IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Dorodame Moura Leitão. Nasci em Recife, Pernambuco, em 24 de outubro de 1932.
FAMÍLIA / PAIS
O nome do meu pai é Sílvio Bélico Leitão e da minha mãe, Cecília de Moura Leitão. Ele nasceu na Paraíba, mas é de uma família pernambucana, e minha mãe é de uma família maranhense, nasceu em São Luís. Eu fui conhecer Recife já rapaz, pois meu pai veio para o Rio quando eu tinha dois anos, embora várias vezes minha mãe tenha voltado, porque a família dela ficou lá em Recife. Ela voltava na época que se viajava de navio, até a Segunda Guerra Mundial, quando começaram a torpedear os navios. Lembro-me dessas viagens. Não lembro o nome dos navios, mas talvez fosse até do Ita. Eu era muito pequeno. A última vez em que estive em Recife, ainda criança, acho que foi em 1939. Não me lembro direito, só fui conhecer Recife já rapaz.
INFÂNCIA
Cresci principalmente no Leblon. Meu pai foi morar lá quando eu tinha oito anos. O Leblon era praticamente uma cidade do interior. Havia terrenos baldios, era um paraíso. Eu até escrevi um livrinho sobre isso, lembrando da minha infância e minha juventude no Leblon. Inclusive foi um pessoal da Ama- Leblon [Associação de Moradores e Amigos do Leblon], que se interessou pelo livro. Sempre morei no Leblon.
FORMAÇÃO ESCOLAR
No primário estudei no Liceu Brasileiro, um colégio no Leblon, uma escolinha pequena. Fiz ali o final do primário, o terceiro, quarto e quinto ano. Depois fiz concurso para o Colégio Militar, porque a minha primeira vocação era ser militar. Meu avô, o pai do meu pai, tinha lutado na Guerra do Paraguai, e meu pai contava as histórias dele e isso despertou em mim essa vocação. Entrei para o Colégio Militar, na Tijuca, fiz o ginásio e o científico. Todo dia eu viajava do Leblon até a Tijuca e voltava. Nos dois primeiros anos eu fui interno, depois passava o dia todo no colégio e dormia em casa. Quando terminei o curso no Colégio Militar, vi que...
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Meu nome é Dorodame Moura Leitão. Nasci em Recife, Pernambuco, em 24 de outubro de 1932.
FAMÍLIA / PAIS
O nome do meu pai é Sílvio Bélico Leitão e da minha mãe, Cecília de Moura Leitão. Ele nasceu na Paraíba, mas é de uma família pernambucana, e minha mãe é de uma família maranhense, nasceu em São Luís. Eu fui conhecer Recife já rapaz, pois meu pai veio para o Rio quando eu tinha dois anos, embora várias vezes minha mãe tenha voltado, porque a família dela ficou lá em Recife. Ela voltava na época que se viajava de navio, até a Segunda Guerra Mundial, quando começaram a torpedear os navios. Lembro-me dessas viagens. Não lembro o nome dos navios, mas talvez fosse até do Ita. Eu era muito pequeno. A última vez em que estive em Recife, ainda criança, acho que foi em 1939. Não me lembro direito, só fui conhecer Recife já rapaz.
INFÂNCIA
Cresci principalmente no Leblon. Meu pai foi morar lá quando eu tinha oito anos. O Leblon era praticamente uma cidade do interior. Havia terrenos baldios, era um paraíso. Eu até escrevi um livrinho sobre isso, lembrando da minha infância e minha juventude no Leblon. Inclusive foi um pessoal da Ama- Leblon [Associação de Moradores e Amigos do Leblon], que se interessou pelo livro. Sempre morei no Leblon.
FORMAÇÃO ESCOLAR
No primário estudei no Liceu Brasileiro, um colégio no Leblon, uma escolinha pequena. Fiz ali o final do primário, o terceiro, quarto e quinto ano. Depois fiz concurso para o Colégio Militar, porque a minha primeira vocação era ser militar. Meu avô, o pai do meu pai, tinha lutado na Guerra do Paraguai, e meu pai contava as histórias dele e isso despertou em mim essa vocação. Entrei para o Colégio Militar, na Tijuca, fiz o ginásio e o científico. Todo dia eu viajava do Leblon até a Tijuca e voltava. Nos dois primeiros anos eu fui interno, depois passava o dia todo no colégio e dormia em casa. Quando terminei o curso no Colégio Militar, vi que não tinha vocação. Fiz vestibular para engenharia.
ORIGEM DO NOME
O meu nome foi inventado pelo meu pai, porque os pais dele tinham morrido um pouco antes do meu nascimento, então ele quis homenagear os dois ao mesmo tempo e inventou esse nome. Sou o único, nem meu filho tem esse nome. Dorotéia era o nome da minha avó, então ficou “Doro” e o nome do meu avô era Damião ficou “Dami”, ele botou um “e” no final. Ficou Dorodame. Às vezes me perguntam se meu nome é francês por causa desse “dame” no final, mas foi invenção do meu pai mesmo. Ele me batizou como Sílvio Dorodame, porque o padre não aceitava esse nome, que era considerado um nome pagão. Naquela época tinha essas coisas, então ele colocou Sílvio Dorodame. Eu tenho, inclusive, alguns cartõezinhos que ele mandou fazer como Sílvio Dorodame, mas na hora do registro ele retirou o Sílvio, que era o nome dele e deixou só Dorodame.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Fui para a Escola de Engenharia porque gostava muito de Matemática. No Colégio Militar o forte era a Matemática. Por exemplo, durante o científico, tínhamos que estudar a Matemática em três matérias diferentes e separadas, com três provas. Embora sempre tivesse atração por uma coisa diferente, acabei sendo Engenheiro Civil por conveniência, pois na Escola de Engenharia, 80% da turma saía como Engenheiro Civil, pois era o mercado de trabalho que havia no Brasil. Ainda não havia começado essa industrialização. Formei-me em 1958.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Durante o tempo que eu era estudante de Engenharia, fiz concurso para o Banco do Brasil e passei. Fui escriturário do Banco do Brasil durante o curso, trabalhava na carteira de crédito agrícola e industrial. Passava a parte da manhã na Escola; saía cedinho de casa e tinha aula de sete e meia ou oito horas até às 11 horas, quando eu saía e almoçava no restaurante da Escola, na Rua Luís de Camões. Andava a Rua do Ouvidor todinha, pois trabalhava na Rua do Rosário, nº 1. Trabalhava de meio dia às seis. Saía da escola às 11 horas porque tinha que bater ponto. No Banco, [o horário] era de quinze para o meio dia até meio dia, no máximo. Saía às seis horas e voltava para casa.
INGRESSO NA PETROBRAS
Eu acompanhei a Petrobras na campanha: O Petróleo é Nosso. Eu era aluno do Colégio Militar ainda e acompanhei a distância. Uma das coisas que o Colégio Militar criava na gente era o espírito nacionalista e a defesa dos interesses do país. Sempre tive isso muito forte na minha personalidade e quando eu estava no segundo ano da Escola de Engenharia, o presidente da Petrobras – algo interessante – ia às escolas para fazer propaganda da empresa. Ele fez uma palestra sobre a Petrobras, sobre as suas perspectivas. Ela tinha sido criada em 1953 e começou a funcionar em 1954, quando eu estava no primeiro ano da Escola de Engenharia. Ficou na minha cabeça a idéia dessa alternativa, por dois motivos: pelo aspecto nacionalista, quer dizer de se trabalhar em uma empresa cujo objetivo era desenvolver o país, e por causa daquela atração por uma tecnologia nova que ninguém no Brasil conhecia. Trabalhei em Engenharia Civil durante o curso, tive alguns projetos difíceis. Ninguém gostava, era muito repetitivo. Não tinha nada para criar, então a Engenharia Civil não me atraía muito, embora no último ano eu tenha feito uma especialização, que é uma coisa interessante, pois em 1958 quando eu terminei, eu era especialista em Pontes e Grandes Estruturas. Em março de 1960 eu estava operando uma refinaria de petróleo, que eu nem sabia o que era, estava em Mataripe e depois de um mês, mais ou menos, eu já estava como responsável pela operação da unidade. Em 1958, quando terminei o curso, tinha três alternativas: uma era passar para o quadro de Engenharia do Banco, o que era muito difícil, embora muitos colegas meus da Escola, que trabalhavam no Banco, tenham passado depois, principalmente por causa da construção de Brasília, que foi mais ou menos nessa época. O Banco estava construindo uma sede em Brasília, logo aumentou o quadro de engenheiros. A outra era trabalhar como projetista com um conhecido meu, com o qual eu já tinha feito dois ou três projetos de edifício, ainda como estudante. Ele me chamou para continuar, eu trabalharia no Banco como escriturário e no outro horário como engenheiro projetista. A terceira alternativa era entrar para a Petrobras; encerrar o [trabalho] no Banco e começar uma coisa completamente nova e eu optei por essa, pelas razões que citei. A idéia da Petrobras era fazer uma coisa nova no Brasil, algo que ninguém conhecia. Quando eu estava no último ano da Escola de Engenharia, fiz o concurso da Petrobras e fui aprovado. Formei-me em dezembro de 1958 e em janeiro de 1959, comecei o curso, que se chamava Curso de Refinação. Depois mudaram para Engenharia de Processamentos. Pedi licença sem vencimento do Banco, durante um ano, porque o curso era eliminatório. Minha turma começou com 30 pessoas e 20 e poucos terminaram. Quem não tirasse determinadas notas era afastado do curso. Eu era engenheiro civil e o curso era mais voltado pra Engenharia Química. Na Escola de Engenharia a gente só estudou Química no segundo ano, uma Química Industrial. Não davam muita importância Mas como o Brasil naquela época tinha pouco engenheiro químico, então o curso de refinação aceitava engenheiros civis também. 80% ou 90% dos engenheiros formados no Brasil eram engenheiros civis, pois era o mercado de trabalho que havia. Fiz o curso, me saí bem e fui aprovado.
