Projeto: VLI – Estação de Memória: Porto & Pesca
Entrevista de José Reinaldo Moraes Ramos
Entrevistado por Luiza Gallo e Ane Alves
São Luís, 30/09/2025.
Entrevista nº: VLI_HV015
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Miriam Allodi
Revisada por Ane Alves
P1 - Primeiro, eu quero te agradecer por nos receber aqui na comunidade. E gostaria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento?
R - Pois bem! Meu nome é José Reinaldo Moraes Ramos, sou nascido e criado na comunidade de Taim, nascido no dia 04/01/1961. Trabalhador rural e pescador também.
P1 - E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - O que eu sei do dia do meu nascimento é que, assim, foi um dia bem esperado. Nascido mesmo na comunidade, não cheguei... Na época, as mulheres realmente tinham neném mesmo em casa, dificilmente iam para a maternidade porque era também um pouco difícil o acesso ao hospital.
P1 - E qual é a recordação que você tem dos seus pais? A história deles, como eles se conheceram?
R - Meu pai era pescador, não o conheci, porque quando ele faleceu eu tinha um 1 e 10 meses de vida. Mas pescador, a história que eu sei dele é que ele faleceu em consequência de carregar muito peso, na época, aqui não tinha transporte pro centro, ia se pegar o pau de arara, que vinha de Rosário, que passava lá na BR Maracanã, por for a. E botava três latas de camarão, ou quatro, no pau de carga, e ia daqui para a pista, e com isso, a veia aorta, do coração, estourou. Só de carregar peso. Essa é a recordação boa que eu tenho, que ele era um homem muito trabalhador. E a triste é que morreu praticamente arrebentado de carregar peso para dar o melhor para os filhos.
P2 - Com quantos anos ele faleceu?
R - 27 anos. 27 anos, morreu o avô dele, morreu o pai dele, morreu ele. Aí, quando meu irmão mais velho estava chegando com 27 anos, disse: meu Deus do céu! Não é possível! Quando eu estava chegando com 27...
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Entrevista de José Reinaldo Moraes Ramos
Entrevistado por Luiza Gallo e Ane Alves
São Luís, 30/09/2025.
Entrevista nº: VLI_HV015
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Miriam Allodi
Revisada por Ane Alves
P1 - Primeiro, eu quero te agradecer por nos receber aqui na comunidade. E gostaria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento?
R - Pois bem! Meu nome é José Reinaldo Moraes Ramos, sou nascido e criado na comunidade de Taim, nascido no dia 04/01/1961. Trabalhador rural e pescador também.
P1 - E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - O que eu sei do dia do meu nascimento é que, assim, foi um dia bem esperado. Nascido mesmo na comunidade, não cheguei... Na época, as mulheres realmente tinham neném mesmo em casa, dificilmente iam para a maternidade porque era também um pouco difícil o acesso ao hospital.
P1 - E qual é a recordação que você tem dos seus pais? A história deles, como eles se conheceram?
R - Meu pai era pescador, não o conheci, porque quando ele faleceu eu tinha um 1 e 10 meses de vida. Mas pescador, a história que eu sei dele é que ele faleceu em consequência de carregar muito peso, na época, aqui não tinha transporte pro centro, ia se pegar o pau de arara, que vinha de Rosário, que passava lá na BR Maracanã, por for a. E botava três latas de camarão, ou quatro, no pau de carga, e ia daqui para a pista, e com isso, a veia aorta, do coração, estourou. Só de carregar peso. Essa é a recordação boa que eu tenho, que ele era um homem muito trabalhador. E a triste é que morreu praticamente arrebentado de carregar peso para dar o melhor para os filhos.
P2 - Com quantos anos ele faleceu?
R - 27 anos. 27 anos, morreu o avô dele, morreu o pai dele, morreu ele. Aí, quando meu irmão mais velho estava chegando com 27 anos, disse: meu Deus do céu! Não é possível! Quando eu estava chegando com 27 anos. “Senhor, não é possível!” Mas Graças a Deus, a gente superou.
P1 - E a sua mãe?
R - Minha mãe faleceu com 56 anos, em consequência de um AVC. Ela só tinha filhos… As mulheres tinham falecido tudo, só homens, e a gente que cuidava dela. Cuidei esse período, 8 anos que ela passou doente, 8 anos que eu não trabalhei em canto nenhum, mal. Só depois que deixava eu e meus irmãos, os outros já tinham família. E eu, que ela morava comigo, só saía de casa para qualquer lugar, depois que ela fazia todas as suas necessidades. Quando os vizinhos vinham e faziam, ótimo! A gente agradecia. Mas quando não podia, a gente tinha que agradecer também. E era cuidada pelos filhos. E as noras, quando podiam também.
P1 - E que lembranças você tem dela quando você era bem pequeno? Como era o jeitinho dela? O que ela gostava de fazer?
R - Ela gostava muito de trabalhar de roça, de tocar caixa. Ela também era praticante da religião matriz africana também. E assim, minha mãe era uma pessoa muito incrível, muito dedicada. Manhosa que só! Mas era uma mãe incrível.
P1 - E ela teve quantos filhos?
R - Olha, com meu pai foram 3 filhos. Aí, meu pai faleceu. Com outros casamentos, ela teve mais 2 filhas mulheres e mais 3 homens, 4 homens. Aí, hoje nós somos, as mulheres faleceram todas. A primeira, do primeiro casamento, como eu falei, 3, 1 mulher e 2 homens. A mulher faleceu. Do segundo casamento, 2 mulheres e 3 homens. As mulheres faleceram. Faleceram 2 mulheres e 1 homem, e ficou... Além dos 2 do primeiro casamento, ficou mais 3. 1 falecido. E nós somos agora 4 irmãos.
P1 - E quando vocês eram pequenininhos, o que vocês gostavam de fazer juntos? Como era o dia a dia de vocês?
R - Jogar bola, jogar pião, jogar supapo.
P1 - O que é isso?
R - Ah, supapo, é um tipo de jogo que a gente... Quem é trabalhador rural, que planta as culturas de inverno, e dentro dessas culturas planta o milho, e o milho, ele dá aquela… A casca do milho. Aí, da casca do milho, se faz como se fosse... Chama supapo. Amarra um... Enche de um pouco de pano, aí amarra, aí fica aquele pendão, a gente fica batendo, ele sobe e desce, sobe e desce, sobe e desce. E para criança é uma brincadeira, uma novidade. Jogar peteca, brincar de carrinho, de lata de sardinha. O brinquedo de criança antigamente era esse. Furava as latas de sardinha, fazia os pneus de japonesa, da borracha da japonesa, do solado da japonesa. Enfiava uns pauzinhos de um lado e de outro, botava as rodinhas e ia brincar. Daí, então, era para brincar. Quando não estava brincando, estava na roça com os seus pais. Que antes era a roça e brincadeira. Eu pelo menos, quando eu fui estudar, eu tive que... Meu pai faleceu, minha mãe teve esses filhos. Mas eu fui criado com a minha avó. Para ir para a escola, eu tive que tirar juçara, vender, pra poder comprar cartilha, pra poder ir pra escola.
P1 - Como foi isso?
R - Assim, a vida aqui na zona rural, não era fácil, não! Você ia para a roça, ia pescar. Aí, quando não estava na roça, estava na pescaria, quando vinha da pescaria, às vezes, ia vender o peixe para comprar… Me lembro que nos anos 70, teve uma escassez de farinha. A gente tinha que pescar para trocar peixe por farinha. E vendia a juçara. E a gente se virava. E vida de criança também não era fácil, não.
P1 - E você começou, então, a ir para a lavoura cedinho?
R – Cedo. Meu irmão mais velho, ele era maiorzinho, ia para os matos tirar pau, eu carregava e minha avó ficava ensinando a gente como arrumar a caeira, cobrir, tocar fogo, que era para vender os cofinhos também. Os cofinhos cheios de carvão. Quem ia para o centro embarcado, aí fazia um cento de carvão, do centro e mandava vender.
P1 - E na pesca, com quem que você ia? Sua mãe ia junto?
R - Não, minha mãe gostava mais de ir para o Igarapé. Mas pescar, por exemplo, esse aqui era um companheiro de pesca. Meu cunhado, que quando ele foi morar com a minha irmã, eu tinha nove anos. Aí, eu arrastava camarão junto com ele, pescava, tanto de puçá, como de espinhel, de caçoeira,
P1 - O que é isso?
R - Espinhel é de anzol, bota os espinhéis dentro da água. É um tipo de utensílio de pesca.
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P1 - E você aprendeu com quem? Com a comunidade mesmo? Com as pessoas?
R – É, porque na comunidade todo mundo… Os homens todos eram pescadores e lavradores. E a gente ia crescendo, olhando e já praticando. Porque as crianças iam para a roça ajudar os pais, ou então, os mais velhos iam para a pescaria com os pais também, ou então com os vizinhos, e assim por diante, com quem os convidava.
P1 - E você lembra ainda, pequenininho, um dia marcante na pesca? Um dia que você pegou um peixe maior ou camarão?
