Projeto 30 anos Alunorte
Entrevista de José Edson Maciel
Entrevistado por Ligia Scalise
Barcarena, 17 de julho de 2025
Transcrito por Selma Paiva
(00:17) P1 - Edson, obrigada, viu, por ter vindo, por ter disponibilizado seu tempo e eu quero que você comece falando seu nome inteiro, dia, mês e ano de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R1 - Meu nome é José Edson Maciel. Eu nasci no dia 22 de setembro de 1966, na cidade de Igarapé-Miri, no estado do Pará.
(00:39) P1 - Onde fica Igarapé-Miri? É perto ou longe?
R1 - Igarapé-Miri fica a aproximadamente setenta quilômetros daqui, de Barcarena. É uma cidade bem pequena, bem menor que Barcarena, em termos de população. Você imagina a década de setenta, então as condições lá muito precárias e o meu pai, visionário, na época ele trabalhava na antiga Centrais Elétricas do Pará, ele era um dos operadores e, no final da década de setenta surgiu a oportunidade de mudar para Barcarena. Eu, na época, estava ali com cinco para seis anos e não tinha essa noção do que seria uma mudança. Obviamente, impactaria em mudanças de hábitos, enfim, da vida difícil de uma criança de cinco, seis anos, na época, né? Mas hoje eu consigo entender o quanto ele foi visionário. Viemos em final de 1976 para 1977 aqui, para Barcarena.
(01:50) P1 - Eu vou chegar aqui.
R1 - Ótimo.
(01:52) P1 - Mas antes disso eu quero ainda estar lá.
R1 – Está bom.
(01:55) P1 - Os seus pais são de onde? Quem são eles?
R1 - Meu pai, Lúcio Neli Maciel, falecido. Minha mãe, Algarina de Castro Maciel, também já falecida, todos de Igarapé-Miri, do interior de Igarapé-Miri, de uma localidade. Eles, na verdade, vieram migrando dos interiores. Então, passaram por uma localidade chamada Vila Vale, Casa Vale. Meu avô morava lá, há um tempão. Meus pais vieram para uma outra localidade chamada Vila Maiauatá, em Igarapé-Miri e posteriormente vieram para cidade de Igarapé-Miri, onde a maioria dos...
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Entrevista de José Edson Maciel
Entrevistado por Ligia Scalise
Barcarena, 17 de julho de 2025
Transcrito por Selma Paiva
(00:17) P1 - Edson, obrigada, viu, por ter vindo, por ter disponibilizado seu tempo e eu quero que você comece falando seu nome inteiro, dia, mês e ano de nascimento e a cidade onde você nasceu.
R1 - Meu nome é José Edson Maciel. Eu nasci no dia 22 de setembro de 1966, na cidade de Igarapé-Miri, no estado do Pará.
(00:39) P1 - Onde fica Igarapé-Miri? É perto ou longe?
R1 - Igarapé-Miri fica a aproximadamente setenta quilômetros daqui, de Barcarena. É uma cidade bem pequena, bem menor que Barcarena, em termos de população. Você imagina a década de setenta, então as condições lá muito precárias e o meu pai, visionário, na época ele trabalhava na antiga Centrais Elétricas do Pará, ele era um dos operadores e, no final da década de setenta surgiu a oportunidade de mudar para Barcarena. Eu, na época, estava ali com cinco para seis anos e não tinha essa noção do que seria uma mudança. Obviamente, impactaria em mudanças de hábitos, enfim, da vida difícil de uma criança de cinco, seis anos, na época, né? Mas hoje eu consigo entender o quanto ele foi visionário. Viemos em final de 1976 para 1977 aqui, para Barcarena.
(01:50) P1 - Eu vou chegar aqui.
R1 - Ótimo.
(01:52) P1 - Mas antes disso eu quero ainda estar lá.
R1 – Está bom.
(01:55) P1 - Os seus pais são de onde? Quem são eles?
R1 - Meu pai, Lúcio Neli Maciel, falecido. Minha mãe, Algarina de Castro Maciel, também já falecida, todos de Igarapé-Miri, do interior de Igarapé-Miri, de uma localidade. Eles, na verdade, vieram migrando dos interiores. Então, passaram por uma localidade chamada Vila Vale, Casa Vale. Meu avô morava lá, há um tempão. Meus pais vieram para uma outra localidade chamada Vila Maiauatá, em Igarapé-Miri e posteriormente vieram para cidade de Igarapé-Miri, onde a maioria dos filhos nasceram. Então, somos todos de Igarapé-Miri, com exceção da minha irmã caçula, que nasceu em Belém, por questões de segurança para minha mãe, que afinal de contas somos dez filhos, né?
(02:56) P1 - Você aí está em qual lugar?
R1 - Eu estou no pódio número sete. (risos)
(03:03) P1 - Quando você nasceu, sua mãe contou como é foi teu parto?
R1 - Essa relação familiar, se você olhar a década de setenta, as relações familiares, de um modo geral, principalmente no interior, não tinham esse hábito. Não era comum ter esse tipo de assunto, principalmente mãe e filhas, tal, mas foi fácil entender a nossa vinda para este mundo, nosso nascimento, porque todos nós, todos os nove, com a exceção da minha irmã caçula, que por questões da minha mãe precisar fazer cesariana, esse tipo de coisa, então ela foi operada da minha irmã caçula, que foi a última, a Solange. Então, todos nós nascemos de parto natural, todos os nove e todos os nove tivemos... ela teve suporte do que a gente chamava lá atrás de parteiras. Então, depois eu vim entender o que era o papel de parteira. O parto do meu irmão, eu esqueci de mencionar, perdão, mas teve um irmão que faleceu, nasceu, natimorto. Era o Hilário.
(04:25) P1 – O nome dele. Depois de você, você já tinha nascido?
R1 - Já. Ele seria o décimo. E a Solange seria a décima primeira. E ficou fácil entender como isso (choro) acontecia, né? Mas aí foi possível entender essa dificuldade do interior, a importância do papel das pessoas no cuidado. Então, a tia Merá, que cuidou dela (choro) e trouxe parte de nós. Então, veja que entender onde eu estou hoje e pensar nisso agora faz uma conexão direta com aquilo que eu faço hoje, estar trabalhando com comunidade, ou na comunidade, com pessoas - lidando com essas percepções também - que reclamam da condição de saúde, condição de saneamento, esse tipo de coisa, é o que a gente vê. E é esse cuidado que o nosso trabalho, o meu trabalho, o trabalho da minha equipe buscam compreender, analisar e trazer para dentro da empresa e ver como que isto conversa com a nossa ideia, nossa intenção de desenvolvimento. Então, faz todo sentido rememorar isto, que foi um momento (06:20) e a gente acaba não tendo, ao longo do tempo, ou acaba perdendo ao longo do tempo o quanto isso significa. E quando a gente para pra falar nisso, que a gente, pô, faz todo sentido.
(06:39) P1 – ‘Cai uma ficha’?
R1 - Cai e justifica o meu estar aqui hoje.
(06:45) P1 - De onde a gente vem, né?
R1 - É, sabe? É isso.
(06:49) P1 - Qual que é a diferença entre os irmãos? São muitos...
R1 - É ‘escadinha’, né? Teve algum período de espaçamento, mas depois, na segunda escala, no segundo escalão, um ano, praticamente, de diferença.
(07:11) P1 - E você sabe do porquê do seu nome Edson?
R1 - Então, os meus pais são, pra mim, muito religiosos e devotos fervorosos de Nossa Senhora de Nazaré. E tem uma origem também, isso eu estou buscando entender um pouco mais no sentido antropológico, vamos dizer, a origem do meu pai, porque ele vem de uma família de um pai português. Então, a gente tem esse traço, esse laço. E muito trabalhador, meu pai. Fugiu de casa aos 16 anos, para fugir da violência que ele sofria e tal. Acabou aprendendo o ofício de mecânico de máquinas diesel, piloto de embarcação. Então, por isso ele foi para a Celpa depois, com essa experiência de mecânico e se tornou uma referência na Celpa. E talvez por isso, Nossa Senhora de Nazaré, como a padroeira da minha mãe e São José por conta de meu pai. Então, todos nós, todos os filhos e talvez esse aspecto de Portugal, eu imagino, todos os homens são José e todas as meninas são Maria. Menos a caçula, que ela é Solange.
(08:56) P1 - Não é Maria.
R1 - Mas é de Nazaré. (risos) No fundo, no fundo, acaba sendo Maria.
(09:01) P1 - Mas ninguém chamava ninguém de José, era só o segundo nome?
R1 - Não. Meus irmãos mais velhos chamamos carinhosamente de Zema. O José Lúcio, Lúcio. O José Edson, que sou eu, Edson ou Edinho. O José Raimundo, Raimundo. E o José Hélio, de Hélio. E as meninas Maria de Fátima, Fátima. Maria Olga, Olga. Maria Elmira, Elmira. A Maria Luciléa de Léa. E a Solange, de Solange. E, obviamente, os apelidinhos ali, do grupo, que a gente não revela, porque é só entre nós, mas nada pesado, bem carinhoso.
(09:49) P1 - E como que era a rede dessa família, enquanto vocês estavam nessa cidade? Você falou que seu pai saiu de casa, então não tinha contato com os avós?
R1 - A saída dele de casa foi no início da trajetória dele, ele fugiu aos 16 anos. Fugiu, saiu, para buscar, primeiro fugir da violência que ele sofria, por parte do pai, principalmente. E, quando ele retorna, já retorna com uma função, uma profissão e conhece minha mãe e segue. Então, a nossa rede de apoio, de um modo geral, sempre foi família. Família numerosa, próxima, tipicamente o interior e a gente vêm, se considerar a origem deles, são ribeirinhos, então vem do interior do interior e o interior das nossas cidades aqui são os igarapés, os rios e tal. Então, eles vêm dessa origem e a rede de apoio é isso. Enquanto todos crianças, a minha mãe sempre teve, em casa, pessoas morando para ajudá-la no cuidado conosco e tal, para cuidar da parte neonatal a tia Merá, que foi a quem nos puxou, ali, praticamente, a maioria de nós. Então, era muito dessa forma. O local onde morávamos em Igarapé-Miri era bem centralizado ali e vizinhança, naquele tempo ali a gente considerava família, extensão de família, porque bastava falar alguma coisa, a gente tinha suporte. Por exemplo: alguém adoecia com febre, caso precisasse tomar uma injeção, ia lá, eu não vou me lembrar agora o nome dela, vou pedir até perdão para ela, (risos) mas a gente chamava a vizinha do lado, que era enfermeira no hospital. Então, aplicava injeção, precisava fazer uma massagem, chamava a outra vizinha, que trabalhava com essas coisas de rezar, benzer e tal. Então, essa era a rede de apoio que a gente tinha, naquela época, para ajudar. Então, a minha mãe se recorria a isto. E tivemos, assim, considerando este aspecto, esse cenário todo, apesar de todas as dificuldades, crianças felizes, saudáveis e comprometidas. Chegarmos todos os dez hoje aqui e cada um no seu ponto, buscando ali e tal, mas com os ensinamentos lá do pai e mãe, a gente tem observado que, apesar de todas as dificuldades que a gente tem, nós conseguimos passar por este espaço onde a gente está, deixando boas pegadas, boas marcas. Então, acho que valeu. Acho não, valeu, super valeu.
(12:58) P1 - Nessa época que você nasceu e ainda era pequenininho, seu pai trabalhava com maquinário. E sua mãe?
R1 – Ele, então, trabalhava na Celpa, já como como operador, chamavam de usina diesel, que eram grandes motores. E para complementar a renda familiar, ele trabalhava como mecânico particular. Tinha muita embarcação, muitos motores e tal e ele fazia esse trabalho. E a minha mãe, dona de casa, passou a se dedicar à costura.
(13:29) P1 - Sua mãe, então, começou a se dedicar à costura?
R1 - Se dedicar à corte e costura, muito mais para produzir as nossas roupas e baratear e tal. Dificuldade, apesar de meu pai ter um emprego estável, mas dez filhos, tal. Então, ela se dedicou muito a isso, nessa época, em Igarapé-Miri. E o meu pai, no trabalho extraordinário que ele fazia, ele trouxe muito ensinamento pra gente, né? Então, o pessoal, alguns dizem que eu tenho TOC à organização e tudo mais, porque é virginiano e tudo mais, mas, na verdade, eu devo muito o meu jeito de ser com aquilo que me proponho a fazer muito a vivência com meu pai, porque quando ele ia para as embarcações fazer trabalho, desmontar e montar os motores, ele sempre levava um dos filhos. E eu tive o privilégio de algumas vezes ir com ele. E eu era o auxiliar, assim como os outros irmãos. Então, chegava, ele tinha uma caixa de ferramenta dele, linda, uma maleta de ferramenta. Então, assim como um bom médico, quando opera: “A chave tal”, pegava a chave tal, passava para ele, ele usava, suja ou não, você passa um pano e volta para o lugar. Então, isso foi, para mim, trabalhar e o símbolo que isso traz, não é o limpar a ferramenta, mas fazer uma coisa limpa, uma coisa... não deixar marca, não fazer errado. Então, indiretamente ensinou isto. E uma lição que eu aprendi com ele, que é fazer sem esperar retorno. Isso foi em casa. Ele já tendo muita demanda para atender, não conseguia ir nos barcos, o pessoal trazia os motores. E certa vez uma dessas pessoas trouxe um motorzinho já bem judiado, deixou lá e meu pai pegava o equipamento, o motor, pedia pra funcionar e ele conseguia identificar, pelo barulho que o motor fazia, por exemplo: esse motor que foi ligado agora, ali, ele ia dizer se tinha algum problema ou não. Ele tinha essa capacidade, essa habilidade. “Funciona, ok, pode parar. Você compra a peça A, B e C pra esse tipo de motor e traga pra mim. Pode ir”. E aí a pessoa trazia a peça e ele abria o motor todinho. Desmontava tudo, ficava assim, uma área como essa aqui, cheia de peças e ele identificava a peça: “Essa é aquela”. Exatamente as peças, quantas fossem necessárias.
(16:33) P1 - Seu pai estudou, ele aprendeu como?
R1 - Não, autodidata. A fuga dele, foi nessa fuga que ele aprendeu, na vida. E aí ele desmontava tudo isso e exatamente o que ele tinha dado como diagnóstico estava lá. E nessa hora, entrávamos, pra ajudar a lavar e tudo mais, mais um cuidado. E depois ele montava tudinho, separava as peças velhas, que tinham sido trocadas, funcionava tudo ok, certinho e aí, não sei como é que eles chamavam em outros lugares, mas uma bombinha que ele chamava de... colocava inseticida e espirrava, para matar pernilongos, esse tipo de coisa. A gente chamava de bomba flit. Então, eu não sei se tinha outro nome na época. Então, ele pegava essa bombinha flit e se o motor tinha uma peça, uma parte azul, uma parte verde, uma parte vermelha, cada parte ele pintava da cor original e deixava lá. Então, esse caso específico era um verde musgo, com uma parte vermelha e uma parte cinza, que é o motor. E ficou lindo, novo. E quando a pessoa, o proprietário chegou: “Mestre Lúcio” - como ele era reconhecido – “vim buscar o motor”. Aí ele disse: “Ah, está aqui, é esse aqui”. Aí o rapaz: “Não, não, Mestre Lúcio, não é esse, o meu é aquele velhinho, que eu deixei” “Não, é esse aqui”. Já ‘botava’ para funcionar: “Está vendo? Estão aqui as peças velhas e está aí o seu motor” “Não, Mestre Lúcio, mas não está. Esse não é meu” “É seu, eu dei essa pintura” “Mas eu não vou ter como pagar”. Aí ele disse: “Esse aqui eu não fiz para você pagar. Esse aqui é o meu trabalho, é o meu capricho”. Esse momento ele deu a maior lição para mim.
(18:43) P1 - Ensina muito, isso. É o exemplo da generosidade, do fazer o que gosta...
R1 - O cuidar. E fazer não porque o outro vai elogiar, ou que vai gostar, ou vai pagar, mas é porque é o que eu acredito. É o que eu acredito. É isso.
(19:07) P1 - Como que eles eram com os filhos? Porque é... o cuidado deles com os filhos.
