Projeto Conte Sua História
Depoimento de Maria Bobadilla
Entrevistada por Márcia Trezza
Sumaré, 07/02/2019
Realização Museu da Pessoa
PCSH_ HV715_Maria Bobadilla
Transcrito por Mariana Wolff
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Maria, para a gente começar a entrevista, eu vou pedir para, de novo, você falar o seu nome completo, onde você nasceu e a data. Pode começar.
R – Nome completo: Maria Bobadilla Ballester, nascida em El Lagar, 30 de agosto de 1929. Assim... Em El Lagar, Espanha.
P/1 – O nome dos seus pais?
R – O pai era Florencio Bobadilla Cegarra, a mãe Carmen Ballester Menguez.
P/1 – Do que você lembra do seu pai, assim? Coisas que… Como ele era?
R – Nossa! Eu me lembro de quando ele tinha bastante idade, não é? Era muito bom, muito carinhoso, trabalhador, sempre trabalhou muito na terra. Era uma pessoa muito querida na cidade onde ele morou, onde ele também veio a falecer, depois. Em El Lagar
P/1 – Ele era querido assim, você lembra o que as pessoas falavam dele?
R – Ele era muito querido pelo povo, sabe? Era muito comunicativo.
P/1 – Ele morava no campo?
R – Morava no campo. Em um lugar que se chamava El Lagar, uma cidade que pertencia a Murcia.
P/1 – E você lembra no que ele trabalhava no campo? Vocês plantavam?
R – Trabalhava no campo, plantava cereais. Arroz e trigo, principalmente trigo e cevada também.
P/1 – Você disse que ele era muito carinhoso, não é?
R – Muito e toda a cidadezinha gostava muito dele. Ele era como se fosse, assim, um… Como dizer? Não um capataz, uma pessoa que administra e que cuida do povo, sabe? Mas sem ter muita leitura, ele quase não tinha, era mais para analfabeto do que para estudado.
P/1 – Ele não estudou muito, mas ele sabia administrar?
R – Isso. Era muito inteligente, não tinha muito estudo. Naquela época também não se exigia, que foi uma época em que veio a Guerra, ele foi para a Guerra, lutou muito…
P/1 – Ele lutou na Guerra?
R – Muito!
P/1 – Qual guerra?
R – Eu acho que foi… Qual foi a última guerra que teve na Espanha?
P/1 – Guerra Civil?
R – Também. Eram espanhóis contra espanhóis, a última.
P/1 – Foi essa em que ele lutou?
R – Ele lutou na fronteira. Era Espanha acho que contra França, contra Itália, por lá.
P/1 – E você lembra dessa época, como foi ele ir para a Guerra? Você era criança?
R – Eu era criança.
P/1 – O que você lembra dessa época? Sobre isso? Ele lutando na Guerra?
R – Foi uma época muito sofrida, porque a minha avó se juntou com cinco na Guerra - entre genro e filhos - todo mundo estava na Guerra. Lutando espanhóis contra espanhóis e a gente sofreu bastante. A gente tinha que cuidar da lavoura, tinha que cuidar das crianças, tinha que cuidar de tudo, porque não tinha mais homens, só mulheres. Os homens estavam todos… Chamava-se a Quinta de La Cajado - bengala - e a Quinta de La Mamadeira, porque não iam jovens e não iam velhos para a Guerra. Todo mundo, e a mulherada ficava sozinha em casa cuidando de crianças, dos avós, cuidando de tudo. Faltava tudo. Eu era criança naquela época e lembro de que ia com minha avó numa cidade praiana, onde havia muitos militares também, e a gente embarcou com os militares para trocar... A gente levava ovo, levava frango, tudo para trocar por farinha, por trigo, por pão, por outra coisa que não se tinha, porque foi época de Guerra, que não tinha nada para comer.
P/1 – Você lembra de uma situação, de alguma vez, em que você foi e que aconteceu…
R – Não entendi.
P/1 – Você deu um sorriso agora. Então conta essa história.
R – Uma coisa que me veio à cabeça agora, porque um dia eu fui com a minha avó para trocar frango e ovos por arroz, feijão e por outra coisa que não existia para vender. Aí, a gente atravessou uma ‘calle’ e a policia pegou a gente, não podia fazer isso, não é? A minha avó era muito extrovertida, muito alegre. Aí o guarda falou: “A senhora não poderia atravessar aqui, essa rua”. A minha avó disse assim: “Eu não tenho por onde passar e por aqui está fácil”. O guarda perguntou: “De onde você é?” “Eu sou da Torre de Negro”, é uma torre que construíram na época da Guerra. Aí o guarda falou assim: “A Torre de Negro?” “É, a Torre de Negro”, ela disse. O guarda disse assim: “Senhora, negro ____00:08:33___”, e foi uma porção de risadas de todos os lados, da resposta da minha avó. E assim a gente chegava na casa, trocava a mercadoria, frango e ovos por alguma coisa que não se tinha de venda em nenhum lugar. Foi uma época muito triste, mas a gente passava bem porque não tinha compromisso nenhum.
P/1 – Você lembra de que lado o seu pai lutou?
R – De que lado?
P/1 – Ele contou alguma coisa?
R – É porque foi Guerra Civil, foram espanhóis contra espanhóis.
P/1 – E ele falava alguma coisa dessa guerra para vocês?
R – Não, não falava muito. Acho… Apenas me lembro de uma oportunidade, quando ele veio da Guerra, ele escrevia para a minha mãe que estava sofrendo muito, que estava muito ruim. Aí, quando ele chegou da Guerra, veio de noite e deixou… Tirou a roupa que estava e deixou na porta de casa para entrar e tomar um banho. Aí, a minha mãe conta que a roupa mudou de lugar, de tanto piolho que tinha. Ficou andando aquela roupa no chão, a avó contava. Então, foi uma época muito sofrida. O adulto sofria mais, porque a gente era criança, tinha um motor de água que era tocado à casca de amêndoa, queimava aquilo, e com aquilo tocava o motor. A gente passava o dia naquele monte de casca de amêndoa, procurando amêndoa e catava de quilo, a gente desfrutava com tudo.
P/1 – Brincava…
R – Não tinha época ruim. E quando o avião bombardeava, a gente se escondia na trincheira para entrar para a terra. A gente se enfiava lá e esperava o avião passar.
P/1 – Embaixo da terra?
R – Embaixo da terra, uma rampa assim. Por exemplo, tinha um poço aí, do lado a gente fazia uma rampa e aparava com um plataforma que tinha lá embaixo da terra, que era para cuidar do arcabouço que tocava a água para o motor. E a gente desfrutava, não estava nem aí. Escutava-se a bomba, às vezes se via cair, porque era perto de uma… Como se chama? Uma casa que tinha campo de aviação e o avião ia até esse campo, era muito perto, a gente escutava o avião chegar, sair. E foi uma época… Os adultos sofreram muito.
P/1 – Você tinha medo quando…
R – Não, criança, ouvia a bomba… Eu ficava olhando, achava até que estava bonito (risos), não sabia do perigo que estava correndo, não é?
P/1 – Maria, voltando agora. Você falou do seu pai. E a sua mãe? Que lembranças você tem dela, dessa época? Além dela trabalhar bastante, ser muito sofrido, como ela era?
R – Fisicamente era baixinha, gordinha, simpática, mas sofredora com o tempo de guerra, com tanta coisa, sofreu bastante. Mas era uma pessoa muito boa, muito simples. Era analfabeta, aí no tempo da Guerra o meu pai foi para a Guerra. Ela tinha que depender dos irmãos para escrever carta para ele. Aí então, ela resolveu… Nessa época, a gente já era grandinho, mas também não tinha escolaridade nenhuma. Aí ela resolveu aprender a ler e a escrever para poder escrever para o meu pai, que era marido dela, para ela contar as coisas que ela queria, porque ela tinha que se valer do irmão para escrever, não é? Aí, contrataram uma professora e ela aprendeu. Depois, com filhos grandes já, ela aprendeu a escrever e a ler para poder escrever para ele. Era muito… Uma coisa muito bonita que ela… Porque naquela época, contratar uma professora para ensinar... E foi uma luta muito pesada, porque não tinha homem em casa. Nenhum. Só mulheres.
