Entrevista de Dedé Monteiro, entrevistado por Jonas Samaúma
Gravado por Marcos Carvalho, Yuli Neves Santos
Tabira, Pernambuco, 23 de setembro de 2024
Projeto Vidas em Cordel, Mestres do Cordel, conte sua história
Entrevista, PCSHV, 1408.
Entrevistador:
Mestre, obrigado pela oportunidade de você tá conversando com a gente. Para a gente abrir, né, eu ia falar para abrir com uma poesia, né?
Pra gente abrir com verso.
Entrevistado:
Eu declamo um poema meu intitulado “A Poesia”:
Explicar a poesia
ninguém consegue explicar
é pesada feito chumbo
é leve igualmente o ar
É fina como o cabelo
é leve como o luar
toca na alma da gente
fazendo rir ou chorar
A poesia é tão santa
que quando um poeta canta
Deus pára para escutar
E pra terminar meu hino
a poesia, seu menino
como tudo que é divino
não dá pra gente pegar
Se eu pegasse a poesia
porta em porta sairia
igual um mendigo faz
pedindo não, dando esmola
tocando minha viola
e cantando a canção da paz.
Entrevistador:
Mestre, você nasceu aqui em Tabira, né?
Entrevistado:
Aqui em Tabira, na zona rural, num sítio chamado Barro Branco.
Entrevistador:
Você sabe um pouquinho como foi a história do seu nascimento?
Entrevistado:
Não do nascimento, mas sei que nasci em Barro Branco, em 13 de setembro de 49 e a casinha onde nasci, que infelizmente não existe mais, se chamava Casinha do Tambor, porque em volta dela tinha muitos pés de tamboril. Chamava a Casinha do Tambor e foi construída pelo patrão de papai na época para o casamento dele. Eu tive o privilégio de nascer numa casa nova, lá no sítio. Essa casinha, pra mim, tem um valor muito forte. E passamos de 49 até 52. Nasceu meu segundo irmão, Mário. E papai veio aqui pra cidade. Continuou na agricultura. Ele tinha uma roça no sítio Chapada, a seis quilômetros daqui. E, ao mesmo tempo, vendia fruta. Mamãe ficava no... a gente chamava o armazém de banana. Era um sacolão. Ela vendendo fruta e ele cuidando da...
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Gravado por Marcos Carvalho, Yuli Neves Santos
Tabira, Pernambuco, 23 de setembro de 2024
Projeto Vidas em Cordel, Mestres do Cordel, conte sua história
Entrevista, PCSHV, 1408.
Entrevistador:
Mestre, obrigado pela oportunidade de você tá conversando com a gente. Para a gente abrir, né, eu ia falar para abrir com uma poesia, né?
Pra gente abrir com verso.
Entrevistado:
Eu declamo um poema meu intitulado “A Poesia”:
Explicar a poesia
ninguém consegue explicar
é pesada feito chumbo
é leve igualmente o ar
É fina como o cabelo
é leve como o luar
toca na alma da gente
fazendo rir ou chorar
A poesia é tão santa
que quando um poeta canta
Deus pára para escutar
E pra terminar meu hino
a poesia, seu menino
como tudo que é divino
não dá pra gente pegar
Se eu pegasse a poesia
porta em porta sairia
igual um mendigo faz
pedindo não, dando esmola
tocando minha viola
e cantando a canção da paz.
Entrevistador:
Mestre, você nasceu aqui em Tabira, né?
Entrevistado:
Aqui em Tabira, na zona rural, num sítio chamado Barro Branco.
Entrevistador:
Você sabe um pouquinho como foi a história do seu nascimento?
Entrevistado:
Não do nascimento, mas sei que nasci em Barro Branco, em 13 de setembro de 49 e a casinha onde nasci, que infelizmente não existe mais, se chamava Casinha do Tambor, porque em volta dela tinha muitos pés de tamboril. Chamava a Casinha do Tambor e foi construída pelo patrão de papai na época para o casamento dele. Eu tive o privilégio de nascer numa casa nova, lá no sítio. Essa casinha, pra mim, tem um valor muito forte. E passamos de 49 até 52. Nasceu meu segundo irmão, Mário. E papai veio aqui pra cidade. Continuou na agricultura. Ele tinha uma roça no sítio Chapada, a seis quilômetros daqui. E, ao mesmo tempo, vendia fruta. Mamãe ficava no... a gente chamava o armazém de banana. Era um sacolão. Ela vendendo fruta e ele cuidando da agricultura e em casa ele trabalhava como sapateiro. Não de fabricar calçado, mas de conserto. Ele dizia, eu remontei o sapato de fulano, em vez de conserto, vou fazer um remonte no sapato. E eu ajudava ele às vezes a botar uma meia sola, garoto, mas pegava martelo e alicate e ajudava um pouquinho. E também o acompanhava, depois de certo tamanho, o acompanhava pra roça, ficava por ali fazendo serviço mais leve, mas ficava. E quando cresci mais, ficava em casa pra levar o almoço dele pra ele passar o dia todo lá, porque era distante e era a pés. Seis quilômetros. Foi o começo de minha história acompanhando o papai, desde o nascimento até a Chapada, fazendo esse pequeno serviço da agricultura. E a minha... o meu nascimento como poeta foi também nessa trajetória. Papai fazendo o trabalho dele, cantando uns cordéis que ele tinha decorado. Ele não teve quase escola, três meses de escola o papai teve, mas o que aprendeu ele dizia que treinava lendo cordel. Comprava aqueles cordéis na feira e decorava. Ele sabia de cór. Alguns deles, pedaços de outros, mas sabia de cór Pavão Misterioso, Cancão de Fogo. E ele cantava isso na roça e eu me encantava com essas coisas. Acho que foi aí que veio o meu gosto pela poesia e depois meus primeiros poemas.
Entrevistador:
Uhum. Nossa! Você podia... Eu quero voltar um pouquinho nessa história, mas queria que você contasse também um pouquinho dos seus avós. Você sabe um pouco a história deles, conviveu com eles?
Entrevistado:
Eu sei só que meu avô, por parte de papai, é de Brejo da Madre Deus, perto do Recife. Ele morava num sítio chamado Serrote Apertado. Diz que fica perto da... de onde acontece o espetáculo de... da Paixão de Cristo, em Nova Jerusalém, por ali. Mas o que eu sei assim é que o papai ficou com o pai dele até sete anos de idade e depois foi pra casa de um padrinho. O nome do meu pai, a gente chamava de Antônio Monteiro, como me chamam Dedé Monteiro. Nem eu sou Dedé Monteiro, nem ele era Antônio Monteiro. É porque Antônio Rufino foi criado por um padrinho chamado Miguel Monteiro. Aí começou a ser chamado de Antônio de Miguel Monteiro, depois Antônio Monteiro. E eu, Dedé, porque José, aí Dedé de Antônio Monteiro, aí Dedé Monteiro. Eh, tanto que eu fui pra escola pequeno e não sabia meu nome direito. A professora perguntava, dizia, José Monteiro, porque... Aí depois, quando foi documento pra escola, ela disse, você não é José Monteiro, não. Você é José Rufino, e os menino, meus colegas José Mufino? Eh, brincando comigo.E minha avó, depois que o meu avô morreu, ela veio pra cá, pra casa de papai. Eu convivi mais com ela. Rita Monteiro. Ela era Rita, porque o Monteiro, que era padrinho de papai, era irmão dela. E lá do lado de mamãe eu conheci mais minha avó, meu avô viajou, se separaram e viajou e ficou por lá, só veio pra cá quando tava doente, já pra morrer. E minha avó de Afogados da Ingazeira, no sítio Dois Riachos, depois veio pra rua e era dona de uma pensão, de um hotel, e a gente sempre que ia a Afogados, tava por lá, brincando com ela. Minha vó Quitéria. Eu sei muito pouco desse pessoal, mas sei que de nenhum deles veio assim, o gosto pela poesia. Eu só vim sentir esse gosto na família com o papai, porque ele gostava, não fazia poesia, mas gostava, entendia um pouquinho de rima quando alguém estava fazendo... declamando alguma coisa. Sempre ia para as cantorias, quando alguém estava declamando de alguma coisa, que dava um tropeçozinho, ele dizia “pé quebrado”. Antônio Monteiro.
Entrevistador:
Ele reconhecia, né?
