P1 - Vou começar pedindo pra você falar seu nome, local e data de nascimento.
R- Meu nome é Cristina Azevedo Costa, eu sou nascida em São Paulo, em 22 de novembro de 1944.
P1 - Cristina, seus pais são de São Paulo?
R- Mamãe é de São Paulo, paulista, paulistana, do Largo de São Paulo, como ela fazia questão de dizer. Papai era sergipano.
P1 - Como que era o nome deles?
R- Papai era o Aldo Azevedo e mamãe, Maria Vornehmering de Azevedo.
P1 - Vamos falar um pouquinho da sua origem familiar: os seus avós paternos são de onde?
R- São todos de Sergipe.
P1 - Os avós, a família do seu pai vem de Sergipe...
R: Do papai, Azevedo de Sergipe... E papai veio pra cá, pra São Paulo, com 18, 19 anos, e depois ficou sempre aqui.
P1 - O que que seus avós paternos faziam, vc sabe?
R- Eles eram fazendeiros, em Nossa Senhora das Dores, que é perto de Aracaju.
P1 - E seu pai trabalhava na fazendo com eles, ou...?
R Ele... É, acontece que o pai dele faleceu quando ele tinha dois anos. Então ele ficou na fazenda, depois eles tinham uma empresa de tecelagem, de fios.
P1 - Além da fazenda.
R- É além da fazenda... E quando ele se mudou pra são Paulo, ele montou uma tecelagem e... Fábrica de tapetes também.
P1 - Por que ele decidiu sair de lá e vir pra cá?
R- Ah, o sonho era vir pra são Paulo. Naquela época, isso... Papai era de 1900. Então ele veio pra cá em 1920, 19, 20, porque são Paulo era, continua sendo, a locomotiva, mesmo, do brasil. E aqui aconteciam as coisas, aqui, tudo, todas as novidades, todas as coisas, vinham primeiro pra são Paulo – pro Rio de Janeiro que era capital –, mas do trabalho mesmo sempre foi são Paulo.
P1 - Aí ele veio pra são Paulo e se estabeleceu aonde? Ele veio com 19 anos, você falou?
R- É ele veio pra cá, aí eles ficaram morando... ele ficou morando no bairro do Belenzinho. Depois que eles vieram pro Jardins, a mamãe morava em Higienópolis, e... É bem do começo do século.
P1 - Mas seu pai veio sozinho ou veio com a mãe?
R- Ele veio só, mas mais pra frente vieram os irmãos.
P1 - E ele tinha mais irmãos?
R- É, eles, na verdade, ele parou um pouco no Rio e depois veio pra são Paulo – um irmão dele ficou no Rio e os outros vieram todos pra são Paulo, mas já vieram casados.
P1 - Mas ele que sustentava a família, quando ele veio pra cá, ele mandava dinheiro?
R- É eles vieram muito bem de vida. Ele era um empresário... Mesmo muito moço ele já era um empresário, ele estava muito bem de vida, cada um se sustentava muito bem. E todos eram industriais, eles eram industriais todos.
P1 - E vamos falar um pouquinho agora do lado da sua mãe, seus avós maternos...
R- Meus avós maternos, assim... Meu avô era cientista, Rodolfo Vornehmering, e ele foi um grande zoólogo, foi ele quem descobriu a desova artificial dos peixes. Hoje a gente vê muita gente criando peixe e deve a ele, esse desenvolvimento da piscicultura. O pai dele, que era cientista também, meu bisavô, foi ele quem fundou o Museu do Ipiranga – ele veio pra cá e fundou o Museu do Ipiranga.
P1 - Como é o nome dele?
R- Herman Vornehmering. Mas, na época da Guerra, houve um problema de, é, peraí... Um problema de... Ciúmes! E um que era descendente de francês, acusou-o de espionagem, que a guerra era com a Alemanha, a primeira. E então houve um processo, em que foi comprovado que ele não era espião, mas ele ficou muito desgostoso: saiu daqui, foi fundar o Museu de La Plata, na Argentina. Ele foi um cientista muito importante também.
P1 - E ele foi acusado... Ele veio de onde?
R- Da Alemanha.
P1 - Seu bisavô veio da Alemanha, e seu avô?
R- Meu avô nasceu um mês depois que o navio aportou. No Rio Grande do Sul, ele nasceu em Itaquara, mas era de pai e mãe alemães.
P1 - E ele foi acusado de espião por que ele era alemão e cientista?
R- Só por que ele era alemão. E era cientista. E mais importante do que o que acusou. Então o outro acabou ficando...
P1 - E quem que acusou?
R- Tonem (??? 5:18)
P1 - Ele era de onde, qual era a relação deles...
R- Ele era do museu, trabalhava no museu. Só que ele queria ser diretor, não tinha competência, então o melhor jeito foi puxar o tapete... mas tudo bem, isso daí já passou, e eles tiveram outras glórias que o outro também nunca teve.
P1 - E aí o seu pai...
R- Bom, é... Papai?
P1 - Aí seu avô, seu bisavô saiu daqui, foi pra Argentina fundar esse museu.
R- Foi pra Argentina, fundar o museu de La Plata, fundou, mas depois voltou pro Brasil. E... a minha vó...
P1 - Aí seu avô...
R- Aí meu avô... Morou em São Paulo, casou-se com Isabel Azevedo, e que virou Azevedo Vornehmering, nós somos Vornehmering de Azevedo, por que veio Azevedo dos dois lados. Minha avó, o pai dela era diretor do Tesouro, que hoje seria secretário de Finanças era diretor do Tesouro; e a minha avó queria ser freira, e meu avô foi um dia no Colégio de Sion e disse pra notre mère, “se ela entra para o convento, eu jogo uma bomba aqui e ninguém vai ter freira mais”, então ela achou melhor aconselhar minha vó a não ser freira, então minha vó se casou com ele. E foram muito bem, tiveram duas filhas, um filho, e esse filho pequeno faleceu. Quando minha tia se casou, minha mãe já era casada, e minha tia se casou, minha vó fugiu, foi para o convento. Ai, ai. Ela era pianista concertista, ela era... ela era pintora, escritora, poesia... Uma artista completa. E foi ela quem introduziu as crianças no Teatro Municipal: ela fez a Tarde da Criança, por que antigamente criança não podia entrar no Teatro Municipal – então ela era uma pessoa muito alegre e gostava de difundir a cultura, e incentivar as crianças desde pequena. Então faziam audições com piano, violino, violoncelo, e declamavam e tudo; então a criança passou a frequentar, e trabalhar no Teatro Municipal. E assim nasceu o Grande Otelo, que era filho da Dona Sebastiana, uma cozinheira de lá da Veiga Filho, lá de Higienópolis. Então, tem uma porção de história interessante na família.
P1 - Qual que é essa história do Grande Otelo?
R- Então, o Grande Otelo foi, começou a trabalhar na Tarde da Criança, ele era um molequinho, e já tinha talento. E foi trabalhar no... foram fazer uma apresentação no Teatro Municipal - então tem muitas histórias da família porque a minha avó, eles não tinham dinheiro, assim, eles não tinham dinheiro mas todos os artistas se reuniam na casa dela.
P1 - Que artistas que se reuniam lá?
R- Que artistas? Assim... Hekel Tavares, os Mignone, Chiafarelli, todos os artistas lá que... a esposa do, o primeiro casamento dela foi com o Charles Miller, depois ela casou com... O segundo casamento com o Menotti del Picchia, e... Agora o nome dele tá esquecendo... a filha chama Helena, o nome dela eu estou esquecendo... Ela foi uma grande pianista, e... Depois, ah, todos os pintores, poetas...
P1 - Mas isso em que ano?
R- Ah, isso daí minha mãe era solteira, mamãe casou em 1933.
P1 - Então a sua mãe vivenciou esse ambiente...
R- Tudo, tudo... Tem uma história linda que um dia o Rubinstein, que foi um dos maiores pianistas do mundo, veio pro Brasil e minha vó convidou-o para jantar. Falamos, “mas que o senhor gostaria?”, ele falou “eu quero uma comida de casa, caseira, bem caseira, porque eu não aguento mais comida de navio”, porque ele veio, levou quase um mês pra chegar aqui. Então comida de navio e de hotel, então ela fez uma comidinha bem caseira e ele se deliciou e tal, também ele não agradeceu, terminado o jantar ele levantou, sentou-se ao piano e tocou. Quer dizer então que um maior presente que esse não tinha pra uma pianista, pra gente que entendia, meu avô tocava cello também, mas ela era pianista concertista. Então a história da família é bem rica e foi pena que minha mãe já foi, porque ela tinha tanta história pra contar .
P1 - Como é que seu pai e sua mãe se conheceram, você sabe?
R- Ai foi lindo... A mamãe estava no bonde, no carnaval, com um casal de amigos, e papai estava, eles estavam no, ali na frente do, da escola de direito de São Francisco. Então o bonde estava passando, papai conhecia o casal de amigos, casados, que a mamãe estava junto. Então papai viu mamãe, pegou uma serpentina, jogou, caiu no colo dela, e ela falou “é esse” . Naquele tempo a asinha era diferente... Mas eles ficaram casados muitos anos...
P1 - Aí eles começaram a namorar?
R- Ah, mas era um namoro complicado, porque naquela época, até conseguir casar demorava. E sentado um cá outro lá, e tudo, mas depois casaram ...
P1 - Eles casaram e foram morar onde?
R- Então, foram morar no Belenzinho, onde ele tinha a fábrica, de tecidos e feltros e tal...
P1 - E a sua mãe?
R- Mamãe teve, eles tiveram 7 filhos.
P1 - Você é qual desses?
R- Sexta.
P1 - Como que nasceu... São quantos homens, quantas mulheres?
R- São cinco mulheres e dois homens. Eu sou a sexta, e abaixo de mim só tem uma menina.
P1 - E você nasceu já nessa casa do Belenzinho, ou vocês estavam em outra casa?
R- Não, não, depois nós mudamos para a rua Estados Unidos, e depois morávamos aqui bem pertinho de vocês, nós morávamos na Tamanás. Muitos anos, em 53 a gente mudou pra Tamanás, eu saí quando eu casei.
P1 - Mas a casa, você lembra dessa casa da Estados Unidos?
R- Ah, lembro...
P1 - Como é que era?
