Entrevista de Epaminondas Pascácio da Rocha Junior
Entrevistado por Elias e Ana Paula
Maceió, 7 de julho de 2025
Projeto Nosso Chão Nossa História
NOS_HV016
0:40 P/1 - Júnior, muito obrigado pelo convite, ou muito obrigado por ter aceito o nosso convite para essa entrevista. Eu queria que você começasse Júnior, falando para a gente qual o seu local de nascimento? Eu queria que você falasse seu nome e o local de nascimento?
R - É uma honra também estar aqui participando desse projeto. Meu nome é Epaminondas Pascácio da Rocha Junior. Meu local de nascimento foi Penedo, Alagoas.
1:14 P/1 - Júnior, quais são os nomes de seus pais?
R - Meus pais, eu como Júnior, um bom Júnio, tenho o nome igual ao do meu pai, que é Epaminondas Pascácio da Rocha Júnior também. E minha mãe, Maria Auxiliadora Rocha.
P/1 - Júnior eles trabalhavam com o quê?
R - Bem, minha mãe era dona de casa. A gente está falando aqui da década de 70, 50, eles vêm daquela época. Minha mãe era uma boa dona de casa. Meu pai não deixava ela trabalhar, tinha esse machismo naquela época. E meu pai era comerciante, ele tinha um comércio em Penedo. Também produtor musical, lá na cidade. E foi funcionário público por alguns tempos, assim. Então, ele era versátil, ele era empreendedor e também tinha alguns trabalhos formais e carteira assinada, como na prefeitura da cidade.
2:07 P/1 - Você já falou dos seus pais, mas eu queria que você falasse também como é que eles se conheceram?
R - A história de meus pais, do relacionamento dos dois, no início, eu fiquei sabendo, que eles me contavam, foi meio turbulento, porque existia um problema racial. Meu pai era um homem negro, minha mãe, uma mulher branca, e não foi bem aceita essa situação pelos pais dela, em certo momento. Mas eles conseguiram superar essa negação dos pais dela, de não querer ter um negro na família deles. Mas o amor deles prevaleceu e eles se casaram e tiveram alguns filhos.
02:49 P/1 - Seu pai chegou a falar para você como era na prática essa não aceitação? Que tipo de maus tratos ele recebia dos pais da sua mãe?
R - O meu pai não chegou a falar, ele mesmo, não. Todas as histórias que eu sei do relacionamento dos meus pais foi contada por outros. Nem meu pai, nem minha mãe, contou nada sobre isso, foi mais minhas irmãs mais velhas, tios, alguns familiares que comentavam que tinha sido meio difícil o início do relacionamento deles, por conta dessa coisa racial e tal. Mas assim, ele mesmo nunca me contou nada, nunca falaram nada sobre isso comigo.
3:27 P/1 - Você sabe me dizer se o seu pai carregou algum trauma dessa situação?
R - Não, não saberia dizer. Mas eles tinham essa coisa de provar, ele tinha essa coisa de provar que ele não era menor ou incapaz porque ele não era branco igual os pais da esposa dele. Então, ele é um cara que está sempre querendo provar essa coisa de que ele era um cara também, que podia resolver, podia fazer, podia prover as coisas para ela. Entendeu? Então, ele tinha muito essa coisa de querer ter e fazer. Então, ele corria muito, trabalhava muito, que era para ter o dinheiro suficiente para que nada faltasse para ela, para a família, para dar uma satisfação à família dela. Entendeu? “Vocês não gostavam de mim, mas eu aqui, ó! Taí a sua filha bem bem cuidada, tal.” Tinha essa… Ele sentia essa coisa. E esses comentários também, que eu quando criança, a gente ficava sabendo. Isso eu fiquei sabendo ainda criança, essas conversas, eram conversas ainda eu criança, eu fiquei sabendo. Depois ninguém falou mais desse assunto.
4:35 P/1 - Você acredita que seu pai tem uma autoestima forte e isso de certa forma serviu para você em algum momento, serve até hoje?
R - Eu me espelho muito nessa situação do meu pai assim, ele realmente era uma pessoa muito forte. Apesar de pouca leitura, ele fez só o primário, não tinha conhecimento, mas era muito bom na matemática, sabe? Era muito bom em fazer os eventos culturais na cidade. Ele era presidente de clubes, clubes de música lá em Penedo, que tinha as bandas que faziam as orquestras, que saía nas procissões, que fazia os carnavais, os bailes. E ele não tocava música, mas ele gostava muito de música e fazia isso acontecer, entendeu? Apesar de toda a dificuldade financeira que ele já vinha arrastando, mas ele conseguiu superar tudo isso com muita garra. Ele tem auto estima muito grande assim, de fazer, realizar, sabe? De não deixar ninguém rebaixar ele Ele tinha muito isso. E eu acho que isso aí foi uma das coisas que eu também vi que me fortaleceu como ser humano, assim, foi espelho nele, de conquistar, de fazer as coisas, de fazer acontecer. Entendeu? Aquelas coisas que você realmente almeja. Eu quero que aconteça isso, então eu vou fazer alguma coisa para que isso aconteça, independente de qualquer comentário ou situação adversa.
5:55 P/1 - Você falou que ele se dava bem na matemática, qual assim, uma prova concreta… Em qual questão ele realizava que você percebeu?
R - No comércio, na feira. Ele tinha dentro do pavilhão da cidade que vendia farinha, feijão, arroz. Eu pesava o quilo que desse lá, a grama que desce, ele dizia o valor e tanto. Ele sabia fazer essa conta rápido na cabeça. Sabe? Pesava lá o negócio e… Um quilo, você sabe, um quilo X. Mas é um quilo e trezentos gramas, um quilo e… Sabe? Ele já tinha isso… “É tanto, é tanto.” Rapidinho assim, sabe? Não fazia na caneta e tal, ele sacava lá.
6:38 P/1 - Interessante, né Júnior, é que ele com pouca informação… Como você disse, ele era bom na matemática, né? Ele chegou a estudar até que série?
R - Só o primário. Assim, não chegou nem a finalizar a quarta série, que passava para a quinta, né?
P/1 - Você sabe o por que dessa evasão, porque ele saiu da escola?
R - Prioridades. As prioridades não eram estudar. Isso é o que chegou até mim, as prioridades eram trabalhar. Tanto é que ele queria muito isso para mim. Ele sempre me forçava a trabalhar. Eu querendo estudar, ele sempre querendo que trabalhasse. Eu querendo estudar e ele queria que eu trabalhasse. Estudasse, mas trabalhasse. Aí, essa questão assim, os pais dele, tinha muito essa coisa de querer que eles trabalhassem. Ele tinha que trabalhar para ter o que ele quisesse, entendeu? Então, ele começou a trabalhar também muito novo. Como eu também comecei a trabalhar muito novo. O meu pai teve que trabalhar por conta dessa questão dos pais dele, ele tinha que trabalhar. Então, você trabalhar e estudar, não é uma coisa muito fácil, entendeu? Acho que isso atrapalhou ele muito. E ele teve que trabalhar.
07:39 P/1 - No caso, os seus avós não tinham estrutura para oferecer para o seu pai, e ele tinha que trabalhar, ou era rigidez mesmo? Ele tinha que trabalhar de qualquer forma?
R - As duas coisas. Eu acho que nem tinha essa estrutura tão grande, mas tinha uma estrutura que daria sim para ele estudar, mas tinha essas prioridades. Que a prioridade era sempre que os filhos tinham que trabalhar, tinham que ser independentes. Porque ele tentou fazer comigo assim, foi doloroso comigo, mas eu consegui também, trabalhar também, consegui muita coisa.
8:10 P/3 - Júnior, você tem irmãs?
R - Tenho.
P/2 - Quantas são?
R - São cinco irmãs. Elas nasceram primeiro que eu, são todas mais velhas que eu, as minhas irmãs. Eu sou o sexto. São cinco irmãs, eu sou o sexto. É nessa situação… Por que depois de cinco mulheres eles ainda estavam tendo filhos? Porque o meu pai queria muito, aquela coisa de querer ter o filho homem para continuar a sua história, com o filho homem. Nesse pensamento que a mulher não continua, só o filho homem. E fui eu que peguei esse peso dessa responsabilidade de levar o legado dele em termos de nome. E ele insistiu muito, insistiu ao ponto de que eu sou o segundo que nasci com esse nome. Eu tenho um irmão, falecido, com o mesmo nome que eu. Eu tenho até o registro de nascimento dele em casa. O nome do meu irmão falecido é Epaminondas Pascácio da Rocha Júnior. Eu sou Epaminondas Pascácio da Rocha Júnior. Meu irmão morreu ainda criança, bebê, não chegou nem a fazer um ano, e não vingou, morreu. E meu pai queria, insistir, insistiu. Aí, quando eu nasci, ele botou o nome e eu vinguei, estou aqui.
9:28 P/1 - Junior, essa situação de cinco irmãos…
R - Não, são sete irmãos e cinco mulheres. Cinco são mulheres, são as mais velhas. Aí, depois eu sou o sexto e depois veio mais outro irmão. Eu tenho outro irmão também homem. Depois de mim veio mais um.
9:48 P/1 - Júnior, como era a relação do seu pai com os seus outros irmãos?
R - Assim, uma relação muito parecida, nesse sentido de botar para trabalhar. As minhas irmãs todas também começaram a trabalhar muito cedo. Meu pai, como eu falei, além do comércio de cereais, das farinhas e tal, dessas coisas todas, ele também, depois montou um restaurante. E nesse restaurante, minhas irmãs mais velhas, todas trabalhavam nesse restaurante. Eu também, consequentemente, lavava os copos, ia atender mesas. Eu atendia mesas pequenininho, no bar. Tinha sinuca, nesse bar, era um bar que tinha uma movimentação grande de pessoas do próprio mercado, que era um bar ali no mercado, no comércio de Penedo, né? E as minhas irmãs tinham o tratamento meio que nesse sentido, de fazer, participação na renda da casa. Todo mundo tinha que fazer alguma coisa, não tinha essa coisa de homem ou mulher. Nesse sentido, todos trabalhavam assim.
10:50 P/1 - Tinha apoio da sua mãe? Assim, o seu pai decidia a regra que colocava em família. A sua mãe também concordava?
R - Sim, aparentemente sim. Não tenho como dizer que minha mãe concordava ou não, mas ela sentia que ele que comandava, né? Isso aí a gente sentia, que ele que comandava. Ela também trabalhava. Ele também. Todos trabalhavam lá em casa, entendeu? Não tinha essa coisa assim, fulano trabalha. Todos trabalhavam, uns mais intensos, outros menos intensos, mas o tratamento desse sentido. O que tinha de diferencial era essa questão de ser livre. Por exemplo, eu, como homem, eu não tinha regras, de voltar no horário, mesmo criança. Eu frequentava bares, discotecas, isso com 10, 11 anos de idade. Meu primeiro porre de cachaça foi com 11 anos de idade, era assim, saca, não tinha essa coisa. Já as minhas irmãs, não, minhas irmãs só era da igreja pra casa, nesse sentido. Elas não podiam se movimentar muito. Então… Só tinha uma irmã, a Neide, que foi uma revolucionária, assim, que ela fugia mesmo, e ia para discoteca, e meu pai ia buscar. Meu pai ia lá na discoteca, daqui a pouco ela vinha correndo e ele vinha de bicicleta atrás, alguma coisa… Era assim. Mas as outras seguiam mesmo a regra de igreja, casa, uma festa de família, um aniversário, uma festa de Natal, essas coisas de interior, tinha mais essas regras. Mas eu fazia o que eu queria, não tinha essas questões. Então, essa coisa bem, do homem pode e a mulher não. Tinha isso, nesse sentido.