CURSO DE REFINAÇÃO
O curso tinha um período introdutório para a uniformização de conhecimentos, em que os professores eram todos brasileiros, era o pessoal que tinha entrado na Petrobras nos anos anteriores e tinha ficado no curso para dar aula. Tinha professores da Escola de Química também, inclusive um deles foi o melhor professor que eu tive, Paulo Emídio Barbosa, que dava aula de Termodinâmica e o professor Alberto Luiz Coimbra, que, anos depois, criou a Coppe [Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da UFRJ]. Depois nós tivemos dois períodos de aula voltada para a indústria do petróleo, aí entravam os estrangeiros. Tive aula com o professor Ford Campbell Williams, canadense, que também era o coordenador do curso. Tive aula também com o Bernardo Wendrow. Não estou lembrado agora, mas eram três professores estrangeiros e o professor Paulo Emídio Barbosa, que tinha dado aula no introdutório. Tinha também os assistentes, uma das quais era a Dona Glória [Conceição Oddone], que foi minha professora. O curso tinha um período introdutório, para uniformizar conhecimentos, pois havia engenheiros civis que eram maioria, engenheiros químicos e químicos industriais. Havia até licenciado de Química e também aceitavam pessoas da Escola de Filosofia. Depois de dois períodos de três meses, entrávamos na indústria do petróleo mesmo.
REFINARIA DE MATARIPE
Nós fomos para um estágio prático em Mataripe, a Petrobras só tinha duas refinarias, Mataripe e Cubatão. Mataripe foi criada antes da Petrobras, em 1950, e Cubatão estava em construção quando criaram a empresa. Em 1959, a refinaria já estava funcionando. Como estágio, ficamos seis meses em Mataripe, que estava em preparação para dar a partida em uma nova unidade na área de lubrificantes. Ainda era uma refinaria pequena, tinha só duas unidades antigas que foram construídas em 1950 e estava em expansão em função das novas unidades. O primeiro FCC [Fluid Catalytic Cracking] da Petrobras foi feito em Mataripe, assim como as unidades de lubrificantes, porque o Brasil não produzia óleo lubrificante. FCC é o Fluid Catalytic Cracking, que é o Tratamento Catalítico Fluido, uma unidade de refinação de petróleo que não existia no Brasil antes de ser construído em Mataripe. Eram sete unidades para produção de óleo lubrificante; havia muita coisa nova acontecendo em Mataripe. Enquanto isso, Cubatão já era uma refinaria mais ou menos saturada de pessoal naquela ocasião. Nós estagiamos durante seis meses e voltamos para o Rio para e terminamos em fevereiro de 1960. Eu podia escolher o local para aonde queria ir, escolhi Mataripe pela oportunidade de aprender mais, pois Cubatão já estava estabilizada, não tinha nada novo funcionando.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / MATARIPE
Fui convidado inclusive para ficar no Cenap [Centro de Aperfeiçoamento e Pesquisa de Petróleo], pois o curso era ministrado lá e como fui o segundo colocado da turma, fui convidado para ficar. O Cenap convidava os melhores colocados para serem treinados para ficarem como professores. Eu disse ao professor Williams que precisava de um estágio, que queria um estágio em refinaria. Queria passar uns anos trabalhando em refinaria para depois vir para o Cenap, então fui para Mataripe. Eu já estava casado. Casei no último ano da Escola de Engenharia. Mataripe estava lotado; tinha muito americano, pois estava dando partida em todas as unidades e a firma projetista tinha uns operadores, que ficavam lá até que a operação fosse terminada. Ficavam até a unidade ser aceita pela Petrobras. Faziam o projeto, acompanhavam a montagem e participavam das primeiras operações em todas as unidades novas. Havia o FCC, duas unidades antes do FCC e também todas as unidades de lubrificantes. Foi quase um batismo de sangue, porque eu conhecia as unidades, mas uma coisa é conhecer, estudar ali e outra coisa é ser responsável pela operação. Havia quatro engenheiros mais antigos, que tinham dois ou três anos na refinaria e nós. Minha turma entrou junto com eles, para trabalhar por turno. Eram sete unidades de lubrificantes, então a gente partia uma e logo começava a partida de uma outra unidade, aí os antigos passavam para a outra unidade. Quem era mais novo ficava responsável por aquela unidade e trabalhava por turno. Trabalhei por turno quase durante três anos em Mataripe. O nosso trabalho tinha horário diferenciado, porque morávamos na vila. Mataripe tinha a refinaria e junto a ela, uma vila residencial, umas casas das Petrobras. O horário dos operadores, nível zero, era de zero, oito e 16 e o nosso era de quatro da manhã, meio dia e oito da noite, para não coincidir, para fazer uma passagem. Eu entrei de turno e depois de um mês já estava responsável por uma unidade. Aí que me dei conta que tinha me formado um ano antes em Engenharia Civil, me especializado em Pontes e Grandes Estruturas e estava operando uma refinaria de petróleo. Isso era coisa da minha geração, não tinha ninguém no Brasil com quem a gente pudesse se aconselhar. A Petrobras tinha começado a funcionar em 1954 e isso foi em 1959, 1960. Lá só havia aqueles que tinham chegado dois anos antes de nós. Foram muitas as dificuldades.
REFINARIA DE MATARIPE / NOVAS UNIDADES
Mataripe foi a maior escola de formação de engenheiro de refinação da Petrobras. Todo o pessoal que passou por lá, permitiu depois que a Petrobras se expandisse, construindo, praticamente, uma refinaria a cada três anos. Na década de 1960 e 1970, a expansão da indústria automobilística no Brasil foi muito grande e a Petrobras foi demandada a produzir esses derivados, principalmente gasolina e diesel. O pessoal de Mataripe era mais experiente em termos de operação, pois lá entrávamos na operação mesmo. O pessoal da minha turma que foi pra Cubatão ficava nos escritórios e quase não tinha a chance de entrar nas unidades, enquanto que em Mataripe as unidades novas estavam dando partida e ninguém conhecia. Pegamos muito mais experiência em operação. Fui trabalhar na área de produção de lubrificantes, pois o Brasil ainda importava todo óleo lubrificante. As primeiras unidades de óleo lubrificantes do Brasil foram em Mataripe. [Conforme falei], nossa casa na vila era numa área residencial que ficava em uma colina e em baixo ficava a refinaria. Ficávamos à disposição da refinaria 24 horas por dia. O turno era de oito horas, defasado do turno dos operadores. Foi muito complicado, porque como ela foi uma das primeiras unidades de lubrificantes construída no Brasil, estava cheia de erros de projeto e de montagem. A unidade 13 (risos) foi uma complicação. Aliás, antes da 13, já a unidade dez, que era uma destilação a vácuo, foi bastante complicada, porque as bombas eram diferentes das unidades que o pessoal conhecia. Na unidade 12 os americanos da Kellogg, a firma projetista, colocaram uns tratores centrífugos ao invés de colocarem torres de instalação, como é o normal. Isso porque nos Estados Unidos havia apenas duas refinarias que tinham esses tratores. Ninguém conhecia direito, nem os operadores americanos sabiam operar aquilo. Lembro que o começo da operação não funcionou direito e não se sabia o que estava acontecendo. Sempre fui curioso, de investigar as coisas; comecei a estudar o negócio, a tomar nota e os americanos, que também trabalhavam por turno, escreveram em um livro deles: “O engenheiro Dorodame está fazendo experiência na unidade”. Estavam fazendo crítica porque eu anotava coisas. Eu resolvi estudar porque o extrator centrífugo não funcionava e descobri que estava com uma carta que registrava a interface do equipamento de modo errado. Eu calculei tudo, estava funcionando bem, mas na carta saía errado. Os americanos botaram válvula, fizeram uma porção de mudanças e nada funcionava. Fiz os cálculos e chamei o meu chefe, o Alberto Boyadjan que já faleceu – ele foi da primeira turma de refinação da Petrobras, da turma da Glória – e disse: “Alberto isso aqui está errado”. Ele falou: “Você tem certeza”? Eu tinha um ano de experiência em refinaria. O americano reconheceu que estava errado.