R - Camarão, a gente, o meu cunhado, quando nós terminamos a arrastadura, ele disse: Zé, bota o camarão pra dentro da canoa.” Aí, eu disse: rapaz, eu não acredito! Eu não pude. Era uma bolada de camarão. Ele disse, assim: rapaz, aqui tem uns 20 a 30 quilos de camarão. Eu disse: rapaz, eu não acredito! “Então, vem botar pra dentro da canoa.” Eu não pude. Aí, teve que botar nós dois. É, assim, a gente se surpreendeu. Outra vez, eu fui pescar, eu e outro garoto da minha idade, aí eu fui tirar o espinhel, quando foi na hora, o anzol pegou no dedo, eita dor! Teve que passar barbela, para poder puxar pela patilha. Aí, doi!
P1 - No seu dedo?
R - No meu dedo. É assim! Na vida de pescador acontece esses acidentes também. Tanto que quanto a gente vai para a roça, capinar a roça, às vezes, passa foice, escapole, passa na perna, o facão também, na hora da capina. E assim também vai. Assim vai!
P1 - E aí, quando vocês tinham um bom dia de pesca, vocês voltavam como para casa?
R – Contente! Só me lembro que, como eu falei anteriormente, na época de 70, na época da escassez da planta da mandioca, que a gente ficava triste, porque as maiores a gente ia trocar por farinha, e comia praticamente as menores. Isso é uma tristeza.
P1 - E por que que teve escassez de farinha?
R - A seca muito grande. Aí, as manivas que a gente plantava, quando nasciam, morria tudo. Ou então, quando chegava no inverno, as que escapavam, o inverno muito forte, alagava e apodrecia. Chamava-se podrão da mandioca.
P1 - Por quanto tempo ficou assim?
R - Isso foi em 1970. Já antes de 1970, no anos de 1968 para 1970.
P1 - E aí, você chegava em casa com um monte de comida?
R - Era o peixe. Era só alegria. Às vezes chegava com o peixe e a farinha, porque as comunidades, às vezes, que não seriam atacadas pelo... Quando as manivas escapavam, que não eram atacadas pelo podrão, a safra da farinha era boa. E aí, a gente ia na cominidade, trocava por farinha, ou vendia. Assim, por diante. Chegava em casa com a farinha e o peixe.
P1 - E pra pescar, vocês se preparavam? Como que era? Como que pensa o dia, a hora certa de pescar? Vocês combinam antes?
R - É, só basta arranjar companheiro. “E fulano, bora pescar amanhã?” “Vambora!” E assim. Porque pra pescar, só tem… Porque o pescador já sabe a hora da maré, tem que ir, às vezes, em maré alta de vazante, pra saltar de maré alta de enchente. Então, o pescador já sabe a hora de sair de casa para pescar e a hora de chegar. Dependendo do utensílio que você vai pescar, digamos, se eu for pescar de caçueira, eu chego mais cedo. Se eu for pescar de linha ou de espinhel, eu já chego mais tarde.
P1 - E aí, escolhe no dia?
R - Não, não tem dia. É o dia, depende da necessidade.
P1 - E como você sabe a maré?
R - Rapaz, assim, a gente que mora na zona rural, algumas coisas são regidas pela natureza, por exemplo, pela lua. Por exemplo, a maré, quem rege a maré é a lua. Digamos, a maré de quarto é bom para um tipo de pescaria, por exemplo, pescar de linha, pegar pescada, peixe pedra. Mais os peixes que gente pesca de linha. E quando é de maré águas grandes, é mais para arrastar camarão. Assim, e principalmente de dia, que a maré, a água fica suja. E assim, o pescador já sabe, digamos, dois dias depois de quarta, a maré está melhor para peixe. E assim por diante. São algumas coisas que por conhecimento, tanto da pesca como da lavoura, a pessoa adquire, com os nossos ancestrais, que eles respeitavam muito a natureza, os dias melhores, de ir para pescar, de caçar, de tirar o pau no mato. E assim por diante.
P1 - E que outros conhecimentos tradicionais você tem? Pode ser de lavoura, da caça... Tem plantas que vocês utilizam para chá?
R - Olha, de planta para chá, nós temos. Por exemplo, o Chá Caboclo, que a gente usa para pessoas que estão anêmicas, a Jardineira com o limão, bota difusão à noite no sereno, aí esfarela ele para pegar o sereno, para de manhã banhar a cabeça para a gripe. A Orisa, para você que estar com dor de ouvido, colocar o sumo, a Orisa. Tem o… Tem Ns, que assim, geralmente, a gente passa pela cabeça. Tem São Caetano, que a gente usa, às vezes, até… Diz que é muito bom pra... Não quando já está avançado, mas quando está em um estágio inicial… Câncer, ou seja, quando está em um estágio menor, se usa para combater. E assim por diante.
P1 - Você cresceu com esses remédios.
R – É! Com esses remédios também. E assim, outro conhecimento, é que como a nossa comunidade cultua São Benedito, eu acho que desde a sua criação, porque nós somos uma comunidade descendente de uma miscigenação de escravos e índios, e a nossa origem é muito forte. Aí, com isso veio o Tambor de Crioula, que é a nossa imagem de São Benedito, também foi deixada pelos escravos. E com isso que o Tambor de Crioula já tem mais… Quase 100 anos na comunidade. E eu aprendi a confeccionar os tambores artesanais.
P1 - Desde pequeno?
R - Meu crescimento foi dentro da cultura. E com o tempo, além de aprender a cobrir, eu aprendi a confeccionar os tambores.
P1 - E como que é?
R - É uma coisa gostosa, assim, de fazer. Assim, primeiro... Eu não sou muito supersticioso, mas eu respeito, digamos, eu respeito a mata na hora de tirar. Eu, pelo menos, eu gosto de tirar no escuro. A maré, a lua nova… É a lua nova né, que de dia está no escuro? Porque tirando na lua nova, a madeira não racha. Com isso, ela consegue concentrar pouca água, e com isso ela não racha. Então, eu tenho… Não é superstição, mas eu respeito muito a natureza. Aí, eu tiro nos manguezais. Agora mesmo, eu estou terminando de fazer um, que eu fui lá para Icatu, dar uma oficina, e lá fiz uma parelha de tambor. Nós fomos para lá, inauguramos, ano passado, e agora eu estou terminando de fazer ela, para ver se dá para estrear agora no dia 5 de outubro.
P1 - Uau! E qual que é a história do Tambor de Crioula?
R - Olha, o Tambor de Crioula, há 87 anos, foi recriado, porque dizem que já tinha na comunidade. Só sei que pela minha bisavó, Josefa, já tinha imagem de São Benedito e sabia que se cultuava São Benedito com o Tambor de Crioula. Aí, os meninos… Incentivaram as crianças, foram no mato, tiraram um pau, que o símbolo do festejo é o que se chama o mastro, de todos os festejos, tirou o mastro. Aí, nesse ano ela matou bastante criação, e começou. E daí para cá nunca parou. Aí, com isso, eu aprendi. Não sei tocar, eu sou um desastre para tocar o Tambor de Crioula, quando eu começo aqui, quando penso que não, os companheiros estão lá no lugar, e eu já estou uns 10 metros afastado. Mas para a confecção, é comigo mesmo, fazer. Desde tirar no mato, fazer a escavação, fazer o tratamento dele, cobertura.
P1 - Tudo?
R - Tudo.
P2 - E vocês fazem a festa do Tambor de Crioula para encerrar os festejos de São Benedito e em quais outras datas? Como é que funciona?
R - O festejo principal, é no mês de abril. Começa no domingo de Ramos, com o levantamento do mastro… É uma festa o dia todo, desde ir lá para dentro dos matos, para ir buscar. Aí, o mastro… Vai buscar o mastro, o mastro entra de casa em casa. E é uma festa do dia todo. Quando chega aqui na igreja, é de 1 hora para 2 horas. Aí sai. Na trajetória tem lanche, tem bebida, cada casa dá… Antigamente era só cachaça bruta, agora não, é só uma cervejinha, um conhaque, vinho. Aí, é aquela comilança durante a trajetória, muita folia, bebida. Quando chega aqui tem uma grande feijoada, depois, umas 5 horas, levanta o mastro, faz a chamada no pé do mastro, quem pode estar contribuindo, contribui com alguma coisa, e depois que faz a chamada. Bate o Tambor de Crioula. Aliás, quando chega, o Tambor de Crioula apanha. Termina a comida, o Tambor de Crioula apanha, apanha, apanha. E é só festa até na hora de levantar o mastro. Aí levantou, faz a chamada no pé do mastro. Depois que o mastro é levantado, faz a chamada, e depois da chamada faz a ladainha, aí encerra.
Aí, quando é no Sábado de Aleluia, tem a festa das 7 no sábado, quando é no domingo, é só Tambor de Crioula. O Tambor de Crioula, com muita fruta servindo durante a noite, tudo quanto é tipo de fruta. Quando é umas três horas da manhã, para duas horas… Às vezes, quem chega sem jantar, janta. Quando é três horas da manhã, sai a comida para todos. E quando é de manhã, tem um cafezão. É com bolo de tapioca, é macaxeira, tudo quanto é iguarias da zona rural.