12:19 P/1 - Você sente, assim, alguma lacuna ainda em aberto, na fase de criança, que faltou diversão, faltou algum tratamento que você devia ter como criança ou não? Você acredita que a sua infância, mesmo com toda essa situação que você já relatou, ela foi muito boa?
R - A cidade proporcionava. Penedo é uma cidade que proporciona, é um lugar muito bom pra criança, sabe? Você tem muito verde, você tem muito sítio, você tem um rio enorme, lindo, que você pode nadar nele. Eu era um menino de rio. Era um maloqueiro da cidade, eu era aquele menino maloqueiro que vivia jogando bola. No horário que eu não estava trabalhando ou estudando, eu estava na rua jogando bola ou estava no rio mergulhando, nadando, sabe? Foi muito bom. A minha infância foi muito legal assim, nesse sentido de aconchego e tal. O que não tinha muito, o que eu sentia falta, que você falou em questão de tratamento, se eu tinha alguma coisa… O que eu senti falta, sinto até hoje, que ficou… Que não tem mais como isso ser… Porque não volta o tempo. Era lembranças de eu brincando, me divertindo com meus pais, assim. Essa coisa de eu estar em algum lugar brincando com o meu pai, jogando bola com o meu pai, sabe? Isso eu não tenho, essas lembranças, com ele, diretamente. Isso é uma coisa que eu sinto falta realmente. De ter essa lembrança com o meu pai assim, em algum lugar, fazendo alguma coisa e tal. Nesse sentido.
13:48 P/1 - Então você tinha a presença dele, mas você sente falta de momentos com o seu pai?
R - É! Eu tinha momentos de trabalho, momentos de almoço, que a gente sempre almoçava na mesma mesa. Ele era daquela família que mantinha aquela mesa enorme, todo mundo sentava na mesa no mesmo horário, tinha que estar lá para almoçar. Então, esses momentos eu lembro, eu tenho essas imagens, entendeu? Trabalhando com ele, resolvendo coisas com ele e tal. Mas esse momento de lazer e diversão, esse que eu não tenho. Tomando banho de rio com ele, eu não tenho, tomando um banho de mar. Como ali é perto do Peba, a gente ia muito pra Praia do Peba, ali perto em Penedo. Excursões que ele organizava, as excursões para ir para o Peba, que era relativamente distante de Penedo, o Peba, não dava pra ir assim… Ele fazia as excursões. E eu lembro dessas excursões, dentro do ônibus que a gente ia, aquele negócio todo. Eu lembro de entrar no ônibus e ir pra praia, brincar com um monte de gente, voltar a noite, chegar em casa, e em nenhum desses momentos ter a imagem de eu brincando com ele. Entendeu? Isso aí que me faz um pouco de falta hoje, como mais adulto.
14:51 P/1 - O cenário, assim… Seus colegas tinham isso? Você via o seu colega do lado brincando com o pai dele? Ou era uma realidade, meio que assim, como é que eu posso dizer, igualitária, para todos daquela daquela época ali?
R - Eu não sei, cara. Como eu posso dizer, que não tinha essa percepção, sabe? Eu não tinha essa percepção de como era o comportamento dos outros pais. Não tinha. Porque eu era muito intenso, sempre fui muito intenso, assim. Sabe? Então, assim, eu estava muito ali, vivendo mesmo o que eu estava vivendo, essa preocupação com o externo, com o filho, com o vizinho… Eu sou o tipo de cara que chego em casa, entro, só saio… Não sei lhe dizer das outras pessoas. Talvez tivesse, talvez não. Mas não tenho essa lembrança.
15:43 P/1 - Junior, você falou dessa herança que seu pai deixou da música, não é isso? Como é esse momento, então, que ele passou essa pra você, a música? Como era o relacionamento diário? Ele passou através de um exemplo? Ele cantava em algum local ou ele tocava aquele instrumento num canto, era assim dessa forma? Ou ele chegava, vem pra cá, e ele compartilhava desse momento?
R - Não, com a música, com o meu pai, ele produzia. Ele produzia os bailes, produzia as festas de carnaval lá em Penedo, ele tal. No carnaval, para você ter ideia, no carnaval, lá em Penedo, tinha um grupo musical chamado Milionários do Samba, lá em Penedo. E em época de carnaval, eles paravam na frente da minha casa, essa turma, ia passando os blocos, eles paravam na frente da minha casa, entravam na minha casa, iam até o quintal… Eles tocando, aquela batucada toda. Entravam, faziam lá os comes e bebes, a turma toda, depois saíram e seguiam em cortejo. Entendeu? Então, assim, isso aí… Eu em casa, eu lembro que eu muito criança, acordava, chegava na sala assim, tinha uma banda montada, bateria, baixo, guitarra, estava tudo lá. A festa dos adultos, me botava pra dormir, e quando chegava de manhã tinha lá. E ficavam tocando bateria na sala, sabe, aquele negócio todinho e tal. Mas não aprendi a tocar nenhum instrumento na minha infância assim. Tinha um bairro lá chamado Raimundinho, lá em Penedo, onde tinha o Clube Musical Penedense, meu pai era o presidente na época, e eu gostava muito de jogar bola, como falei aqui, sempre gostei muito de jogar bola. E eu queria mais jogar bola do que tocar música. Alguns amigos meus, primos, eles já estavam na bandinha, aprendia a tocar instrumentos de sopro, vários instrumentos que tinha. Só que eu não queria aquilo, não queria tocar instrumento. Eu gostava de música para dançar e para curtir. Mas para tocar, não. Eu não gostava daquilo, queria jogar bola. Aí, o meu pai, eu chegava lá no clube, eu dizia: “tô indo jogar bola”. Aí, o Senhor Nelson, que era o maestro, disse: “Vem cá. Seu pai me disse…” Pra mim que foi mentira dele. Aí, Senhor Nelson disse: “O seu pai disse que você só vai jogar se você fizer essa lição aqui.” “Que lição?” Aí, ele me ensinava. Ele fez o pentagrama tal, e mandava eu fazer uma lição. Eu tinha que ler aquela partitura para poder jogar bola. Foi o meu primeiro contato em termos de aprender música. Foi com Seu Nelson, falecido Seu Nelson, nessas partituras. E ele me enganando, dizendo que meu pai dizia que eu ia jogar bola só se eu fizesse a lição. Aí, eu fazia. Aí, foi o meu primeiro contato, assim. Mas até então, eu não tocava instrumento nenhum, só gostava de ouvir, dançar, dançava muito discoteca, baile, essas coisas tudinho. Festinhas, que tinha as festinhas de aniversário. E eu era um cara que gostava muito de dançar e ouvir música, mas não tocava instrumento nenhum, assim. Então, a música que veio do meu pai foi muito enviesada, não foi para tocar um instrumento, foi ter esse contato de audição, vamos dizer assim. Ouvir os ensaios das bandas. Ouvir uma banda tocando na minha casa. Ouvir um… Sabe? Um, sei lá, um amigo dele que chegou lá em casa e mostrou um som para ele, aí ficava lá os instrumentos, eu ficava ouvindo e tal. Isso foi internalizando, internalizando… Surgiu mesmo para trocar instrumento já adulto, já aqui em Maceió.
19:22 P/1 - Júnior, pelo o que eu entendi, o Seu Nelson foi importante, foi ele que através de “faça essa lição aqui, faça esse essa atividade aqui” que você vai poder se divertir. Não é isso? Então, assim, mas quando você tem aquele instrumento na sala batendo na bateria, sabe que criança, às vezes, o adulto pede para parar o barulho e tal. Seu pai fazia isso? Seu pai deixava tocar numa boa?
R - Não, meu pai não estava. Ele já tinha saído para trabalhar ou fazer qualquer coisa. Meu pai não ficava muito em casa, meu pai em casa muito ocupado. Ele estava sempre trabalhando, sempre resolvendo e participando de alguma coisa. Então, assim, não tinha. Não tocava instrumentos e essas coisas, não, tinha para outras coisas, mas que eu lembre, está tocando, é alguém pedir para parar de tocar. Não tenho essa imagem. Às vezes, que aconteceu, ou estavam dormindo de ressaca, estavam cansados da noite, da festa, ou não estava tão forte assim, o que eu estava fazendo lá. Que eu não sabia tocar. Eu estava mexendo nas coisas, entendeu? Não é que eu pegava a bateria e saia tocando, não. Eu estava tum, tum, ouvindo aquela coisa. Conhecendo, né? Conhecendo. A gente está falando de uma criança curiosa ali, mexendo nos botões das coisas e tal, tocando, e tal. Aí, tinha esse contato, com o equipamento de som, sabe? Uma vez, uma pessoa me perguntou assim, pode ter sido meu primeiro contato realmente num palco, com música. Eu lembro que num desses bailes lá na Musical Penedense, teve um evento de forró. Tinha um um trio pé de serra tocando lá um forrozão, sanfona, tal, tal. E o cara estava lá tocando zabumba, ele estava sentado, com um pedestal assim, com a zabumba. E ele bateu assim, o pedestal caiu, e terminou quebrando esse pedestal. Já está quebrado. E eu estava assim, curioso, no meio do palco olhando. E ele falou: vem cá menino. Aí, me levantou assim, me botou aqui e tal. “Senta aqui!” Aí, botou o microfone na minha mão, eu passei o baile todinho segurando o microfone para ele tocar a zabumba. Essa foi a primeira vez que eu subi num palco, foi segurando o microfone, para o zabumbeiro meter a lenha lá. Imagina aquilo no meu ouvido ali, né? Eu só sei que eu estava curtindo, achando aquilo o máximo. Pra mim foi um acontecimento muito interessante na minha vida, muito legal!
21:46 P/1 - E qual idade lhe deu o seu primeiro instrumento e de quem?