Na unidade 13 foi muito mais complicado porque os americanos colocaram um sistema de funcionamento eletrônico que não tinha experiência nenhuma e o negócio não funcionava. Eles não chamavam os engenheiros deles nos Estados Unidos, [e os que estavam aqui] não conseguiram resolver. Era um sistema complicadíssimo, as válvulas eram movidas por sistema eletrônico; não tinha nenhuma refinaria com aquilo. Teve um engenheiro da refinaria que conseguiu descobrir o erro do circuito, então ele ficou o dono daquilo ali e os americanos queriam que ele lhes explicasse e ele falou: “Vou botar para funcionar, mas não vou explicar nada. Não vou dar o pulo do gato”. Nessa unidade eu tive uma briga com um americano. A primeira vez que a unidade funcionou, eu estava no turno; eram duas horas da madrugada, nós trabalhávamos sempre em dupla, mas o colega, que era mais antigo que eu na refinaria – tinha dois anos a mais do que eu – tinha faltado. O americano queria parar a unidade e eu não concordei. Começamos a discutir e ele veio com um dedo para cima de mim e eu balancei o braço dele. Quase que brigamos dentro da unidade. Telefonaram para o chefe dele e conclusão: desceu todo mundo às duas horas da madrugada, o chefe da Kellogg e o chefe da Petrobras. Perguntaram o que eu achava e eu disse: “Eu acho melhor parar o negócio”. Aí nós paramos. Depois descobrimos que eles estavam sabotando a unidade, isso ficou claro. A conclusão dessa história foi que 50 americanos que estavam lá foram embora. A Petrobras abriu mão, chegou à conclusão que não precisava mais deles, queria só os projetistas da unidade para resolver o problema, pois a unidade não funcionava de acordo com o que eles [acordaram]. Era uma unidade complicadíssima.
PESQUISA TECNOLÓGICA
Foi a primeira vez eu fiz pesquisa em uma unidade industrial, pois não havia unidade piloto na Petrobras. O Cenpes [Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello] não existia e não tinha unidade piloto para testar. A unidade piloto é onde se reproduz a unidade industrial para resolver os problemas. Fizemos a unidade industrial de unidade piloto, colocamos um microscópio na sala de controle e coletávamos amostras da parafina. Isto porque a parafina era formada por um congelamento; a parafina que tinha no óleo congelava e formava cristais. Aí tinha um filtro gigantesco, sete fios, que filtravam essa parafina, separava a parafina do óleo, para vender como óleo lubrificante. Pegávamos uma amostra daquela mistura e olhávamos no microscópio para ver o tipo de cristal que estava formando. Formava um cristal que chamávamos de “agulha”, que entupia os panos do filtro. Uma das razões do não funcionamento da unidade era essa. Outro colega e eu ficamos fazendo pesquisa. Saí do turno e fiquei fazendo pesquisa. A primeira pesquisa tecnológica que eu fiz na Petrobras foi numa unidade industrial. Fizemos pesquisas e conseguimos descobrir a razão pela qual não formava o cristal, que era chamado de “cristal chato” que permitia que o pano do filtro filtrasse. Conseguimos resolver o problema da unidade 13. Os americanos foram embora e depois vieram outros que tinham trabalhado no projeto, só para nos aconselhar. Porque a Kellogg não recebia uma parte do pagamento enquanto a Petrobras não aceitasse aquela unidade. Só depois de muito tempo foi que eles conseguiram resolver essa questão, pois essa unidade ainda deu muito problema, inclusive problemas trágicos.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Saí da refinaria no final de 1963. No último ano que eu passei em Mataripe, eu estava querendo transferência para o Rio. Achava que já tinha experiência suficiente em refinaria, queria ir para o Cenap trabalhar com pesquisa. Era o Cenap que fazia pesquisa, ainda não existia o Cenpes. O superintendente resolveu fazer em Mataripe, o curso de refinação que era feito no Rio, para formar engenheiros do nordeste que ficassem radicados em Mataripe. Porque os engenheiros do Sul, do Rio e de São Paulo iam para lá, passavam pouco tempo e queriam voltar. Como eu queria ir para o Cenap, ele me convidou para ser o coordenador do curso. Com quatro anos de Petrobras, fiquei como coordenador do curso de refinação na Bahia. Organizei o curso todo. Conversei com o professor Williams, que era professor do curso no Rio e ele foi à Bahia, me orientou, me deu uma porção de sugestões e eu criei o curso. Tenho orgulho de dizer que fui o coordenador do curso em 1963. Saí da operação e fui ser o coordenador e professor do curso. Nós utilizamos a Universidade da Bahia também, algumas aulas eram dadas lá e outras eram na própria refinaria. Esse curso depois continuou mais uns dois anos se não me engano. O Armando Guedes, que foi presidente da Petrobras, fez esse curso na Bahia, um ano ou dois anos depois de sua criação. O Roberto Villa, que foi diretor da Petrobras, também fez o curso lá.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / CENAP
Voltei para o Rio. O superintendente, Jairo José da Faria, que depois foi diretor da Petrobras, acabou vindo para o Rio. Ele me prometeu que em troca de ficar e organizar o curso em Mataripe, ele me daria a transferência. Tinha muita gente querendo sair de Mataripe nessa ocasião. Eu consegui sair em novembro de 1963 e vim para o Cenap. Quando cheguei ao Rio encontrei uma situação confusa. Aquele ano de 1963 foi um ano muito tumultuado, perto da Revolução de 1964. O professor Williams que tinha criado o curso de refinação no Rio e tinha sido coordenador desde 1952, antes da criação da Petrobras, até 1963, foi afastado e não tinha ninguém para substituí-lo. Criaram um problema com ele, houve uma radicalização. O ano de 1963 foi muito difícil, pois houve radicalização de parte a parte. Ele tinha um contrato com a Petrobras, não era funcionário, aí conseguiram afastá-lo. Ninguém, nenhum dos brasileiros, queria assumir o lugar dele. Como eu estava vindo para o Rio e tinha criado o curso na Bahia, o superintendente do Cenap apelou para que eu assumisse o lugar do professor Williams. Em janeiro de 1964 eu assumi a coordenação do curso do Rio. Foi, inclusive, em um ano complicado, porque além da Revolução, a Petrobras naquele ano criou um curso de petroquímica que corria em paralelo com o curso de refinação. Quando eu cheguei tinha 50 pessoas esperando para começarem o curso e não tinha lugar, não tinha sala, não tinha professor, não tinha nada. Eu tive que criar tudo, foi uma confusão danada. Era na Praia Vermelha. Arranjamos sala no Centro de Pesquisa Física, que tinha na Praia Vermelha. Atrás do Cenap, do prédio da Petrobras, tinha um centro de pesquisa onde trabalhava o César Lattes, conseguimos uma sala lá e conseguimos sala também na Escola de Química. Arranjamos um jeito de nos acomodarmos. Eu era coordenador de todo o curso, depois do período introdutório de dois meses, a turma se dividiu em duas, uma de refinação e uma de petroquímica. Fiquei como coordenador do curso de refinação e o Amilcar Pereira Filho ficou como coordenador do curso de petroquímica. Aí estourou a Revolução e todo mundo com cargo de confiança foi substituído, inclusive eu. Mas eu estava dando aula também, então continuei como professor. Em 1965 tinha uma cadeira em que eu dava aula de projeto de processamento. A coordenação passou para outro professor. O doutor Antonio Seabra Moggi, que tinha sido afastado, por causa dessas confusões políticas, voltou para lá. Ele assumiu a superintendência do Cenap e afastou todo mundo com cargo de confiança, inclusive eu. Ele não me conhecia direito nessa época. Tanto no curso da Bahia como aqui no Rio eu havia assumido a coordenação, mas fazia questão de dar aula para conhecer bem a turma. Sempre dava a mesma cadeira. Fui aperfeiçoando-a. Dei aula durante três anos, 1963 na Bahia e 1964 e 1965 aqui no Rio.