R1 – (choro) Eu acho que cuidado é um valor que, expressado assim, falado, não significa nada. Acho que cuidado é exercido. E não tem a ver com pegar pelo braço. São as atitudes, então, você olhar para um ‘cara’ que não comprava nada pra ele, mas sempre fazia questão de nos ver bem, porque entendo que a percepção de cuidado dele era essa, de vê-lo se sentir bem. Então... e a retribuição que a gente dava era cuidar daquilo que ele proporcionava, não estragar. Precisa, usa, come, pega, mas não estragar, porque não é que vai faltar pra gente, é porque tem gente que não tem. Então, isso é cuidado. Isso é cuidado. Não é apenas dar segurança, ou dar o que quer, o que pede, mas principalmente é orientar, para que o pouco que tem seja bem usado, seja... e, se possível, compartilhado.
(21:35) P1 - Ainda mais entre dez irmãos, né?
R1 - É, entende? Então, não tivemos privilégios, tivemos dificuldades, por exemplo, de estudo, porque Igarapé-Miri era uma cidade pequena, então por isso que eu digo que ele foi visionário. Essa foi uma outra demonstração de amor e cuidado, porque até então só o meu irmão mais velho tinha conseguido concluir o estudo. A minha irmã Fátima também e o Lúcio conseguiram concluir o ensino médio, na época e o meu irmão mais velho chegou a ir para Belém, fazer nível superior. Mas os outros a gente estava condenado a ficar no ensino médio. Então, quando surgiu oportunidade de ir para a Barcarena, que estava mais próxima de Abaetetuba, que já era um centro avançado, uma outra cidade, mas já era bem mais avançada e bem mais perto da capital. E olha só que, quando nós chegamos para cá, as minhas irmãs, as mais velhas, conseguiram concluir o ensino médio e já ir para... aliás, o ensino fundamental e já ir para a Abaetetuba, para fazer o ensino médio, com perspectiva de curso técnico ou de fazer universidade. Posteriormente elas optaram em não fazer, porque não casaram ou preferiram trabalhar com outras coisas e tal. Mas ele pensou nisso, ele cuidou disso, nosso futuro. Então, sai... e até hoje, Igarapé-Miri, se você for, eu comento e eu lamento por isso, parou no tempo. Então, se tivéssemos ficado por lá, talvez estivéssemos todos estagnados também. Então, eu agradeço muito esse carinho, esse cuidado dele.
(23:28) P1 - Ele viu mais futuro para vocês aqui, por perto.
R1 - Para todos nós. Para ele, inclusive.
(23:34) P1 - E quando vocês se mudaram para cã, que ano que era?
R1 - Eu não tenho bem a data, o dia que a gente veio, mas foi ali em 1976, 1977, porque fazia acho que três ou quatro anos que tinha encalhado a baleia aqui, em Barcarena e tinha uma briga, na época, uma disputa entre Igarapé-Miri e Abaetetuba. Então, quem nasce em Igarapé-Miri, porque tem muito tucumã, tucumanzeiro, é uma árvore que tem uma palmeira, cheia de espinhos. Então, quem nasceu em Igarapé-Miri, por conta do tucumã, era papa tucumã ou espinho no pé. (risos) E Barcarena, por conta da baleia, era papa baleia. (risos) Então, os times de futebol, quando vinham jogar, de Igarapé-Miri, em Barcarena, dos torneios e tal, era aquele xingamento: “Bando de espinho no pé” “Seus papas baleia” e tal. Então, foi essa época de 1976, 1977, que tinha acontecido em 1973 para 1974 essa questão da baleia. Então, eu remonto a essa época. Confesso que eu não...
(24:57) P1 - Estava com uns dez, 11 anos?
R1 - Menos. Por aí. Sete, acho que sete para oito, uma coisa assim. Então...
(25:07) P1 - A paisagem era muito diferente da que você tinha, lá?
R1 - Total. Incrível. Barcarena, apesar que naquela época, tinha o quê? Menos de vinte mil pessoas, um núcleo urbano bem pequeno, mas diferente de Igarapé-Miri. Se bem que há similaridades, né? Todas têm o rio na frente da cidade, todas têm um trapiche na frente da cidade. A igreja matriz, todas na frente da cidade, de frente pro rio. Então, as similaridades, nesse sentido, mas há os hábitos e costumes da população aqui, na época, chamou a atenção. As ruas mais largas aqui, também. O que eu, particularmente, tive muita dificuldade foi minha adaptação ao estudo. Não sei por qual motivo, mas eu fui o único filho que estudou em escola particular, lá em Igarapé-Miri. Todos estudaram em escola pública. Eu não sei, não lembro de ter perguntado isso pra alguém, mas eu fiz o ensino, a parte do ensino inicial fundamental, o que a gente hoje chama de fundamental menor, que é alfabetização, eu fiz numa escola chamada Instituto Santa Ana, que é ISA, que é a escola de freiras. Isso marcou também a minha vida, essa formação religiosa um pouco mais aprofundada, porque lá era proporcionado isso e me levou para caminhos na minha vida que quase, por influência da minha mãe, que queria muito um padre na família, então, por pouco eu não vou para este caminho meio que instintivamente, ou influenciado por esta ‘pegada’ do ensino religioso forte dentro, lá. Então, eu fui o único que estudou em uma escola particular. E você, uma criança, sair de um regime particular, que tem ali todo... e entra no ensino público, é um choque. Então, eu fui muito impactado, tive muita dificuldade em seguir os estudos. Tanto que, quando eu concluí o ensino, não cheguei... depois que eu concluí o ensino fundamental, eu bloqueei mesmo. Aí comecei a trabalhar, por conta disso, cedo, com 16 anos, 16 para 17 anos, com autorização da juíza, diga-se de passagem, porque eu ia trabalhar de carteira assinada e aí a juíza teve que emitir uma autorização. Então, trabalho desde essa época.
(27:57) P1 - Edson, antes de chegar aos 16, como que era essa infância e adolescência, com esse monte de irmão? Quando vocês vieram para cá, vocês brigavam, brincavam, do quê?
R1 – Total. A nossa casa, em Igarapé-Miri, é tipicamente interiorzão, que, se você fechar os olhos, talvez eu te consiga levar para lá. É uma casa com uma porta de aproximadamente quatro metros de altura e uns dois metros de largura, abrindo em quatro folhas. Uma escada com três degraus, a parte de baixo era um porão e aí você entrava na casa com o piso tudo em... a gente chama aqui de acapu e pau amarelo, que são madeiras, então amarelo e preto, amarelo e preto, amarelo e preto. Você vê esse tipo de piso em Belém, em alguns locais. Então, todo o piso da casa nesse sentido. Então, você entrava aqui, um corredor aproximadamente desta largura que aqui que a gente está, de uns três metros. Para o lado direito a sala de visita e sala de estar, com uma grande janela também, de quatro folhas. E alta, a gente conseguia enxergar a praça, que ficava em frente. O quarto do meu pai, o quarto das meninas, o quarto dos meninos, a sala de jantar, a cozinha e a descida para o quintal, imenso, de oitenta metros, cheio de árvores, mais ou menos como esse que a gente está aqui. E, obviamente, um campinho de chão e a casinha de madeira, que as meninas brincavam. A nossa maior brincadeira, assim, quando a gente juntava todo mundo, era quando meu pai fazia as compras do final do mês, que vinham em caixas, de papelão. E aí a gente pegava essas caixas de papelão, a gente fechava a porta grande, da frente e ia pro final do corredor, que aí dava lá, sei lá, uns quase 15 metros, jogava talco no chão. Aí, quem é que está com coragem de ser o piloto? Aí eu disse: “Eu”. Aí entra na caixa, fecha a caixa, fica lá dentro, assim e aí a turma sai empurrando lá do final, vruapppp brum, lá para o porão. (risos) Aí, aquele minuto lá de... de repente a caixa começa a abrir e sai eeeeeeeeee. “Ai, eu quero também” Então, essa brincadeira era ‘massa’. Também calçar meia com talco e sair no corredor, corria e ia esquiando, né? Então, essas brincadeiras.
(30:56) P1 - Ninguém se quebrou? Ninguém se machucou?
R1 - Graças a Deus, não. E a gente aprendeu, ali, muito... acredito que desenvolveu a confiança, porque vai, que não vai quebrar nada. “Então tá, eu vou. Mas empurrem devagar”. (risos). Então, acho que isso contribuiu para a confiança. E obviamente as brincadeiras normais de crianças de interior, que não tinham acesso, até então, às questões eletrônicas, essas coisas todas: brincar de bola, brincar de pira, de pega e tal. Mas o meu pai... a Celpa era uma empresa muito preocupada com essa questão da família. Então, no final do ano, todas as crianças, se não estou enganado, menores de dez anos, ganhavam presentes da companhia e faziam uma festa. Então, era um momento que a esperava todo ano, que era um momento legal. E eram brinquedos assim, pensa, quem hoje fala em um autorama da Estrela, conjunto chaparral. (risos) Talvez vocês nem conheçam, mas eram brinquedos caríssimos na época, top, que jamais passava pela cabeça a gente tirar de recursos, para comprar aquilo. E a gente ganhava isso. E também brincávamos. Produzíamos muitos nossos brinquedos, na época, que era uma alternativa também, de interação, principalmente produção de carrinho de latas: de óleo, de sardinha, esse tipo de coisa. Fazia as caçambinhas dos carrinhos. Lata de leite virava pé de lata, muita criatividade, muita alegria e muita parceria. Os brinquedos que eu mais gostava de fazer e aí desenvolvi um gosto e ainda espero realizar um sonho, que vem desta época, que era tocar. Nós fazíamos as guitarras e violões de madeira, entalhava em tábuas, colocávamos os preguinhos e esticávamos cordas de náilon. E, dependendo da afinação, a gente cortava uma lasquinha e colocava mais afinada e menos afinada e tal. E eu produzia a bateria, que é o meu instrumento preferido. Então, as latas tirávamos as tampas, aí conseguíamos sacolas plásticas, colocava e colocava liga de bicicleta. Então, dependendo do instrumento, do tom que precisava, mais pressão, menos pressão e as placas, esse tipo de coisa, as tampas dessas mesmas latas.
(33:57) P1 - E as baquetas eram o quê?
R1 - As baquetas, pegava um pedaço de galho, alguma coisa e tal, ou fazia mais caprichado e ficávamos ali. Então, eu ainda vou ter a minha bateria, que eu gosto, eu penso em ter hoje e incomodar vizinhos, mas é algo que, quando eu passo, que eu vejo uma banda tocando, é a bateria. Se eu for numa loja de instrumentos, bateria. E aí esse sonho, essa predileção vem disso.
(34:37) P - A sua mãe era calma, com esse bando de filho, brincando, gritando?
R1 - Minha mãe foi uma heroína, se a gente olhar isso tudo. Ela teve lá seus traumas também. O meu pai, você perguntou também a saída dele e de fato ele precisava se ausentar, ainda lá no interiorzão, para trabalhar e a minha mãe ficava com os menores, que eram meu irmão mais velho, José Maria e a Fátima. Depois que me formei, sou psicólogo de formação, ela ainda viva, doente também, que já estava, ela começou a trazer algumas coisas, a confiar e trazer algumas coisas. Você me entende? Confiar no sentido, não que houvesse desconfiança, mas eu preciso esvaziar isto. Então, ela viu essa oportunidade. E aí eu fui entender que algumas coisas, algumas reações dela e tudo mais, tinham trauma lá atrás, de isolamento, de dificuldade e de medos, muitos medos de ficar só e a quem recorrer, com duas crianças aqui e tal. Mas, da mesma forma, ela se empenhou ao máximo para trazer para nós esse compromisso com a verdade, com as suas convicções. Então, a parte a meu respeito ela me incentivou muito, por conta do estudo numa escola de freiras. Depois ela assume uma coordenação da Capela de Bom Jesus, que ficava na esquina de casa e me leva para ser auxiliar dela, na zeladoria. E eu que fazia a limpeza, que era uma imagem linda do Senhor crucificado e isto aflorou muito a minha parte espiritual, religiosa, aflorou muito isso em mim e ela me passou isso e passava isso para todos nós: respeitar aquilo que a gente se compromete a fazer, fazer bem-feito, não pegar o que não é seu, lutar pelo que você quer, essas coisas. E a minha mãe, criatividade. Nós fomos abençoados pelos dois, que trouxeram isso pra gente: ser criativo. Do nada você pode fazer muita coisa. Não desestimular, porque aqui não deu. Olhar para ali, que talvez esteja lá. Buscar caminhos, alternativas. A não ostentar, pra quê? Ser simples. Ser elegante, mas ser simples. Usar coisas humildes, mas limpas, cheirosas, bem passadas. Ser elegante. Eu entendo que seja isso que ela passou: ter classe, no sentido de lidar com as pessoas.
(38:24) P1 - Ser educado.
R1 - Ser educado. Educação e tal. Então, isso, ela teve essa contribuição.
(38:32) P1 - Como que eles eram, fisicamente? O que você lembra?
R1 - Ah, meu pai, dizem, né? Às vezes, olhando pro meu pé, de fato, parece bastante, né? Então, algumas pessoas, quando me veem, lá pro interior, quando eu volto por lá e tal: “’Cara’, mas tu está a cara do teu pai”. Então, meu pai, se for olhar, se você quiser depois eu posso até te mostrar a foto, pareço um pouco com ele, no sentido de ser o mais alto, um pouco mais largo e a calvície, o nariz, então e ser, eu chamo de Branquelão. Pé grande, mão grande e tudo e o dedinho, os dois dedinhos do pé voltados para dentro, assim. Então, era isso, tá? E eu me recordo uma vez, meus pais vivos ainda e a gente já estava morando em Abaetetuba, eu me comparava muito com ele, buscava me comparar muito com ele, não me comparar, mas me espelhava muito nele, nessa questão dos valores e tal, que eu o via praticar, ele não me falava, ele praticava. Então, pô, é isso, cuidado é isso, zelo é isso, respeito é isso. E aí eu, dormindo lá, a nossa casa dormia num beliche, meu irmão embaixo e eu, mais velho, em cima. Aí uma manhã, eu trabalhava no Bradesco, nessa época, já e tal. Aí eu dormindo, no final de semana, aquele carinho no meu pé e tal. Aí eu mexi. Quando eu acordei, era a minha mãe. E aí uma lágrima dela: “O pé do teu pai”. (risos) Então, por isso que eu, com base nesta informação altamente confiável, porque eu digo (risos) que meus pés pareciam com os pés do meu pai. E ela, então, trouxe isso. Alguns irmãos meus também falam, algumas pessoas...
(40:52) P1 - E ela parecia como?
R1 - Pô, a minha mãe, ‘cara’, assim, linda. Linda. Tem umas fotos dela, antigas, que são clássicas, aquele cabelão armado e tal. Sempre gostou de joias, estar bem apresentada e tal. Não para ostentar, mas aquilo...tu olhava assim, para ela, brilhava. Ela brilhava, não era a joia. Mas, enfim, muito bom gosto.
(41:28) P1 - Pequenininha, alta?
R1 - Baixa, baixinha e tal. Meu pai um pouco mais alto. Eu vou pegar foto depois dessa... acho que é uma foto legal para trazer, da família, como nós éramos. E tinha um... é difícil você falar de relacionamento de pai e mãe, numa época em que a gente não tinha... eu não vou dizer que não tinha liberdade, tinha, mas não era comum. Então, eu sempre via meus pais como muito unidos, cúmplices, principalmente na dificuldade, para não transparecer para a gente porque, de alguma forma, entendo que deveriam pensar, assim, se poderia afetar alguma coisa em nós, poderia traumatizar. Então, o meu pai nunca deixou faltar absolutamente nada e o que ele conseguia trazer, sempre do bom e do melhor, não por marca, mas por qualidade. E a minha mãe sempre cuidava disso, então: “Quero ver vocês sempre bem arrumados e tudo mais”.
(42:45) P1 - Como que você era, criança? Você era travesso, era obediente?
