LEMBRANÇAS DO COLÉGIO ARTE E INSTRUÇÃO, DE 1950 A 1953
Queria ver o pau comer era gritar perto de qualquer membro do Colégio Arte e Instrução a ofensa suprema: “Colégio Arte e Instrução, entra burro e sai ladrão!”. E o pau comia mesmo, feio, envolvendo alunos e até mesmo algum membro docente, entre o Arte e Instrução e o Colégio Progresso, instituição menor, da Rua Cerqueira Daltro, em Cascadura. Apesar da maior proximidade com o Souza Marques, era com o Progresso que a rivalidade despontava com maior furor. Às vezes não era o grito insolente, a refrega era gerada por algum evento esportivo ou cultural do qual os dois colégios participavam, às vezes era uma simples briga entre dois alunos rivais que contagiava a alunada e partiam todos pra luta. Fosse hoje, onde qualquer menor tem acesso fácil a armas de fogo, seria certamente uma carnificina. Mas naqueles bons tempos, o resultado era só alguns olhos roxos e escoriações generalizadas.
Curioso é que quase nunca as lutas ocorriam em Cascadura, terra dos “progressistas”. Modo geral as escaramuças começavam na frente do Arte e Instrução e, para evitar a intervenção enérgica dos inspetores, algum dos brigões desafiava: “Vamos pra Padre Manso!”. Veja, uma rua com nome de Padre, Manso ainda por cima, era a arena preferida dos selvagens adolescentes. Aliás a rua não era só palco das guerras intertribais não, era quase sempre lá que qualquer desavença era resolvida aos tapas e murros.
Entrei no ginásio com 12 anos. O colégio ficava na Av. Ernani Cardoso, perto do Largo do Campinho. A construção era dois prédios de frente, estilosos, cinzas, umas colunas trançadas, fazia os escritórios e o atendimento e havia também uma área coberta, onde ficavam os inspetores. Mais pra trás outra construção, quadradona, três andares, era o prédio das salas de aula. Durante todo o dia as escadas ficavam movimentadas com um vai-e-vem de alunos e alunas,...
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Queria ver o pau comer era gritar perto de qualquer membro do Colégio Arte e Instrução a ofensa suprema: “Colégio Arte e Instrução, entra burro e sai ladrão!”. E o pau comia mesmo, feio, envolvendo alunos e até mesmo algum membro docente, entre o Arte e Instrução e o Colégio Progresso, instituição menor, da Rua Cerqueira Daltro, em Cascadura. Apesar da maior proximidade com o Souza Marques, era com o Progresso que a rivalidade despontava com maior furor. Às vezes não era o grito insolente, a refrega era gerada por algum evento esportivo ou cultural do qual os dois colégios participavam, às vezes era uma simples briga entre dois alunos rivais que contagiava a alunada e partiam todos pra luta. Fosse hoje, onde qualquer menor tem acesso fácil a armas de fogo, seria certamente uma carnificina. Mas naqueles bons tempos, o resultado era só alguns olhos roxos e escoriações generalizadas.
Curioso é que quase nunca as lutas ocorriam em Cascadura, terra dos “progressistas”. Modo geral as escaramuças começavam na frente do Arte e Instrução e, para evitar a intervenção enérgica dos inspetores, algum dos brigões desafiava: “Vamos pra Padre Manso!”. Veja, uma rua com nome de Padre, Manso ainda por cima, era a arena preferida dos selvagens adolescentes. Aliás a rua não era só palco das guerras intertribais não, era quase sempre lá que qualquer desavença era resolvida aos tapas e murros.