Entrevistado:
Ah, sim. Por intuição ele sabia de métrica e de rima. Porque é acostumado a ouvir, cantar e a ler tudo metrificadinho, tudo rimado. Aí, quando alguém dava um tropeço, ele dizia “pé quebrado”.
Entrevistador:
E você acompanhou ele em alguma cantoria, quando criança?
Entrevistado:
Ah, sim. Eu comecei a frequentar a cantoria, a sala de cantoria, com pouca idade, acho que 10, 12 anos, por aí, e indo com ele. E depois comecei a encontrar o pessoal na feira cantando o cordel para vender. Aqueles vendedores de cordel que cantavam o cordel até certo ponto. Paravam quando o pessoal estava naquela expectativa de ver o final eles diziam, agora não, só quando eu vender dez livrinhos. Aí saía vendendo naquela roda de gente e eu às vezes ficava naquele grupo e também veio o gosto pela poesia também nasce daí. Cantoria de viola, a gente chamava o Beco de... de Pergentino. Pergentino era um comerciante que tinha casa na esquina, tinha um bequinho. Dentro do beco tinha um, uns botecos. Aí nesse boteco acontecia uma cantoria no dia da feira, aqui em Tabira. E eu lembro de algumas cantorias com cantadores daqui mesmo, cantadores de fora. Miguel Espinhário de Solidão, muito bom. Zé Feitosa, daqui de Tabira, já falecido. E eu... aquilo me... acho que me acentuou o gosto pela poesia. O vendedor de cordel, o cantador de viola, papai na roça. Vem daí, tudo isso.
Entrevistador:
E quem que eram? Você lembra de algum desses cantadores de cordel, assim, na feira?
Entrevistador:
Eu lembro deles, mas do nome de nenhum, não lembro não. E quase que não se vê mais aqui, a gente não vê. Se a gente quiser ver cordel na feira, é mais fácil na feira de Caruaru. Por incrível que pareça, é uma cidade bem maior. Mas a gente via o pessoal chegar com uma maleta, armava uma mesinha e botava a maleta em cima. Às vezes com um cordel... duas madeirinhas saindo da mesinha, um cordão aqui e os cordéis pendurados. E começava a ler e lia cantando. Eles cantavam como o cantador de viola. Gostava muito.
Entrevistador:
E você já teve a inspiração para fazer cordel, vontade de fazer cordel?
Entrevistado:
Eu já fiz assim, um cordel de encomenda, por exemplo: convite de casamento, eu queria fazer um convite de casamento diferente, eu já fiz uns dois ou três desses, mas coisas que não interessam, só mais à família. Mas eles diziam todos os dados e eu transformava em um cordel e eles faziam o mesmo no formato de cordel para distribuir como convite. Mas não cheguei a fazer cordel mesmo pra o geral, pra todo mundo. Alguns poemas meus foram, por exemplo, Alexandre Moraes pegou o meu “Fim de Feira”, é, uns dois ou três poemas meus, pra poder distribuir nesse formato, ele gosta de fazer isso. Pegou “Fim de Feira”, pegou versos de “Rapadura com Água de Quartinha”, pegou o poema e transformou em um cordelzinho de duas, três, quatro páginas. E talvez até tenha algum aí, que eu gosto de ficar com um para guardar. Mas foi ideia de Alexandre Moraes, eu num...
Entrevistador:
E aí você tava falando que o seu pai lia esses cordel, você falou que era o Pavão Misterioso, né?
Entrevistador:
Pavão Misterioso, Cancão de Fogo, não sei se já ouviu falar Cancão de Fogo, é muito bom, as presepadas dele. E o Pavão Misterioso é uma história muito bonita. E papai sabia, esses dois ele sabia completo. Os outros ele contava um pedacinho, tinha um tal de um... “A força que o amor tem”, ou é a força do amor, que ele também cantava as estrofes desse poema, desse cordel.
Entrevistador:
Aí você lembra, assim, o seu primeiro poema, como foi que você fez?
Entrevistado:
O meu primeiro poema que eu imagino que foi, eu posso ter feito alguma coisinha em casa, mas... É uma coisa que me entristece não tê-lo. É uma mensagem para minha mãe, a pedido de uma professora minha, chamada Enaide Vidal. Era na sala de aula, pertinho do Dia das Mães, na semana do Dia das Mães, parece que era no domingo, aí na quinta ou sexta ela pediu à meninada, pediu à gente que fizesse um cartãozinho pra entregar, mas fizesse ali, quem quisesse pintar, pintava também, pra levar e entregar à mãe. Pra mãe saber que era uma dedicatória do filho. Aí ela sabia que alguns gostavam de poesia, não sei se ela já tinha visto alguma estrofezinha minha, não sei. Eu tinha em torno de 14, 15 anos. E ela disse, quem souber, quem quiser e souber, pode fazer um versinho em vez de uma frase, faça rimado. Aí eu me animei e fiz, sei que fiz, não sei que tamanho era, eu não lembro nada desse poema, sei que foi uma homenagem pra minha mãe e deve ter sido feito com muito carinho. E entreguei, mas mamãe não sabia, faleceu e não encontrou mais. Mas foi o meu primeiro poema, uma mensagem do Dia das Mães pra mamãe. O tempo eu sei que eu tinha em torno de 15, eu sou de 49, 59, em torno de 56, mais ou menos, ou era 54, 49, 59, 10...
Entrevistador:
15 anos?
Entrevistado:
É, por 64, mais ou menos.
Entrevistador:
Isso foi em 64?
Entrevistado:
Mais ou menos 64, que eu sou de 49, aí 59 faz 10, com mais 5 é 64, isso mesmo!
Entrevistador:
Massa! E foi a professora que pediu isso?
Entrevistado:
Sim, uma professora minha, Inaide Vidal. Ela ainda hoje é viva, está com 90 e poucos anos, é advogada, mora em Recife e...
Entrevistador:
Exerce ainda?
Entrevistado:
Não, exerce não. Ela é aposentada, mas trabalhou como advogada muito tempo.
Entrevistador:
E Dedé, aproveitar que você está falando dela, dessa professora, eu queria que você contasse um pouquinho da escola. Como que era a escola nesse tempo?
Entrevistado:
Essa minha, essa escola que... que eu frequentava nesse tempo, é a escola Carlota Breckenfeld. Hoje é EREFEM não sei o quê, mas é a Escola Professora Carlota Breckenfeld. É uma das primeiras escolas daqui de Tabira. E é escola estadual. Ela foi... Ela está com... Ela este ano, a escola este ano completou 70 anos de existência. E... Enaide Vidal foi uma das professoras junto com outra, chamada Neves Monteiro, que mais me impressionaram, me tocaram, porque gostavam de poesia. Você vê, eu já tinha aquele... E elas, tanto uma como outra, gostavam, declamavam poesia. Dona Enaide até hoje escreve poesia ainda. E quando escreve me manda alguma coisa pelo zap. A outra, que era Neves Monteiro, faleceu já. Mas eu tive também esses professores assim, que eu lembro só elas duas que gostavam de poesia. Dona Neves é daqui de Tabira e a Enaide Vidal é de Água Branca, aqui na Paraíba.
Entrevistador:
E como é que era Tabira nesse período, anos 50, anos 60? Era parecido com hoje? Era muito diferente, como que era?
Entrevistado:
Era menor, né? Mas é, mudaram, mudou muito pouca coisa, só cresceu mais. Outras e outras escolas surgiram. Nós tínhamos essa e mais alguma pequena do município. Mas tinha que crescer, porque não podia, mas só... As características de Tabira mudaram muito pouco. Inclusive caracteres políticos, uma tristeza. A gente vê o eleitorado se deixar levar, se deixar transformar em mercadoria, às vezes, para atrapalhar muito a vida da própria política, que é uma coisa tão bonita, né? A política é muito séria e muito forte e quando exercida como é pra ser exercida, não tem nada mais forte, mais importante, mas o... Acho que o grande culpado pela desgraça do país, isso não é Tabira, vai crescendo, é o próprio povo, que muitas vezes se deixa levar por nada... Né?
Entrevistador:
E como é que...Essa região é conhecida como a região da poesia, né? Toda essa região...