CRIAÇÃO DO CENPES
Acho que a idéia da criação do Cenpes existia até antes da década de 1960. Sempre houve, porque o Cenap era o Centro de Aperfeiçoamento e Pesquisa de Petróleo, mas a sua grande atividade era ensino, pois era o que precisava, e a Petrobras não parava de crescer, de construir refinarias e campos de exploração. Então a pesquisa ficou em segundo plano. Mas sempre houve o interesse dos brasileiros que davam aula, que foram substituindo os americanos. Quando eu voltei da Bahia já não tinha mais nenhum americano dando aula. Quando eu fiz o curso eram três professores estrangeiros. O pessoal do Cenap estava voltado para essa atividade. A maioria das pessoas que estava lá dava aula, mas queria trabalhar em pesquisa. Então começou a idéia de se criar o Cenpes mais ou menos nessa época. O Cenap chegou a desenvolver algumas atividades de pesquisa. Eu cito isto no meu livro, foram as primeiras atividades. Quer dizer, nas horas vagas os professores faziam pesquisas, mas a idéia de criar o Cenpes já existia. Quando eu cheguei da Bahia, em novembro de 1963, a diretoria aprovou a criação do Cenpes. Logo em seguida veio essa época tumultuada de 1964, então em 1964 e 1965 não aconteceu nada. O Cenpes começou a funcionar efetivamente em primeiro de janeiro de 1966, foi aí que se separou o ensino da pesquisa, o ensino passou para o Serviço de Pessoal e a pesquisa ficou com o Cenpes, que passou a funcionar no mesmo lugar onde funcionava o Cenap.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / MESTRADO
Quando eu cheguei da Bahia, fiz um curso voltado especificamente para operação, antes disso tinha duas partes do curso, operação e projeto; é uma atividade seqüencial da operação e quando se evolui tecnologicamente passa-se para o projeto e depois para pesquisa, que é Engenharia Básica. Chamávamos de process design, o nome em inglês. Costumava chamar de projeto de processamento; em 1966 foi criado o Cenpes, mas não tinha projeto, não tinha Engenharia Básica, era só pesquisa. A matéria que eu lecionava era exatamente ligada à Engenharia Básica: Projeto de Refinação. Quando eu vim da Bahia, como a minha turma não tinha feito esse curso de process design – a turma até 1958 vinha fazendo e na minha turma eles resolveram voltar o curso mais especificamente para operação – eu fiquei querendo fazer esse curso que o Cenap ia oferecer, mas não conseguia porque as refinarias não liberavam gente. Então fiquei interessando em fazer o curso de mestrado, porque em 1963 o professor Alberto Luiz Coimbra começou o curso no Instituto de Química em Engenharia Química. A Coppe não existia ainda, ela saiu daí. Como eu era engenheiro civil e tinha entrado na área de Engenharia Química, sentia falta de matérias da Engenharia Química que eu não tinha estudado. Quando em cheguei da Bahia, fui conversar com o professor Coimbra, que tinha sido meu professor no curso de refinação, mas aí não pude porque eu assumi a coordenação do curso da Petrobras. Em 1966, o Cenap me liberou para fazer esse curso. Fiz mestrado na área de separação de hidrocarboneto através de membranas plásticas. Era uma coisa nova e estava em pesquisa no mundo todo e tinha sido uma linha de pesquisa do Instituto de Química, que precedeu a Coppe. Este Instituto já tinha tido umas duas ou três teses, inclusive uma delas tinha sido do Marcos Luiz dos Santos, da Petrobras, ele tinha sido meu colega na Escola de Engenharia. Entramos juntos na Petrobras e ele fez o mestrado no Instituto de Química. Quando eu fiz o mestrado, fui convidado para continuar a tese dele, porque ele encontrou um resultado anormal, diferente, que não existia na literatura e que tornava viável, digamos, a utilização industrial desse processo que não existia ainda no mundo todo, tratava-se de separação do hidrocarboneto por permeação de membranas.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / COPPE
Defendi a tese em 1967. Vim ao Fundão para defender a tese aqui; a Coppe já tinha sido criada. Ela foi criada a partir desse grupo inicial do professor Alberto Coimbra, que foi o criador da Coppe. A Coppe veio para o Fundão e defendi minha tese aqui, embora tenha feito curso na Praia Vermelha. Minha tese confirmou os resultados da tese do Marcos e eu tentei dar uma explicação científica para o processo. Eu consegui o financiamento do BNDE, que estava criando o Fundo de Tecnologia, chamado Funtec [Fundo Tecnológico], que financiava esses projetos promissores. Terminei a minha tese em julho de 1967 e em novembro comecei a trabalhar no Fundão, na Coppe; como a Petrobras me liberou, trabalhei lá durante três anos. Nós, dois engenheiros da Petrobras, fizemos o primeiro laboratório de Engenharia Química da Coppe. Trabalhamos três anos e mostramos a viabilidade técnica. Mas, em 1971, a Petrobras queria que eu voltasse, porque já estava começando a idéia de vir para o Fundão. Acharam que eu tinha que voltar porque eu estava lotado no Cenpes, embora não tivesse ainda trabalhado lá, pois quando o Cenpes foi criado, em janeiro de 1966, fui para a Coppe fazer o mestrado.
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO
A idéia do Coimbra era o desenvolvimento da Engenharia Criativa, porque a idéia que existia era a seguinte: o processo de industrialização brasileira foi todo copiado, nós importamos tecnologia e a Petrobras foi toda construída. As primeiras refinarias todas foram projetos do exterior, embora a Petrobras tivesse condições de fazer projetos básicos aqui. Não existia estrutura, o serviço de Engenharia, o grupo que se chamava process designer, projeto de processamento, não teve força de ir a frente, porque a pressão das multinacionais eram muito grande e eles vendiam esses projetos para a Petrobras. A Petrobras já tinha um know how interno pra criar essa Engenharia aqui. O Brasil era importador total de tecnologia. A Petrobras importava toda a tecnologia que ela usava e ficava dependente. A idéia da criação do Cenpes foi exatamente essa, para começar a desenvolver a tecnologia, ou seja, primeiro adaptar a tecnologia que existia para as nossas condições, já que a gente tinha importado. De certa forma começamos em Mataripe, na época em que eu trabalhava lá. Com um ano na unidade 13, fizemos 100 modificações de projetos. Isso era o comecinho da pesquisa. O José Pelúcio Ferreira foi o pai dessa coisa toda, ele se juntou ao Coimbra para desenvolver esse nosso projeto de permeação em membrana. Fui trabalhar com o Marcos na Coppe graças ao Pelúcio. A Coppe, em relação ao recurso, dependia totalmente do Funtec. A questão do desenvolvimento tecnológico era uma ideologia daquela época. Tivemos todo esse apoio; a Petrobras nos liberou por tempo integral.
CENPES / COPPE
Não existia [uma parceria entre a Coppe e o Cenpes], mas nós criamos, inclusive, me considero um dos responsáveis por isso, porque eu era do Cenpes e estava na Coppe. Essa é uma coisa engraçada. Na Coppe, a gente era considerado pesquisador prático, segunda categoria de pesquisador, porque a maioria das pessoas lá faziam pesquisa científica, faziam tese de mestrado e doutorado e estavam preocupados em desenvolver Ciência. Nós estávamos preocupados em desenvolver tecnologia, a partir do conhecimento científico disponível, chegar até um processo industrial, essa era a nossa idéia. Nós éramos engenheiros, não éramos pesquisadores. Na Petrobras, nós éramos teóricos, era gozado porque a gente fazia pesquisa de permeação em membrana e eles diziam: “Isso é coador de café”, porque a gente usava a membrana para separar hidrocarbonetos. Ficávamos no meio campo ali. Um era um extremo e o outro era outro extremo, ficávamos no meio. Passamos três anos assim, depois disso, já estávamos querendo ir para a unidade piloto. Marcos e eu orientamos seis teses de mestrado, de pessoas que faziam o curso de Engenharia Química na Coppe, faziam mestrado conosco. Inclusive tem até um trabalho que mostra que quem conseguiu produzir mais resultados em termos de artigos publicados, patentes e tudo isso fomos nós, na Coppe. Tínhamos um objetivo prático, a maioria do pessoal da Coppe daquela época tinha o objetivo de avançar o conhecimento. O Cenpes já estava sendo cogitado no Cenap e a diretoria já tinha aprovado a sua construção no Fundão e estava começando a discutir essas coisas, tinha um plano global de pesquisa. Como eu tinha experiência, tive que voltar. Eu estava na Coppe e existia um grupo que estava implantando. O primeiro plano diretor do Cenpes foi feito pelo Arthur D. Little, em 1969.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Em 1971, eu voltei para o Cenpes, que ainda estava na Praia Vermelha. Passei um ano praticamente como assistente do chefe da Divisão de Refinação e Petroquímica, que era o Renato Marinho Silveira, que depois acabou sendo diretor da Petrobras. Eu era uma espécie de assistente. Organizei tudo, sempre tive muito gosto por essas coisas de organização. O Cenpes não tinha uma metodologia de pesquisa, ele estava engatinhado. Fiz o primeiro estudo de uma metodologia de pesquisa para identificar como fazer a pesquisa. No final do ano o Renato entrou em briga lá com o Moggi, e aí eu fui indicado pela turma para ser o novo chefe da Divisão, da Direp [Divisão de Refinação e Petroquímica]. Assumi a chefia no final de 1971 e logo em seguida a Direp se dividiu em duas divisões a Diter, que era Divisão de Tecnologia de Refinação e a Dipol, Divisão Petroquímica e Polímeros, que o Nelson Brasil de Oliveira assumiu a chefia. Assumi a chefia da Diter no começo de 1972 e preparei a sua vinda para o Fundão. Viemos para o Fundão em novembro de 1973. A minha idéia era que a Diter fosse uma seqüência lógica. Tinha um setor de catálise, que deu origem depois a Divisão de Catálise. Todo esse processo de catálise foi iniciado nessa ocasião. Tinha um setor de processos e um setor de projetos, que depois tivemos que extinguir quando foi criada a Engenharia Básica, em 1975, 1976.
