Entrevista de Elisa Oliveira Moraes
Entrevistada por Priscila Correia e Larissa Nogueira
Maceió, 4 de julho de 2025
Projeto Memórias que não afundam
NOS_HV012
0:30 P/1 - Então, primeiramente a gente gostaria de te agradecer por ter recebido a gente e dizer que a gente ficou muito feliz, porque é uma oportunidade para poder contar de fato sua história. A gente escuta muita coisa, tem muita entrevista, mas a gente gostaria realmente de ouvir sua história. Então, a gente fica muito feliz e a gente gostaria de agradecer. E vamos iniciar você falando o seu nome, o local do seu nascimento e a data de nascimento também.
R - Eu me chamo Elisa Oliveira de Moraes e eu nasci em Maceió no dia 29 de abril de 1992.
1:11 P/1 - Quais os nomes dos seus pais?
R - Minha mãe se chama Elizabete Oliveira de Morais e meu pai se chama Fausto Magalhães de Moraes.
P/1 - E seus pais trabalhavam, ou ainda trabalham? Em que eles trabalhavam?
R - Então, ambos os meus pais já são aposentados. Meu pai, ele é professor aposentado do Distrito Federal e minha mãe é merendeira aposentada do estado de Alagoas.
1:38 P/1 - Como você descreveria seu pai e sua mãe? Você sabe como eles se conheceram? R - Sei. Meu pai e minha mãe se conheceram na década de 80, metade da década de 80. Ela sempre foi muito bonita, ela era miss, foi Miss Viçosa, não sei o que. Muito alta, o corpo bonito, usava salto. Eu não uso salto. E aí, ela era secretária numa, como é que é? Acho que era Alagoas Diesel, alguma coisa assim, que trabalhava com carros e tal. E meu pai, ele nasceu no Pará, em Belém, e veio para cá. Ele era muito aventureiro, então ele tinha uma mala, um violão… Bem dizer, ele era um hippie. Então, veio para cá, para Maceió, e minha mãe sempre gostou muito de praia. Eles se conheceram na praia, ele lá com violão dele, com a voz dele, e ela gamou nisso, eu acho. Eles dois se conheceram assim, na praia.
2:51 P/1 - Você tem irmãos? Mais de um?
R - Eu tenho três irmãos, uma já é falecida, a Bárbara. E tenho mais dois irmãos homens, o Fausto. Na verdade são três irmãos homens, porque eu descobri recentemente. Tem o Fausto Júnior, que é meu irmão, filho com a minha mãe, desse segundo casamento do meu pai. Tinha a Bárbara, que faleceu, o Athos, que é do primeiro casamento dele. E recentemente eu descobri mais um Fausto, que deve ter uns 50 anos ele, eu acho, já tem dois filhos. Eu descobri a uns cinco anos atrás a existência dele. Eu não sabia que tinha sobrinhos e um irmão, tão velho assim. Mas basicamente é isso.
3:36 P/1 - E sobre sua relação com os seus pais, com seus irmãos. Como você descreveria?
R - Olha, com a minha irmã que morreu, era uma relação… A gente morava distante, ela morava no Rio, mas a gente se dava bem, a gente conversava bastante. Nas oportunidades que eu tive de estar no Rio de Janeiro, eu encontrei com ela. Com os meus irmãos, o mais velho eu não tenho tanto contato, os irmãos que eu sou bem mais próxima, hoje, é o Athos e o Fausto. Fausto está no Canadá, mas a gente sempre conversa muito. E o Athos, ele mora em Natal, ele é dessa área jurídica também, que eu sou advogada. Então, a gente conversa bastante. Eu tenho uma relação saudável com os meus irmãos. Hoje, sim, quando a gente era adolescente, nem tanto. Mas hoje eu tenho uma relação bem saudável com eles.
P/1 - E com os seus pais?
R - A minha mãe é a minha rainha, ela é tudo pra mim, o que ela pede pra eu fazer eu faço. Os meus pais, eles se divorciaram, e aí a minha mãe veio, “Será que você pode fazer o divorcio?” E agora, eu vou ter que escolher um lado? Complicado. Mas eu tive que conversar com o meu pai, que eu entendi o fim do relacionamento deles, mas que naquele momento eu entendia que eu tinha que tomar partido. E aí, eu fiquei como advogada da minha mãe e tal. Ele entendeu, não achou ruim nem nada. No fim das contas, eu ganhei, a advogada que ele escolheu perdeu o processo. Mas a gente se dá bem hoje em dia. Meu pai, ele mora em Brasília, hoje ele está bem tranquilão, ele já tem 71 anos de idade. Então, assim, ele já está bem tranquilo, aposentado, ele gosta de viajar bastante. Quando ele vem para Maceió, a gente se encontra, vai para praia, toma uma cerveja, que ele gosta. Então assim, a gente está superbem. Mas assim, minha mãe é tudo para mim. A minha mãe, ela está estressada, eu dou um jeito de arrumar uma viagem. “A senhora quer ir para onde?” Ela queria muito conhecer Gramado. Aí, eu vou dar um jeito, nós vamos para Gramado. Nós fomos para Gramado, um frio, ela usou roupa de frio, aquela coisa toda. Então, assim, o que ela quer, eu faço.
6:03 P/1 - Sobre a origem da sua família, você sabe, você conhece a história?
R - Então, da minha mãe, a minha família materna, ela vem de Viçosa, Murici, se eu não me engano, e União dos Palmares. A minha avó era uma descendente de portugueses e o meu avô descendente de negros com indígenas. Quando você olhava para ele, você via claramente a descendência dele. Ele era um pardo dos olhos verdes, tinha um bigode preto. Eu não cheguei a conhecê-lo, mas pelas fotos a gente pega isso dele. Ele era marceneiro e era conhecido em Viçosa por fazer tudo de móveis para casa. Então, ele fazia estante, fazia mesa, fazia cadeira. Ele era conhecido por fazer esse trabalho bonito com marcenaria. Até hoje, se falar no Seu José, vão lembrar dele. E a minha avó, era uma mulher, que foi dona de casa a vida toda, ela não teve profissão, ela cuidou dos filhos. Ela também foi uma mulher muito sofrida. Eu era adolescente quando ela faleceu, mas a gente enxergava nela que ela tinha muito sofrimento da vida. Não sei se foi alguma coisa que meu avô fazia, alguma coisa que ela sofreu quando era mais nova, mas a gente enxergava que ela sofria bastante, tinha um sofrimento, alguma coisa assim nela, que a gente sentia. Era uma excelente avó. E minha família paterna, é toda do Pará, minha avó e meu avô, a família do lado do meu pai, é todo mundo do exército. Então, assim, meu avô era, tio, todo mundo foi do exército, é uma tradição lá. Inclusive, eu não consigo lembrar agora, mas meu bisavô… Eu não consigo lembrar o nome dele, mas meu bisavô, ele fez, se eu não me engano, a melodia ou foi a letra do hino do Exército. Tenho que perguntar pro meu pai direito essa história. Mas o foi a melodia ou foi o hino. Ou foi do exército, ou foi da bandeira, alguma coisa assim, do exército. Tem lá a história que eu nunca tive tempo para pesquisar direitinho. E a minha avó, também era uma dona de casa, eles moravam… Era muito comum no Pará antigamente, aquelas casas de madeira. Então, a casa da minha avó paterna era de madeira, que você pisava e rangia. Era uma mulher também que gostava muito de animais, então na casa dela chegou a ter 14 cães, papagaio, cágado. Tudo que tinha de bicho, tinha na casa da minha avó. Acho que também por isso que eu gosto tanto de bicho. Porque dos dois lados da minha família, todo mundo gosta de bicho. Minha avó materna tinha gato, tinha galinha, tinha pato, tinha tudo. E a minha avó paterna adorava animais silvestres. Naquela época as pessoas criavam, década de 70, 80, criavam ilegalmente esses animais. Hoje em dia a gente sabe que não pode. E tinha muitos cães, vários cães, ela tinha também. Então, assim, o que eu sei são esses contos da minha família.
9:26 - E com relação a tradições, costumes, você lembra alguma coisa marcante na sua família? Se tinha uma tradição, um costume que você lembra?
R - A minha avó materna, ela foi criada no evangelho, na Assembléia de Deus. Então, tudo na casa era feito com base no que ela aprendeu no evangelho. Então, assim, ela não era muito liberal com as coisas, apesar de sua excelente avó, mas ela não era muito liberal com as coisas. Então, dentro de casa a gente não ouvia músicas com pegadas mais pesadas. Ela sempre usava saia e achava lindo as mulheres, quando a gente usava saia, vestido, essas coisas assim. Eu quando era jovenzinha, criança, se a gente ia para a casa dela, tinha que sair de vestidinho, de sainha, aquela coisa toda, assim. A minha avó paterna, eles gostavam muito, era mais a ver com comida, era o meu açaí, o pó deles, misturado com fava. Que eu não sei se no Pará chama fava. Mas era comer com fava e com carne, misturado, puro mesmo, com café. Então, alguns pontos que eu consigo lembrar. Não são tradições, mas são coisas que eu lembro muito que tinha.
11:05 P/1 - Sobre a sua infância, você lembra da casa, da rua, onde você passou a sua infância?