Entrevistado:
É, o Pajéu é formado por 17 cidades e eu acho que todas elas têm poetas, têm pessoas inspiradas, mas algumas cidades são mais ligadas... Acho que tem mais inspiração mesmo. Nós temos aqui Itapetim, que eles consideram Itapetim, São José se diz o berço da poesia e Itapetim é uma espécie de briga boa: vocês são o berço, mas nós somos o ventre da poesia. Primeiro o bebê sai do ventre, pra depois ir pro berço. É uma coisa bem gostosa essa briga de Itapetim e São José. Aí tem Tuparetama, tem Brejinho, é a terra que nasce o rio Pajeú, era pra ser uma terra cheia de poetas. Tem muito pouca, pouca coisa. Mas se vocês forem lá, vão encontrar um tal de... Não sei se ele está morando lá ainda, um tal de Gislândio. Já ouviu falar? Ele tava na mesa de Glosas aqui. Gislândio Araújo. Um grande poeta. E tem outros, mas é bem menos. Eu digo, o berço do Pajéu era para ser o berço da poesia também. E tá pertinho. Aí tem Tuparitama, tem Tabira, tem Carnaíba, que é o berço da música. Carnaíba é uma... Inclusive lá em Carnaíba tem, acho que é o primeiro daqui da região, conservatório de música, em Carnaíba. Onde era a estação ferroviária, tem uma região de... É? Como é que eu disse? Um conservatório de música. Lá tem mestres como Cacá Malaquias e tantos outros. E mantém essa coisa, porque Carnaíba o pessoal diz, Carnaíba uma casa tem um músico, na outra casa também, uma casa tem, na outra casa também. É uma coisa interessante, vem de Zé Dantas, o grande Zé Dantas que forneceu tanta coisa pra Luiz Gonzaga e outros músicos. Aí a gente considera Ingazeira também, terra de música, Iguaracy, terra de Marciel Melo, terra de música não, terra de poesia e música, no caso de Marciel. São muitas cidades que tem e o Pajeú é considerado a terra da poesia por isso mesmo, porque é uma terra muito fértil, muitos poetas.
Entrevistador:
Agora você tem notícia de onde isso começou, por que tem tantos poetas aqui?
Entrevistado:
Não, não, não sei. Não sei se... Há quem diga que é a água do rio. Eu acho que não. Eu acho que toda água é igual. Não sei. A gente... É melhor não saber, he he he.
Entrevistador:
Agora, você andava nessa região?
Entrevistado:
Sim, não fui de sair muito, mas São José do Egito, Itapetim, Brejinho, Tuparetama, Iguaracy, Ingazeira... Sempre que havia um evento de poesia, um festival de violeiros, Cantilena da Ingazeira é um projeto que parece que ele acontecia todo mês, agora parece que é de três em três meses, no tempo que Padre Luizinho era – não sei se conheceu o Padre Luizinho – é um padre daqui de Tuparetama, mas que ficou em algumas paróquias. Agora ele está na de Afogados. E ele foi quem criou esse projeto, Cantilena da Ingazeira. Ele juntava cantores e poetas para recitarem, cantarem. E era uma festa que tinha todo mês, feita pela igreja. Ainda acontece, mas parece que de três em três meses agora.
Eu lembro de Jessier Quirino, o grande Jessier declamando lá na Ingazeira. Uma festa. A festa da música e da poesia. Eu sempre fui para alguns eventos de cantoria ou de declamação que aconteciam. Eu conheci Zelito Nunes, o cara que foi responsável pelo primeiro livro, num festival de violeiros em São José do Egito, na escola Bernardes Jucá, que era o local que ele sempre localizava os festivais. Zelito Nunes.
Entrevistador:
Foi lá que cê conheceu ele?
Entrevistado:
Zelito Nunes. Conheci ele lá e ele me viu declamando um poema lá do palco, que ele tinha a cantoria, né? No intervalo o pessoal chamava “fulano de tal, declama um poema aqui”. Aí Zelito me ouviu declamar e no intervalo me chamou e disse “você tem esse poema que você disse aí, mas escreve muito, tem outros?” Eu digo, tenho um bocado de coisa lá. E nesse tempo, eu não tinha publicado nada, as poesias que escrevia à mão mesmo, que nem datilografia eu tinha, eu botava numa caixa de sapatos, ia deixando lá... Eu digo, tenho um bocado de coisa numa caixa lá! Ele disse, dá pra você datilografar isso aí e fazer chegar a mim lá na Universidade Rural? Ele era da gráfica, que não era editora, da gráfica da Rural. Aí eu disse, dá, eu sei que consegui através de uma amiga nossa, que mora em Recife e trabalhava na Rural também, mandei pra ela e depois ele... Naquele tempo que a gráfica era feita, eles imprimiam em.. Com chumbo. Faziam a cada página. Aí depois que fazia a impressão de um material de um livro assim, derretia aquele chumbo pra fazer outro, tanto que se eu quisesse uma edição seguinte, eu não conseguia lá, ia ter o maior trabalho. Quando eu quis fazer uma outra edição do meu primeiro livro, procurei uma editora que tivesse mais condição de realizar. E foi assim... Zelito Nunes, pai daquele Bruno, conhece o Bruno? Aquele que tem um programa de esporte, que aparece o pessoal fazendo aquela farra, parece que tá com um violão e ele canta alguma coisa, mexendo com o time que o cara tá brincando, fazendo aquelas farras. É Bruno de Zelito. Não, é Bruno... Bruno Nunes!
Entrevistador:
E como que foi o lançamento? Como foi, você lembra?
Entrevistado:
Desse livro? Foi no mercado de santa... Mercado da Madalena, em Recife. Ele que produziu o livro foi que organizou, porque eu não conhecia nada em Recife, organizou e me chamou para participar. Foi bom. Nesse tempo, o João Patriota estava com o primeiro livro dele para ser editado também lá, mas estava com dificuldade financeira para fazer e o que eu gastei com a minha edição do primeiro livro foi só papel. Ele me disse logo em São José, olha, você junta tudo que você lá vai gastar unicamente com papel, material de impressão é tudo nosso. Aí, quando eu tinha providenciado a questão do papel, quando terminou a edição do meu livro, ele disse, olha, sobrou muito papel e João Patriota está aí com o livro dele. Era o primeiro livro de João Patriota “Nas.. nas.. nas rondas... Não sei o que do lirismo”, de Jó. Aí ele disse, e Jó está com dificuldade, você se importaria de ajudar ele? Eu digo, pronto, o que sobrar de papel é dele. Ele disse que o papel que sobrou do meu deu para fazer o de Jó. E Jó Patriota espalhou o livro dele, é muito bom, não conheceu o Jó, não, né?
Entrevistador:
Só de história
Entrevistado:
É, mas ele é muito bom. Ele é considerado o poeta mais lírico dos poetas, o repentista. É...
Entrevistador:
Então, a gente tava conversando sobre esse seu primeiro livro, você lembra alguma poesia dele?
Entrevistado:
Eu lembro de algumas, mas não...
Entrevistador:
Fragmentos, né?
Entrevistado:
É, só fragmentos, como... “Fim de Feira”, uma poesia que eu gosto muito:
O lixo atapeta o chão
um caminhão se balança
quem é de fora se lança
em cima do caminhão
Um bebo emburra o balcão
do botequim da esquina
um velho fecha a cantina
um cachorro arrasta um osso
e o pobre azar versa o bolso
depois que a feira termina.
Miçanga, fruta, verdura,
milho, feijão e farinha,
bode, suíno, galinha,
miudeza, rapadura.
É essa a imagem pura
duma feira nordestina
que começa pequenina,
dez horas não cabe o povo
e só diminui de novo
depois que a feira termina.
Quem trabalha em prefeitura
vai receber logo cedo,
mas o prefeito tem segredo
e depois você procura.
Se for preciso ele jura,
na providência divina.
E o pobre diz,
Severina tá esperando por eu,
mas só recebe o que é seu
depois que a feira termina.
A filha de um mendigo,
sentada a seus pés num beco,
comendo pão doce seco,
diz, papai, coma comigo?
E o velho pensa consigo,
meu Deus, mudai sua sina
para que a minha pequenina
não sofra o que eu sofro agora.
Ri a filha e o velho chora
depois que a feira termina.
(– E o poema termina assim).
Um jumento estropiado,
magro que só a desgraça,
quando vê que a feira passa,
vai pra frente do mercado.
O endereço ao danado,
eu não sei quem diabo ensina.
Só sei que ele baixa a crina
entre cinco e cinco e meia,
lancha, almoça, janta e ceia
depois que a feira termina.