R- Ela era na esquina da Estados Unidos com a Venezuela e a Bela Cintra, e eram, todas as ruas eram de muito movimento ali, era uma casa de esquina bem grande, e hoje acho que é um banco, é alguma coisa assim... bem grande o terreno, a casa era enorme. E a gente tinha ali em cima, o papai mandou fazer um terraço bem grande em cima da casa, e tinha um salão enorme em cima da casa e a gente chamava de brincatório – era o lugar de brincar dormitório dorme, brincatório era o lugar de brincar.
P1 - E moravam 7 lá. Como é que era conviver com sete lá, cada um tinha um quarto, vocês dividiam, como é que era?
R- É, assim, mais ou menos de 2 em 2. A gente dividia, e naquela época os quartos eram muito grandes, as divisões eram bem grandes, assim. Era muito, tinha um terreno, um jardim grande, a gente tinha galinheiro... a gente, era muito, muito grande, a gente andava de bicicleta em volta da casa, era bem amplo mesmo o jardim, tinha uma casinha de boneca...
P1 - Dentro da casa?
R- Fora da casa.
P1 - No terreno?
R- É, mas casinha feita mesmo, de alvenaria, de gente grande conseguir entrar – não tão alta como um pé direito de uma casa normal, mas um adulto, acho que devia ter 2 metros de pé direito, então adulto conseguia entrar: era uma delícia. A gente tinha dois, duas salinhas, uma que era cozinha, outra era sala, e era meio, meio a gente fazia sofá, que a gente fingia que dormia... Era muito bom, bem divertido.
P1 - Vocês brincavam na rua ou só dentro de casa?
R- Só, porque ali era muito perigoso, era muito movimento, a Venezuela ia e voltava a Bela Cintra também e a Estados Unidos também. Então sempre tinha trombada, e...
P1 - Já tinha naquela época.
R- É, já, sempre tinha trombada. E então, papai e mamãe sempre foram muitos divertidos... E práticos né. Então na nossa caixa de cartas, onde punha leite e tudo, já tinha um vidro de Maravilha Curativa, já tinha um pacote de algodão, então já saía, já saía com... , sabe? Batia, porque os vidros todos cortavam né, naquele tempo não era como hoje, então os vidros cortavam, então já saía assim, os primeiros socorros a gente fazia. E a gente adorava né, porque tinha de tudo, às vezes tinha palavrão, coisas que não se falavam, era muito divertido. E um dia meu irmão, pequeno, foi ficar na casa da minha avó e daí quando voltou chorava, chorava, daí minha mãe não sabia o que era, ele falou “ah, mãe, toda vez que eu vou na casa da vovó tem pastel e trombada” . Muito divertido, família bem assim...
P1 - Descreve um pouco como era seu pai. As características dele, quem que exercia autoridade, seu pai ou sua mãe...
R- Papai era muito mais, assim, quieto. Ele de pouco falar, mas ele era muito engraçado. E se você entendesse o que ele falasse tudo bem, mas ele não repetia, ele fazia a graça dele e saía andando. E tinha uma autoridade bastante grande sobre a gente, ele era muito bom, mas ele tinha autoridade. E ele tinha uma mão que ele fazia assim, você dizia assim “eu vou...”, “não, não vou”, “não, eu vou”... Ele fazia só isso. Quando ele passava a mão, a gente saía voando, ganindo que nem cachorro que levou água quente sabe: quéin quéin quéin . Porque ele, a gente não sabia se ele ia matar a gente ou se, não sei, a gente tinha pavor, quando ele passava a mão na cabeça a gente já saía assim, tchum, vazava. Então ele sabia se impor, sem, sem ser bruto, sem nada, ele, com um olhar e uma mão na cabeça a gente saía correndo . Então ele conseguia tudo da gente, era boa pessoa, e... Mas ele tinha autoridade, e a gente obedecia.
P1 - E a sua mãe?
R- A mamãe era mais fácil da gente driblar... A gente conversava mais e tal, não sei o que e não sei o que mais quando, ela falava assim “vou falar com seu pai”, aí a gente desistia porque sabia que dali não saía nada.
P1 - Essas histórias que você contou da sua origem familiar, quem que contava, seus pais, seus avós, você conviveu com eles, como é que você ficou sabendo?
R- Não, eu sou, pois é... Minha vó, quando eu cheguei, minha vó já tinha 90 anos, então já, naquele tempo, 90 anos era uma coisa assim... Espetacular. E o meu avô não conheci porque morreu quando papai tinha 2 anos. O outro meu avô morreu com 56, a gente não conheceu também. E a minha avó, quando eu cheguei, já estava no convento. Então não tive convivência com avós.
P1 - Mas quem contava essas histórias eram seus pais...
R- A mamãe, a mamãe sempre...
P1 - Contadora de história...
R- É, é... Ela sempre disse que a gente tinha que guardar o que era bom. Então ela dizia “a vida é uma grande peneira, você guarda tudo que é bom, deixa o que não presta ir embora”, e que sempre que tiver uma coisa boa, lembre, e conte, porque isso vai te fazer uma boa companhia o resto da sua vida.
P1 - Ela falava isso?
R-É. Ela sempre foi uma boa contadora... Tinha uma memória prodigiosa, então ela sempre nos fez lembrar histórias engraçadas, sempre. Então, do mundo nada se leva, assim, sabe, coisa ruim já tchum-tchum, vai embora, e lembra uma coisa boa.
P1 - E religião, vocês tiveram algum tipo de formação religiosa?
R- Fomos, fomos sempre católicos. Mamãe nunca foi carola, e, por incrível que pareça, ela nunca foi. Até uma ocasião, um neto chegou... Teve tempos em que você não podia receber uma pessoa separada em casa: pessoa separou, desquitou, não entra em casa, por que... Não sei... Enfim, porque poderia dar em cima do marido nosso, sabe essas coisas assim? Então... Mas era assim era tipo um pecado. É, mas é engraçado, mas na época não era. E uma prima nossa numa ocasião se separou, tinha casado com um bisca e apanhou um monte de coisa, e acabou se separando. E a mamãe falou “não, eu vou receber”, “Ai, que não pode, que isso que aquilo”, mamãe foi lá falar com o padre que era amigo dela, uma pessoa com uma cabeça ótima, e ele disse “ela se porta bem?”, “lógico, se porta”, então não sei o que, não sei o que, então tudo bem, aí minha mãe falou “é, por que? uma pessoa em uma hora que ela mais tá precisando, meu marido é padrinho dela, eu sou tia e gosto muito, vou bater a porta na cara dela?”, aí falou “eu sabia que se eu falasse que não, você ia receber assim mesmo” . Então ela sempre teve a cabeça aberta, sabe? De uma porção de coisas, assim, que todo mundo achava absurdo, ela sempre achou “não, é muito bom você namorar, viajar com o namorado... tudo, porque assim vocês se conhecem bem”, isso naquela ocasião era o que tinha de absurdo, então ela sempre falava baixinho, pra ninguém saber muito, mas ela tinha, ela era bem afora do tempo, adiante, sabe? Ser pra frente sem ser modernosa.
P1 - E política? Falava-se na sua casa de política?
R- Política... Não muito, não, não muita coisa. Nessa parte, num... Eles foram de 32, entendeu pai... a fábrica trabalhava, a mamãe era enfermeira na época de 32, meu avô era, ahn...
P1 - A sua mãe era enfermeira?
R- Ela foi enfermeira, precisavam de gente na Santa Casa.
P1 - Em 32? Na Revolução da Constitucionalista?
R- É como até hoje. Precisa de enfermeira que nem hoje precisa de enfermeira, precisa de um monte de coisa na Santa Casa. Então ela foi trabalhar na Santa Casa...
P1 - Mas ela foi de voluntária?
R- Voluntária.
P1 - Mas ela já tinha formação de enfermeira?
R- Não, não, ela foi como, como... Ajudante e tal. E meu avô era chefe de quarteirão, Rudolf ele era chefe do quarteirão, ele andava pra ver se tinha alguma coisa de ataque, alguma coisa, ele dava a volta, ficava dando volta no quarteirão - serviço voluntário também.
P1 - Teve isso na revolução de 32?
R- Teve, teve...
P1 - O que ele fazia, ele...
R- Ele era civil, claro, mas ele tomava conta do quarteirão. Então ele ficava à noite, ele dava a volta no quarteirão, pra ver se não tinha ataque, se não tinha coisas assim, né – eram os serviços voluntários que tinha naquela época, na ocasião da Revolução.
P1 - E que festas, tinha festas que comemoravam o Natal, Páscoa, tinha... Que festas você lembra?
R- Sempre, sempre foram muito festeiros. Isso a mamãe herdou, porque o avô dela, ele era muito festeiro, então ele mandava vir da Europa, porque aqui não tinha, vinham caixas e caixas de fogos, ele gostava muito de fogos - e a mamãe nasceu no dia do aniversário dele, então ela sempre, primeira neta, sempre foi muito festejada, então ela cultivou isso com a gente, então ela sempre fez tudo quanto era motivo pra fazer uma festa, sempre, sempre. E a gente fazia, nas festas a gente mesmo ia pra cozinha e fazia as coisas, não tinha esse negocio de chamar Buffet, faz o chef que paga, não: a gente que fazia doce, sanduíche, fazia...fazia...
P1 - Os filhos, todo mundo ajudava...
R- É... Ah, todo mundo ajudava. Tinha até uma história muito interessante, porque uma ocasião faleceu um cientista muito importante, que era amigo de infância da minha mãe, que era aluno do meu avô, e a mamãe foi, entrou no banheiro, tomou banho, chorou, chorou, chorou, saiu com o olho desse tamanho. Aí minha irmã chegou, ela falou assim “cuidada com a mamãe”, eu disse “por quê?”, aí... Ah sim, tem uma historinha antes: porque quando a mamãe explicou pra ela “ah, morreu um amigo meu de muito tempo e tal... ele vinha em casa, a gente brincava, a gente fazia sanduíche junto, e tudo”, aí o meu outro irmão chegou e perguntou “cadê a mamãe?”, ela falou assim “ah, não fala com ela porque morreu um homem que fazia sanduíche” , e ele tinha milhões de prêmios importantíssimos, morreu o homem que fazia sanduíche, coitado, foi posto pra baixo.
P1 - Com quantos anos você entrou na escola?
R- Eu entrei com sete anos, e eu fui pro colégio interno, porque a gente tinha se mudado pra São Carlos e assim, os meninos foram pra campinas e nós fomos pro colégio, nesse colégio de São Carlos, as 5, as 4 meninas.