P1 - E no dia de São Benedito?
R - Aí, pra gente, é no festejo do mês de abril, segunda-feira de Páscoa, considerado dia de São Benedito, aqui na comunidade, porque já é antiga. Nesse dia, aí tem celebração, tem a procissão de São Benedito. Aí, no encerramento, é com festa de novo. Esse é o festejo tradicional. Agora, no mês de outubro, dia 5, que é dia de São Benedito, no calendário litúrgico, quando é no dia 26 de setembro, começa toda noite as celebrações, toda noite um celebrante diferente. Também a gente não faz procissão, não tem mastro, porque para não tirar a tradicionalidade do festejo principal. É só mesmo a parte religiosa, e o encerramento é com o Tambor de Crioula, que vai ser no próximo domingo.
P2 - E as comidas, é a comunidade inteira que se reúne para fazer?
R - É, tanto nos dois. Agora, esse agora, a comida é pouca, praticamente não tem aquela comilança, como no festejo principal. O que tem realmente no dia do Tambor de Crioula, é muita fruta, é comida, para os coreiros, esse tem.
P2 - Mas vocês recebem doação de fora, alguma coisa, ou é só da comunidade mesmo?
R - Só da comunidade mesmo. A comunidade mesmo que é responsável pelo festejo de São Benedito. Às vezes, a gente recebe doações, ajuda de custo, a gente já recebeu. Mas isso é difícil de acontecer. Porque a gente se responsabiliza pelo festejo. Além dos toques de tambor nos festejos, quando tem... É a época de carnaval, tem a jornada de tambor, as pessoas saem na jornada de apresentação. E festas juninas. Outras apresentações quando aparece, pra gente constantemente aparece. Por exemplo, semana passada, não, no dia 18… Eu faço parte do Conselho Gestor de Tambor de Crioula, e foi uma luta do conselho fazer com que as nossa culturas fossem incluídas na grade curricular dos alunos da prefeitura. Aí, com isso, em vez de a gente fazer as apresentações no dia municipal do Tambor de Crioula, que é dia 6 de setembro, a gente foi dar oficina nas escolas de Tambor de Crioula, com encerramento… Fazer com que esses alunos... Foi um repasse de saberes. Porque assim, hoje eu já tenho 64, Demir já está na casa dos 70. E assim, a gente vai. E o saber tem que ser repassado para ficar e continuar. Salvaguardar esse saber. E, com isso, assim, foi muito gratificante, não só para mim, que faço parte do Conselho de Tambor de Crioula, fazer com que esse acontecimento ímpar, fosse reconhecido pelo município e ser incluído na grade curricular para que esses alunos, sejam os coreiros e coreiras do amanhã.
P1 - E como você aprendeu a confeccionar?
R - Olha, por exemplo, meu tio Balbino, que também foi um dos que ajudou a criar o Tambor de Crioula, ele cobria. O tio Boaventura, que morava na comunidade de Limoeiro, também vinha pra cá cobrir. Eu também estava ali, criança, e na hora de estender a fogueira eu estava lá, na hora de cobrir eu estava lá. Aí, com isso eu aprendi a cobrir e com o tempo eu aprendi a confeccionar também. Por que não confeccionar? Porque muitas das vezes, eu sentia necessidade, às vezes, quando eles faleceram, aí ia buscar pessoas de longe para cobrir. E assim, aí eu aprendi. Eu olhei a cobrir tambor, por que eu não vou experimentar cobrir? Aí, com isso, eu aprendi. Tudo do Tambor de Crioula na confecção.
P1 - E qual é mais? Que outras histórias tem aqui da comunidade que você pode contar para a gente? A comunidade de Taim.
R - É uma comunidade onde, por exemplo, na hora que a gente ia… Muito unida. Onde a gente ia… Quando um diz assim, tal dia eu vou plantar roça. A comunidade, não só da comunidade do Taim, outras comunidades, de Porto Grande, Rio dos Cachorro, ia plantar para aquela pessoa. Assim, era uma troca de áreas. Que na hora tu vai me ajudar a plantar minha, eu vou ajudar a plantar tua. Assim era na hora de fazer as farinhadas, era na hora de tapar, porque agora não, a maioria das casas já são de alvenaria, mas quando era de taipa, na hora de armar, se juntava à comunidade. Na hora de cobrir, que era de palha, todo mundo se reunia para cobrir. Na hora de tapar, a mesma coisa, de barro. E assim, era uma comunidade muito unida. Mas já foi quando, nos anos 80, começou a aparecer a especulação, a grilagem de terra, que queriam tomar a nossa comunidade. Aí, a comunidade teve que ir para o embate.
P1 - E aí?
R - Aí é assim, tem uma expressão que diz assim: “pedra não briga com garrafa.” E aquela coisa... Não, a gente tem que desmistificar isso. Um sozinho é difícil lutar contra o poder aquisitivo, mas quando a gente junta força, é mais fácil. Aí, um senhor que chegou, ainda colocou uma cerca pra cá do campo. Não, aqui a comunidade… Fez o companheiro dele se passar por um filho da comunidade, chamado Inácio. Aí, deu parte da gente. Foi assim, uma revolução muito grande pelas terras. E o que o caboclo fez, o que queria tomar Taim? O alvo principal foi um companheiro chamado Beto, e eu, na época, era presidente da União de Moradores. Não sei se foi o meu primeiro... Não, eu não era presidente da União de Moradores. Mas eu já fui presidente do time com meus 16 anos, já tinha assim, não era muito instruído, mas já tinha um conhecimento de como a gente poderia estar lidando e lutando contra essa especulação imobiliária. Aí, disse: olha, o correto seria a gente fundar uma União de Moradores e uma personalidade jurídica lutar contra uma pessoa física. E assim nós fizemos. Aí, eu chamei a luta para a União de Moradores, para a personalidade jurídica. Foram 14 anos de litígio. Teve um dia que eu cheguei no fórum, tinha saída uma nota de que o rapaz tinha ganho. Como é que se diz? Não sei o que Judicial… Como é que se diz? Esqueci, falhou a memória. Aí, disse assim: olha, a gente não pode... O pessoal nosso se alarmar, dizer assim: nós perdemos a causa. Vai sair todo mundo praticamente com a trouxa na cabeça. Não é por aí asism, a gente vai ter que lutar. Aí, nós fizemos… Mandamos ofício para Direitos Humanos, INCRA, ITERMA. Aí, teve uma grande reunião aqui… CPP, CPT, Cáritas Brasileiras. Aí, mudou de advogado. Porque o advogado e o juiz eram tudo da mesma família das pessoas que estavam querendo tomar as nossas terras. Aí, foi mudado juiz, foi mudado advogado, nosso advogado. Aí, a Caritas Brasileira, deu advogado, o Direitos Humanos ajudou também com o advogado, que foi o Doutor Pedrosas. E assim, nós tivemos muita ajuda. Aí, com isso, entrou com uma apelação, foi marcada uma nova audiência, e no dia dessa nova audiência, nós fizemos um grande movimento na zona rural de toda São Luís. Colocamos lá em frente o fórum mais de 3 mil pessoas. E o juiz, lógico, que quando ele viu aquele montão de pessoas em frente ao fórum, clamando por justiça e por nossas terras, ele não teria coragem de dar novamente causa ganha para o safado. Aí, com isso ele deu causa ganha para nós, e graças a Deus, aí foi a luta pela titularização da terra. E hoje o Estado entrou com a DPU, em harmonia e nos deram o título da terra em 1997.
P1 - E foi nesse momento que o “í” do Itaim caiu? Era Itaim?
R - Não. Quando foi nos anos 60, teve uma primeira demarcação territorial com o Dioniso, que foi o filho da Josefa, que ajudou a fundar o Tambor de Crioula. O Dioniso, que na época, ele era considerado na comunidade, um conselheiro, onde todos ouviam, era uma pessoa do bem mesmo.
P1 - O seu tio?
R - Avô.
P1 - Tio Avô?
R - Avô mesmo. Avô! Eles acharam por bem começar a fazer a demarcação da terra, que na época foi feito de Taim, Limoeiro também. Dona Vicência, que era o nome Dona Vicência. Só que eles se reuniram, tiraram… Porque na época, além da roça e da pesca, cortavam mangue na comunidade, para vender para aquelas fábricas que confeccionavam óleo, sabão, saco de estopa. E esses mangues eram para abastecer as fábricas. Tiraram as barcadas de mangue, e com isso ainda pagaram um topógrafo, que era para fazer a demarcação da terra. Nessa época, o nome ainda era Itaim. Aí, depois que o velho faleceu, a casa no qual o velho morava, depois que ele faleceu, pegou fogo, queimou todos os documentos. Depois, com o tempo, a nova demarcação, o I saiu, só ficou mesmo Taim.
P1 - De onde vem esse nome que você estava explicando para a gente?