R - Rapaz, aí eu já estou em Maceió. Aí, já foi em 1986, quando eu vim morar aqui, que foi justamente onde eu caí no Jardim Acácia, aqui no Pinheiro. Vim estudar aqui em Maceió, com 16, para continuar os estudos, estudar. E minha tia, dona Valdinha, que Deus a tenha, conseguiu pra mim uma vaga no CEPA (Centro Educacional de Pesquisa Aplicada), no Princesa Isabel. E minhas duas irmãs mais velhas, já estavam morando aqui. As minhas duas irmãs mais velhas já estavam trabalhando aqui, já tinham alugado um apartamento lá no Jardim Acácia, no Bloco 10. E eu vim pra estudar e morar nesse apartamento. E quando eu chego aqui pra estudar, foi que eu tenho o conhecimento desse meu primo, que já tocava instrumento, que já tinha uma banda, que fazia uma brincadeira no quintal com os amiguinhos dele, lá no Pinheiro, no Jardim Acácia. E aquilo, eu disse: “porra!” Que quando eu morava em Penedo, tinha uma coisa que me sufocava, sabe? Uma coisa que me faltava. Sabe, aquela coisa, assim. Em Penedo alguma coisa me faltava. E em Maceió eu achei alguma coisa, que talvez fosse aquilo, que era essa coisa de música, de tocar. Coisas que lá eu tinha mais por uma obrigação, para jogar bola. Aqui me pareceu diferente. E eu comecei a ouvir. Conheci esse meu primo, que é o Frankstone, que é o Toninho, e comecei a ouvir. E ele começou a me mostrar uns disco, aí eu conheci banda de rock, Iron Maiden, Possessed. Ouvir essas coisas de metal. Eu achei aquilo muito diferente do que eu tinha conhecido de rock, lá em Penedo, Titãs, Plebe Rude, que era o que chegava, RPM. E não tinha essa noção de que tinha uma música mais pesada que aquilo. Não tinha. Aí, chego aqui e conheço, Possessed, Slayer, umas coisas mais pesadas. E achei aquilo muito bom, de uma forma, sabe? Tipo assim, achou um tesouro assim, sabe? Eu, poxa, que negócio interessante. Comecei a ouvir. E ele já tinha esse negócio da bandinha dele, da Morcegos, que já era Morcegos. Ele já tinha dado esse nome à banda dele. E eu, poxa, fiquei lá, que isso, não sei o que. Disse, porra… “E esse violão?” Tinha um violão lá na casa dele, um Tonante com quatro cordas. Eu disse: “E esse violão aqui, bicho?” Ele, “tá aí veió, parado!” Peguei! Aí, peguei e comecei a ficar mexendo nas cordas do violão, tentando afinar e tal. Aí, eu disse: “Bicho, me passa aí, como é que faz isso?” Aí, ele disse: “Olha, véio, vamos tocar a música da minha banda”. “Bora, como que é?” “É assim, aqui assim faz, faz assim e faz assim.” Aí, eu comecei a fazer isso no violão tum tum, tum tum tum tum tum, tum, tum tum. Pronto! Foi daí que eu fui vendo essa coisa do que era um instrumento, tocar um instrumento, sabe? Foi de 1986 para 1987, nesse final aí. E aí, eu comecei a tocar isso. Nesse percurso aí, já conhecendo metal, já começando a querer ir para show de metal, que aqui já tinha umas bandas, Zenit, Amon, já tinha Trash, Aviso Prévio, aqui em Maceió já tinha essas bandas de metal, de rock'n roll. Muito influencia de Rock in Rio de 1985, aqui teve um boom também. Como no Brasil inteiro, o rock pesado deu uma… E em Maceió também teve isso. E eu chego aqui nesse momento que está acontecendo isso, os jovens fazendo banda de metal, banda de rock e tudo mais. E eu comecei a entrar nesse lugar, e a tocar esse instrumento, esse violão quatro cordas. E foi me encantando, foi me encantando aquilo ali e tal. Mas eu sou muito inquieto assim, eu sempre preciso… Sempre está faltando uma coisa assim. E nessa coisa todinha, o som era massa, as bandas eram massa e tal. Mas ainda estava uma coisa assim e tal. E quando eu conheço um cara chamado Elcias, que é também do Pinheiro, que morava na Borracheira, naquela parte do Pinheiro mais em cima ali. Aí, o Elcias era surfista. E um certo dia Elcias chega com dois discos de baixo do braço lá. A gente já frequentava a praça ali do Jardim Acácia, ouvindo rock e conversando. E eu já estava entrosado, cheguei aqui já estava entrosado com a turma, me entrosei rápido. E já estava estudando no Princesa Isabel, no CEPA, e conheci Elsias. Aí, Elsias chega com dois discos, que os discos eram Ratos de Porão e uma banda gaúcha, Replicantes. Ratos de Porão e Replicantes. “Vamos ouvir esses discos aqui.” Bora! Vamos ouvir esses disco aqui. Aí, eu já tinha saído do Bloco 10, já estava no Bloco 15, que é aquele em frente a praça do Jardim Acácia. Já estava no Bloco 15. E ele levava, ele trouxe. “Vamos!” A gente foi lá para o meu apartamento, e aí botou lá o Ratos de Porão. Cara, quando eu ouvi Ratos de Porão, e Replicantes, deu um… Sabe uma coisa assim. Disse: “Porra, é isso aí! É isso aí que eu quero.” Eu quero tocar música, mas eu quero tocar isso aqui. Eu quero essa poesia, eu quero essa letra, eu quero essa mensagem. É isso que está me faltando. Essa angústia minha é isso, e descobrir o mundo. E às letras já falavam muito assim, era uma coisa que falava do mundo inteiro, falava de guerra nuclear, falava de repressão, falava de coisas que deixava você sabendo, informado que você podia melhorar aquilo ali. Então, as suas angústias podem ser resolvidas, de certa forma. Você pode gritar também. Você pode, aaaa, tira isso de dentro. E o punk, aí pronto, foi quando eu conheci esse movimento punk, que já acontecia com muita força no sudeste do país, né? Em São Paulo. Em São Paulo já tinha um movimento pesadíssimo, de uma coisa que já vinha da Inglaterra, já vinha dos Estados Unidos, já estava no Brasil com muita força. Só que não tinha em Maceió, não tinha punks em Maceió. E a gente disse: “Bicho, vamos montar uma banda nossa”. Eu e o Elsias, “Vamos montar a nossa banda.” Isso tudo no Pinheiro, no Jardim Acácia. Então, nós montamos a Leprosário, que é tida como a primeira banda punk de Maceió, e que fez um movimento punk aqui em Maceió, que já agregou um grupo de jovens, assim, muitas bandas, sabe? Que juntou shows, eventos nas praças, movimento de panfletagem. Quer dizer, a gente criou um movimento punk aqui. Trouxe para cá também esse movimento punk, sabe? Tinha aqui também uma banda chamada Diarreia Cerebral, que os caras até tentaram, uns meses antes, o Augusto, mas eles eram do Bebedouro. Do Bebedouro, o Augusto, daquela região do Marquês de Abrantes ali. E eles tentaram, conheceram o punk de uma certa forma, tentaram montar uma banda, e levaram um cacete na Deodoro, a polícia pegou. Que não aceitava não, era uma coisa… Levaram um cacete, e aí amoleceram, não queriam mais fazer. Por causa do visual. Punk você sabe como é, tem aquela roupa diferente. Você imagina isso? Eu estou falando da década de 80. Você imagine, você está todo rasgado, no meio da rua, cheio de corrente e tal. Não era uma coisa bem recebida, não. Aí, eles levaram essa repressão muito forte, aí desistiram de continuar a banda, entendeu? Eles só fizeram dois eventos, assim, dois shows, e desistiram da banda. Foram curtir a vida deles, e tal. E aí, pronto, foi a Leprosário, quando surgiu a Leprosário, meses depois, foi que começou a agregar. Aí, buscar adeptos, sabe? Aí, pronto, essa foi uma missão assim, que me chegou, através da música, foi criar um movimento revolucionário jovem. Gritar para o mundo inteiro, que a gente estava sufocado. A gente criou uns zines. Um dos zines aqui de Maceió, era o Cu do Mundo. Que era como a gente se sentia em Maceió e em nosso estado. Faltava tudo. Na década de 80, em Maceió, era uma coisa meio que abandonada. Como ainda tem hoje. Que é abandonada politicamente, abandonada culturalmente, abandonada na educação, entendeu? Você vê teatros, como o Teatro Deodoro, passou uma década fechado. O CEPA, teve um período também, que passou um tempo fechado. Tudo nessa época de 80. A situação financeira do estado era uma coisa muito ruim. E a gente estava…. Esses filhos, os filhos dos pais que estavam sufocados, começaram a também se juntar com a gente e fazer esses movimentos, shows e eventos de punk. E foi isso que a música me levou. Me levou a esse lugar da rebeldia punk, sabe?
30:40 P/2 - Júnior, ouvindo aqui a tua história, dá pra ver que a sua relação com a música, ela muda, revoluciona. Ela já existia, mas ela revolucionou com a sua chegada no bairro. Não, é isso? No Pinheiro. Você passa a escutar outras coisas, que você não tinha em Penedo. Graças a essa ida, da saída de Penedo para Maceió e o cenário que você encontra, né? E que cenário era esse, assim, quando você chegou, a sua primeira impressão daquele bairro que iria revolucionar tanto para você?