Entrei no ginásio com 12 anos. O colégio ficava na Av. Ernani Cardoso, perto do Largo do Campinho. A construção era dois prédios de frente, estilosos, cinzas, umas colunas trançadas, fazia os escritórios e o atendimento e havia também uma área coberta, onde ficavam os inspetores. Mais pra trás outra construção, quadradona, três andares, era o prédio das salas de aula. Durante todo o dia as escadas ficavam movimentadas com um vai-e-vem de alunos e alunas, pois as matérias às vezes eram dadas em salas diferentes. Às vezes uma turma de garotos – ficávamos separados, inclusive nos pátios de recreio - cruzava na escadaria com uma turma de garotas e alguns safadinhos aproveitavam para dar uma “roçadinha”. Que era comemorada depois entre os colegas como se tivesse havido uma noite de núpcias. Nessas escadas uma vez deu-se uma cena que foi assunto durante muito tempo entre os “maus-elementos”. Enquanto as alunas subiam alguns espertinhos ficavam olhando pra cima, na esperança de ver algo que os deleitasse. Uma vez foram surpreendidos por D. Lourdes, professora de Trabalhos Manuais (é, havia isso...). Ela ficou furiosíssima e gritou irada com eles; “Seus sem-vergonhas! Nunca viram pernas de mulher, não?! Querem ver? Pois olhem! Olhem!” e levantou um pouco a saia, até aos joelhos. Nada risível aos olhos desde sempre cruéis dos adolescentes, se a nobre professora não tivesse deficiências em ambas as pernas, finas, arqueadas, joelhos enormes e pés defeituosos metidos em botas ortopédicas, seqüela talvez de uma paralisia infantil.
Embaixo, à esquerda do largo corredor de entrada, ficava o auditório, amplo, com palco e centenas de cadeiras. À direita, em frente ao auditório, a cantina, onde eventualmente alguns alunos e alunas furtivamente cochichavam. É, porque se os inspetores pegassem saias e calças conversando, era repreensão na certa... Alinhados com a cantina, portas viradas para a cerca do pátio, os banheiros masculinos (os femininos nunca soube onde ficavam). Antro de libertinagem (naqueles tempos primaveris, quem diria), onde os viadinhos da escola – o mais conhecido era o Raul – faziam a ventura dos alunos mais velhos ou mais experientes. Onde também se fumava muito – cigarros, maconha era coisa da malandragem do morro e em outras drogas nem se falava - e onde se acertavam contas, com socos e pontapés, nos mais fracos que a gente, naturalmente . Eu mesmo tive um desforço lá uma vez. Na fila pra urinar, um gaiato empurrou-me sobre um à minha frente e fui surpreendido por violento soco no olho. Como já tocava a campainha do fim do recreio o “deixa-disso” não me permitiu revidar na hora. Proferi o famoso “Te espero lá fora”. E esperei. Quando meu agressor saiu, fui-lhe às fuças. Mas o danado era mesmo de briga. Desde a frente da escola até o outro lado do viaduto, quase um quilômetro adiante, ainda estávamos nos engalfinhando. Parodiando o Moringueira, até hoje ninguém sabe quem apanhou. Eu garanto que foi ele, ele garante que fui eu.
Eu estudava de manhã, eu acho. Usava uniforme cáqui, blusa manga curta, leve. Outros alunos usavam sobre a camisa um dólmã também cáqui cheio de bolsos. As meninas usavam uniforme tipo “normalista”, saia azul pregueada e blusa branca, com o emblema do colégio bordado e parece que com uma gravatinha. Eu ia sozinho, quase sempre a pé, às vezes de bonde - que na época subia o viaduto e parava bem em frente à escola. Passageiros mais ágeis “tomavam” o bonde e saltavam dele em movimento. Uma vez fui fazer o mesmo. Quando o bonde passou pulei no estribo e agarrei-me ao balaústre, como eles faziam. Só que ao invés do balaústre segurei foi na bengala de um velho que viajava na ponta do banco. Resultado, lá fui eu, minha pasta, a bengala - e quase ainda levo o velho – para o chão, onde me estatelei e ainda rolei uns três metros, vendo a morte de perto sob as rodas de aço do bonde .
O diretor chamava-se Ernayde, Doutor Ernayde, e não era muito popular entre os alunos, que eu me lembre. Havia os inspetores, encarregados de manter a ordem e fiscalizar os alunos no pátio, nas escadas, nos corredores e até na frente da escola e na rua: tinha o Serpa, alto, de cabelos penteados para trás, parecia um caboclo, simpático, estava mais pra “tio” (não se usava esse termo da forma que se usa hoje) que pra inspetor. Acho que era ele que tinha um pé torto. Tinha o inspetor Girão, tipo alemão, durão, enérgico. Ai do aluno que desrespeitasse um inspetor, principalmente o Girão.