P1 - Vocês saíram da rua Estados Unidos?
R- É...
P1 - Por que que vocês mudaram?
R- As meninas... É, porque papai estava com problemas na fazenda, ele não conseguia ficar em São Carlos, porque levava horas pra chegar a São Carlos era uma viagem quase que intercontinental, porque a estrada era péssima, os carros eram péssimos, e tudo. E então para o papai ficar na fazenda e a mamãe sozinha com as crianças aqui era complicado, sete, e aí, então nós mudamos todos pra São Carlos, e aí fomos internos.
P1 - O que ele fez com a casa?
R- A casa ficou parada e tudo, quando a gente vinha de férias e tal. E depois venderam a casa... e aí nós fomos para a rua Tamanás, aqui pertinho.
P1 - E aí as meninas, você estava falando, foram pro colégio...
R- É, pra colégio em São Carlos, e os meninos ficaram no Diocesano em Campinas.
P1 - O de São Carlos como é que era o nome?
R- Colégio São Carlos, que era das freiras sacramentinas.
P1 - Até quanto tempo você ficou nesse colégio?
R- Nós ficamos dois anos internos, depois que a gente veio pra cá... Aí eu fui, ficamos um ano no Sion, onde a minha avó era freira – mas é impossível se você vai bem num colégio de freira, cuja avó tá lá, “ah, foi proteção”, se você vai mal, “filha, neta de freira tinha que estudar mais”, então a gente não aguentou e fomos pro Porto Seguro, que é um colégio alemão.
P1 - É, deixa eu voltar um pouquinho... Então você entrou nesse colégio com sete anos, o São Carlos... E como é que foi esse período, você lembra-se desse período de internato?
R- É... Ai, horrível, péssimo, porque só, internas só podiam entrar no ginásio, mas como nós éramos várias conseguiram que a gente fosse então eu era a única pessoa do primário que era interna. Então não tinha, tinha um sistema de corte de informações que era: “interna não fala com externa”, porque a mais velha fica: o irmão de uma namora com a outra, sabe, aquelas coisas assim, então, interna não podia falar com externa. E eu não tinha com quem falar né, porque nessas alturas, eu era sozinha, era a única do colégio que era interna no primário.
P1 - Suas irmãs estavam lá?
R- Sim, mas elas já estavam no ginásio. Então já atrapalhava tudo.
P1 - Como você se sentia sozinha lá?
R- Olha, marcou bastante... Mas não matou. Entendeu, mas eu aprendi bastante, aprendi a me defender bem, que eu jogava queimada com as meninas grande, então eu levava bolada e não podia chorar, porque se chorasse saía do jogo, então a gente, eu aprendi a me defender bem .
P1 - Algum professor, alguma professora, que você lembra dessa época?
R- Eu lembro muito pouco...
P1 - Alguma freira...
R- Foi meio, meio que apagado, isso daí assim, não tenho muita vontade de lembrar, porque foi uma época minha chata. Na fazenda não, eu lembro bastante, mas do colégio não tem...
P1 - E da fazenda?
R- Ah, na fazenda era muito bom, era fazenda de cana. E a gente ia sempre, corria pra ir ver, tirar leite de vaca, e a gente andava a cavalo, e fazia todas as estripulias que dá pra fazer em fazenda, tudo que podia e o que não podia a gente fazia – era muito bom: tinha fruta de tudo quanto era tipo... E quando a gente estava no colégio, papai mandava assim, caixas de manga, caixas de goiaba, monte de cana, monte de não-sei-o-que, monte de coisa que tinha lá na fazendo, pro colégio. Logicamente, a gente não poderia sair todo fim de semana, mas quando papai podia buscar, a gente ia; então a gente saía mais do que os outros, porque a gente fornecia muita coisa, levava doce de goiabada, doce de abóbora, doce de não-sei-o-que, então as freiras deixavam... Era uma coisa meio fora da lei, mas dava certo .
P1 - Aí você ficou 2 anos nesse colégio, aí vocês voltaram pra São Paulo?
R- É... Aí viemos pra cá.
P1 - Aí porque a situação da fazenda tinha se regularizado? Por que decidiu voltar?
R- Não, é papai vendeu a fazenda, vendeu a fazenda e a gente veio pra cá.
P1 - E a fábrica de tapetes?
R- Então, ele vendeu a fábrica de tapetes, comprou a fazenda, e daí a gente foi pra lá... É isso aí.
P1 - Não, ele vendeu a fazenda?
R- Primeiro vendeu a fábrica de tapetes, comprou a fazenda; depois a gente ficou lá, sei lá, acho que uns nove anos, daí...
P1 - Ah, foram nove anos?
R- É de fazenda foi.
P1 - Ah, interno só dois...
R- É...
P1 - Mas aí não foi depois de dois anos que vocês vieram pra São Paulo?
R- É, então, a gente, papai comprou a fazenda, ele ia, voltava, ia e voltava, mas isso estava ficando ruim, então...
P1 - Vocês moraram lá dois anos, então...
R- Dois anos lá...
P1 - Aí quando vocês voltaram pra cá, vocês voltaram pra rua...
R- Pr’aqui pra Tamanás, aqui pertinho, no Alto de Pinheiros.
P1 - E seu pai veio fazer o que?
R- Aí ele já estava, já estava mais velho... porque a gente mudou em 53, ele já tinha 53 anos, naquele tempo 53 anos já era uma aposentadoria. Ele já, o irmão dele morreu com 50, o outro... Não se durava muito ele foi até 84, mas a... Mas aí ele tinha os negócios, ele investia bastante em imóveis, e aí ele gostava muito desse tipo, comprava terra, loteava galpão, vendia essas coisas...
P1 - E como é que foi essa volta pra São Paulo? Qual foi sua impressão?
R- Ah, foi ótima. Foi ótima porque a gente estava a família toda junta os meninos que estavam em Campinas, junto com a gente. E só de você sair de colégio interno, que é muito chato, pra ficar junto em colégio semi-interno, Sion era semi-interno, já era uma maravilha; depois no Porto Seguro já era externato, era só período da manhã.
P1 - E aqui em São Paulo, como é que foi a adaptação, vocês quiseram morar em casa?
R- É...
P1 - Você lembra-se dessa casa?
R- Ah, lembro, lembro muito, muito...
P1 - Como é que era?
R- Ah, uma casa grande. Essas casas todas aqui de Alto de Pinheiros, são umas casas grandes, pra caber a família toda, então as meninas eram mais velhas e aqui era muito gostoso, Alto de Pinheiros era um bairro muito bom. Como nós éramos muitos, a meninada se reunia toda na porta de casa – até uma ocasião mamãe foi a um chá de uma amiga e a outra perguntou “você quer carona”, “quero”, “onde você mora”, “Tamanás, tudo bem”, “ah, perto do clube”, mamãe disse: “não, não tem clube”, “tem clube, não tem?”, aí mamãe chegou, tinham 35 bicicletas na porta de casa, ela falou “é, realmente tem um clube” . Porque, a gente tinha um janelão imenso, tinha um jardim de inverno grande na frente e chão de mármore e a gente abria o janelão, o pessoal entrava e a gente ficava treinando dança, pra poder competir com o pessoal que era do Sumaré – porque Alto de Pinheiros e Sumaré não batia, as turmas de lá e de cá então a gente tinha que treinar e saber mais que eles então era bem divertido, a gente ficava a semana inteira treinando .
P1 - E como é que era Alto de Pinheiros nessa época, Pinheiros...
R- Era muito gostoso... A gente jogava na rua, a gente era, os meninos jogava futebol, a gente jogava queimada, pulava corda, amarelinha, tudo no meio da rua. Era muito gostoso.
P1 - E quando você estudou no Sion, você estava com quantos anos, 9, 10?
R- Nove.
P1 - Nove anos, e aí com 10 você foi pro Porto Seguro?
R- Pro Porto Seguro.
P1 - Como é que foi essa mudança? Do Sion é por que...
R - É, meio assustador... Porque o...
P1 - Saiu de colégio de freira...
R- É não... A gente chegou, era de freira e tal, mas o tipo alemão é um tipo bem diferente, eles são o alemão, eles são muito verdadeiros então se ele acha que você tá com uma blusa feia, ele fala: “é horrível a sua blusa”, mas não é porque ele quer te ofender, ele quer que você não use aquela, aquela azul que você usa é muito mais bonita essa é horrível, entendeu? Ele fala na tua cara, e qualquer coisa ele fala. Então, mas é pra ajudar, não é uma coisa pra ofender, entende, eles são diferentes, eles são... É um tipo diferente.
P1 - E foi... Os seus pais, seu pai que escolheu o colégio alemão, sua mãe, por causa da origem dela?
R- A mamãe é, a mamãe...
P1 - Por conta do seu avô?
R-É.
P1 - Sua mãe falava alemão?
R- Ela falava muito bem até uns 5 anos, mais ou menos, que eles tinham até uma fräulein, que era uma babá... e ela falava bem alemão, mas aí veio a guerra, era proibido falar alemão, e então ela parou de falar. Mas ela entendia bem, entendia. Ela falava muito bem francês, porque estudou a vida inteira dela no Sion, e quando ela estudou, o Sion só se falava francês, eles tinham aula de Português em português e História do Brasil em português, o resto era tudo, brincava, tudo em francês – então ela falava muito bem francês. Sem sotaque nenhum, porque as freiras todas eram, eram parisienses, eram todas, todas francesas mesmo, então elas aprenderam com o sotaque de francês é, perfeito.
P1 - E esse período do Porto Seguro, como é que foi começar a aprender alemão? Seus irmãos, eles foram, chegaram a ir pra lá?
R- Todos fomos pra lá.
P1 - Vocês falavam alemão em casa?
R- Não... Não, não, não. O que foi uma pena, mas a gente não falava. Mas foi, é um colégio muito forte, sempre foi muito forte, então quando a gente saiu de lá, qualquer colégio que você entrasse você entrava bem de Português, de Matemática, de História, porque é muito puxado: eles eram muito, muito severos, em matéria de lição, de trabalho, essas coisas assim, não tinha discussão – era um regime bem, bem de medo mesmo: passava o diretor a gente se encolhia assim , pra ele não nos ver, porque tinha medo. Não sei se a gente achava que ele ia matar o que ele ia fazer, mas era uma coisa, tudo... E aí ele passava e a gente ficava assim ó: “tomara que ele não veja, tomara que ele não veja”, era mais ou menos assim. Mas era, e deu pra gente uma formação fantástica, fantástica mesmo.