CENPES
O Cenpes tinha 200 pessoas e, no final da década de 1970, tinha mil pessoas Foi um crescimento gigantesco e eu que organizei tudo isso, na parte da Divisão de Refinação. Como eu disse, o Cenpes tinha quatro divisões de pesquisa, era a Diter, que era de Refinação, a Dipol, que era Petroquímica e Polímeros, que o Nelson Brasil era responsável e o Depro, que era a Divisão de Exploração e Produção, que tinha como responsável o Alberto Carlos Almeida. Ele é geólogo; tinha trabalhado no Depex, Departamento de Exploração da Petrobras e veio para o Cenpes, para criar a atividade de tecnologia na área de exploração e produção. Ficou como chefe de divisão do Depro e a Glória Oddone, era chefe da divisão de Química. Tinha quatro divisões de apoio, tinha a Divisão Administrativa, que o chefe era o Ormiro de Morais, tinha a Divisão de Planejamento, chefiada pelo José Benício, tinha a Divisão de Documentação e Técnica em Patente, chefiada pelo Afonso Celso e tinha a Divisão de Manutenção, chefiada pelo Marco Aurélio. Quando nós viemos para o Fundão, tinha quatro divisões de pesquisa e quatro de apoio, o superintendente era o Moggi e o adjunto dele era o [Aloísio] Caminha. A necessidade de trabalho explica o aumento de pessoas. Quando viemos para o Fundão, éramos 200 pessoas, não dava para nada. A área de exploração e produção, por exemplo, estava praticamente começando, tinha muita demanda. Na área de refinação, eu tive muita dificuldade para conseguir convencer as pessoas da importância do Cenpes, porque era uma área muito operacional. Levei anos Mesmo sendo oriundo de lá, já que trabalhei na refinaria. Eu era aceito no meio deles porque tinha trabalhado em refinaria. Os professores antigos do Cenap não eram aceitos, eram teóricos, não tinham trabalhado em refinaria. Eu era um dos poucos professores do Cenap que tinha trabalhado em refinaria, trabalhei por quatro anos e era na operação mesmo, de luva e capacete. Eu não era um teórico. Eles me aceitavam mais, mas tive muita dificuldade e os meus companheiros de Mataripe estavam se espalhando pela Petrobras. Eu tinha facilidade de contatos e fui construindo toda uma rede, mas na realidade o que aconteceu é o seguinte: o Brasil importava toda tecnologia em caixa preta. Como eu falei para vocês, fiz pesquisa em unidade industrial para estudar o tipo de cristal que se formava. Quando o cristal de parafina estava formado, botei um microscópio na sala de controle da refinaria os operadores ficavam malucos com aquilo, porque operadores de nível médio não tinham muita noção. Eles iam olhar o cristal de parafina que tinha se formado. Nós fizemos pesquisa.
CRISES DO PETRÓLEO / PRÓ-ALCOOL
A primeira crise quase não fez diferença, porque foi em 1973 e em termos de necessidade de tecnologia não houve grande mudança. A demanda do mercado brasileiro de derivados de petróleo mais ou menos continuou a mesma. Começou a mudar em 1975 com o pró-álcool. O pró-álcool entrou e começou a suprir a necessidade da gasolina. O perfil da demanda de derivados de petróleo desde a criação da Petrobras até essa época permaneceu estável, era mais ou menos 40% de gasolina, 30% de diesel e 20% de óleo combustível. Todas as refinarias da Petrobras que foram construídas nessa época foram projetadas para produzir isso. A partir do pró-álcool, em 1975, isso começou a mudar, a demanda da gasolina começou a diminuir, por causa do crescimento do álcool, e a demanda de diesel começou a crescer, então virou de cabeça para baixo. A nossa sorte foi que em 1979, quando veio a segunda crise, já estávamos com uma equipe montada no Cenpes. Aí a demanda de tecnologia apareceu, porque eu passei quase dez anos montando equipe, de 1973 até o começo da década de 1980. Na realidade, o que fazíamos mais era na área de fontes alternativas de energia. Montei grupos para o álcool, para o carvão e para o xisto. O xisto era estudado pela Petrobras lá na Six, mas tinha o problema do óleo, o que fazer com aquele óleo de xisto que era produzido lá? Era um óleo completamente diferente de petróleo, era agressivo. Então tinha que saber o que fazer com esse óleo. [A pesquisa sobre energias complementares] foi em função da crise também. Logo quando eu assumi a chefia da Divisão e nós viemos para o Fundão em 1973, fiz um negócio que não existia na Petrobras, um estudo de prognóstico tecnológico, ou seja, quais seriam as necessidades da Petrobras em termos de tecnologia depois de dez anos? Nunca ninguém tinha feito isso, comecei a fazer isso, mas quase era “corrido”. Quando eu ia ao Depin, Departamento Industrial, os caras não queriam nem ouvir falar nisso. Diziam que estava escrito lá “petróleo brasileiro”; até me lembro de um cara que era meio estrangeiro e falava: “Petróleo brasileiro”. Já estava começando a aparecer essa crise energética. Houve uma oportunidade em que a Petrobras resolveu produzir álcool de mandioca. Havia uma tecnologia desenvolvida no Instituto de Tecnologia e Pesquisa Tecnológica, o IPT e a Petrobras foi encarregada pelo Governo de levar isso às últimas conseqüências; tinha sido desenvolvida em laboratório. A Petrobras construiu uma unidade lá em Curvelo, em Minas Gerais. Tive que montar uma equipe para estudar a produção de álcool de mandioca. O álcool de cana é mais fácil, porque do açúcar fermenta e dá o álcool e com o amiláceo, tinha que transformar o amido em açúcar para depois produzir. O processo era mais caro, mais complicado, mas era uma tecnologia nova e a Petrobras foi encarregada pelo Governo de testar. A demanda vem em função das necessidades e a Petrobras foi encarregada pelo Governo também de estudar a gaseificação de carvão exatamente por causa das crises de petróleo. Começaram a aparecer pessoas no MME [Ministério das Minas e Energia] interessadas em estudar fontes alternativas de energia. Eu criei um grupo dentro da minha divisão voltado só para fontes alternativas de energia. Tinha um grupo de pesquisa de xisto, cujo objetivo era saber o que fazer com o óleo de xisto e o gás, porque o óleo de xisto não podia ser misturado diretamente com o petróleo; ele tinha características negativas que poderiam contaminar o petróleo, então tinha que ser hidrotratado. E existe uma idéia de formar coque a partir do óleo de xisto. Criei um grupo de xisto, um grupo de álcool, um grupo de carvão e fui recrutando gente que tinha interesse e formação nessas áreas. O Marcos veio trabalhar comigo depois. Quando eu voltei para a Petrobras, o Marcos continuou na Coppe, orientando tese lá, mas teve que voltar para a companhia, então eu o convidei para vir para o Cenpes. Ele me ajudou muito nessa área de fontes alternativas.