R - De onde vem? Porque segundo a história da comunidade, que eu já sou da quinta geração, são coisas que vão repassando para a gente. É assim, como aqui era uma comunidade, porque a ilha de São Luís, a maior parte, fazia parte da aldeia dos Tupinambás, dessas comunidades, como o Taim. Taim é um nome indígena. Taim, Pinduatiwa, Pacuatiwa, eram 17 ou mais de 20 comunidades, que faziam parte das aldeias Tupinambás. E aqui era uma das tais. Aí, depois, com a vinda da mão escrava, que aqui nós temos um brejo, chamado tanque, onde tem uns resquícios que a gente acha que seria construído um grande galpão para armazenamento de mercadoria. Tem uns baldrames lá, todos de grande feito mesmo, de pedra e cal mesmo. Ainda tem aí no Brejo. Então, com a vinda da mão escrava, lógico que os índios não se adaptavam, saíram. Ficou aqui… Segundo a história, quem mandava aqui era a tal de Ana Jansen, aqui na ilha de São Luís. E nós faziamos parte disso, dessa história dos escravos. Como diziam, a mãe escravo acabou, aqui ficou despovoado. Aí, segunda a história, que os pescadores vindo não sei de onde, desembarcaram aqui para buscar água e por aqui se arrancharam, trouxeram suas famílias, e casaram com pessoas ao redor daqui, que eram descendentes dessa miscigenação.
P1 - Os pescadores.
R – Aí, puseram o nome de Laranjal. Aí depois, como sabia que a especulação de pedras preciosas, porque tinha em um desses... Porque o baldame era feito assim, todo daqueles tanques quadriculados. E em um desses quadros, segundo, tinha uma gameleira, que no pé da gameleira tinha uma corrente… História ou não, diz que existiu. Mas ainda encontraram essa gameleira, não sei se ainda encontraram a corrente. Mas diz que tinha uma corrente que ia para o fundo do tanque, que era um poço, e diz que lá tinha um pó, ouro, pote, essas coisas assim. E isso gerou especulação de escavação atrás de ouro, essas coisas. E como os escravos que vinham para cá eram os itaínos, e aqui é uma comunidade que tem muita pedra, e pedra… Ita significa pedras preciosas, e os itaínos eram os escravos vindos. Aí teve essa junção de nomes e gerou a palavra, saiu de laranjal, para Taim.
P1 - Uau!
P2 - E conta para a gente quem foi a Ana Jansen?
R - Olha, segundo, o que a gente sabe é que a Ana Jansen criava mitos para o tráfico dela. De noite, diz que inventava que aparecia um caboclo puxando carroça, aí derramando água. Acho que era para as pessoas se esconderem e ela praticar os tráficos dela. Segundo, é uma das histórias que a gente sabe muito. E ela que mandava nessa região toda. Mas, graças a Deus, a gente se livrou dela, de ser escravo, de tudo mais. E hoje a comunidade de Taim aqui e tão boa, na zona rural, que eu nunca pensei de me mudar daqui, nenhum instante. Onde a gente pesca, onde a gente vai pra roça. E assim, vive esse clima gostoso, em harmonia. E assim, a gente vive em harmonia, com a vida, com a natureza. Nós temos um brejo, uns brejos grandes aí, dois brejos na comunidade. Lógico que ultimamente a gente aqui na comunidade quase não usa mais o Poço Cacimbão, mas cada um tem seu poço. Mas se tiver que buscar água no brejo, porventura faltar, a gente vai buscar água no brejo. É assim. Uma vida tranquila ainda, graças a Deus.
P1 - E tem alguma outra história tradicional dos indígenas ou dos escravizados que vocês...
R - A história que a gente sabe é que, como eu falei ainda há pouco, na cabeceira desse Igarapé tem um baldrame que atravessa de um lado para o outro. A gente deduz que seria ali, a construção de um cais para embarque e desembarque de mercadoria. Já aqui no tanque, aqui no brejo, uma parte, porque, uma parte boa já assoreou, mas a gente ainda tem uma boa parte do baldrame, onde seria construído. Porque ele mais ou menos dava 25 de largura por 40 de comprimento. O baldrame todo esquadrejados. A gente deduz que seria, assim, um galpão para armazenamento de mercadoria, ou um curtume, qualquer coisa assim.
P1 - E ainda na sua infância, qual era a comida mais afetiva para você?
R - Peixe. Peixe, galinha da terra. Dificilmente quem mora na zona rural, não pescava bastante. Pescava bastante e criava também, galinha, porco, essas coisas assim. Isso era a comida mais tradicional. Carne de boi era quando na Vila Maranhão tinha… Como era o nome dele? Manéco Maia, né Demir? Que fazia matança de boi, que às vezes a gente ia comprar, ou vinha vender na comunidade. Tinha um carro de boi que vinha de lá pra cá. Carne de boi, praticamente, a gente comia, era raramente. Mais era só peixe, e matava uma galinha em casa. Peixe natural.
P1 - Nada de congelado.
R - Nada de congelado.
P2 - E o senhor lembra quando chegou a luz aqui na comunidade?
R - Lembro, foi em 1991.
P2 - E o que mudou depois que a luz chegou?
R - Ah, muda. Assim, com a energia, as pessoas já lutam para ter uma geladeirazinha, um televisor. Me lembro que um dos primeiros televisores que teve, eu tirei, foi dez carradas de pedra bruta, trabalhando assim, para poder pagar uma televisão. Enchia lá em casa, isso era uma festa. Era uma aqui e outra lá na casa de Sardinha, não é, Demir? Que a Ave Maria! A mãe de meu compadre Cândido aqui, a gente ia para a roça, ela lá da roça dela e eu daqui da minha, uma perto da outra, a gente conversando sobre... Ela conversando sobre novela, que gostava de... Selva de Pedra. Era gostosa. Tinha o Sassá Mutema que ela gostava.
P2 - E na pesca, o que mudou depois que chegou a energia elétrica aqui?
R - Quando chegou em 1991, a pesca já tinha mudado um pouco por conta dos empreendimentos. Por exemplo, a Alumar se instalou do outro lado, na época do governo Castelo, nos anos 80. Que assim, o poder, o dinheiro têm muito poder. A Alumar se instalou, e eu ainda fui acidentado lá no cais da Alumar, quebrei essa perna aqui, essa aqui. Hoje eu ando de apoio, por consequências. Assim, a gente vai, chega uma coisa dessa, uma novidade, um trabalho de mão de obra remunerada. E a gente é o que mais quer. E assim, migrei nessa época do trabalho rural, fui para o urbano e fui acidentado. E hoje eu tenho as minhas dificuldades. Mas com a vinda da Alumar, modificou sim, porque esse canal aí, foi dragado. Muda o curso totalmente da maré. Assim, os peixes, até se adaptaram, foi a ausência do peixe muito grande, pra gente. Hoje, esse rio aqui ainda é uma mãe, porque muitos pescadores dessa região ainda vêm pescar aqui. Mas caiu muito, o pescado, por conta, assim, não só da Alumar, mas por exemplo, a Ambev, que soltava seus dejetos na cabeceira do Igarapé. Porque esse Igarapé aqui, chamado Rio dos Cachorros, lá em cima ele se divide, entre Mauá e Ribeira. O Igarapé da Ribeira, que vai para Pedrinhas, ali tinha algumas fábricas de cervejas localizadas, praticamente no nascedouro do igarapé. Porque todos os igarapés, seu final é num brejo. E lá tinha Ambev, e lá jogava seus resíduos químicos para o Igarapé. E com isso vai diminuindo o pescado. E não só a Ambev, como a Alumar também contribuiu. Agora não, que a gente já tem um relacionamento mais estreito com a Alumar, discutindo esses malefícios que trouxeram para a comunidade, que até hoje a gente sente na pele. A gente já tem um relacionamento mais estreito, ela já fez alguns projetozinhos para a comunidade. E assim por diante. Não que com isso ela vai reparar o mal que ela fez, não! Mas pelo menos estreitando o relacionamento e dizendo, e ter a consciência de que a implantação da fábrica aqui, de um lado foi bom, tem o lado empregatício, mas do outro lado, veio aquela parte natural, que diminuiu muito com o camarão… O pescado em si.
P2 - Além de diminuir, o senhor sentiu que alguma espécie de peixe sumiu ou mudou?
R - E outra até desapareceu... Eu não sei, compadre Cândido e o Demir que poderiam falar melhor do que eu, que têm pescado mais constante do que eu. Por exemplo, a urixoca desapareceu. Curimã, essa desapareceu mesmo. Um peixe que a gente já está vendo novamente é o camurim, que tinha desaparecido, agora já aparece com mais frequências. O bandeirado já não dá com tanta frequência. O que dá bastante é o bagre, a tainha ainda aparece bastante, a urixoca. A urixoca não, a pitiu e a sajuba. O camarão também, diminuiu muito. O quantitativo que a gente pegava, de 30, 40 quilos. Quando a pessoa pega 5 quilos, ixi, pegou bastante, é uma admiração. Mas ainda dá alguns tipos de pescado. o Pacamão dá bastante ainda, que é um peixe de pé. O sururu praticamente desapareceu, tá com uns três… A sardinha também quase nem entra, né Demir? Este ano não teve. A pescada vermelha também desapareceu. Então é isso, alguns… Nós temos assim, uma diversidade de tipos de peixe, mas alguns desses diminuiu bastante e outros, como a gente acabou de falar, desapareceram.