P/1 – E com você, assim, você lembra alguma coisa que ela fazia com você que lhe marcou? Assim, com você…
R – A minha mãe?
P/1 – Alguma coisa que ela fazia…
R – Não. Acho que não. Era muito simples, muito boa, a gente saía, eu lembro, a gente queria ir ao cinema, já estava namorando, aí não podia ir sozinha com o namorado, tinha que ir… Naquela época era assim: no começo, não tinha condução, então a gente ia de bicicleta ao cinema. E eu lembro muito que ela tinha que ir, porque sozinha não deixava. Aí, a gente a carregava na bicicleta para ir assistir ao cinema ou ir à festa, onde fosse. Tinha que ir junto; sozinha com o namorado, não (risos). Mas ela sofreu muito porque era muito simplinha, criada na roça, não… E o meu pai era muito vivo demais, muito esperto. Aí, ela morria de ciúmes (risos). Eu não sei por que eu estou falando isso.
P/1 – Mas fazia parte da história, não é? Porque eu perguntei como era o seu pai e como era a sua mãe, então você está contando.
R – Então... Ele gostava muito de variar (risos), não pode falar essas coisas (risos).
P/1 – Pode contar tudo que você quiser, esquece a Carmen aqui. Se não, nós vamos pedir para ela ficar lá fora (risos).
R – Ela gostava, não podia descuidar com ele, não, então ela sofria bastante.
P/1 – Quantos irmãos vocês eram ou são?
R – Éramos quatro ou cinco: Maria, Carmen, Conchita e Penzio, quatro. Só.
P/1 – Eram quatro?
R – Quatro.
P/1 – E você era a mais nova, a mais velha? Como é?
R – A mais velha. Era chefe da turma.
P/1 – Tinham primos também junto?
R – Primos?
P/1 – Tinha? Convivia todo mundo? Não?
R – Não, porque a minha família era de uma cidade... Por exemplo, digamos que era de São Paulo, e a gente se criou, a minha mãe casou com o meu pai muito nova e veio morar onde ele morava. Aí, era longe, longe como digamos de São Paulo para Piracicaba, então não convivia. Dificilmente a gente ia. Quando éramos mais mocinhos assim, aí se juntava, porque a prima vinha lá em casa e, na época, não tinha escola, férias, não é? Aí, convivia com a família, mas fora isso não. Por isso, pela distância que tinha da família, não é?
P/1 – E vocês brincavam, apesar da Guerra você disse que brincavam. Quais eram as brincadeiras, além de ficar ali com as castanhas?
R – Não tinha nada para brincar. Ou brincava de bola no meio de alguns moleques ou então não brincava, porque não se tinha nada, não é? Ainda no campo assim, que, digamos, como aqui… Agora já é outra coisa, mas antigamente não, era mais recatado o pessoal, não é? Então, não tinha muita brincadeira não.
P/1 – Mas vocês, as crianças, ficavam fazendo o quê, assim, durante o dia? O que vocês faziam durante o dia para se divertir?
R – Ia à escola. A escola lá era o dia inteiro. Não era meio dia, como aqui. Assim... Ia de manhã, se tivesse refeitório, comia lá e ficava lá. E se não tivesse, ia em casa. Por exemplo, a casa era perto da escola, então a gente ia em casa comer. Mas quando era longe, aí comia na escola e ficava o dia inteiro, oito horas. Não era escola de quatro horas como aqui.
P/2 – Eu queria saber como era essa casa onde a senhora morava.
R – Ah, até há pouco eu tinha foto da casa. Uma casa muito simples.
P/1 – Descreve assim, tamanho, como ela tinha… Como ela era.
R – O caminho assim, dobrando o mar, tinha uma estrada que ia do ____00:20:15_____ até Cartagena, porto de mar tinha, tinha praia, tinha tudo. Então, tinha campo entre essa estrada e a praia, tinha campo de aviação. A gente desfrutava lá, vendo os aviões aterrissar, saírem, irem embora. Uma casinha muito simples, assim, com uma área grande na frente, mas no meio do campo, muito gostosa, rodeada de plantação de trigo, cevada, aveia, todas essas coisas. E tinha na frente uma torre que foram os negros que fizeram, porque a Espanha foi colonizada por negros e por… Como se chama agora? Eu não lembro. Mas tinha. Essa torre era uma torre muito bonita, com dois andares, uma coisa impressionante, e lá era a escola. Então, a gente ia à escola lá nessa torre, mas um caminho muito longe, acho que tinha um par de quilômetros para ir…
P/1 – Vocês iam como para a escola?
R – A pé, andando.
P/1 – Só as crianças?
R – As crianças.
P/1 – E aconteceu alguma vez alguma coisa nesse caminho, que a senhora lembra?
R – Não. A gente passava pelo caminho rodeado de trigo, cevada, tudo mais e ia direitinho na escola. Aconteceu na escola uma coisa, que eu tinha uma medalha de ouro, que era muito difícil, e uma amiga que foi ver a medalhinha, tirou a medalha. Isso me marcou muito, muito. Eu demorei muito tempo e não achava, aí eu falei com a professora e tudo mais, a menina, que era amiga assim, amiga entre aspas, sentiu que ia ter um desfecho meio feio, aí pegou a medalha e jogou na calçada… Não era calçada, era pedra, aquela pedrinha preta que tem aqui também. Aí, jogou lá. Então aí, depois de bastante tempo, ela pediu para buscar: “Vamos buscar, vamos buscar”. Ela sabia onde estava. E aí, achamos a tal da medalha, não é? Que fazia parte da minha vida porque era coisa de minha mãe, a gente guardava muito essa coisa, não é? Então, aquela cena me marcou muito porque ela não era mal de vida, eles tinham um açougue, então acho que deu aquela vontade de ter que não tinha, e uma hora: “Me deixa ver, me deixa ver”, eu deixei ver, tirou e colocou assim… Isso me marcou bastante.
P/1 – Essa medalha, você ganhou da sua mãe?
R – Era de minha mãe. Tempo de Guerra, isso aí foi depois da Guerra.
P/1 – Você lembra do dia em que ela deu a medalha para você?
R – Não. Não me lembro.
P/1 – Quanto tempo durou assim… Você era criança, quanto tempo durou o seu pai na Guerra, assim, até que época?
R – Na Guerra? Aquela Guerra foi assim, tinha a Quinta… Então tinha a Quinta da Mamadeira, praticamente iam crianças para a Guerra, e tinha a Quinta do Velho. Então, as etapas entre… Digamos, entre quinze, dezesseis, dezessete anos até sessenta estava todo mundo na Guerra.
P/1 – E para você? Você era criança, e quando o seu pai voltou da Guerra você ainda era criança? Ou já tinha crescido um pouquinho?
R – Era mocinha. A gente estava na casa da avó, porque na casa em que a gente morava, era muito perto da aviação, e a aviação, como estava em Guerra, era avião que saía, avião que vinha por cima da casa. Então a gente resolveu ir morar com a avó, que era mais longe, um pouco mais afastada. Então, naquela época, a gente morava na casa da avó. Aí, quando o meu pai voltou da Guerra, que começaram a falar: “Terminou a Guerra”... Eu lembrava até a época ou ano, mas hoje eu não me lembro mais. Mas o pessoal começou a falar: “Acabou a Guerra, acabou…”. Aí todas as crianças ansiosas para verem o pai, porque o pai estava na Guerra. O pai chegou e bateu na porta, eu lembro como se fosse hoje. “Carmen, abre a porta”. A Carmen era minha mãe. Aí, a minha mãe abriu a porta, ele tirou a roupa na rua e entrou sem roupa: “Me dá uma toalha”. Foi inacreditável que a roupa, no outro dia, estava em outro lugar, de tanto piolho que trouxe da Guerra. A costura era tudo… Meu Deus do céu! Foi muito sofrimento, muito, muito.