Os professores de que me lembro eram o João Leite – forte, bigodão, sempre de guarda-pó branco aberto no peito e fumando muito – professor de Ciências. Brincalhão, mas na hora da aula exigia silêncio e atenção. Um dia em que ensinava sobre ossos do esqueleto humano mostrou uma caveira de verdade. Meu amigo Gelson (depois falo mais dele) fez uuuuuuu e foi uma gargalhada geral, só que o autor da gracinha foi expulso da sala sem contemplação. Frase lapidar do João Leite: “Tempo de escola não é aprendizado. Se fôsse, o Acácio” zelador da escola há trinta anos “seria diretor”.
O professor Teixeira era de Geografia. Era bexigoso, muito simpático e amigo dos alunos. Uma vez pelo menos participou da guerra contra o Progresso. Virou lenda entre os alunos. E a D. Maria, de Francês? Gorda, mas gorda de verdade, alegre, gozadora, pisava sem dó no pé do aluno que o deixava fora da carteira. Sua vítima preferida era o Edson Ávila – à vela, ela o chamava. Implicava com ele, que não havia meio de pronunciar o “je sui”. Saía sempre “je chi”. Anos depois encontrei o Edson. Era motorista de caminhão, de mudanças, parece.
O Bruno era de Latim (é, tinha Latim...). Tímido, parece que tinha vergonha de falar aos alunos. Usava óculos sem armação e fumava desajeitadamente. Era engraçado que a fumaça entrava pelos óculos, fazia arder e encher seus olhos de lágrimas, aí ele tirava os óculos, enxugava os olhos, limpava os óculos e era assim até o fim da aula. Na aula de História tinha o Posa, Geraldo Posa, também autor de livros de História. Sua “aula” era sui generis: entrava, os alunos imediatamente se aquietavam – isso era o normal em qualquer outra aula, acreditem - sentava-se à mesa, abria um livro e anunciava: “O ponto hoje será sobre a Revolução Francesa”, por exemplo. Sentado, lia o ponto em voz alta, até soar a campaínha que anunciava a próxima aula. Fechava o livro, se despedia cortesmente dos alunos e ia embora...
O Eliseu era de Português. Simpaticísimo, atencioso com todos, educadíssimo, ao ponto de os alunos “desconfiarem” dele. Até que um teve a coragem de perguntar-lhe, em plena aula, porque ele era tão... tão... finíssimo. O professor Eliseu, tranquilo como sempre, explicou: ele era médico, obstetra. Lidava com senhoras e mocinhas em situação delicada, de risco. Tinha de ser o mais gentil possível, falar e portar-se com brandura. E havia também os pais e maridos, que geralmente acompanhavam as filhas e esposas ao consultório, principalmente na primeira consulta. Pensariam duas vezes antes de deixarem suas preciosas princesas nas mãos de um homem rude, barba cerrada e voz grossa. Foi convincente, granjeou ainda mais respeito de seus alunos.
O Lakir de Aguiar, Professor de Desenho, era dentista e tido como rico. A maioria de seus clientes eram alunos e professores do Arte e Instrução. Havia ainda outro irmão do João Leite, o Renato, professor não me lembro de quê.