R - Lembro. Eu morei… Antes de morar no Pinheiro, eu morei no Cruzeiro do Sul, que hoje pertence a Rio Largo, fica lá depois de _______. Então, a gente morava numa casa, que quando meu pai comprou essa casa, era essas casas prontas que o governo faz, e aí a casa vinha basicamente com um vão. Só tinha a pia da cozinha, o banheiro e um vão bem grandão. Que depois meu pai reformou e fez um quarto. E essa casa era a porta de madeira e eu lembro que ela abria em cima e abria embaixo, tinha os ferrolhos, né? E a gente colocava o olho assim por fora, pela gradinha, para ver o lado de fora. E era de telha, então, às vezes, quando tinha a época da cana-de-açúcar, aí quando eles queimavam na safra, fazia a queima da cana, aí o pozinho entrava pela telha da casa. Minha mãe ficava desesperada, porque a casa ficava super suja de pozinho de cana. Mas aí, meu pai foi melhorando, minha mãe foi melhorando, as condições foram melhorando, eles reformaram a casa, trocaram a porta, melhorou tudo, fez muro, a casa foi ficando melhor. Mas a região que a gente morava, ainda era uma região assim, que precisava de desenvolvimento, a rua era de barro, tinha uma vala na frente, que quando chovia enchia até o topo. Os pivetes mergulhavam dentro. Quando estava seco, ficava cheio de mato seco no fundo. E do outro lado tinha várias árvores com brinco de viúva, que a gente amava, brinco de viúva. Quando caía no chão ficava tudo rosa de brinco de viúva. E do outro lado era a pista, que ia dar na usina, na antiga, e a cana, que era do outro lado. E aí, quando os meus pais se separaram, a minha mãe ficou nessa casa. E aí, por isso que eu digo que minha mãe é minha rainha, muito guerreira. Porque ficou ela, eu e meu irmão, eu tinha seis e o outro tinha 5. Dentro de uma casa, onde de noite ninguém saia na porta mais, depois das sete da noite, porque do outro lado era escuro. E ninguém nunca mexeu com a gente, nem nunca mexeu com a casa. Mesmo assim minha mãe foi muito guerreira porque fazia medo morar daquele jeito. De certa forma era perigoso, vamos dizer. Mas aí os vizinhos eram muito unidos, tinha a dona Rita, tinha a dona Cícera. E a gente se unia. Eu fui crescendo, meu irmão foi crescendo, aí quando eu já tinha 11 anos, foi que a gente foi morar no Pinheiro. Mas até os 11 anos… Eu já comecei a fazer coisas de casa. Eu sempre gostei de lavar roupa, eu gosto de lavar roupa. Então, comecei a cuidar de casa lavando roupa. Minha mãe dizia que eu lavava malfeito, mas a intenção era lavar. Então, eu lavava roupa. E aí fui aprendendo algumas coisas para ajudar ela em casa. Ela passou num concurso do Estado, aí as coisas melhoraram. O meu pai estava em outro estado, mas já tinha passado num concurso, mandava a pensão certinha. Então, assim, as coisas foram melhorando.
14:22 P1 - Você falou da sua idade, entre 5, 6 anos, e do seu irmão. Então, assim, como era a sua infância nesse lugar, nessa casa, como era a sua infância? Você lembra de alguma situação, algumas brincadeiras?
R - Lembro. Eu gostava muito de brinquedo de menino. Então, assim, eu ganhava boneca, mas eu gostava de brincar com os carrinhos do meu irmão. Quando eu tinha 5, 6 anos, a casa não tinha reforma. Era aquele vão, com banheiro e cozinha. E toda a parte externa… Primeiro meu pai levantou muro, colocou o portão gradeado, e a parte externa ainda não era cimentada, era no barro. Então, assim, a gente brincava muito, eu de calcinha, pequenininha, e meu irmão de cueca. E a gente brincava muito de carrinho, com os brinquedos que a gente ganhava a gente brincava nessa área externa. A gente gostava muito de se pendurar no portão, pra… sei lá o que era que a gente fazia, mas gostava dessas coisas. Eu era muito encrenqueira, à medida que eu fui crescendo, eu era muito encrenqueira. E aí, a gente tinha um negocinho que a gente fazia, que acabou levando pro Pinheiro depois, quando estava mais velha. A gente fazia protesto. Então, a gente saia pelo conjuntos… Eu era responsável por fazer protesto. Juntava eu, meu irmão, o Nadson, tinha mais alguns amigos que a gente estudava na mesma escola, que era o Saber Gigante, que era umas quatro ruas pra trás de onde eu morava. E aí, os meninos mexiam muito comigo, porque eu era muito magrinha. Eu sou magra hoje, mas eu era muito mais magrinha do que hoje. Então, assim, os meninos mexiam muito comigo. E no auge estava o Popeye, a Olívia Palito. Me chamavam de Olívia Palito, eu ficava furiosa. E eu nunca fui de engolir muito as coisas caladas, desde pequena eu sempre fui muito bocuda. Então, assim, eu brigava, tocava o terror na escola, mexia comigo, eu batia de volta. Sempre foi assim. O Júnior já era mais passivo, era mais quietinho, tal, assim. E aí, teve algumas vezes, nesse rolê de protesto, tinha um senhorzinho que os fundos da casa dele dava com os fundos da minha casa. E aí, estava fazendo um protesto neste dia, na rua de trás, ele chamou a gente de maloqueiro. Aí, eu já tinha uns oito anos, por aí. A meu filho, onde tinha pedra eu arranjei, taquei nesse idoso tudo que era pedra que tinha na frente. Aí, lá vem ele com um pau para tacar em mim. A meu filho, não deu outra, a gangue se juntou todo mundo pra me defender. A gente correu pelo Beco do Priquitinha. É, a gente tinha um beco chamado Priquitinha, onde eu morava. Era um beco que dava num ferro velho. Era muito engraçado. O apelido dele era esse. E aí a gente correu, ele queria bater em mim, o meu irmão não deixou. E aí, a minha mãe foi lá brigar com o cara também. Mas assim, eu sempre fui muito encrenqueira. Eu tive uma infância muito saudável, não tenho o que reclamar, não. Meus pais se separaram, mas eu não cheguei a vê-los brigar, nem se ofender. Então, eu enxergo isso de forma positiva, do que a gente ter os pais brigando. Então, eles se separaram, cada um foi para o seu lugar. E a gente vivia bem. Meus primos, filhos dos meus outros tios e tias, não visitavam a gente. Então assim, nessa casa eu não tenho lembranças com a família, eu tenho lembranças nessa casa, com os meus amigos que moravam ali, com uma tia que era minha madrinha, que ia lá quando dava. Porque as pessoas não gostavam muito de ir lá, porque lá era longe, lá era humilde. Então, elas tinham uma condição de vida melhor e achavam que ali não era legal. A minha tia mais velha dizia que o povo no ônibus ia assediar a minha prima. Coisas assim. Eu tinha mais vínculo realmente com os vizinhos da região. Era muito saudável, porque era tranquilo de dia. A minha mãe, dizia: vai comprar pão. Aí, eu ia na padaria da esquina, comprava pão. “Vai no mercadinho, tal.” Eu ia lá e comprava. Então, assim, era tranquilo nesse sentido. Ninguém mexia com a gente. Hoje em dia a gente não anda, as crianças não andam assim mais.
18:34 P/1 - Nessa fase, você já pensava o que queria ser no futuro, quando crescesse? Que a gente tem aquele período que a gente fica ali imaginando profissão, o que eu vou fazer.
R - Eu gostava muito de bicho, né? Aí eu pensava em ser veterinária ou advogada. Porque eu tinha assistido em uma novela, uma advogada, não lembro qual era a novela. Mas eu achei bonita a roupa, a pasta, o jeito como ela se vestia. E aí, eu fiquei com aquilo na cabeça. Apesar de gostar muito de animais, eu sentia uma atração muito grande pela profissão de advocacia. Eu achava lindo aquela mulher toda vestida, aquela roupa… Anos 90, aqueles blazers compridos, aquelas saias, meia calça, sapato. Eu achava aquela coisa linda. E aí, foi ali que eu comecei a alimentar a ideia de na verdade ser advogada. Apesar de gostar de animal, mas de ser advogada. Começou pela roupa que a mulher vestia. Era isso. Até que eu botei na cabeça e carreguei isso até o vestibular.
19:45 P/1 - Sobre os estudos. Você começou a estudar, você falou o nome de uma escola que era lá perto. Mas depois, você sempre estudou nessa escola, ou depois você mudou de escola?
R - Eu estudei nessa escola até a segunda série, que hoje seria terceiro ano, eu acho. E aí, como a minha mãe tinha passado no concurso do estado, ela estava trabalhando numa escola no estado, no CEPA. Aí, ficava complicado o horário que ela trabalhava, conciliar pra manter o almoço, eu e meu irmão ir pra escola, aquela coisa toda. Porque ela não tinha uma rede de apoio diária ali, as minhas tias ajudavam…. “Ah, vou mandar um dinheirinho, vou mandar uma coisa.” Mas minha família não se fazia presente. Então, assim, minha mãe teve que arranjar formas de conciliar tudo. E aí, como ela estava trabalhando no CEPA, ela pensou… Ela trabalhava no Premem. Ela pensou, vou matricular os meninos aqui. E aí, fui matriculada na escola Dom Pedro Segundo, que é no CEPA. Aí eu comecei a estudar lá na terceira série, meu irmão na segunda série. Ela trabalhava no PREMEM, a gente acordava 5h00, um pouco antes de cinco. Era uma briga pra tomar banho, porque meu irmão não entrava de jeito nenhum no chuveiro, por causa da água fria, não tinha chuveiro quente. Ele não queria de jeito nenhum tomar banho, era uma briga todo dia de manhã. E era uma briga todo dia pra saber quem é que ia na janela do ônibus. Porque eu queria ir na janela, ele queria ir na janela. E a minha mãe pagava duas passagens, que eram duas cabeças, então a gente se imprensava em duas cadeiras. E aí, a gente descia todos os dias de manhã pra escola, ela deixava a gente no Dom Pedra, ia trabalhar. Quando a gente chegava do Dom Pedro, ia pro Premem, ela já estava com o almoço da gente pronto. Quando a gente chegava no Premem, a gente almoçava, ela largava, a gente voltava para casa. Aí, durante dois anos e meio foi desse jeito. Aí, eu saí do Dom Pedro e fui estudar no Loureiro, que aí já era na quinta série. Eu estudei no Loureiro… Eu estudei basicamente no CEPA a minha vida toda. E aí, fui estudar no Maria José Loureiro, que na época era considerada a melhor escola que tinha o ensino fundamental, naquela época, de quinta série a oitava série. E eu fiz excelentes amizades nessa escola. Eu fui representante de turma todos os anos, nessa escola. Eu tenho dois amigos até hoje, que é o amigo Tiago, que eu conheci na quinta série e a gente é amigos até hoje, a gente conversa muito. Eles casaram, eu fiz parte desse… incentivei o Tiago a investir na Elaine. E carreguei amizades muito boas nessa escola. Aí, depois veio outras amigas minhas, a gente está junto até hoje, já tem 20 anos de amizade. E depois de Loureiro, eu tentei ir pro CEFET, na época, fazer a prova, não passei. Aí, eu fui estudar Loureiro, que também na época era considerado a melhor escola de ensino médio do CEPA. Tinha rivalidade com a Princesa Isabel. Aí, eu fui estudar no Loureira, no ensino médio, aí fiz PSS1, PSS2, PSS3, pra tentar entrar da UFAL. E no Loreira fiz novas amizades também, de novo fui representante de turma. Não sei, o povo olhava pra mim e dizia que eu tinha quer ser representante de turma. E aí, eu realmente, por eu ser muito bocuda, me colocavam pra fazer as coisas. “Está faltando professor de física.” “Vai Elisa, faz um abaixo assinado, faz alguma coisa.” Eu que fazia, eu que ia na diretoria reclamar. Aí, virei representante de turma de novo.