ENGENHARIA BÁSICA
O Programa Fundo de Barril apareceu depois um pouco depois, porque havia uma demanda muito grande de diesel e havia uma sobra de resíduo. Era como transformar esse resíduo em gasolina e diesel, principalmente. Começaram a pensar em processar esse gasóleo de craqueamento, processar, hidrogenar e produzir mais carga para o FCC. Nessa época, o Cenpes se envolveu muito. Já havia sido criada a Engenharia Básica, sobre a qual eu não falei. A Engenharia Básica, acho que em 2003, não me lembro direito, mas há poucos anos foi lhe feita uma homenagem; a Petrobras fez uma homenagem aos 30 anos, eu acho. No Cenap eu dava aula de Projeto de Processamento, o Fernando Baratelli inclusive estava lembrando disso. O professor do Baratelli foi meu aluno, era o Carlos Alberto Dantas Moura, que ainda está aí até hoje, foi meu aluno e depois ficou no curso dando aula também e foi professor do Baratelli. Mas eu dava aula disso e a Petrobras importava todos os projetos básicos, quer dizer, quando se vai construir uma refinaria faz-se primeiro o projeto básico, a chamada Engenharia Básica, depois se faz um projeto de detalhamento e depois se constrói a refinaria. A Petrobras importava tudo isso e tínhamos condições de fazer aqui no Brasil, foi feita uma tentativa pelo Hélcio Barrocas. Quando eu estava dando aula, na década de 1960, tive muita interação com eles porque eu dava aula desse assunto, ensinava o pessoal a fazer projetos de torres, e de fornalhas, já que tinha dado aula disso. Depois fiz uma articulação com eles. Eles chegaram a montar um grupo, mas depois esse grupo sumiu, porque houve uma pressão muito grande das firmas de engenharia nacional, que faziam projeto básico junto com as firmas estrangeiras. Forçaram a Petrobras a não entrar nessa área. Na realidade, a Petrobras devia ter entrado primeiro em projeto básico para depois fazer pesquisa; pesquisa era uma conseqüência. Quer dizer, dentro do processo de aprendizado primeiro se forma o pessoal, eles aprendem a operar e depois se adapta aquela tecnologia para as condições do mercado, da matéria-prima do país, depois se modifica aquela tecnologia até chegar a etapa de criação, de tecnologias novas. A Petrobras já chegou atualmente em águas profundas, mas a engenharia básica era fundamental para que esse processo fosse retomado. Na realidade, avançamos na pesquisa, o Cenpes foi construído no Fundão e a Petrobras não tinha a engenharia básica.
Participei disto. Criei dentro da minha divisão um setor que, em minha cabeça, era um embrião disso daí, ainda na Diter. O diretor Orfila [Lima dos Santos] foi quem levou a diante esse negócio e conseguiu criar a Engenharia Básica, que foi curiosamente, uma influência da Finep [Financiadora de Estudos e Projetos]. A Finep influenciou muita coisa, o José Pelúcio, que era o presidente da Finep, sentiu que havia essa necessidade. Para o Brasil avançar na parte de equipamento, por exemplo, ele incentivava o desenvolvimento da indústria de bens de capital no Brasil, mas sem ter o projeto básico, que é o que especifica o equipamento, a especificação vinha de fora. Não ia especificar um equipamento fabricado no Brasil, então tínhamos que fazer o projeto básico. O Pelúcio teve uma influência junto ao Orfila e a Petrobras criou a Engenharia Básica no Cenpes em 1976. Foi um processo complicado, porque a pesquisa veio da estaca zero e foi crescendo. A Engenharia Básica já entrou com tudo, com força do diretor, então recrutou o pessoal que estava fazendo algum projeto básico nas refinarias. Cubatão fazia projeto básico, mas descentralizados; veio centralizar no Cenpes. A Engenharia Básica começou no Cenpes na área de processo de refinação, depois foi criada a atividade na área de plataforma, na década de 1980.
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
Voltando um pouco, quando eu assumi a chefia da Diter fiz um estudo junto com o engenheiro Otávio [Riveira], que era subordinado a mim, saiu do Cenpes e depois voltou. Esse estudo chamava-se Metodologia da Pesquisa e a idéia era organizar como o processo de pesquisa devia se desenvolver, desde a captação da idéia até a entrega do produto final ao usuário da tecnologia. Alguém chamou esse processo de metodologia de pesquisa, isso foi discutido durante um tempo. Depois da década de 1980, depois que o Moggi saiu, acho que em 1980 ele foi para um escritório em Nova York, entrou o Flávio Chaves, que tinha sido meu contemporâneo em Mataripe. O Flávio Chaves voltou a se interessar por essa questão. Nós formamos um grupo, estudamos o assunto com o Alberto Carlos nessa ocasião e saiu um trabalho também, mas que não foi levado às últimas conseqüências. O Flávio ficou pouco tempo no Cenpes. A Petrobras durante muitos anos priorizou a refinação. A Petrobras construiu dez refinarias por aí. De três em três anos, a Petrobras construía uma nova refinaria, inclusive, pra atender a indústria automobilística que estava crescendo muito rápido. A partir da década de 1980, com a segunda crise, a Petrobras voltou a priorizar a área de Exploração e Produção, inclusive com a descoberta da Bacia de Campos. O Cenpes também sofreu a influência desse processo, foram feitas algumas intervenções e o Flávio, que estava lá há dois anos, saiu, colocaram o Milton Franke um geólogo, para priorizar a área de Exploração e Produção. Minha tendência sempre foi, em paralelo com o desenvolvimento tecnológico, organização e planejamento. O primeiro plano de implantação no Cenpes fui eu quem fiz, quando voltei da Coppe. Fiz cursos no exterior, participei de seminários, participei da primeira turma de formação de gerente de pesquisa no Brasil, o Protap [Programa de Treinamento em Administração em Pesquisa Científica e Tecnolófica], junto ao Alberto Carlos, que era da área de Exploração e Produção. Então sempre me interessei por essa área de planejamento e gestão. Quando eu já estava quase saindo, deixando a chefia da divisão, houve um movimento para o planejamento estratégico e aí eu fiz, dentro da Diter, que era a minha Divisão, o primeiro plano estratégico do Cenpes, para a divisão de refinação. Logo em seguida, em 1984, eu deixei a chefia da Divisão por uma série de contratempos e aborrecimentos, eu já estava há muito tempo na chefia. Assumi a chefia dessa divisão em dezembro de 1971 e se eu não pedisse para sair estaria lá até hoje, (risos) isso é brincadeira, mas eu fiquei muitos anos.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Tenho orgulho de dizer que nessa divisão fui indicado pelos meus colegas para assumir a chefia, entreguei o cargo, ninguém me tirou. Fui à superintendência, ao Milton Franke e entreguei o cargo: “Já dei o que eu tinha que dar, não tenho mais nada para dar aqui. Vou trabalhar como “peão” na área de planejamento, porque eu acho que é a área importante para o Cenpes. Daqui para frente é onde eu posso dar maior contribuição”. Fui trabalhar como “peão” na área de planejamento – era uma assessoria de planejamento, não era nem divisão. Fui trabalhar no primeiro plano estratégico do Cenpes eu e o Otávio Rivera Monteiro, que tinha trabalhado comigo no começo da Diter. Ele estava na área de planejamento, tinha ido para o Sepes e tinha voltado para cá.
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO / CENPES
A idéia era integrar o Cenpes com o resto da empresa, essa era uma das diretrizes, porque achávamos que tinha que trazer o resto da empresa para dentro do Cenpes. [Deveria ter um diálogo maior], inclusive, participar do trabalho do Cenpes, influir no que o Cenpes tinha que fazer. Aliás, faço louvores ao José Paulo Silveira, que foi o superintendente, porque até aquela época, superintendente não acreditava muito em planejamento, essa é a verdade. José Paulo Silveira era um cara que tinha cabeça de planejamento, então ele me convidou para assumir. Criamos uma Divisão que não existia, a Divisão de Planejamento do Cenpes. Existia uma assessoria e ele me convidou para ser o chefe dessa divisão, a Diplat, Divisão de Planejamento e Administração Tecnológica. Nós fizemos uma série de mudanças. O Cenpes fez uma grande mudança na parte de gerência, do processo tecnológico nessa ocasião. Isso tudo em função de uma visão que eu tinha do processo de desenvolvimento tecnológico. Eu achava que o Cenpes estava maduro para entrar na área de inovação. Mas só entraria se mudasse o processo gerencial, quer dizer, o Cenpes estava acostumado a ser um órgão de serviço técnico e tinha que passar a ser um órgão de pesquisa, fazer pesquisa de longo prazo, porque a gente funcionava muito em função da demanda das refinarias e dos órgãos operacionais. Esse foi um processo interessante, pois no começo o Cenpes era considerado, pelas refinarias, pelos órgãos operacionais, um órgão afastado da realidade. Eu tinha experiência operacional, mas a grande maioria dos técnicos do Cenpes não tinha essa experiência, eles vieram direto dos mestrados, dos doutorados para trabalhar em pesquisa. Então, consideravam que o Cenpes era um órgão que estava meio desligado da realidade no começo. Nós lutamos muitos anos para mudar essa imagem e estávamos querendo exatamente isso: integrar mais o Cenpes com os órgãos operacionais e fazê-los participarem da programação do Cenpes.