P1 - E você conserta também o peixe que vocês pegam? Vocês limpam?
R – Limpamos. Às vezes vende, ainda dá, às vezes… Por exemplo, Demir quando vai pescar, a família dele é grande, porque ele tem bastante filho, aí se pega de 10, 15 quilos, é um pouquinho para cada um. Meu cunhado, tem 12 filhos, quando pesca, é um pouco para cada um. E eu faz tempo que não vou pescar. Eu me lembro que fui pescar, foi ano passado, que a gente pegou mais ou menos, não sei se foi 200 ou 300 e poucas tainhas. Aquele monte de tainha. Mas de lá para cá, eu fui uma ou duas vezes, duas vezes com Demir… Mas este ano ainda não fui, ainda não pisei na maré para pescar. Fui na maré, para tirar, mês retrasado, uns troncos de mangue para fazer tambor. Mas pescar faz tempo que eu não vou. Eles aqui, ultimamente… Que são da pesca direto.
P1 - E me conta uma coisa, as famosas histórias de pescadores, você tem?
R - Rapaz, eu não tenho muito. Mas meu Compadre Cândido ali tem história de pescador, que é uma beleza! Né, meu Compadre? Eu não tenho muita história de pescadores. Mas assim, a história de pescador que eu tenho é real, porque uma das vezes eu fui pescar mais meu cunhado, dia de lua cheia. Foi ali em frente onde agora é a Alumar, umas sete horas da noite, que a gente olhou pros espinhel, só via a boia… Eu ainda não tinha criança, não tinha muita experiência. Aí, o meu cunhado disse: Zé, ali já tem um peixe graúdo. “Rapaz, mas como tu sabe que é peixe graúdo?” “É porque a boia é grande, e a força do peixe leva a boia para o fundo.” Eu disse: Ah, tá! Olha, é vivendo e aprendendo. Eu só quero ver. Quando nós fomos tirar o espinhel, tinha daquele amarelo, Gurijuba. Dois Gurijubas e uma pescada.
P1 - Grande?
R - Grande. Gurijuba desse tamanho assim, de dar quase 10 quilos. E pescada grande. Agora, história de pescador, que eu vivi, não foi nem história. Meu cunhado foi pescar, mais o primo dele, primo dele aqui, Zé Lopes. Pegaram umas cinco pescadas graudonas, e o Zé Lopes trouxe a pescada no pau de carga, ela vinha arrastando com o rabo mesmo no chão. Que quando eles entraram pra dentro de casa, o Zé Lopes foi embora. E meu irmão mais velho disse: Vadico, o Zé Lope foi embora e levou as pescadas graúdas, nós ficamos só com as miudinhas! Isso não foi história, foi verídico. E eles só ficaram com os peixes miudinhos. Zé Lopes passou a perna neles tudinho.
P1 - E os encantados, vocês já viram uma coisa diferente, assim na beira…
R - Rapaz, um primo meu, chamado Quadrado. Ele era danado. Está com uns seis anos que ele faleceu. Ele era mestre em pegar peixe com a mão, bagre. Aí, assim, o dia que ele ia pescar, que ele via um guaxelo à margem do igarapé, ele jogava os peixes para aquele animal, e o animal ficava comendo com aquela… Aí, nesse dia ele pegava bastante peixe. O dia que ele não via esse animal, o animal chamado guaxelo. Pois, para ele a pescaria não prestava. E ele, quando ele chegava na beirada, ele fazia igual um peixe que tinha, o boto, porque o boto, ele gosta de comer o bagre, e onde o boto passa, os peixes vão para a beirada. E ele fazia igual o boto, os peixes iam para a beirada e ele pegava. Às vezes, ele pegava, saia com as duas mãos, com bagre, mais um bagre atravessado na boca. Danado para pegar peixe. Compadre Cândido pescou muito com ele, Demir, eu acho que pescou. Era danado para pegar...
P2 - Como é esse animal, Guaxelo?
R – Guaxelo, é um cachorro-do-mangue.
P1 - E vocês cantam quando vão pescar ou não? Vocês têm música para pescar?
R - Eu não tenho. Eu não sei de nenhuma. Não sei se meu Compadre Cândido sabe, Demir.
P2 - Mas tem algum ritual?
R – Eu sei que na hora de tapar uma casa, saia muita música. Quando a gente já estava meio metendo o grode, aí saía muita música.
P1 - E quando você era jovem, aqui tinha festas, bailes? Como vocês gostavam de se divertir?
R - Olha, o festejo de São Benedito, que é antigo, aqui a comunidade se preparava para o festejo, praticamente trabalhava o ano todo para ajudar a fazer a festa e se preparar para a festa também. Assim, tem uma história aqui, que não sei se é mito ou lenda. Aqui tinha um Buritizeiro, aqui no brejo. Esse brejo aqui é muito alto, aí diz, que quando era dia de lua cheia, lua mesmo, dia de luar. Diz que passava um homem na rua montado no cavalo, aí pessoas olhavam, quando a noite estava bem clara, com a lua, aí daqui a pouco escutava umas porradas no buritizeiro. Dizem que era aquele caboclo que passava montado no cavalo, ia até o buritizeiro, e escutava aquelas porradas.
P1 - Vocês tinham medo?
R - Eu, às vezes… A gente quando é criança, não deixa de não ter um pouco... Eu era medroso danado… Eu ia para o colégio, quando chegava no igarapé, no rego, que tinha uma fonte chamada Pituaçu, lá tinha um Buritizeiro. Aí, diz que um caboclo faleceu lá, aí quando passava lá de noite, ele estava subindo e descendo de cabeça para baixo. Se era verdade ou não… Eu passava lá só na carreira, nem olhava. Aí, lá também, diz que tinha uma mangueira, que quando a gente passava de noite, diz que ela inchava e tomava conta da estrada. Se é mito… Eu sei que eu tinha medo, não gostava de passar lá de noite, se passava, era na carreira, do Porto Grande, era na carreira assim, eu vinha parar em casa, aqui na comunidade.
P1 - E tinha escola aqui na comunidade, há um tempo atrás?
R - Não, aqui na comunidade veio ter escola nos anos 90, porque na época do governo Cafeteira, que eu era presidente da União de Moradores, a secretária de comunidade solidária, chamava-se Isabel Cafeteira. Aí, eu consegui um projeto. Consegui fazer aquela sede, a comunidade conseguiu… Eu não! A comunidade através de mim. A comunidade conseguiu fazer aquele colégio ali, é uma sede da União de Moradores. Que nos anos 90, fez uma concessão com a prefeitura, Doutor Jackson Lago, aí a gente cedeu o espaço físico, eles entraram com o corpo docente. Aí, começou a funcionar uma escola do município. Antes disso, a gente estudava lá no Porto Grande. Por exemplo, as meninadas aqui da comunidade do Taim, estudavam no Porto Grande, com a minha… A gente chamava ela Mestra Maria José. E outros estudavam no Rio dos Cachorros, por exemplo, quem morava no Limoeiro, estudava mais no Rio dos Cachorros, com Mocinha. Aí, depois Mocinha foi embora do Rio dos Cachorros. E ficou só a comunidade no Porto Grande com escola, que é a Escola Josefina Serrão, que até hoje ainda existe. Antes de ter a escola aqui, a gente estudava era lá no Porto Grande.
P1 - E você estudou lá?
R – Estudei. Eu estudei até o quarto ano lá e quando foi em 2004, eu fui estudar na Vila Maranhão e tive que refazer tudinho, porque lá eles perderam todos os documentos. Ela já tinha falecido, aí perdeu tudo. Eu tive que refazer tudo de novo. Aí, fiz o ensino fundamental todo. Como eu já tinha, assim… Na época, quem fazia até o terceiro ano, é como se fosse hoje o primeiro ano. Porque quando eu saía do primeiro ano, eu já sabia ler, escrever, e aquela coisa. Eu vejo menino no quinto ano hoje, não sabe nem botar o nome. Aí, o primeiro ano eu fiz na Vila Maranhão, fiz o primeiro, o segundo, o terceiro. Aí, só estudei um ano e meio e fui logo para o quinto ano. Aí, de lá, fiz, terminei... Mais um pescador aí. Aí, fiz o ensino médio, terminei em 2007, na Vila Maranhão, o ensino médio.
P1 - E que recordações você tem dessa primeira escola? Como que você ia?
R - Ah, era só um salão. Um salão, lá estudava… Não tinha era jardim, estudava de primeira, segunda, terceira e quarta ano, todos juntos. Me lembro que quando passava um caminhão, um carro, que os alunos… Todo mundo fica de cabeça olhando, aí quando sai de lá. “Vem pra cá, vem pro castigo.” Ficava ali de joelho, no castigo. E todo mundo sai de lá e respeitava a professora. Não tinha esse negócio de professor está maltratando. Era um respeito total. E agora não pode nem dizer que tu é feio, que já é bullying, ou sei lá, aquela coisa toda. E nessa época, tinha respeito. Para os pais, o professor era o segundo pai da criança. E tinha que atender, era ordem dos pais, tinha que atender. E com isso, eu estudei no Porto Grande, saí do Porto Grande, saí alfabetizado, sabia ler e escrever, aquela coisa toda.