R1 - Então, (risos) eu era joelhudo, pernalta. Eu gostava muito do... tinha um programa infantil, na época, que era a Vila Sésamo, que tinha o Garibaldo. O Garibaldo era o grandão e o joelhão. Então, chamava, olhava assim, de joelhão. Eu não recordo, mas as minhas irmãs mais velhas e tal, minha mãe também chegou a comentar certa vez que, aos três anos, eu tive alguma infecção intestinal ou estomacal, não sei ao certo e que eu passei muito mal. E aí: Por isso que ele é assim, porque era mimado”. E a minha mãe dizia que não, foi o cuidado. Então, minha avó cuidou de mim. Eu não lembro, não tenho esta memória, não recordo. Não sei se eu passei tão mal, enfim, mas tem esse histórico de saúde muito frágil. E talvez, por isso, esse excesso de cuidado comigo, mas eu sempre tive pessoas do meu lado, incrível. Apesar de estar só, em algum momento, mas acho que é isso, que esse momento que eu não lembro, esse episódio e tal e que contam, que foi de muito cuidado de vó, tias, irmãs de minha mãe. E aí eu só fui dar conta dessa história toda quando a minha mãe adotou um apelido pra mim, que só ela me chamava, que era Edinho. E quando ela chamava Edson e tudo o mais, opa, vai pegar, (risos) porque Edinho remetia a esse cuidado. E talvez porque, como eu tinha muita proximidade com ela, por conta da zeladoria, do estudo religioso e tal, o pessoal, a turma reclamavam que eu era excessivamente cuidado. Mas acho que agora faz sentido todo esse cuidado, por conta desse episódio. De certa forma, eu acabava atendendo mais aos anseios dela, por exemplo, nessa parte religiosa e espiritual, de acompanhar aquilo que ela gostava, que fazia sentido para ela. Os outros não queriam, não iam e tal, mas eu ia. Então, acho que é isso, faz sentido agora.
(45:42) P1 - Era uma troca, um cuidado mútuo entre vocês.
R1 - Uma cumplicidade.
(45:46) P1 - Uma parceria.
R1 – E sem remeter a esse cuidado lá atrás. Não, eu tô fazendo por ti da mesma forma que você fez por mim, não foi buscando retribuição, né?
(45:58) P1 - E você queria ser o quê? O que você pensava?
R1 - Eu confesso que não era ser psicólogo, mas sempre algo voltado para pessoas. Isso me chamava muito, para o lado de pessoas. Aí, o primeiro chamado que eu tive para alguma coisa... obviamente criança: bombeiro, médico e tal.
(46:35) P1 - Mas já está no lugar do cuidado, também.
R1 – Sim, é. E aí o padre veio com essa... meu cabelo, na época, isso aqui já em Barcarena, tá? Eu tinha mais cabelo na época, então meu cabelo já era aquela cuiazinha de padre franciscano, (risos) instintivamente. Cheguei a conviver muito dentro da igreja, com o padre Dante, que foi, que é, pra mim, um exemplo de sacerdócio, sério, sem questões. Ali, você não precisa de licença pra falar com o ‘cara’ lá. O ‘cara’ está aqui. Então, se ele está aqui eu não preciso ir pra lá. Esse tipo de ensinamento eu tive muito com ele. E olha só que coisa: aquilo que eu pensava ser, ele me ajudou, o Padre Dante, a entender que não era preciso eu ser padre para lidar com pessoas, ou cuidar de pessoas, ou encaminhar pessoas. Eu poderia, de outra forma, fazer isto. E aí foi quando eu desisti definitivamente disso, mas aí... não sei se já vou avançar aqui, mas nessa época, em Barcarena, ainda pré-adolescente, eram essas as aspirações. O estudo eu sabia que me levaria para um patamar maior. Eu tive esse trauma como eu falei, mudança de um padrão para outro, onde eu vinha de uma instituição que, mesmo quando eu errava, não me punia, ela me orientava a buscar: “Olha, está errado e tal”. Tanto que eu era ‘fera’ em matemática, esse tipo de coisa e tal, porque eu aprendi a refazer, refazer, até acertar. E aí você chega num sistema onde a orientação é palmatória. E aí vou falar aqui com todo carinho dele: o trauma não é relação a pessoas, mas as ações, é o barulho da régua na mão. Tem algumas coisas que a gente acaba trazendo, alguns barulhos, alguns ruídos que incomodam, as pessoas acabam não entendendo, mas só a gente sabe, né? Então, barulho de bater muitas coisas assim e tal, me incomoda um pouco, porque teve esse trauma. E aí o professor Sérgio, grandão e tal e aquela figura do grandão, que era pra te defender, te orientar e tal e te castiga. Imagina uma criança ali, nessa faixa etária, que vem de: “Vou errar, vai me orientar, desse tamanhão, não é possível. Se a freira desse tamaninho, cuidava, por que o Sérgio não vai cuidar de mim?” E, ao invés disso, um castigo. Então, criou um bloqueio em mim. E indo para o Abaetetuba, eu segui no ensino fundamental, mas parei, desestimulei e achei, no trabalho, uma válvula de escape. Eu não vou estudar, vou seguir para cá.
(50:14) P1 - Mas vocês vieram de lá para a Barcarena e de Barcarena...
R1 - ... para Abaetetuba, nova visão do meu pai: “Opa, surgiu oportunidade para a Abaetetuba, grande centro da região”. É como se você, na região metropolitana, aqui: Abaetetuba, Barcarena, Igarapé-Miri e Moju, Abaetetuba era a capital. Vamos colocar dessa forma, em termos de representação e de importância social e econômica. Não pensou duas vezes, Abaetetuba. E aí, lá, sim, tivemos acesso ao estudo e tudo mais e tal e foi quando surgiu oportunidade de um trabalho. Na verdade, o meu primeiro trabalho foi uma oficina eletrônica, onde meu pai achava que eu precisava ter alguma coisa, fazer alguma coisa, que eu ficava - estudava à noite - o dia inteiro em casa, fazia meus deveres acadêmicos (risos) e tudo e ele achava que eu ficava muito tempo ocioso e tal, por ali, tal: “Esse menino está crescendo e tal, vou falar com o ‘seu’ João”. O ‘seu’ João era o João Forte, um amigo dele, lá de Igarapé-Miri, que tinha uma oficina eletrônica, que trabalhava com rebobinagem de motores e tudo mais. E pediu lá um espaço para que eu fizesse, trabalhasse, tivesse uma atividade lá. E aí eu conheci lá o meu amigo Gilmar e o Caracol. Caracol, até hoje eu não sei o nome dele, que a gente só chamava de Caracol, eu nunca busquei o nome dele, que eram os meus tutores, lá. O Gilmar eu me identifiquei muito mais, porque ele era o mestre dentro da oficina, o gênio e tal. Aí eu ‘colava’ nele para pegar técnicas, melhor forma de fazer. Incrível trabalhar com um espaço onde todo mundo se sujava e ele estava lá, que nem um cirurgião, na ponta do dedo. Aí me remeteu para o meu pai: “Pai, poxa, olha, faz sentido e tal”. E o Caracol era aquele ‘cara’ mais bruto, que resolvia. Então, eu aprendi as duas formas de fazer. Então, bruto... e eu via o Gilmar, tinha coisas que ele precisava fazer: “Chama o Caracol, que ele resolve isso aqui”. Então, eu aprendi isto também. Tem horas que você tem que ser pá, mas no geral tem que ser tranquilo e tal. E talvez essa tranquilidade, (risos) esse jeito de ver as coisas, vem um pouco desse aprendizado. E esse foi meu primeiro emprego. Ganhava dez... hoje, considerando a moeda hoje, sei lá, cinquenta reais por semana, que era o dinheiro que eu pegava, passava... as minhas irmãs faziam manicures e tal, eu pegava a minha mochilinha, pegava um ônibus Abaetetuba/Igarapé-Miri e ia passar o final de semana na casa da minha avó, pra lá.
(53:35) P1 - Você usava o dinheirinho...
R1 - ... pra isso.
(53:38) P1 - Pras suas férias?
R1 - Aí namoradinhas, esse tipo de coisa e tal.
(53:43) P1 - Lá?
R1 - Pra lá. Então, eu usava... aí eu percebi que, olha, é pra isso que serve, pra você ter qualidade de vida. Mas aí eu peguei, por conta disso, o estudo começou a ficar em segundo lugar e tal e eu não percebi que precisava do estudo, para crescer. Nisso surge o primeiro trabalho remunerado, numa loja de peças de motores marítimos. Olha só, meu pai trabalhava com isso e uma prima minha era gerente lá e precisava de uma pessoa que a gente chamava, na época, de contínuo, que hoje nem sei como é que chama, mas era o office-boy. Ela chamou minha mãe: “O Edson não quer trabalhar nisso lá e tal? Aqui vai ter carteira”. Aí minha mãe foi na juíza, explicou, a juíza autorizou e eu tive o meu primeiro emprego.
(54:42) P1 - Primeiro registro?
R1 - Primeiro registro de carteira. E aí trabalhei um ano - não sei se eu já vou avançar aqui as etapas – lá, na área administrativa, mas fazia de um tudo. E uma das atividades que eu fazia... aliás, todas as minhas atividades envolviam lidar com pessoas.
(55:08) P1 - Já tinha isso.
R1 - Então, quando faltava um balconista, eu ia atender pessoas. Se precisasse fazer cobrança das pessoas, eu que ia fazer. Então, tinha que saber como cobrar, como lidar e tal. E fazer pagamentos, de modo geral, no banco que ficava bem em frente, que era a agência do Bradesco. Então, lidar institucionalmente, ali. E nesse lidar institucionalmente eu fiz amizades dentro do Bradesco, com o pessoal da gerência e tudo mais e tal. E com aproximadamente um ano dessa empresa, que era a Motogeral, uma filial da Motogeral de Belém, em Abaetetuba ela era Motogeral Tocantins.
(55:52) P1 - Como é que chama?
R1 – Motogeral Tocantins, a filial. E aí essa filial precisou ser descontinuada, foi fechar e eu me transferi para o sul do Pará, numa cidade que hoje chama-se Curionópolis, próximo lá de Serra Pelada, porque os equipamentos que eram vendidos nessa loja, nessa empresa, atendiam muito esse público. Em Abaetetuba, os marítimos, o pessoal que tinha embarcação, mas a matriz funcionava direto fornecendo bombas, motores e tudo mais para o garimpo. E na época estava estourando, estava estourado lá, que era Serra Pelada e tudo mais e tal. E eu liguei para minha mãe: “Mãe, o seguinte: ‘pintou’ essa oportunidade de seguir para lá”. Trabalhava comigo, na Motogeral, o meu amigo Gregório e já queria muito ter as coisas, também ele tinha uma outra perspectiva de como lidar com dinheiro, esse tipo de coisa, mais velho também, um pouco, não pensou duas vezes, aceitou. Aí eu disse: “Não, espera aí, vou ter que cortar o cordão umbilical aqui, eu tenho que abrir mão de muita coisa”.
(57:11) P1 - Sair da casa dos pais.
R1 - É, e aí, pensa: jovem ainda e tal: “Oh, mãe, a situação é assim, pá, pá”. Era um desafio para mim e uma oportunidade também. Eu entendi isto, mas foi legal ela perguntar: “O que o teu coração diz? Qual é o teu sentimento em relação a isso?” Eu disse: “Olha, é um baita desafio. A gente vai prum local extremamente...”. A imagem que eu tinha, fechando os olhos, de Curionópolis, era o faroeste americano. E que era, de fato, não tinha... hoje está legal, uma cidade melhor, mas naquela época era isto, era a lei do fogo: não deu certo, fogo. Então, eu pensei na minha segurança, muito mais do que ganhar dinheiro, muito mais do que ascensão, tudo mais. Eu falei pra ela isso: “Não quero, eu estou preocupado com isso e isso e isso, tal” “Então, não vai, volta”. Baixei as contas lá, aí voltei, lembro disso, próximo do final de ano e fiquei um mês andando por ali, ia no banco, no Bradesco: “Pessoal, como é que está?” Passado quase um mês, hoje o subgerente, o Souza: “Entra aqui, tem uma vaga para contínuo aqui. A gente precisa fazer uma seleção, a gente já te conhece, não sei o que e tal. Tu quer encarar?” “Na hora”.
(58:50) P1 - No banco?
R1 - No Bradesco. Aí eu entrei no Bradesco como contínuo, que era o office-boy, lidando com pessoas na rua e tudo mais. E em quatro anos de banco eu passei por várias carteiras, até assumir a carteira de crédito rural do Bradesco Abaetetuba. E deixa estar que, nesses quatro anos, enquanto caixa, nós fazíamos pagamento da empresa chamada Sade Engenharia de São Paulo, que trabalhou na construção da Albras, lá na década de oitenta, no início dos anos oitenta. E vínhamos fazer pagamento. E lá eu conheci o Nininho, que era o chefe do setor de pessoal e o Milton, que era o administrativo do canteiro. E, nessas idas e vindas da vida, o Nininho veio morar num conjunto habitacional, onde eu já morava, morava na primeira casa da esquina, ele veio morar na casa ao lado. E aí começamos a estreitar mais ainda, deixou de ser... aí a família dele frequentava minha casa, minha esposa, minha filha e tal.
(01:00:09) P1 - Você já estava casado, nessa época?
R1 - Já, eu casei cedo, com 22.
(01:00:14) P1 - Com a moça lá de Igarapé-Miri?
R1 - Não, lá foi só uma namoradinha mesmo, só para começar a entender como é que funcionava a coisa.
(01:00:23) P1 - E aí você arranjou essa namorada onde?
R1 - Em Abaetetuba. Que é a mãe das minhas filhas.
(01:00:28) P1 - Como ela se chama?
R1 - Sidneia.
(01:00:30) P1 - Vocês namoraram um pouquinho, ou logo ela engravidou?
R1 - Sim, namoramos um tempo, tal, normal, mas tudo muito tradicional, para uma pessoa..
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(01:00:38) P1 - Não sei, às vezes teve que pedir para o pai...
R1 - Lógico, né? Teve tudo isso aí e tal, né? Todo esse rito. E aí, o Nininho, ali, eu olhando um pouco ali as experiências do meu pai, a gente estava entrando, começando a entrar numa era tecnológica. Então, sempre gostei muito de ler, assistir jornal e tal. Eu percebia que as manchetes, as entrevistas e tudo o mais sinalizavam para a mudança tecnológica global. Então, aquilo tudo que era manual, mecânico, tendência de mudar. E o Bradesco estava na era ainda ‘da pedra’, tudo manual. E muita gente trabalhando e tal. E indo lá na Sade, fazendo todo o final de semana pagamento, eu comecei a pensar nisso, falei: “E a hora que vier a tecnologia?” Aí eu lembrei dos meus estudos, né? Não tenho estudo completo aos demais. Então, eu sou, sei lá, numa escala aqui, candidato sério a sair, apesar de dominar os equipamentos, a dinâmica como um todo e tal, mas não tive estudo, perto dos outros.
(01:01:58) P1 - Você parou em qual ano, nessa época? Como se fosse o terceiro colegial, assim?
R1 - Não, era o ensino ainda fundamental. Eu não tinha concluído, acho que foi no 7º... não, espera aí... no 6º. Próximo de concluir eu parei, não concluí o fundamental, na época. Então, sou presa fácil, estou correndo risco aqui. Comecei a pensar: “O que eu vou fazer, se eu sair de Bradesco? Tenho grande oportunidade”. Minha filha tinha nascido e tal, não tinha casa ainda. Mas comecei a pensar nisto e disse: “O futuro de Barcarena é o polo industrial”. A Albras, que estava ali e a Alunorte, que estava ali, na sequência. E vindo fazer esse pagamento, olhava lá do canteiro de obra aquela cidade crescendo, surgindo do nada e próximo já de eu sair do Bradesco, eu saí de férias. Aí, conversando com o Nininho: “O que você está fazendo aí?” “Eu estou de férias e tal. Não vou viajar, vou ficar por aqui e tal” “Tu não quer ir lá no escritório, com a gente?” Comentei com ele essa minha angústia, né? “Pô, cara, vamos lá no escritório?” Falei: “Vamos”. Vim com ele, no escritório. Fiquei três dias vindo com ele, vendo qual era a dinâmica, como é que trabalhava e me identifiquei com a área de custo e controle da Sade, que era muito próximo do que eu fazia no Bradesco. Nada a ver com crédito, mas controle, fiscalização e tudo mais.