P/1 – Maria, você contou que vocês ficavam na pilha de castanhas, amêndoa…
R – Não entendi.
P/1 – Vocês ficavam na pilha de amêndoa…
R – De cascas.
P/1 – Das cascas.
R – Essa casca era para pôr no forno de um motor, era com aquele arcabouço de barro, amarrado com corda, e era tocado a calor. E esse calor era feito naquele forno queimando a casca da amêndoa.
P/1 – E vocês ficavam lá para…
R – Catar, escolher a amêndoa, aproveitar. A gente fazia torrão com ela, refresco muito bom. E comia, torrava com sal ou açúcar, uma delícia! E vinha muito, porque era feito na maquina e vinha bastante.
P/1 – As crianças que faziam isso, de ficar catando?
R – Sim, nós, crianças (risos), sete, oito, nove anos, até quinze anos, era isso aí. Depois, ia para a escola. Mas catava muita amêndoa.
P/1 – E da escola, você lembra assim o primeiro dia na escola como foi?
R – Não, porque isso faz tanto… Sessenta anos já (risos).
P/1 – Como era a escola? O prédio, os professores? Como era a escola?
R – Eram mais professoras do que professores. Eu lembro de uma professora que a mulher era danada mesmo. Qualquer coisinha que não estivesse certo, ela punha o nosso dedo assim, a unha vinha cortada, aí pegava uma régua e pá! (risos) Ou então, de joelhos na parede, com a cara na parede um montão de tempo, esquecia a gente lá (risos). Era ruim, viu? Nossa Senhora!
P/1 – E vocês ficavam o dia todo na escola?
R – O dia todo na escola.
P/1 – E ficava fazendo o quê o dia todo? O que vocês faziam na escola?
R – Tudo! Lição, escrever, decorar, cantar, comer, fazia tudo lá, ficava o dia inteiro na escola.
P/1 – Cantava?
R – Cantava, mas o Hino Nacional, antes de entrar e antes de sair.
P/1 – Você gostava?
R – Não gostava. A gente odiava, ficava... (risos), eu odiava.
P/1 – Tinha alguma coisa que você gostava na escola, muito?
R – Gostava do recreio (risos).
P/1 – Por que, Maria?
R – Porque brincava, não é? Dentro da escola, era obrigatório… E a professora era brava, eram bravas, tinha que fazer a coisa certa porque o pau comia.
P/1 – Era menina e menino junto ou só meninas?
R – Não tinha menina e menino juntos, separava de um lado um, e do outro, outro. E quase sempre eram professores.
P/1 – Mas na mesma sala, os meninos de um lado…
R – Sim. Aí, no recreio, a gente se juntava todo mundo lá, tudo criança, não é?
P/1 – Você lembra de alguma brincadeira no recreio, de que você gostava?
R – Lembro muito que fazíamos muito de esconder as coisas. Escondia atrás de uma pessoa e o outro procurava e não achava, não tinha nem bola para… Não tinha nada naquela época, não é? Ainda mais foi… Foi antes da Guerra isso. Foi antes da Guerra ou depois da Guerra? Não, a Guerra foi… Eu não lembro mais. Eu lembrava…
P/1 – Você lembra quando você começou a escrever, a ler, nessa época, a primeira coisa que você leu? Ou de coisas que você gostava de fazer, de estudar na escola?
R – A escola lá, antigamente, era assim: de manhã, eram leituras, escrever, tudo isso aí. À tarde, as meninas faziam bordado, crochê - eu saí de lá sabendo fazer crochê, pintura, coisas de arte. De manhã, leitura normal, aula normal. Aí, tinha escola que se a pessoa morava perto, ia comer em casa; se não, ficava na escola, não é? No meu caso, era meio longe. Mas mesmo assim eu ia em casa.
P/1 – E amigos na escola? Você fez amigos na escola?
R – Tinha amigos e amigas, um menino de um lado e a menina de outro. No recreio, se juntava tudo, era farra.
P/1 – E teve algum namoradinho nessa época na escola? Alguém assim…
R – Eu não me lembro.
P/1 – E você disse que começou a namorar e que a mãe ia ao cinema junto. Qual foi o seu primeiro namorado, Maria? Como foi?
R – Foi o primeiro, o segundo, o terceiro e o único foi um só, o pai da minha menina (risos). Não teve mais.
P/1 – Como que começou esse namoro?
R – Na escola, porque era misto. Na escola. E daí, depois, só em casa podia namorar. Se saísse para algum lugar, a gente naquela época não tinha carro, depois comprou o carro e melhorou, mas naquela época era bicicleta. Então, a gente ia ao cinema ou ao baile assim, eu ia numa bicicleta, minha mãe sentada junto. E era assim.
P/1 – Como que você começou a namorar com ele? Ele te pediu em namoro? Como foi? Como é que vocês começaram a namorar?
R – A gente fez amizade, estava na mesma escola, foi amizade. Depois, para começar a namorar, aí ele pediu permissão para o pai, para poder ir namorar em casa, porque quando o pai ficou sabendo, não era para namorar, não é? Então, ele começou a ir em casa. Naquela época, ele já era moço, aí ele depois foi para o Exército… Foi para o Exército, não é? Era namorado ainda, ele foi para o Exército.
P/1 – E para começar o namoro assim, onde que foi? Foi na escola mesmo? Quando vocês começaram, assim, conte para a gente.
R – Ah sim, na escola, no caminho, assim, normalmente, porque era difícil. A gente ia para o baile na casa da pessoa, então naquele bailinho, a gente dançava, a gente paquerava um pouquinho, mas não tive mais namorado, só o marido mesmo. Este que está aqui, olha.
P/1 – Mostra assim para a gente.
R – Você já viu?
P/1 – Depois eu vou ver, mas mostra assim para a gente ver.
R – (risos) Muito bonito ele. Bonitão. Manoelito.
P/1 – Como ele chama?
R – Manolo. Manuel. Manuel se chamava.
P/1 – E vocês se amavam bastante?
R – Muito! Como disse a canção: “Até a loucura”. Eu não tive nenhum namorado, só ele.
P/1 – Foi o primeiro e único amor?
R – O primeiro e o último. Aí eu fui fazer… Ele foi para o Exército?
P/1 – Mesmo que não tenha sido Exército, ele teve que se afastar um tempo?
R – Sim, sim.
P/1 – E aí, como foi?
R – Ficamos namorando por carta. O meu pai também esteve na guerra, antes, claro. E ele namorava com minha mãe, se comunicava por carta. Só que a minha mãe não sabia ler e nem escrever. Aí, a minha avó pôs um professor para ensinar, para ela poder escrever a cartinha dela e continuar se comunicando, não é?
P/1 – Quando chegava uma carta do Manolo, do seu amor, como era para você? Assim... Você lembra?
R – Nossa! Uma emoção! Mas ele não era de escrever, porque a gente morava perto, os meus pais que se enamoravam por carta. Eu não, ele morava perto de casa, então eu via quando ele saía de casa, ia para o trabalho, quando voltava, aí via quando vinha me ver, era perto. Perto não, tinha uns dois, três quilômetros. Você lembra onde morava Manolo? Não?
P/1 – Tudo isso ainda na Espanha?
R – Na Espanha.
P/1 – E como vocês vieram para cá? Por que vocês saíram da Espanha?
R – O Manolo tinha parentes aqui, que são... Como se chama? Você não lembra, Mari?
R/2 – Garcia. Como se chama o quê?
R – O parente do pai que havia aqui.
R/2 – Antônio Garcia.
R – Garcia. Sabe o Garcia? Era tio. Aí, ele mandou carta de chamada, porque não podia vir sem emprego, naquela época. Tinha que vir empregado. Aí mandaram carta de chamada para ele, a gente veio para cá.