23:44 P/1 - Além dos seus amigos, tinha uma figura marcante, um professor, um instrutor, alguém que marcou de fato?
R - No Loureiro tinha a professora Maria José, era a professora de Geografia, e eu gostava muito de história e de geografia. E a aula dela era maravilhosa. Quando a gente mudava de ano, a gente pensava, não, por favor, que seja ela de novo na geografia. E tem uma coisa que ela falava que eu nunca esqueci. Ela dizia assim:.. que a gente estudava, ela falava muito do contexto mundial. E olha, isso o que? 2006, 2007. Ela falava: preste muita atenção… Que naquela época tinha a Guerra dos Estados Unidos com o Afeganistão, Iraque. Acho que era naquele início ali dos anos 2000. Ela falava muito. Preste muita atenção, que vai ter a Terceira Guerra Mundial e a Terceira Guerra Mundial vai vir do Oriente Médio. Ela falava muito isso. Eu ficava pensando. Aí, agora eu estava pensando, meu Deus, será que vai ser mesmo. Porque ela falava muito. Ela sempre estudou muito política internacional, essas coisas todas. Então, ela falava. E acho que era por isso que eu gostava tanto da aula dela, porque eu gosto dessa coisa de política. Já gostava naquela época. E no Moreira tinha a professora Joseane, que ela dava espanhol. E aí, eu adorava ela, ela era maravilhosa. E ela dava uma aula que ninguém ficava chateado, ninguém ficava dizendo que a aula era chata. Era uma aula dinâmica. E hoje ela é diretora do Princesa Isabel. E eu de vez em quando encontro ela, já levei palestras para dentro do Princeza Isabel, com ela. Eu adoro isso. Então, as duas me marcaram muito.
25:32 P/1 - Você se lembra de alguma amizade importante nesse período, nesse finalzinho do ensino médio, alguém que acompanhou esse processo final, a transição do ensino médio para a universidade?
R - O meu grupo, que a gente chama de Asas Especiais. Que é a Migla, que é hoje pós doutora em matemática, é a CDF do grupo. Ela começou a estudar comigo na sétima série, mas aí a gente foi para o ensino médio juntas. Aí, tem a Carol e o Guga, que são gêmeos. Eu brigava muito com o Guga, ele fazia bullying comigo. Hoje nós somos super amigos. E a gente foi para o ensino médio juntos, terminamos juntos. E no ensino médio também teve Serfisia, Kelly, que é muito inteligente também, e Jeniffer também, que a mesma pegada que a minha, a gente adora debater política e direito financeiro, eram umas coisas assim. E música e filme internacional. Esse grupinho que eu te falei, são meus amigos que estão comigo até hoje. São os meus amigos que a gente sabe o íntimo de cada um, que a gente não esconde, que se tiver que desabafar, a gente vai desabafar entre a gente, e não há julgamentos. Então, é uma amizade que foi construída lá quando a gente era adolescente. Hoje nós estamos, alguns casados, com filhos, outras já se divorciaram, umas eu fiz o casamento e eu divorciei também. Mas assim, a gente é muito unido. Essas amizades foi as que eu carreguei até hoje, tanto que já tem 20 anos disso.
27:18 P/1 - Como você falou das amizades, dessas relações. E as relações amorosas nesse período, você também se relacionava? Era só os amigos?
R - Tinha os meninos, né minha gente? Claro que tinha. Então, tinha o Marcelo Dutra, meu primeiro amor. Se um dia esse menino ouvir esse negócio, crem Deus Pai! Marcelo Dutra era lindo, ele era branquinho, do cabelo preto, lisinho, tinha um topete assim. A gente tinha o que? 12 anos de idade. Foi o meu primeiro beijo na vida, com 12 anos, com o Marcelo Dutra. Eu gostava muito dele, só que a gente não namorou, só foi aquele negocinho de beijinho de pré adolescente, de adolescente e tal e ele foi embora pra São Paulo. Eu fiquei triste, devastada. Depois foi o Joanderson. Que até hoje eu não sei o que eu vi naquele menino, meu Deus do Céu. O Joanderson eu namorei mesmo, quase um ano, Joanderson. Ele tinha umas orelhas… Até hoje eu não sei porque era… Pelo amor de Deus. Mas era muito legal, uma pessoa muito legal. Aí, do ensino fundamental só foi esses dois. Eu nunca fui muito namoradeira, não. E eu era tão focada nos estudos, principalmente no ensino médio, eu era tão focada nos estudos, que eu não pensava tanto em namorar. Mas sempre o coração acelerado por alguém, ninguém é de pedra. Aí, depois teve o Marcos, aí o Marcos teve briga entre mim e a Carol. Fim das contas, quem ganhou foi a Carol. Que eu dei um beijo no Marcos, mas quem namoro com o Marcos foi a Carol. Aí, assim… E teve o Magno também, no ensino médio. Foi só esses dois no ensino médio.
29:15 P/1 - Na faculdade, quais foram os motivos principais que hoje você pode observar que levaram você a fazer a escolha?
R - Eu fiz, na época, o PSS1, 2, 3, e quando eu estava no último ano do ensino médio, estava surgindo o ENEM, na época, era o que? 2010, 2011, por aí, estava surgindo o ENEM. Aí, eu já já tinha certeza, quando eu fazia os testes já dava humanas, área de humanas para mim. Aí, eu disse: Bom, não vou ficar pensando muito não, vou fazer Direito. Aí, fiz Direito e coloquei história como segunda opção. Aí, por causa de 50 pontos, eu não fui para Direito, fui para História, aí entrei em história na UFAL. Comecei a fazer história na UFAL, mas o coração era Direito, Direito, Direito, Direito. Aí, eu fui fazer Direito na particular. Aí, fazia as duas simultaneamente, até onde eu aguentei. Porque Direito começou a engrossar, mais do que História. Aí, tranquei História e continuei direito. E eu sempre presenciei muitos problemas familiares das minhas amigas na adolescência, e na minha família mesmo, também presencial, muitos problemas familiares. E aí, eu lembro que eu via uma tia, mãe de uma amiga, falando de problema de pensão, ou que tipo, o cara era grosso. E naquela época eu não entendia muito essas coisas, mas eu ficava pensando. Aí, ia pesquisar para entender o que era. Poxa, eu gosto tanto de direito, eu acho que eu vou estudar direito mesmo, para defender as mulheres no futuro, e defender as crianças que não recebem pensão. Porque eu fui uma sortuda que recebi pensão, mas nem todas… Eu via as minhas amigas não receber pensão. Eu tinha amigas que não sabe quem é o pai. E aí, isso pesa. Aí, foi uma das coisas que eu pensei, poxa vou estudar direito, e quando eu terminar eu vou ser dessa área, vou ser da área de família. Aí, foi o que eu fiz.
31:24 P/1 - Durante o curso, houve algum momento marcante, que você mudou de repente o seu olhar?
R - Então, no curso não, porque eu sempre fui defini muito que eu queria ser advogada. Teve mudanças, de tipo assim, quando a gente entra na faculdade, todo mundo quer ser delegado. No curso de direito, primeira coisa que você vai ver todo mundo falando, quero ser delegado, quero ser delegado. Porque aí você vai estudando, se aprofundando, as disciplinas vão filtrando, então você vai conhecendo mais a lei, conhecendo mais cada área do direito. Aí você pensa, poxa, acho que realmente esse negócio de ser delegada não é para mim, eu acho que realmente devo continuar focando em ser advogada. Só teve uma fase que foi um pouco ruim, porque eu quase morri durante o curso, da faculdade. E aí, eu mudei o pensamento assim, que eu tinha que focar no estudo, que coisas fúteis não era… Eu meio que estava estudando, mas não estava tão dedicada ali naquele período que eu adoeci. Aí, quando eu adoeci, que eu fiquei internada, e aí eu vi que eu podia ter partido, aí, não, espera aí, vou voltar a focar no que é mais importante, que era estudar para trabalhar no futuro, para dar uma vida melhor para a minha mãe, para mim e para o meu gato, que eu só tinha um gato, na época. Mais ou menos isso.
33:02 P1 - Nessa época você fez algum estágio? Teve alguma experiência extra a faculdade?
R - Sim. Eu estagiei em um escritório, muitos anos, de advocacia, estagiei alguns meses na Defensoria do Estado, também. E ver o lado de defensor e de advogado fez eu realmente definir, será que é mesmo advocacia? A gente puxava essas duas profissões, esses dois lados. E aí, eu vi que realmente eu gostava muito da advocacia, eu gostava muito de quando o meu chefe mandava eu ir para o fórum, diligenciar, ir para o fórum, falar com o assessor. Ainda na época que eu estava estagiando, ainda existia processo físico, então eu achava o máximo pegar aqueles blocos de folha. Então, assim, foi o que fez eu definir, bom, vou ser advogada. E eu estagiei nesse escritório, dois anos e meio, até terminar a faculdade. E aí, quando eu terminei a faculdade eu já tinha passado na prova da OAB. Passei na prova da OAB em 2017 mesmo. Assim que eu terminei, colei grau, já tinha passado na OAB. E dois meses depois eu fui contratada para trabalhar num escritório. E aí, eu já comecei a trabalhar como advogada e não saí disso até hoje.
34:32 P/1 - Então, seu primeiro emprego foi justamente na área do Direito? Antes disso, você não teve contato com outra profissão, ou atividade?
R - E eu ainda fiz, trabalhei, na época era GVT, de internet. Eu vendia planos de internet. Aí, eu trabalhei alguns meses nessa empresas de internet. E aí, foi quando eu fui para a defensoria, depois eu fui para o escritório, aí de lá para cá só foi na área do Direito mesmo.
35:08 P/1 - Você lembra da sua rotina, Quando você iniciou mesmo, de fato, trabalhando ali com o que você queria?
R - Desde o estágio?
P/1 - É. E posteriormente, quando você se formou, você foi trabalhar diretamente com direito. Você lembra da sua rotina, como era?