(01:03:43) P1 - E era também uma relação com pessoas, ali?
R1 - Total. Quando eu voltei desses três dias acabaram as férias, cheguei no banco e pedi as contas. (risos) Então, saí do Bradesco e já ingressei na Sade.
(01:03:58) P1 - Trouxe a família?
R1 - Não, ainda ficou em Abaetetuba. Mas Barcarena sempre esteve... saímos de Barcarena, mas Barcarena nunca saiu da gente, porque todos os finais de semana Barcarena ou Igarapé-Miri, a gente fazia essa triangulação, né? Aí depois ficou com uma frequência maior Barcarena, por conta da proximidade e tal. E aí na Sade eu comecei a desenvolver um trabalho também legal e com sete meses, aproximadamente, a obra estava chegando próximo do final. E o Nininho: “Edson, o seguinte: tu é paraense, tu é daqui e tal. A Sade não leva - ela só leva o staff dela - outro tipo de pessoal, apesar do teu trabalho e tudo mais e tal. Então, é o seguinte, ‘cara’: começa a olhar aqui pra dentro, vê o que tu consegue nas empresas aqui, porque eu acho que aqui é o futuro também”. E aí começa a minha saga com, na época, a Vale do Rio Doce, né? A Albras já estava funcionando, já tinha partido, estava fazendo a expansão da segunda fase. E, como eu tinha acesso ao canteiro de obra e passava, por exemplo: eu tinha, meu crachá dava acesso a passar por dentro da fábrica também, eu comecei a perceber: “Olha, tenho que falar com quem pode fazer isto, RH”. E aí, num dia não fui almoçar, o almoço da Sade ficava na Vila dos Cabanos, que estava em construção também. Então, eu não vou almoçar hoje, vou começar esse ciclo de buscar, ingressar aqui. E conheci a psicóloga, a Bia, da Albras, na época: “Bia, é o seguinte” - eu contei a minha história toda, essa parte de trabalho, já a família construída – “caramba, olha, a hora está acabando, eu quero ficar por aqui e tal” “Olha, fica ligado, que vai ter vaga”, coisa assim. E aí, tá, minha estratégia foi dia sim, dia não, ir lá.
(01:06:06) P1 - Pulava o almoço e ia conversar?
R1 - Então, um dia sim, um dia não, eu almoçava ou não, pra ir lá. Acredito que foi muito pela persistência, talvez viram algum valor nisto: “Pô, o ‘cara’ é persistente, está querendo mesmo e tal, então esse ‘cara’ vai ‘abraçar’ a empresa”. Eu acho que foi isso. Mas tem outra possibilidade que, pô, vamos chamar esse ‘cara’, que eu não aguento mais”. (risos) Porque eu não ia desistir de fazer. E foi quando eu fui chamado para a Albras. Então, eu cheguei: “Nininho, me chamaram” “Vai, filho”. Deu as contas. Então, nesse tempo eu só tive quatro empregos, nesse tempo todo, esse que eu estou é o meu 4º emprego, então dos quatro empregos eu só fiquei, nesse tempo todo, apenas um mês sem formalizar emprego, mas muito por conta de relacionamento, construção de rede de relacionamento, construção de uma rede confiável de relacionamento. E demonstração clara de interesse por aquilo que eu estava me propondo fazer e que eu poderia fazer. Então, isso sempre ficou claro nas minhas relações com essa parte de emprego, sendo bem específico e acho que perceberam isto.
(01:07:29) P1 - Você entrou na Albras fazendo o quê?
R1 - Eu entrei como trainee de operador, porque naquela época era o cargo que tinha maior oferta. Eu não tinha estudo. Então, ser operador já era um privilégio, porque eu estava dentro da empresa.
(01:07:47) P1 - Que ano que você entrou?
R1 - Dia 15 de agosto de 1989, vou fazer 36 anos agora. E aí me lembro que os testes, olha só como é louca a vida da gente: eu fui fazer o teste psicológico, para ver se eu não estava abalado com alguma coisa. Fiz o teste de Rorschach, que é um quadro onde vem lá uma pintura de tinta, que escorre para um lado e pro outro e você olha e busca identificar o que aquilo transmite para você. E, por incrível que pareça, nessa época a mãe da minha filha estava grávida e eu tinha visto recentemente a ultrassonografia. E quando eu peguei Rorschach, a planilha, o cartão de Rorschach, eu chamei a psicóloga e disse: “Bem aqui está a minha filha”, porque eu olhei e enxerguei a ultrassonografia, a minha filha, o útero ali e tal. Aí disse: “Onde é que está, Edson?” “Aqui. É o que eu estou vendo”. Aí: “Mas por quê?” “Porque é o que eu estou vivendo agora” “Ah, sua filha, sua esposa, não sei o que e tal”. Então, isso não foi pensado, foi realmente demonstração do que eu estava sentindo. E no meu teste prático, eu tive que ir na área... não sei se vocês conhecem a área de redução da Albras, é onde ficam as cubas eletrolíticas, onde produzem o alumínio, recebe a alumina da Alunorte, ela entra no processo, vira o alumínio. E aí o Toninho, que foi o meu tutor inicial na Albras, me levou lá, para ver como era uma cuba. Coincidentemente eles estavam tirando uma peça chamada ânodo, que faz parte desse processo todo e quando a tira fica um buraco grande, assim e você vê o que tem lá dentro, que é o banho eletrolítico, alaranjado, borbulhando, a novecentos e setenta graus e aquele calor bate né, buuuuuuuf. Então, tu imagina pra um ‘cara’ ali, que nunca tinha... quando eu olhei, assim, a gente usava uns óculos transparente, de segurança, ele percebeu que eu tipo: “Uau!” Aí ele bateu: O que foi, ficaste com medo?” Eu disse: “Não, estou impressionado”. (risos) Porque, de fato, e depois eu fui conhecer o processo produtivo, é apaixonante. Assim como o Bayer da Alunorte, é apaixonante. A complexidade para você criar algo novo. Como o ser humano, como a pessoa consegue? Traz isto, essa inspiração, para sair de uma pelota de argila para isto aqui, uma produção de alumínio, metal necessário. Acredito que toda essa trajetória com pessoas, demonstrar o que eu estava sentindo, o que eu estava percebendo e demonstrar que: “Olha, eu não estou sentindo isso que tu está falando, mas eu estou sentindo isso aqui”. E fazer a pessoa perceber, eu acho que fizeram parte dessa trajetória, sempre. Então, o meu pai perguntou se eu queria o desafio lá, do ‘seu’ João Forte. Gilmar perguntou para mim: “Mostra a tua mão aí. Tu é doido, vai ficar só calo, não sei o que e tal. Tu quer trabalhar no Motogeral?” “Quero” “Quer trabalhar no Bradesco?” “Quero”. Então, eu não me preocupava se eu ia ser office-boy, se eu ia ser limpador de peça e tal, eu queria estar inserido nas coisas. E obviamente que as oportunidades me fizeram chegar onde eu estou hoje.
(01:11:58) P1 - Você tinha algum objetivo, nesse início de carreira? “Quero trabalhar aqui, quero ficar aqui”?
R1 - Lá vem meu pai de novo, é o cuidado, porque eu já tinha uma esposa e uma filha.
(01:12:11) P1 - E ela estava grávida.
R1 - É, e eu não pensava em mim. Porque se eu tivesse pensado em mim, pensa: um jovem de 21, 22 anos, vai querer trabalhar nesse quente e tudo o mais? Não. Podia chegar com meus pais e falar: “Não dá e tal”. Mas eu já tinha assumido compromissos, já tinha compromissos que não foram impostos. Eu escolhi, eu quis casar com aquela pessoa, eu quis ter filho naquele momento. Porque eu já tinha uma condição, esmo jovem já tinha uma condição, mas precisava melhorar aquela condição, exatamente para oferecer não mais, mas o melhor. E aí o melhor não era ter mais dinheiro, ou ter um emprego melhor, era entender que aquela pessoa que estava ali dentro ia precisar de mim por um longo tempo e aí eu tinha que me preparar para isso. Então, cuidado, o cuidar. Só que gente não se dá conta disso, a gente só vai cuidando, a gente só vai fazendo e cuidando. Hoje a minha filha mais velha, Naira, é fonoaudióloga e a minha filha caçula, Ana Flávia, é médica veterinária. Então, são frutos dessa trajetória toda, dessa preocupação, de não ter o melhor emprego, até porque se eu fosse buscar o melhor emprego, eu tinha me formado mais cedo, tudo mais e tal. Mas, olha só, o desafio da vida: quando eu estava... e eu iniciei na Albras, tá? Mas, se você me perguntar aí: “Onde é que a Alunorte entra na tua vida?” A Alunorte entrou na minha vida antes dela ter nascido. Antes de ser a Alunorte, a refinaria que opera hoje, ela era um grande canteiro de obra. E eu conheci a Alunorte, eu entrei na Alunorte, na mesma época. Que, na Albras eu ingressei como funcionário, mas na Alunorte, na Albras eu fiquei um tempo como trainee, percorrendo todo esse processo. Então, para eu entender o processo Hall-Héroult, do alumínio, eu tive que entender o Bayer da Alunorte, porque eu ia ser um operador e eu tinha que saber o que é que eu estava colocando de matéria-prima naquela cuba eletrolítica, que viria lá do outro lado. E eu visitei a Alunorte no mesmo instante que eu conheci a Albras. Então, eu conheci todo o complexo da Albras num dia e no outro dia nossa equipe toda foi levada para a Alunorte, para conhecer tudo que já estava ali, em construção, mas que viria a ser construído para ser a refinaria, que ia ser nosso fornecedor de matéria-prima.
(01:15:06) P1 - Antes que ela partisse.
R1 - Antes que ela partisse. Então, eu fui privilegiado, nesse sentido, com a Alunorte, por entender, até antes que ela existisse, a importância dela para o processo, mas o que viria ali de oportunidade de emprego e tudo o mais e tal, tudo que ela trouxe para as pessoas. Então, tem essa relação íntima, muito antiga e começa junto com a Albras. E que agora faz muito sentido eu estar trabalhando. E hoje, na minha função, eu presto serviço para a Albras e Alunorte, porque eu sou da Hydro Corporativa, mas é como se eu sempre estivesse.
(01:15:52) P1 - Você ficou então na Albras por quantos anos, até você passar para a Alunorte? R1 - Na Albras, a Albras foi uma escola fantástica. E foi a Albras que me estimulou, através da sua assistente social, a Terezinha; através do meu gerente na época, o Alexandre, o gerente de área; depois o Benigno, que foi meu gerente... Alexandre imediato, Benigno gerente de área; e o grande estimulador da minha vida acadêmica, Ricardo Lara, que era o meu gerente de divisão.
(01:16:31) P1 – Na Albras?
R1 – Na Albras. Então, em final ali... início dos anos 2000, assim como meu pai, eu busquei uma outra alternativa de atividade para complementar a minha renda, que também era uma boa renda, mas aí precisava oferecer melhores condições em casa. Comecei a trabalhar com distribuição de água e gás. Naquela época tinha muita demanda para isso, então eu consegui contato com uma distribuidora de Benevides, de água e uma de Abaetetuba e eles me deram suporte, como eu conhecia muitas pessoas, então quando eu divulguei isso: “Estamos trabalhando com isso” e a gente mandava entregar, distribuir e tal. Estava num bom caminho de crescimento, nisso, mas aí...
(01:17:28) P1 - Você trabalhava de dia na Albras?
R1 - Eu trabalhava de turno. Então, no contraturno, fazia esse trabalho.
(01:17:35) P1 - E a distribuição era você indo entregar? Ficava na logística?
R1 - Não, já gerava um emprego ali para duas pessoas, que faziam isto. Inicialmente de bicicleta, depois de motinha e tal. E a esposa, na época, fazia parte de atendimento, essa coisa toda. E eu fazia as logísticas, planejamento e tal. E legal, só que aí surgiu, ainda nos anos noventa, como eu sempre gostei de ler, estar me atualizando, uma certa facilidade para compreender e tal, me relacionar, dialogar e tal, capacidade de escutar, entender e tudo mais, aquilo que tem que ser feito imediatamente vamos fazer, depois a gente discute se é certo ou se está errado, mas vamos fazer. Isso acabou chamando a atenção dentro da Albras, porque surgiu, não vou lembrar o ano aqui, mas a necessidade de formar novos gestores, novos gerentes operacionais, de preferência pessoas daqui do Pará. E eu fui uma dessas pessoas indicadas, com todas as possibilidades para ser um dos pioneiros deles. Só que chegou na hora de escolaridade...
(01:19:01) P1 – Faltava o diploma.
R1 - “Como assim você não tem um ensino fundamental, seu maluco? Como assim? Você, com esse potencial todo?” “Pois é, foram escolhas que eu fiz e tal” “Mas tudo bem, você não vai poder participar”. E olha como é a vida! Porque, se eu tivesse ido nesse caminho de ser um gestor, um gerente na área operacional, talvez eu não tivesse ido para este lado que eu vim. Talvez não, eu não teria. Eu ia ter que seguir uma carreira acadêmica muito voltada para a engenharia, esse tipo de coisa, que não é o meu forte, não é o eu quero, não é o que eu queria. Eu já sabia que não era o que eu queria. Então, por conta dessa trajetória, esse caminho já foi eliminado pra mim. Mas, por conta da relação com pessoas, a assistente social disse: “Vai estudar, que você tem futuro aqui”. E, nessa época, teve a oportunidade de fazer o que chama o seriado, o EJA. E, por encaminhamento da vida, acho que não é sorte isso, a diretora de uma das escolas aqui de Barcarena, que é da... meu Deus, professora Ana de Aragão, do CEI, Centro de Educação Integrada, morava na mesma rua que eu, na Vila dos Cabanos, já morava aqui. Conversando com ela, expliquei a situação, ela disse: “Vai lá, te matricula, vai ter uma turma”. Comecei a me matricular para concluir o fundamental, que eu não tinha, em um período e depois o médio, que me capacitaria para o ensino superior. Fiz ali o fundamental, passei rapidamente, porque a bagagem que eu já tinha construído, passei rápido. E, no médio, a professora Ana de Aragão - e a minha intenção era fazer o médio, para voltar a disputar outras vagas lá - participando ali da vida acadêmica, ela percebeu oportunidades em mim e chegou comigo, principalmente no debate em sala de aula, ela gostava muito. Ela começou a adotar, em algumas aulas, a dinâmica do debate, porque eu buscava informação, então a gente acabava ficando bem legal. E quando estava terminando o EJA, eu ia parar, ela chegou pra mim: “Por que você não segue?” Eu: “Não, eu estou com trabalho assim, em tal turno, estou com esse empreendimento, não sei o que, que era a distribuição” “Faz seguinte: tenta, eu te dou a bolsa”. Ela me deu a bolsa do cursinho de lá. Aí eu fiz e tal. E agora, o que é eu vou querer ser, né?
(01:22:12) P1 - Você estava com quantos anos, Edson?
R1 – Trinta e pouco, trinta e três, eu acho, ou 34.
(01:22:22) P1 - E as meninas?
R1 - As minhas filhas? Já tinha a Naira, só. A Naira e a Ana Flávia, já. A Naira foi estimulada até, um pouco, por mim, para entrar na universidade. Eu sou péssimo de datas, eu posso até levantar depois.
(01:22:40) P1 - Mas só para ter ideia do momento da vida.
R1 - Isso, mas eu já estava ali, isso foi em 2001.
(01:22:49) P1 – Então, você recebia apoio da sua esposa da época, das filhas, todo mundo? “Vai lá, pai, vai estudar”.
R1 – Sim, tranquilo. Vai, vai, sem problema. A minha rede sempre foi legal comigo, sempre.
(01:23:01) P1 - E aí trabalhando de turno?