P1 - Tem alguma professora que você lembra o nome... que tenha te marcado... Um professor?
R- Ah, tem, teve vários, vários fantásticos: o professor Lélio, ele chegou a ser diretor de lá; tem vários professores, tinha o Ackmann, que era um professor inteligentíssimo, ele tinha uma cultura enorme; um outro que foi, que era um cientista, e também, é... Eu tô vendo ele na minha frente e não tô conseguindo lembrar o nome é... E o Pit, que esse também, ele passou, ele estava na Alemanha Oriental, e aí ele fugiu; então pra gente ele passava histórias que até hoje eu lembro como se fosse hoje, assim, uma coisa marcante as histórias de guerra não são só histórias tristes, são histórias que você, de muito amadurecimento. O Porto Seguro tinha uma coisa que era fantástica, ele proibia, ele falava pra você: “escolhe cinco roupas, essas cinco roupas vão te acompanhar” – por quê? As pessoas que vinham da Alemanha, da Guerra, porque eu já sou de 44, período da Guerra, eles vinham sem dinheiro, nenhum, então fulano era um grande industrial, chegava aqui ia ser chacareiro, porque ele não tinha o que fazer então ele ia lá, fazia móveis, porque ele tinha conhecimentos de marcenaria porque ele era uma pessoa culta. Então ele ia fazendo coisas, até que depois foram subindo, depois ficaram, voltaram a ser industriais, voltaram porque tinham cultura, né – isso que até agora não entenderam, que o Brasil tendo cultura vai pra frente. E então, é só isso que falta, educação e cultura, com isso você vai a qualquer lugar do mundo. Então, eles saíram de lá com uma mão na frente outra atrás, mas eles tinham muita coisa na cabeça. Então, eles conseguiram porque eles tinham coisa na cabeça. Então isso foi uma coisa que me marcou muito, que eu nunca tive medo de nada, porque eu sempre soube que se eu tivesse com a minha cabeça inteira eu podia fazer qualquer coisa. Isso é uma coisa que eu acho que tinha que pôr na cabeça dos brasileiros isso, se você tiver nada, mas tiver uma cabeça, você vai longe... Né? Então essa foi acho que a coisa que mais me marcou.
P1 - Teve essa formação...
R- É, acho que foi a coisa que mais me marcou no, no... Nisso daí.
P1 - E amigas dessa época, você tinha amigos na escola...?
R- Tem. Ontem mesmo eu falei com uma. E interessante porque, essa, a cultura alemã, é uma coisa bem particular, é um clubinho mesmo, é uma coisa... Eles são muito, muito fechados. E como eu sou Vornehmering, vornehm é “nobre” né, então... Eu mesmo não falando alemão, você tinha uma diferenciação, sabe? Uma coisa, assim, engraçada isso. Não sei se é engraçado, mas é uma coisa que acontecia. Mas eu sei que os alemães são muito, muito, muito fechados, muito, muito fechados, e eles têm uma maneira de viver bem diferente dos brasileiros em geral, e quem conviveu entende, porque eles têm uma maneira de se expressar, de falar, bastante... Própria, bastante própria. E eu tenho ainda amigos dessa época.
P1 - Como é que vocês iam pra escola?
R- Ah, íamos de carro.
P1 - Mas a sua mãe que levava, tinha um motorista?
R- Não, a gente... Não, mamãe nunca dirigiu, mas meu irmão mais velho já dirigia, e pra ter sete, tinha que ser uma Kombi não existia outro carro, então a gente saía de Kombi. O que era muito bom ter Kombi, em quando era festa, porque a gente ia com os vestidos bem, assim, bem rodados e a gente ia assim, nada amassava, podia ir bastante gente e tal.
P1 - Vocês iam a festinhas?
R- Ah, muito, muito. A gente ia... tinha, todo fim de semana a gente tinha festa pra ir. E baile baile de formatura, então, era uma loucura.
P1 - Mas aí você já estava adolescente?
R- É, a gente ia a tudo quanto era baile de formatura, ia em todos os lugares – e era muito divertido.
P1 - Você gostava de dançar?
R- Ah, todo mundo gostava de dançar, e depois a gente, todo mundo ia, então você tinha que ir porque você sabia de tudo o que acontecia – você pode imaginar o que fervia né .
P1 - Como é que eram as roupas?
R- Bom, naquele tempo a gente tinha que, era, vestido de baile era vestido de baile, você tinha que ir com um vestido comprido. Mas não era como é hoje, você podia ir com o mesmo vestido várias vezes então não era assim que você toda vez tinha que ir com uma roupa nova, você tinha que... A gente podia repetir vestido, então a gente tinha uns três, que punha 1-2-3, 1-2-3, 3-2-1 , e assim a gente ...
P1 - Trocavam roupa as irmãs?
R- Ah, sim, bolsa, sapato, brigas, mas tudo bem ...
P1 - Tinha briga por causa...
R- Ah, lógico, porque você pegou meu casaco, você perdeu, sujou, fez não sei o que, é aquelas coisas de irmã mesmo. Mas sempre trocamos tudo.
P1 - E você tinha algum paquerinha nessa época, algum...
R- Tinha o que?
P1 - Paquera, namorado...
R- Ah, todo mundo. Lógico que tem que ter. E...
P1 - Quem foi o primeiro que você... Se empolgou.
R- Ah, mas era daquele de olhar primeiro é de olhar: você olhava assim, e depois você chegava pra fulana: “você vai lá, mas então você olha ele pra mim?”, então era umas coisas assim, meio esquisitas . “Você olha ele pra mim?”, daí você falava: “eu vi, ele tava de camisa azul e tal, e tal”, “ele tava com alguém?”, “tava não sei o que”... ah, era uns negócios meio assim. Mas é, o que era divertido nessa turma é porque a gente ia, a gente ia de bando em tudo quanto era lugar, então saía daqui, ia pro Pinheiros – a gente ia a pé.
P1 - Pro clube, você frequentava o clube Pinheiros?
R- Pro clube Pinheiros, é. A gente ia a pé, a gente muitas vezes, muitas vezes ia a pé pro baile do Pinheiros e voltava a pé a noite – com colarzinho de perola, brinquinho de pérola, pulseirinha não-sei-o-que, os meninos de smoking, a gente de vestido de baile andando assim na rua – a gente vinha a pé: quatro horas da manhã, dava pra andar a pé. Era bem gostoso.
P1 - E você lembra das musicas que tocavam, que que você gostava de ouvir?
R- Ah, tudo, tudo... Era de Ray Conniff pra frente. Aí tinha depois esses, era Johnny Ray, eram coisas assim, muita coisa assim – ah, lembro. Ah, mas isso... é, o Silvio Mazzuca, que era o, a orquestra dele, era o, aquele outro que... Os Malignani, todos os bailes tinham orquestra.
P1 - Tinha uma música que te marcou, assim, na adolescência?
R- “Only youu...” . Essa daí acho que foi de todo mundo da época, era muito gostoso.
P1 - E que outros lugares, você já tava no Porto Seguro, ia no Pinheiros... cinema... por onde vocês passavam em São Paulo?
R- Cinema. É, cinema tinha o circuito da Metro então quando a gente tava com preguiça, a gente via no Cinejardim que era aqui na Fradique Coutinho. Ou a gente ia lá no Marajá, ou no Cinepaulista, porque lá na Augusta era point então a gente tinha que ficar andando ali, por ali, Cinemajestic também, que era na Augusta, então todo sábado e domingo tinha que se bater posto na Augusta, porque era onde todo mundo estava, onde todas as fofocas aconteciam... Era muito bom.
P1 - E na sua adolescência, assim, tinha alguma expectativa dos seus pais pra que você seguisse alguma carreira? Você tinha algum desejo, “ah, quero ser tal coisa quando crescer”?
R- Ah, eu tinha vontade de fazer Direito, mas no fim não deu certo e eu fui fazer, não, a mamãe me obrigou a fazer Secretariado, porque eu falei que ia fazer Clássico, ela falou “isso não dá diploma, então você vai fazer Secretariado”, minhas duas irmãs tinham feito. Fiz um ano e meio, não suportei, aí eu fiz Madureza, que é supletivo hoje, né; terminei, aí eu fui fazer Comunicações, foi a primeira turma da FAAP, eu fiz Jornalismo e Publicidade e Propaganda.
P1 - Por que que você escolheu, por que você abandonou Direito e foi pra Comunicação?
R- Olha, eu tinha uma amiga, que ela além de inteligente, ela era muito culta, ela falava quatro línguas perfeitamente. E ela tava, assim, estudando... Eu tinha ido pros Estados Unidos quando nasceu minha sobrinha, pra dar uma mão pra minha irmã; quando eu voltei, todos os vestibulares já tinham sido, mas, e aí eu não sabia o que fazer, e ela falou “não, você vai estudar comigo, vamos lá”, aí terminei a Madureza, com ela, ela era assim, de muita força e falava e cobrava “você já leu Machado de Assis? Então leia porque eu vou tomar de você”, era mais ou menos assim, e era amiga mesmo, isso é amiga. E aí me fez Madureza, nós fizemos Madureza, e aí eu fui fazer, surgiu, ela falou “surgiu Comunicações”, não existia, ninguém sabia o que era. Aí eu falei assim, “ah, legal”, aí eu achei que era uma coisa legal, aí fui lá pra FAAP e aí fiz uma a noite, outra de tarde... foi muito joia.
P1 - Eram dois anos?
R- Não, não, são quatro anos.
P1 - Mas que que era um de manha e um a tarde?
R- Eu fazia Publicidade de manhã, Publicidade e Propaganda de manhã, de noite eu fazia Jornalismo.
P1 - Você fazia os dois cursos na FAAP?
R- É, e de tarde eu trabalhava numa galeria de arte.
P1 - Com quantos anos você começou a trabalhar?
R- Eu...
P1 - Quando você entrou na faculdade?
R- É, é, acho que eu tinha 20...20, 21.
P1 - Como é que era a FAAP naquele momento? Como é que era o curso, por ser a primeira turma?