R - Então, chegar no Pinheiro pra mim foi um desafio, porque devido a cidade pequena… Maceió num todo. Você vivia numa cidade menor. E eu não tinha saído muito de Penedo. Eu tinha ido uma vez a Aracaju, umas duas vezes em Aracaju, mas não conhecia Maceió, quando eu vim, vim para morar. O meu primeiro contato com Maceió, eu já vim morar. Então, assim, tinha um cheiro diferente, tinha uma luz diferente, sabe? Tinha um clima diferente, era tudo diferente, era tudo novo, sabe? Era uma coisa assim, que impactou assim, sabe? Então, tem alguns cheiros assim, ali no Jardim Acácia, por trás do CEPA, tem uns cheiros, que onde eu sinto, eu lembro do lugar, desse lugar, do CEPA ali, do Pinheiro. E foi isso. Tinha uma turma muito jovem, que gostava dessa música, que viviam de uma forma diferente, se comportavam de forma diferente. Os que estavam até então em Penedo, não tinham esse contato com essa música, com o rock, não tinha, não tocava nenhum instrumento. Assim, tinha um outro que tocava nessas bandas, mas não era fazendo… Montar uma banda de rock. Era as orquestras da cidade. É outro outro tipo de situação. Não tinha dois, três jovens que se juntavam pra fazer uma coisa. Eles eram alunos desses lugares, que faziam as orquestras e tal. Aí, aqui não, aqui eram jovens fazendo, independente de instituição, de o que quer que seja, eram eles fazendo, eram eles mesmo fazendo. E eles não tinham instrumentos. No caso da Morcegos, eles não tinham instrumentos, eles inventavam os instrumentos, a guitarra era de pau, a bateria de lata. Eles não tinham instrumentos. Eles faziam esses eventos no quintal da casa da minha tia. Esse nome, Morcegos, já vem dessa revoada, meu primo vem do CEPA, da escola, e no caminho, ao chegar em casa, na frente de casa, ele via esse monte de morcegos, assim, voando sobre a praça, assim. Aquilo encantou e ele colocou o nome da banda dele em homenagem aos morcegos que viviam naquela região. Que na verdade vivem lá até hoje, né? E conviveu com esses morcegos o tempo todo. E estava nesse clima, desses meninos fazendo música, sem instrumentos algum. Era esse clima que tinha, os meninos criando coisas, envolvia música, mas sem os instrumentos. Aí, quando eu chego lá, que eu vou começar a participar dessa coisa todinha. Aí, eu digo: Não, a gente tem que… Já peguei esse violão, já fui querendo aprender, eu montei essa banda com o Elsias. “Vamos lá! E como é que a gente fazer isso?” Aí, meu primo compra uma guitarra de verdade, né? O pai dele deu, não sei! Tá com a guitarra. Aí, pronto, a coisa começa a mudar. A gente conhece o Alexandre, que mora na Praça Arnon de Mello, que tem uma bateria. Aí, pronto, surgiu uma bateria de verdade, né? Aí, aquele negócio, agora dá pra gente fazer. Aí, pronto, aí começou a ensaiar a Morcegos, na casa do Alexandre, e a Leprosário. A gente começou a ensaiar juntos, a banda Morcegos e a Leprosário. E a gente foi ensaiando, “A gente tem que fazer um show, né? Tem que fazer um show!” Não tinha um show, tinha que fazer o primeiro show. A gente tem que fazer o primeiro show”. Aí, vamos lá. Aí, a gente começou a articular aonde fazer o show. Aí, tinha o Vinícius, que hoje mora lá em São Paulo, que é primo também da gente. Que é baiano, que estava aqui, um cara muito criativo, disse: “Vamos arrumar um show pra gente”. Aí, a banda Leprosário, nessa época, era eu, o Elcias, o Vinícius e o Wagner. E a Morcegos, era o Wilson, o Frankistone e o Alexandre Desmiolado. A gente ensaiava na casa do Alexandre Desmiolado. E o Vinícius: “Vamos fazer um show, vamos fazer um show!” Aí, pronto! Ele andava muito no Mutange, Bebedouro. O Vinícius era um cara que circulava mesmo assim, em torno. Ele conhecia as associações, era um cara bem dinâmico. Aí, ele: “Consegui um lugar, a gente vai fazer o show. Vamos lá”. Aí a gente desceu, ele foi me mostrar, a gente foi lá. Era na Marquês de Abrantes. Vamos lá. E aí, ele foi lá, conversou com cara. “Não, tudo certo.” Só que ele não falou para o cara que banda era, falou que queria fazer uma festa lá, de show de banda, mas não disse como era música, nada. O cara, “Tá certo, tá combinado!” Fechou o dia, a gente divulgou o evento todinho, que era em homenagem, que a gente estava influenciado pelo punk de São Paulo, que lá tem um grande festival chamado Começo do fim do mundo. E a gente fez aqui também, Fim do Mundo. Aí, a gente fez o Fim do Mundo aqui. Aí, foi lá no Abrantes. Aí, a gente foi. Marcou tudo, fechou, vendeu os ingressos, e tal. E foi pra lá, todo mundo, a gente foi até na picape, o pai do Alexandre, baterista, tinha uma picape, onde levou a bateria e a metade do público, nessa picamos junto. Fomos para o Abrantes. E foi todo mundo pra lá. Começou o show, tá, tá, tá, gritando. O cara do lugar já se espantou. Aquele negócio… “Que porra é essa? Quem são esses caras aí?” Aí, começou aquele clima meio… Já fica aquele clima meio… Aí, teve um hora que o vocalista da gente, muito punk, disse: “Eu quero…” Soltou aquele palavrão pesado… “Que o presidente vá…” Só que ele estava falando do presidente da República. Aí, o cara: “Para, para para!” O cara, o dono do lugar. “Rapaz, a gente abre o espaço pra vocês, e vocês vem aqui esculhambar a gente?” “Não, rapaz, vou te explicar, o cara, não, isso aí é o presidente da República, isso aqui é uma banda punk de protesto.” Não sei o que, tal. Aí, o cara entendeu. “Tá certo, pode ir lá”. Aí, a gente arrochou.
Ai, pronto, tocou a Leprosário, tocou a Morcegos. Aí, foi massa, a galera lá curtiu pra caralho. Primeiro show da gente, a gente em êxtase. Aí, chega a galera. “Tem uma galera da porra aí na porta.” A gente, “Oxi, para entrar para o show?” “Não, esperando a gente sair.” A gente disse: “Mas como assim?” “Porque depois vai ter um show de reggae, um evento de discoteca de reggae. E a galera está só esperando a gente sair, os caras estão doidos que a gente vá embora, que eles querem fazer a festa deles. E não querem a gente aqui não.” “E agora como é que a gente vai sair, véio?” Galera da porra. Aí, eu fui lá, olhei. Só via os caras, “Embora cabeça poeira. Sai dai!” “E agora? A gente via ter que sair.” Aí, desmontamos nossas coisas, tudinho. Aí, saiu, tal. Veio, só deu tempo da gente subir no carro, botar a bateria em cima e subir no carro do pai do Alexandre, e o Tãozinho, estava lá com um 147, aquele Fiat 147. Veio, quem estava no show, que não saiu correndo, subiu nesses carros, veio. E só vi as pedras batendo no carro, e lama, e os caras jogando na gente e a gente fugindo, que era muita gente lá, os regueiros, os caras do reggae, que não queriam a gente lá. E a gente saiu num pique, vai se embora. Foi o primeiro show que a gente fez. E depois disso aí a gente foi para aonde? Para a Praça do Jardim Acácia resenhar. Aí, foi todo mundo para lá, a turma todinha, aí ficou. Era o point da gente do Jardim Acácia, a gente ficau lá resenhando dessa história todinha. Mas esse foi o meu primeiro show com instrumento já. Pronto, daí, então, vem a Morcegos até hoje. Morcegos está na ativa até hoje. A Leprosário continuou ainda, mais dois, três anos, foi até 1990, 1992, por aí, a Leprosário. E ficou um legado punk, desse momento aí. Aí, pronto, nesse mesmo momento, aí surgiu bandas em todos os lugares da cidade, pichações punks começaram a surgir, panfletos. A gente teve contato com pessoas de outros estados, do Nordeste. Então, a gente descobriu que o Nordeste já fervia punk. A gente descobriu naquela época. A gente disse: “vamos aí”. Aí, cartas. Cartas para Aracajú, cartas para Rio Grande do Norte e tal. E começou a conhecer as bandas, Carne Crua, de Aracaju, Descarga Violenta, de Natal, Cuspe, da Paraíba. E começou a conhecer essas pessoas, os integrantes e tal. E começou a trocar figurinhas com essas turma. Aí, a gente já desligou um pouco do punk do Sudeste. A gente, disse: “Porra, aqui tem uma galera falando mais com a nossa temperatura, o sol quente aqui. Por aqui dá para a gente fazer uma coisa maior. Aí, a gente começou, Maceió já estava com o que? Sei lá! Dez bandas punks. Já estava com um movimento… Colinas, Eucaliptos, Bebedouro, Chã da Jaqueira, Ponta Verde, naquela pista do skate, os punks se encontravam por lá. Quer dizer, a cidade toda tinha algum punk. Nem que fosse um. Benedito Bentes tinha o Clamor Público, tinha a banda lá. E aí, começou a surgir, pipocar punk, bandas e shows aqui. E a gente começou a fazer esses contatos, no Nordeste. E nesse contato com o Nordeste, a gente teve o contato com o anarquismo, com a coisa mais politizada já, que era uma coisa que a gente já via nas letras ali, que já tinha um certo protesto, mas não tinha um certo direcionamento político assim, vamos dizer. Era um grito jogado assim. Aí, a gente teve esse contato com esse pessoal da Paraíba, Rio Grande do Norte, mais politizado. E a gente, porra, tem essas coisas todas. Começou a tocar em outros cantos. Essa troca de intercâmbio foi tão forte, que a gente criou o MANN, que era o movimento Anarquista Norte e Nordeste. Para você ver como a coisa tomou uma dimensão a nível de região mesmo, nordeste. E a gente tinha uns jornais… Tinha algumas sedes, a sede um tempo em Aracaju, outro tempo foi em Recife, outro tempo foi em Natal, o último lugar foi em Belém. Onde a gente mandava todas as informações de Maceió, que acontecia em Maceió, da visão da gente, que era bom ou ruim, e mandava para esse lugar. Esse lugar juntava todas as informações que vinham de todos os outros estados, compactuava isso num jornal, e distribuía esse jornal para as outras regiões do país. Mandava para São Paulo, mandava para o Rio de Janeiro. Sabe? E aí, pronto! Tomou essa força. A música me levou a esse lugar, entendeu?
41:44 P/2 - Júnior, e você falou que quando você morava em Penedo, você se via como maloqueiro da cidade. Quando você vem para Maceió e passa por tudo isso, a sua visão sobre você mesmo, se modifica?
R - Não, eu continuei maloqueiro aqui também (risos). Porque o maloqueiro é aquele pessoa que está andando nos lugares. Você não é maloqueiro. As pessoas que dizem que você é maloqueiro. Está entendendo? Então, assim, eu fui chamado de maloqueiro algumas vezes. Por isso que eu digo assim, eu era maloqueiro, então. Sabe? Você diz que eu sou, então eu sou. Então, o que é o maloqueiro? É aquele cara que tem o espírito livre, é aquele menino que brinca, aquele menino que sai, que vai, sabe? Que circula, que está na rua, isso é o maloqueiro. É isso! Hoje eu toco em uma banda chamada Poesia na Trincheira, que é aqui do Quintal Cultural, do Rogério Dyaz, Marvin, Gustavo Rolo, Fagner do Brow. Que é uma galera envolvida com o Coco aqui da cidade. E eu levei um pouco de rock. A gente diz: “Deus salve os maloqueiros!” Porque os maloqueiros são muito importantes, cara. Esses meninos não sabem brincar, uns meninos que andam nas vielas, que anda na lagoa, que vai tomar banho de rio, que sai pra jogar bola no campinho, sabe? Que quer ganhar uma grana, vai ali, pega um carrego na feira, vai ali, pega um negócio pra vender, não fica… Sabe? Esse é o maloqueiro. São os ativos. É o menino ativo que vai e corre atrás. Entendeu?
43:11 P/1 - Júnior, você contando a sua história, durante essa nossa conversa, eu fiquei assim, curioso pra saber sobre as relações amorosas da época. Como eram as relações amorosas da época?
R - Da época de criança?
P/1 - Da época que você chegou aqui?
R - Eu cheguei ingênuo. Eu tinha alguns namoricos de criança, lá em Penedo, aquele negócio de criança, reconhecendo e tal. Eu fui apaixonado lá. Que nem criança, você se apaixona e depois desapaixona, ao mesmo tempo, é uma coisa muito dinâmica e tal. Mas sempre tive muito contato, assim, sabe? Com outras pessoas, de namoro, de beijinho na escola e tal. Quando eu venho para cá, é que eu percebi que tem uma liberdade maior assim, de se fazer. Os jovens que circulavam no Jardim Acácia, por ali, eles eram bem mais pra frente, nesse sentido, do que eu lá em Penedo, entendeu? Então, assim, eu senti que existia… Eu não conseguia ser amigos de mulheres lá em Penedo, era difícil. E aqui eu já via que existia, entre eles. Grupo de homens e mulheres que brincavam e não eram namorados. Sabe? E aquilo foi diferente para mim. Aí, fui me entrosando dessa forma. Então, eu fui fazendo amizades, conseguindo ser amigos também de mulheres. Me desconstruiu também um pouco, porque eu via mulher como aquela coisa de estar ali para conquistar e tal. Aquilo podia ter amizade, entendeu? Mas aqui desconstruiu isso. Existe sim. Posso ser sim. E eu fui ficando na amizade. Ai pronto, isso me levou até namoros. Foi amizades. E vários assim, namorei bastante, sabe? Com as amigas e não amigas, e tal. Foi muito interessante. Meus primeiros beijos foi em Penedo, meus contatos, foi em Penedo. Aqui eu já não era assim, nesse sentido, sem nenhum contato. Não, eu já tinha algum contato de namoro, quando eu vim morar aqui. Mas aqui ficou mais intenso, porque eu já era maior. Já vi que as possibilidades eram outras, os papos eram outros, as coisas começavam a ficar mais leves, vamos dizer assim, nesse sentido de ter contato e namorar. E foi acontecendo, fui namorando bastante. Namorei bastante. Hoje eu me encontro casado com uma pessoa que foi amiga minha. Para você ver como a coisa realmente acontece assim. A minha esposa, tem 30 anos, que eu moro com ela, a Vânia, nós temos duas filhas e um enteado, ela já tinha um filho, quando nós ficamos juntos. E nós somos amigos desde 1990, eu acho. A gente se conheceu, ela também é rock, gosta do rock’n’roll, uma pessoa que também era do metal. Tanto é que o nome dela na época era Vândisleya, que era do metal. Ela vem do Rio Grande do Norte. E coincidentemente, a história não se repetiu, a do meu pai com a minha mãe, em termos de recusa, de preconceitos e tal. Mas ela é branca também, a minha esposa, e eu também sou negro. Mas não teve esse problema, não. Que eles tiveram lá, o meu pai. E é isso. Eu namorei bastante, mas hoje eu vivo com essa minha companheira há 30 anos.