P1 - E época de chuva? Aqui chove muito?
R - Muito. Praticamente aqui quando... Agora não, porque assim, eu creio que com a parte climática, é assim, que chovia o inverno todo. Porque aqui pra gente o inverno é de janeiro a junho. Mesmo assim chovia até em agosto, setembro, de vez em quando dava aquelas chuvas fortes, variadas. Tinha chuvas praticamente de calendário, como a chuva de primeiro dia de finado, que era sagrado, dificilmente não chovia. Outras datas, assim, como o dia da Conceição, e assim por diante. Era sagrado, aquelas chuvas ocasionais no verão.
E hoje não, dificilmente quando a chuva suspende, suspendeu mesmo. E o inverno era forte. Tinha uma comunidade ali, chamada Limoeiro, que a gente passava por dentro, eram aqueles olhos d'água, não era Demir? Na comunidade, todinha, todinha, todinha. Agora não tem mais isso. Até este ano, que eu ainda vi, que esse brejo aqui alagou bastante. Mas tem época que o inverno não dá pra fazer isso.
P1 - E quando chovia muito, assim, quando chove muito, a vida continua normal? Tipo, a pesca?
R - Continua, continua. Porque a gente já se adaptava ao período chuvoso. O que dava pra fazer durante o período chuvoso, o que não dava. E a gente se organizava pra tanto, porque a gente já sabia quais as épocas mais chuvosas, quando o tempo levantava. Porque assim, as pessoas mais antigas, pela experiência de vida, sabiam que do dia 1º de janeiro até o dia 6, sabia qual era o mês que era mais chuvoso, o mês que chovia mais no começo, chovia mais no meado do mês, assim no final do mês. Enfim, sabia quais os meses mais chuvosos.
P1 - Mas aí, pra pescar na chuva, o que muda? Muda alguma coisa? Tem que se preparar melhor pra pesca? Ou é tudo igual?
R – O pescador, quando ele vê que está chovendo, ele leva logo o chapéu. Antigamente a gente levava um cofo de linha, chamado, um cofo. Um cofo dentro do outro, e entre um cofo e o outro, ele era forrado. Ele é forrado, para que a água não penetre. E ali no cofo de linha, você guardava seus pertences para não molhar. E, assim, com bastante chuva, tem alguns peixes, que é como o bagre, quando a chuva estava muito forte, embebedava os bagres, ficava mais fácil de pegar.
P1 - Como é isso?
R - O Demir pode contar melhor. Quando o peixe fica bêbado… Fica tonto…
P1 - Embriagava o peixe. Essa é nova para mim.
R - Pois acontecia muito isso para a gente aqui.
P1 - E você falou que você presidiu a União dos Moradores.
R - É, foi.
P1 - Como foi isso?
R - Nos anos 80, quando começou, que eu falei ainda pouco, que essa pessoa queria tomar as terras de Taim, fazendo-se passar por pessoas antigas. Houve a necessidade de a gente criar uma personalidade jurídica, que é a União de Moradores. E com isso, no dia 4 de abril de 1987, a União de Moradores foi fundada. Aí, eu fui presidente por cinco mandatos. O primeiro mandato por aclamação, depois por eleição. Aí, depois foi outro. Depois eu voltei de novo. Eu sei que eu tirei cinco ou seis mandatos. Agora não, porque pessoas novas, eu já estou com mais de 60. O que eu pude contribuir bastante ainda. E o que eu ainda posso estar fazendo, eu ajudo a fazer. Mas com a criação da União de Moradores, a gente pôde nos proporcionar alguns projetos, como a construção da sede da União de Moradores, a melhoria do caminho de acesso, que teve projeto pelo PROSERA, de um poço artesiano para a comunidade. A energia veio através do... Foi em 1991, mas foi um projeto que, na época, quem nos ajudou a fundar a União de Moradores, foi um deputado chamado Zé Geraldo. Eu sei que ele tinha um histórico muito ruim, mas para a nossa comunidade ele foi uma pessoa muito legal. Ajudou a fundar a União de Moradores, botou o advogado à disposição para cuidar dos documentos, fez um projeto e levou para a Assembleia Legislativa. Ele teve a maioria dos deputados para a elaboração de um projeto de eletrificação rural, para a comunidade de Taim e Rio dos Cachorros. Quando foi em 1991 foi a inauguração. E depois, com a União de Moradores, a gente teve um projeto para regularização… Que era monofásico, para regularização da energia. Aí, teve um projeto, na época, para regularização da energia, para melhoria do caminho de acesso, que é a nossa estrada. Outro projeto para perfuração de poço. E outro projeto… Foram quatro ao mesmo tempo. Para um posto de telefone. Que na época era um telefone rural que tinha. Então, a União de Moradores nos possibilitou alguns projetos para a comunidade, para o desenvolvimento da comunidade. E com isso veio mais outros postos, veio um projeto rural de agricultura. Que com o tempo nos tiraram de ir para a feira livre, de participar das feiras. E com isso a gente não teve como escoar os nossos produtos. Aí, acabou. Mas pelo menos o posto que era destinado à produção rural ficou para a comunidade. Tivemos a rede de abastecimento. E assim, melhorou muito, muito, com a fundação da União de Moradores, que nos possibilitou muitos projetos para a comunidade.
P1 - Eu estava te perguntando desse espaço aqui, como é a história daqui?
R - Sim. Primeiro, eu gostaria, assim, de reforçar o espaço da União de Moradores, que é aquele prédio que está ali, que hoje funciona a escola do município, que é a sede da União de Moradores. Lá é em forma de concessão para o município. Está cedido, poderia ser revogado quando eles construírem uma escola, que até hoje ainda não construíram. Aquele espaço que está ali também, é o espaço da União de Moradores, aquele ali é um anexo daquele outro prédio ali. Hoje ali funciona todas as atividades da União de Moradores, porque ali funciona a escola. E aqui, é assim, como o festejo de São Benedito, é um festejo secular, aí a gente teve… Eu participei muito, assim, e me lembro que em 1984, foi um dos maiores festejos, qual a primeira vez um ônibus entrou na comunidade… A estrada era um areal medonho, a gente fez um mutirão danado, para estar retirando um bocado daquela areia, botando palha, essas coisas assim, para que possibilitasse o ônibus vir até a nossa comunidade, que a gente tinha vendido muito convite. Foi um dos melhores festejos de São Benedito na comunidade. Mas, porém, dentro de quase um século, quando se fazia… Porque o festejo sempre foi no inverno. Quando o festejo era bom, se dividia o dinheiro tudo em quem ajudava a fazer a festa. Não sobrava 10 centavos. Praticamente usava-se o nome do Santo para ganhar dinheiro. Quando não dava, não dava! E, às vezes, quando não dava, a gente ainda ia trabalhar para pagar a festa que ficava se devendo. Mas, depois, eu, Demir, Compadre Cândido, que agora fazemos parte do grupo. Compadre Vavá também, que já ajudou a fazer muita festa. Assim, “nós temos que mudar esse ritmo de fazer festa. Onde que nós fazemos festa, é um festejo quase secular, e na nossa comunidade não tem uma igreja católica. Por aí tudo tem igreja. Nós temos que mudar essa visão de como fazer a festa.” Aí foi o tempo, que em 2005, nós criamos o CNPJ, por Tambor de Crioula, que hoje o Tambor de Crioula é personalidade jurídica também. Quando, agora, o festejo dá, se investe na igreja. E quando não dá, não dá! Mas quando a gente faz o festejo, agora… Aí, através de doações… Aqui nós já recebemos muitas doações. Fizemos primeiro o baldame, não prestou. Mas só no baldame para chegar… Aí, no ponto do telhado, foi quase 10 anos ou mais, que a gente veio lutando, investindo.
O festejo não é como antigamente? Não! Isso a gente tem que levar a mão a palmatória, porque assim, o festejo que começava no domingo de Aleluia… Era no domingo, porque agora tem uns 30, 40 anos que já começamos a fazer festa no sábado. Mas começava no domingo de Aleluia, com Tambor de Crioula e na segunda-feira que era festa. Tanto o dançante, como a parte religiosa. Depois que o Tambor de Crioula se tornou personalidade jurídica, a gente… Vamos mudar, ser responsabilizar pelo festejo. Não o festejo como antigamente, mas pelo menos a gente tem o foco principal. Agora é a construção da igreja. Aí, nós tivemos muitas doações, pessoas que deram milheiro de tijolo, da comunidade mesmo. Os empresários ao redor, teve uns que deram duas carradas de areia. Teve pessoas que deram uma carrada de brita. Outros deram 13 milheiros de tijolos. Uns davam 10 sacos de cimento. E aqui foi construída, só no mutirão. Até hoje. Só no mutirão. Graças a Deus. Nós temos um pedreiro que ele praticamente é um engenheiro mesmo, da construção civil, que é o Nelson. Sempre esteve nos monitorando. E chegamos até aqui. Só um político que deu, três anos atrás, R$ 5.000,00, foi o que nos ajudou a comprar o telhado. Mas aqui era bingo, era rifa. Além das doações. Às vezes, um podia comprar um ventilador, dava para fazer rifa, ou para fazer limbo. E tanto é que nós chegamos onde chegamos, graças a Deus, com muita ajuda de doações e mão de obra gratuita. E já temos esse espaço aqui da Igreja Católica.