R- Era muito bom. Porque só tinha na FAAP o curso de Artes Plásticas, e Artes Plásticas era só bicho-grilo, e tal. E aí quando começou a Comunicação, ninguém sabia bem o que que ia ser, nem a FAAP, nem a USP – os dois montaram juntos. Então fazia um currículo pro primeiro ano, daí eles pegaram “não, não é bem isso, a gente vai fazer outra coisa”, daí no outro ano fazia outro, daí não, assim foi... nós tivemos que fazer seis meses depois de terminado os quatro anos, pra suprir matéria, a gente teve 14 matérias desnecessárias, desnecessária entre aspas, pra ter 8 que faltavam, entendeu; então eu só pude me formar em junho do outro ano, porque a gente tinha que cumprir um currículo que depois foi estabelecido. Mas era muito bom.
P1 - Como é que você ia da FAAP pra sua casa?
R- De carro.
P1 - Você já tinha um carro?
R- Tinha, tinha um fusquinha, e aí andava pelo mundo porque tudo que eu fazia não dava pra fazer a pé. Então ia de coisa, de...
P1 - Quem eram os primeiros professores da FAAP, desse começo da FAAP?
R- Ah, tinham professores... eram fantásticos.
P1 - Você lembra o nome deles?
R- Lembro, lembro... Tinha um que era tcheco, chamava Flusser, ele era um filósofo, era um, uma pessoa de uma cabeça fantástica. Depois tinha um outro que era apaixonante, apaixonante mesmo, ele dava aula de Direito, Rocha Barros, esse não dá pra perder a aula dele, era, era assim, uma coisa deliciosa. Tinha o professor Santana que dava Português, que era muito bom, ele era muito bom, ele era... ele escrevia muito bem. Tinha gente muito boa, muito, muito boa.
P1 - Você queria seguir, fazer comunicação, propagandas, você foi formando como?
R- Então, aí é... porque Comunicação ninguém sabia o que era bem, mas mais ou menos se tinha ideia.
P1 - Que ano que é isso?
R- Isso foi em 66...
P1 - Foi aí que começou a FAAP, em Comunicação.
R- É, é, 66. Então ninguém sabia bem: o tiro dava, mas não sabia que que ia acertar, entendeu, era uma coisa assim. E a gente tinha um contato porque as turmas eram pequenas, e como ninguém sabia bem o que ia acontecer, nós tivemos o privilégio de ter um contato muito estreito com os professores. Então tinha, Maurício Tragtenberg, que era uma cabeça fantástica – então que que a gente fazia, a gente ia fazer trabalho dele na casa dele, ele tinha um biblioteca enorme da casa dele, ele dizia assim “ó, você precisa ler esse livro aqui; ó, esse pedaço aqui que você tem que fazer e tal”, aí tem que fazer não sei o que... Era uma coisa impressionante, a gente ia na casa dele fazer trabalho, dele, da matéria dele, sabe? Tinha o Epstein também, que era uma pessoa fantástica, e que a gente se reunia, fazia assim, juntava como se ele fosse da gente. Aí eu adorava também a efervescência, então eu ficava, tinha uma amiga que fazia jornalismo em Santos, então eu vivia achando jeito de palestra: então catava professor, botava no carro, “vamos pra fazer palestra em Santos”, era uma loucura: ia lá, fazia palestra e tal, ia comer uma pizza, não sei o que, não sei o que, voltava pra São Paulo. E assim a gente fez, a gente tinha um relacionamento muito estreito com eles, que não era de professor e aluno, era uma, era uma coisa muito mais gostosa que isso. Então foi uma, foi muito bom. Foi muito bom mesmo.
P1 - E na galeria, como que você foi trabalhar na galeria? Como que surgiu essa oportunidade?
R- Ah, era ótima. Eu gostava... A galeria chamava Cosme Velho, ela era na Alameda Lorena e ela era de um arquiteto, muito famoso, que chama César Luis Pires de Mello, e ele era amigo da minha irmã mais velha. E eles tavam precisando de uma secretária, então fui trabalhar lá. Mas ali eu convivia com o que tinha de melhor de artista tinha Dupret, tinha Di Cavalcanti, tinha Gruber, tinha Grassman, tinha todo mundo, que ia lá tomar café, bater papo, fazer não sei o que. Então eu consegui ter uma convivência gostosa, eu era secretária lá e aí eu servi cafezinho, fazia não sei o que, não sei o que, mas você ficava escutando prosa era muito bom, porque só de gente inteligente, uma coisa mas deliciosa. Então eu aproveitei muito, muito, muito mesmo. Aprendi bastante, porque também não podia passar por burra tinha que estudar um pouquinho, né .
P1 - Você foi estudar arte?
R- É, essa... Você tem que, você tem que estudar um pouquinho, porque senão a pessoa pergunta e você fica com cara de boba olhando aquele quadro, falando, “sabe, também não tô entendendo nada”. Então você tinha que se esforçar um pouquinho pra poder... porque quando eles não estavam, a gente passeava com as pessoas pela galeria, e tal, e então você tinha que dar alguma explicação, além de falar preço e obra tinha que saber alguma coisa. Então conheci muita gente boa, muita gente importante, no sentido de... Importante pra mim, entendeu, importante, mas mais importante pra mim, que me acrescentou bastante.
P1 - Você chegou a ficar amiga das pessoas, nessa galeria?
R- Não, eu era uma funcionária tinha uma certa diferença, mas... tinha um relacionamento e tal, porque você tem educação, você sabe tratar as pessoas e tal, e tal...
P1 - Quem eram os donos da galeria?
R- César Luis Pires de Mello, o Arnaldo Grostein e o Flávio Almeida Prado... que eram os donos. Meu relacionamento maior é com o César, que foi meu padrinho de casamento; a mulher dele era uma pessoa maravilhosa.
P1 - Que você conheceu nessa época?
R- É, eu já conhecia antes porque era amigo da minha irmã. Mas a Teresa, a mulher dele, era um espetáculo de pessoa: culta, inteligente, e preparada, sabe? Então era um papo que não dá pra largar; então era patrão, uma coisa assim, que eu ia lá mais pra me aproveitar deles, entendeu, as experiências, os papos, e tudo...
P1 - Quanto tempo você ficou na galeria?
R- Ah, eu fiquei uns 3 anos. Daí eu fui trabalhar um pouquinho na Abril, mas foi pouca coisa, pra cumprir currículo.
P1 - Fazer estágio...
R- Fazer estágio... Fiz um pouco mas foi gostoso, lá num departamento delicioso: o DEDOC, aquele de documentação. Então você fica catando notícia de tudo quanto é lugar pra preparar pro jornalista, então, sei lá, “desastre de trem”, você vai catar, “antenas em Jundiaí”, então você vai procurar tudo que tem, não sei o que, não sei o que, você junta um monte de coisa pra ajudar o jornalista já a fazer matéria. Então é muito gostoso, você acabava tendo que se informar sem querer, muito bom.
P1 - E que lugares de São Paulo você frequentava nessa época da faculdade?
R- Belas Artes, pois não, ali era o lugar que todo mundo ia; pro cinema ali no Trianon. Então era assim, uma delícia, juntava todo mundo; esse a gente não podia às vezes entrar no Belas Artes porque tava cabulando aula, então tinha uma farmácia que guardava a mala da gente e tudo, a gente entrava com cara de mocinha que ia no cinema. Era muito bom; muito a gente aproveitou de cinema e de arte, mas muito aproveitamos as pizzas, as caipirinhas, os chopes ...
P1 - Que bares que eram?
R- Tinham vários... Tinha aquele que a gente ia muito na, ali na... a Maria Antônia desce a, onde era o antigo Rio Branco... a rua Doutor Vila Nova, ali. Ali tinha um bar sujo e imundo, nojento, aonde todo mundo ia tomar caipirinha – não cabia ninguém, mas era o lugar onde a gente se encontrava, sempre. Era muito bom, porque vinha, descia o pessoal do Mackenzie, descia, a gente era da FAAP ia pra lá, ia não sei o que, a rua ficava meio tomada assim, quase uma manifestação. E ali era muito gostoso.
P1 - Nesse período você tinha alguma participação política?
R- Eu fui da, do... do Centro Acadêmico, eu era do Centro Acadêmico. É, aquela época fervia tudo em termos de política, porque 64 tinha acabado de ser então era tudo “não pode isso, não pode aquilo” e tal, e não sei mais o que, mas a gente fazia, não tinha problema nenhum.
P1 - Que que o Centro Acadêmico fazia?
R- Ah, a gente fazia reunião, a gente fazia... não se resolvia nada na realidade, a gente não resolvia nada, mas a gente reunia muito . Discutir isso, discutir aquilo, e tudo.
P1 - Você tinha namorado nessa época?
R- Tinha, tinha, é lógico né, também não era tão feia. Nesse momento dava pra... Tinha namorado, sim...
P1 - Ele era da FAAP?
R- É, era da FAAP. Depois que eu conheci meu marido, e aí a gente começou a namorar, e aí eu, no fim da faculdade, eu casei.
P1 - Foi nesse período que você conheceu seu marido?
R-: É, a gente...
P1 - Você estava no DEDOC ainda?
R- Estava saindo de lá, e daí eu fiquei um pouquinho na Abril, depois eu saí, aí tinha que ver porque começou a construir uma casa em Campinas, e tudo, então eu parei de trabalhar, só fiquei na faculdade.
P1 - Como que vocês se conheceram?
R- A história é ótima. A minha mãe foi ao enterro de uma amiga dela, que, e essa senhora era diretora numa empresa onde ele trabalha. Então foi muito lindo, porque tava do lado de cá do túmulo, ele do lado de lá do túmulo . Foi muito bonito essa parte. Mas a gente começou a namorar no dia dos Mortos tá, então tudo bem, bem depois.
P1 - Mas vocês se olharam e aí?
R- Aí eu fiquei bem interessada. BEM interessada. E ele trabalhava com o meu cunhado, e então a minha irmã achou por bem, tinha uma noiva, separou, desmanchou o noivado e tal. E aí um dia a minha irmã organizou um jantar, ela falou: “ah, eles vão ficar só falando de banco, não sei o que, não sei o que, vem pra cá ajudar a conversar” - e não tinha nada, porque minha prima com a irmã dele já tinha ajeitado tudo, mas não precisou ajeitar muito, não, porque a gente se virou bem.
P1 - Aí vocês começaram a namorar...
R- Um ano e meio a gente casou.
P1 - E foram morar em Campinas? Por que Campinas?