R - Lembro, porque eu cai de paraquedas numa coisa que eu não sabia nem direito o que eu ia fazer. Eu tinha feito a segunda fase da OAB em Direito do Trabalho, mas eu gostava muito de Direito de Família. Só que quem sabe, as provas da OAB são difíceis, então eu tinha medo de colocar na área cível, e vir uma peça que eu não ia dar conta, na segunda fase. E a trabalhista, por mais que não fosse uma área que eu quisesse atuar, mas eu dominava a trabalhista muito melhor do que a área cível. Aí eu resolvi fazer a segunda fase em Direito do Trabalho. E aí, quando veio, veio uma peça maravilhosa, uma reclamação trabalhista, facinho. Fiz e passei. Então, assim, foi maravilhoso. Só que quando eu fui chamada para trabalhar nesse escritório, ela não disse o que eu ia fazer. É aquela coisa, estou com gás, quero trabalhar, preciso trabalhar. E eu fui. Eu cheguei lá, a mulher me deu 20 pastas de clientes que eram todas sobre tributário, e eu tinha perdido tributário um na faculdade. Então, como é que você explica isso?
36:35 P/1 - Quais eram seus maiores desafios nesse trabalho? E quais os maiores aprendizados também, que ficou da superação desses desafios?
R - Quando eu fui trabalhar nesse escritório, eu não sabia o que era que eu ia trabalhar lá. Ela só me chamou e com muita vontade de trabalhar. Eu fui. O que um jovem advogado, recém formado, vai fazer? Vai dizer não? Sem família com histórico de advocacia, fica difícil. Tem que começar de algum canto. Quando eu cheguei lá, ela me deu uma caixa com 20 clientes. Quando eu fui olhar, era tudo de Direito Tributário. Eram os descontos que havia tido nos contracheques dos clientes relacionados a empréstimos. Era uma coisa bem complexa, que eu não sabia nada. E aí, eu fui estudar Direito Tributário, porque eu não era muito boa em direito tributário. Tem muito cálculo, muita planilha, uma área muito específica do Direito, que são pouquíssimos que trabalham com essa área. E aí, quando eu cheguei lá, era isso. E aí, eu fiquei uns três meses preparando toda a peça, porque não tinha peça para fazer, assim, o escritório não tinha pronto nada. Eu tive que fazer tudo do zero, a peça com jurisprudência, pule, tudo do zero. Levou uns três meses para fazer essa peça. E depois fui começar protocolar a protocolar esses mais de 20 casos no judiciário, na Justiça Federal. E lá só chegava coisa grande, era pepinos de empresa, era muito cálculo. E eu sou filha de matemático, meu pai é matemático, mas eu estudei Direito, não foi para estar o tempo todo lidando com números, tanto que eu queria família e tal. Resultado, não teve jeito, eu fui me especializar em cálculo, fui entender mais sobre cálculo, foi uma coisa que ficou desse trabalho. E eu trabalhei um ano e meio nesse escritório, eu aprendi muito, eu aprendi de fato a ser uma advogada. Ela mandava eu fazer tudo, “vá e faça!” Eu chegava lá e não sabia nem o que dizer. “Vá fazer essa audiência.” Eu nunca tinha feito uma audiência sozinha, chegava lá eu… Levei fora de Juiz, de assessor, levei esbregue, tudo que vocês imaginarem nos primeiros meses advocacia aconteceu comigo. Mas eu não caía de jeito nenhum. E aí, quando eu fiz um ano e meio trabalhando lá, eu pensei assim, agora eu vou alçar sozinha. Aí, eu saí do escritório e fui ficar sozinha. Só que seis meses depois teve uma pandemia. Aí me quebrou todinha. Porque eu trabalhava para vários escritórios de fora, de São Paulo, que precisava de gente aqui, Brasília. E aí, a pandemia fechou tudo depois de uns meses, o Judiciário passou a aceitar algumas coisas online. Então, o pessoal não tinha necessidade de contratar alguém daqui se podia fazer online de lá. E aí, eu passei o quase um ano da pandemia, aquele primeiro ano da pandemia, bem difícil. Mas aí, eu não vou desistir. Aí, continuei trabalhando sozinha, até que eu me juntei com uma amiga e hoje a gente tem o nosso escritório. Então, somos duas sócias, e a gente atua com o Direito do Trabalho e Direito Bancário e a parte toda cível que chega, eu faço. Mas a minha especialidade é Direito de Família. Então, hoje, 90% dos meus processos são relacionados a família, guarda, pensão, divórcio.
40:31 P/1 - Já que é tão agitada a rotina. Mas quando você pode descansar, no seu momento de lazer, o que você gosta de fazer?
R - Eu vou toda semana para o cinema. Todas as minhas amigas sabem, na segunda-feira ninguém me encontra de noite. Eu estou no cinema. Essa é a minha válvula de escape. Assim, até quando não era segunda-feira, se eu tive um estresse na semana, eu não quero nem saber, eu chego lá no cinema, o que tiver passando, eu assisto, de filme de criança, filme de terror, filme de drama, o que tiver passando eu assisto. E eu sempre gostei de cinema, desde pequena. Minha mãe gosta muito de filme, então sim, a gente cresceu assistindo muito filme, indo na locadora locar filme. Era muito bom isso, antigamente tinha muito. Então, minha válvula de escape é ir pro cinema. E comer. Então, assim, eu vou para o cinema, mas eu não vou só para o cinema, eu vou comer alguma coisa muito gostosa pra me dar esse luxo. Então, eu gosto muito disso. E às vezes, eu venho para a ONG, deito no chão e fico com os gatos, só ouvindo o miado deles. Minha válvulas de escape rápidas são essas. E eu gosto de viajar, adoro viajar e adoro festival de música. Então, assim, tá batendo a panela, Lollapalooza, Rock in Rio, estou lá. Um cantor internacional que eu gosto, eu dou um jeito de ir. Então, assim, gosto muito de música internacional. Então, eu amo fazer essas loucuras. E trilha, também gosto de trilha. Eu gosto de fazer as loucuras, quando eu já estou na trilha, lá no penhasco, eu fico: que foi que eu vim fazer aqui? Aí, depois eu, venci o penhasco. Fico feliz da vida por vencer o penhasco. São as coisas que eu mais gosto de fazer, conviver com os gatos, cinema, música, show, adoro muito show, e trilha. Então, assim, eu vou da loucura de estar no meio de cem mil pessoas gritando loucamente, passando doze horas em pé, ao contato com a natureza. Então, basicamente…
42:46 - Você comentou sobre a sua infância, sobre a questão dos filhos, dessa relação com a sua mãe. Quando vocês foram pro Pinheiro, morar no Pinheiro, você tinha mais ou menos 11 anos, não é isso? Como foi a partir daí, nesse período, que você chegou no Pinheiro, o que você lembra do bairro? O que você gostava de fazer? Foi a sua fuga, né?
R - É. Quando eu cheguei no Pinheiros, fui morar no Jardim Acácia, e aí eu estudava no Loreira, na quinta série, no Loreira, e era muito bom, porque eu ia andando. Então, era muito bom! Porque formava aquele grupinho, a gente ia todo mundo andando pro CEPA. Era dez minutos. Demorava até mais, porque a gente ia conversando e fazendo palhaçada na rua, então demorava mais um pouco, mas a gente chegava no CEPA na hora da aula. Eu estudava de tarde, nessa época, e aí a gente ia andando pro CEPA. Minha mãe fazia o almoço, aí ela ia trabalhar, e eu ia depois. Porque como ela era merendeira, ela tinha que preparar tudo antes de todo mundo. Então, ela chegava antes de todo mundo na escola. Eu já chegava perto de uma hora. E era muito bom, porque a gente tinha um grupinho de amigos e tal, que ia, às vezes ia se encontrando no caminho. Isso era muito bom. E foi sete anos disso. É, sete anos disso. E quando eu cheguei no Pinheiro foi um impacto, porque eu morava num bairro que era muito diferente do Pinheiro. Pra mim, o Pinheiro era um bairro uau, era de rico, era os casarão grande, com árvore na calçada, aquelas calçada larga, as ruas largas, muitas ruas de casa ali no Pinheiro eram bem largas a rua, tinham árvores e tals. E quando eu fui morar lá, o impacto foi nesse sentido, na diferença do estilo de vida das pessoas. Eu vinha de um bairro que o estilo era um pouco… as pessoas eram mais humildes. Eu cheguei no Pinheiro, foi assim. E eu amei de cara o Pinheiro. Eu senti um negócio muito bom quando eu fui morar lá. Eu não senti falta do Cruzeiro do Sul, nem um pouco. Apesar de ter tido momentos felizes no Cruzeiro, mas eu não senti falta do Cruzeiro do Sul. Eu amei o Pinheiro desde que eu me mudei, a gente chegou com o caminhão de mudança no Pinheiro, eu passei a amar aquele bairro. E o Pinheiro era uma grande família, a família começava no prédio, no bloco que você morava e se estendia para todo mundo da rua, daqui a pouco o quarteirão inteiro e daqui a pouco todo mundo se conhecia. E eu gostava de andar muito, então assim, a gente andava, eu fiz amizades, tinha a Dani no mesmo prédio que eu, tinha a Natália. E a gente era todo mundo na mesma faixa etária, então era muito bom. Era um bairro muito tranquilo, então a gente ficava até meia noite na calçada, sentado. Às vezes a rua só tinha um ponto de luz laranja, assim, e a gente ficava sentado na calçada, no meio fio, e ficava brincando, conversando, dava meia noite. E quando era nas férias, aí é que o tempo passava, a gente ficava lá. Minha mãe reclamava. Então, assim, era muito legal isso. Aí, tinha as amizades da escola e tinha esses amigos que eram da mesma escola que eu, mas a gente convivia ali. E eu fui morar no prédio… Primeiro eu morei no bloco dois, e tinha a Dona Navi, a minha vizinha de parede. Eu gosto de música, né? Então, eu fazia uma coisa na adolescência que eu acho que aquela mulher era uma abençoada, porque se fosse eu na idade dela, eu reclamava todo dia. Porque eu botava música todo dia antes de ir para a escola, bem alto. E ela, simplesmente nunca reclamou. Agora, quando a gente batia uma bola, ela reclamava, “vou chamar a polícia.” Era a Dona Navi. Ela tinha uma boneca desse tamanho assim, grande, que ela botava na cadeira de balanço, e a porta dela era porta de vidro. Aí, ela abria a janela de cima, então quando a gente passava estava escuro e só a boneca na cadeira de balanço. Aí, a gente morria de medo dela, será que ela é uma bruxa, alguma coisa assim? Com 11, 12 anos. E tinha também a Dona Marlene, que morava em baixo, outra senhora e tal, que essa também implicava quando a gente… Ela implicava mais que a Dona Navi. Dona Navi acho que já faleceu, pelo tempo. E ninguém ia visitar ela, os parentes. Eu ficava com pena dela. A gente implicava um pouquinho com ela e depois eu ficava com pena. E aí, eu fui crescendo, fui envelhecendo, daí o comportamento foi mudando, fui ficando mais madura. E tinha essas duas senhoras, que eu lembro muito delas. E tinha outros vizinhos também, que eu lembro assim. Tinha um vizinho que batia na mulher. Desde essa época eu já ficava chocada com isso. Porque na minha família não tinha