P/1 – Vocês já tinham casado?
R – Já. Já tínhamos casado lá.
P/1 – Então, vamos voltar para lá, ainda.
R – Vamos.
P/1 – Vocês casaram e como foi o seu casamento?
R – Como foi? Não está aqui, Mari? Está aqui. Olha, foi uma festa muito bonita
P/1 – Deixa eu pegar essas aqui, depois a gente vai ver. Depois, dá aqui, por favor. Então, você quer mostrar essa do seu casamento, não é?
R – É.
P/1 – Pode segurar e contar para a gente como foi.
R – Então, foi muito bonito o casamento.
P/1 – O seu vestido, foi você quem escolheu o seu vestido?
R – Eu escolhi, a costureira fez.
P/1 – Como é que você chegou nesse vestido assim para… Como é que você queria o seu vestido de noiva?
R – Num figurino. Tinha figurino e eu escolhi. E tinha uma família, que era muito amiga, eram duas solteironas, duas senhoras de idade, e elas costuravam. E elas que fizeram o vestido.
P/1 – E o dia assim, a hora do casamento, você lembra? Assim... Da emoção?
R – Nossa, é muita emoção, não é? Porque estava conseguindo casar com o Manolo (risos).
P/1 – Demorou para conseguir?
R – Demorou.
P/1 – Por quê?
R – Não, não demorou muito. Ficamos quatro anos namorando. Eu não me lembro muito, mas ele foi fazer o serviço militar depois, ou foi antes. Foi antes, já tinha feito o serviço militar. Ele trabalhava.
P/1 – Ele trabalhava. Aí, quando ele voltou, vocês puderam casar?
R – É, ele trabalhava e no serviço já era assim… O serviço era assim: o meu pai pegava um terreno, plantava e a família que cuidava. O pai dele tinha um terreno, então pegava a gente, em vez de pagar, pegava a gente para trabalhar também. Aí, se chamava _____00:40:53____, a gente trabalhava para ele para não ter que pagar, porque era difícil. Aí, a gente se conheceu assim.
P/1 – Antes de trabalhar, você também trabalhava no campo, na lavoura?
R – Na lavoura.
P/1 – Desde que idade, Maria, você trabalhava na lavoura? Desde criança ou…
R – Ah, começa cedo, viu? Começa cedo.
P/1 – Como era esse trabalho?
R – O trabalho era plantar pimentão, aquela mudinha. Plantar tomate, colher na colheita. O pimentão, ou pimenta, quando se planta lá para negócio mesmo, planta muito, são bolas, não são aqueles pimentões compridos, são bolinhas. Então, essa bolinha, quando está madura, a gente abre - antigamente era na mão, depois veio máquina - abria na mão, colocava no sol, fazia aquela coisa como um tapete assim, de bambuzinho, colocava no sol, quando estava seco, ensacava e mandava para uma fábrica. A fábrica moía e fazia o pimentão moído. Então, a gente trabalhava nisso aí.
P/1 – Vocês que ficavam cortando?
R – Abria à mão.
P/1 – E era difícil?
R – Era gostoso, era bom, mas no começo doía muito o dedo, descascava, saía a pele assim, mas depois acostumava. Era gostoso. Assim... Tinha vários sítios e o pessoal daqui se juntava com aquele, e em vez de pagar... Depois tinha ___00:42:58___, aí ele vinha fazer o mesmo em casa. Então, era farra, sabe? Era muito gostoso. Demais.
P/1 – Juntava todo mundo…
R – É, brincava, xingava, brigava, fazia de tudo (risos).
P/1 – Tinha festa depois?
R – Tinha festa, às vezes, fazíamos festa de noite, fazíamos o baile, todo mundo no baile. Não importava se estava cansada, não se cansava, não é? Era muito bom.
P/1 – Você gostava de dançar, Maria?
R – Não gostava, mas o meu marido, esse que está por aí…
P/1 – Depois a gente vai ver de novo.
R – Ele dançava que nem um bailarino. Você nunca viu o pai dançar, Mari? Você não o conheceu?
R/2 – Conheci.
P/1 – Depois ela conta então. E aí, como era essa parte?
R – Dançava muito bem. Ele ia ao baile, não parava uma música. E eu não gostava de bailar. Alguma ou outra música eu dançava o passo duplo, dois pra lá, dois pra cá, mas quase que nunca dançava, não gostava. Ele não parava um minuto e todo mundo queria dançar com ele, porque o Manolo era bailarino, mesmo.
P/1 – E você não ficava com ciúmes?
R – Não, porque era tudo conhecido, não é? Não tinha… E ele se portava muito bem na minha frente, não é? (risos) Porque depois, aprontava tudo que ele queria, mas era bom, muito bom.
P/1 – Muito bom, não é?
R – Que pena que essa coisa não volta, não é?
P/1 – É.
R – Mas quando dá certo, dá certo, tudo bem.
P/1 – E vocês continuaram só na lavoura, ou você teve algum outro trabalho ainda na Espanha?
R – Na Espanha… Agora eu não sei se foi na Espanha… Não, foi aqui. Eu costurei para uma fábrica foi aqui, na IBE. Você conheceu, não?
P/1 – Sim. De nome.
R – Então a gente ia lá, pegava aquele fardo de roupa cortada e levava para casa, aí costurava e levava prontinha. Fiz muito, muito. Comprei a máquina, uma máquina boa que até hoje está aí e comprei muita coisa com o dinheiro, porque o meu marido não queria que eu trabalhasse fora, ele nunca me deixou, não é? Aí, uma amiga me arrumou um serviço numa fábrica, fui um dia só. Essa fábrica era de sapatos, mas tinha que cortar o couro sabe como? Com uma faquinha assim que não tinha nem cabo, tinha que embrulhar um pano aqui para não machucar e com isso que a gente tinha que cortar o couro. O primeiro dia me cortei toda, aí o Manolo não me deixou: “Você não vai mais”. Aí eu comecei a pegar o trabalho para levar para casa e comprei uma máquina de costura, uma Sima, que até hoje está aí, muito boa, e paguei com o serviço da roupa. Ia lá, pegava o bonde e ia, trazia aquela mala cortada, costurava, arrumava bonitinho, voltava, uma vez por semana. E com isso, eu comprei a minha máquina, comprei muita coisa, porque não aguentava ficar em casa sem fazer nada, não é? Aí, a gente alugou um bar na avenida, na agência de automóveis. Como se chamava? _____00:47:42____. Aí, eu parei de costurar, fui trabalhar no bar. Tinha um bar muito bom lá na Barão de Itapura, isso.
P/1 – Então, vamos só voltar um pouquinho. Como foi a viagem de vocês da Espanha para cá? Vocês já tinham filhos?
R – Não.
P/1 – E quando ele disse que queria vir, você lembra desse momento?
R – Ele disse para o meu pai que vinha para a América porque aqui era o lugar do futuro e ele tinha um tio aqui que garantia um serviço para ele. Aí, o meu pai me falou: “O Manolo quer ir para o Brasil”. Eu falei: “Se ele vai, eu também vou”. Recém-casadinho, bonito... Você viu a foto, não viu? Um galã de cinema. “Se ele vai, eu também vou”. Está querendo o quê? Aí, o Manolo disse: “Eu não tenho dinheiro para pagar a passagem”. Aí o meu pai disse: “Você não tem o dinheiro para pagar a passagem, mas eu tenho para pagar a passagem dela. Ela é sua, leva com você” (risos). E aí, arrumamos os papéis e viemos.
P/1 – Você ficou animada ou você não gostou da ideia?
R – Não, eu gostei. Adorei. Sair daquela vidinha, assim… Era a filha mais querida, a mais velha, fazia tudo, sabe? Cuidava das crianças, fazia tudo, mas eu peguei e falei: “Você vai, eu vou”. Aí compramos a passagem e viemos para cá.
P/1 – E na hora de vir, como é que foi esse momento?