R- Fomos morar em Campinas – porque ele é de Campinas, e ele trabalhava em Campinas.
P1 - O que ele é, qual que era a formação dele?
R- Ele é químico, mas depois ele ficou no mercado de capitais.
P1 - É ele trabalhava em Campinas...
R- É, trabalhava num braço do, que era União de Bancos Brasileiros, que virou Unibanco, e ele trabalhava numa parte de investimento e... como é que chama isso? Eles começaram a fazer, incentivar as empresas de eletrodomésticos a vender a prestação, então eles faziam crediário. A palavra era, que faltava, era crediário, chamava Credicard, não, Credi... qualquer coisa, agora não lembro.
P1 - Aí você saiu do DEDOC, se formou aqui, se mudou pra Campinas. Como é que foi pra você mudar pra Campinas?
R- Pois é, eu já fiquei grávida e daí já morava na casa da minha sogra, que a minha casa não estava pronta, então fui terminar a construção, então não trabalhei mais. Aí eu fiquei lá – não foi muito bom. Minha irmã morava em Campinas, a mais velha morava em Campinas, e a família toda dele, então a adaptação foi muito fácil, porque eu já conhecia muita gente, a cidade era boa de morar. Então foi muito bom, a gente ficou lá um tempo, depois a gente voltou pra São Paulo.
P1 - Quanto tempo você ficou lá?
R- A gente ficou dois anos em Campinas, viemos pra cá, depois a gente teve uma recaída, voltamos pra Campinas, ficamos mais dois anos, depois voltamos pra cá outra vez.
P1 - E você, como foi essa, seu filho nasceu que ano?
R-: Ahn, 71.
P1 - Como que é o nome dele?
R- Ricardo.
P1 - E essa experiência de ser mãe, como é que foi a gravidez...?
R- Ah, foi, foi muito bom. Passei muito bem e... tudo. Já no fim da gravidez, bem no fim da gravidez, a gente foi pra argentina, aí a gente saiu andando, andando, andando, andando, eu quase tive a criança no meio do parque, porque uma hora a minha perna assentou e, a gente nem percebia, eu nem percebi que tava grávida, nem nada, voltamos pra cá e, logo depois ele nasceu. Foi muito bom...
P1 - Aí você mudou pra São Paulo? Esse período que você voltou pra São Paulo, você tinha vontade de voltar a trabalhar?
R- Pois é, eu tinha, mas as crianças eram muito pequenas.
P1 - Ah, porque nasceu outro? Nasceu na sequência, qual foi o intervalo?
R-: São três. Tem o Ricardo, Rafael. É, do Ricardo pro Rafael tem um ano e... um ano e meio. E o Eduardo são três anos, mas aí ficou, não sei, ficou meio complicado de começar a trabalhar, não sei. Depois só que eu vim a trabalhar, quando o Eduardo já tava com 2 anos. Aí a gente foi pro ramo de alimentos de verdade, nós tínhamos uma empresa de alimentos congelados.
P1 - Vocês, é... Quando que vocês construíram essa empresa?
R- De congelados? Ah, não sei fazer conta... O Eduardo tinha, 2 anos, 3 anos... Ai, faz a conta, ele tem 36 agora, tira 3 anos daí...
P1 - 34 anos...
R-: É, 33, exatamente...
P1 - E por que vocês tiveram essa decisão de construir essa empresa de congelados?
R- Porque, ai, essa pergunta é bem difícil, vai corta mesmo, mas é bem difícil de responder. Porque eu tinha...
P1 - Vai cortar? Ah... desculpa, eu achei que ele fosse cortar
R- Não, tudo bem, depois corta, vai.
P1 - Você quer que corte? Você não quer que grave esse trecho?
R- Não, não, depois você fica olhando pra cima, sem saber o que responder.
P1 - Não tem problema, isso faz parte da entrevista, fica à vontade.
R- Então... mas a, eu não sei te dizer já o motivo de porquê que a gente resolveu fazer isso, quem sabe porque eu também tava sem o que fazer, comecei a trabalhar com isso. E aí foi crescendo...
P1 - Mas tinha alguém que já trabalhava com isso, que vocês já conheciam?
R- Não, sempre gostei de cozinhar... A história é assim, uma irmã morava em, uma das minhas irmãs morava nos Estados Unidos, e lá eu conheci congelado fiquei encantada com tudo e tal. Fiz até um curso lá, de congelado e tudo, que eu nunca tinha visto. Aí mamãe já comprou um freezer aqui, acho que foi o primeiro freezer de São Paulo foi da mamãe. Aí porque a gente, nós somos muitos, então quando você tem muita gente em casa, é assim: tem três pra almoçar, daqui a pouco, quatro, cinco, seis, sete, doze, entendeu? Se você tem um almoço pra três, dá pra você... de uma hora pra outra é doze. Então era uma mão na roda, você tirava uma coisa, e descongelava e tudo bem, aí punha na mesa ainda não existia micro-ondas nessa ocasião. E então a gente resolveu fazer isso, mas eu acho que a coisa foi um pouco antes do, foi um pouco adiantado do tempo, sabe? As pessoas não tavam preparadas para o congelado, como tão agora, necessitadas, porque hoje em dia você tem uma cozinheira mais difícil, você... as pessoas já trabalham; então, digamos que a gente foi 20 anos antes da época que deveria ser. A gente tem hoje pessoas que a gente encontra e fala “ai, eu me lembro da torta que você fazia, porque nunca mais eu comi”, mas, ahn, a pessoa comprava uma vez, depois comprava outra vez: não era uma coisa de necessidade, tá. Hoje seria diferente.
P1 - Como é que era o nome da empresa?
R- Chamava-se “Tá Prontinha”.
P1 - E como é que era, como é que vocês dividiam as tarefas?
R- Não, a gente tinha uma casa que a gente alugou pra poder fazer isso, a gente tinha funcionários e tudo...
P1 - Foi lá em Campinas?
R- Aqui em São Paulo.
P1 - Aqui em São Paulo... que lugar que era?
R- Bem perto de casa mesmo… porque a gente mora perto de onde é a nossa empresa hoje, a gente mora na Vila Represa, a empresa fica a 700 metros da casa.
P1 - Vila Represa onde é que é?
R- Perto do, depois de Interlagos.
P1 - Você já tava morando, aí vocês tavam morando lá?
R- É, já. E aí a gente mudou pra essa casa quando o Eduardo tava com 2 anos.
P1 - Aí vocês dois viraram sócios?
R- Depois ele ficou sócio...
P1 - Ou ele continuou o trabalho dele?
R- Não, não, depois ele ficou sócio: a coisa foi crescendo, ficou sócio.
P1 - Como é que foi, você fazia o que na empresa? Nesse comecinho, como é que foi?
R- Bom, primeiro eu, como é que, de avental mesmo, mão na massa . E aí fomos conseguindo funcionários.
P1 - Que pratos que vocês faziam?
R- Ah, todos que você pode imaginar, a gente tinha uma quantidade enorme: o mais forte era lasanha... como é que é, tortas várias, de camarão, de palmito, de queijo... quiches a gente fazia; pizza; tudo que você tá vendo hoje no supermercado, a gente já tinha, por exemplo, salgadinhos, a gente lançou salgadinho, ninguém tinha salgadinho, esfiha, kibe, coxinha, bolinha de queijo, essas coisas assim, nós lançamos isso no mercado. Conversando com o rapaz da Sadia, um dia eu disse pra ele, por que que eles não faziam pizza?, porque era uma coisa muito alegre um mês depois a Sadia lançou pizza – eu podia ter ganho dinheiro com isso.
P1 - E como é que foi crescendo, por que você acha que foi crescendo?
R-: Não, foi crescendo, ficamos grandes, a gente foi e aí...
P1 - Mas por que que você acha que foi crescendo?
R- Porque a comida era boa e um fala pro outro, um fala pro outro, não foi, assim, de propaganda não, é mesmo de boca-a-boca. E depois apareceu uma empresa que era da Sal Cisne, chamava Hals Freezer, e ela foi também precursora, ela entregava comidas em casa, vários tipos de coisas, geladas e congeladas em casa – era uma empresa grande, eles tinham um depósito enorme. Aí eles começaram a comprar muito, e aí nós começamos a ficar com eles como grande, digamos, 70% da nossa produção era deles, ou 80%, eles compravam muito. Aí veio o Plano Cruzado, e acabou, eles fecharam a Hals Freezer e a gente teve que, também, mandar todo mundo embora, porque...
P1 - Quantos funcionários vocês tinham?
R- Ah, acho que a gente tinha uns vinte funcionários. Era bastante, daí de uma hora pra outra, você vendia assim, sei lá, 100 pizzas disso, 100, sei lá, tortas disso, 100 lagartos não sei o que, sabe? Tudo... um monte, e de uma hora pra outra fala “tchau”? Então, porque com o plano cruzado, você comprava, a carne era tabelada, vamos dizer, a 10 reais, você sé conseguia comprar por 15, e você tinha que vender por 10, senão é impossível, não tinha jeito, então... fechamos. Foi pena, porque era muito bom.
P1 - E aí vocês fecharam...
R- Aí o Sergio foi trabalhar, agora não me lembro bem, ai ele foi trabalhar com o negócio outra vez de mercado de capitais...
P1 - Mas vocês ficaram com problema de dinheiro?
R- Ah, sim porque a gente acabou vendendo os freezers e tudo, porque não tinha mais como fazer, porque a gente achava que o plano cruzado fosse durar a vida inteira. E a gente não tinha como sobreviver a gente não sabia como é que ia ser. Depois o mercado se ajeitou, mas daí pra você retomar é complicado, retomar é complicado.
P1 - Aí ele foi trabalhar, foi arrumar um trabalho?
R- É depois ele foi trabalhar agora não me lembro com quê que foi, mas... Você me pegou minha memória já não é a mesma, tem coisa que eu já esqueci . É o negócio da tal peneira, peneira... É, fica o que é bom.
P1 - E aí, depois desse período você foi fazer o que? Você já estava com filhos, estavam com quantos anos?
R- Pois é aí num... Acho que eu fiquei um tempo sem trabalhar e aí depois a gente voltou a fazer alguma coisa de... mas não congelado mais, a gente fazia conservas, a gente fazia batata palha, batata chips, e por um bom tempo a gente fez isso. Mas depois também acabou que não era bem por aí... Ah, e o Sérgio foi convidado pra trabalhar no Rio de Janeiro, e aí a gente fechou a empresa, tá, e aí a gente foi pro Rio.