essas coisas, aí a gente escutava isso, essas coisas assim. E tinha um vizinho que eu paquerava, que era do outro lado, eu sabia quando ele estava tomando banho, porque a luz do banheiro estava acesa e ele ficava ouvindo música internacional, e eu ficava da minha janela babando. Era muito legal. E a região em si era muito boa. O único mercadinho que fechava tarde era do Marcos, era um mercadinho que já ficava entre Mutange e Pinheiro, no jardim Acácia. Ele também foi um dos últimos a sair, foi expulso de lá. Então, assim, foi bem ruim o que aconteceu com ele. E ele era o que sempre estava aberto até tarde. Então, quer o refrigerante, quer a batatinha, quer não sei o que… Vamos no Marcos. O Marcos tinha dois filhos na mesma faixa etária da gente, então a gente convivia todo mundo junto também. E tinha o supermercado Pilar, que era um clássico. Acho que Maceió inteira conhecia o supermercado Pilar. Quando eu cheguei no Pinheiro, o supermercado Pilar, era bem pequenininho, tipo, tinha três corredores, aí no fundo dele, um pedaço que era o açougue, um pedaço que era a padaria. E aí, eu cresci entrando ali, conhecia todo mundo, até fiado, tipo, “olha, trago daqui a pouco.” Porque a gente cresceu ali mesmo. E aí a gente foi vendo o supermercado Pilar crescer, crescer, crescer, crescer. Ele ficou tão grande, _____, daqui a pouco tinha um hortifruti grandão. Era muito legal. E foi bom ver um supermercado de bairro bem pequenininho crescer assim. E ele era uma marca. “Vamos nós encontrar aonde?” “Na esquinas do supermercado Pilar.” Vai descer para aonde?” Esquina do supermercado Pilar. Eu muitas vezes chegava onze horas da noite, motorista do ônibus parava, Supermercado Pilar, minha mãe estava lá esperando. Então, assim, marcava muito. Fora as pessoas. Tinha o churrasquinho da esquina, que a gente comia, tinha o crepe da Praça Benedito Jesus de Praga, a banca de revista, que vendia aqueles livros pockets, com aquelas histórias bem melosas. Eu tinha vários daqueles, tenho uns até hoje. Que a gente ia lá, lia, às vezes trocava. Um monte de meninas que moravam ali faziam isso, pegava aqueles livros pockets, aqueles romances bem melosos, que se passavam na montanha lá na Inglaterra. Pronto, a gente adorava isso. Aí, a gente fazia a troca, pegava e tal. Era bem legal. E tinha os vizinhos, senhorzinhos, ficava jogando dominó, xadrez, coisas assim, na esquina. Tinha os taxistas, que a gente conhecia todos os taxistas, tinha o cara que fazia a lotação, no ponto de ônibus, como o ônibus não passava, que a gente tinha muito problema com o ônibus no Pinheiro. Quando o ônibus não passava, tinha o carinha da lotação. Então, assim, tem muita coisa, se eu for falar aqui eu vou ficar até três horas falando do Pinheiro.
51:01 P/1 - Nesse período, você lembra de ter ouvido alguma coisa sobre sal gema, Braskem? Na época era Sal Gema, né? Você como criança, adolescente, já tinha ouvido falar, sabia o que era?
R - Eu tinha escutado falar da sal-gema na minha adolescência, mas eu não sabia o que era. Era uma coisa que os mais velhos falavam muito. Os idosos falavam muito. Mas a gente não sabia o que era. O auge veio depois do tremor, 2018. Os idosos diziam: “Isso é sal-gema, tá vendo, por isso que aquele lugar vivia afundando.” Os idosos falavam umas coisas assim. Eu escutava muito eles contando histórias de algumas partes ali do Pinheiro, ter lago, ter chiqueiro com cheio de pó químico, não sei o que. Ter umas coisas assim. E coisas que eles falavam que acontecia num determinado tempo. Tinha uma rua lá que todo ano, há 40 anos, aquela rua abria. E todo mundo dizia: “O problema é a ______.” Depois, “o problema é VRK,” O problema é não sei quem. Só que na verdade… Depois veio entender o que era o problema. E tinha um bloco, o bloco 15, eu acho. Esse bloco até hoje eu não entendo, porque a gente entrava nele, chega dava medo, era umas barras de ferro bem grossas, dentro dele, segurando ele. E ele passou vários meses com um negócio escorando, porque ele tinha várias rachaduras, ao longo dos anos, e a prefeitura colocou essas barras de ferro dentro. E tem outras histórias, do bloco quatro, que ficou escorado com madeira. Os mais velhos contavam essas coisas ao longo dos anos. Porque o Jardim Acácia era muito antigo. Aí, tinha algumas histórias assim que eles falavam. E os mais antigões, diziam: isso é sal-gema. Mas quando veio em 2018 o problema, que eles disseram: isso é sal-gema. E o povo, não, não tem nada a ver, não, tem nada a ver, não. O resultado depois, a gente descobriu que era sal-gema.
53:13 P/1 - Você lembra onde você estava no dia do tremor? Você ouviu falar, você está perto? R - Eu estava na minha colação de grau, nesse dia. Mas pouco antes… Eu sai para a colação eram duas horas da tarde. Então, foi um pouquinho antes do tremor. E os meus gatos em casa já estavam estranhos. Eu tinha, na época, seis gatos no apartamento. E a paçoca desde cedo não queria sair de baixo do rack. E eu: Mulher, por que tu tá aí? Não veio ninguém aqui em casa. Porque normalmente ela se escondia quando via um estranho. Não tinha tido barulho, não tinha tido nada. Por que ela estava tanto debaixo daquele rack? E ela não sai de baixo do rack, Aí, quando a gente estava na colação de grau, chegou as mensagens, que tinha tido um tremor no pinheiro. Aí, a gente largou tudo e foi pra casa. Que eu só pensava nos meus gatos, porque eu morava num apartamento, no último andar. Era pequeno o Jardim Acácia, mas de qualquer forma era no último andar do prédio. E a gente foi pra casa. E não foi o único tremor que teve. Esse foi o tremor que vamos dizer assim: que abriu tudo. Mas teve ao longo dos anos, outros pequenos tremores também, que as pessoas diziam sentir, que acontecia, mas a gente sempre foi meu taxado de louco, então.
54:40 P/1 - Então, o que aconteceu? Você lembra o que você ouvia, o que as pessoas estavam comentando?
R - O que eu escutei foi o desespero das pessoas. Eu lembro de ter recebido um vídeo no celular, de uma senhora, de camisola, em frente ao Tibério da Rocha, e ela gritava, porque ela morava no último andar do Tibério da Rocha, que eram duas torres, que tinham o que, 12 andares? 10 andares? Uma coisa assim, muito alto. E tinha um outro vídeo que mostrou o Tibério ir e voltar. Quem viu de longe. E muitas pessoas diziam que realmente ele tinha ido e voltado, quem olhava de longe. E o que a gente recebeu foi isso. Por isso que a gente ficou tão aperreado e foi pra casa correndo, porque o que chegou pra gente foi o desespero. As pessoas não estavam entendendo o que estava acontecendo. Tinha gente de camisola, com o cachorro na rua, idoso, cadeirante, todo mundo desesperado, sem saber se podia voltar pro apartamento. Principalmente quem morava em torre. Então, foi assustador o dia. Só quem viveu aquele dia, entende o que aconteceu.
55:49 P/1 - E como você soube que estava algo acontecendo de errado no solo da região? Porque até então, falavam de várias possibilidades, mas o solo em si, como foi que você soube que tinha uma coisa errada?
R - Quando passou… Porque foram muitos meses na verdade. A gente sentia que tinha alguma coisa errada, desde o dia do tremor, porque começou a aparecer vários problemas em várias estruturas, de vários prédios. E era muito interessante, porque começou, o centro do problema, as principais rachaduras, começaram perto do Suruagy, perto da Igreja Católica, começou ali. A pior casa da época foi ali. E é interessante que quando foi passando as semanas, e eles não sabiam, a Defesa Civil não sabia dizer o que era. A gente que estava distante, estava tranquilo, ainda. Aquelas semanas depois do tremor, o terror estava nas pessoas que viviam ali perto da Igreja Católica, porque ali teve muitas rachaduras, tanto na rua quanto nos prédios. Só que com o passar do tempo, as rachaduras foram se aproximando da gente. Isso foi em março, 2018. Foi passando os meses, a gente começou a ver rachaduras em vários prédios, Suruagy, foi se aproximando, como quem ia em direção ao Mutange, em direção a Lagoa. Até que chegou no prédio que eu morava. E quando chegou no prédio que eu morava, já foi em janeiro de 2019. E até então, os idosos falavam da sal-gema, a Defesa Civil não falava de ninguém. Então, assim, ficava só investigando, investigando. E aí, quando foi final de janeiro de 2019, teve uma chuva muito forte, muito forte, de trovão, relâmpago, tudo. Foi uma chuva muito forte que teve, e a gente não dormiu nessa noite em casa, porque a Defesa Civil, na época, ela tocava um terror muito grande. A gente que viveu ali, aqueles meses, aqueles primeiros meses, pré Braskem, que até então não era Braskem, a gente sofreu um terrorismo muito grande. Então, assim era helicóptero, era carro da Defesa Civil. Daqui a pouco tinha SAMU, tinha bombeiro, tinha não sei o que, polícia. E assim, por conta dessa chuva na madrugada, a gente levantou de manhã, seis horas da manhã, e tinha uma mulher desesperada, gritando na parte de baixo, que eram quatro blocos assim juntos, e no meio tinha umas amendoeiras. As pessoas ficavam embaixo dessas amendoeiras. Ela estava desesperada, porque o chão do apartamento dela, que ela morava no térreo do bloco 16, tinha afundado. Tinha literalmente afundado. E aí, começou o desespero, Defesa civil chega, helicóptero, polícia, aquela auê, todo mundo de camisola, ninguém tinha tomando café da manhã. “Vocês não podem dormir aqui, não, tem que dormir em outro lugar.” A gente vai dormir aonde? Isso eles falaram para o pessoal que morava no bloco 16, que afundou. Mas pra mim, que morava no dez, o que morava do lado, o que morava de frente. “Se chover vocês não podem dormir aqui não.” Era assim que eles tratavam a situação. Era um terrorismo muito grande. E tanto que lá em casa, ainda não tinha a rachadura, a rachadura apareceu depois da chuva. Era uma listinha de lápis. Parecia que alguém tinha passado o lápis na parede. Aí, essa listinha começava no térreo, ia subindo, até chegar lá em casa. Aí, lá em casa era só o risquinho de lápis. Que com o tempo foi aumentando. E aí, a gente deixava as caixas de transporte dos gatos, e as coisas já pronta, porque a gente não sabia com o que estava lhe dando. Nem a Defesa Civil sabia com o que estava lhe dando. Então, se acontecesse, sei lá, um super tremor. A gente ia fazer o que? A gente ia pegar os gatos e correr. Era isso que a gente pensava. Era isso que todo mundo pensava, quem tinha bicho, quem tinha criança, quem tinha idoso. Faz o quê? Corre. Ninguém sabia. Porque o terror era muito grande.