Entrevistado:
É um dos poemas que eu declamava muito, mas agora nem começar eu sei...
Entrevistador:
Agora, essa poesia, ela é uma poesia bem andada, né? Tem até CD, você podia contar um pouco das coisas que...
Entrevistado:
Sim, é, esse menino Bruno Lins, é, eu digo Bruno Nunes, mas porque tem Nunes na frente, Bruno de Zé Lito, ele gravou esse poema e também serviu de nome para a banda que ele tinha. Quando eu conheci o Zé Lito ainda era garotão, mas gostava de cantar e de tocar, tinha um irmão que também tocava e ele juntou mais uns dois colegas e fizeram uma banda. E quando tava pra inaugurar ele disse “ô pai, eu quero começar com a minha banda, eu queria botar um nome”, aí Zé Lito disse “presta uma homenagem ao Dedé Monteiro, bota o nome da banda “Fim de Feira”, aí ele aceitou e botou, depois saiu por aí, se apresentou naquele programa de Rolando Boldrin, num sei como é o nome, Sr. Brasil, e nesse... Nessa apresentação ele contou a história do começo da banda e contou... E declamou até o poema “Fim de Feira”, declamou não, cantou o poema, fez uma toalha lá com ele. E tem tudo isso, muita gente já pegou por aí, a fundo disse que Alexandre transformou em Cordel, Alexandre Moraes, Fim de Feira. A história de Fim de Feira que mais me interessa é que eu não nasci no meio da feira, mas nasci do amor de dois feirantes, mamãe e papai tinham o sacolão e no dia da feira, que é a quarta-feira, a gente levava uma banca, uma mesa bem grande, armava aquela latada e passava o dia vendendo fruta na feira, fruta e verdura. E..
Entrevistador:
Você passava também?
Entrevistado:
Eu ficava, porque eu era o mais velho, eu era o que ajudava a armar a banca, a desarmar e a trazer. A gente tinha um carrinho de mão, trazer pro armazém. Eu sou meio engembrado da coluna por causa dessas coisas de peso.
Entrevistador:
E vocês acordavam que hora pra ir pra feira?
Entrevistado:
5 horas, até mais cedo às vezes, mas em torno de 5 horas, que essa hora a feira já estava começando. Muitas vezes a gente até levava a banca, que era muito pesada, levava pra lá no dia anterior. Sempre tinha guarda por lá, a banca ficava lá pra facilitar. E depois levava no carrinho. Não era carro de mão, era um carrinho desses com um volante em cima e a gente levava o material todinho e passava o dia por lá. A feira nesse dia rendia até o fim da feira mesmo, até 4,5 horas. Hoje em dia, meio dia o pessoal já tá desarmando... Fim de feira.
Entrevistador:
Uhum. E aí tinha...Você via também esses cordelistas na feira também?
Entrevistado:
Ah, sim. Quando saía da feira, para ir ao armazém pegar alguma coisa, ou vice-versa nesse caminho, encontrava às vezes isso aí. E às vezes tinha mais de um vendendo coisa. Um no canto da praça, outro no outro, vendendo. Não era na feira de frutas, era na praça da igreja. Lá funcionava a feira de miudezas, essas coisas de perfumarias, em bancas, em mesas mesmo... O pessoal armava na feira que tinha naquela praça ali, onde você esteve lá perto, que tem a igreja em frente... E tanto eu assistia, eu via um pouquinho os cordelistas cantando, como de tarde, na parte da tarde, se eu passasse pelo Beco de Pergentino, que era caminho também para o armazém, eu às vezes via esses cantorias e ficava um pouquinho porque tinha que continuar e lembro demais de Miguel Espinhara, de José Feitosa, de Zé de Alencar, João de Alencar, cantadores daqui da região, não eram aqueles profissionais, como Ivanildo Vilanova, Lourival, mas faziam as cantorias deles e eram coisas que eu gostava muito em garoto, em torno de 10, 12, 14 anos...
Entrevistador:
E essas cantorias, elas vão acontecer aonde, como é que é?
Entrevistado:
A cantoria eu sempre assistia no Beco de Pergentino. É um beco cheio de... Ainda hoje é. Tinha barbearia, café, boteco, nesse boteco era que o pessoal, organizava um quartinho pequenininho. Cabiam poucos assistentes, mas tanto ficava lá dentro alguns, como na porta. Eu ficava na porta, porque eu tinha que partir. O Beco de Pergentino. Pergentino foi um comerciante aqui em Tabira, é de Solidão, Solidão a terra da gruta, a terra da Nossa Senhora de Lourdes. Ele foi um dos prefeitos, um dos primeiros prefeitos de lá. E aqui ele vendia material de construção, na esquina, que hoje funciona numa outra loja de celulares, não sei o quê... E a gente batizou com o nome de Beco de Pergentino. Deve ter uma placa lá com o nome da avenida mesmo, não sei...
Entrevistador:
E aí, como é que era? A pessoa pagava pra entrar lá ou dava na bandeja? As pessoas jogavam mote?
Entrevistado:
Eu nunca gostei de cantoria com ingresso, porque é uma coisa mais moderna. É sempre a bandeja. Dois tamburetos pra os dois cantadores e o tambureto da bandeja. Alguém que tava assistindo tinha um momento lá, que ia lá e botava. Outros davam um mote, “eu quero mandar num papelzinho”, ou então dizia o cantor no intervalo “canta esse mote”. Quem dava o mote também, sem cobrar nada, sem ninguém cobrar, mas botava aquela quantia na bandeja e a cantoria rolava. Cantoria de bandeja eu nunca gostei, já participei, ôh, de ingressada, num... Gostava muito do Festival de Viola, os festivais que eles faziam na praça, no palco, tudo à vontade. Vinha o moto e vinham as produções deles. Coisa muito boa. E as plateias muito boas. Aqui na região o pessoal sempre gostou muito do Festival de Viola...
Entrevistador:
Você lembra de ter dado algum mote?
Entrevistado:
Eu lembro que dei, mas não lembro quais. Porque normalmente o pessoal que tava organizando pedia a alguém que tinha facilidade de fazer, “me manda um mote pra o festival, me manda...l”. Eu lembro que dei alguns, como aqui na mesa de glosas. Vocês estiveram na mesa de glosas, não, na sexta-feira aqui? É uma mesa de glosas, que é como uma mesa de reunião no palco. Digamos, sete glosadores, até dez a gente faz. Essa nossa agora foram com seis numa mesa e sete noutra. Agora as duas mesas ao lado uma da outra. Vinha um mote pra mesa um, outro pra mesa dois. E aqueles motes são produzidos por uma equipe que é apta, a associação da gente, organiza uma equipe pra produzir os motes. Alguns poetas se reúnem numa noite tal e cria motes ou alguém já leva algum de casa e aqueles são os motes que vão ser glosados na mesa. E os poetas só têm direito a ver na hora que estão fazendo o trabalho. Senão, pra mim não valeria a pena. Mesa de glosa tem que ser de repente também. Às vezes não tem a mesma velocidade do cantador, tem que pensar um pouquinho e o público entende e a gente entende, mas tem horas que a gente assim que bota o mote, é colocado numa estantezinha, assim, numa mesinha da frente, colocado assim, em cartolina, com o mote escrito de um lado e do outro. De um lado o glosador vendo, e do outro a plateia vendo de lá. Muito bom!
Entrevistador:
E você também, você lembra assim, da primeira mesa de glosa que você viu?
Entrevistado:
Eu não lembro o ano agora, mas essa mesa de glosa agora foi a de número 28, é só fazer a conta. A missa do poeta é a de número, é a 37ª mesa de glosas. Quando as mesas de glosas começam... 37ª missa do poeta. A missa do poeta começa um ano depois da morte de Zé Marcolino. Ele morre em 87. Em 88, lá em Serra Talhada aconteceu a primeira, 89 a segunda e 90 a terceira. Aí, como o padre que criou essa mesa de glosas foi o padre Assis, um padre que gostava muito de poesia, Ele, na missa de Zé Marcolino, na missa de 30º dia, juntou muita gente lá, e ele disse, eu quero fazer uma pausa aqui para fazer uma pergunta a vocês. Da mesma forma que acontece em Serrita, a missa do vaqueiro, em homenagem a Raimundo Jacó, nós poderíamos aqui, em Serra Talhada, isso depende de vocês, criarmos a Missa do Poeta em homenagem a Marcolino, a Zé Marcolino. Que acham vocês? Ele foi muito aplaudido, e sei que no ano seguinte, quando fez um ano da morte dele, teve a primeira missa com presença, inclusive, de Luís Gonzaga. Luís Gonzaga estava lá meio adoentado, sentado, tocou um pouquinho e cantou sentado. Luís Gonzaga, Lourival Batista vivo ainda estava por lá. Muitos poetas. Eu participei dessa primeira missa. Declamei alguma coisa. E foi até um poema que fiz com o Zé Marcolino, mas não sei decorado. Sei que começa:
Morte malvada, por que não passaste
Mais dez segundos pra cruzar a pista?