P2 - E o conselho gestor do Tambor de Crioula, como funciona? É um conselho com pessoas de várias comunidades?
R - O conselho é formado, por exemplo, da Secretaria de Estado, tem assento. A Secretaria do Estado de Cultura, tem assento. A Secretaria Municipal de Cultura, tem assento. O IFAM, também tem assento. E o restante é feito pelos fazedores de Tambor de Crioula. Por exemplo, da Zona Rural 2. Não, dá zona rural… Setor 1 da zona rural, é eu e outra pessoa, representante. Então, cada bairro de São Luís, tem dois representantes. Bairro que tem a cultura, tem dois representantes. Tanto é, que nós temos 12 pessoas no conselho gestor de Tambor de Crioula. E a missão do Conselho Gestor de Tambor de Crioula, é repassar esses saberes, divulgar mais a nossa cultura, é lutar pela política de onde os coreiros, os Tambores de Crioulas tenham voz e vez, porque Tambor de Crioula, para muitos gestores, tanto municipal, é uma cultura onde tinha que se apresentar no escondido, para muitos. Porque Tambor de Crioula é uma cultura de pé no chão, não é para palco. E tem que ter visibilidade, não para ser apresentado no escondido. Por exemplo, lá na Maria Aragão, duas vezes que nós nos apresentamos, assim, meio para o povão. Mas assim, os Tambores de Crioula, se apresentavam eram na parte de trás de palco. Não que a gente subisse no palco, mas pelo menos ter visibilidade, não colocar a cultura lá escondido. Ou então, em umas horas mortas, onde ninguém olhasse. Então, essa é a missão do Conselho, é criar política, lutar pela política de visibilidade, onde o Tambor de Crioula tenha vez, tenha voz, seja respeitado. E a missão de repassar esses saberes para outras gerações.
P2 – Aí, daqui é o Senhor que representa e quem mais?
R - Desses tambores de crioula daqui, da zona rural, é eu, da zona rural da parte daqui, e da parte da zona rural 2 é o Lázaro. E Dona Marisete… Eu no Taim, Dona Marisete lá no Maracujá, e Lázaro no Coqueiro. Aí, tem os tambores do centro, que é Barra de Fátima, Liberdade, Cidade Operária, Vila Embratel, Anjo da Guarda, praticamente é como seja da área urbana.
P1 - E o seu acidente, você quer falar dele?
R - Falo sim.
P2 - Primeiro, antes do acidente, eu queria saber, porque o senhor falou que quando veio a Alumar, o senhor falou que muita gente foi trabalhar lá, né? E o senhor foi fazer o que lá? Qual foi o trabalho?
R - É assim, porque na época, nos anos 80, que quando… Na época, o então governador, que era o João Castelo… Porque a Alumar queria se instalar em algum desses estados brasileiros, principalmente se instalar onde a via fluvial fosse melhor, onde poderia ser distribuido, digamos, as suas mercadorias tivesse mais facilidade para importar e exportar, principalmente minérios. E o Maranhão, foi um dos estados, onde fica mais perto do outro lado, da Europa, aquela coisa toda. Onde o mar é mais propício, é mais fundo, é o segundo Porto mais fundo, praticamente do mundo, só perde para a Holanda… Na Holanda, esqueci o nome agora, do Porto de lá. E Santos, em São Paulo. Então, aqui é muito propício o canal para embarque e desembarque de mercadoria através de navios. Aí, com isso, o João Castelo, fez com que a Alumar viesse para cá. Foi e se instalou nos anos 80. Aí, com isso, um grande empreendimento como a Alumar, multi internacional, com oferta de muito trabalho. Mas, assim, a gente sem mão de obra qualificada, lógico que não ia passar desses trabalhos mais brutos mesmo. Porque a mão de obra mais técnica vem tudo importada de outro estado. E eu fui um desses que fui. Que migrei para o lado urbano, trabalho remunerado, fui trabalhar ali no cais, na construção do cais, na época, foi terraplanagem, eu fui o trabalhador de número 32, na época, do trabalho pesado, e fomos para a construção do cais, e com isso, lá fui acidentado. Na construção daquelas formas grandes que construíam em cima da terra, depois ia pra lá, pra dentro d'água, através de um ar compressor, ficava flutuando. Aí, depois, ia concretando ela, ela ia afundando, até chegar a sentar lá no fundo. Ela já estava com 27 metros de construção, a gente olhava pro fundo, as pessoas já estavam pequenininhas lá embaixo. Assim, o caboclo que estava na betoneira, distribuindo o concreto para ir para as colunas, para as formas lá dentro da água, pernoitou, e com isso, um balde de concreto… Ela pegava três metros de concreto, cada metro de concreto, é mil quilos, só o balde pesava 520 quilos. Aí, com isso, ele encheu o balde de concreto, que quando o guindaste foi levar lá para onde estava sendo concretado, ele deslizou. Aí, quando disseram, olha, o balde vai te abafar. Eu só fiz me jogar de um lado, pegou assim, foi rasgando tudo, tiro carne daqui, ficou assim, uma coisa muito horrível! Aí, com isso, quebrou aqui, essa aqui… Tenho uma perna mais curta do que a outra. E hoje eu estou com artrose nos joelhos. Só me deu prejuízo, pro resto da vida. E artrose no joelho, a mobilidade muito pouca já, sem poder quase andar. E assim...
P2 - E você trabalhou quanto tempo lá?
R - 8 meses só. O suficiente para causar os danos para o resto da vida. Aí, com três meses eu já jogava bola. Mas com o tempo, uma perna mais curta do que a outra, foi gerando problema.
P2 - E depois disso conseguiu voltar a pescar?
R - Pescava, naturalmente. Pescava. Já fiquei assim de uns três anos para cá, que a minha mobilidade piorou. Mas a gente pescava normalmente, pescava, ia pra roça, fazia tudo normal.
P1 - Sabe o que eu queria voltar? Você falou que você foi criado pela sua avó.
R - Foi.
P1 – Que lembranças você tem dela?
R – Ah, tenho. Ela morreru me 1986, eu já tinha 14 anos. Assim, meu pai faleceu eu fiquei com 1 anos e 10 meses. Aí, os 3 filhos que meu pai deixou, ela criou todos 3. Lógico, isso, minha mãe morava perto, ela teve novo casamento, mas minha vó que nos criou. Minha irmã mais velha, o meu irmão e eu. Aí, como isso, foi um tempo que ela morava com um senhor, que eu falei ainda pouco, que era filho da Josefa, que criou… Como e que se diz? Teve essa ideia de levantar o festejo de São Benedito, a velha Josefa, que era pai do Dinisio. Mãe da minha avó também. E assim por diante. Aí, ela casou com o velho Dionisio, ai criou 12 filhos do velho Dionisio, além do meu pai. A minh avó. Porque eu sou decendente da família Moraes, por parte de mãe, não parte de pai. Aí, com isso, o avô Dionisio morreu. E ela ainda ficou. Ele morreu em 1960, ela morreu em 1976. Ele criou a gente muito bem, levava a praia… Ela fez o possivel e o impossivel para dar o melhor para a gente. Já mesmo idosa, tinha asma, mas mesmo asssim… Ela não podia mais trabalhar, mas eu, meus irmãos, ia para a roça, o maiorzinho, que era o Zé Raimundo, ia tirar pau para fazer caeira, eu ia carregar. Ela ficava sentada monitorando a gente arrumar a caeira, cobrir. Eu aprendi a fazer cofo. Porque na época, vendia os carvões era naqueles cofinhos. Não era Ademir? O cofinho era uma lata… Era em cento, não era? Sem cofinho era um cento… Era! Aí, com isso eu aprendi a fazer cofo, aprendi a fazer abano, aprendi a fazer meaçaba. E assim, tudo da zona rural, que a gente tem que usar, a gente tem que aprender a fazer. Aí, com isso ela nos deu muio bom ensinamento. Graças a Deus, nos tornamos pessoas… Não vou dizer que somos as pessoas mais perfeitas da face da terra, porque o ser humano mesmo, às vezes, é cheio de desequilibrio. Mas Graças a Deus, nos deu bom ensinamento. E isso a gente tende a repassar para os filhos da gente também. Graças a Deus! Criei os meus filhos com os ensinamentos que eu tive. E que pra mim, não fui criado com a minha mãe, mas Graças a Deus, sempre tive ao lado da minha mãe. Porque ela nos criou para ajudar a minha mãe, não foi para tomar a gente dela. Porque ela foi bem clara para a minha mãe, “eu vou te ajudar com os filhos.” E assim ela fez com a gente, dando boa criação.
P1 – Sabe o que eu queria te perguntar. E a sau companheira, onde você conheceu ela?