R1 - Trabalhando de turno, então os desafios só aumentavam, né? Mas aí era tranquilo, porque eu conseguia conciliar os horários e tal. Não era um estudo tão pesado. Graças a Deus, mesmo afastado da escola, as leituras que eu fazia, a busca de conhecimento me trouxe uma bagagem muito legal, para eu entrar e não ter tanta dificuldade de compreender, de avançar e tal. Isso facilitou muito. E aí eu fui fazer o cursinho, aí eu passei a descobrir, nos debates em sala de aula, na dinâmica com os colegas no trabalho, essa veia de cuidar dos outros. E vi no Direito uma oportunidade para isso e na Psicologia. E foi onde eu comecei a fazer o cursinho e tal e me matriculei na Universidade Federal e na UNAMA, Universidade da Amazônia, particular. Uma pública e uma particular.
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(01:24:09) P1 - Em qual curso?
R1 - Psicologia e Direito.
(01:24:13) P1 - As duas?
R1 - As duas opções porque, na época, você podia fazer, na qual você... e, assim, eu escolhia duas áreas para fazer o vestibular, se eu passasse num seguia; se não, passasse no outro. Aí fui, fiz o cursinho e tal, legal, vamos para o vestibular. Adotei minhas táticas e técnicas de motivação pessoal, bem particulares. Comecei a ler sobre esses assuntos, Direito e tudo mais. Aí fui, confesso, sem perspectiva para passar de primeira e tal e passei. Tem uma foto, essa foto eu separei, já. Aí eu estava trabalhando no turno da manhã e íamos sair, pegávamos às seis da manhã, saíamos às 13. Me lembro que avisei lá para a turma, pro meu gerente e tal. E a área de redução tem salas, linhas e seções. Então, você tem a sala A, linha cem, linha duzentos, seção 11, 12, 21, 22. Nesse dia eu estava trabalhando na sala, na redução 4. Sala B, sessão 42. Aí, por volta de nove e meia, dez da manhã começou sair o listão dos aprovados. Aí aqueles colegas mais próximos, que podiam parar a atividade para ir para lá, foram lá para a sala: “Edson Maciel”. (risos) Aí tem o sistema de alta voz, que a gente se comunica com toda a redução, aqueles blocos e tal. Colocou no viva-voz. “Passei, passei” e começou a festa ali.
(01:26:22) P1 - E passei em Psicologia?
R1 - Passei em Psicologia, não passei em Direito. E aí saímos do turno e já no ônibus também. Quando eu cheguei em casa, alguns familiares já estavam ali com maisena, com tesoura para cortar cabelo, uma cervejinha e tal. E aí os meus colegas que moravam mais próximos desceram do ônibus, só foram na casa deles, trocaram de roupa e vieram. Colocaram um carro-som lá, a música do Pinduca, que é do Passei no Vestibular e tal e celebramos esse momento. Fantástico, né? O primeiro filho dos meus pais a entrar na universidade, ensino superior. Com isso, depois acredito que acabou servindo de algum estímulo, para entender que nunca é tarde e aí novamente escolhas. Só que agora uma escolha contrária que eu tinha feito lá atrás, no início dos anos oitenta: eu optei, lá atrás, trabalhar para não estudar e aí, em 2001 eu optei por trabalhar menos, para estudar mais. Aí eu fechei o meu empreendimento, entreguei, devolvi, repassei o que tinha que repassar para outras pessoas, mas tinha o desafio de ainda trabalhar na empresa, porque meu sustento era lá. E como estudar, fazer um curso universitário, passei na UNAMA, curso de Psicologia, um dos mais caros, como ‘abrir mão’ de um empreendimento que me dá um complemento de receita, vou ‘abrir mão’ disso e, ao contrário, vou fazer um curso que vai demandar mais recursos, sendo que na empresa não posso exigir aumento salarial por conta disso.
(01:28:16) P1 - Tinha benefício?
R1 - Vários, vários benefícios.
(01:28:20) P1 - Para estudar?
R1 - Sim. Tinha a bolsa-estudo, que reembolsava pra mim parte, ajudava muito. Mas foram seis anos que eu não tive férias, no sentido de aproveitar as férias, porque foi o momento de ‘botar’ em prática toda a minha capacidade de articulação com pessoas. Então, minha primeira articulação foi o trabalho de turno, meu curso é à tarde. Uau! E uma área que não... é operacional, você tem que trabalhar. Aí foi o meu primeiro momento de diálogo interno, persuasão e tudo mais. Eu elaborei o material que eu demonstrava os horários que eu tinha necessidade, teria necessidade de eu sair mais cedo, ou trocar turno e tal. Um negócio insano, para uma pessoa que talvez não tivesse propósito, ou não vislumbrasse, mesmo que inconscientemente.
(01:29:29) P1 – Então, sua carga horária era pesadíssima, né? Sua rotina.
R1 - Era. E aí eu apresentei para os meus gerentes e tudo mais, alguns ponderaram. Na época eu entendi como negação, não vai, não, não sei o que e tal, mas olhando com muito carinho e cuidado eu acho que eles se preocuparam também, porque seria insano você trabalhar num turno, estudar à tarde e praticamente ter que trabalhar à noite, quase que diretamente, todos os turnos da noite.
(01:30:06) P1 – Por quê?
R1 - Porque meu curso era à tarde e era em Belém. Para eu conseguir cumprir minha carga acadêmica, eu tinha que sair daqui de Barcarena numa viagem que iniciava onze e trinta, pegava um ônibus, ia para o Porto do Arapari, pegava um barco para chegar lá em Belém perto de duas horas, para pegar o ônibus e estar na universidade duas e trinta, que era hora que começava o meu curso. E voltar às 19 horas, sair da universidade por volta de 19 horas, pegar o ônibus de volta, para pegar o barco de dezenove e trinta, para pegar o ônibus e chegar aqui em Barcarena nove horas, pegar o carro do turno e ir trabalhar até de manhã, sair da fábrica de manhã, vir para casa, descansar, dormir, se alimentar, dormir um pouquinho, pegar o ônibus onze e trinta de novo, ir para Belém.
(01:31:06) P1 – Então, seu turno era de madrugada?
R1 - Basicamente eu passei a trabalhar a madrugada, pela parte da madrugada. Eu ganhei um apelido carinhoso por conta disso, de Batman. (risos) Meus colegas colocaram esse apelido.
(01:31:20) P1 - De que horas a que horas você trabalhava, então?
R1 - Final de semana eu conseguia trabalhar no meu horário normal: se entrava de manhã, trabalhava de manhã; se entrava de tarde... era mais quando eu estava no turno da tarde. O turno da manhã e o turno da tarde era muito difícil pra mim, por conta dos horários.
(01:31:40) P1 - Que o turno, então, vai revezando?
R1 - Revezava. Então, eu trabalhava normalmente, parte do período de manhã, período de tarde, período de noite, em dias escalonados. Só que quando estava na semana, nos dias úteis, da semana, se eu estivesse de tarde eu tinha que ir para a noite. Se eu estava de manhã também tinha que ir para a noite. Então, a semana que, vamos supor, eu voltava de folga e começava na segunda-feira, esta semana toda eu trabalhava praticamente de madrugada. E aí essa foi a preocupação dos meus gerentes na época. E aí negaram, mas talvez eu não tenha sido convincente com eles. E aí eu fui muito respeitosamente subindo a escala, até chegar no Ricardo Lara, que era o gerente de divisão, na época. Hoje ele não está na empresa, ele está em outro grupo. Mas eu contei a mesma história pra ele, mostrei tudinho: “Eu tive trabalho pra fazer isso aqui e tal”. E aí foi a primeira pessoa que me deu uma demonstração... óbvio que todos, do seu jeito, a gente não pode querer que haja demonstrações igualitárias. Cada um demonstra do seu jeito. Mas ele demonstrou um cuidado, uma generosidade. Eu vi muito meu pai: “’Cara’, é isso que tu quer? Tu está entendendo que tu não vai fazer terapia com forno” - essa frase ele colocou pra mim – “Tu vai querer fazer terapia com o forno? Forno a gente usa a tecnologia, porque tu vai formar... por que não vai fazer Engenharia? Não sei o quê. Psicologia, Edson? Tu não vai fazer terapia de forno”. Aí eu: “Pô, Ricardo, você tem razão. Mas quem é que opera o forno? São pessoas, né? Pois é, as pessoas precisam de cuidado”. Aí rimos disto, né? Foi uma demonstração clara assim de que: “Olha, a gente está na mesma sintonia”. E eu só queria uma oportunidade, disse: “Olha, ‘cara’, se eu não der conta, você pode ter certeza que eu paro e volto aqui contigo, te agradeço e paro. Mas me dá a oportunidade”. Na hora, ele ligou para o Benigno: “Solta a ‘fera’”.
(01:34:09) P1 - Isso na Albras?
R1 – Na Albras. “Solta a fera”.
(01:34:12) P1 - Seus pais estavam vivos, quando você passou no vestibular?
R1 - Sim, claro. Foram na formatura e tudo. Minha mãe, com olhos, olhando o tempo todo, tal. Orgulhosa. Não teve um padre, mas teve um psicólogo. Que, se você (risos) pesar ali, muitos padres se consideram psicólogos e muitos psicólogos são considerados ali padres, porque fugiram um pouco do que, de fato, é a formação, mas no senso comum tem essa ideia de que vai aconselhar, é o que o padre faz.
(01:34:46) P1 - E você foi se apaixonando pela Psicologia, conforme estudava? Foi se interessando mais?
R1 - Na verdade, o que eu enxergava na psicologia é que eu poderia contribuir com pessoas. Isso é fascinante. É a mesma coisa, acredito, não sou engenheiro, mas quando um engenheiro... acredito que a paixão é essa, não é a formação, não é o status, mas o que eu posso fazer com isto, para melhorar a vida de pessoas, ajudar pessoas. É isso que apaixona. O resto encanta. E, como encantamento, uma hora passa.
(01:35:33) P1 - Como é que você equilibrava também sua vida em casa, com suas filhas, com sua esposa, com sua vida social?
R1 – Então, foi bem difícil, bem difícil. Eu sempre fui muito reservado, desde pequeno. Por isso que o pessoal me chamava de chato, porque tinha cuidados e tal. E eu, desde pequeno, sempre fui muito reservado com as minhas coisas. Eu não tenho hábitos de falar. Estou falando aqui, com vocês, esse tempo todo, isto tudo que eu estou contando para vocês e que provavelmente algumas pessoas irão ouvir e ver, eu não costumo contar para ninguém, nem pessoas próximas. Então, eu sou muito reservado. Eu prezo muito a minha intimidade, não por vergonha ou por medo, porque é meu, e nem todo mundo, nem todos nós temos essa condição de filtrar. E não por receio de demonstrar fragilidade, porque eu vou chorar, não sei o que, porque o que vão pensar de mim falando isso, tal. Não é por isso, porque é meu e eu me dou direito de compartilhar o que é meu com quem eu confio ou acredito, na hora que eu quiser, quando eu quiser e tal. Então, isso desde pequeno, então sempre cuidar das minhas coisas. O meu carro não é qualquer pessoa que pega. O meu celular não é qualquer pessoa. Enfim, as minhas coisas - isso falando de coisas materiais - não é qualquer pessoa, com qualquer pessoa que eu abro, eu preciso ter confiança. E isto, pra mim, é a base da relação. E eu trago isso desde o início. E é isto que hoje, quando eu faço um diálogo na comunidade, que eu vou falar com uma liderança, que eu vou falar com qualquer pessoa, a primeira coisa que eu preciso, é uma necessidade minha, é instituir, estabelecer a confiança. Porque senão, para mim, não é diálogo, é uma falação. E falação, você fala o que você quer, eu falo o que você quer e acabou. Você vai para o seu lado, eu vou para o meu e seguimos da mesma forma, sem construir nada. Então, construção que envolve relacionamento, obrigatoriamente, na minha perspectiva, requer confiança. Senão não acontece a ‘mágica’ e isso a psicologia me ensinou. Na verdade, fortaleceu, reforçou e me trouxe a técnica para compreender isso. Então, como é que eu vou me propor cuidar de alguém numa psicoterapia, se a pessoa não tiver confiança?
(01:38:39) P1 - Você está trazendo esse exemplo, esse contexto, para me contar como é que você lidou com o seu momento ali, de estudar, trabalhar.
R1 – Sim. Exato. Eu precisei estar com isto muito bem claro na minha vida. E inconscientemente, eu te digo inconscientemente, porque eu não tinha noção aonde eu ia chegar na empresa, o quanto tempo eu ia ficar na empresa. Conscientemente, eu estava me preparando para sair, porque o operador, numa indústria, não é que ele tenha validade, é que considerando o cuidado consigo mesmo, tenho que entender que tem um tempo. Na área insalubre, área industrial, se não me engano são vinte e cinco anos, não pode passar disso, mas não quer dizer que eu tenho que trabalhar os vinte e cinco anos. Pode ser que, no primeiro ano, eu tenha alguma questão que me incapacite e tudo mais. Então, eu tinha comigo, eu falava isso: “Eu não quero morrer operador. (risos) Não que a função... pelo contrário, foi uma escola de vida para mim, mas eu não queria me aposentar operador, não por desmerecimento, mas porque tem muita coisa, eu via muita coisa para contribuir ainda fora, ou na empresa mesmo, ou fora dela. Então, mas inconscientemente - conscientemente eu me preparei para sair, ter minha clínica, fazer minhas coisas e tal - eu estava me preparando para ficar na empresa, acabando de ficar na empresa. Então, me formei bacharel em 2004... 2005, perdão, mas o que é que eu posso fazer como bacharel? Você pode dar aula, fazer palestra e tudo o mais, mas só isso? (risos) Eu queria cuidar de pessoas. Aí eu tive que fazer uma pós de dois anos, aí me formei psicólogo clínico, que é a minha formação e psicólogo escolar educacional. Então, tenho essas duas áreas de atuação. Aí, em 2007 me formo, volto para a empresa, ainda na Albras e aí não estava bem seguro para colocar uma clínica ainda e tal, era muito incipiente e Barcarena não era ainda esse turbilhão que está hoje. Não tinha tanta demanda, vamos dizer assim, né? Mas eu precisava devolver alguma coisa. Exatamente ontem, conversando com uma colega de trabalho, é isso: o que a gente recebe só faz sentido se eu devolver, não necessariamente para quem me deu. E aí surge o voluntariado, na minha vida. Então, formado, eu apresentei para a empresa um plano de orientação vocacional para a comunidade. E a empresa Albras comprou a ideia e eu levei para... uma primeira experiência foi aqui no Cabana Clube, inclusive, numa ação global que tinha, na época. Aí a Albras aderiu. Eu fiz entrevistas, não psicoterapia, mas fiz entrevista e orientação vocacional, que é um dos...
(01:42:28) P1 - Você chegou a mudar de cargo, então?
R1 - Não, operador ainda.
(01:42:31) P1 - Isso era em paralelo?
R1 - Isso. Não, como voluntário, na minha folga, nessa ação global, fiz aqui no Cabana Clube, orientação vocacional, utilizando algumas ferramentas, a técnica e tudo mais, consegui dialogar com jovens, sobretudo carentes, que não tinham e tal. E aí, em 2010 pra 2011...
(01:42:58) P1 - E deu certo essa solução?
R1 - Super funcionou, foi muito procurado e tal. Então, foi a minha primeira experiência como psicólogo. E na sequência eu entrei como voluntário, pela empresa, num programa chamado Revisão Solidária, da periferia, vários profissionais. Por exemplo: engenheiro, que é bom de matemática, vai dar matemática aqui; um ‘cara’ que sabe, sei lá, técnicas de redação, se juntava esse grupo de profissionais já, para formar ali jovem, um cursinho universitário comunitário, né? E tinha esse gap da orientação vocacional. A gente está dando formação para várias pessoas, em várias áreas, tudo bem, eles vão passar no vestibular, mas pra quê? Então, faltava essa orientação vocacional e aí eu entro. E nessa época eu me propus a levar... nessa época eu já tinha, eu consegui abrir uma clínica, isso foi em 2014 para 2015, eu consegui abrir uma clínica em parceria com colegas da universidade que tinham o mesmo dilema, a mesma dificuldade de inserção no mercado. Graças a Deus, eu já tinha uma condição, então eu fiz um projeto de cuidado com pessoas, uma parceria com o sindicato dos metalúrgicos, que era da Albras, para oferecer psicoterapia, principalmente para os empregados, familiares e tal e, pela parceria com o sindicato, que me deu espaço e não me cobraria nada, tudo e aí eu teria liberdade também de atender os meus clientes particulares, então numa troca, um desconto de 50% para os empregados que aderissem a esse projeto, mas tendo um atendimento normal. Aí convidei três colegas de universidade minha, que vieram. Então, começamos o projeto e teve ali o seu momento. Mas, coincidentemente, a companhia começa a me demandar mais, porque nesse período eu já tinha passado para a área de responsabilidade social, na Abras.