Bastava isto, mas tu te apressaste
E assassinaste nosso enorme artista.
(...)
Tem algumas estrofes que depois de... Eu vou dizer mais alguma coisa, ela foi...
Entrevistador:
Essa foi feita para Zé Marcolino?
Entrevistado:
Foi, para Zé Marcolino. E ela deve estar aqui. Morte Malvada, de Zé Marcolino, foi o poema que eu declamei na primeira missa do poeta em Serra Talhada, em 88.
Morte malvada, por que não passaste
Mais dez segundos pra cruzar a pista?
Bastava isto, mas tu te apressaste
E assassinaste o nosso enorme artista.
Sei que nem sabes o que aconteceu,
Pois nunca paras pra refletir nada.
Mas se quiseres saber quem morreu,
Pergunta ao povo de Serra Talhada.
Pergunta aos filhos, à família, enfim,
Tribo saudosa longe do Pajé.
Pergunta a todos, mas esquece a mim,
Que eu sou suspeito pra falar de Zé.
Pergunta a Louro, rei dos Trocadilhos,
Ao velho Pinto, que está vivo ainda,
E aos mil poetas que também são filhos
Da mesma musa cuja luz não finda.
Sai perguntando, não sossega mais,
Indaga a lua, faz pergunta ao vento,
Que com certeza, tu depois terás
Muitos motivos de arrependimento.
Quem pôs na estrada tanta poesia,
Não merecia ter morrido nela.
Morte malvada, Zé não merecia,
Por que fizeste uma traição daquela?
Prata soluça, Paraíba geme
A dor imensa dessa perda enorme.
Tu nada sentes, mas minh’alma treme,
Lembrando o gênio que pra sempre dorme.
Serrote agudo, sala de reboco,
Cacimba nova, pedra de amolar,
Rolinha branca… tudo fala um pouco
De quem calaste pra jamais cantar.
Deixaste em luto toda região.
Ficamos todos na maior saudade.
Mataste o homem, mas o nome, não.
Zé permanece pra posteridade.
(...)
Zé Marcolino.
Entrevistador:
Que maravilha!
Entrevistado:
Zé Marcolino! E aí nessa noite, da primeira emissão do poeta, muitas pessoas, muitos músicos se apresentaram e o que me fica muito na memória é Luiz Gonzaga doente, sentado, cantando em homenagem a Zé. Que Zé também fez muito por Louro, ô, por Luiz que gravou muita coisa dele. Aí de lá pra cá, muitas missas, mas a primeira, segunda e terceira foram em Serra. Depois o padre mudou pra cá e soube que a missa ia se acabar. Perguntou o motivo, disse que a prefeitura não estava dando apoio, não sei o que e ia faltar dinheiro para fazer a missa. Ele disse, “quem faz missa não é prefeito não, quem manda missa é padre, quem patrocina missa é padre. Se eles não quiserem, eu trago a missa aqui para Tabira.” Aí fez uma reunião com o pessoal daqui, pessoas das mais diversas classes, comerciantes, e chamou os poetas. Nós tínhamos um grupo de poesia aqui que ainda hoje existe, a APTA, só que nesse tempo a APTA não estava formada ainda... A missa de Serra Talhada, a última foi em 88, a última foi em 90, aí a de 91 foi aqui, mas a APTA, que é a associação que faz a missa do poeta aqui só foi criada em 94. Mas já tinha os poetas que sempre se reuniam para fazer alguns movimentos, aí eles perguntaram a todo mundo, Serra Talhada está querendo deixar de realizar a missa de Marcolino, a missa do poeta? Se Tabira aceitar, eu que criei a missa lá, trago pra cá. Aí todo mundo aceitou e de 91 pra cá a missa acontece em Tabira. Todo terceiro sábado de setembro. É sempre... Não tem dia certo, é terceiro sábado de setembro. Sendo que a mesa de glosas, que eu tava falando dela, acontece na sexta-feira antes da missa.
Entrevistador:
E desses são 37, né? Ou 28?
Entrevistado:
São 28 mesas de glosa e 37 Missas do Poeta.
Entrevistador:
Dessas 37 Missas do Poeta, você falou essa, o Luiz Gonzaga tocando te emocionou bastante?
Entrevistado:
Sim.
Entrevistador:
O que mais foi marcante para você nessa missa?
Entrevistado:
Eu estive presente em todas, porque primeiro não era APTA que organizava, como ele disse, a APTA começou em 94. Mas nós, sem termos uma organização assim, participávamos ajudando. E Ubirajara Jucá, um rapaz de São José do Egito que é dentista aqui, agora aposentou-se. Ele era muito amigo do padre Assis, desde bem antes, e ajudava ele na organização desse evento. Ele não acontecia como agora, na praça, ele acontecia numa quadra, num centro esportivo que tem aqui e lá acho que quatro, cinco anos aconteceram lá. Depois a gente trouxe pra praça. Era o Ubirajara Jucá que organizava tudo, que fazia os convites, trazia as bandas, nós tivemos muitas pessoas boas que participaram aqui. O Maciel Melo, que tocou. Aquele cara que, eu não sei o nome dele, que tem uma música bem interessante, ele é lá de Caruaru. Depois eu lembro. Mas tivemos a banda que hoje, eh, parece que não tinha esse nome, é “Vates e Violas”, já ouviu falar? O pessoal de Zé de Cazuza cantaram aqui. E muitos outros poetas, Jessier Quirino participou de alguma dessas missas, o senador da Paraíba, também vou ficar devendo, como é o nome dele? Ele veio várias vezes participar da missa, trazia poetas para declamar. Era uma coisa que a gente não tinha apoio financeiro para fazer. Às vezes tinha que sair no comércio pedindo ajuda para negócio de palco, som, essas coisas assim. Mas reunia muita gente. Teve muitas missas dessas com muita presença mesmo, com muita poesia. E o pessoal vinha, os cantadores de viola vinham para fazer um momento ali também. Os declamadores, o pessoal de São José do Egito também chegava. Muitos momentos bons. E eu estive presente em todos eles. Às vezes participando só assim, mais de fora, mas às vezes me envolvendo.
Entrevistador:
Então, o que eu entendi, você tá contando que teve todas as missas, né?
Entrevistado:
Sim, sim. Não todas as de Sé, as de Sé eu participei da primeira e parece que da terceira. Mas o Padre Assis sempre chamava a gente para participar também...
Entrevistador:
E aí também tem essa coisa da igreja, assim. Você podia, quer contar um pouquinho da sua trajetória religiosa e também como essa coisa de ser o “Papa da Poesia”?
Entrevistado:
Não, não tem nada, isso é só farra de Vinícius Gregório. Eu sempre fui católico desde criança, fiz primeira comunhão, etc, e crisma. E, um tempo o padre que morava na rua da frente, o armazém de bandanas ficava na traseira da casa paroquial. E o padre comprava frutas da mamãe lá. Ele chegou um dia lá. “Dona Olívia, me empresta”... Ele chamava comigo “nigrim”. Me empresta o nigrim Dedé por uns dias? Ela disse assim, emprestar? Ele disse, sim, eu quero o Dedé para substituir o meu sacristão que teve que viajar e só volta... Foi um negócio de um mês, mas só volta dia tal. Ela disse, eu não estou entendendo o senhor não, porque o Dede vai saber fazer o trabalho do sacristão. Ele é muito ligado lá na igreja, ele sempre participa de alguns momentos lá, das celebrações, e eu acho que daria certo. Eu não lembro que idade tinha, mas sei que fui emprestado ao padre para ser sacristão. Fiquei mais ou menos um mês. Tem até um poema que eu fiz uma vez, que um cara chamado Zé Catolé, era cantor de viola, mas bem simples, ele chegou perto de mim, eu sentado lá na das cadeiras da igreja, Não sei se foi antes da celebração ou depois, e disse, tem um mote pra você, viu, poeta? Eu disse, diga, Zé. Sou sacristão, sou poeta, nem rezo, nem canto nada e eu sinto. Por que isso? Porque sacristão não tem tempo de rezar, não. Fica ajeitando uma coisa, fica arrumando o altar, fica... Sacristão não reza. Tá certo. Eu sei que eu fiz um poema lá, mas não lembro. Sei que... Tem uma estrofe desse poema que eu sei. Ô rapaz...
