como planejar ligamentos desses fragmentos florestais. Em 1998, há dez anos atrás, começava-se a falar em corredores florestais, que hoje é bem falado. Esse laboratório era mais do que um laboratório de geo-processamento, era um laboratório de sistema de formação geográfica, como a gente chama hoje. O foco era ter esse sistema, ter todo um banco de dados. Podemos fazer outras modelagens sobre a paisagem como, por exemplo, incidência de incêndio, fluxo de animais entre um fragmento e outro. Isso tudo pode ser trabalhado num laboratório de sistema de orientação geográfica. Durante as greves [da universidade], eu fiz muito censo; por exemplo, eu ajudei a uma pesquisadora que precisava para o seu mestrado um censo dos micos leões dourados fora da Reserva Poço das Antas. A gente viajava muito. Visitei vários pedacinhos de mata, acima de dez hectares, para fazer um sistema, desenvolvido através de localização e gravação dos próprios animais. A gente contava os animais da floresta, em sua própria localização. Os animais respondem, quando ouvem o som de outro animal, porque o animal é um territorialista; eles interpretavam o [som] como um intruso e iam para o lugar onde estávamos preparados para contar quantos eles eram. Diversas vezes detectamos famílias de micos que ninguém sabia que existia em determinados lugares. Isso era uma das coisas que eu fazia. A gente também fazia o processamento de um grupo de micos; capturávamos grupo de micos para fazer a marcação com tatuagem e fazer coleta de sangue pra ver o grau de consangüinidade. Mesmo durante o período da faculdade, eu ia para o Poço das Antas fazer esses trabalhos.
Em 2001, eu fui convidado pelo prefeito apenas eleito para vir trabalhar na área do meio ambiente do governo. Eu falei que não poderia trabalhar na prefeitura, porque não tinha uma secretaria do meio ambiente. Ele queria que eu trabalhasse com o meio ambiente, mas não tinha estrutura. Então, ele se comprometeu a criar a secretaria. Eu fui trabalhar, em 2001, no projeto da secretaria, aprovada pela câmara no mesmo ano. Em 2002, a nova secretaria começou a funcionar, mas eu, o secretário, era o seu único funcionário. Essa [situação] se manteve por mais ou menos um ano, numa pequena sala. Eu fiquei secretário até 2007, porque o prefeito foi reeleito. Outro dia eu olhava as atribuições da Secretaria e [percebi] que faria diferente. É sempre assim, a gente faz de um jeito e, depois, quer mudar. Eu escrevi que uma das atribuições da secretaria de meio ambiente seria desenvolver a Agenda 21 Local.
Vejo que a Agenda 21, escrita lá atrás como atribuição da Secretaria, têm, recentemente, oportunidade de ser implantada. Ela nunca deixou de ser atribuição da Secretaria, mesmo que os projetos tenham caminhado lentamente. Chegou num ponto em que a gente começou a fazer reuniões em termos de comunidade. O próprio Conselho de Meio Ambiente começou a se envolver e nós começamos a fazer as reuniões pra desenvolver a Agenda 21 Local. Isso foi em 2006. Antes da notícia do Comperj [Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro], a gente já tinha um planejamento da Agenda 21 Local.
Eu fiquei afastado do governo em 2007 e 2008, quando chegou a Agenda 21 Comperj. Eu cheguei a participar da Agenda 21 Comperj, inclusive fui representante do setor comunidade. Participei daquela Carta dos Princípios da Agenda 21, feito em Itaboraí. Ao retornar [para a Secretaria de Meio Ambiente], eu tive preocupação em observar a Agenda 21 Comperj. Eu fiz uma reunião com o nosso pessoal e tive essa preocupação, coloquei pra eu entender se a gente tinha abandonado a nossa Agenda e estava fazendo uma nova, também com caráter local, logicamente, mas com uma visão também regional. Eu fiquei satisfeito, porque vi, na verdade, que uma estava complementando a outra. Quase tudo já discutido na Agenda 21 Local foi aproveitado, com um apoio até maior, com a orientação de pessoas que funcionaram como moderadores da nossa experiência de Agenda 21 com a de outros locais. Isso ajudou a fortalecer a nossa Agenda. A gente já tinha chegado à instalação da comissão, sob portaria do prefeito, para preparar até a entrada do fórum da Agenda 21 Local. Chegou a Agenda 21 Comperj que englobou [o que tinha sido feito] e acrescentou outros programas. Atualmente, estamos nessa fase de instalação do fórum.