(01:45:16) P1 - Então teve aí um marco.
R1 - Teve. Teve que, em 2011, final de 2011, por conta da minha experiência já, como voluntário, o marco acho que é até anterior. Em 2010 eu me proponho a ser voluntário na estação global, pela Albras e isso teve uma repercussão muito grande institucionalmente, na comunidade e tal. E eu fui convidado, mesmo sendo operador de redução, para coordenar o grupo de voluntariado da Albras. E aí lá eu coloco esses outros projetos e tudo mais.
(01:45:56) p1 – Isso, pra você, representava o quê?
R1 - As oportunidades que eu não estava vislumbrando. Fazer, realizar essas atividades para mim era uma realização do que eu tinha conquistado academicamente. O desafio de passar seis anos da minha vida me dedicando a algo que, tudo bem, ia tirar financeiramente disso tudo bem, mas seis anos me dedicando para me dedicar depois, para repassar. Porque acho que qualquer profissão, uma coisa muito a sério que eu levo comigo: se propor a fazer algo, faça bem-feito, faça de verdade, faça valer.
(01:46:53) P1 - E você fazia isso no contraturno?
R1 - Sempre.
(01:46:56) P1 - Você tinha que estar em casa, se dedicando a isso, nessas condições?
R1 - Escrever projetos, escrever. E aí, coincidentemente também, nesse período passei a ser convidado para dar aula em curso técnico, não a disciplina psicologia, mas disciplinas relacionadas a comportamento, noções de comportamento e tudo mais, que envolviam aspectos da psicologia. Então, fiz plano de aula e tudo mais e comecei também a lecionar. E aí, pensa: turno, aula e voluntário, né? E a família ali, do lado, (risos) (01:47:35). Mas já porque eu entendi que eu precisava seguir, é o que eu tinha escolhido. E se a família tivesse entendido desde o início, eu iria e fui. Tanto que as filhas hoje estão formadas também na área da saúde, uma com uma ‘veia’ muito forte para a questão da veterinária e a minha filha mais velha, Naira, na área da fonoaudiologia, cuidar de pessoas. Hoje ela está muito focada, atendendo crianças autistas. Entendo que, de alguma forma, valeu tudo a pena.
(01:48:16) P1 - Edson, e aí em que momento falaram: “Não, chega de ser operador, agora vem aqui, para a área que você estudou”?
R1 - Então, em 2010, trabalhando lá e fazendo voluntariado, comecei a demonstrar: “Olha, eu sou psicólogo, mas posso estar na operação, não tem problema, eu não vejo problema nisso. Mas, se tiver oportunidade...”. Aí surgiu uma oportunidade no RH, mas eu não tinha me formado em Recursos Humanos. A psicologia tem uma vertente que lida com isso, mas eu não queria. Cheguei a fazer ali o procedimento, o processo todo, mas como não era o que eu queria, não me esforcei muito e tal. Em novembro de 2011, o Paulo Ivan, que era o gerente da área de relações externas, que lida com comunidades e tudo mais, viu essa minha condição ali, no voluntariado, de lidar com comunidade, ir fazer ação na comunidade, surgiu essa vaga dentro dessa área, exatamente para trabalhar com isso. Então, a minha vida sai da operação e entra para esse desafio de lidar com comunidades, relacionamento, diálogo e tudo mais. Então, fiquei até 2013 diretamente voltado para a Albras. Em 2011 também culminou a saída da Vale e a entrada da Hydro, mas essa área da Albras permaneceu até 2013, mais ou menos, 2014. Em 2014 para 2015 a junção das áreas, porque a Alunorte já tinha uma área também de relações com as comunidades e aí fundiu as equipes, para atuar.
(01:50:00) P1 - Nas duas?
R1 - É.
(01:50:03) P1 - E ainda é assim?
R1 - Corporativamente sim. Na época a gente dava apoio, trabalhando lá na Alunorte, aí a nossa equipe toda da Albras migra para Alunorte, para juntar com a equipe da Alunorte que já estava lá, mas com viés da Albras também.
(01:50:20) P1 – Então, de 2014, é isso?
R1 - 2014 teve essa junção, de 2014 para 2015 definitivamente, né, junta e aí vira uma área corporativa já, não com esse nome, mas assim, já com esse entendimento de que precisávamos dar atendimento para as plantas.
(01:50:38) P1 - Qual que é o nome da sua função de 2015 para cá?
R1 - Analista de Responsabilidade Social.
(01:50:45) P1 - E qual que é o seu principal objetivo, sendo um analista de responsabilidade social?
R1 - Nós promovemos diálogo. Nós somos promotores de relacionamento e a promoção desse diálogo, a promoção do relacionamento visa essa aproximação empresa-comunidade, falando em stakeholders, fala em vizinhos, sermos bons vizinhos. Na verdade, o meu entendimento, em outras palavras, é sermos boas pessoas.
(01:51:21) P1 - Que se relacionam bem.
R1 - Sim. Que se relacionam bem e que buscam se relacionar bem, porque o bom relacionamento é aquele que se permite, em um momento ou outro, discordar de ti, brigar contigo, te chamar atenção, te xingar, se for necessário, para que você veja que aquilo que você está fazendo ou querendo fazer, ou se propondo a fazer, enfim, não está indo num caminho legal, você não está falando direito comigo. Então, o bom relacionamento, baseado na confiança e no respeito, permite isso. E é isso que a gente faz. A gente trabalha, a nossa equipe, o nosso trabalho é para que, de fato, o respeito à diferença seja genuíno e a busca do entendimento seja um processo natural, pelo diálogo.
(01:52:22) P1 - O que você enfrentou aí de desafios nessa... que são muitos, imagino: pessoas que moravam aqui, continuam morando aqui, que tiveram que lidar com uma estrutura nova na cidade, uma empresa chegando. Tem toda uma relação que vai sendo construída, né?
R1 - Bom, pelo meu lado eu não vejo tanta dificuldade para compreender, porque eu sou daqui. Eu tenho uma ligação com a região. A gente fala: “Eu tenho uma relação com Barcarena. Não basta conhecer Barcarena, não basta conhecer Moju, não basta conhecer Belém, o Pará. Você tem que ter a compreensão de como isto aqui se construiu, qual foi o objetivo, quais foram as condições da época, qual era o regime da época. E aqui, na reflexão que a gente se propõe a fazer, não cabe juízo, porque senão eu condeno e aí eu sou injusto. Primeiro, porque eu não estava naquele cenário ali, eu não vivi aquilo, eu não senti aquilo, mas eu respeito quem viveu e quem traz essa história. Mas também o outro lado que trouxe o desenvolvimento, que forçou o desenvolvimento, trouxe do jeito que era daquela época, trouxe daquele jeito e criou essa questão que a gente chama hoje da desigualdade. Então, a gente sabe que a década de sessenta, setenta e eu não vou entrar por este caminho, eu não vou cometer esse equívoco de entrar numa fala desse tipo, porque eu sou de 1966, mas eu não tinha consciência do que era aquilo, mas eu tenho consciência do que era em setenta, porque eu estava aqui. Então, a minha memória afetiva com Barcarena, quando o pessoal fala Conde, não sei o que, não existia Conde, existia Montanha. Não existia Itupanema, tudo bem que os nomes eram Conde, Itupanema e tal, mas se reconhecia aqui como Ponta Grossa, Montanha. E eu andei por lá, com o ‘cara’ mais fantástico que me mostrou isso, que foi meu pai. Eu era o auxiliar dele, lembra? Ele ia fazer manutenção na unidade geradora lá do Conde, na unidade geradora de Itupanema. Não tínhamos estradas. A gente, pra ir do Conde pra Itupanema, você ia margeando todo o barranco que tem, né? Um ramalzinho. Então, quando eu vou à praia ver o pôr do sol e toda vez é um pôr do sol diferente, mas eu só vejo um. É quando, em 1979, lá em Itupanema, ouvindo os pássaros, os japiins, ou lá no Conde, do lado do Campo do União, esperando meu pai. Você está vendo esse barulhinho da chave batendo? Era o que a gente ouvia, de tão pacato que era. A Vila do Conde era isso. Era um vilarejo que, num momento como esse aqui, você conseguia ouvir as ondas quebrando, lá na praia, meu pai batendo as chaves no motor e o japiim cantando. E Itupanema é a mesma coisa. Era o bar do ‘seu’ Benedito lá na esquina, o meu pai aqui, mexendo com o motor e a mangueira cheia de japiim. Então, eu vi Barcarena desse jeito. Eu, mesmo não sendo nativo, mesmo não tendo morado naquele local, eu me sinto orgulhoso de ter conhecido como era. E eu consigo entender o saudosismo, as dificuldades que as pessoas tinham, para viver naqueles locais, mas serem felizes ali. Consigo me colocar no lugar deles, de ter que largar tudo, sair de lá, porque eu saí do meu lugar também. Então, percebe que as histórias, as vivências se perpassam e nos dá essa capacidade, essa condição de se colocar no lugar do outro. Eu não perdi a minha casa, mas eu tive que sair da minha casa, para ir para outro lugar. Eu tive que deixar... no quintal da casa dos meus pais, em Igarapé-Miri, tinha uma árvore, um jambeiro grandão, bem grande, bem alto mesmo, fortão. Era o meu melhor amigo. Quando eu pegava ali uma tomada, alguma coisa errada, que eu precisava pensar, refletir naquela idade, lá no último galho, ficava assim, com esse vento, ficava lá, olhando e pensando: “Caramba, vou apanhar. Ah, caramba, aquela não sei o que da escola. Ah, não sei o quê”. Era o meu espaço e eu perdi isso. Eu voltei recentemente em Igarapé-Miri e a casa que era dos meus pais foi vendida, obviamente, e hoje é um hotel. Adivinha que foi que eu fui procurar? A primeira coisa que eu, quando saí do carro, tentei encontrar o meu amigo jambeiro. E ele foi tirado, foi cortado, porque ia entrar um hotel ali. Então, esse sentimento de perda, de revolta, frustração, que a gente ouve muito aqui, em Barcarena, eu consigo entender isso. Obviamente não sentindo na pele, mas compreendendo, porque eu vivi isso. E se a gente for parar para pensar, todos nós tivemos partidas e chegadas, perdas e ganhos. Acredito que o que faz a diferença entre a revolta e o sentimento de paralisação e ter que brigar ferozmente, para reconhecer que tudo bem, aconteceu isso, mas o que eu posso fazer daqui para frente, é isto que marca como cada um quer viver para frente. Então, quando a gente vai para um diálogo social, a gente não se prende ao passado, tenta não prender o passado, porque senão eu estimulo isto aqui naquele que está sofrendo ainda. Eu tenho que mostrar para o outro a outra possibilidade. Isso aqui que passou não morre, não morreu, porque está contigo, é tua história, é a tua essência, é o que tu é. Agora tu tem que aproveitar isto aqui para lutar por melhor. Isto aqui não volta mais.
(02:00:10) P1 - É nisso que você ajuda, né?
R1 - É nisso que o diálogo, a gente busca fazer essas conexões, indo à Barcarena e, de novo, eu respeito muito isso e acho que entendo que é isso que faz com que as pessoas consigam dialogar mais abertamente, mais francamente, porque há confiança. Para mim, se não tiver confiança, eu nem vou, porque eu não acredito. Eu só vou se eu acreditar que é possível. E a gente sabe que o nosso papel é desafiador, enquanto analista de responsabilidade social, porque são histórias. Então, é a história de um empreendimento, de uma empresa que está aí, é a história de um processo de desenvolvimento que veio lá atrás, são condições que precisam ser melhoradas de um modo geral, em termos de infraestrutura, enfim, de aparelhamento público e tal. E que não há tempo para parar e consertar tudo.
(02:01:19) P1 - E do que você mais se orgulha, nesses seus anos de trabalho, que vocês têm conquistado nesse trabalho?
R1 - Assim, tem o lado pessoal, tá? Eu me orgulho muito de ver que o que eu busquei até agora, tudo que eu busquei até agora, me trouxe para o melhor momento. Eu estou aposentado, já estou aposentado, mas os meus gerentes, que foram passados, não, ficam. Então, eu percebo que ainda tem muito para fazer. Isso, para ter me capacitado, me preparado e tudo mais. Então, inconscientemente, era aqui que eu ia estar. É aqui que eu estou. E aí eu tenho ainda, costumo dizer, muita ‘lenha’. Não sei por quanto tempo ainda vou ficar fazendo isto na companhia, mas não tem jeito, é o que eu vou continuar fazendo, até o último dia da minha vida. É o que eu sei fazer. De outras formas e tudo mais, mas é isso, é relacionamento. Entendo que, para a companhia, especificamente Alunorte, a nossa ida para lá, em 2015, foi fazer parte de uma retomada. Eu não gosto muito dessa palavra de retomada, que estava ali, reaproveita então. Mas foi de nós instituirmos novamente ali o diálogo. Não que não houvesse. Acontecia de outras formas, com outros mecanismos, com outras demandas e tudo mais, especificamente com os stakeholders A, ou B. Mas em 2015 a gente parte para aquilo que a gente acreditava e que a nossa equipe tinha se preparado, experimentado, apanhado muito, para chegar num formato que entendemos que é um dos melhores, pode ter outros que a gente não saiba, mas encontramos nesse formato de diálogo, que é o participativo, mesmo ainda ali com certo receio de não conhecemos quem são as lideranças, mas vamos chamar. Então, em 2015, a Alunorte faz um diálogo social no qual o diretor, o Joel, na época era o diretor-presidente, conduz, dialoga com as comunidades e teve ali, ‘bate’ daqui, ‘assopra’ dali, não sei o que e tal, mas no final das contas, tanto lideranças comunitárias quanto a gestão interna entenderam que era esse o caminho. Então, demonstrar a prática disso e que o diálogo social não é algo estanque, que acontece, ele tem que ser construído, cuidado, gestado e principalmente quem vai participar, que é a comunidade, precisa também ser preparada para isso. Porque a gente vem, olha só, de uma forma de se relacionar no passado e que eu não critico, não condeno, simplesmente era esta a forma, muito de assistencialismo. Então, houve uma acomodação de ambas as partes, de tratar dessa forma. E a partir desse momento: “Olha, já vou precisar te dizer não para algumas coisas”. Então, como é que eu preparo essa liderança e como é que eu me preparo, para dizer o não? Porque o não, o não pelo não é muito forte, mas o não com uma explicação justa, sincera, vira um sim legal lá para frente, porque eu te entendo, agora eu te entendo por que não pode. Qual outro caminho que a gente pode fazer isso? Me dá a mão, aí vamos. Temos hoje e já está 100%? Claro que não, porque o diálogo não se resolve, ele se constrói. E a cada encontro precisa de ajuste, precisa de revisão, precisa de buscar o meu momento, porque eu não vou estar aqui apenas apresentando indicadores dados. Eu tenho que entender, primeiro, que tem pessoas aqui que querem saber o que que eu estou fazendo, o que significa isto tudo aqui. E para isso precisa coragem, porque nem tudo que eu faço, por mais que eu tenha controle e tudo mais, aos olhos dos outros vai parecer errado, porque ele não conhece. Então, diálogo social no nível de cooperação empresa-comunidade, precisa de transparência. Transparência. Por mais que esteja errado, ou não totalmente certo, porque eu acho que ninguém faz nada para errar. Ninguém. A gente trabalha para fazer o melhor. E, às vezes, o melhor não sai adequadamente. Precisa sempre de ajuste, como tudo na vida. E é nessa construção de diálogo que o outro me mostra onde eu estou errando, porque eu estou ali fazendo o melhor que eu acho que é. Mas ele: “Mas olha, e se ali e tal, melhorar?” E aí entra os nossos valores. Então, preciso ter coragem para fazer isso. Eu preciso buscar a cooperação, a colaboração que esse momento traz para mim. Eu preciso entender que o diálogo traz oportunidade de cooperação para o meu processo. Eu tenho uma liderança comunitária, meu amigo, eu posso citar o nome dele, Mário Assunção, que ele, toda vez que gente vai para o diálogo social e ele traz, assim como as outras, mas ele faz essa fala: “Olha, vou dar mais uma ideia de graça para vocês. Anota aí, Edson”. Então, é isso, a melhor consultoria que a gente pode ter, é essa relação comunitária, porque eles estão trazendo não o olhar de um consultor, que vem com boa intenção, com a tecnologia, com o conhecimento, com a ética e tudo mais.