A Matemática, a terrível Matemática do ginásio, ficava nas mãos do cruel Elias. Investigador de polícia, macérrimo, longos bigodes à Charlie Chan e também longos cabelos pretos, era o terror dos estudantes. Bobeava com ele era um tapa no quengo, um caderno ou caneta jogados pela janela, um grito colado na cara. Excelente professor, exigentíssimo, os alunos tinham de entender o problema, nem que fôsse na marra. Só uma vez sorriu. Amarelo, mas sorriu. O autor da façanha foi o Vitor Hugo Nunes Bartolo. Prenome de gênio, atleta musculoso (praticava o Charles Atlas Método de Tensão Dinâmica), em pleno meio-de-ano matava aulas e mais aulas mas advertia os companheiros: “Olha, não me sigam, já tenho média pra passar. E vocês?...”. Cena um: o cruel Elias percebe um cochicho do herói Vitor no fundo da sala e o chama ao campo de batalha, o quadro-negro. Enquanto o herói treme (papo, heróis nunca tremem), o quadro fica repleto de números e letras. Pode, somar e dividir números por letras e vice-versa? Xises e ypissilones mais e vezes quatros e zeros vírgula noves, e parênteses e colchetes? Desafia o Elias: “Resolva. Se errar, leva zero de hoje até o final do ano!”. Resoluto, Vitor, para desenvolver o problema, acaba de encher o quadro com outros números e letras e enfim termina. “Errado!”, urra o monstro. “Volte pra sua carteira e já sabe: reprovação na certa!”. Calmamente, como soem ser os heróis, Vitor afirma que o resultado dele está certo. O professor só falta ter um enfarte, ou derrame, sei lá, fica tão estupefato com tamanha insolência que nem consegue falar. Vitor Hugo então faz o impensável. Começa a “desfazer” o problema. Deixa no quadro apenas o resultado, de poucos números e letras, e o problemão, com centenas deles. Apaga todo o desenvolvimento feito e, a partir do resultado, desenvolve tudo ao contrário e chega ao problema! Já viu palmas em sala de aula? Pois é. Arrasado e admirado, balbucia o grande Elias: “É... me chamou de feio!...” e sorriu. Amarelo, mas sorriu!...
A Música era com o Maestro Barbosa. Figuraça. Queridíssimo, admiradíssimo, parece que até hoje é a lembrança maior dos ex-alunos. Simplérrimo, calmo, delicado. No entanto, meu gentil e paciente carrasco. Quero enfrentar o Elias ou o João Leite, mas não me mandem pra aula de música, por favor. Pra entenderem, imaginem o diálogo: o Maestro, “Dê um dó” e eu, “dó!”. “Não, filho, eu falei dó”. Eu: “então... dó!”. “Meu filho, não é dó, é dó! dó! Preste atenção: DÓ!”. E eu, quase chorando, mas sem conseguir a entonação certa: “dóóó...”. Só passava em Música pela bondade do Barbosa. Queridinho do Mestre era o Gessy. Nome de viado, pinta de viado, mas não era. Um artista, isso sim, que voz! Quando cantava, nas aulas ou nas apresentações no auditório, era um sucesso!
Inglês, Espanhol, outras matérias, não lembro. Lembro do Gelson Leoni da Costa, meu amigo, parte da trindade comigo mais Francisco Carlos Passos Aran, o Chico. Estávamos sempre juntos, no pátio, na sala, no banheiro, na saída, até nos separarmos na volta para casa. Menos durante algum tempo. Gelson prestava muita atenção em uma aula, enquanto o Chico desenhava na perna da calça dele com esferográfica. Ao ver o desenho em sua perna, Gelson deu-lhe uma bofetada. Durante uns dez dias o trio era formado assim: Gelson na frente, Chico uns dez passos atrás e eu no meio, ora adiantando-me pra palrar com o Gelson, ora atrás pra dar atenção ao Chico. Eu morava na Brasilina, em Cascadura, no outro lado do Viaduto. O Chico morava na Cerqueira Daltro, pros lados de Cavalcante, tomava um lotaçãozinho preto até lá. O Gelson era de Ricardo de Albuquerque, lá perto de Deodoro, longe pacas. Era musculoso, praticava ginástica. Apanhava muito do pai, que era militar, parece que sargento do exército. Às vezes chegava machucado na escola. Perguntado respondia que tinha tirado uma nota baixa, por isso apanhara. Alguns colegas o chamavam de Americano. Ele torcia a boca quando falava, como os americanos. Estudava inglês de um modo muito interessante. Ia ao cinema, via os filmes, mas não lia as legendas. Naquele tempo não havia filmes dublados. Então, pelos atos e gestos dos atores, ia percebendo o que significavam as palavras que diziam. Lia revistas em quadrinhos com os balões em inglês, escutava músicas americanas. Se chegou a falar bem o inglês não sei. A última vez que o vi, uns trinta anos depois, era mecânico de helicóptero. Encontrei-o numa rua no Castelo, por acaso. Não me parecia feliz. Fiquei triste com sua aparência, parecia bem mais velho que eu, carequinha, enrugado, mal vestido. Ficamos de nos comunicar, mas nunca mais nos vimos. O Chico, um dos bonitões do colégio, com seu bigodinho nascente, as pernas longas e os pés espalhados era paquerado (também não se usava essa palavra, naquele tempo) pelas meninas, mas seu par constante, à saída do colégio, era a Marta. Lourinha espevitada, agitada, a cabeleira loura e crespa sempre espanada, saia comprida, era gozada pelas colegas, mas não se importava. Era seu jeito, e se o Chico gostava dela, estava bom. Recentemente localizei a família do Chico, falei ao telefone com uma de suas filhas, deixei meu endereço, email e telefone, mas não tive retorno.