[O que havíamos pensado] não era muito diferente das outras. [Queríamos] trazer a sociedade pra discutir questões que, até então, todos achavam ser questões de governo. Eu coloquei a secretaria à frente disso. Em alguns momentos, foi até complicado, porque as pessoas achavam que a Agenda 21 era um programa do governo, quando, na verdade, é um programa da sociedade. O governo também participa e, dependendo da situação, acaba sendo meio que o carro chefe, porque oferece a estrutura e o pessoal. As pessoas têm dificuldade de mobilização, porque não dispõem de um local pra reunião, não têm como receber um fax ou enviar um e-mail. A estrutura da prefeitura pode oferecer isso. Tudo isso ocorria dentro da Secretaria, contudo eu enfatizava que Agenda não era da prefeitura, mas da sociedade. Acho que as pessoas captaram isso. Hoje, nos temos um projeto bom na Secretaria, de criar na região um centro de referência ambiental, com apoio da Petrobras. Nesse centro, vamos ter a sala da Agenda 21 e um espaço que vire referência para os programas que as pessoas estejam dispostas a fazer. Assim, as pessoas saberão que existe um local onde elas possam ir, possam juntar o grupo de pensadores e de executores e possam cobrar. Queira ou não queira, a prefeitura vai ser sempre o maior promotor dos programas da Agenda 21. Isso é muito claro em locais que o poder público está sempre à frente. Se o poder público não puxar, as coisas tendem a parar. Eu me sinto um pouco responsável de, enquanto setor público, não deixar essa bola cair e botar a Agenda 21 pra frente. Estamos fazendo um Plano Plurianual - PPA do governo para os próximos quatro anos, no qual um dos programas se chama a Agenda 21.
Havia um receio meio que geral [em relação à Agenda 21 Comperj], receio de quem já participava localmente [de nossas reuniões]. [Isso ocorreu não só em Silva Jardim], mas na região. Tivemos contato com nossos colegas secretários [de outros municípios] que confirmam a existência desse receio, ao ponto de pensarem: “Essa é a Agenda 21 do Comperj, da Petrobras, para a região. É essa proposta que vão tentar nos enfiar por goela abaixo.” Mas, aos poucos, as pessoas viram que não era bem aquilo, que existia uma proposta séria por trás daquilo, um compromisso em ajudar as localidades de uma forma integrada. A Agenda 21 Local é uma forma do município se desenvolver, de alcançar sustentabilidade. Nos locais onde a Agenda 21 avançou, alguns programas foram incorporados pelas políticas públicas, o que deu muito certo. Se eu fosse um gestor que realmente decide, não teria medo algum de incorporar o que foi discutido e decidido como programa da Agenda 21, porque não nasceu da cabeça de uma pessoa, de um ponto de vista isolado, mas nasceu de discussões, de decisão participativa, diversos setores discutiram e chegaram àquele ponto. Esse grupo é formado por representantes da sociedade e expressa o que a sociedade quer, portanto a gente vai fazer [o que ele decidir]. A Petrobras ajudou muito a organizar. Com esse apoio, acho que fizemos em um ano o que levaríamos cinco anos para fazer. Avançamos no tempo, o que é importantíssimo. Hoje, os fatos acontecem com muita velocidade. Às vezes, a gente tem que decidir, pra ontem, problemas na concepção ou na implantação de mecanismos de desenvolvimento limpos. Os dados estão aí: o mundo está aquecendo. O quanto mais rápido essas decisões forem tomadas e implantadas é sem dúvida melhor.