(02:08:25) P1 - A experiência, né?
R1 - Mas ele não tem o que eles têm: a vivência do território. E isto, pro relacionamento, conta muito. E ignorar isto, a vivência, a experiência, o sofrimento do outro, a angústia do outro, não é ir para um diálogo. Eu estou indo para uma relação de que eu só vou ouvir o que eu quero. E o diálogo social, obrigatoriamente, tem que ter abertura para dor e angústia do outro. E é isso que a gente busca fazer. Já conseguimos fazer isso, tivemos muitos avanços, mas tem muita coisa para fazer. Por isso que o desafio do território é esse. E você está num território que não para pra você ajustar as coisas. Por mais que você, enquanto empresa, busque sempre trazer o que é melhor, ter as melhores pessoas, ter os melhores cuidados, as melhores consultorias para te ajudar e tudo mais, sempre vai ter oportunidade no teu processo, mas você não está só no território, você tem outras empresas e tudo mais. Então, o território não para, pra que todo mundo se ajuste. Mas a forma como a gente dialoga, vem dialogando e aprimorando o nosso diálogo... passamos recentemente, a nossa gerência passou recentemente por um período de reformulação de metodologia, de ferramental para o diálogo e tudo mais, até para demonstrar mais claramente, não com indicadores quantitativos de efetividade, porque o diálogo é subjetivo. Eu posso transformar um relatório em algo, ali, objetivo, mas a essência dele é subjetiva: o que quer dizer esse relatório? Então, a gente tem buscado e aí é um desafio nosso, buscar esses indicadores que nos mostrem que a gente está conseguindo avançar, porque o sentimento que a gente tem quando a gente fala com uma liderança, quando a gente sai de um diálogo bem-sucedido no sentido de debate, de abertura para a colocação das questões: “Pô, foi legal hoje, bacana”, mas o que isso quer dizer, em termos de efetividade? A gente precisa hoje demonstrar sentimento. É muito difícil, acho que é impossível até, mas, enfim, é um desafio que a gente quer, porque fazemos muito diálogo, dialogamos muito. A experiência de 2015 nos fez atravessar esse período de 2018 para cá, que foi de muito desafio para a Alunorte, por conta das fortes chuvas e tudo mais, mas foi o que nós construímos em 2015, plantamos lá enquanto abertura para o diálogo, que nos fez chegar em 2018, no pior momento que tivemos, de ter condição de chamar lideranças comunitárias para dentro da empresa, para dialogar. E, mais do que isso, lideranças que foram capazes de compreender que tem coisa para melhorar e tudo mais, mas que conseguiram ficar do lado... não a favor da empresa ou do lado da empresa, mas conseguiram entender que estão fazendo muita coisa para melhorar e tal. Então, tivemos sinalizações de credibilidade. E foi isto que garantiu, entendo que garantiu sim a nossa licença social, que é a nossa ‘cereja’ e de qualquer empreendimento. Ter a compreensão da sociedade como um todo, de que temos desafios, temos pontos de melhoria, estamos fazendo e precisamos de vocês para ajudar nisso aqui, na discussão.
(02:12:47) P1 - A confiança, né?
R1 - No fundo, no fundo, confiança. Traduzindo. Então, o outro só se dispõe a vir comigo se ele confiar em mim. Se ele perceber que está entrando numa ‘fria’, numa ‘roubada’ e que, olha, é tudo ‘papo furado’, não vai. Então, o nosso desafio é este e é isso que apaixona: ver que plantou uma semente, cuidou, vem cuidando e está aí ainda.
(02:13:24) P1 - Eu acho tão bonito, porque dos líderes que eu escutei, foi unânime. Cada um tem sua questão ali, para ser dada, mas foi unânime ouvir deles que eles se sentem, de um tempo para cá, de um trabalho conjunto, ouvidos. E isso é o ponto de encontro: a gente tem que se dispor a ouvir. Acho que é isso que eles se sentem, como eles se manifestaram.
R1 – A escuta, na psicologia, isso eu aprendi, não é ouvir apenas, ela é parte, mas te observando do meu ponto de vista, você de fato está me escutando. Porque você, obviamente, está ouvindo, eu estou falando, estou verbalizando, você está ouvindo, mas você está processando. E eu consegui ter você de mãos dadas em alguns momentos que eu ‘viajei’ aqui. Você conseguiu ir comigo em alguns lugares, aqui. Isto é escutar. Não é apenas ouvir, ouvir coloca aí qualquer ser vivo...
(02:14:40) P1 - É ouvir inteiro, né? (risos)
R1 – É exatamente ouvir o que eu não estou dizendo. Isso é escuta. E que bom que a empresa está num momento assim. Isso, para mim, demonstra que a humanização... e não quero aqui dizer que era desumano, é muito complicado a gente expressar isto, mas a sensação que a gente tem é que é esta abertura para ouvir quem está aqui do meu lado, mas está do outro lado do muro e que não ouvia. E o que esse ‘cara’ lá do lado, como é que ele me vê, como é que ele me sente, como é que ele me percebe e tal. Então, nosso trabalho não foi apenas ‘quebrar muros’, porque senão na Europa tinha resolvido, caiu o muro, mas não aconteceu de fato o que precisava acontecer. “Ah, vamos derrubar esses muros”. Não adianta. Não adianta derrubar muros, porque para algumas pessoas ele vai estar ali, no ‘mar’ de tijolos. Porque é no comportamento, é na postura e é na relação.
(02:16:00) P1 - Eu sei que tem todo esse trabalho do diálogo, que você está trazendo aqui para a gente. Tem também, imagino, capacitações, vários tipos de cursos, ações que vocês vão favorecendo, né?
R1 – Sim. A nossa dinâmica de diálogo social. Por exemplo, como eu falei ainda agora, saímos recentemente agora de um processo de atualização, revisão, validação de todo o nosso processo. Como fazer um diálogo social? Não é meramente quero: “Vamos conversar hoje”. Tem todo um processo de diálogo. Tem os diálogos que a gente, às vezes, considera emergencial, ou que foge um pouco a toda essa padronização, por conta de demanda, mas obrigatoriamente, dentro do planejamento, o diálogo estruturado tem um tempo de planejamento, um tempo de convites, um tempo de preparação, organização de logísticas, ferramentas de monitoramento e medição disto, participação. Então, tem todo um ferramental, toda uma estratégia, porque ele não é apenas um momento de encontro ali. Ele tem que ter uma efetividade, que é levar a informação e a informação correta, receber feedbacks, quer seja através de críticas ou através de elogios ou de sugestões e tal. Então, nesse momento do diálogo estruturado que nós temos, ele possibilita este momento, que é o momento, é o ápice, é o momento de crescimento. É ali que a gente consegue ver a nossa maturidade e o quanto a nossa maturidade para realizar um encontro desse nível reflete na participação das pessoas, no comportamento delas, ali no ambiente e tudo mais. E aí essa maturidade você vê que é uma maturidade do relacionamento, mas é uma maturidade também da liderança, que tem a oportunidade de participar de um espaço ali, seguro e nosso também, enquanto instituição, um espaço de amadurecimento e de crescimento com segurança que: “Olha, realmente é esse o caminho, isso que gente está fazendo é o correto”. Tem muito para melhorar, tem muito para fazer, mas que bom que a gente está encontrando. Essa é a beleza do diálogo, que não é algo... você tem a estrutura organizada, pronta ali, ferramental e tudo mais, mas é o âmago disso. O sentido real do diálogo não está em estrutura, é como eu uso toda aquela estrutura para tornar o espaço seguro e confiável.
(02:18:59) P1 - Você tem um número de comunidades, de associações, que você...
R1 - Sim. Uma das ferramentas que nós temos é a matriz de stakeholders, que dentro desse processo de diálogo, e aí você vai buscar dentro de algumas metodologias mundo afora, inclusive institutos que trabalham especificamente para trazer esses indicadores, essas ferramentas, que conseguem demonstrar essa efetividade, esse avanço de diálogo. Então, nós adotamos isso como boas práticas, trazemos para dentro do nosso portfólio de ferramentas e temos um guia de diálogo social, por exemplo, que norteia toda a nossa ação. Uma coisa é: eu estou hoje fazendo um diálogo dentro de uma metodologia e o meu colega fazendo de outro jeito. Jamais teremos um resultado ali, esperado, parecido. Não é que ele faça errado, certo ou o contrário, é que pode passar para a outra parte uma falta de conexão, uma falta de organização, de padronização, tudo o mais e tal e obviamente os resultados não vão ser iguais. E não se quer transformar pessoas em robôs de diálogo social, mas o que se busca é que haja uma compreensão da importância desse momento do diálogo. Então, eu não posso ter uma atuação, enquanto analista, diferente do meu amigo no sentido comportamental. Então, eu não posso ficar, sei lá, alterando voz, brigando, xingando e tudo o mais. Tem comportamentos que não contribuem para um espaço ali. Então, o guia, para além disto, traz ali noções dentro das melhores práticas e um diálogo exitoso tem que ter esse tipo de estrutura, esse tipo de postura, esse tipo de comportamento, esse tipo de mapeamento. Eu preciso entender que eu vou lidar hoje com três pessoas e eu preciso minimamente entender como cada um percebe esse território que eu estou tentando mostrar para eles, que a gente pode construir junto. Como eu faço isso, se cada um tem uma percepção? Como tornar o diálogo uma ferramenta de fato efetiva se cada analista utiliza de um jeito? Então, nosso trabalho agora, recentemente, foi exatamente para transformar tudo isso que gente já faz em algo que seja muito mais palpável e eu vou sair daqui a pouco, vai chegar outro analista e esse analista vai receber ali todo o material, um guia, para saber como ele olha. Não é como o Edson fazia, é como a empresa espera que façamos.
(02:22:01) P1 - Mas vocês têm um número de quantas comunidades vocês atendem?
R1 - Atualmente nós temos mapeadas -obviamente Barcarena é um mundo, é um universo à parte, mas considerando a área de abrangência dos empreendimentos - 53 comunidades, que já é muito, mas tem muito mais. Barcarena, se você for percorrer, brincando você passa de cem, cento e cinquenta, porque a gente fala, aqui em Barcarena está tendo um movimento agora e é de domínio público isso, a prefeitura, por conta do ordenamento territorial, instituiu, em 2019, um plano de bairreamento, principalmente a parte urbana. E Barcarena tem, além da área urbana, uma área rural e uma área de ilhas, ribeirinha, que dentro do planejamento do ordenamento, eles consideram essas duas áreas, rural e a ribeirinha, como área rural, mesmo sabendo que ribeirinho é um modo de ser e rural é outro. Então, tem esses dois espaços. Mas dentro do espaço urbano tem uma capilaridade muito grande de associações. Então, você vai ter... vou te dar um exemplo, que é bem emblemático disso: o que hoje o Poder Público institui como bairro Pioneiro e esse nome é porque começou no núcleo urbanozinho, ali e depois expandiu, dentro desse espaço chamado bairro Pioneiro, você vai ter a comunidade, a associação de moradores da comunidade Pioneiro, propriamente dita; você vai ter associação de moradores da comunidade remanescente de quilombo Sítio Conceição e você vai ter um pedaço ali dentro, da associação de moradores da Comunidade Murucupi. E aí, como é que gente trata com isso? Então, pra nós seria muito mais fácil tratar com associação de moradores do bairro Pioneiro, uma inscrição, mas tem três ali. Então, a gente compreende o ordenamento territorial, mas não dá para ignorar que existem representações ali. E por aí vai. Essas 53 associações representativas da sociedade civil estão fragmentadas nesse grande território, que é a área urbana de Barcarena, que envolve a região do Murucupi, que é essa que a gente está aqui, região do Conde, basicamente.
(02:24:49) P1 - Tem alguma história, Edson... eu sei que deve ter um milhão, mas tem alguma história que, para você, é essa que você carrega como exemplo, que é emblemática, que você gostaria de compartilhar, desses trabalhos, desse diálogo, de tudo isso que você faz?
R1 – Sim. Tem até uma foto lá, no CDT da Alunorte, que eu, o ‘seu’ Vagner e mais duas pessoas da Comunidade Novo Horizonte, numa visita lá no Alunorte, geralmente, dependendo do objetivo da visita, a gente sobe DRS, tal. E no dia que essa comitiva chegou, o ‘seu’ Vagner desceu – o ‘seu’ Vagner é quase da altura desse prédio aqui, grandão e tal. Eu vou mostrar a foto pra vocês, se tiver oportunidade. Acho que não, vai ser uma foto que eu vou separar - e logo atrás dele desceu uma outra pessoa, de lá da associação do bairro, da Comunidade Nova Horizonte, muito agitada e pisando rápido, andando rápido, passou por ele e é uma prática nossa sempre buscar recepcioná-los lá fora, descer do ônibus e recebê-los, não apenas abrir a porta para entrar, eu gosto muito de receber. E ela desceu, passou e lá dentro do CDT, a gente tem o momento: “Eu vim aqui porque eu quero pular nesse negócio do DRS-1 aí, tudo mole, tudo aguado, a gente fica com medo, na comunidade, que vai romper e não sei o que mais e tal. Tudo mentira. E eu quero ir lá, porque eu quero pular, eu quero que afunde comigo isso, lá”. Aí eu olhei pro ‘seu’ Vagner, o ‘seu’ Vagner já conhecia lá e tal. “Então tá, vamos lá, a gente vai lá”. E aí chegamos lá, tivemos todo o processo de visita, pegamos o ônibus e fomos, nós subimos até a crista lá, o ponto mais alto do DRS, tem um mirante, então todo mundo desce ali, a gente pode descer, caminhar, calçar a luva, pegar pra ver o que é que tem ali e aí essa senhora desceu do ônibus, ela está na foto, é a única que eu acho que está toda paramentada: luva, capacete. Aí, quando ela desceu do ônibus, não sei se alguém falou que ela já estava no DRS, ou ela percebeu que não era nada do que ela imaginava, ela começou a querer sair, assim e disse: “Vem cá, agora nós vamos pular, a senhora não veio para pular no DRS? Nós vamos pular”. Aí eu segurei a mão dela, o ‘seu’ Vagner e começamos a pular, pular e aí não teve preocupação de registrar isto, nossa parte foi só para ela sentir e tal. E registraram e essa foto está lá, na Alunorte e foi, assim, um episódio e é isto: quando a gente fala demonstrar confiança é eu estar junto contigo no teu medo, até na tua desconfiança, precisa estar junto contigo, para você ver, precisa demonstrar para você que eu não tenho medo, que eu sei o que é, que eu acredito nisto aqui. E para te mostrar o quanto eu acredito, vem comigo, que eu vou contigo. E pronto, hoje é uma das pessoas que tenho, no particular também e que, com certeza, a partir desse momento, ela se sentiu confiante até de levar essa experiência. E se alguém falar para ela que lá é uma bacia, que vai derramar, não sei o que, ela tem condição, confiança de dizer que não, que não é isso. Como muitos que nós dialogamos falam isso e até sem pedir, sem haver necessidade, nas suas falas colocam isso. Então, é uma história engraçada, assim, por conta disso e tal.
(02:29:07) P1 - Mas ela explica tudo, né?
R1 - Mas eu acho que ela simboliza o nosso trabalho.
(02:29:13) P1 – Você foi falando ao longo dessa nossa conversa, que você foi ganhando, no particular, então relações, amizades, né?