Na procissão do Senhor,
eu vejo a hora estasar.
Tiro o santo do altar,
boto o santo no andor,
enfeito o santo de flor,
deixo a coisa encaminhada,
vem cotinha enfebreada,
todo o meu trabalho veta.
Sou sacristão, sou poeta,
nem rezo, nem canto nada.
(...)
Cotinha era a... a sacristã, ela que fazia tudo. E se a gente quisesse arrumar uma coisa no altar, ela fazia questão de ir lá e puxar um pouquinho, porque disse que só valia o jeito como ela deixava.
Aí eu disse que todo o meu trabalho veta, porque o que eu botava de flor lá era pegava, nem que tivesse mais bonito do que o que ela deixasse. Ela mexia muito no que a gente queria fazer. Aí a gente dizia que ela era muito abusada, a Cotinha rs... Faleceu, mas de mim ela gostava, sempre gostou, porque eu também passei pouco tempo, acho que ela era mais abusada com os antigos. Pois é, minha história na igreja é essa e ainda hoje eu sou católico, participo das celebrações, a missa do poeta é celebrada na igreja porque foi criada por um padre e aí eu continuo. Em Serra Talhada também era na igreja, porque o Padre Assis fazia lá. Não era na igreja Matriz de Serra, que é a Nossa Senhora da Penha. Era na... Numa capela. Eh, como é o nome daquela capela, de lá?
Entrevistador:
Nossa Senhora da Conceição?
Entrevistado:
É uma capelinha menor, que tem uma pracinha na frente.
Entrevistador:
Ah, do Rosário!
Entrevistado:
É Matriz, Capela do Rosário, em Serra Talhada. Mas foi assim a história da missa do poeta. E a minha história de católico, história de igreja, foi essa.
Entrevistador:
E o papa da poesia?
Entrevistado:
Aí, o Vinícius me puxou de sacristão pra Papa! Vinícius Gregório, um poeta de São José do Egito, o pai dele tinha uma loja de material, de calça, de calça, de sapatos aqui. O pai dele depois recolheu para São José. Aí Vinícius sempre tava por aí e uma vez o pai dele chegou com ele aqui e disse... Dedé, eu quero te apresentar esse menino aqui, garotinho mesmo, mas que já gostava de poesia, declamava, e a gente conversou um pouquinho ali no terraço e ele ficou me dizendo que eu fui que incentivei a continuar, num sei o que, e é um grande poeta, muito bom, Vinícius Gregório. Sei que lá pra estante ele fez esse poema intitulado “A Igreja Não Sei O Que Lá”, E me botou no meio do fulano de tal, não sei o que, João Patriota, não sei o que, Lourival Batista. E o Papa é Dedé Monteiro. Eu não sei o poema. Aí ficou essa farra dele, do pessoal. Mas não tem papo de Papa, não.
Entrevistador:
Hehehe! Ô Mestre Dedé, tava contando na mesa de Glosa, né? Mas você conheceu a mesa de glosas na Missa do Poeta, ou você já conhecia antes?
Entrevistado:
A mesa de glosas a gente sabe que é uma coisa mais antiga, porque os cantadores de viola... Tempos bem atrás, eles faziam rodadas de glosas, assim, juntava todo mundo numa mesa de bebida, por exemplo, tava ali, aí alguém dizia, “o mote é esse”. Aí dava o mote. Aí quem começa, começava a sair rodada. Aí chamava roda de glosas. Seu Lourival Batista, Pinto, esse pessoal todinho fez muito isso. E não era nada oficial. Era, por exemplo, depois de uma cantoria. Aí fazia aquela roda pra brincar. Ou então, em qualquer momento, não era cantoria, era uma roda de glosas ali. Mas nada oficial. Aí o que a APTA fez foi transformar a roda de glosas em mesa de glosas. Uma mesa, como eu ia dizendo, uma mesa num palco, uma mesa longa, com várias cadeiras. Os poetas em cima, esperando o mote que vem pra uma mesinha que tá lá na frente, é colocado na hora, e o locutor anuncia. Aí a plateia, que só vai pra mesa de glosas quem gosta de poesia, quem gosta de fazer zoada não vai, não. É pra ouvir o que vem de produção. Aí depois da glosa feita, o aplauso e até a gritaria pode acontecer, porque é o momento de celebração. Tem glosa que é tão boa que merece um aplauso maior, uma gritaria até! E a gente vem de muitos anos fazendo essa missa. Começou no Salão Paroquial, salão da Igreja, mas o salão era pequeno, não coube mais a plateia, a gente passou para o auditório da escola, a Escola Arnaldo Alves, ainda hoje acontece. Eu acho que já a mesa de número 28, é 28 que eu disse, né? Acho que já há uns 18 a 20 anos, acho que talvez mais de 20 anos, eu não lembro quantas aconteceram no salão, todas as outras foram na escola. Umas duas ou três delas foram na área de aberta embaixo de uma árvore grande. Por isso você disse que árvore é coisa que inspira. Numa árvore grande, onde o pessoal, a meninada recreava, a gente fazia lá também. Mas depois foi construído esse auditório, ficou mais aconchegante. A gente faz.
Entrevistador:
E você participa também como poeta dentro das mesas?
Entrevistado:
Não, eu não consigo fazer de improviso. Gonga, meu irmão, sim. Até dois anos atrás, ele fazia participar, depois desistiu, disse que estava achando que estava atrapalhando, que ele demorava um pouquinho a criar a glosa. Baixava a cabeça, ficava ali, e o pessoal dizia, eita. aí começaram a chamar de “ó o veinho”. Eu seu que ele deixou e o filho dele, Thiago, já adulto, também faz verso, escreve, já participou de umas duas... Esse ano ele ia participar depois, houve alguma coisa, tava fora, mas ele também faz de improviso. Mas eu não consigo, infelizmente. Acho muito bonito.
Entrevistador:
E a sua vida amorosa, você conquistou sua esposa foi com verso também?
Entrevistado:
Rapaz, não foi muito com verso não, mas foi...
Entrevistador:
Conversa.
Entrevistado:
Com conversa. Mas a conversa começou com uma amiga dela chamada Gaé, Irani. A gente chama Gaé com ela. Até era muito amiga dela e ficava muito na casa dela, aqui pertinho do... Do cinema, antigo cinema, que agora é outra coisa, acabou o cinema. Era Dona Jaci, a mãe dela. Dona Jaci a tinha até como filha, elas ficavam sempre muito juntas. Aí, Gaé, uma vez, eu trabalhando no escritório da emergência, tempo da emergência de si, o pessoal trabalhando, fazendo rodagem por aí e tinha um escritório aqui que era o que fazia a questão de folhas de pagamento, aí os pessoal ia trabalhando no escritório, digitando folhas de pagamento, aí o Gaé chega com Teté, aí passa na voz fica mexendo comigo, aí diz “ó Dedé, não sei o que, não deixa de falar em tu, não sei o que lá”, eu digo eita!. Sei que a partir daí a gente começou a se conversar. Depois convidei-a para assistir a um filme. Começou aí a nossa conversa. E Gaé é muito amiga nossa ainda, muito amiga de Teté. Nós somos compadres. E de lá pra cá, nós casamos, isso foi mais ou menos em 70, 71, aí casamos em 74, na Capelinha dos Barreiros.
Entrevistador:
Você já fez alguma poesia pra ela?
Entrevistado:
Fiz, não lembro agora, mas tem alguma coisa que eu fiz pra Teté, chamando ela de num sei o que, num sei o que lá. Eu vou te mostrar aqui. Eh, no aniversário dela, 18... É 18 ou é 17? “É mais um 18 de março.” Infelizmente, era pra saber, né? Era pra eu saber, decorado, que é pequenininho, mas é na página 55.
Entrevistador:
Cada vez que lê mais uma vez. Fica mais perto de me lembrar.