P1 - Como é que foi, que ano que foi isso?
R- 2000.
P1 - E como é que foi essa mudança pro Rio?
R- Ai, é completamente diferente, quando você muda pra uma cidade e você tem 20, 30 anos, é uma coisa; quando você muda quando você tem 56, é completamente diferente. Porque você já não faz amizade na porta da escola, você já não faz amizade no parquinho, não faz amizade no médico, não vai na psicóloga, fica esperando a psicopedagoga... então e é aí que você faz amizade quando tem criança pequena. E com 56 anos é complicado porque todo mundo, que tem amizade tem, quem não tem não tá afim de fazer outra e no Rio de Janeiro também eles tem um sistema diferente do nosso, uma praia, você não sabe quem é quem, eles não põem ninguém dentro de casa – em São Paulo é diferente. Quer dizer, demora, demora, estuda bem a pessoa, depois você põe a pessoa dentro de casa; mas no Rio não, eles têm, eles têm razão de ser, que uma pessoa tá de maiô, você não sabe quem é, é diferente, eles têm medo – tem razão de ter.
P1 - Que bairro você morava lá?
R- Copacabana.
P1 - Você ia à praia?
R- A gente é, menos, porque o Sérgio teve um problema no pé, então a gente não podia entrar na areia, a gente andava bastante, tudo mais, no mar não ia mesmo, por causa disso. Mas a gente morava a meia quadra da, de lá... É muito bonito, viu, muito bonito, mas pra morar eu tenho uma certa restrição, quem sabe, por conta de amizade. Eu, a gente sempre teve família grande, tá acostumado com casa cheia, então isso daí eu acho que foi o que mais complicou. Mas é uma cidade boa de morar.
P1 - Quanto tempo você ficou lá?
R- Seis anos.
P1 - Aí vocês voltaram?
R- Nós voltamos. Aí antes disso, eu fazia por diletantismo, cursos de, um curso de joalheria, que eu adorava. E antes disso também, eu sempre gostei de mexer com coisa, então eu sempre pintei porcelana, fiz cerâmica, fiz charão, fiz um monte de coisa de, assim, de habilidades manuais, né – não tão artísticas, mas habilidades. E daí eu fui fazer joalheria, eu me apaixonei, uma delícia, muito bom. Aí quando eu fui pro Rio não podia mais fazer, porque você vai vender joia pra, não sabe pra quem, é complicado. Aí eu parei, e aí o Sérgio descobriu um dia ele falou: “ah, o pessoal tá precisando disso daí, no Japão tem bastante”; daí eu fui pesquisar, fazer comida, ahn, réplica de alimento aí fui pesquisando...
P1 - Ele que falou, então, por que que ele falou isso?
R- Porque ele trabalhava no Habib’s, então...
P1 - Lá no Rio de Janeiro?
R- No Rio de Janeiro, e as coisas eram muito feias, que faziam de massa fria e então ficava com cara de falso mesmo, então ele falou “ah, mas quem sabe...”.
P1 - Ele fazia o que lá no Habib’s?
R- Ele tomava conta dos franquiados, ele trabalhava com os franquiados, visitando as lojas, vendo as dificuldades dos franquiados, e... dando uma assessoria entre a master e os franquiados, sabe? E...
P1 - Aí ele viu que tinha essa necessidade no mercado...
R- É, aí eu fui começar a pesquisar e tudo, quando eu fiz joalheira eu trabalhei com (1h09m53s) lay, que é uma técnica de joalheria, que você mexe com resina, então... aí a gente vai juntando conhecimento e aí é gostoso, vai juntando, descobrindo uma coisa, outra, e tal. E aí começamos a fazer isso daí. E eu comecei a fazer no apartamento mesmo.
P1 - Mas você foi fazer algum curso pra isso?
R- Pois é, não tem curso pra isso. Então eu fui descobrindo coisas na internet, vai na internet, vai descobrindo, vai descobrindo, e não tem quem ensine. Então você vai descobrindo aí, vai descobrindo sozinha, batendo cabeça, fazendo besteira, e juntando conhecimento, e tal, e aí você vai.
P1 - Mas aí você pretendia vender pro Habib’s, como é que você...
R- Foi, começamos a vender pro Habib’s, vendemos...
P1 - Qual foi o primeiro produto que você fez pra vender?
R- Ah, foi horrível, hoje você não pode imaginar uma coisa mais feia que eu já vi na minha vida. São esses doces árabe eu achava lindo, eles também achavam, mas , mas é um pavor, hoje se você olhar é um horror. Mas porque eles têm os doces, tem os nomes muito feios, então, a pessoa que não tá habituada – hoje já se conhece mais –, mas a comida árabe, lá no Rio de Janeiro então, não era nada difundida. Tem um dos doces que se chama “dedo aberto”: você pede? Pelo cardápio? Não, ninguém pede você olha “dedo aberto” você já fala “não, farmácia”, né , o que você pensa é isso. Então você olha, “esse doce eu quero, mas se chamar dedo aberto ninguém merece”, e assim tem, um Nihu, Haleu, tem coisas assim que não dá pra pedir uma sobremesa, e você vendo a sobremesa, daí você se interessa: por exemplo, se você chegar numa pessoa que nunca viu, falar assim: “você quer um petit-gateau?”, ela fala “é de comer ou de entrar dentro?”, ela não sabe que que é. Então isso daí induz, isso no Japão é muito corriqueiro, todo mundo tem, é maravilhoso, mas os nomes, se você é turista, então, é um pavor porque você não consegue falar um nome daqueles, então é tudo por número e tem os mock-up’s lá, e a pessoa olha e “quero este, este, este”, é mais fácil. Então por isso que começamos a fazer, e aí a gente montou essa empresa que é só mock-up, de réplica de alimentos, e a gente trabalha com as grandes empresas...
P1 - E aí você fez para o Habib’s?
R- É, e aí começamos a fazer pra restaurantes.
P1 - Como é que é, você procurava, ou eles já começaram a te procurar? Você ia batendo de porta em porta...
R- Não, não, não, a gente batia de porta em porta. Eu ia andando em Copacabana assim, depois um dia ia jantar num restaurante, já aproveitava falava com o rapaz da sobremesa e daí já falava com o gerente, daí eu trazia alguma coisa, e ia fazendo. Então a gente fornecia pros Porcão, pros restaurantes Porcão, que são restaurantes muito bons lá no Rio de Janeiro, tem vários, e aí depois o outro fulano via no Porcão, procura, fala... então foi fácil, não foi difícil não, foi bem gostoso.
P1 - No Rio de Janeiro você ficou fazendo isso?
R - É.
P1 - Aí vocês decidiram vir pra São Paulo?
R- Daí ele saiu do Habib’s e veio pra São Paulo. Aí a gente já tava nisso mesmo, então daí, só continuar, aí resolvemos continuar.
P1 - Que é o que você...
R- É. E depois, uma ocasião, o Sérgio ficou doente, teve que fazer repouso.
P1 - E quem que faz você, ele...
R- É... Não, não, ele não faz.
P1 - É você que faz?
R- Ele, como é químico, ele desenvolveu uma série de resinas, ele misturou muita coisa, então a gente trabalha com a resina siliconada, que foi ele que bolou então ele entende essa parte química que eu não entendo nada. E então ele vive pesquisando, sempre chamando gente pra trazer material novo, pra gente experimentar, pra ver, então isso daí é a parte dele. E depois, então, ele teve doente, tinha que ficar de repouso, e ficava no computador e tal, e não sei o que, e uma hora ele falou: “mas por que a gente não faz um museu da gastronomia?”. Então ele começou a procurar, museu da gastronomia em algum lugar, então existe, assim, por exemplo, na França tem um museu, bastante importante, mas são de coisas antigas, assim, você tem assim a xícara que Maria Antonieta tomava chá, você tem a colherinha que Robespierre mexia... outro, Luís XV fazia não sei o que, entendeu, o prato de não sei o que, o samovar de não sei quem, então, são peças importantes, mas você não sabe como que era a comida que eles comiam, então você num... então foi aí que ele falou “mas por que que a gente não faz um museu, uma exposição, uma coisa assim”, então por exemplo, quem tá no Rio Grande do Sul, não sabe o que é tacacá no tucupi, não tem ideia, e quem tá lá no norte, não conhece uma peixada de Santa Catarina completamente diferente, os pratos de Minas, que são muito importantes, os pratos que tão no Amazonas, então as pessoas que são de lá, os daqui não conhecem o de lá, então porque não expor? E as pessoas podem conhecer o prato, é diferente de ver uma foto, você ver ao vivo a cores uma feijoada e diferente de você ver uma foto dela. E a gente foi melhorando a qualidade, a gente foi melhorando a aparência, e a gente foi descobrindo que o que a gente tinha que fazer não eram coisas perfeitas, se você faz uma coisa perfeita, ela parece de mentira, então se você faz um, sei lá, um sorvete, que tem que ter uma cereja: a cereja não pode estar absolutamente no meio, ela tem que tá um pouquinho assim; você vai fazer uma pizza, ela tem cinco, cinco azeitonas: então uma pra cá outra pra lá, ela não pode ser assim, sabe? Porque daí você olha “isso daí tem cara de mentira”, porque o pizzaiolo não faz isso.
P1 - Você foi aprendendo, foi pesquisando e foi desenvolvendo isso?
R- Por ter muito conhecimento de alimentação, antes, você sabe perfeitamente como que um alimento sai do forno, aonde que ele fica queimado, aonde que ele fica mais claro, a cor que ele fica, então ele tem vários tons de, de queimado, ele vai desde o preto até um dourado claro, quase branco, um transparente. Então todas essa tonalidades é que vão dar pra você a sensação de que aquilo é de verdade e então tem que conhecer bastante de alimentação pra poder fazer: você faz um prato aí, como chuchu com camarão, um fica por cima outro fica por baixo, outro faz assim, ele não fica arrumadinho, ele tem que ficar como se serve mesmo. Então pra dar uma impressão e uma sensação de que você está vendo alguma coisa que é realmente verdadeira. Então, mas isso é muito prazeroso fazer.
P1 - E você, quando que ele teve essa ideia, do museu, vocês tiveram?
R- Em 1900 e... não, magina... 2008.
P1 - E aí vocês criaram o museu?