1:00:17 P/1 - E quando veio a certeza do que realmente estava acontecendo? Após o relatório, qual foi a sua percepção? Ter a certeza de fato do que estava acontecendo.
R - Eu lembrei de tudo que os velhinhos falavam. Foi a primeira coisa que me veio na cabeça. Lembrei de tudo que os velhinhos falavam. Os velhinhos falavam: “É sal-gema. O professor Deolindo falava muito. E ele foi muito criticado no início. Então, assim, eu fiquei pensando, poxa… E aí, o pior é que quando a gente descobriu que o prédio que a gente morava estava numa região que tinha uma mina. E tanto que a gente saiu em fevereiro de 2019, em 2019 mesmo, o prédio que eu morava foi demolido, porque ele já estava muito danificado. Então, a gente basicamente estava morando ali. Quem morava na minha casa, estava morando em cima de uma bomba. É tanto que muitos prédios daquelas foram demolidos muito antes de muitos outros imóveis, por causa comprometimento. Eles diziam: porque o prédio é velho, porque o prédio não sei o que. Não, estruturas duram milhares de anos. As pirâmides estão em pé há milhares de anos. Então, assim, o problema realmente era a sal-gema. Aí a gente foi entendendo, a rua afundava muito, alguns buracos que apareciam muito, prédios que tinham sido escorados. A gente foi entendendo que realmente… Foi quando a gente começou a associar, ligar os pontos, que tudo que acontecia durante anos estava fazendo sentido agora.
1:01:58 P/1 - E o que mudou na sua vida a partir disso? Quando de fato houve ali a confirmação, como você foi afetada? O que mudou na sua vida a partir da confirmação?
R - Tudo piorou quando a gente teve que sair. Ai, eu odiei, com todas as minhas forças. Porque eu amava o Pinheiro. Morar no Pinheiro era você, tipo assim, você estar no meio da cidade, num bairro tranquilo, num bairro que não tinha assalto, num bairro que não tinha violência. Um bairro que por mais que tivesse problemas com o transporte público, o ônibus não andava cheio e você chegava nos cantos muito rapidamente. Além disso, você conhecia todo mundo. Quantas vezes eu esqueci a chave, perdi a chave, fiquei sentada, aí a Dona Nadir, “venha para dentro de casa.” Eu não ficava sozinha, ninguém ficava sozinha. Ninguém ficava, não dava tempo disso, a gente era uma grande família. Então, tinham várias grandes famílias naquela região. E eu odiei ter que sair do Pinheiro. A minha mãe sofreu muito, a minha mãe teve problema na pele do estresse, porque saiu. Eu também, porque tenho dermatite, tive crise de coceira por causa do estresse. Então, assim, não foi legal. E pra completar, naquela época você não tinha apoio de ninguém, porque quem saiu depois que se descobriu que era a Braskem, ainda teve apoio da Braskem para a retirada, mas quem saiu antes não tinha o apoio de ninguém. E aí, começou a saga de achar outro imóvel, de procurar outro imóvel. E aí, você não podia dizer que era do Pinheiro, porque se as pessoas soubessem que era do Pinheiro, era mais caro. Então, tinha até isso. Até que a gente ficou, “minha gente, o que a gente faz porque a gente mora aqui há muitos anos, a vida da gente é toda daqui para baixo.” Muita gente foi para a parte alta. Até que a gente achou o Feitosa. Mas até hoje a minha mãe reclama. Eu adoro morar onde eu estou agora. Se eu pudesse voltar para o Pinheiro, eu voltava. Mas eu gosto de morar onde eu tô. É o máximo que eu achei parecido com Pinheiro. E aí, a gente foi morar no Feitosa, a gente está no Feitosa desde então. E foi muito ruim porque mudou tudo, mudou a logística da vida da gente. Afastou as pessoas, que a gente tinha muita amizade. Então, assim, minha mãe tinha amizade com as pessoas. Hoje ela não tem a mesma amizade, ela já tem 65 anos, daqui a pouco ela faz…. Então, assim, pra mim que era mais nova, foi doloroso. Imagine pra ela que não faz amizade com tanta facilidade quanto a gente que é mais jovem, né? Então, hoje ela não tem as vizinhas, as amigas que ela tinha, ele não tem nesse condomínio que a gente mora, não é a mesma coisa. Então, teve o impacto, foi ruim, a mudança foi grande.
1:04:57 - Foram vários impactos. Mas relacionado ao meio ambiente, o que você diria assim, que foi uma grande perda, que realmente você consegue observar que impactou diretamente? R - Eu acho que a Lagoa foi a primeira coisa que pegou a gente. Porque quando eu era mais nova, tinha uns 12 anos, eu sempre gostei daquele role do protesto. A gente fazia o protesto, a gente fazia os cartazes e tal. Tinha um grupinho. O mesmo grupinho que eu tinha no Cruzeiro, eu formei um no Pinheiro. E aí, a gente descia o Mutange e ia para a Lagoa. Só que a Lagoa era bem distante, tinha várias árvores até chegar na beirada da lagoa mesmo. Então, a gente brincava muito, ia até a beira da lagoa. E quando teve o problema, a gente começou a sentir a diferença da lagoa. A lagoa começou a se aproximar. A gente já começou a perder o espaço, o campo que tinha, coisas que a gente ia brincar, não tinha mais. E a gente começou a ver as árvores sendo cobertas pela lagoa. Tinha o condomínio, que agora não lembro o nome, em Bebedouro. Eu tinha uma amiga que morava lá, tinha uma casa lá. Quando a gente entrava na casa dela, a água já estava batendo no muro do condomínio, já. Nessa época, 2018, 2019. Então, acho que o maior impacto de tudo isso, acho que foi novo na Lagoa, foi o que deixou a gente mais… Acho que foi o que pegou a maioria das pessoas, principalmente quem morava em Bebedouro. Porque a lagoa era o símbolo de tudo, era o símbolo de fartura, pra quem trabalhava e tinha renda tirada dela. Era símbolo de beleza, o pôr do sol. A gente tinha mirantes no final ali do pinheiro. Que a gente chama de mirante, mas não era bem um mirante, que a gente podia admirar o pôr do sol na lagoa. Isso foi tirado da gente. E os impactos ambientais como um todo. O desequilíbrio ambiental que passou a ter, porque a gente tem o parque municipal, tem animais silvestres no parque municipal. As pessoas começaram a sair das áreas urbanas e animais domésticos ficaram. E aí, começou o impacto do encontro de animais silvestres com domésticos. Quem via uma raposa no pinheiro? A gente passou a ver um casal de raposa no Pinheiro. Ver jacaré, cobra. A gente começou a ver a natureza voltando para os lugares que antes pertenciam. Então, o impacto de você voltar lá e ver as casas todas cobertas de musgo de mato, é impactante. E aí, quando você olha e vê, poxa, eu conhecia a pessoa que morava naquela casa. E aí, você voltar e passar lá e você vê aquela casa toda coberta de mato. É tipo assim, parece que você está num mundo distópico, uma coisa assim tipo, sei lá, não sei. Não parece que é a nossa realidade. Sabe? Acho que é mais isso.
1:08:04 P/1 - Com relação ao seu trabalho, você acha que impactou positivamente, negativamente?
R - Então, eu disse que eu odiei sair do Pinheiro, né? Então, todo ódio que eu tinha, eu joguei na Braskem. Todo ódio que eu tinha. E como na pandemia eu estava sem trabalhar, assim, o judiciário estava parado. Então, a gente ia ajudar os gatos que ficavam nas ruas. Aí, era eu e mais um grupo de pessoas que tinham uns que ainda moravam e tinham uns que tinham saído como eu. A gente voltava lá e a gente passava o tempo da pandemia, cuidando dos gatos. A gente ia pra lá quatro horas da tarde, e voltava sete da noite. Quando a gente chegava no Pinheiro, não tinha ninguém, só tinha a gente e os gatos. E aí, a gente ia cuidar dos gatos e tal. E aí, foi me causando revolta, quando eu comecei a ver as casas sem as portas, sem as telhas. Muitas pessoas tinham pichado as paredes, pedindo justiça. E os gatos ficando ali naqueles escombros. Os animais passando fome. E você não via nenhum movimento que fosse mudar isso. Eu não via ninguém em 2019, fala: vamos criar um movimento. Olha, teve alguém para falar sobre os animais que ficaram abandonados ali. Não tinha. Aí, eu, sem muita coisa pra pensar, eu sentei na frente do computador, na pandemia, e fiquei matutando. Eu sou advogada, o que é que eu posso fazer de diferente? Porque se eu fosse veterinária, eu ia lá tratar os bichos, ia castrar de graça, alguma coisa eu ia fazer. Não sou veterinária, tenho que usar o direito para alguma coisa. Aí, fiquei matutando, matutando, sabe de uma coisa, eu vou denunciar a Braskem. Aí, eu fui redigir uma denúncia de maus tratos, contra a Braskem. E num belo dia, sei lá, 21 de abril de 2020, eu protocolei a denúncia no Ministério Público Estadual, maus tratos, contra Braskem. Aí, a minha vida ficou uma loucura, porque virou de ponta cabeça. Antes era só a menina que cuidava dos gatos, depois eu virei a menina que denunciou a Braskem. Aí, minha vida ficou um caos. O caos piorou quando o Ministério Público abriu o inquérito, mandou chamar Braskem, aí notícia de fato. E aí, começou o caos. Tudo que eu tinha para ser perseguida, de 2020 a 2021, eu fui perseguida de todos os jeitos. Em vários lados. Então, eu chorava todo dia. Eu só meio, não tive depressão, porque acho que eu vou cair. Mas eu fui muito perseguida, por causa da denúncia. E aí, eu disse: não, vou seguir forte. Na época, eu tinha uma amiga advogada, que eu chamo ela de minha madrinha de advocacia, a Rosana, e ela me apoiava muito. Eu tive um apoio muito grande da obra de Alagoas, na época, que me fortalecia de certa forma. Poxa, eu não sou só a jovem que morou lá, eu tenho uma instituição forte que vai, que está do meu lado. E eu tenha. Foi o que me deu forças pra continuar batendo de frente, não deixando o tema morrer. Continuar lutando pelos animais. Então, eu acho que tudo que a gente tem hoje, do caso Braskem, relacionado aos animais, é fruto dessa denúncia. Talvez se não tivesse essa denúncia, talvez não tivesse nada. Porque ninguém estava fazendo nada.