R1 - Sim, não tem como não, né? Somos pessoas. Obviamente que há um limite e que precisa ser respeitado, mas não ignorado. Não posso deixar de ser amigo. Eu estaria ‘abrindo mão’ daquilo que eu acredito. Só vou me relacionar ali enquanto instituição, porque fala mal da empresa, não vou... pelo contrário, são estas pessoas que me dão a condição de até ampliar o meu diálogo, não utilizando a amizade, mas utilizando o que uma amizade proporciona, que é uma abertura maior para falar francamente. E quando você tem esse vínculo, a confiança já está instalada. Ela não se perde por conta de diferenças. Ela se fortalece na diferença. E tenho boas amizades, sim, com muitas pessoas. E isto é o dividendo. É difícil dizer: “Eu consigo separar a empresa”. Para seres humanos isso não é... não nos foi dado. (risos) E a gente não consegue. O que a consegue é se policiar para, obviamente, não misturar as nossas ações. Então, por exemplo: se eu estou em um espaço que é de lazer e encontro amigos, evito falar: “Vamos falar da gente, falar de família, falar disso, tal””. Essa é a forma de não entrar. Aí, quando a gente está no espaço que realmente é pra discussão: “Vamos discutir, vamos aproveitar a nossa abertura, nossa amizade, pra profundar esse debate sobre mais isso aqui e tal”. Então, uma coisa influencia a outra, sim, mas a gente não pode ‘’abrir mão’, porque é uma conquista. Você ganhou, você conquistou a confiança. Obviamente, também eu não posso utilizar o diálogo para essa promoção de ampliação do meu quadro de amizade. Eu tenho que entender que, no diálogo social corporativo, eu falo em nome de uma empresa, eu represento uma empresa, eu transmito o que uma empresa está se propondo a fazer. Eu acredito e transmito naquilo que eu estou falando, daquela empresa e eu não posso misturar e nem me aproveitar disso. Pelo contrário, se eu fizer isto, eu estou quebrando a confiança e a credibilidade, primeiro em mim, porque eu estou fazendo o que eu não acredito. Isso está muito claro para mim, está muito claro para os meus colegas e é isso que tem nos permitido transitar esses anos todos, esses trinta anos. E desses trinta anos, me orgulho muito de estar contribuindo com 13 deles para essa grande empresa, sim, que é a Alunorte. Ela não é apenas... acho que a maior refinaria do mundo fora da China, eu acho que é uma das maiores empresas que consegue promover esses momentos de crescimento. Então, isso dá orgulho. E quando a gente fala confiança e me perguntaram uma vez o que é que me mantém na empresa, o que é que me motiva acordar todo dia de manhã e vir para empresa. ‘Cara’, é confiança. O dia que eu não confiar no que a minha gestão, meu gerente, meu diretor, com o meu diretor da empresa, que é o CEO da Hydro, o que ele fala e que ele pratica, o dia que eu parar de acreditar nisso, acabou a relação, porque eu tenho uma relação de trabalho, mas é uma relação de confiança. Então, eu transmito aquilo que eu acredito e eu acredito naquilo que me mostram, que praticam e me mostram, porque eu não aprendi confiança em livro, aprendi confiança na relação com meu pai, lá atrás e sei muito bem como é que se constrói uma confiança.
(02:34:11) P1 - Como é que seus pais lidaram com esse seu novo caminho de vida, esse diploma, essa carreira?
R1 - Assim, o orgulho. Primeiro filho e tudo mais. Obviamente Psicologia não é algo que os pais orientem os seus filhos a seguir. É uma carreira fantástica, é muito desafiador. Principalmente hoje em dia, ser psicólogo é muito complicado. Carece, por incrível que pareça, muito mais do que antes, porque primeiro, independente de ser psicólogo, eu sou uma pessoa e que tenho meus traumas e que só eu sei quais são e contei um deles pra você, né? E que me acompanha e que eu aprendi a superar e tal. Então, isto quer dizer que eu também preciso de psicoterapia, assim como qualquer ser humano, né? Uns mais, outros menos, enfim e tal. Mas é uma carreira linda, pelo que ela se propõe.
(02:35:35) P1 - Você se sente realizado, né?
R1 - Claro. “Tu faz psicologia?” “Não, ‘cara’, não preciso fazer psicoterapia”. Primeiro, se não seria injusto, seria desleal e não construiria a confiança que eu preciso porque, se eu chego aqui e estou te analisando, o máximo que eu me permito, enquanto profissional da psicologia, numa relação humana que não seja a psicoterapia é, obviamente, estar observando o meu entorno, o que acontece aí, isso tudo, mas sem a pretensão de querer apontar aquilo e tal. Senão estou sendo desleal. E a falta de lealdade não gera confiança.
(02:36:30) P1 - Esse é o legado, não é?
R1 – É. Simples assim.
(02:36:41) P1 - O que você quer daqui para frente?
R1 - Férias. (risos) Não, brincadeira. Tem muito desafio ainda.
(02:36:51) P1 - Não só profissional, o que você quer para a sua história, pra sua vida, quando você olha para frente?
R1 - Eu tenho um projeto, eu pratico alguns esportes, então eu ando de bicicleta, então ando muito em ramais, aí e tudo mais. Tu conhece o Barcarena com a palma da tua mão? Não. Eu conheço Barcarena com as minhas pedaladas. Então, procuro conhecer, transitar por onde as pessoas geralmente não transitam, porque é lá que está a origem e a essência dessas coisas. Conhecer onde ninguém queria ir, ir onde ninguém quer ir, falar com pessoas que ninguém quer falar, isso traz o crescimento. Também caminho, faço caminhada, mas o que é fantástico é remar, remo, caiaque e ando pelos igarapés. Então, Barcarena, por ser um município da Amazônia, do Pará, tem toda essa conotação da conexão com os rios, ‘esse rio é minha rua, minha rua é Mururé’, como diz a música e tal. Então, muito da história de Barcarena, a história da baleia começa onde? No rio. A conexão da Barcarena Sede com o Murucupi, passa por onde? Pelo rio, se vier pelo rio. Se vier pela estrada tem que atravessar o quê? Rio. Então, não dá pra ignorar esta conexão. E o caiaque tem me proporcionado andar por caminhos que eu não conhecia, que são os igarapés, os braços dos igarapés, os furos dos igarapés. Confesso que eu ando um pouco, às vezes, quando estou só, com medo, porque não sei o que tem e tal. (risos) Como bom amazônida, eu acredito muito nas lendas e nos mitos. Então, sucuri, jacaré, (risos) essas coisas todas é possível que se encontre. Mas quando eu comecei a fazer esta caminhada pela bacia hidrográfica de Barcarena, que é imensa e é fantástica, ela conecta tudo a tudo, esses igarapés e tal, eu pensei num projeto, até esse projeto que veio bem antes lá, eu já conversei até com algumas lideranças que moram à margem desse rio, meus amigos também, que é o Caminhando pelas Águas. Já houve uma iniciativa de um grupo de remadores aqui do Hotel Equinócios, que fizeram algo nesse sentido, de percorrer ali o Rio Murucupi. Em breve, pela Hydro também, vamos fazer um trabalho nesse sentido, mas o projeto Caminhando pelas Águas seria não apenas esse flutuar, porque a caminhada, a prática da caminhada tem que ter a contemplação, assim como o ciclismo, percorrer uma trilha. Tem muita coisa linda acontecendo ao lado, que pode passar rapidamente e você apenas ver piçarra e asfalto. Então, eu me permito muito ampliar o meu olhar para os lados. Então, caminhar pelas águas seria, além de percorrer não só o Murucupi, mas por exemplo, vou trazer, sei lá... mas acho que o Murucupi é emblemático e tal, não só pela extensão, mas porque ele corta ao longo do caminho. Como conectar de fato pessoas a isto? E conectar pessoas tanto nativas, principalmente nativas, porque o nativo tem que cuidar disto, para quem vem de fora se sentir acolhido e encantado e, mais do que encantado, apaixonado, porque só quem se apaixona ali. Encantamento passa, uma hora passa. Então, você tem que compreender isto, cuidar, para poder perpetuar. E aí o Caminhando pelas Águas é isso: percorrer, identificar o que tem. E se, nesse trajeto aqui, tem alguém morando, essa pessoa tem uma história dela ali. Se nasceu ali e tudo mais e tal. E por que não levar pessoas que não conhecem aqui, para compreenderem a vida desse trajeto, na casa do ‘seu’ João? Encosta aqui a tropa: “’Seu’ João, conta uma história para gente”. E o projeto, por exemplo: eu comprei o caiaque e já ia comprar o buggy, mas eu parei, não avancei, dei uma parada no projeto, por conta de atividade da empresa, mas envolve um certo investimento em equipamentos e tal, mas é isso, é fechar pacotes, que as pessoas comprem aquele pacote e naquele pacote não esteja apenas o meu dividendo, para a manutenção do projeto, que graças a Deus, eu não viveria disto financeiramente, mas precisaria manter equipamento e tudo o mais e tal. Então, uma parte, pequena parte, para manutenção e grande parte para aquele ‘cara’ contar a história dele e ser beneficiado também. A mulher dele, do ‘seu’. João, faz uns docinhos legais e tal: “Coloque ali, ‘seu’ João”. Vai passar ali na casa do ‘seu’ Antônio, o ‘seu’ Antônio tem um grupo de dança ali, coloca ali. Então, num pacote que fechar, essas pessoas já terem, em cada um que compra o pacote, a sua parcela de reconhecimento financeiro pelo seu trabalho e aí, muito mais do que financeiro, o conhecimento daqueles que chegam: “Putz, ‘seu’ Antônio, por que eu não lhe conheci antes? Eu não enxergava isto aqui dessa forma, eu achava que era apenas uma passagem”. Então, o Caminhando pelas Águas é essa ‘pegada’. Não é algo para eu viver disso, mas é algo que fatalmente me dará condição de vida saudável, que é o que eu vou precisar, porque eu estou quase louco. (risos) Então, eu vou precisar de espaços de equilíbrio. Na verdade, é isso: eu entendo que seria o fechamento do ciclo de tudo que eu vivi até hoje.
(02:43:48) p1 - Pode chamar de sonho?
R1 - Desejo. Eu desejo isso. Eu sonho, obviamente. O sonho é o projeto. Já comecei a escrever algumas coisas, já ensaiei a compra do equipamento, isso está tudo dentro do sonho. Mas é o desejo. Porque o desejo, eu acho que te impulsiona mais, ele te faz mover. O sonho você fica ali: “Ah, tá, depois, na hora certa, agora não e tal”. O desejo não, o desejo te obriga. É exatamente porque não é apenas um sonho, se der, tudo bem, se não der... uns você imprime mais força, outros menos e tal. O desejo não, ele precisa força dedicada, precisa de empenho, precisa querer, de fato, senão não vai. E outra coisa: o sonho é meu, não é teu. Mas o desejo eu posso juntar as ações que realmente precisam ser feitas com mais alguém, que já está buscando ali. Então, vamos. Eu também desejo viver aqui, eu desejo viver melhor. Eu desejo oferecer isto, é dessa forma que eu vejo, assim como ter a bateria, a bateria é um sonho. Não vai fazer diferença se eu tiver ou não, sabe? Legal, vou me realizar, vou incomodar os vizinhos a primeira semana, vavavavaaaaaa, aí na segunda semana já vai, porque eu já realizei o meu sonho, era ter uma bateria. Eu encosto ali e aí: “Opa, olha, minha bateria. É minha”. Era um sonho que eu tinha, ter uma bateria. É diferente de meu sonho ser baterista de uma banda de rock.
(02:45:45) P1 – E seu desejo é continuar em Barcarena?
R1 - Sim. Minhas filhas moram em Belém, têm apartamento em Belém. Eu não consigo ficar - em Belém uma, a outra mora em Abaetetuba - muito tempo longe. Eu costumo dizer assim que virei bicho do mato. A gente vira bicho do mato. Então a gente vai, vê o movimento e volta. Que bom, cheguei em casa. Não me vejo. Obviamente me vejo em outros desafios. Obviamente se tiver que ser fora daqui, tudo mais e tal, mas a minha essência é aqui, provavelmente em Igarapé-Miri, a terra onde eu nasci. Vez ou outra eu vou lá, para manter a conexão. Eu creio muito em conexões, diálogo é conexão, então acredito muito nisso. Estar conectado com a sua ancestralidade, com o seu passado, com a sua história, estar conectando isso com o seu futuro e onde você está e sem ‘abrir mão’, obviamente, dos desafios para além disso. Mas é aqui que eu estou. É aqui que eu estou. E eu não sei, amanhã pode ter outros desafios parecidos com esse, outros lugares, outras Barcarenas. O nosso estado tem muito disso ainda, muito a desenvolver. E, na verdade, onde tiver pessoas morando, vivendo, se relacionando, sempre vai ter desafios, necessidade de estabelecer conexões e tudo mais. Então, eu me sinto barcarenense, estou hoje em Barcarena, mas eu me considero hoje, por tudo que eu consegui estar até hoje, que eu me preparei, que eu enfrentei, um cidadão do mundo, para o mundo, com a experiência de Barcarena, com a vivência de Igarapé-Miri. Então, tudo que eu faço aqui hoje está me preparando para o mundo, porque o mundo tem dificuldades, diferentes das daqui, mas não menos, porque tem pessoas e onde tiver pessoas, eu achoo que é para lá que eu vou.
(02:48:17) P1 - Última pergunta: (risos) você disse, em alguns momentos, o quanto que a confiança é importante, o quanto que a troca é importante e que você é uma pessoa reservada. Então, me conta, como é você se sentiu hoje, abrindo um pouco dessa sua história, desse seu baú? Como é foi pra você?
R1 - Olha, eu tô diante de duas pessoas que não me são estranhas, a sensação que eu tenho é de já ter conhecido em algum momento e aí pode ter sido nesta ou em outra vida, mas eu tenho... eu te falei, quando você chegou, te dei um abraço como se fosse uma pessoa já conhecida, diante de uma pessoa que eu ainda não conhecia e diante de uma outra pessoa que temos relação institucional de diálogo e tal. Então, estou com uma pessoa que eu já tenho confiança e que confia em mim, eu acredito. É uma pessoa que, em algum momento da vida, já devo ter tido conexão em relação de confiança. E diante de uma pessoa que não explorou o meu sentimento, não me forçou a trazer nada à tona do que eu não quisesse. Permitiu eu ser eu. Você me transmitiu confiança. Simples assim. Você não me pediu pra falar de mim. Você sugeriu. Sacou a diferença? Pra mim é isto. O que é que quer eu fale da minha vida? Nem conheço. Mas confiança é isso. É sensibilidade, é ambiente criado para isto, é condução, cuidado com o que pergunta, cuidado com como vai levar adiante o que houve. Entender que certas coisas, por exemplo, que se fala, foi falado na confiança e, olha, né? Então, é isso, é construção. E a gente está aqui, sei lá, há duas, três horas, construindo isto. E, para mim, honestamente, em determinado momento eu só me dei conta de que eu estava num espaço público, quando deu alguns relances, que eu olhava: “Opa, estou falando de mim”. Então, é isso. Confiança é construção. Confiança é deixar o outro livre.
(02:51:13) P1 - A sua história está registrada. (risos)
R1 - Pois é. Que bom! Poucas pessoas, de fato, eu falei de tudo isso.
(02:51:24) P1 - Obrigada. Obrigada pela confiança.
R1 - Algumas da piada, assim, porque quando vai lá na Alunorte e vê aquela foto, não tem jeito e tal. Mas é isso.
(02:51:33) P1 - É, então te agradeço pela confiança. (risos)
R1 – Imagina, legal. Obrigado também por acreditar na possibilidade da gente contribuir para isso. Eu estava falando com meu gerente hoje, que eu viria passar a tarde aqui: “Tem tanta gente na Alunorte, tanta gente que tem muito mais conexão com a empresa, do que eu, tenho só 13 anos. Não sei que o viram”. Aí ele brincou comigo: “Pois é, o que será que viram?” Porque ele também me conhece um pouco. Mas é isso, obrigado também por acreditarem no que eu poderia trazer, na contribuição, eu entendo que isso é uma contribuição para um trabalho, para um projeto. E tenho certeza que vocês farão o melhor e tomarão o melhor cuidado com tudo isso que está sendo feito. Acho que é uma demonstração muito clara de cuidado.
(02:52:31) P1 - Obrigada.
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