R- É, aí foi... Ah, então, aí a gente foi pensar como a gente poderia fazer um museu. E...agora, vamo dá uma parada... posso tomar um gole d’água?
(Corte)
P1 - E aí esse ano vocês tão retomando essa ideia do Museu do Alimento, como é que é, onde que é?
R- Museu da Gastronomia Brasileira, então nós resolvemos optar, para a primeira mostra ser de Minas Gerais. Minas Gerai, ela tá localizada basicamente no meio do Brasil, e então os outros estados tem mais noção da comida de Minas, e Minas é um estado muito rico. É tutu de feijão, é couve, é torresmo, é, bom, eles, basicamente, muita carne de porco, muito frango, um pouco de carne de gado, e peixe é só de rio mas eles tem muita, muitos ingredientes da terra, como ora-pro-nobis, que só tem lá, que é uma verdura que só tem lá, eles tem muita mandioca, batata-doce, é muito rica; o mineiro ele é um anfitrião de primeiríssima, eles gostam de receber, e sempre mesa muito farta, então eles são criadores do pão de queijo, que todo mundo conhece. Então a gente achou que o chamariz sendo mineiro, ia agradar mais a população em geral do que você fazer uma coisa do Amazonas, que é muito desconhecido, a gente gosta de, por exemplo, de ir num lugar ouvir música, mas desde que tenha algumas que a gente já conhece fica mais agradável, do que você só ouvir música desconhecida, fica meio estranho, mesmo que seja boa, fica esquisito. Então as pessoas gostam de estar em contato com coisas que também conhece, então a gente optou por Minas assim. A ideia é fazer depois de todas as regiões, de Sul, Centro-Oeste e Norte, e fazer assim, e mais pra frente ir aumentando, ter de cada estado suas comidas representativas e tradicionais – mas isso, é lá pra frente, no momento a gente vai fazer Minas, um pouco de Minas, porque se a gente for fazer tudo Minas, é muita coisa, então a gente vai fazer as mais representativas pra fazer uma mostra, a hora que a gente tiver um lugar maior a gente vai fazer maior. Então, porque eles tem muitos doces...
P1 - E onde é que vocês vão expor?
R- A ideia agora é de expor no Mercado Municipal de Santo Amaro, a subprefeitura está nos dando um apoio bastante grande e nós estamos, assim, organizando pra ver calendário, porque eles têm um local dentro do mercado pra que a gente possa ajeitar essa, essa... a gente tá se preparando, já tá com basicamente tudo pronto, e estamos aguardando.
P1 - E vocês não tem financiamento pra isso, é uma iniciativa de vocês?
R- Por enquanto não. A gente tá, para poder oferecer, pra receber apoio e patrocínio, a gente tem que ter alguma coisa pronta, senão a pessoa se desinteressa, e tendo umas coisas prontas, então agora a gente tá correndo atrás de patrocínio.
P1 - Cristina, e vocês oferecem, continuam trabalhando pra restaurantes, recebem encomendas?
R- Continuamos. É.
P1 - Quem são os clientes de vocês, hoje?
R- Nós temos, é, por exemplo, a gente tem frigoríficos grandes, esses, por exemplo, a Aurora, a Aurora é um cliente da gente, que faz desde linguiças, queijos, eles fazem partes de frango e tudo; a Corim, que é de frango diferenciado, sem hormônio e tal, ela chama outro nome, não lembro agora; a Vivar também é uma outra cooperativa; Copacol, que é do Paraná; e a gente tem bastante nesse setor. A Marfrig, que é ligado a JBS, nós fizemos, foi bem interessante esse trabalho, porque nós fizemos várias peças pra eles de carnes cruas, e de carnes pré-prontas, de pratos, coisas pré-prontas, eles vendem muito pra restaurantes, hotéis, navios, eles vendem carne moída pré-pronta, então a pessoa, o cozinheiro vai só terminar; eles têm peças de carne já pré-prontas, pré-assadas, eles têm bastante coisa assim pré-pronta, como filé mignon, pré-picadinho, pré-várias coisas assim, então a gente já fez pra eles vários pratos assim, então eles vão, foram pra Alemanha, foram pra uma porção de, pro Japão, foram pra varias feiras de alimentos e eles levam os pratos deles, as coisas deles, mas já em peças prontas, assim a carne moída por exemplo, é como se você tivesse uma vasilha e fizesse assim, então ela fica um cone de carne moída, mas é tudo de mentira: acabou a feira, fecha, bota na mala, pra próxima feira já tá tudo pronto. Fizemos pra eles, também, depois, o que eu achei interessante, peças de carnes.
P1 - E você que faz tudo? Você tem ajudante?
R- É, eu tenho ajudante, claro. Mas a parte de cor, de estabelecer as cores, de fazer o material colorir e depois também, sou eu, tô ali mais na frente, vou dando pra elas e elas vão fazendo. Mas eles fizeram um material para treinamento de vendedores, então, porque geralmente o vendedor não sabe a diferença entre um coxão mole, um coxão duro, uma picanha, um...sabe?, um alcatra. Então eles põem em cima da mesa, pode ser num local que tenha carpete e tudo, não tem importância, porque não escorre, não fede, num cheira, num estraga, então põe em cima da mesa lá e tal, faz o treinamento, terminou o treinamento, tchum-tchum, guarda no armário, fica pronto pro próximo treinamento. Então esse conjunto de carnes, que é bem grande, vai pro Amazonas, treina lá, volta, vai pra Natal, depois vem pro Rio Grande do Sul , e sem problema de estragar, conserva a vida inteira, fica lá – tomando cuidado aquilo dura anos. É bem interessante esse material de treinamento. E a gente tem restaurantes, a gente tem redes de, por exemplo, esse espaço árabe, é cliente nosso, a gente tá com a Cristalo... agora tem que lembrar tudo, né ... é, tem um monte, peraí, tem a pizza quadrada, tem... ai, ai. Aquela Havana, a Arábia, ai, tem um monte, tem vários, depende do...
P1 - Tem muita concorrência nesse setor?
R- Não, tem muito pouca, e o que tem também não... não faz...
P1 - Você é a melhor?
R- Eu acho que sim... Modesta, né . Não, eu acho que a gente tá muito bem, tem gente que faz direitinho, tudo, mas acho que a gente tá bem.
P1 - Bom, vou encaminhar pras perguntas de final, deve ter muita coisa que a gente não falou, não sei se tem alguma coisa que você queira deixar registrado, da sua história... que a gente passou...
R- Que eu me lembre assim, não... Acho que a gente tem, a gente tá com um projeto muito bonito, esse projeto eu tô bem encantada com ele. Porque é um projeto em que as pessoas ficam alegres quando falam. Elas, a pessoa fala assim: “ah, eu vou fazer um...”, ela vê um, sei lá, uma canjica, ela fala: “aai, minha avó fazia uma canjica deliciosa, a senhora não sabe...”, a pessoa já, ela vira o olho, e ela exclama e ela ri, sabe, ela fica, sempre remonta histórias, remontas episódios, remonta situações de experiências sempre gostosas, “ai, a festa de São João que tinha na casa de não sei quem; ai porque a gente comia não sei o que, no sítio de não sei quem, fazia, que tinha um fogão de lenha, nunca comi um feijão que não fosse...”, sabe? As pessoas veem, mas sempre com alegria, nunca, não se fala de alimento com tristeza, a pessoa fala sempre gostoso: “ai, que delícia, ai que isso, que isso...”. É uma experiência muito gostosa, é muito boa porque você conversa com pessoas e você escuta histórias deliciosas, tem histórias gostosas, histórias, experiências assim que você fala “essa eu vou guardar pra ficar lembrando” .
P1 - Olhando um pouco a sua trajetória e tudo que você contou, se você pudesse mudar alguma coisa, que avaliação você faz, se você pudesse mudar alguma coisa da sua trajetória de vida, você mudaria, faria hoje diferente?
R- Ah, sempre tem uma coisa ou outra que a gente quer fazer diferente. Eu gostaria de ter tido essa ideia um pouco antes, pra aproveitar melhor essa ideia.
P1 - A do museu?
R- A do museu, é, eu gostaria, porque eu acho que agora eu vou aproveitar bem essa onda, sabe? É uma onda que eu tô querendo surfar bem gostosa, porque tem muita coisa boa e cada vez que eu converso com as pessoas, sempre uma ideia boa, uma ideia melhor aparece, “ai, por que vocês não procuram, por que vocês não fazem isso...”. Então sempre é dinâmico, é uma coisa muito gostosa porque é dinâmica. Então eu acho que não vai parar, assim, não vou me sentir velha parada, eu vou me sentir uma velha andando.
P1 - Você tem sonhos, grandes sonhos? Quer dizer, tem esse do museu, que você tá com concretizando, mas tem assim, algum sonho, sonhos...
R- Ah, eu tenho sonho de um dia tá com meus netos... Ah, isso eu tenho mesmo, esse é um sonho que eu tenho. Mas eu sei que eu vou, eu sei que eu vou, eu acredito, já mandei lá pra cima, tô só aguardando ele me dar a resposta, se Deus quiser – falta pouco.
P1 - Que que você acha da experiência de dar seu depoimento aqui pro Museu da Pessoa?
R- Eu achei muito interessante. Eu cheguei aqui de paraquedas, eu nem sabia o que que era pra fazer, a gente “vamos no Museu da Pessoa”, e eu achei que era só pra gente mostrar a, o que a gente fazia, e ninguém veio preparado, a gente não sabia disso, nem sabia que eu ia falar nada, mas eu achei a ideia muito boa porque eu adoro ouvir dos outros as experiências, eu acho que a gente aprende demais, e muitas vezes a gente acredita que, “puxa, pra mim foi tão difícil, mas pra Fulano não deve ser fácil”. Todo mundo vê as pinga que eu tomo, ninguém vê os tombo que eu levo então a gente vai olhando, pensa “puxa vida, até que eu tô com sorte”. Então eu acho que é uma ideia muito boa, e quem puder aproveitar, vai sair enriquecido. Eu acho, quem puder aproveitar essa ideia pra melhorar, pra subir, pra enriquecer, vai sair milionário. Muito boa, gostei muito, parabéns.
P1 - Obrigada, queria agradecer em nome do Museu, você compartilhar a sua história, a sua experiência.
R- Eu que agradeço. Foi uma honra.
P1 - Obrigada.
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