Isso deu um impulso enorme [para o desenvolvimento tecnológico na Petrobras]. A partir daí foram criados os comitês tecnológicos. Os departamentos de serviço da Petrobras começaram a participar do planejamento do Cenpes. Enfim o Cenpes começou a descobrir mais as demandas que existiam nos órgãos operacionais e a receber demandas também. Pela primeira vez fizemos um prognóstico, um estudo feito na Petrobras toda para descobrir qual era a demanda de tecnologia que a empresa teria no ano 2000 – isso em 1986, 1987. Foram feitos cenários, nós contratamos, inclusive, pessoas especializadas em cenários tecnológicos. Houve uma série de mudanças do ponto de vista gestão do processo tecnológico.
PROCAP
O Procap [Programa de Águas Profundas] nasceu nessa época, inclusive nesse livro eu conto como participei do começo do Procap, porque o Silveira queria criar um órgão dentro do Cenpes. Já existia um órgão funcionando no Departamento de Produção que pensava em águas profundas, e o Cenpes até participava, mas eu era um mero expectador. Estávamos pensando em termos de demanda tecnológica do futuro. As águas profundas começaram a ficar cada vez ficar mais profundas, era 100, 200 metros e passaram para 1000 metros. E qual era a tecnologia que a Petrobras ia precisar? Foi feito um prognóstico com a participação do pessoal de todas as áreas da Petrobras, um trabalho muito interessante e o Procap foi criado nessa ocasião. Eu ajudei o Silveira a bolar como seriam as estruturas, porque que seria um órgão matricial. Não sei como é porque estou afastado há muitos anos, mas até aquela época a Petrobras era muito compartimentada. Um departamento não dava palpite no outro. Então, a idéia era fazer um projeto matricial com participação de vários órgãos inclusive da universidade. [Esse estreitamento com as universidades] começou a aumentar antes um pouco até, porque eu me considerava um embaixador da Coppe no Cenpes e um embaixador do Cenpes na Coppe, por causa dos três anos tempo que passei lá. Eu conhecia todo mundo lá. Nessa ocasião aumentou o estreitamento em termos de projeto. Por sorte do Silveira, ele pegou o Frederico Araújo, que era um camarada com uma habilidade tremenda para lidar com os egos das pessoas, e ele conseguiu levar o Procap para frente. Tinha muitos projetos, tinha a universidade, tinha a firma de engenharia, tinha outras empresas participando e ele conseguiu montar um esquema durante o tempo que esteve à frente do Procap. Depois o Silveira nos convidou para ir com ele para o Serplan, para implantar o planejamento estratégico na Petrobras. Saiu daí o primeiro planejamento. O Cenpes foi uma espécie de efeito demonstração da importância do planejamento estratégico, inclusive eu fiz várias palestras sobre planejamento estratégico em praticamente todos os órgãos da empresa que estavam interessadas em pensar em longo prazo, de uma maneira estruturada e organizada. O primeiro planejamento do Serplan saiu em 1990.
ENGENHARIA BÁSICA
Houve uma mudança muito grande de mentalidade, até na crença da importância da tecnologia. Na década de 1960, tecnologia era considerada como uma mercadoria que se comprava, estava pronta nos países desenvolvidos. Se quisesse montar uma refinaria dizia-se o que você queria e os “caras” faziam o projeto, especificavam o equipamento, de lá é claro, faziam o projeto básico, o projeto conceitual e o Brasil continuava dependente. Foi essa a transferência de tecnologia, que ocorreu ao longo desse tempo. Em relação à Engenharia Básica, por exemplo, houve uma experiência interessante. O Baratelli pode falar também sobre esses processos de transferência de tecnologia. A ideologia era a seguinte: o Brasil tem um mercado de tecnologia, então em troca desse mercado abria-se um pouco essa tecnologia. E nós conseguimos isso. A equipe da Engenharia Básica foi montada no Cenpes muito em função desses processos de transferência de tecnologia, de troca de mercado. Fui coordenador da construção da primeira fábrica de catalisadores, a primeira tentativa de construir uma fábrica catalisadora no Brasil, que não deu certo. Depois houve a segunda tentativa e a fábrica foi construída. Mas na primeira vez o que a gente exigia, quando negociava com as firmas estrangeiras, era exatamente o processo de transferência de tecnologia. Eles foram espertos, fizeram uma espécie de cartel. Juntaram-se e uma firma se ofereceu para fazer a transferência de tecnologia, afastamos as outras firmas e depois ela se negou a fazer; não conseguíamos ir à frente, esse processo terminou. É um jogo pesadíssimo, porque era muito dinheiro, o Brasil importava todo catalisador de craqueamento que a gente usava, era muito dinheiro. Hoje tem a fábrica aqui. Essa fábrica foi feita dessa maneira, se oferece um mercado a um detentor de tecnologia, em troca dele abrir o pacote, o que significa isso? Mostrar como é que se chegou até lá, especificar aquela fábrica, os conhecimentos científicos que permitiram se chegar até ali, então isso foi feito. Houve uma mentalidade de dentro dessa história, de processo de transferência de tecnologia, que se desenvolveu ao longo da década de 1970 e 1980 e a Engenharia Básica se beneficiou disso, embora ela tivesse perdido o mercado de projeto. Quando a Engenharia Básica foi criada, centralizada dentro do Cenpes, a Petrobras já tinha construído praticamente todas as refinarias que estão aí. Na década de 60, a Petrobras construía uma refinaria de três em três anos. Então, praticamente a última refinaria, a Revap [Refinaria Henrique Lage], já estava com o projeto pronto, estava sendo construída, então a Engenharia Básica ficou um pouco sem demanda. Mas foi criando a demanda principalmente na área petroquímica e eles conseguiram montar uma equipe muito boa, não sei como é que está hoje, porque eu perdi o contato completamente, mas a equipe era muito competente.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / APOSENTADORIA
Em 1990, eu me aposentei, porque fiquei desiludido, desgostoso. Eu queria continuar, mesmo sem cargo de chefia. Eu era chefe da Diplat no Cenpes, aí o Silveira me chamou para acompanhá-lo no Serplan e eu fui como assistente especial. Existia na Petrobras o RG, remuneração global. Eu continuei ganhando a mesma coisa que ganhava como chefe da Diplat, como assistente especial, mas o trabalho era duríssimo. Fiquei até meio doente depois, pois o dia-a-dia era muito em cima e a gente estava junto; a diretoria nos chamava a toda hora. Tinha o apoio do Carlos Sant’Anna, que era o presidente da Petrobras. Ele deu muita força, ele e o Renato Magalhães, que tinha sido meu chefe no começo do Cenpes. Fizemos tudo isso, o primeiro plano estratégico da Petrobras, do sistema da Petrobras, não foi brincadeira. Nós conseguimos reunir a diretoria da Petrobras fora do Edise [Edifício Sede] durante dois dias, em hotéis. O Sant’Anna disse que era a primeira vez que ele via a diretoria reunida fora da sede para discutir o futuro da Petrobras. Foi um negócio que lavou a minha alma, porque eu estava atrás daquele conceito. Fui o coordenador metodológico e conceitual do processo, não contratamos consultor para isso, saiu tudo da experiência que eu tinha do Cenpes. Nós contratamos consultor para conduzir o processo, porque o Silveira achava que ele não devia conduzir, já que era o superintendente do Serplan, não ia poder conduzir com a diretoria. Então tinha um consultor; depois eu fiz amizade com ele, o Cláudio Porto, que era especializado em cenário. Nós fizemos um negócio 100%, impressionante, envolveu uma quantidade enorme de gente e saiu o primeiro plano estratégico do Sistema Petrobras. Estava no auge quando o Collor foi eleito e a primeira coisa que ele fez foi colocar aqui o tal do Octávio da Mota Veiga – um cara esnobe, que não tinha a ver com a Petrobras. A primeira coisa que esse sujeito fez foi pegar o Serviço de Planejamento e subordiná-lo ao diretor financeiro, quer dizer andou 30 anos para trás na história do planejamento empresarial, porque o planejamento empresarial começou na área financeira. Houve necessidade de planejar por causa dos problemas dos recursos que a empresa precisava programar. Depois o Planejamento caminhou para ser ligado diretamente ao presidente, porque era uma atividade essencial para a empresa. O Serplan era ligado ao presidente. O Silveira, eu, o Frederico, a Silvia, que era formada em Administração de Empresa e especializada na área de pessoal, e outros que trabalhavam comigo na Diplat. Nós criamos uma série de cursos para treinar o pessoal para essa nova fase no Serplan, para pensar em longo prazo. Quando aconteceu isso, [no Governo Collor], nós todos voltamos para o Cenpes. O Silveira foi convidado para trabalhar em Brasília, com um amigo dele lá que estava como assistente da Zélia. Ele me chamou para ir trabalhar com ele, eu falei: “Não vou para Brasília não”. Fiquei no Cenpes e me ofereci para o [Guilherme] Estrella, então superintendente do Cenpes, para ser um consultor interno, pois não queria me aposentar e fiquei. A Petrobras começou a pressionar, estava iniciando aquele processo de reduzir [o número de funcionários], o objetivo final era privatizar a empresa. Esse era o objetivo final do Collor e depois do Fernando Henrique. O processo consistia em afastar o pessoal antigo, que vestia a camisa da Petrobras e que realmente acreditava que a Petrobras era importante para o país. O que ele acabou fazendo foi tornar a Petrobras uma multinacional preocupada com os acionistas. As ações da Petrobras eram para brasileiros; só brasileiros podiam comprar as ações da Petrobras. Ele acabou com isso, colocou ação em Nova York. E, hoje, abrindo um parêntese aqui, os aposentados estão “pagando o pato”, porque não tivemos mais aumento ligado ao pessoal da ativa.