Entrevistado:
É tão pequeno, eu nunca decorei esse poema, não sei porquê. Isso foi no aniversário dela, de Teté. Eu chamo ela de “Pingo de Gente”. Mais um aniversário do Pingo de Gente. Aí eu disse:
Meu bem, meu bem
aceite estes versos
em substituição àqueles
que estão dispersos
dentro do meu coração.
Que a vida cada vez mais
te oferte dias risonhos
e que se tornem reais
os meus mais bonitos sonhos
E que desta data em diante
como se deu sempre assim
seja uma eterna constante
a tua presença em mim
(...)
É isso mesmo. Só isso...
Entrevistador:
Maravilha.
Entrevistado:
Pois é.
Entrevistador:
Eu ia fazer uma pergunta porque eu perguntei sem estar filmando. Qual que, para você, seria a árvore da poesia?
Entrevistado:
Eu disse que a árvore da escola inspirava, mas o que mais inspira o poeta é a árvore que tem flores, uma roseira, por exemplo. Só que não é a roseira em si, o que tem a poesia é a flor. A flor contém a poesia e nem a flor mesmo é a grande inspiradora. A grande inspiradora é o perfume dela. Isso foi uma lição que eu aprendi de Dulce Lima, uma professora nossa. Foi minha professora também um tempo no ginásio. Hoje tem 80 e pouquinhos anos e ainda participa. Ela é da APTA também. Uma grande cronista. Ela escreve mais em... Faz crônicas, mas também faz poesia. Ela... Tu conhece a trova, né? Que é uma quadrinha. Ela faz divinamente trovas, participa e ganha prêmios. Até fora do país ela já foi premiada com as trovas dela. Dulce Lima. Se vocês conhecessem, seria uma boa entrevistá-la.
Entrevistador:
Teve alguma coisa assim na sua vida, alguma história de vida que você viveu que gerou algum poema?
Entrevistado:
Teve muitas, eu não lembro talvez de nenhuma, mas muitos poemas são baseados em... Até daqueles que saíram do livro, quando eu fui publicar essa coleção, ficaram de fora do livro, que tinha muitas páginas de meu livro, porque é coisa que interessava só a alguém. Alguém pede um poema para fulano de tal, alguém pede um poema quando vai casar, quando vai batizar um filho. A poesia vem do batismo até a morte. Às vezes uma morte que também inspira, porque de uma pessoa querida, como esse patriota que faleceu, era muito querido. É tanto que houve muitas pessoas que cumprimentaram a família, os filhos, em poesia, que é o costume da região também.
A pedido de Teté, eu queria apresentar a vocês esse soneto que eu escrevi há algum tempo atrás, em 2011, intitulado “O trem do meu viver.” Aí tem a casinha do tambor onde eu nasci, tem papai e mamãe ali no meio, tem ainda o tambor, o tamborilho na frente da casa, tem Dedé aqui, isso é quando eu terminei o segundo grau, parece que é. Tem aqui eu na escola declamando, tem eu e Teté aqui namorando. Eu sou professor de educação física em alguns eventos, a gente premiando os meninos. E aí é no momento onde eu fui premiado com participação. Isso aqui a gente em... Onde é aqui, Té? Um evento fora daqui. O dia do casamento da gente, ó. Aí o cara botou tudo quanto é de fotografia minha. E aqui eu com minhas duas netinhas, ó. Tá aqui. Sei que eu disse...
Teté:
Isso aí não é neta, não. São as filhas.
Entrevistado:
Oh, é minhas filhas, muié!
Desculpe, Viviane e Catarina.
Aí escrevi:
O trem do meu viver.
Treze do nove, de quase cinquenta,
eu embarcava num vagão rural,
estação pobre de expressão cinzenta,
mas milionária do amor de um casal.
E o trem seguia em trajetória lenta
roçado, escola, feir e a luz fatal
do olhar daquela que feliz comenta
que estamos longe da estação final.
Seguimos juntos que felicidade
amor, trabalho, filhos faculdade,
uma viagem cheia de prazer.
Minha bagagem baús de poesia
saudade e netos que enchem de alegria
e de esperança o trem do meu viver.
(Eita, trem bom!)
Entrevistador:
Eita!
Entrevistado:
Pois é, poeta...
Entrevistador 2:
Sim, por falar em poeta, uma curiosidade: eu tava falando do poeta Zé Marcolino, tive a honra de conhecer, de conviver com ele. E, o Zé Marcolino, ele gostava muito de se dirigir a todas as pessoas, lá em Serra Talhada, por poeta. Ele me chamava de poeta...
Entrevistado:
Ele chamava quase todo mundo de poeta. Acho que ele nem sabia se o cara gostava de poesia e chamava também...
Entrevistador 2:
A minha pergunta é, Dedé: por um acaso, esse costume que a gente tem agora no Pajeú, de cumprimentar as pessoas por poeta, teria sido Zé Marcolino?
Entrevistado:
Vem de Zé Marcolino! Desde que eu me entendo de poeta, desde que eu me entendo de gente, eu não ouvia ninguém tratar ninguém por “poeta, poeta”. A gente às vezes “fulano, num sei o quê”, mas ele tratava as pessoas por poeta mesmo. Zé Marcolino, a gente se conheceu numa cantoria, não era festival não, numa cantoria que houve aqui, é Grêmio Lítero Social Tabirense, que ainda hoje existe, mas não como grêmio, é uma fábrica agora, é perto da rodoviária. E houve uma cantoria muito boa, parece que com umas três duplas, só que não era festival. Entre essas duplas tinha Geraldo Amâncio, João Furiba, Lourival Batista, é... Pinto não tava, não. Manuel Xudu, parece que tinha umas três duplas. E Zé Marcolino estava na plateia, na fileira, na escadeira da frente. E eu fui chamado para declamar uma poesia. Declamei “A Tampa do Tabaqueiro”. Aí tem um momento da poesia que diz...
Ô rapaz... Eu tô, eu tô véio demais!
Teté
Vovô morreu muito cedo...
Entrevistado:
É, mas é o começo.
Vovô morreu muito cedo
sem nada deixar de herança
mas me deixou por lembrança
a tampa dum tabaqueiro.
Entrevistador:
O livro serve pra isso, né?
Entrevistado:
É, o livro serve pra isso. A tampa do tabaqueiro, um dos meus poemas preferidos também, mas... Eu quero pegar a estrofe, que quando eu declamei a estrofe Zé Marcolino me dá um grito de lá, da calçada. A tampa do tabaqueiro, é página 25.... A primeira estrofe foi essa que a Teté começou:
Vovô morreu muito pobre
Sem nada deixar de herança
Mas me deixou por lembrança
Um tabaqueiro de cobre.
Nunca vi coisa tão nobre,
Era um troféu verdadeiro!
Na tampa tinha um letreiro
Que o velho escreveu pra mim
Pedindo pra não dar fim
A tampa do tabaqueiro.
(...)
Aí lá para as tantas, eu digo, Eita! É uma estrofe que diz... Ah, é essa aqui.
Voltei pra casa tremendo
Que só badalo de campa
E a condenada da tampa
Eu parecia estar vendo
Continuava chovendo
Eu escutava o chuveiro.
Subia da tampa um cheiro
Que me deixava doente
Sem poder tirar da mente
A tampa do tabaqueiro.
Ele disse ei eiii, Aí Zé Marcolino grita, ei eii, o cheirinho da tampa!
Quando eu digo, subia do bolso um cheiro que me deixava doente, ele disse hein, hein, atrapalhou, hein, hein, o cheirinho da tampa. Levantou-se e gritou do lado. Aí eu digo, sem poder tirar da mente a tampa. Aí ele me abraçou e fez aquela farra. Eu estava no meio da estrofe do poema. Foi quando eu conheci o Zé Marcolino, assim. Eu ouvia alguma coisa dele, mas conheci nessa cantoria. Aí depois eu conheci os filhos, Dona Maria do Carmo, a mãe, a pessoa especial, Fátima, a filha, de Caruaru. Pois é....
Entrevistador:
Dedé, eu ia falar pra você falar um pouquinho desses títulos que você recebeu do patrimônio vivo, mestres notórios saber...