R – Foi… A minha mãe falava que se despedia como um enterro, porque sabia que nunca mais ia me ver, porque antigamente Espanha e aqui era muito longe (risos). Hoje em dia é um pulo. Mas ela achava que era muito longe. E chorávamos muito com tudo isso, muito, muito. Mas depois, tudo bem, minha mãe veio aqui, meu pai também, gostaram muito. E eu fui várias vezes para lá. Não teve nada de complicado, não é?
P/1 – Não teve enterro nenhum, não é?
R – Não, foi bom.
P/1 – E a viagem de navio para cá? Você lembra do quê, assim, dessa viagem, Maria?
R – Me lembro de que fui… Me parece que foram doze dias no navio, no Cabo da Boa Esperança. Havia dois navios só que vinham para cá. Cabo ___00:51:01____ e Cabo da Boa Esperança. A vinda foi muito boa porque com muito conforto, bonito, Nossa, um navio transatlântico de luxo, você saía assim em cima e vinha aquela gaivota voando, se jogava, era muito… Foi muito bonita a viagem. Nada de ser difícil. Ainda mais, a gente não sabia o que esperava aqui, estava aproveitando o máximo no navio, os dois, porque o meu pai falou: “Se você vai, ela vai também com você, não vai deixar não, leva”. Aí depois, meus pais vieram aqui, gostaram muito e tudo mais.
P/1 – E quando chegaram lá em Santos? Como você se sentiu assim?
R – Em Santos, ele tinha um parente aqui, já. E eles foram buscar a gente em Santos, trouxeram. Primeiro dia, ficamos na casa dele, aí depois alugamos uma casinha aqui na Avenida… como se chama essa avenida que sai de Campinas para Barão de Itapura?
P/1 – Vocês chegaram em Campinas?
R – Campinas. Ele tinha um posto de gasolina, o tio do Manolo, empregaram ele lá, já tinha emprego quando… Porque naquela época só vinha se estivesse empregado, não queriam coisas assim… Então, registraram, empregaram no posto. E você acredita que, no posto, quando ele começou a trabalhar, a freguesia dobrou? Isso dito pelo tio dele, porque ele era muito atencioso e bonito. Acho que tem a foto aí. E ele atendia muito bem, muito, muito bem. Ele chegava em casa com as gorjetas, eu arrumei uma sacola e pendurei e ele foi enfiando lá, aquilo pagava o meu aluguel, água, luz, passagem de bonde, de ônibus… era bonde, não é? De tudo! Só as gorjetas que ele recebia. Gostava muito, muito… O pessoal chegava no posto - eu acho que ainda existe na avenida aquele posto - chegava lá e procurava pelo atendente Manolo, não queriam saber de outro, porque tinha outro que não era capaz de abrir o capô, ver a água, ver alguma coisa e ele, a primeira coisa que ele fazia, era abrir e verificar tudo. Então, o posto ganhou um movimento e todo mundo procurava pelo Manolo. Naquela época, tinha senhorita que ligava também, aí já ficava… Eu não gostava. Acho que ainda existe esse posto em Campinas. Na Barão de Itapura, será?
P/1 – Pode ser.
R – É saída para Jundiaí, para lá. Ele está ouvindo…
P/1 – Maria, você teve alguma sensação assim, quando você veio pela estrada de Santos para cá, quando você chegou na cidade, você observou alguma coisa que lhe tenha chamado a atenção?
R – Na estrada para cá?
P/1 – Desde quando você desceu do navio até chegar, antes de chegar em Campinas, alguma coisa lhe chamou a atenção, assim, que tenha ficado na sua lembrança?
R – Não. Não porque cidades eu já conhecia lá, e lá eu tinha o bonde também, tinha tudo, igual aqui.
P/1 – Mas na estrada, assim, a paisagem, alguma coisa chamou a sua atenção?
R – Não, sabe por quê? Porque lá eu me criei no campo, na horta, então não me chamou… Não estranhei. Não estranhei nada, não. Só estranhei o pessoal falando. Porque o espanhol fala diferente, mas deu para se acostumar logo.
P/1 – Você logo pegou a língua, aprendeu o Português?
R – Eu não sei se falo Português. Eu falo portunhol (risos), uma coisa toda atrapalhada.
P/1 – E quando você chegou, fazer amigos, como foi a acolhida, além do parente? O parente já estava aqui, o tio. Mas teve alguma… Fez amizades ou foi difícil?
R – Não. Eu fui morar na casa de um italiano, no quintal. Tinha duas filhas moças, muito bonitas, muito boas. Uma magrinha e a outra era gordinha, me lembro até hoje que a gordinha tomou veneno por causa do noivo e acabou morrendo. Gente boa. Até por esses dias eu estava me lembrando do nome dele, nome italiano. Eu morei muito tempo no quintal, não é? Mas me tratava muito bem e a irmã se chamava Gisele. E foi muito gostoso naquela época. Isso foi na Barão de Itapura, foi nos fundos de uma residência lá…
P/1 – Em Campinas?
R – Em Campinas. Eram duas moças e o pai e a mãe. Foi muito bom lá. Aí, de lá, nós já viemos para cá, porque estando lá, ele já pegou o ônibus e veio… Tinha o ônibus, era uma jardineira, vinha, fazia o retorno aqui e lá tinha uma vendinha, então parava na venda. Aí, ele comia, esperava essa condução dar a volta, ir para Campinas outra vez e voltar para poder ir embora. E um dia, ele chegou lá e falou… Chamava como? Não me lembro. “Vamos mudar para morar no mato”. “É bom, não se preocupe que é bom”. Ele já tinha arrumado aqui embaixo, tinha um português bom, até gordinho, Nossa Senhora, gente boa. E a Lurdes, a filha, se embelezou pelo Manolo. Mas amava ele, sabe? No bom sentido, porque ela sabia que ele era casado, não é? Aí, quando ele chegou lá, falou: “Vou mudar para o mato”. Eu não conheço o mato, não sei o que era, quem veio da Espanha até aqui com ele, vai até aí também, não é? Então, vamos. Aí, viemos um dia aí para ver. Tinha uma casinha lá, sem forro, sem nada, mas o pessoal muito bom. Ele tinha uma filha solteirona, Nossa, ela ficou amando ele de paixão! Aí, viemos morar, arrumou lá os quatro cômodos, tudo, a Carmen não dormia - já tinha a Carmen (risos) - olhando para o telhado. Você via todas as telhas, assim, o rato passava por cima, tudo lá, tudo à vontade (risos).
P/1 – E você, como você se sentiu?
R – Ah, eu ia fazer o quê? Eu estava com ele, eu estava bem.
P/1 – E não deu medo dos ratos?
R – Não. A gente foi pondo veneno para o rato, já começou o velho... Arrumou a porta, porque a porta… O velho era um velho português assanhado, e a Maria aqui era mocinha, nova, até que era meio bonitinha, o pessoal falava. Aí, ele, o velho, ficava de noite, não tinha luz, mas tinha o barzinho e o Manolo ficava no bar e eu ficava em casa. Aí eu dava de mamar para a Carmen, o portuguesinho vinha através da racha da porta e não queria consertar a porta (risos), ficava olhando a Maria dar de mamar para a Carmen. E a Carmen, que não conhecia o português, queria mamar a toda hora (risos). E moramos uma porção de anos aí embaixo.
P/1 – Foi aí que vocês tiveram o bar?
R – Era vendinha. Era uma venda. O bar foi na avenida, em Campinas, no posto de gasolina, até hoje está funcionando aquilo. Aqui foi uma venda, tinha de tudo, tinha bacalhau pendurado para lá, carne seca por aqui, feijão e arroz em saco por aqui, uma venda, tinha de tudo.
P/1 – Vocês que montaram a venda?
R – Não, já era montada, compramos do português. Aí, a filha do português se encantou com o Manolo.
P/1 – E o português com você (risos).
R – Eu fiquei de olho, não é?