46:27 P/1 - Se conheceram através da música. Um show?
R - Através da música. Ela como curtidora do movimento, do metal também, e eu como curtidor, e ativo, músico, tocando e tal.
46:42 P/3 - Júnior, voltando um pouco para o bairro. Como que era a sua rotina no Pinheiro?
R - Pronto, a princípio eu vim trabalhar, vim estudar. Aí, estudava no Princesa Isabel, que era no CEPA. Então, era CEPA e Jardim Acácia. Ficava nesse percurso de lá. E isso, conhecendo, vivenciando música, o rock, o movimento, dentro desse pedacinho ali, de praça em praça, Jardim Acácia, Arnon de Mello, Mutange, que também a gente circulava, e tudo mais. E ia na casa de um, ouvia música. A gente sempre estava… Antigamente tinha a coisa do disco. Então, a gente juntava os discos aqui, “vamos pra casa de fulan”o. Aí, todo mundo ia pra casa de fulano, para ouvir aqueles discos. Então, tinha essa dinâmica de circular na casa dos amigos, para ouvir, conhecer músicas, que era difícil. Às vezes, chegava um disco daquela banda aqui, aí todo mundo queria ouvir. Aí, tinha que ir para a casa daquele cara, ouvir aquele disco. E a gente fazia isso. Andava muito. E na minha casa, como eu tenho um sonzinho, e ficava só, porque minhas irmãs iam trabalhar, nessa época, eu morava com elas ainda, elas iam trabalhar, eu ficava só. Então, a minha casa era um espaço que dava também, meu apartamento, que dava para ir para lá ouvir música, ouvir os discos. Isso! Eram ensaios das bandas, estudo no Princesa Isabel. E uma coisa interessante, como eu não conhecia a cidade, eu tinha que conhecer a cidade, lá passava o ônibus Sanatório, que passava lá no Jardim Acácia. E o que é que eu fazia? Ia para o ponto, passava o ônibus, eu entrava, aí saia. Ele descia… Aí, descobri, que ele descia, ia no centro e voltava. Ele passava, descia, ia no centro e voltava. Aí, ficou chato. Eu quero conhecer outras coisas. Aí, eu descobri que na Fernandes Lima, eu podia caminhar na Alameda São Benedito, onde vai dar ali no R4, no quartel, ali. Aí, eu saía do Jardim Acácia e ia para a frente do quartel, ali, para o ponto de ônibus. O primeiro que passasse eu entrava. Nem olhava o nome. Passou um ônibus, eu entrava. Aí, conheci Benedito Bentes, formando ainda o conjunto eu estava lá. Aí, o ônibus chegava em algum lugar. O Eustáquio Gomes ainda começando, aquele negócio ali ainda não tinha, muito vazio ainda. E eu, com medo de me perder, que eu não conhecia, aí eu nem descia do ônibus, às vezes, chegava no terminal, aí o cara dizia: “Terminou!” Eu dizia: “Tá, mas que horas volta outro? Esse mesmo volta?” Ele dizia: “Aquele ali está voltando.” Entrava no outro, ele voltava pelo mesmo caminho. Aí sentia que conhecia, quando eu via um ponto, o quartel era meu ponto. O quartel, a Volkswagen, ali era a referência de onde eu tinha que descer do ônibus, para não passar lotado. Pronto! Desse jeito eu saí rodando a cidade, pegava um ônibus e tal. Minha rotina era essa, assim, sabe? De estudar, ensaiar com as bandas, e circular na cidade para conhecer a cidade. Diário, isso assim que eu fazia.
49:48 P/1 - Você lembra do endereço dessa região que você frequentava no Jardim Acácia?
R - Alameda São Benedito, em frente a Praça do Jardim Acácia. Era a casa da minha tia, a dona Valda, que se tornou o meu lugar de raiz na cidade, aqui em Maceió, entendeu? Quando eu vim para Maceió, eu vim para o Jardim Acácia. E casa da dona Valdinha, minha tia, a mãe do Frankstone, da banda Morcego. Do Fred, do Churrascore. Entendeu? Dessa turma que fazia arte, e ainda faz até hoje, muito ativa, a turma. E o Seu Francisco. O Seu Francisco tinha uma coleção de discos que era uma parede inteira, assim. Ele tocava uma música todo dia, porque todo dia é dia de alguma coisa, né? Todo dia ou é dia de aniversário, ou de Santo. E Seu Francisco era advogado, era o pai do Toninho, o esposa da Dona Valdinha, todo dia ele tocava. Então, se você quisesse saber, aquele dia, o que era, se você fosse ali ele dizia: “hoje é dia de santo tal, é dia de esquilo”. Ele explicava tudinho. Essa casa se tornou o meu lugar de pertencimento a Maceió. Sabe? Eu me sentia pertencido na casa da Dona Valdinha, no Jardim Acácia. Não era no Bloco 10, não era no Bloco 15, não era no Bloco 8, que eu morei também. Era na casa da Dona Valdinha, que depois de algum tempo, mesmo eu circulando, saindo, fui morar… Eu morei na cidade toda. Como eu morava sozinho, eu comecei a morar onde o meu dinheiro dava pra pagar o aluguel. Então, eu morei em tudo que é canto da cidade, assim, todos os bairros, eu digo assim: que eu morei do luxo ao lixo. Eu morei da favela do Brejal, entendeu? A apartamento de cobertura, ali na Praça da Faculdade. Não tem aquele apartamento ali que ver a praia? Pronto! Morei na cobertura daquilo ali, e morei na favela do Brejal, no Beco do Suvaco, no Bom Parto, entrando pra dentro, dentro dos barraquinhos, morava lá. Morei em algumas vilas da cidade, onde tinha assim, 30 casas, e tinha um banheiro, para essas 30 casas, sabe? Tem uma casa que eu morei no Barro Duro, que foi muito interessante, tinha umas 20 casas nessa vila, no Barro Duro, e só tinha uma geladeira, da mulher que morava na primeira casa. E eu tinha uma geladeira e um fogão. Para onde eu ia eu levava, uma geladeira e um fogão. E eu tinha essa geladeira e o fogão. Só que eu não vivia em casa. Aí, o pessoal tinha dificuldade, eu via o pessoal lá. “Rapaz, não sei o que estragou.” Aí, eu chamei a minha vizinha assim, eu disse: “Ó, eu viu que você estava não sei o que… Pode usar aqui a minha geladeira. Eu não tenho nada, não. Está vazia aqui, só tem água.” Aí, ela disse: “Posso mesmo?” Posso! Aí, pronto! Ela disse: “Eu queria botar uma coisas lá.” “To saindo, toma a chave.” Aí, eu deixei a chave com ela e fui embora para trabalhar. Quando eu voltei, bicho, a casa estava toda limpinha. Bicho, ele tinha varrido tudinho, e a geladeira estava atolada de coisas, cheia, freezer, tudo. Eita, porra! Essa mulher tem coisas. E cheia mesmo. Aí eu cheguei lá, “tem um monte de coisas, mas faltou lugar para botar a minha água.” Porque não tinha nem onde botar a água. “Eita, desculpa meu filho!” “Essas coisas são tudo sua?” Ela disse: “Não, porque quando o pessoal viu eu botando, o pessoal da vila, perguntou se podia.” A vila toda começou a usar a minha casa para botar, a geladeira, o fogão. Aí, eu chegava, pronto, era massa, que era uma troca. Do mesmo jeito que eles tinham, a geladeira e o fogão, agora, eu chegava em casa, tinha comida. Eles diziam assim: “Pode comer, viu!” Diziam pra mim, pode comer o que você quiser aí. Então, assim, essa é a minha circulação. E o meu ponto de pertencimento, nessa cidade, é Jardim Acácia, o Pinheiro, na casa da dona Valdinha.
53:35 P/1 - Junior, tem outros locais, paisagens e caminhos no Pinheiro que marcaram também essa sua trajetória?
R - Tem! O visual do Mutange. Assistir jogo ali, que eu ia ali. O pessoal, “Vamos lá, rola um jogo ali, tem um campo.” Logo que eu cheguei, né? Aí pronto, conheci esse lugar. Tinha vários amigos que moravam lá também. O Vini, o Vini que tocava, teclado, violão. A gente ia para esse lugar, pra gente ver a lagoa. Era um visual massa da porra ali. Tinha o campo do sal-gema, que a gente ia lá jogar bola. Tinha a praça do Jardim Alagoas também, que a gente brincava, jogava bola, e futevôlei, e namorar. E esses espaços todos que a gente circulava ali, Arnon de Mello, onde teve uma chacina, tá entendendo? Arnon de Mello, também circulava ali. E esses namoros que você falou se eu tinha. Tinha, namorava por ali, nessas praças, era a circulação. O CEPA, a gente vivia no CEPA também, tinha muito jogo de futebol. Eram muitos jovens, né? Então, existia uma circulação desses jovens. Como eu jogava muita bola lá em Penedo, eu vim com essa coisa, sempre gostei de jogar bola. Parei um dia desse, de jogar bola, sempre gostei. Ou era ensaiando na casa de alguém, lá mesmo, que os ensaios rolavam por lá, no Jardim Acácia. Ou era bebendo, nos bares da região, ou jogando bola, namorando. A gente circulava bastante. Assim, Alto do Céu, Borracheira, Jardim Alagoas, Suruagy, sabe? Era constante assim, a movimentação. Por isso que todo lugar que eu passo… E aí, ficou na minha cabeça, cheiros, ficou sons, que só tinha lá, sabe? Tem cheiros… Eu descobri uma rua na Serraria, que tem um cheiro parecido com o que tinha lá no Jardim Acácia, uma planta, que tem uma florzinha branca. Mas ela não está sempre cheirando, tem um horário específico, então uma coisa assim. Eu fico tentando passar naquele horário específico para sentir esse cheiro de novo, entendeu? Que é essa lembrança que eu tenho muito forte da região, esse cheiro lá.
55:45 P/1 - Como eram as festividades culturais?