01:11:54 P/1 - A gente já está encaminhando para o encerramento. Mas eu gostaria de ouvir mais sobre essa questão da ONG. Como foi que surgiu, qual foi o pontapé inicial? Foi a partir de algum fato? Como foi que se deu?
R - Então, como eu falei, eu saí do Pinheiro em fevereiro de 2019. Aí, na minha casa eu tinha seis gatos. Mas quem gosta de gato, nunca só tem o gato de dentro de casa, sempre cuida do da rua. Então, eu cuidava dos gatos que viviam ali na minha rua. Eram uns oito ou dez, mais ou menos. E aí, o escritório que eu trabalhava, era no Farol, então eu largava às cinco, pegava o Vi Saense, Centro, Sanatório, Centro, e voltava para onde eu morava e botava ração para esses gatos. E eu fiz isso meses. Só que aí, o que é que acontecia naquela época? Aparecia uma rachadura, a Defesa Civil ia lá, avaliava, liberava o novo mapa. Aí, o pessoal saía. Cada saída dessa, eu comecei a notar, que ficava um grupo de gatos. Tinha cão, mas não era tanto, a maioria eram gatos. Aí, daqui a pouco eu estava alimentando dez, eram quinze, vinte. Daqui a pouco aumentou. Isso aqui não está normal não. Eu conheci outras pessoas ao redor do bairro, que também alimentavam os gatos. E a gente foi fazendo amizade. Se uniu por causa dos gatos. E quando foi em maio de 2019, o Seu Geraldo, ele era presidente da Associação do Pinheiro, e na época ele é que era responsável por falar muito sobre o caso da Braskem e tal. E aí, ele chamou a gente, porque alguém foi dizer para ele a situação dos gatos. E aí, ele chamou a gente, e disse: Olha, essa situação, porque a gente não tenta ver se a prefeitura ajuda. Como é que a gente pode ver essa situação dos gatos?” E aí, eu não sei como, alguém disse: Ela é advogada. Não sei o que isso tinha a ver. Mas disseram isso. Eu disse: Gente, o que a gente pode fazer é formar um grupo. E aí, existia SOS Pinheiro, que lutava pelos direitos das pessoas. Vamos colocar os pets no meio. E aí, a gente surgiu junto com a Associação do Pinheiro, S.O.S. Pet Pinheiro, em maio de 2019. Naquela época, nosso objetivo era cuidar dos gatos que viviam nas ruas, monitorar, o que a gente chama de colônias, quando mais de cinco gatos se unem, a gente tem o que nós chamamos de colônias. As pessoas dizem que os gatos são individualistas, mas isso é mentira. Não são, eles se unem por qualquer fator que esteja acontecendo, eles vão se unir. E era o que aconteceu no Pinheiro. Os gatos que eu alimentava ali no Jardim Acácia, era uma colônia. Aí, tinha outra colônia perto do CEPA, que uma outra pessoa alimentava. E aí, a gente começou a monitorar essas colônias, e quantos gatos tinham nessas colônias. Até que com o passar dos meses, a gente chegou a alimentar 300 gatos, e eram 400 quilos de ração por mês. E a gente arrecadava isso tudo. Só que a gente começou a descobrir também, que tinham outras situações, alimentar não era o suficiente. Aí, a gente começou a descobrir que tinha gatas grávidas, a gente começou a encontrar muitas ninhadas de filhotes, começou a encontrar o gato idoso, animal deficiente, animal atropelado. E quanto mais o mapa ia aumentando, enlarguecendo. Ia enlaguercendo de lado, para frente, para trás, ia ficando gato, ia ficando gato. Quando foi em abril de 2020, assim, estava na pandemia, mas a gente estava topado, assim, “Minha gente, tem muito bicho, alguma coisa tem que ser feita.” O que a gente estava fazendo, não ia dar conta. Aí, foi quando surgiu a ideia de fazer a denúncia. Eu disse: não, agora eu vou denunciar. Porque a Braskem tem que ser responsabilizada de alguma forma. E foi quando a gente fez a denúncia. Até ali, a gente não tinha a sede física, a gente não tinha condições de ter sede física. Então, a gente só arrecadava os alimentos, concentrava tudo na Associação do Pinheiro, de lá a gente dividia para o que a gente chamava de pilares do projeto, que eram os moradores, ex moradores. Quem tinha carro, botava a ração no carro, os gatos já sabiam que era hora de comer. Bastava o carro dobrar a rua, eles sabiam que era hora de comer. Então, vinha assim… A gente tem vídeo, dez, quinze, gatos correndo, porque sabiam que era hora de comer. E a gente chegou a ter trinta colônias de gatos, só no Pinheiro. Era muito gato. Aí, o problema foi se estendendo para Bebedouro também. E aí, o mapa foi aumentando, aumentando. Já tinha tomado o Mutange, Mutange também os gatos já tinham subido para o Pinheiro. E tinha os gatos de Bebedouro também. A gente viu que o problema estava crescendo de forma descontrolada. Quando foi em julho de 2020… Seu Geraldo sabe, a gente tinha aquele espaço lá atrás, ele foi a única pessoa que estendeu a mão para a gente, no sentindo de dizer assim: Olha, vou apoiar vocês com isso, que é o que eu tenho, que era o espaço. Então a Associação era uma casa muito grande, e a gente tinha uma dependência de empregados muito grande, nos fundos dessa casa. Só que tinha muita coisa para fazer. Então, a gente começou a arrecadar material de construção, tinta, tela, para arrumar. E foi assim que a gente começou, nos fundos da Associação do Pinheiro. O que eu digo que equivale a um apartamento de 40 metros quadrados. Que tinha uma área, que a gente telou toda, uma pia, que era a lavanderia da casa, e o que era três quartos, que a gente transformou em isolamento, fechado com tela. E a gente começou assim. Em 5 de setembro de 2020. No meio da pandemia, a gente começou assim. A primeira gata resgatada foi a Marisol, uma tricolor, que foi resgatada na Rua Jornalista Vaz, no Pinheiro, lá no finalzinho, entre a divisa do Pinheiro e do Mutange. Ela estava com um barrigão, a gente imaginou, está cheio de menino aí dentro desse barrigão. E eu fui lá cinco horas da tarde catar ela, que eu já estava monitorando essa gata há um tempo, e ela foi a primeira resgatada. Passou uns cinco dias, ela teve três gatinhos, a coisa mais linda do mundo, e todos foram adotados. E Marisol está bem até hoje, a gente recebe os vídeos dela. E ela foi a primeira resgatada. E a partir desse momento, até hoje, a gente já resgatou 700 gatos. E teve uns cães também, meio na loucura, mas teve uns cães. Então, a gente resgatou 700 gatos. Só que a gente começou a ver uma coisa, não temos espaço para todos. Aí, a gente faz o quê? Vamos filtrar. É legal isso? Não! Mas a gente não tem espaço para todo mundo. Então, vamos buscar os vulneráveis dentro dos vulneráveis. Que eram as gatas, grávidas, ninhadas de filhotes que a gente achasse sozinha, filhotes, e gatos que tivessem em situação de saúde muito precária, gato que sofreu maus tratos, gato atropelado, gato deficiente, um gato muito idoso. Teve que filtrar, nem todos. E era muito triste a gente fazer isso, porque a gente ia cuidar deles todos os dias na rua, e muitas vezes no outro dia um deles não estava. E aí, às vezes passava um tempo, a gente encontrava o corpinho. Então, assim, era muito triste. Mas a gente não tinha como fazer. Não tinha apoio de ninguém, a gente só tinha os fundos da Associação.