Voltei para o Cenpes e vi que a época não estava boa. Eu já tinha trabalhado quatro anos no Banco do Brasil quando era estudante de Engenharia e estava com 31 anos e meio de Petrobras, dava 35 anos, aí me aposentei. A Petrobras ofereceu dinheiro. Foi a “época sopão”, começaram a oferecer dinheiro. A Petrobras tinha 60 mil funcionários e alguns anos depois tinha 30 mil e passou a ter terceirizados, 100 mil; foi outra política que foi colocada. Na minha visão, o objetivo era privatizar a Petrobras, mas não conseguiram. Eu me aposentei e fui pintar, porque sempre gostei muito de pintar, desenhar e escrever também. Comecei pintando, era uma coisa que eu fazia quando era garoto ainda. Comprei pincel, tela e comecei a pintar “adoidado”. O pessoal do Serplan foi me chamar em 1991, porque tinha havido umas mudanças, o Mota Veiga tinha saído e o Silveira voltou como secretário-geral da Petrobras; o presidente eu não lembro mais quem era. Mas ele voltou e forçou o Serplan a retomar o processo e me convidaram para ser consultor de lá. Fui convidado também pelo Cetlen, Centro de Tecnologia Liberal, para implantar gestão tecnológica, porque eu tinha experiência daqui. Aí virei consultor, dei consultoria para o Seplan, para o Serfin e para vários órgãos da Petrobras, para implantar o planejamento estratégico. No Cetlen, comecei a fazer um esforço danado, mas não consegui, porque tinha muita política. O Cetlen era um órgão que eles mesmos não sabiam para que existia, era incrível Tentei organizar as idéias e ajudei a fazer alguma coisa, mas não foi para frente. Trabalhei uns cinco anos como consultor, principalmente no Serplan. Foi bastante tempo A divisão de planejamento estratégico que tínhamos criado no Serplan foi assumida pela Leda Franca, que eu havia ajudado, enquanto ela estava lá. Trabalhei com o [José] Fantine, superintendente do Serplan e depois com o [João Carlos] De Luca, que está aí agora quando todos se já aposentaram. Eu os ajudei a fazer a revisão de plano estratégico, dei uma porção de déias, mas a época era difícil.
CENPES
[O que eu destaco do Cenpes] é o domínio da tecnologia. A Petrobras, hoje, faz propaganda falando no Cenpes. Quando trabalhei no Cenpes tinha até vergonha de falar, pois as pessoas nos gozavam, consideravam que éramos sonhadores. Tecnologia era uma coisa que você comprava, estava pronto lá no outro país. Uma vez, quando eu era chefe da Diter, fui mostrar aos conselheiros da Petrobras, na unidade 12, que tinha as unidades piloto. Tinha um orgulho danado daquilo, porque era uma tecnologia específica. Construir e projetar uma unidade piloto era uma coisa que a gente não tinha, que ninguém tinha, e foi desenvolvido aqui dentro. Então, com o maior orgulho, mostrando para o pessoal, um cara disse: “Mas me diga uma coisa, não seria muito mais barato vocês comprarem essa tecnologia nos Estados Unidos, não está pronta lá? Comprar pacotes prontos? Vocês compram lá e trazem para cá, porque gastar dinheiro construindo essas unidades?”. Essa era a mentalidade do começo da década de 1970. Hoje a Petrobras, quando faz propaganda na televisão, fala da tecnologia, mas era gozado, no tempo que eu trabalhei na Coppe, eles nos chamavam de “coador de café”, diziam que fazíamos desenvolvimento de tecnologia de coar café. Isso porque usávamos membranas para separar o hidrocarboneto. Ninguém acreditava. Mesmo dentro da Petrobras. O Cenpes levou muitos anos para ser reconhecido. Sei disso porque fui chefe da Diter durante 12 anos. Vi todo esse processo. Aí está a grande importância do Leopoldo e do Moggi, porque foram eles que conseguiram agüentar toda a despesa que o Cenpes teve, construindo esse prédio e recrutando pessoal. Viemos para cá com 200 pessoas e no fim da década de 1970 éramos mil. Para se ter uma idéia, a Diter tinha uma pessoa com mestrado, que era eu, e uma com doutorado, o Leonardo Nogueira, que tinha feito nos Estados Unidos, em Catálise. Só O resto ninguém tinha curso de pós-graduação. Quando eu deixei a divisão, três quartos dela tinha mestrado, pelo menos o mestrado. Isto feito pagando para ver porque nós não tínhamos demanda de tecnologia que justificava isso, foi uma aposta. Em outras palavras quer dizer o seguinte: o Cenpes foi criado e veio para o Fundão sem ser uma demanda da área operacional. Foi a visão de algumas pessoas que em longo prazo viram que a Petrobras tinha que ter um desenvolvimento tecnológico muito maior. Fico muito satisfeito quando eu vejo a propaganda da Petrobras na televisão e fala do Cenpes, na tecnologia, principalmente depois das “águas profundas”, aí foi um salto realmente. Nós olhávamos os desenvolvidos para ver o que eles estavam fazendo e passaram a nos olhar em “águas profundas”, houve uma grande mudança. Tenho orgulho de ter participado do começo desse processo, em uma época em que ninguém acreditava; era o que muitas pessoas falavam.
APOSENTADORIA
Ao longo desses anos em que estou aposentado, virei escritor, conforme falei. Descobri o microcomputador e o Word, uma coisa espetacular, porque eu escrevia à mão. Publiquei centenas de artigos no boletim técnico da Petrobras. Quem publicou mais artigos na época que eu estava aqui fui eu. Escrevia muito e defendia essas idéias da tecnologia. Depois de aposentado, descobri o micro, o Word e comecei a escrever “adoidado”. Já publiquei mais de dez livros por minha conta. Um a Petrobras financiou, um só, que foi um livro técnico sobre administração estratégica, publicado pelo Senai [Seviço Nacional de Aprendizagem Industrial]. Até dei consultoria ao Senai, ajudei a fazer o primeiro plano estratégico de lá. O Senai e a Petrobras se juntaram e fizeram a primeira edição desse livro; saiu duas edições e estão falando em terceira. Os outros livros todos [foram impressos], com 100 exemplares, eu acho. Descobri agora uma fábrica de livros no Senai, na Tijuca, e sai muito mais barato. Fiz para distribuir, não estou ganhando dinheiro nenhum. Procurei escrever sobre a Petrobras. Escrevi quatro livros, três deles são as minhas memórias, minha passagem pela Petrobras, as coisas que passei, como é que foi e como é que era na época. São três volumes e em um eu falo na questão tecnológica. Deve ter aqui na biblioteca, um é sobre aspectos tecnológicos, outro sobre aspectos gerenciais e o terceiro aspecto estratégico, quer dizer foi a grande mudança que eu tive na Petrobras. O último é uma visão do processo do desenvolvimento tecnológico da Petrobras, principalmente na área de refino. Escrevi isso através de episódios que eu vivi. O nome deste livro é: Recordações das Lutas pela Tecnologia na Petrobras. Também tem muito artigo na biblioteca em que eu contei histórias desse processo, quando estava acontecendo. Um deles eu trouxe também, escrevi quando o Cenpes tinha 20 anos de existência, em 1986, falando sobre como era o Cenpes e quais eram as perspectivas que víamos.
MEMÓRIA PETROBRAS
Gostei, claro Gosto muito de conversar sobre essas coisas, foi a minha vida. A minha vida profissional foi essa na Petrobras. Eu escrevo e gosto de falar quando me dão oportunidade. Já prestei um depoimento na Universidade Petrobras sobre a época do Cenap, porque eu participei do Cenap no começo. Participei de um depoimento também, que está gravado em DVD, sobre Engenharia Básica, sobre a minha participação no processo de criação de Engenharia Básica na Petrobras, isso tudo agora nos últimos anos. Eu estou à disposição de vocês para qualquer coisa que precisarem.
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