R - Ah tá! Assim, sempre na nossa comunidade, não só na nossa, mas qualquer outra comunidade, sempre através de outras pessoas, acaba migrando gente para a nossa comunidade. E os familiares dela, tinha uma casa ali no caminho do Porto, disponível para venda, a pessoa faleceu, se mudou, uma coisa assim. E eles compraram. Aí, veio a família dos pais dela pra cá, e a gente se conheceu. E estamos vivendo até hoje.
P1 - Mas de novinho, pequeno ou já adulto?
R - Não, ela já tinha vindo de um casamento. E eu também já tinha uma filha, aí com isso, a gente se conheceu, deu certo. Estamos até hoje, com 40 anos.
P1 - E vocês tiveram outros filhos juntos?
R - Não. Ela tem um casal e eu tenho uma filha.
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P1 - E quem que é a sua filha? Qual é o nome dela?
R - A minha filha é Leandra, hoje ela é podóloga. Aí, assim, eu mais minha mãe ajudamos a criar ela, aí depois minha mãe faleceu, ela foi morar com a minha irmã. Aí, assim, com o tempo, ela fez o ensino médio aqui, ensino fundamental, depois ela quis ir pra Brasília fazer o ensino médio lá em Brasília com a mãe. Aí, depois ela voltou. Aí, depois, em São Luís, teve a primeira turma de podologia e ela quis essa profissão de momento, inovada. E hoje ela é podóloga.
P1 - E ela mora aqui?
R - Não, ela está morando... Mas ela vai vir pra cá. Ela se casou, está morando... Porque ela montou o trabalho dela lá no centro, mas assim, não... Ela pretende… Que ela é filha da zona rural, o sonho dela é voltar para a sua origem.
P1 - O senhor tem netos?
R – Tenho! Tenho um neto de 22 anos, porque a minha esposa tem um casal de filhos, e a menina é como se fosse... Ave Maria! Ela não gosta que ninguém diga que eu não sou o pai dela. E ela já me deu um neto que tem 22 anos. Agora, da minha filha eu tenho um neto com 15 anos, tenho uma com 2 anos e pouco, que é uma bênção. Aí, do meu filho mais velho, eu tenho uma com 15 anos, uma neta com 15 anos. E a outra, que eu crio, está com cinco anos. Aí, o outro, meu filho, me deu um neto que tá com... Fez um ano.
P1 - E sabe o que eu queria te perguntar?
R - Diga.
P1 - Quais são os seus sonhos?
R - O primeiro sonho é continuar aqui na comunidade. Não me vejo fora daqui. E sempre lutar para o que seja de melhor para minha comunidade. Esse é meu sonho. Sempre continuar lutando por dias melhores para a nossa comunidade.
P1 - E você gostaria de acrescentar alguma coisa, alguma história, alguma passagem, algum momento da sua vida que a gente não te perguntou? Que você acha importante deixar registrado?
R – Assim, eu já fiz parte do Conselho Municipal de Saúde, União de Moradores, tive cinco mandatos, do Tambor de Crioula, dois mandatos. Fiz parte de alguns movimentos nacionais como Mopema, movimento Monapo, movimentos de pescadores. E assim, eu acho que a maioria dos movimentos que passam por nossa comunidade, eu tive o privilégio de fazer parte. E para mim, esse Conselho de Saúde foi uma experiência muito boa, onde a gente tende a lutar por melhores dias na nossa saúde, principalmente as pessoas que não têm acesso, mas a gente vê que não é muito fácil, não. A burocracia é muito grande. Mas, enfim, a gente deixa para outras pessoas mais novas estarem lutando. Eu já estou com mais de… Quase chegando à casa dos 70. Mas isso não me desestimula em estar lutando por dias melhores. Não só da minha comunidade, mas nesse contexto onde a gente vive, que muitas das vezes a omissão é muito grande para as nossas comunidades. Para a gente mesmo. E eu não me vejo assim fora desse contexto, de não lutar. Esse movimento de lutar pela estrada de caminho de acesso, que agora está sob Júdice. Eu tenho o privilégio de estar sempre nas audiências lutando para saber como está o andamento do processo de reconstrução da estrada que nós estamos precisando. Enfim, fiz parte de muitos movimentos e ainda faço, às vezes. Eu gosto de participar dos movimentos. Mas assim, se tiver algum... O meu sonho mesmo é de ver a gente tendo acesso àquilo que a gente mais precisa, a saúde, a educação, a moradia digna. E que o poder público tenha mais respeito pela gente.
P1 - Como foi o Covid aqui?
R - O Covid aqui? Aqui na nossa comunidade, a gente teve… Não pessoas da comunidade, mas pessoas que no momento estavam morando na nossa comunidade. Uma pessoa faleceu, que foi a esposa de Alex. Aqui alguém se lembra? Mas assim, 90% da comunidade teve Covid, mas eu creio que é uma comunidade onde a alimentação da gente era muito, muito natural, a gente teve mais resistência, para a Covid. Eu, pelo menos, eu tive Covid, mas Graças a Deus não me abalou. Mas lógico que a gente tinha que ter muito cuidado. Como até hoje a gente tem que ter muito cuidado para que a gente não seja vítima dessa doença tão danada. Um tio meu, que está com quase com 100 anos, ele teve Covid, ele mora em Icatu. Ele esteve lá em casa, o corpo dele pulava em cima da cama. Eu disse: Meu Deus do Céu! Meu sobrinho, “titio nós não vamos levar ele para o hospital, senão ele vai ser entubado.” Aí, eu disse: então é! Que seja o que Deus quiser! Mas Graças a Deus ele resistiu. Já pensou, quase 100 anos. Aí, melhorou e fui deixar ele lá em Icatu. Não, vai para onde seus filhos. E é assim, 94 anos, ainda trepa em buritizeiro para tirar… E vai para a roça. Agora mesmo ele me manda isso. “Olha, tu vem para cá no dia 10, traz um facão pra mim!” Eu disse: tá bom!
P1 - E Zé Reinaldo, que mensagem você deixaria para os novos pescadores da nova geração?
R - Esses novos pescadores… É uma geração que quase ninguém quer pescar, mas os poucos que ainda existem, que gostam de pescar, que lutem por essa mãe de rio que está mais perto da nossa pesca artesanal, para que eles possam, assim como hoje a gente ainda pode, ter acesso ao rio. Que eles lutem para acessibilidade ao nosso rio, que é uma mãe, não só para nós, mas para todos esses pescadores de ribeirinho. Para que a gente como um pescado natural, que a gente vê que não faz mal para a gente, sem agrotóxico, essas coisas, sem conservante, que é um peixe natural, onde a gente vai ali, pega um peixe rapidinho, faz o nosso cozido, vai ali tirar um caranguejo, se quiser. E tem essa acessibilidade ao nosso bem maior, que é um dos nossos bem maiores, que é esse rio aí de pesca, e essa geração futura lute e prime por essa acessibilidade a esse rio, que é uma mãe.
P1 - E para a gente finalizar, como foi para você dividir um pouco da sua história com a gente aqui hoje?
R - Olha, assim, quando... A Emília no Porto Grande, é uma grande parceira de lutas, grande, grande. A gente se identifica muito por ela ser um companheira onde a gente quer ver as coisas acontecerem de uma maneira natural, de uma maneira onde a natureza esteja em harmonia com o homem. Como se diz, com esses empreendimentos. Que a gente luta por isso. E por ela ser essa pessoa, a gente se dá super bem, as nossas comunidades andam juntas, comungam, às vezes, das mesmas coisas. E assim, a gente se dá super bem por isso, porque a nossa luta, de Emília na comunidade de Porto Grande, e a minha, dentre outros companheiros também, aqui no Taim, comunga da mesma, dos mesmos ideais de luta, em prol das nossas comunidades. Quando ela me ligou, dizendo que vinha… Que a Ane ia me ligar, eu disse: ô amiga, obrigada! Diz para ela que seja bem-vinda. Que ela me falou que era de um museu virtual, onde o pessoal estava aqui em São Luís, que queria conhecer muito a história das comunidades. Eu disse: então, seja bem-vinda! Porque a comunidade do Taim também tem bastante pescadores. Eu já quase não pesco, mas tem meus companheiros aqui, tem o Compadre Candido, tem Demir, tem compadre Vavá, dentre outros. Tem os pescadores mais novos, não é dizer que eles sejam excluídos, mas uma história lá de resgatar, da Alumar para cá, eles não tem como falar isso, porque eles não viveram esse momento. Então, quem viveu foi eu, foi Demir, foi Compadre Vavá, foi Compadre Cândido, e Vadico, meu cunhado. Foi que vivenciamos isso. Então, eles não teriam… Não vou dizer que eles não teriam alguma coisa pra contar. Mas da geração deles pra cá.
P1 – Oba! Muito obrigada por nos receber tão bem.
R - Obrigado, digo eu, receber vocês, fico de portas abertas. Nós não somos as melhores comunidades para repassar uma história, mas, dentro do possível, sempre a gente quer fazer o melhor. Não queremos ser melhores do que ninguém, mas queremos também fazer o melhor, para não inventar, e sim contar o que a gente viveu, uma história que os nossos pais nos deixaram como legado. Enfim, é esse legado de uma comunidade muito boa para se viver, que é Taim, tanto quanto Porto Grande ou Rio dos Cachorros, ou outros.
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