Era um lugar muito pequenininho. E essa a gente começou, pegando os filhotinhos, pegando as grávidas. A gente foi meio que se especializando, sem querer, em neonatologia e obstetrícia felina. Porque a gente sabia tudo. O que acontece com uma grávida hoje, a gente sabe melhor que alguns veterinários. Então a gente se especializou nisso. E aí, hoje a gente tem 70 gatos vivendo no lar, a gente não chama de abrigo, nós chamamos de lar, em respeito a eles. Então, todos os nossos gatos têm nomes, ninguém fica na SOS sem nome, todo mundo tem nome. Então, cada um tem uma personalidade, tem uma característica, que a gente vai conhecendo quando eles chegam. Às vezes eu boto um nome, depois eu mudo. E alguns, quando são filhotinhos, muito bonitinhos, peludinhos, vão sendo adotados, vão indo embora. E tem alguns adultos que a gente vai criando vínculo, né? Não tem como não ter os favoritos. Então, eu tenho os meus favoritos. E a SOS surgiu desse movimento de pessoas que são amantes de animais, amam gatos. Enquanto isso, em paralelo, tinha o inquérito que corria da denúncia no Ministério Público. Que aí foi quando eu comecei a mostrar meu rosto, a SOS foi sendo mais conhecida pela sociedade, a gente foi criando o movimento, aí foi aparecendo na imprensa. As doações começaram a chegar mais um pouco. Então, todas as audiências no Ministério Público Estadual, até janeiro de 2024, fevereiro 2024, a gente participou de todas. Eu conto aí para mais de 30 audiências. Isso audiências com o Ministério Público, fora as reuniões que a Braskem obrigava a gente a ir, só para ouvir nada. Só para a gente perder tempo. Então, assim, a gente conseguiu fazer a Braskem olhar para a pauta dos animais, eles desenvolveram lá um projeto, um programa, que de certa forma, deu apoio para a gente até outubro de 2022. Mas quando a gente saiu do bairro, eles pararam de apoiar a gente. Então, assim, eu até hoje fico um pouco indignada, porque nós fizemos um movimento para que houvesse uma reparação pelos animais. E quando eu olho hoje, cinco anos depois, não existe mais o programa informativo da Braskem nos bairros, e não ficou nada para a SOS, não tem legado nenhum. Porque, assim, quando você para e olha, o que foi que a Braskem deixou para os animais em Maceió? A gente não tem nada. A gente não tem um hospital veterinário, a gente não tem uma clínica veterinária, a gente não tem um abrigo, seja lá o que for. Em Maceió a gente não tem nada. E eu fico, assim, será que tudo o que eu fiz, todas as 30 audiências, todas as horas que eu deixei de trabalhar, que eu deixei ficar com a família, que eu fiquei peticionando, juntando documentos, juntando provas contra a Braskem, será que tudo foi em vão? Porque não ficou nada para Maceió. Sabe? Hoje eu comecei a refletir isso. E aí, eu já estou matutando, o que eu posso fazer? Porque a gente fica pensando, poxa, não é justo, o dano foi causado não só no Pinheiro, mas foi causado para a cidade inteira. Então, hoje a gente tem animais que transitam na borda do mapa, a gente tem animal no Farol, a gente tem animal no Pinheiro mal tratado, no Farol afetado, no Bom Parto afetado. Tem animal no Flechal, na Pitanguinha, na Gruta. Cadê? O que foi que ficou? Ficou nada. E os animais continuam. E continuam aparecendo animais nos mapas, na área dentro do mapa. E aí, a gente começou a notar também um aumento no último ano, em 2025, a gente começou a perceber que com a saída do programa, começou a ter aumento de animais. Então, hoje, só nas últimas duas semanas, eu digo que eu recebi uns dez gatos vindo de lá. E ai? Aí, quer dizer que a Braskem parou tudo, encerrou. E os próximos anos daqui pra frente, porque o terreno está lá, qualquer pessoa pode passar de carro, qualquer pessoa pode arremessar um gato por cima do tapume. Tem gato na porta deles lá, eles não dão valor, na Braskem Bebedouro. E aí, as coisas vão ficar assim? Então, eu enquanto ONG, a gente já pensa, não, a gente precisa continuar lutando. A gente passou um ano, depois de muito estresse com eles, a gente passou um ano sem querer mais ter contato. Mas, aí, poxa vida, não dá, porque a gente surgiu por causa do problema. Os animais estão lá, vai ter mais animais. E a gente teve que… Eles precisam arcar,
precisam deixar alguma coisa pra Maceió. Então, assim, não dá! Quer dizer, estão fazendo aí com o dinheiro, estrada, pista nova, né? Dizem que vão dar imóveis para algumas pessoas, mas e os animais? Cadê os animais de Maceió? O que foi que os protetores de Maceió ganharam? Os que resgataram todos os animais, porque não foi só o SOS que tirou animal do Pinheiro, não. Tem protetor de Maceió inteiro que tirou animal do Pinheiro, de Bebedouro, que tira do Flechal. Ficou o que para a gente? O que a gente tem hoje? A gente tem hoje apoio de pessoas que realmente se importam com os animais. Mas da Braskem nada. Falei demais, desabafei. Foi mal.
1:26:16 P1 - Como você vê o futuro dessas regiões afetadas? Olhando para o ser humano, mas também para a questão dos animais? O futuro dessas áreas, o que você imagina que vai acontecer? Ou o que você gostaria que acontecesse.
R - O que eu enxergo e que a área da Braskem, e ela vai fazer o que ela quiser lá. Com aquele terreno maravilhoso, se é que já estão tramando o que vão fazer com aquela região toda. Com os animais, o programa deles já se encerrou, como eu já disse, eles não deixaram legado nenhum pra Maceió, relacionado aos animais, a gente não tem nada para os animais, em Maceió, fruto da Braskem. Eles deixaram pista, estrada, isso aí tem, estão fazendo. E o que eu gostaria, era que ali não se tornasse um local que a Braskem se tornasse mais rica. Porque a sensação que a gente tem, é que a Braskem comprou tudo da gente, e eles vão vender e vão ficar mais ricos. É essa a sensação que a gente tem. A sensação que a gente tem, é que daqui a pouco aquela rua que a gente ia lá para o final ver o pôr do sol da lagoa, vai ser uma tremenda mansão de doze milhões, de algum milionário, que vai usufruir da melhor região de Maceió. Que hoje, se a gente analisar tudo a nossa cidade, aquilo ali é a melhor região de Maceió. Está no meio da cidade, não é longe do centro, não é longe do aeroporto, não é longe da praia. Tem uma vista belíssima para a lagoa. Está na avenida mais movimentada da cidade. O que eu acho que vai se tornar ali, é um grande investimento da Braskem, que eu não sei o que eles vão fazer. E o que eu gostaria, e que as autoridades realmente tomassem aquilo para a sociedade, que ali fosse um parque, depois de estabilizado, a gente pudesse usufruir daquele terreno, enquanto cidade de Maceió, onde a gente pudesse, sei lá, fazer piqueniques, um parque como tem em outras cidades, que a gente não tem isso aqui em Maceió. Que ficasse um legado para Maceió. E que a gente não esquecesse, que aquilo ali a gente tivesse um museu, tivesse lembranças do que não aconteceu. Porque é muito nocivo para a sociedade esquecer, o que aconteceu de ruim, a gente não pode deixar esquecer o que aconteceu de ruim. Eu até apoio a ideia de que a gente deveria deixar alguma parte daqueles escombros de pé, para não ser esquecido. Deixar assim, parte daqueles escombros de pé, pra quem sabe no futuro a gente leve escolas para conhecer aquilo ali, e ensinar aquelas crianças a não permitir que aquilo aconteça no futuro. Para o que aconteceu com a gente não aconteça de novo. Então, assim, basicamente era isso que eu gostaria. Acho que muita gente. Mas ultimamente nada do que a gente quer está sendo feito, então, fica triste.
1:29:43 P/1 - Para encerrar, o que você gostaria que as pessoas soubessem de toda essa experiência? Tudo o que você vivenciou como moradora, como alguém atuante que lutou até onde pode. O que você gostaria que as pessoas soubessem?
R - Que a partir de uma coisa tão ruim, porque eu sempre falo, tenho vontade de chorar. A partir de uma coisa tão ruim, porque eles destruíram tudo que a gente tinha. Mas a partir desse problema eu conheci tantas pessoas boas, eu fiz tantas novas amizades. E a partir daquilo surgiu a gente. Então, assim, eu não me vejo sem a SOS mais. Eu não me vejo mais sem os gatos. E a minha mãe dizia: Elisa, tu vai conseguir fazer isso até quando? Aí, eu estava conversando com ela outro dia. “Mãe, você sabe que não existe Elisa sem SOS Pet Pinheiro, né? Hoje, eu tenho o apoio, graças a Deus, de muitos voluntários. Eu não estou sozinha. Assim, eu fico muito feliz quando eu vejo que eu fiz novas amizades. Tipo, tem a Lane que é a minha vice-coordenadora, meu braço direito e esquerdo, minhas duas pernas e meu carro. Ela está sempre comigo. E foi uma amizade que surgiu por causa disso. Então, assim, hoje nós somos muito amigas, a gente conversa muito sobre tudo. E tantos outros. E eu fico pensando, se todo mundo me abandonar? Mas não existe Elisa sem isso aqui mais. Assim, cada gato desse que está aqui, é tudo pra mim. Então, quando eles são adotados, porque eu tenho que deixar eles serem adotados para eles terem a vida deles. Eu acompanho e fico feliz quando eles estão bem, porque abrem novas portas. Então, assim, a partir de uma coisa tão ruim, existiu uma coisa com muito amor, muito carinho. Dá para a partir de coisas ruins, surgirem coisas boas, sabe? Surgirem novas amizades, novos amores. Eu nunca imaginei que um dia eu ia ter isso aqui. Nunca. Eu sempre gostei de gato, mas eu nunca imaginei que eu seria responsável por 70. Eu sou responsável por 70 vidas. E todos os dias eu penso neles. Todos os dias eu puxo a orelha de alguém, se alguém fizer alguma coisa troncha. Então, assim, dá para surgir coisas boas a partir de coisas ruins. Então, assim, o que eu quero que as pessoas saibam e que se acontecer uma coisa ruim na sua vida. Você tem que superar e buscar tirar algo bom disso. Sabe? A Braskem, ela tentou destruir tudo, mas ela não conseguiu destruir tudo. A gente criou novos amigos, a gente se juntou com novas pessoas, a gente se fortaleceu. E a gente está aí unidos para continuar por quantos anos forem necessários, brigando pela natureza, pelo direito das pessoas, direitos dos animais. E acho que é isso. E a Elisa, é a Elisa dos gatos, fazer o quê? É assim que me chamam. Todo canto que eu vou, alguém, “você não é a menina dos gatos? “Você não é a menina dos gatos do Pinheiro?” Digo: é moço, eu sou! Não posso nem cometer um delito, vão saber que fui eu. Eu vou num show, todo mundo me reconhece, vocês não tem noção. Estava eu lá, maravilhosa, cantando Calcinha Preta, tomando chope, “Você não é a menina dos gatos do Pinheiro?” Meia noite! “Sou eu mesmo.” Todo dia acontece essas coisas comigo. Na hora eu fico constrangida. Depois, é uma coisa adulta, eu sou a menina dos gatos, não tem problema não. Eu acho que é isso. Desculpa eu chorar. É porque não tem como não chorar. Fazer o quê? E tudo isso aqui que vocês estão vendo, é porque isso aqui é a extensão da minha casa. E eu não vou cuidar mal daqui, eu cuido daqui com cada detalhe, o que os meus gatos tem em casa, os gatos vão ter aqui. Se não vier da doação, vai vim do meu cartão de crédito, não importa. Olha eles olhando pra mim ali atrás. Mas é isso, basicamente não vivo sem isso aqui. É para sempre.
1:34:43 P/1 - A gente finaliza aqui. Muito obrigada!
R - Obrigada! Desculpa chorar.
P/1 - Imagina!
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