Havia o Nascimento e o Ademar, tipos mal encarados, sempre dispostos a uma maldade. Uma vez me viram de calças curtas na rua. Não se usava bermudas, shorts só na praia, os garotos mais espertos usavam calças compridas. Foi um tempo infernal pra mim, suportar a gozação dos dois, zombando de mim por causa das calças curtas. Havia o Pintinho, não me lembro o nome dele, pequenino, cabeçudo, durante alguns dias tentou, sem sucesso, fazer parte da troika Gilson, Gelson e Chico.
De outros colegas lembro apenas o nome e o tipo. Meu xará Gilson Figueiredo e o Orlando, sempre de dólmã, parece que os únicos negros do colégio, garotos bons, tímidos, sempre risonhos. O Ayrton, o galã mais requisitado da escola, usava um casaco curto ao invés do dólmã, contrariando a disciplina nesse quesito. Até que um dia apareceu com o casaquinho e um lenço no pescoço. Aí foi demais para os inspetores, que passaram a marcar em cima. Alto, forte, cabeleira e sorriso a la Elvis, parece que era o aluno mais velho do Arte e Instrução, tanto que saiu do ginásio direto para a Aeronáutica, já com dezenove anos. Outro gostosão das meninas era o Joelli, moreno magro, alto, cabelo curtinho sempre bem arrumadinho, cantava boleros. “Senhora” era o “hit” mais requisitado na época.
Lembrei agora também do Aparício, que tinha um modo engraçado de mover a cabeça num movimento rápido, ao jeito dos galos, o que lhe valeu esse apelido, Galo. E do Zé Ernesto, branquinho, bigode já bem saliente, vasta cabeleira penteada de minuto a minuto. Metido a malandro, o Zé usava calças com a boca das pernas bem apertadinhas e gingava e se expressava imitando os malandros do morro.
E tinha a turma da política. Todos, como eu, pertenciam a uma célula – secreta, como convinha naqueles tempos - da União da Juventude Comunista, a UJC. Digo todos porque tinha eu, mas na verdade os outros membros eram moças e todas do Científico. Cyma, gorduchinha, risonha, fazia o tipo “criançola”. Clara Goldfarb, grande, judia, tipo “senhora” e Hildenê Mendes Pinto, mulata magrinha, a sempre ativa líder do grupo. E a Lenice, moradora de Madureira, loura e magricela, metida a intelectual, que mais tarde casou-se com meu irmão - que por sinal não era do colégio. Chegamos a fundar um jornal na escola, não me lembro o nome. Para essa tarefa pedimos ajuda financeira aos professores. Só que no primeiro número, como convém a bons revolucionários, desancamos a tudo e a todos, inclusive aos professores, cobrando-lhes mais presença e empenho nas aulas. Resultado: além de primeiro, foi o único número, fechando o glorioso periódico por falta absoluta de verba.
Já no final do curso - que não era barato - meu pai empobreceu, mais ainda. Como não tinha dinheiro pra pagar o colégio, fez um acordo com o proprietário, o Dr. Ernayde. Todo mês meu pai publicaria na revista que dirigia, o poderoso Boletim Mensal da Cooperativa dos Empregados em Carris, Luz e Força do Estado do Rio de Janeiro (ou da Guanabara, sei lá) um anúncio do Arte e Instrução. Assim, trocando anúncios por mensalidades, terminei o ginásio e me formei, como provam o diploma e a foto, no prestigioso e querido Colégio Arte e Instrução.
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