Na nossa região, temos muito claro que a nossa vocação é ambiental. Em todos os seminários, workshops e oficinas de planejamentos feitos naquela região, a conservação e proteção do meio ambiente apareceu como fundamental. É já incorporada na nossa região a questão de que ou a gente preserva e garante o futuro ou a gente deixa como está, cria programas que não tem a ver com sustentabilidade e teremos mais pobreza, no futuro. Portanto, não é muito complicado mobilizar as pessoas, porque elas já têm isso incorporado. Quando se passa por toda a área metropolitana do Rio, se vê quase tudo emendado: Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Rio Bonito. Mas, depois de Rio Bonito, quando se chega a Silva Jardim, se vê que a paisagem mudou completamente: encontra-se uma área bem preservada, em questão ambiental, com floresta. Se a gente vai para as estradas vicinais, veremos rios, cachoeiras, água com boa qualidade e biodiversidade. Isso pode ser visto até Casemiro de Abreu, depois volta a se ver a cana, daqui até o Espírito Santo. Na região da baixada, o que sobrou? Sobraram Silva Jardim e Casemiro de Abreu, dois municípios bem preservados. Portanto, quando a gente fala da questão de conservação, na região, as pessoas dizem: “Isso não é nenhuma novidade.” Quando a gente fala que precisa buscar programas e ações que tenham sustentabilidade, as pessoas vêem que aquilo não é nenhum bicho de sete cabeças, que aquilo não tira o emprego de ninguém, muito pelo contrário. A gente procura enfatizar que está na hora de colher o fruto do que plantamos, porque apostamos nisso, muito se combateu em relação ao desmatamento, há um tempo atrás. Muito se combateu em relação à retirada de areia de rios [do município] de Silva Jardim, segundo produtor de areia do Estado. Pouca gente sabe disso, mas nós combatemos isso desde 2001, quando todos os areais foram fechados, porque eram altamente agressivos aos nossos recursos e à nossa [atividade] pesqueira. Não temos dificuldade de mobilização, porque as pessoas sabem do caminho que queremos seguir.
Está na hora do município se beneficiar daquilo que guardou e fez a poupança. Está na hora de nos beneficiarmos dos serviços ambientais, sejam no crédito do carbono, seja no MSV ou no incentivo ao pequeno agricultor, para [compensar] o que ele deixou de explorar economicamente para preservar, mesmo que isso lhe tenha sido imposto. Enfim, está na hora de revertermos essa poupança em recursos para [promover] o crescimento de maneira sustentável. Silva Jardim é um município de quase mil quilômetros quadrados, 11º lugar em área no Estado. Conta com 22 mil habitantes, ou seja, quase vinte habitantes por quilômetro quadrado. Se colocar todos os habitantes do município no [Estádio de] São Januário, ainda sobra lugar. Então, não pode ser tão complicado programar o nosso futuro e o nosso crescimento. Eu sou defensor otimista da minha cidade. Temos grandes empreendimentos acontecendo ao redor, como o Comperj, da maior empresa do país.
[A Petrobras, atualmente,] corta nossos municípios, com quase 36 quilômetros de dutos de gás e de óleo que atravessa nossa bacia hidrográfica, com perigos. Temos nossos receios. Nas épocas de audiência pública, a gente foca a questão do perigo de se romper um duto, num córrego ou num rio. Existe a represa de Juturnaíba, que abastece toda a região dos lagos. Temos toda essa preocupação. Quando a Petrobras se dispôs a ir aos municípios e ajudá-los na organização da Agenda 21 para que os municípios estivessem ligados nessa variável sócio-ambiental, a gente viu com bons olhos a preocupação da Petrobras, que não quer deixar a região sofrer prejuízos iguais ao de Macaé, Cubatão e Campinas. Quando um empreendimento de grande porte chega, não é vista a questão de entorno, a questão de como a comunidade sobrevive ali e como será aquilo no futuro. O Comperj tem esse componente que é bem interessante. A gente viu essa preocupação na empresa.