R - Rapaz, assim, quando eu cheguei, tinha uma quadrilha, lá tinha uma quadrilha, onde os homens se vestiam de mulheres e as mulheres se vestiam de homens. Que acontecia na praça. Essa quadrilha, ela foi crescendo e se transformou no Palhoção Sanatório. Ela cresceu e ficou uma coisa… Maceió inteira ficou sabendo disso aí. Maceió ia pra lá, as festas de São João lá eram pesadíssimas. Esse pessoal em torno dessa Praça no Jardim Acácia, eles faziam todas as festas, Natal, Carnaval, São João. A turma era bem, um líder, os moradores daquela região. E sempre tinha, sabe? Fechavam mesmo, assim, as ruas e faziam, botavam barracas e tudo mais. E faziam as festas de São João, faziam as festas do carnaval, de Natal, o réveillon, sempre tinham essas festas lá. A própria praça, como a praça era um ponto de encontro e de barzinhos, churrasquinhos e tal. Era como se fosse um grande evento de final de semana. Todo final de semana você tinha um grande evento no Jardim Acácia, porque eram cinco, seis churrasquinhos funcionando ativamente, sempre tinha alguém tocando música lá na praça. Então, assim, as manifestações eram muito intensas lá. Muito forte essa interação da vivência do pessoal lá no local.
57:14 P/1 - Junior, vamos falar sobre o tremor. Quando você estava no Patrimônio, como foi receber essa primeira notícia desses acidente ambiental?
R - Pronto, quando aconteceu o tremor, eu já não estava morando lá no Jardim Acácia, mas eu sempre trabalhei no Farol, no Pinheiro, porque eu trabalho no saneamento, e fica ali perto do Saem. Eu trabalho ali perto do Saem. Eu estava no trabalho e daqui a pouco começou aquele zum zum. O pessoal comentando. “Rapaz, rolou não sei o que.” Eu não vi. Nessa época eu já estava morando, acho que estava morando no Tabuleiro, nessa época, que teve o tremor. Mas a minha irmã morava lá no prédio, e ela ligou para mim. “Vou ter que sair…” Ela tinha acabado de ter voltado, minhã irma. “Eu vou ter que sair de lá.” Eu disse: “Por quê?” “Não está sabendo não?” Eu não estava sabendo ainda. Ela disse: “Teve um tremor aqui, o negócio tá feio aqui.” Eu disse: “Oxi!” Aí, eu fui bater lá, né? Fui bater lá. Peguei a bicicleta, saí do trabalho e fui bater lá, na casa da minha tia. “Oxi, o que está rolando?” Aí, já vi, no caminho eu já vi ali no Suruagy, que já tinha essas fissuras, e o pessoal já estava lá. Tinha um monte de gente já nas ruas, olhando as rachaduras do Suruagy ali, que estavam começando a aparecer. E esse zum zum. Aí, fui pra casa da minha tia. “Ah, meu filho, teve um tremor aqui.” O pessoal começou a falar… A minha tia ainda estava viva. Ela faleceu, a Dona Valdinha. E tava esse zum zum, que alguma coisa está acontecendo. “Que foi que houve?” “Foi um tremor.” “Mas é um tremor, um abalo sísmico?” Ninguém sabia o que era. Ninguém sabia o que era. Aí, como em Alagoas já tinha acontecido outros tremores e tal. Ninguém… Ficou todo mundo naquela dúvida. “É um tremor, é um abalo, não sei o que.” E ficou naquela tensão, sem ninguém ter certeza, ninguém sabia de nada. Só que tinha o seguinte, no Bloco 15, que era aquele bloco em frente a praça, da casa da minha tia, sempre estava afundando aquele bloco, ele sempre estava afundando. E faziam umas reformas ao lado dele, trocava cano, e fazia um monte de coisa, e não resolvia. Depois que fazia tudo aquilo, ele afundava mais um pouquinho. E pronto! Aí, rolou esses negócios. Aí, começaram a juntar as coisas. “Rapaz, o que está acontecendo?” Aí, ficou nesse temor, de o que estava acontecendo. Mas, foi assim, eu não estava lá, eu estava em outro lugar, e fiquei sabendo através da minha irmã, da Geilsa. Minha irmã que me ligou e disse que ia sair da casa, entendeu?
59:59 P/2 - Então, você não estava mais morando lá, mas você acompanhou o processo com seus familiares, sua tia ainda estava lá?
R - Isso! Porque era o meu point, a casa da Valdinha era o meu lugar. Então, eu ensaiava lá, gente tinha projetos lá, com meus primos, eu vivia lá, era o meu lugar. Eu estava lá todos os dias. O Jardim Acácia era minha referência da cidade. Então, tudo o que acontecia comigo, em termos de cultura, de música, de arte, era lá que acontecia. Então, assim, eu sempre estava lá com o meu primo, com Fred, ele tinha uma lan house, ele tinha um estúdio, a gente ensaiava lá, então a gente estava sempre ensaiando, estava fazendo música lá. Então, assim, eu trabalhava no primeiro horário, até 11h30, saía, e em vez de ir para a minha casa, eu ia pra lá, entendeu? Então, assim, eu ia mais pra lá do que pra minha casa mesmo. Então, era o meu lugar, sabe? Se eu tivesse em qualquer canto, eu pensava lá, eu tenho que ir lá. Era o meu lugar lá. Lugar que eu convivia diariamente, assim, a casa da Dona Valdinha. Então, assim, foi forte o momento, porque quando a gente percebeu assim, que aquilo ali estava prestes a não ter mais, que aquele horário de meio dia, eu não ia ter mais aquele lugar pra ir. Que aquilo ali estava ameaçado de alguma forma. Aí, começou o negócio embrulhar, ficar estranho. Aí, foi ficando estranho. Você começa a ficar assim, meio que sem entender, sabe? Não sabe como é que vai ser. Como assim, não vou poder mais ter esse projeto? Isso acabou? Dá uma sensação de vazio.
1:01:36 P/2 - Você falou que desde o ocorrido você já não estava mais morando lá, mas tinham familiares seus morando e você era muito presente na casa. Então, como foi pra você acompanhar essa saída deles? Ver que realmente aquele espaço teria que ser esvaziado e eles teriam que recomeçar em outro lugar. Como é que foi pra você?
R - Muito tenso, muito triste. Saudade antes de perder. Sabe uma coisa que você… Pê, será que isso aqui… Ficou aquelas dúvidas, né? “Mas só vai ser a casa que tem rachadura, as que não tem rachadura.” E as primeiras casas que apareceram as rachaduras foram naquela região. Foi o Suruagy, foi o Jardim Acácia, foi o Pinheiro. O Jardim Acácia era aquele miolo ali, foram as primeiras casas que foram rachando. E até então, ficava monitorando as paredes da casa. Vivia o pessoal monitorando as paredes, olhando assim, até que a casa da minha tia começou a se afastar da casa da vizinha, uma parede da outra, começou a ficar se afastando, se afastando. E o pessoal foi percebendo. “Epa, esse negócio aqui tá ruim, tá ficando ruim, tá ficando ruim”. E morando na casa, e ainda na esperança de que aquilo se resolvesse, e que não fosse preciso sair. E a gente continuava lá, fazendo as coisas lá, atividades e tudo mais, e os encontros e tudo mais. Mas aí, vem, rapidamente, porque ele foi o primeiro lugar, rapidamente, “Ó, não tem como, vocês vão ter que desocupar. Vocês vão receber um aluguel social.” Isso foi um abalo. Porque o pessoal, todo mundo morava nessa casa. O pai, o Senhor Francisco, já tinha falecido, ele já tinha se mudado, já tinha saído. Mas o resto todo estava. Estava a minha tia. Não, a minha tia também já tinha falecido. Minha tia faleceu meses antes. Por sorte dela, não passou esse trauma. Sorte, morrer? Mas assim, ela não passou esse trauma porque ela morreu alguns meses antes, mas os irmãos todos estavam nessa casa, cada um num quarto, a coisa toda. E tudo muito junto, muito unido, todo mundo dentro daquela casa. Teve aquela história, vai ter que separar. Aí bateu, tem que sair. E como é que vai ser aluguel? Não sei o que, aí tem que ver o aluguel social, não sei o que. Aí, queriam dar um mixaria, o pessoal resistente. Não, ninguém vai sair daqui por essa mixaria. E o pessoal começou a fazer aqueles eventos de protesto ali na praça, e a banda Morcegos tocou no evento da Praça. O Toninho, tinha uma casa ao lado… Por trás dessa casa grande, tinha uma casa menor, que era o mesmo terreno. E o Toninho foi morar nessa casa menor atrás. E a casa grande, da frente, começou a ter que sair mesmo. Aí, pronto, não teve jeito, foi desmontado, foi tirado tudo, os portões, e a turma teve que sair. Mas o Toninho, da Morcegos, resistiu, e ficou nessa casa atrás. E a turma saiu. Um foi morar na Gruta, minha prima foi morar na Gruta. O meu outro primo, foi morar na Pitanguinha. E o Frankstone lá. Disse: “não, eu não vou sair, eu vou ficar aqui, eu não quero não. Isso vai ser resolvido, e eu vou ficar aqui. Isso vai voltar e tal”. E o tempo foi passando, e as coisas só piorando, só piorando, piorando. O pessoal dali, acho que por ser o começo, esse aluguel chegou, não demorou tanto a chegar, os primeiros. Mas não conseguiram pagar nada que fosse compatível em termos só de estrutura mesmo, tirando as outras coisas, nem estrutura dava, para alugar em outro canto com uma estrutura mínima parecida que você estava. Não dava. Aí, pronto, ficou naquele impasse, sai, não sai, não sai. Aí, terminou, o Fred que estava resistindo, saiu. O Fred foi pra Riacho Doce. Aí, pronto, ficou um na Gruta, um na Pitanguinha, um no Riacho Doce, e o Toninho lá atrás, resistindo. “Não, não vou sair, não vou sair, vai resolver, vai resolver”. Só que não foi resolvido. Aí, a Braskem foi lá e botou uma grade nesse terreno, que a casa ficava dentro, e fechou. Ele ficou dentro, preso. Só tinha uma brechinha assim, da casa dele, da casa da dona Rosinha, que já estava fechada, já tinha arrancado portão e tudo. Uma brechinha que só dava para ele passar assim, nessa brechinha assim, para ele ir para a casa dele. “Não vou sair, não vou sair, não vou sair.” Até que os caras pararam um caminhão na porta, “Ou você sai, ou a gente te tira.” Aí, ele disse: “Porra, não tenho como fazer, vou ter que sair”. Ele na esperança ainda, de alguma coisa acontecer, de reverter, em vez de também que nem os outros, já se “empirulitaram” para uma coisa mais longe. Ele ainda resistiu, “Não, eu vou ficar aqui, esse é meu lugar.” Ele alugou um lugar no Mutange. Alugou uma casinha no Mutange. Disse: “eu vou ficar aqui”. Foi para o Mutange, morar no Mutange. Aí, ficou lá, na esperança que a coisa se resolvesse. E só piorava, só piorando. E tirando gente, acabando com tudo. Até que chegaram na casa que ele estava de aluguel. Que ele tinha alugado. Aí, ele disse: “Porra, vou ter que sair também.” Aí, foi quando expulsaram ele de lá de vez, e ele foi para o Poço. Para você ver, uma turma que vivia todo mundo junto, cada um agora estava num canto diferente. Pronto! Aí, teve esses aluguéis que eles ficaram recebendo. E vamos partir agora para outra situação, que é a compensação.