P/1 – E a venda? Você trabalhava nela, não?
R – Trabalhava nela, cuidava da Carmen, depois veio o José Antônio, nasceu lá também.
P/1 – Maria, e na venda teve alguma história marcante? Alguém que ia lá?
R – Tinha algum episódio de vez em quando, porque o seguinte: a gente atendia muito a Fazenda Paraíso aqui e não tinha venda nenhuma por aqui. Então, quando os trabalhadores largavam lá, eles queriam fazer a compra. Não tinha condução, não tinha nada, a mulher não vinha a pé, porque era longe para carregar, então, quando largava lá, vinha na vendinha, queria fazer a compra e demorava. Aí, o Manolo não gostava porque o Manolo ficava o dia inteiro na venda, já estava cansado, queria descansar, não é? E eu já tinha a Carmen também lá, que tinha que ir para casa com ela. Então, um belo dia, o Manolo foi fechando e falando: “Se quiserem alguma coisa, vamos que já vou fechar”. Aí, ele começava a fazer a compra, enrolar. E aí, uma bela noite, ele falou: “Se prepara que essa noite vai ter festa”. Aí, ele arrumou um pau e pôs embaixo do braço. Quando já era hora de fechar, que ele queria fechar, colocou o pau em cima do balcão: “Quem quiser alguma coisa, que fale já porque eu vou fechar”. “Ah…”. “Não, é para já”. O pessoal estava vendo que o espanhol estava bravo (risos). Aí, começaram a querer as coisas, foi passando e acho que não houve briga não. Foram catando as coisas e se arrancando. Porque eu ficava até tarde, se ficava na casa, ficava sozinha com a Carmen; se não, tinha que ficar na venda com ela no colo, chorando que ela queria berço, mamar e assim…
P/1 – E aí, nunca mais ficaram até tarde na venda.
R – Aí, começaram a aprender que era para fazer a compra, beber o que queriam beber e se arrancar, não é? Ir embora.
P/1 – E vocês ficaram bastante tempo com essa venda?
R – Ficamos bastante tempo, sim.
P/1 – E depois, como foi que vocês vieram para cá?
R – Quando estávamos lá, que é aqui embaixo, já compramos aqui o terreno. Entendeu?
P/1 – Este terreno onde você mora?
R – É, aqui. Então... A vendinha era aí embaixo. Acho que tem alguma coisa… O quê que tem lá, agora, Mari? Não sabe, não é? Não lembra. Depois você dá uma olhada lá, não sei o quê que tem. Mas aí, de lá, quando compramos aqui, já fizemos um barracãozinho lá embaixo, metade era depósito, outra metade era galinheiro e outra metade era casa, tudo junto. E aí, viemos morar aqui e largamos lá. Lá era alugado do português, não é? Gente muito boa! Nossa, a filha dele, até hoje ela me ama. Gente muito boa. Ele era português mesmo, a mulher dele era… Eu não sei, tinha reumatismo, não andava, andava muito magra, coitadinho, se chamava dona Regina.
P/1 – E você gostou de mudar para cá, Maria? Fazer esse novo negócio?
R – Eu adorei, porque lá na Espanha, a minha casa era assim também no campo, não é? Eu nunca fui de morar na cidade. Aliás, nunca gostei porque sai na frente, cimento e carro, cimento e mais nada. Aqui é fácil, sempre gostei, fui criada assim. A gente tinha um sítio lá muito grande, você via aquela plantação de cevada, depois tinha a praia do outro lado, a estrada em cima, onde passava muita condução, era muito bonito. Tinha uma torre, que era o cartão postal daquilo lá.
P/1 – Já que você voltou para esse lugar, vou lhe perguntar uma coisa. Você voltou lá para a sua infância, contando como era, você ia muito à praia, Maria, lá?
R – Ia, a praia eu via de casa, do campo se via lá a praia. Era pertinho, era uma praia muito boa.
P/1 – Você ia à praia?
R – Ia, sim. Ia bastante. A gente tinha uma lona, instalava o negócio lá, levava a mesinha, levava tudo, era muito gostoso. Uma praia muito boa.
P/1 – E o mar?
R – Entre a Ribeira e o ____01:08:28____. Tinha o campo de aviação e tinha a praia.
P/1 – E aí, você veio para cá e lhe lembrava onde você morava?
R – Eu vim para cá e eu chorava, mas chorava mais por causa da minha irmã, que eu deixei uma irmã pequena, pequenininha, a Conchita, e eu amava aquela criaturinha, cuidava dela, tudo. Então, eu chorava muito de saudades dela. Não era assim do lugar, não era da mãe, a mãe eu sabia que uma hora ou outra… Mas chorava de saudades da Conchita. Até hoje, para mim, é um xodó. Deve ter foto aí dela.
P/1 – Ela está lá na Espanha?
R – Ela está lá, casada, com filho…
P/1 – E quando você veio para esse lugar aqui, para essa casa, você disse que… O que vocês fizeram aqui? O que vocês construíram?
R – Antes de vir para cá, eu morei embaixo, onde era a venda. Tinha uma casinha lá, simplinha, sem forro, mas gostoso. Eu morei lá.
P/1 – E quando vieram para cá, você disse que começaram a… Tinha a casa, o galinheiro e o depósito… não?
R – Não. Não tinha nada. O terreno, só o terreno limpo. Aí a gente fez. A gente fez primeiro um barracãozinho, que dividiu em depósito e o galinheiro, nós compramos quinhentas galinhas, aí começamos com a granja. Chegamos num ponto de ter sessenta mil galinhas aqui, todo o terreno aqui compramos e fizemos bastante galinheiro que era de cem metros de comprimento, era um sítio inteiro lá para baixo, que lá embaixo tem o rio também. Aí, fomos pondo e juntamos sessenta mil cabeças, aquela máquina, fizemos um depósito muito grande. Fornecíamos ao mercadão lá - todo ovo que tinha lá era da Granja do Manolo. Até fizemos caixas para vender ovos por dúzia, com toureiro, não sobrou nenhuma para lembrança. Mas era muito bonita a embalagem, porque chamavam aquele toureiro, Manolo, e fizemos aquela caixinha…
P/1 – E você, Maria, aqui você trabalhava junto com o Manolo?
R – Eu trabalhava na granja, selecionando com a máquina. Tinha a máquina, tinha uma máquina que tinha não sei quantos metros, mas muitos metros, e essa máquina a gente ia colocando em duas pessoas, colocando lá e mais duas pegando lá embaixo, elas passavam por uma… Como se chama?
P/1 – Esteira?
R – Um negócio cheio de pelo para limpar os ovos. A gente ia pondo aqui nas duas beiradas, um atrás do outro e a máquina tocando e ele caía lá tudo limpinho. Aí, mais duas mulheres iam catando e colocando na bandeja. Era muito bom.
P/1 – Você gostava de fazer esse trabalho?
R – Eu adorava. Eu gostava. Eu sempre trabalhei, mesmo lá na Espanha, eu trabalhava no sítio também. Então, para mim, trabalhar era uma coisa normal, não tinha segredo. Era muito bom.
P/1 – Como era para você ver aquele monte de galinha, aquela produção toda? O que você sentia?
R – Eu me sentia grande, eu me sentia realizada. Era uma beleza. Tem muita foto aí, eu poderia ter preparado, mas ninguém me avisou nada. Mas, tinha muita… Porque chegamos a ter sessenta mil cabeças, todas botadoras, botavam. A gente descia com a caminhonete aberta, recolhendo… Era em cestas que recolhia, recolhendo da gaiola os ovos para trazer para limpar e embalar na caixa. Aquele mercado Barão de Sacoara, era ovo que tinha lá era tudo do Manolo. Fizemos uma caixa que tinha um toureiro, não sobrou nenhuma.
P/1 – E você teve mais filhos, além da Carmen e do seu filho? Teve outros?
R – A Carmen, Cinho, Fernando, Marco, acho que não.