Teve uma reunião [da Petrobras com a cidade] e me elegeram representante da comunidade. Na época, eu não era mais governo. Participei de mais duas reuniões, tive dificuldade em participar, porque, como eu saí da prefeitura, tive que trabalhar fora da cidade. Acredito que todos [os setores] são representados. Foi montada uma dinâmica bem interessante para o contato, mobilização e motivação das pessoas. Nas reuniões que participei, eu vi as pessoas bem a vontade. As reuniões eram participativas. Aparecem bastante os mais combatentes, aqueles que falam mais e gostam de colocar os seus pontos de vista. A gente teve uma experiência parecida no plano diretor, que foi participativo. Eu fui um dos coordenadores e, apesar de ser uma cidade do interior, chegou a hora de defender o seu pedaço de chão. As pessoas se manifestam, botam pra frente. Dentro do grupo tem um vereador e está a cargo dele [elaborar uma lei para a Agenda 21]. É mais uma questão de intercâmbio e de articulação com o poder legislativo; eu não vejo dificuldade nisso, essa lei deve estar para sair. O [fórum] tem se reunido. Há duas semanas teve uma reunião; eu não pude comparecer, porque a agenda de secretário é meio complicada, mas parece que foi muito boa. A coordenação funciona dentro da Secretaria de Meio Ambiente. Tem uma funcionária da Secretaria de Educação que coordena a educação ambiental. Eu tenho contato direto com ela, que me mantém informado.
Todo mundo esperava que [esse complexo petroquímico] seria no Norte, na Bahia ou em Sergipe. Esperava-se em qualquer lugar do Brasil, menos no Rio. [A notícia] cria uma expectativa muito grande, principalmente em relação a empregos. Temos essa preocupação, mas sabemos que a população precisa de capacitação. Hoje, os empreendimentos não utilizam tanto aquele tradicional pedreiro. O tradicional ajudante precisa passar por um processo de reciclagem, de capacitação pra desenvolver as suas atividades. Sabíamos que o município teria problemas com isso, porque o grau de escolaridade é relativamente baixo. Quando a Petrobras anunciou o programa de capacitação, a gente ficou bem feliz. Um outro problema do Comperj – e isso ainda não está bem resolvido – é a questão de uso de recursos hídricos. Como um empreendimento desse porte vai usar a água. Uma das propostas é que a água venha de Juturnaíba, a mais ou menos 70 quilômetros do empreendimento; a gente se preocupa não só pela distância, mas pela questão de vazão suficiente. Que projeções podemos fazer para daqui a dez ou quinze anos? A prioridade é o consumo humano. Essa questão ainda não está bem resolvida. E já deveria ter sido dito: “A água vai sair do rio tal, córrego tal. Segundo nossas projeções, a água vai durar 50 anos.” Ninguém diz: “O projeto é esse.” Ainda não está claro. Fala-se em reuso da água do rio Guandu, mas o Guandu já tem muitos problemas pra abastecimento do Rio de Janeiro, sendo que em regiões próximas ainda não chega água. Embora eu não seja especialista na área, a gente sabe que a água é um problema para o Comperj. Se a questão estivesse resolvida, estaria muito clara no estudo de impacto ambiental, no qual a questão ficou solta.
AGENDA 21 COMPERJ / FÓRUM REGIONAL
A gente passou pela fase de elaboração da agenda. O fórum instalado vai abrir esse novo caminho com o Comperj. Os representantes do fórum local poderão levar a verdadeira demanda que a região tem e, acredito, vai funcionar como um colaborador do Comperj para as políticas locais. Vai fugir daquela: “A gente tem isso pra vocês. É aqui que vocês têm que atuar.” A situação vai ser inversa: “A demanda é essa. É nessa linha que a gente quer seguir.” Com o fórum instalado, eu acho que realmente se abre o canal de interlocução, de conversa e desenvolvimento de projetos, em conjunto. Existe uma expectativa na região: “Que tipo de atividade vai ser desenvolvido, no município, em relação ao Comperj?” Que tipo de pessoas o Comperj vai precisar? É previsto impacto demográfico em alguma determinada localidade do nosso município?”. O nosso município está na periferia do Comperj. Se houver procura de área no nosso município, a tendência é que seja nas áreas mais próximas do Comperj, não tanto no interior do município. Então, a gente tem que olhar com determinado cuidado, justamente nessas áreas mais limites.
