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Personagem: Marcos Tavares
Por: Marcos Tavares, 27 de agosto de 2024

CAUSOS DE FAMÍLIA

Esta história contém:

CAUSOS DE FAMÍLIA

Nos anos 1960, sem as tecnologias de comunicação, que hoje muito distanciam as pessoas, estava a família brasileira habituada à reunião em volta de mesa, a ouvir os exímios contadores de “causos”. Com a minha não foi diferente. A nossa própria casa toda feita de pedra, na Vila Rubim, em Vitória (ES), já ensejava diferentes histórias a respeito de sua edificação. Os mais antigos presumiam construção por mãos de fortes escravos a serviço de padres. Outra versão é a de outrora “casa de favores” com festiva clientela. Intitulada “O Castelo”, os bem cultos lhe tinham especial deferência, tal o rústico, mas singular monumento. Para a mente ficcionista do então menino, a sua moradia suscitava fabulações com princesas e condes e vampiros.

Nesse ambiente era deleitoso acordar na madrugada para receber o tio Samuca (Samuel Tavares), chegado do Japão. Tripulante da Marinha mercante, assumiu cognome William, consoante o \\\\\\\"way american\\\\\\\". Navegava com paradas por quarenta e cinco dias, por igual tempo no retorno. Em papelão trazia para mim réplicas de navios e para todos muitas histórias. Mamãe coava-lhe um café novo e, posta a mesa com guloseimas, ficávamos meu pai e eu a ouvi-lo. Citava Rotterdan, Singapura; dizia de eventos a bordo do cargueiro. O tamanho da âncora, revelado, mais me apequenava. Meu maior interesse, contudo, era a sereia. Eu indagava. Ele e meu pai (José Tavares) se entreolhavam. Ao ouvirem o encantante e hipnótico canto da criatura híbrida, prevenidos, marujos se calavam; e, por temor à hipnose, vedavam os olhos, tampavam os ouvidos. Isso me encantava! Ou o barco, por força estranha, seria dirigido para um lugar sem volta, repleto de dragões. No alto mar, indomável o oceano, navio se iguala a caixa de fósforo, dizia. Jogada a nave para lá e para cá, muito oravam, a rogar bonança e proteção. Eu logo imaginava as minhas peraltices com insetos postos em barquinho de...

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Palavras-chave: família-causos-casa de pedra-vila rubim - são mateus e vitória -es, os bem cultos lhe tinham especial deferência, tinha acesso ao secreto guarda-roupa do polêmico homem — dele e de seus capangas sabendo e contando instigantes peripécias.\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\r\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\néramos seis crianças incrédulas quando mamãe (maria luiza) mencionava uma ave, um pássaro, que, para se esconder, ou para descansar, camuflava-se junto a um toco, a um galho de árvore, ali ficando por horas a fio.\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\r\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ne havia uma cobra que, descomunal, enorme mesmo, engolia cachorro bem grande, um carneiro, um bezerro, e ainda pior: até uma pessoa inteira, como afirmou já ter ocorrido\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\r\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\nincréus, ríamos (“conta outra”), e ela desfiava uma série de histórias como a em que, diante de jovem toda chorosa porque aprisionada por indígenas famintos prestes a devorarem-na, tio seu, gentil cavaleiro montado sobre garboso cavalo, propusera troca de moça por seu portentoso animal. liberta das cordas aprisionantes, toda grata e feliz ficou a jovem, e mais felizes ficaram os índios botocudos: a fome grassava e, agora, por dias teriam carne para toda uma tribo.\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\r\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\numa outra a nos deixar curiosos (essa sim) era a da madrasta que punira a enteada relapsa no vigiar frutífera figueira. dormindo a menina, muitos pássaros, em ataque, bicaram os frutos. ausente, em viagem, o pai da garota, ao chegar, soubera da filha morta por suposta doença e já enterrada ao pé da fruteira.\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\r\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ncerto dia, para esquecer a tristeza, foi capinar. e eis que, lavrando perto do túmulo, voz da menina ouviu, e dela ouviu, vinda de dentro do solo, a terrível revelação quase uma cantiga (\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\capineiro de meu pai, não me corte os cabelos. pelos figos da figueira, a madrasta me enterrou\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\).\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\r\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ntalvez fossem tais contações fantásticas uma ardilosa manobra de mamãe para apaziguar uma turma peralta. afinal, nasceu ela em são mateus (es), lugar de falas d´áfrica, forte ali a cultura popular, com crendices e benzeduras e ervas santas. no período colonial tivera um ativo comércio de escravizados africanos, sendo histórico o porto de são mateus.\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\r\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\nela própria portava história já ao vir ao mundo: no parto morrera-lhe, então, a mãe, uma cafusa. com o mote da orfandade materna e de sua condição também servil ante rigorosa madrasta, incluía-se, dramática, triste protagonista num ou noutro causo.\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\r\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\nsomente mais tarde, crescidos, soubemos da veracidade quanto ao enigmático pássaro urutau e à grandessíssima cobra sucuri.\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\r\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\nquanto à moça, aos indígenas, ao tio da mãe e ao cavalo, quem quiser que conte o quinto.\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\r\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\n“entrou pelo pé do pato, saiu pelo pé do pinto”
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Casa de pedra

Dados da imagem Casa de pedra, na Vila Rubim (Vitória-ES), hoje em ruínas.

Período:
20/02/2010

Local:
Brasil / Espírito Santo / Vitória

Imagem de:

História:
CAUSOS DE FAMÍLIA

Crédito:
Foto de Marcos Tavares, autor do texto acima.

Casa de pedra, na Vila Rubim (Vitória-ES), hoje em ruínas.

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