Entrevistado:
Patrimônio vivo foi a APTA, eu não me inscrevi em nada, mas a APTA, sabendo que eles abriam aquelas inscrições todo ano, eles premiam pessoas, nesse tempo era seis por ano, agora parece que são dez pessoas por ano. Pessoas não, grupo, pessoas físicas ou então grupo, de dança, de música.
Ultimamente, parece que no último, ou no penúltimo parece, foi premiado a cisão de Serra Talhada, foi premiado um grupo daqui de Leitão da Carapuça, de Afogado no Ingazeira, um grupo que faz Xaxado, não, é Coco, de dança de coco, coco de roda. Eles receberam esse prêmio enquanto grupo, e a cisão, como músico, como cantor, como pessoa física, como foi o meu caso. Aí, em 2016, a APTA fez a inscrição. A pessoa tem que ter pelo menos 20 anos de comprovação que participa de cultura, ou a pessoa se inscreve para fazer a própria defesa, ou um grupo do qual ele participa faz isso. A APTA fez, me inscreveu e, na época, quem foi minha apresentadora foi Belinha, minha defensora. Tem um grupo que se reúne lá, os que organizam e que julgam e tem que uma pessoa ir lá dizer porque fulano de tal merece ser patrimônio vivo. Aí Belinha, Isabele Moreira, que vocês conheceram, foi quem fez, fez com tanta maestria, com tanta força, que eu fui escolhido entre os seis daquele ano, 2016. Eu devo isso também à ela, à poesia, né? Eu fui o primeiro do Pajeú também, da região, que recebeu esse título. Depois vieram esses que eu já falei. E fico muito feliz porque é um prêmio que é do Pajeú. Não é prêmio de Dedé, nem de Tabira. Eu acho que é uma coisa boa para a região. Me sinto muito feliz por ter sido agraciado com esse prêmio. Foi no Palácio do Governo. Esse é o governador que antecedeu. O que antecedeu Raquel, é o governador, como é o nome dele? Paulo Campos, que fez a entrega do prêmio. Belinha esteve presente na entrega, também fez outra fala. Eu declamei um poemazinho curto de agradecimento, mas também não lembro. E me deixa muito feliz. Tanto esse como o outro de notório saber, que foi logo depois, eles premiam pessoas que exercem e repassam. Que a gente sempre faz oficinas, vai pras escolas participar. Nós tínhamos aqui também uma escola, a gente chamava de escola de poesia, que a APTA sempre fazia, ia nas escolas, fazia uns grupinhos de cada escola, e na sede da APTA a gente fazia esses trabalhos, botava o menino para produzir, que só ia para lá quem gostava, garotos que gostavam, que os pais gostavam, que às vezes já faziam alguma coisa. E nós temos alguns cordéis produzidos por esses alunos. Eu devo ter até algumas cópias aí. Chamava Escola de Poesia.
Entrevistador:
Mestre, o que é a poesia para você?
Entrevistado:
Aquele primeiro poema que eu declamei é porque eu não sei dizer o que é a poesia. Naquele poema está a minha resposta. A poesia é uma coisa muito sublime, muito divina para ser explicada, para ser traduzida.
Entrevistador:
Se na hora que você fosse passar, encontrasse Jesus...
Entrevistado:
Como é?
Entrevistador:
Se você, quando encontrasse Jesus, quando passasse para a eternidade, pudesse... Ele falasse assim para você falar um poema para ele? Qual seria a poesia que...
Entrevistado:
Eita, poeta, tu me pegaste, visse?
Entrevistador:
Essas são as perguntas de finalização.
Entrevistado:
É, sim. Não sei, poeta. Eu tenho um poema que fala em Jesus, mas não sei se tá aqui. Parece que é um poema de Natal. Eu vou ver se tá aqui. É lá para frente. Presépio interno! Eu falava, falaria ele assim, eu não...
Eu não sei muito da sua vida
mas uma vez eu disse assim.
Há muitos Cristos nascendo
e sofrendo no submundo da periferia.
Pois é no berço desse caos horrendo
que nascem Cristos, todo santo dia.
Nascem com a sina de viver morrendo.
São condenados pela covardia do desgoverno
que está se esquecendo
de quase tudo quanto prometia.
Os viadutos e os cortiços mil,
que são a cara da dor do Brasil,
lembram presépios em putrefação.
Mas eu só posso dar um basta nisto,
se houver espaço pro Natal de Cristo
na manjedoura do meu coração.
Viva Jesus!
(...)
Pois é.
Entrevistador:
E se você pudesse levar, assim, a memória de uma cantoria? Qual seria essa cantoria que você levaria?
Entrevistado:
Eu levava... Uma das cantorias mais bonitas que eu já assisti foi de Canhotinho, Canhotinho da Paraíba, a gente chama Canhotinho da Paraíba. Canhotinho e Lourival Batista. Estilos diferentes, Canhotinho muito romântico, Lourival muito moleque. Canhotinho mais calmo do que dizia, Lourival mais estampado, mas foi uma cantoria muito boa porque tanto os dois eram grandes improvisadores, como a cantoria terminou com Canhotinho declamando, eh, cantando poemas da autoria dele, que Lourival Batista também parava para ouvi-lo. Ele tinha poemas muitos bonitos, como “O Som da Ave Maria” e outros que encantava todo mundo quando os cantava. Lourival e Canhotinho.
Entrevistador:
Maravilha! Tem mais alguma coisa que você gostaria de deixar registrada?
Entrevistado:
Eu queria só agradecer ao pessoal do Museu da Pessoa, que eu não vou em pessoa para lá, mas fico agradecido por me levarem dessa forma, através de meus versos, de minha história. Muito obrigado a todos vocês, ao Serra Talhadense, ao menino de Sumaúma, forte como a árvore mesmo, e a menina que eu também não sei do nome (– Yuli), um triplo abraço a vocês por me terem escolhido, por aceitarem o meu gaguejado também. Por me deixarem buscar nos livros o que tinha que dizer, porque eu não lembro. São 75, mas não 75 com aquela saúde mental de Zé de Cazuza. 75 de uma família que começa a esquecer as coisas logo cedo. Mas eu vou lembrar de vocês, talvez esquecendo o nome, mas vou lembrar das figuras coloridas, masculina e feminina, que me vieram entrevistar. Muito obrigado.
Entrevistador:
Podemos fechar com um versinho?
Entrevistado:
À vontade, faça.
Entrevistador:
Não, pra eu fazer? Eu posso fazer também.
Entrevistado:
Ô poeta, diz uma estrofe pra mim, que depois digo uma pra tu.
Entrevistador:
Cheguei na cidade de Tabira
sem nem mesmo olhar o mapa
Foi pra encontrar com o Papa
acompanhado do Curupira
Por mais que a terra gira, quem é?
Da cabeça ao pé,
foi assim que conheci o Dedé.
O Dedé Monteiro, ele arrepia
o corpo inteiro com
seus versos de Tabira.
Entrevistado:
Eita! Obrigado, poeta, obrigado!
Eu queria terminar a minha participação com um poema, um poema não, é uma estrofe, uma décima, eu chamo de oração, porque ele é baseado no mote “obrigado, senhor, muito obrigado”. E eu, como tô muito grato a vocês, escolho essas estrofes para dizer. São duas estrofes. E eu começo assim.
Pelas horas repletas de alegria,
por algumas bordadas de tristeza,
pela calma da noite, pelo dia,
pela força sem fim da natureza,
pelo sol, pela chuva, pelo vento,
pelas grandes lições que o sofrimento
muitas vezes na vida tem me dado,
pelo quanto me dá e sem que eu mereça,
pela fé que me diz que eu te agradeça.
Obrigado, Senhor. Muito obrigado.
A outra história diz assim:
pela cruz que eu carrego consciente,
que talvez merecesse muito mais,
pela luz que me inspira eternamente,
pela paz infinita que me dais,
pelo riso inocente da criança
que transmite aos descrentes a esperança
de que o mal ainda pode ser curado,
pela graça que passas para o teu povo,
construtores fiéis de um mundo novo.
Obrigado, Senhor. Muito obrigado.
(...)
Obrigado também a vocês por tudo.
Entrevistador:
Já falei, mas eu quero fazer mais uma!
Entrevistado:
Faça, poeta.
Entrevistador:
Minha palavra foi sincera
em cada verso que eu dizia.
Foi numa manhã da primavera,
foi em plena luz do dia.
Foi aí que eu vi Dedé,
acompanhado de Teté,
o casal da poeia.
Entrevistado:
Eita, poeta!
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