[Nas reuniões do fórum local a questão] é sempre emprego. Também tem a questão de utilização do recurso hídrico. A preocupação é como pode ser feito para a inclusão da comunidade nesse mega empreendimento. Silva Jardim é o município com um dos piores IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] do Estado, apesar de ter feito uma poupança ambiental, apesar de ser um município preservado; ele pagou por isso, pagou por isso, não tem nenhuma grande ou média indústria. Os empregos estão ligados à indústria. Silva Jardim não tem quantidade de pequenas indústrias suficiente para substituir as grandes e médias. É diferente de municípios mais populoso e maiores, como Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, onde o Secretário não consegue listar a quantidade de indústrias. Nossa preocupação é sobre que tipo de indústrias virão. Silva Jardim é um município que, se você isolar as áreas urbanas, o resto são áreas de preservação, de proteção ambiental, fora as unidades de conservação de outras categorias: parque estadual, reserva biológica, APA [Área de Proteção Ambiental]... Como a gente vai fazer essa amarração? Que tipo de indústrias a gente quer no nosso município? Se a gente levar a indústria pra um tipo de terceira geração, qual será o benefício para o nosso pessoal? Se tiver alto grau de automatização, vamos continuar com desemprego. Se exigir um nível de escolaridade muito alto, vamos continuar com desemprego. A gente tem essa discussão, internamente.
O último censo do IBGE mostrou que nosso município tem perdido uma quantidade razoável de moradores, que migram para outros pólos, como Rio das Ostras, Macaé e Rio de Janeiro. Isso é uma preocupação. A diminuição da população de um município é meio catastrófica pra uma administração pública. Em conversas com as pessoas, notamos que elas não querem morar em outro lugar, mas são obrigadas a sair. Precisamos reverter isso. Quando aparece um empreendimento [como o Comperj], a gente tem que planejar localmente, para dar uma resposta pra população. Faz parte de nossa responsabilidade mostrar que temos um planejamento, temos um cuidado e tentaremos viabilizar determinadas atividades para o nosso município. Precisamos ter foco no que queremos. Temos já algumas áreas pra oferecer. Temos a sorte de ter a BR-101, que corta o município, ou seja, em temos de localização não temos tanto problema. mas a gente tem que oferecer essa contra partida pra comunidade de que a gente tem esse objetivo de realmente viabilizar a produção de emprego do município, a Comperj é uma boa oportunidade a gente não tem dúvida disso.
Eu participei da formação do Conleste [Consórcio Intermunicipal da Região Leste Fluminense], consórcio de municípios sobre a influência do Comperj. Eu fiquei afastado [do governo] por dois anos, portanto estou meio perdido nisso. O Conleste seria o principal elo entre os municípios e o Comperj, a via institucional para se levar a demanda de cada município. Como é um consórcio público, [evita-se que] o prefeito tal consiga alguma coisa porque tem conhecimento com X, Y ou Z. O Conleste foi uma boa estratégia pra se agir em conjunto, mesmo porque tem mais força, mostra seriedade na condução das situações, mostra o comprometimento entre os municípios, o que é importante; não fica aquela situação isolada de cada município buscar por si só. No Conleste, precisa ter uma forma harmônica entre os representantes do município: “Silva Jardim precisa muito disso, por isso, por isso e por isso.”, “Itaboraí precisa disso, por isso e por isso.” [Após essa discussão,] pode-se chegar a um consenso e apresentar as propostas. O Conleste é o principal veiculo de interlocução junto a Petrobras.