1:07:31 P/2 - E nesse processo de compensação que você acompanhou, você sentiu que houve justiça? Como que você entende essa negociação de compensação para os familiares?
R - Briga. Ele não receberam. O que oferecia não era um valor legal. Não valia a casa, era uma casa enorme e bem localizada, num local privilegiado, em frente uma praça, com vizinhança tudo conhecida, com linha de ônibus, perto do centro. Quer dizer, era uma casa altamente valorizada. E a indenização, irrisória, em comparação. Aí, a galera resistindo. Não! Aí, foi para o pau. Não receberam o que primeiro ofertaram, não. Aí, foi para o pau. Aí, demorou, receberam agora, faz pouco tempo, porque chegaram num acordo e receberam. Mas, foi assim, a casa que a minha prima foi morar, ela teve que dobrar o aluguel que davam. Ela dobrava para poder morar. Quer dizer, ela saiu de uma casa que não pagava, foi pagar aluguel. Entendeu? Tinha as netas dela, tinha mais gente morando com ela. E ficou nesse processo, de justiça mesmo, brigando. Na briga, na briga, na briga, na briga. E sofrimento, o pessoal vivia triste. As minhas primas começaram a ter problemas de saúde, ficar triste. A gente percebia que elas foram ficando tristes, sabe? E foi mudando. Ela era muito animada, ia para as festas. Já não ia mais com tanta energia. Chegava aqui, “Vou embora.” A festinha que acontecia. Ela já chegava assim: “Vou embora, vou embora!” O que deu? Essa menina do nada… Claro que ninguém sabia, tem os motivos de saúde e tal. Mas começou a ter problemas de coração, sabe? Assim, uma pessoa que era dinâmica, festeira. Começou a ter problemas no coração, depois de fato. Ninguém sabe, quer dizer, se tem uma ligação realmente direta. Mas deve ter, porque se o seu corpo vira um poço de tensões, os seus órgãos vão sofrendo com tudo isso, né? E ela, ela foi. Quando foi agora no começo de janeiro, morreu do coração. Entendeu?
Vendo esse processo todinho de definhamento, e no começo do ano morreu de coração, entendeu? Já tinha recebido a compensação. Mas não tem. Tentou comprar um apartamento ali na Gruta. A valorização ficou absurda, tudo muito caro. Ela queria ficar na região. Porque a galera não consegue se desligar fácil não, pô! A turma ficou querendo ficar por ali. Aí, ia empurrando mais pra lá, e a galera não queria sair para muito longe. A galera queria ficar ali pertinho, sabe? Mas o dinheiro não rolava, porque era tudo muito caro, tinha que ir para longe. Mas aí, depois de muita briga, teve a compensação, ela comprou. Aí, cada um comprou um local. Esse que estava de aluguel na Pitanguinha, comprou na Pitanguinha. O que estava na Garça Torta, comprou lá em Paripueira, foi-se embora, pra longe, e o Frankistone, que é muito ligado a Lagoa, que é muito ligado a região, foi pro Pontal, pra ficar perto. “Bicho, você foi pro lado da Braskem?” Ele disse: “Meu irmão, mas eu não vou sair de perto da Lagoa. Eu quero estar aqui perto da Lagoa, perto do mar. Eu quero continuar aqui, perto deste lugar.” Foi o lugar mais perto que ele achou, que deu pra ele comprar, e que ele ia continuar tendo esse contato com essa natureza do lugar, diretamente. Que ele ainda ia poder molhar os pés na Lagoa quando quisesse. Como ele fazia. Ele saía do Jardim Acácia, ele descia, ia bater na Lagoa. Esse era o costume dele, dele andar nas ruas também, descer, ir na praia. Ele gostava muito de andar. E que nem eu, anda de bicicleta. Meu primo, a gente tem essa particularidade parecida, assim, a gente anda muito de bicicleta. E esse era o habitat dele. Aí, ele foi morar no Pontal. E hoje mora lá no Pontal, comprou esse lugar para ele lá. E assim, a galera… Às vezes, eu botei o nome, eu cito eles em algumas situações assim, que acontece, mas às vezes eles não querem falar muito, não, sabe? Sobre o assunto. Às vezes, eles falam: “Não…” Sabe? Porque dói muito assim. Dói muito. A gente percebe a dor neles assim. Eu sinto a dor, mas não chega na intensidade que eles sentem, não. É por isso que eu gosto muito deles, então, eu sinto também essa dor. Porque pela minha minha própria história do local e por saber que o que eles viviam ali, que eu era recebido por eles, entendeu? O lugar era deles. Eu era recebido e muito bem recebido, como todos da região, todo mundo. A casa era uma coisa incrível de receptividade, assim. Sempre tinha. Se fosse, sei lá, uma pessoa idosa, sempre tinha um bolinho, um café, minha tia botava, e vinha conversar, e jogar baralho, não sei o que, e conversava e tal. Se fosse mais jovem, tinha música, tinha a dança, tinha a arte, sabe? Era assim. Tinha espaço pra quem quisesse. A juventude da região toda conhecia Dona Valdinha, sabe? Era muito interessante, você ver assim, aquela senhora, rodeada de jovens e eles conversando com ela com gíria, do jeito deles. E ela sabia conversar com eles, brigava com eles como mãe, mãezona, vamos dizer assim. “Menino, cuidado com aquilo, tal, tal”. Mas ouvia todos eles, entendeu? Como me ouviu. Era muito incrível a Dona Valdinha. Era um espaço realmente que não podia ter acabado.
1:13:49 P/1 - Júnior, e qual o sentimento que você carrega quando você lembra desses momentos antes do desastre, qual sentimento você carrega?
R - Antes do desastre, a gente tinha a certeza de que ia construir um monte de coisas por ali, sabe? Eu e os meus primos, a gente tinha certeza. O Churrascore foi uma dessas coisas, sabe? Porque como a gente é muito envolvido com música, poesia, com arte, a gente sempre pensava dessa forma. O que a gente pode fazer para contribuir aqui? Um estúdio para ensaio de bandas, sabe? Aí, um certo dia, a gente teve um click assim, “Vamos fazer um espaço para a turma se apresentar, quem for profissional, amador, quem for. Qualquer pessoa que tenha algum envolvimento com música, com arte, possa chegar aqui.” “Como é que a gente faz isso?” A gente sentou no estúdio, eu e meu primo, “Vamos pensar.” E a gente pensou. Como a praça já tinha um monte de churrasquinhos, a gente disse: “Porra, porque a gente não bota mais um churrasquinho, só que com cultura, com arte?” “Porra, vamos fazer uma pesquisa de campo.” A gente chegou, a gente tomou uma cachaça da porra nesse dia. Aí, saiu eu, meu primo, meus amigos. “Vamos andar em tudo que é churrasquinho da cidade.” A gente fez uma turnê, para ver como é que funcionava o churrasquinho. A gente fez uma pesquisa de campo, né? Aí, a gente saiu, em tudo que é churrasquinho. Chegou em casa bêbado, né? Mas a gente andou em vários churrasquinhos, Tabuleiro. Como é que funcionava. Perguntava, conversava com o dono do lugar. “Como é que funciona assim e tal?” Saiu conversando e tal e tal. Aí, disse pronto, resolvido. A gente ia botar um churrasquinho, tem o churrasquinho, tem a cerveja, mas vai ter lá o equipamento de som com um microfone, entendeu? E a gente toca, então a gente vai lá e vai ficar tocando. E quem chegar e quiser tocar, também vai tocar. Isso a gente começou assim. Cara, o local era cheio de músicos, cheio. Então, o bicho pegou fogo, né? Está entendendo? A galera ia pra lá pra tomar uma… “Canta uma!” Pegava o violão e cantava uma. Então, você teve lá de Ribeiro, o Vibrações, você teve lá Alma Racha, você teve lá, poxa, Rogério Dyaz, Fagner do Brown. Morcego tocou lá, banda. Artefatos tocou lá, no Churrascore. Quer dizer, tinha esse projeto, a gente achava que isso ia crescer. A ideia da gente era que essa coisa fosse crescendo. A princípio, a gente começou a fazer quinta, sexta e sábado e domingo, a gente fazia, querendo fazer. A gente não aguentou, lógico. E diminuiu para de 15 em 15 dias. E foi fazendo de 15 dias, fazendo eventos, levando bandas, e fazendo eventos nesse lugar. E começou a fazer o que? A gente tinha o estúdio, na casa, e a gente oferecia pra gravar. “Ó, galera a gente quer fazer um evento com vocês lá no Churrascore, a gente cede para vocês dias de ensaio, para vocês não estarem gastando, pagando.” Que uma hora de ensaio é R$40,00, R$50,00, num estúdio, por aí. Pra quem não sabe. Aí, a gente dizia, “a gente libera o estúdio para vocês. Vocês querem quantas horas para vocês fazerem uma apresentação pra gente aqui no Churrascore?” A gente quer, sei lá, cinco, seis horas. “Fechado!” Entendeu? Aí, os caras iam lá tomar uma. E não era para eles fazerem um show, era para fazer o que eles quisessem, tocar, pegar o violão, pegar o instrumento e tal. E a gente pagava, dava um… Pagava, não! Dava uma contrapartida em horas de estúdio, entendeu? Aí, isso foi acontecendo até… Uma coisa bem interessante que aconteceu, foi porque a gente vinha fazendo isso, aí meu primo passou na UFAL (Universidade Federal de Alagoas), para fazer matemática, o Fred. E meses depois eu passei também para fazer Ciência Sociais. E a gente se encontrou, a gente foi lá para dentro da UFAL. E dentro da UFAL, tem os projetos da UFAL, né? E surgiu um projeto que era vivência de arte. Aí, a gente disse: “Pô, vivência de arte, viver arte. Vamos botar o Churrascore.” A gente fez o projeto do Churrascore, botou para apreciação na universidade, a universidade acatou, e a gente começou a fazer o Churrascore dentro da universidade, cara. O Churrascore foi para dentro da UFAL, a gente usava o circo. O circo da UFAL, fazia dentro do circo, onde os alunos da UFAL eram quem fazia as apresentações. Então, virou oficina de música, virou oficina de… Como ensaiar. Às vezes, só tinha um cara com violão e voz. “Pô, mas eu nunca toquei com uma banda.” O cara dizia. Aí, eu dizia: “Não, pô, passa suas músicas pra gente, que a gente toca com você.” Então, o que acontecia? O cara nunca tinha tocado com uma banda, a gente dava a ele a oportunidade de tocar com a banda. Então, tinha o baterista… Eram quatro alunos que faziam esse projeto. Era eu, o Fred, o Toninho, o Tel e a Patrícia. O Tel era baterista, eu baixista, o Fred tocava guitarra e violão e bateria, o Fred é o multi-instrumentista, e a Patrícia na produção. Então, assim, chegava o cara que só cantava, a gente pegava a música deles e tocava com ele, entendeu? Então, a gente dava essa vivência de como ser de uma banda. Então, esse projeto durou mais de ano, um ano e pouco lá na UFAL.