P/1 – Foram quatro filhos?
R – Cinco. Quatro homens, não é? José Antônio, Cinho, Fernando, Marco e o Manuel, quatro, e ela. Isso. O Manuel… Acho que o Manuel não está mais aqui, não. Eu acho que morreu de acidente, me parece.
P/1 – Seu filho?
R – Meu filho. Só ficou o Cinho, o Fernando e o Marco e a Carmen.
P/1 – Tem netos, bisnetos?
R – Tenho um monte de netos. Um monte não, neto tem a Roberta e o Diego, a Jessica e a Fabiana… aí, meu Deus…
P/1 – Mas tem vários, não é? Vários netos.
R – Tenho, mas não tem muito não, porque a mulherada não está a fim de ter filho, muito (risos), estão se cuidando. Não me lembro. Espera aí.
P/1 – Não precisa lembrar o nome e nem quantos, não precisa.
R – Seria bom se eu lembrasse, não é (risos)?
P/1 – Maria, quando os seus filhos nasceram, principalmente a Carmen, que foi a primeira, como foi para você quando nasceu a sua primeira filha, que foi a Carmen?
R – Olha, foi muito bom, mas foi dolorido assim. Porque a menina não ia conhecer a avó, não ia conhecer o tio, não tinha ninguém, só a mãe. Então eu olhava para ela e eu chorava muito, porque seria tão paparicada - primeira neta - por toda a família, não é? E eu me sentia assim, um pouco culpada dela não ter, mas depois foram vindo os outros e tudo bem.
P/1 – E você como mãe, com as crianças, com os filhos?
R – Eu acho que fiz tudo que uma mãe boa faz. Eu acho que não podem me chamar nunca de mãe ruim, não. Eu me desdobrava, fazia tudo, criei tudo no peito, tudo até mais de um ano, até… o último me fazia sentar para que ele mamasse (risos), porque tinha uma vizinha aqui que fazia assim com o filho, só que o filho era grandão, bem maior do que o Marco. Aí, ele queria também fazer isso, mas criei eles todos no peito, nada de mamadeira, eu não sabia fazer mamadeira, nunca fiz. E foi muito bom criar todos eles.
P/1 – E para divertir, vocês se divertiam aqui além de trabalhar? Como era para…
R – Nós tínhamos um clube aqui. Esse clube foi o meu marido quem fez, aqui descendo, não sei se ainda o barracão está aí, precisava ver, mas foi o Manolo quem fez, no nosso terreno, para fazer festas para a igreja. A gente fazia muita coisa, ajudou muito a igreja. E foi ele quem fez. Aí, fazia baile, o pessoal alugava, fazia baile e colaborava com a igreja. Foi muito bom. Eu acho que ainda o edifício, se eu não estou enganada, acho que ainda está lá na ponta, o clube. Aí, os jogadores também ficaram sócios do clube, foi muito bom.
P/1 – Aí, você continuou não dançando (risos).
R – Continuei na mesma luta.
P/1 – Mas você ia às festas, aos bailes lá?
R – Claro, tinha que estar lá. Festa do Matão, era tudo lá na igreja. Fazíamos a Festa da Colheita, fazíamos exposição, tinha tudo registrado. Era uma época muito boa de frutas e verduras, tudo colhido.
P/1 – Aqui?
R – Aqui.
P/1 – Aqui no sítio?
R – Aqui, aqui e por aqui em volta.
P/1 – E como era a Festa da Colheita?
R – A Festa da Colheita acho que não tinha não.
P/1 – Ah, entendi que vocês faziam uma festa de colheita.
R – Tínhamos a festa lá na igreja. Lá fazia exposição, cada um expunha o que tinha lá, a agricultura, a Casa da Agricultura ajudava muito, muito bom, a Sociedade de Amigos do Bairro, da qual o Manolo era presidente. Era muito bom.
P/1 – Você participava, Maria, da Associação?
R – Era a mulher do dono da exposição.
P/1 – E tinha alguma coisa que você gostava de fazer na Associação ou na exposição?
R – Só ajudava a montar as coisas, tinha a caminhonete para recolher do agricultor e as coisas, levava lá. Eu mesmo guiava por aí tudo a caminhonete. Era muito bom.
P/1 – Como é que foi quando você foi aprender a dirigir e a tirar carta? Tem alguma história aí? Você não dirigia na Espanha, veio dirigir aqui.
R – Aí, aí, aí, aí, aí… Você me pegou…
P/1 – Você dirigia por toda essa região aqui?
R – Por tudo, eu ia até São Paulo, ia para lá, Piracicaba, ia por tudo.
P/1 – Sozinha, dirigindo?
R – Sozinha. Eu levava o pessoal, a turma da Sociedade Amigos do Bairro para fazer as coisas. Minha carta de motorista é para qualquer coisa, está sem uma multa, está aí ainda.
P/1 – Podia dirigir caminhonete, carro, tudo?
R – Caminhonete, caminhão, carro, bicicleta (risos), tudo. Só não conduzia moto, não gostava.
P/1 – Maria, conta só quando a sua mãe veio a primeira vez para cá. Só isso. Como foi? Porque a gente já está chegando no fim da entrevista.
R – É, está comprida, não é?
P/1 – Não, só para você não ficar muito…
R – A gente pagou a passagem para eles e trouxe o casal.
P/1 – Ela e o seu pai.
R – Os dois.
P/1 – E quando eles chegaram aqui e lhe viram?
R – Eles gostaram muito. E o pessoal aqui adorou. Eles sentaram aí fora, tem casa lá atrás, então o pessoal passava: “Oi, seu Florêncio”, foi muito gostoso, eles gostaram demais. Depois veio a minha irmã também para cá.
P/1 – E aquela pequenininha que era seu xodó, ela veio também?
R – A Conchita, veio.
P/1 – E quando você reencontrou, como foi?
R – Acho que a Conchita não veio aqui.
P/1 – Mas você foi para lá?
R – Eu fui.
P/1 – E quando você voltou a primeira vez para lá?
R – Já fazia uma porção de anos que eu não ia para lá. Eu estranhei muito. A Conchita era criança, eu achei uma mulher. Tudo mudado, tudo muda, não é? Mas foi muito bom. Eu fui duas vezes para lá.
P/1 – E quando você chegou e viu assim todo mundo?
R – Nossa, era aquela festa lá, todo mundo queria ver a Maria.
P/1 – Foi a Maria e o Manolo juntos?
R – Maria e o Manolo, é! Os dois. Foi muito bom. A gente era muito conhecido, nasceu naquele lugar e o pessoal todo lá também… Sabe como é o lugar no sitio, assim, não é? Era muito conhecido.
P/1 – Maria, e depois conte para a gente, dessa época até hoje, assim, o que foi acontecendo. Vocês tinham a granja, tinha a Associação de Bairro, tinha… Aí vieram os netos…
R – Depois da granja não aconteceu mais nada, porque tudo parou, não é? Então, simplesmente morando aqui, a gente tocava muito o clube, a Sociedade Amigos do Bairro, fazia muita coisa. Mas não tem mais Sociedade Amigos do Bairro, Mari? Acabaram também.
P/1 – E a granja, vocês terminaram…
R – A granja, agora eu tenho vinte galinhas (risos). Tive já sessenta mil, hoje não tenho mais nada, está tudo derrubado, está tudo quieto.
P/1 – Como foi esse final, assim, desse trabalho, da granja? Vocês resolveram parar ou foi diminuindo?
R – Fomos diminuindo, quando estava quase acabando, acabou. Não tinha mais ninguém para ajudar, não é? Porque cada um… Ninguém quis ser granjeiro, eles acharam um trabalho mais fácil, porque granjeiro é uma escravidão, não é? Você tem que estar dia e noite, ainda mais nesse lugar, agora hoje em dia, não pode ter nada, entendeu? Então, melhor parar tudo, derruba tudo e fica quietinho, não é?
P/1 – Seus filhos chegaram a trabalhar na granja?