Era um bando de gente fazendo e exercendo uma coisa nova. Em muitos eu vi empolgação, porque essas instâncias dão a oportunidade do cidadão não só se manifestar, mas de exercer cidadania. Um grande empreendimento está vindo para nossa região e nós estamos aqui pra resolver uma situação dos nossos municípios. Hoje, o melhor mecanismo que se tem é através do consórcio. Foram criadas diversas câmaras temáticas; eu participava da câmara de meio ambiente. Havia câmaras para os diversos setores: saúde, educação, meio ambiente etc. A câmara de meio ambiente se desdobrava em recuperação de área degradada e saneamento, que ainda se desdobrava em resíduos sólidos e saneamento básico. Tinha uma quantidade enorme de representantes, por município. Eu gostava muito desse modelo; hoje, me parece que ele está mais reduzido. Eu não sei se as informações produzidas lá atrás foram consolidadas e se não precisa mais daquelas câmaras temáticas. Eu sei que o Conleste está reduzido nessas participações, mas não sei até que ponto, nem como vai ser conduzido. Talvez seja um fórum de prefeitos, cada prefeitura com o seu representante. O Conleste é um consórcio público de prefeituras, não tem espaço pra sociedade civil. Esta tem seu espaço via fórum da Agenda 21, onde pode também cobrar da municipalidade. Existia uma preocupação muito grande se algum município iria, de alguma forma, controlar o Conleste. Por exemplo, [temia-se] Niterói, por ser um município grande; São Gonçalo, por ter uma grande população; Itaboraí, porque o Comperj é dentro dela. Pensava-se: “Os prefeitos e secretários estão tentando captar pra eles essa criação do Conleste.” Mas foi só um ciumezinho, tudo foi bem resolvido. Eu me lembro de uma reunião, na prefeitura de Rio Bonito, para se escrever o estatuto do Conleste: o pau quebrava, porque estavam presentes advogados e representantes de uma prefeitura que não concordava. Isso é normal em um processo de construção. É assim mesmo. É normal isso ter discussões fortes e alguns encontros nem tão agradáveis, com muito calor. Mas nunca ocorreu nada que me chamasse muita a atenção. O que me chamou a atenção foi o tamanho. No dia do lançamento da carta de princípios da Agenda 21 Comperj, tinha cerca de 4 mil ou 5 mil pessoas. Havia tendas enormes. Eu parei e pensei: “O negócio é grande mesmo.” O ônibus pra pegar todo mundo era grande. Eu espero que essas ações da Petrobras continuem no sentido de fazer o máximo para viabilizar a integração do Comperj com os municípios. Isso não pode parar. Nós ajudamos a viabilizar o fórum; está aqui i documento, podemos pegar o selo verde, podemos pegar o ISO não sei das quantas: isso era o nosso papel e foi feito. Espero que não pare por aí, espero que o Conleste fortaleça as interlocuções com a Petrobras, porque o Comperj não é um empreendimento da Petrobras, é um empreendimento do país e de uma região. Criaram-se expectativas. [As questões] não podem ser tratadas numa relação de empresário e cliente. O Comperj é um empreendimento de todos, de todo o país, do Brasil. Ele é o segundo maior empreendimento do mundo nessa área. Então, eu espero que essa parceria continue. Trata-se de um empreendimento que atravessará gerações, portanto espero que esse compromisso da Petrobras seja de longo prazo.
Achei interessante e me senti lisonjeado. Eu até brinquei, ao dizer que vão filmar, botar isso num CD e mandar para o espaço, para daqui a 10 mil anos achar o restinho do Comperj e o meu depoimento. Eu agradeço o convite para contribuir com essa memória. Isso é novo no Brasil. A gente não tem muito hábito em fazer memória. Em alguns países encontram-se registros, muito facilmente. A gente não tem isso, é meio que recente essa nossa preocupação com a memória. O Comperj, como grande empreendimento que promete ser, merece essa memória, para que as futuras gerações possam ver isso.
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