1:18:45 P/1 - Junior, eu percebo que são muitas histórias construídas naquele local, como você está contando aí. Mas qual o seu sentimento em perder aquele espaço?
R - Então, um sentimento de vazio. Porque justamente quando a gente estava querendo voltar… Quando tudo aconteceu, o abalo, eu e o Fred, estávamos discutindo o retorno do Churrascore. Que já tinha acabado o curso, a gente já tinha saído da UFAL. Aí, a gente ia fazer o retorno do Churrascore, ia ser um evento anual, que ia acontecer na Praça do Jardim Acácia. Entendeu? Então, a gente tinha esse sentimento de construção, de fazer mais coisas. Então, a gente ficou no vácuo, porque não tem sentido fazer o Churrascore em outro lugar. Entendeu? Que sentido tem? Ele é de lá. A gente levou pra dentro da UFAL, por ser uma questão educacional, de cultura, de desenvolvimento daquele projeto. Mas ele é um projeto do Jardim Acácia. Ele é um projeto dos músicos, dos artistas, do Jardim Acácia. Foi criado e fortalecido por eles. Então, a nossa ideia era fazer isso, tipo um grande reencontro desses artistas anualmente. Como tem encontro de tudo, de escola, colega de trabalho, não sei o que. A gente queria fazer um encontro dessa turma de artistas, anualmente, na Praça do Jardim Acácia. A gente estava articulando já, escrevendo como é que poderia acontecer, quando aconteceu o abalo, e a gente disse: “não vai ter como fazer, aonde é que a gente vai fazer o Churrascore?” Mas a gente ainda está com a ideia acesa, de fazer o Churrascore. Pode ser desconstruída essa ideia de fazer lá, e fazer em outro lugar. A gente está se preparando para fazer isso.
1:20:33 P/1 - Você já passou pelo local assim, recentemente? Qual seu sentimento?
R - Como eu falei, eu voltava bastante. E depois eu fui percebendo que eu comecei a não ter acesso a certos lugares. Então, você não podia mais entrar. Entendeu? Eu fui me desestimulando a ir lá olhar, a ver como é que estava o andamento. Perdi o interesse, porque assim, não tem mais, entendeu? E quando caiu sua ficha. Ó Bicho, aqui não existe maia! Entendeu? Que até então não tinha caído a ficha ainda. Eu ficava naquela expectativa de o que está acontecendo? Queria saber o que estava acontecendo e tudo mais. Mas assim, perdi, acabou. Não tem mais! E você cair a ficha, e cair no mundo real, entendeu? Aquilo lá acabou, véio! Você não tem mais aquilo lá, sabe? Então, é isso. Que cidade é essa? Que o Pinheiro não existe mais. Que cidade é essa? Que o Bebedouro não existe mais. Que cidade é essa, mermão? Que a Gruta do Padre não existe mais. Sabe? Que cidade é essa? Que o Mutange não existe mais? Senhor prefeito, que onda é essa? Que coisa é essa? Que cidade é essa, que só rico pode, que só rico faz chover? Já não tem Gogó da Ema, Sete Coqueiros, não existe mais. Que cidade é essa, que Fernão Velho, não vai existir mais. Que cidade é essa, que a Braskem faz o que faz? É isso.
1:22:22 P/1 - E o futuro dessas regiões, o futuro desses locais afetados, como é que você enxerga que vai ser mais para frente?
R - Perdeu o sentido, cara! Perdeu o sentido, véio! Não vai ter mais sentido, entendeu? É um espaço de terra. Vai lá. Que vá acontecer alguma coisa, ou vão construir de novo, ou vai ser área verde, ou vão fazer uma pista, ou fazer um balneário. E daí? Isso não importa, galera.
1:23:00 P/1 - E o futuro do meio ambiente, como é que você entende que vai ser?
R - Isso importa. E que não vai ser mais o mesmo. Isso não vai ser mais. O sururu. Que cidade é essa, que o sururu não existe mais? Sabe? Que a Lagoa Mundaú não existe mais? E aí? Acabou, cara. É essa a realidade. Só que a cidade não entendeu isso ainda. Maceió não entendeu ainda que aquela região não existe mais, cara. Essa é a realidade. E o entorno, Flexal… Que cidade é essa? Que o Flexal não vai existir mais, cara. Ele pode até continuar ali, mas não vai ser mais o Flexal, sabe? E o Flexal, ninguém vive só, ninguém vive apartado. A gente vive em sociedade, a gente vive com os convívios. E se você não tem os seus convívios, você também some, cara. Não existe eu sem você, nem você sem eu, entende?
1:24:14 P/1 - Júnior, tem algo que você gostaria de contar que eu não toquei no assunto? Fique à vontade.
R - Cara, assim, não sei. Eu acho que eu já contei tanta coisa aqui. Sabe? Mas, assim, quando eu fiz o curso na UFAL, eu descobri que eu precisava fazer um trabalho de finalização de curso e tal. E eu contei um pouco da história num livro. O livro chama-se Raízes Punk de Maceió. E ele tem muito Pinheiro lá, tem muito Bebedouro lá, no livro, entendeu? Porque foi lá onde aconteceu, foi no Pinheiro, foi no Jardim Acácia, que aconteceu tudo isso. Então, isso está registrado no livro, essas histórias que aconteceram lá, sabe? E esse é um ponto que eu queria deixar, que que vai ficar, né? Porque o que vai ficar é isso, são as histórias, são os registros que se tem, são esses depoimentos. É o que vai ficar. Então, é isso, cara! Eu acho que o que eu tenho a me trabalhar e a me sentir é saber, ter essa certeza, que não adianta, sabe? A gente tem que correr atrás sim, para que a coisa seja, realmente tenha uma justiça, que a coisa realmente seja reparada de uma forma realmente exemplar, sabe? Não por políticos demagogos aí, que vivem pregando falsas promessas. É o povo, é o povo que tem que realmente exigir, exigir com força, que isso tem que ser reparado e reparado de forma exemplar, sabe? E se não for assim, não vai ter sentido. Porque o local já perdeu o sentido, cara. Vai ficar só lembranças. O local não existe mais, cara. Quando eu digo o local, eu não digo o chão lá que ficou agora com um monte de entulho já derrubado, tão lá derrubando tudo. O local está lá, a terra está lá. Só que a terra, o chão, pode ser em qualquer lugar, o planeta é uma grande bola de barro, cara, onde tiver bola e a água, é a mesma coisa, cara. O que fazia aquele lugar, eram as pessoas que foram expulsas dali. Era o que fazia aquele lugar. Não são as construções, não são os prédios históricos que estão tentando lá. “Os prédios históricos são importantes.” São! Mas mais do que as pessoas? Não, eu não vejo assim. Para mim não existe nenhum prédio… “Ah, tem duzentos mil anos.” Beleza, nossa, é importante. Mas o senhorzinho que carregava ali a banca de verdura, sabe? A senhorinha que conversava na esquina com a turma, os meninos que brincavam nas praças, sabe? Os cultos religiosos, as brincadeiras festivas. Isso acabou, cara. Isso não vai ter mais. Naquela região, não. Vai ter em qualquer canto da cidade. Então… Eu só tenho a dizer isso.
1:27:30 P/1 - Júnior, a gente já está próximo de concluir a nossa conversa. Eu queria que você falasse qual foi o seu legado naquela região e de que forma foi impactado? E se está até ameaçado de alguma forma, de se manter, ou até de deixar de existir?
R - Como eu falei, o que eu posso dizer assim de legado, foi justamente na área cultural, que está registrado. Então, tudo que eu falei aqui em termos de banda, em termo de cultura, de artista, de música. Tudo isso está registrado em vídeos. As festas que aconteciam no Jardim Acácia de Churrascore, churrasquinho. Isso está registrado em vídeo. Tem vídeo de tudo isso que eu estou dizendo aqui. Tem fotos, tem livros, tem depoimentos? A Banda Morcegos mesmo, tem umas quatro músicas em trilhas sonoras de filmes. Ela tem dez CDs lançados, oficiais, fora os outros vários que ela tem, que não são oficiais, que foram feitos extra oficiais. O Churrascore está registrado, as fotos das pessoas que passaram lá. Então, assim, o meu legado na região, está registrado. O que eu participei lá, junto com essa turma toda, tá tudo registrado, veio. Então, assim, vai ficar para quem tiver… “Rapaz, como era isso aqui?” “Rapaz, tem vídeo, tem livro, tem foto.” E eu espero que isso sirva, esse legado sirva justamente para que as pessoas entendam que você tem que perceber o seu lugar, o que acontece e o que querem jogar nele, seja isso o lixo, seja ele uma empresa química, seja ele uma via que vai passar e vai cortar o campo, vai destruir o campinho, sabe? A gente não pode deixar, porra! A gente tem que estar… Quem mora aqui, é essa turma aqui. Então, para que isso aconteça aqui, essa turma aqui tem que ser pelo menos perguntada. Tem que ser pelo menos conversada, sabe? Esse negócio de poder público dizer: “não, porque a gente precisa, porque a gente quer”. Cara, isso não dá para ser assim. Então, é isso que eu quero que fique de legado, que as pessoas entendam que as histórias, elas têm que acontecer com o povo. Eles não podem deixar apagar as suas histórias, como aconteceu com essa tentativa. Que é uma tentativa. Eles não vão conseguir não, cara, apagar as histórias. Que elas estão registradas. Eles conseguiram apagar os prédios, conseguiram apagar as ruas, conseguiram apagar vidas. Mataram gente. Eles mataram, eles são assassinos, entendeu? A Braskem é uma empresa assassina. Ela destruiu. Ela é um grande monstro, com seus tentáculos, sugou a alma da região, criou buracos, afundou. Foi um monstro que chegou e destruiu a região. Ela perfurou, sugou. Não só foi só sal-gema que ela sugou, não. Ela sugou vidas, cara. Sugou almas, sugou história. É isso, cara.
1:30:53 P/1 - Junior, como foi contar a sua história para o Projeto Nosso chão, nossa história e para o Museu da Pessoa?
R - Cara, é uma grande oportunidade, porque como eu já falei hoje, eu vou repetir, eu acho que a gente, o ser humano, as pessoas, tem que entender que são protagonistas da sua história, não são meros participantes. Onde alguém vem e diz: “não, isso aqui tem que ser assim. Não! Não! Nós somos seres que merecemos respeito”. Todo mundo tem uma história. E essa história não pode ser dirigida por quem quer que seja, porque tem um poder político, ou um poder financeiro. Isso não pode. Isso não é aceitável, cara, como raça humana, sabe? A gente tem que realmente entender que a gente tem um lugar, um lugar ativo, de fazer as coisas, não só de receber a rebordosa. Não! É esse lugar que eu espero que as pessoas entendam. Que isso sirva para isso. Sabe? Dizer que tem pessoas, tem coisas acontecendo e que elas se sintam participantes da história. Não se sintam um objeto que você pode jogar para um lado, jogar para o outro, não. Você pode fazer de uma forma que fique ao seu agrado. “Ah, eu só posso lhe dar isso.” Não, não quero que você me dê nada. Não quero que você me dê nada. Agora, não quero que você tome também o que é meu. Sabe?
1:32:38 P/1 - Junior, muito obrigado por ter dedicado um tempo para contar a sua história pra nós. Muito obrigado.
R - Eu que agradeço.
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