R – Trabalharam.
P/1 – Aprenderam a fazer?
R – É… o Cinho, o Fernando e o Marco… o Marco trabalhou também, Mari?
P/1 – Maria, os meninos começaram cedo a trabalhar na granja?
R – Cedo. Nós éramos aqui da granja, eles tinham que fazer alguma coisa, não é?
P/1 – Como era eles aprendendo, assim? Como é que vocês faziam?
R – Olha, eles iam à escola e fora do horário da escola, eles ajudavam. Um ia catar ovo, o outro ajudava a limpar, outro a encaixotar, tudo que eles podiam, eles ajudavam.
P/1 – Os netos chegaram a conhecer a granja grande, com bastante galinha? Os seus netos?
R – Os netos, sim, todos eles.
P/1 – E teve alguma história assim, com algum deles com as galinhas, alguma situação assim?
R – (risos) A Carmen tinha muito medo das galinhas (risos), picava ela (risos).
P/1 – Desde pequena ou já grande?
R – De pequena. Ela não gostava, não.
P/1 – Picava mesmo, Maria?
R – Picava, claro (risos).
P/1 – E os netos, alguma vez teve alguma história assim com algum deles?
R – Eu não lembro.
P/1 – Então, não deve ter tido nenhuma história marcante.
R – Não lembro. Os netos quase não frequentaram a granja. Já estavam na escola e a granja tinha acabado. Só os filhos mesmo que ficaram.
P/1 – E aí, nenhum continuou, não é?
R – Não, acabou tudo. Fomos comendo, vendendo elas (risos), a gente também comia galinha, não é?
P/1 – Tinha alguma de estimação, assim?
R – Não, porque se estimasse não podia vender, não podia matar, não podia fazer nada. Então, tinha ódio delas (risos), elas pinicavam a gente.
P/1 – Maria, hoje você continua aqui com o Manolo, não?
R – É. Fomos construindo, depois ele adoeceu, aí parou tudo e eu fui acabando também com tudo. Descansando. Não faz falta até hoje.
P/1 – Sente falta?
R – Não, não sente. Ficou tudo certo.
P/1 – Fechou o ciclo?
R – Isso.
P/1 – E você mora aqui sozinha, Maria?
R – Não, estou sozinha, mas não estou sozinha. Estou com Deus também, mas o filho vem sempre, a Carmen vem sempre que pode, porque ela mora longe, ela mora no sul. Mas os filhos moram por aqui perto, tenho família que mora aqui junto também, não é? Então eu estou sozinha, mas não estou sozinha, estou acompanhada.
P/1 – Você ainda gosta desse lugar?
R – Gosto. Faz parte da vida aqui, não é? Foi feito com suor, com lágrimas e com alegria e com tudo. Está tudo em paz.
P/1 – Então aqui é o seu lugar, não é?
R – Isso. Eu penso ficar aqui até que me carreguem.
P/1 – Está certo, Maria, a gente está terminando, já. Você quer contar alguma coisa que eu não perguntei, mas que você gostaria de contar?
R – Eu acho que não, está tudo explicado aí, está tudo certo.
P/1 – Alguma coisa da vida toda assim, que eu não perguntei, que você queria muito contar aqui para a gente gravar?
R – Eu não lembro de nada assim que possa ser necessário aí.
P/1 – Tem uma escola aqui que tem o nome…?
R – Tem a melhor escola de Matão.
P/1 – Tem o nome de quem?
R – Do meu marido. Manuel Albaladejo Fernandes, muito boa.
P/1 – E como foi que puseram o nome nessa escola?
R – Ele fez o campo de futebol, ele fez o time de futebol, ajudou muito a igreja e a Sociedade e tudo mais, aí ele foi merecendo tudo e tem até o clube também para o time de futebol, ele fez muita coisa por Matão.
P/1 – E aí, na escola, puseram o nome dele?
R – O nome dele, até hoje. É uma escola muito bonita, muito bem conservada, muito boa.
P/1 – Nós vamos terminar a entrevista. O que você achou de contar essa história para a gente? Assim... Como você se sentiu contando?
R – Eu achei muito bom, tudo certinho, só que eu não estava preparada, assim (risos).
P/1 – Mas você contou coisas bem legais, bem bacanas.
R – O que eu lembrei, porque a memória, você sabe, depois da idade falha um pouco, mas deu tudo certo.
P/1 – Deu tudo certo. E hoje, o que você mais gosta de fazer hoje?
R – Olha, eu gostava e gosto de fazer reunião com a família, juntar todo mundo, mas é difícil porque um mora mais longe, outro fica lá também, mas sempre gostei muito de juntar todos. Era aquela mesa cheia, sabe?
P/1 – Você fazia isso antes? Isso tinha antes?
R – Tinha.
P/1 – Como eram esses momentos, assim?
R – Era muito gostoso, porque às vezes dava até encrenca entre eles mesmos (risos), eram quatro, cinco crianças, mas era muito gostoso, era muito bom.
P/1 – O que você fazia de comida nesses momentos em que reunia todo mundo na mesa?
R – Dependia da data. Se fosse no Natal, eu ia fazer Puchero, ia fazer grão de bico. Se fosse outra época, ia fazer um churrasco, diferente, não é? Tem muita coisa.
P/1 – O que eles mais gostavam que você fizesse nesses dias assim, de todo mundo junto?
R – O que mais gostava? Se fosse o que menos gostava, eu sei (risos).
P/1 – O que eles menos gostavam?
R –Eles não gostavam muito de ir na escola e não gostavam de apanhar também. Mas eles gostavam de tudo.
P/1 – Não, mas assim, do que você cozinhava. Você que cozinhava?
R – Ainda cozinho um pouco.
P/1 – Mas quando juntava, reunia a família toda, as noras…
R – O mais normal era fazer um arroz com frango. Um Puchero também.
P/1 – Você que fazia?
R – Eu fazia.
P/1 – E o Manolo gostava dessa comida?
R – Ele gostava muito de comer bem. Ele gostava mesmo de mesa farta e comer bem.
P/1 – E você que cozinhava?
R – Eu cozinhava. E até hoje, se tiver que ir para o fogão, eu ainda encaro fazer um pãozinho, fazer qualquer coisa. Eu fui acostumada já a fazer, não é?
P/1 – Então, Maria, a gente está terminando. Eu agradeço muito a sua história, que… Parabéns por todo esse caminho, viu?
R – Imagina! Não tem que agradecer nada, eu tenho que agradecer.
P/1 – Seu neto, não é? Que… Qual foi o neto que trouxe você para contar história?
R – Esse Diego é fora de série.
P/1 – O Diego que chamou você para contar história?
R – É, o Diego. Ele sempre me apronta alguma coisa (risos). Ele é muito amado, pena que esteja longe.
P/1 – Obrigada mais uma vez, Maria.
R – Eu que tenho que agradecer, só. Você não tem que agradecer nada
FINAL DA ENTREVISTA
Dúvidas:
Aí, o guarda disse assim: “Senhora, negro ____00:08:33___”, e foi uma porção de risadas de todos os lados da resposta da minha avó. – Página 02.
R – O caminho assim, dobrando o mar, tinha uma estrada que ia do ____00:20:15_____ até Cartagena, porto de mar tinha, tinha praia, tinha tudo. – Página 05.
Aí, se chamava _____00:40:53____, a gente trabalhava pra ele para não ter que pagar, porque era difícil. – Página 10.
Assim tinham vários sítios e o pessoal daqui se juntava com aquele e em vez de pagar, depois tinha ___00:42:58___, aí ele vinha fazer o mesmo em casa. – Página 11.
Aí, a gente alugou um bar na avenida, na agência de automóveis como se chamava? _____00:47:42____. – Página 12.
Tinham dois navios só que vinham para cá. Cabo ___00:51:01____ e Cabo da Boa Esperança. – Página 13.
R – Entre a Ribeira e o ____01:08:28____. – Página 16.
Recolher