Entrevista de Andréia Regina Oliveira Assunção Santos
Entrevistada por Tereza de Carvalho e Erik Araújo
São Paulo, 05 de abril de 2023
Projeto Conte Sua História
Entrevista número: PCSH_HV1002
Transcrita por Audre Verneck
Revisado por Nicolau da Conceição
P/1 - Então Andréia, a gente vai começar pedindo pra você falar o seu nome completo, data e local de nascimento.
R- Certo. Meu nome é Andreia Regina Oliveira Assunção Santos. Eu nasci em São Paulo, no dia seis de janeiro de 1974.
P/1 - Você sabe, você ouviu histórias de como foi o dia do seu nascimento?
R - Sim! Eu fui uma criança bem esperada, porque eu sou a primeira filha, primeira neta, primeira sobrinha, então eu era uma criança bem esperada, né? E eu nasci no Hospital do Servidor Público Municipal, porque minha mãe, meus pais na verdade, são funcionários públicos municipais. E a minha mãe conta, assim, que foi bem tranquilo meu parto, foi tudo muito tranquilo. A gravidez dela também foi bem tranquila, então assim, eu só tenho coisas boas de lembrar da minha mãe falando do meu nascimento. Então… é isso.
P/1 - E você sabe como foi escolhido seu nome?
R - Então, meu nome, ele foi escolhido por quê? Tinha uma moça, minha mãe trabalhava numa escola EMEI, que hoje seria o EMEI, né? E tinha uma moça que ela gostava muito que chamava Andréia. E, essa pessoa, como ela era muito, muito, muito amorosa com ela, ela falou: "eu quero que a minha filha se chame Andréia também, porque como eu gosto muito dessa pessoa, essa pessoa gosta muito de mim, então é o nome que eu gostaria de colocar na minha filha”. Então ela colocou Andréia por esse motivo.
P/1 - E, como que... que que seus pais faziam naturalmente, como que era essa relação com eles?
R - Fazia sentido de trabalho?
P/1 -: É.
R - Então, minha mãe trabalhava nesse parque, chamava antigamente parque infantil. Ela trabalhava como merendeira e meu pai sempre trabalhou no clube escola, que é...
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Entrevistada por Tereza de Carvalho e Erik Araújo
São Paulo, 05 de abril de 2023
Projeto Conte Sua História
Entrevista número: PCSH_HV1002
Transcrita por Audre Verneck
Revisado por Nicolau da Conceição
P/1 - Então Andréia, a gente vai começar pedindo pra você falar o seu nome completo, data e local de nascimento.
R- Certo. Meu nome é Andreia Regina Oliveira Assunção Santos. Eu nasci em São Paulo, no dia seis de janeiro de 1974.
P/1 - Você sabe, você ouviu histórias de como foi o dia do seu nascimento?
R - Sim! Eu fui uma criança bem esperada, porque eu sou a primeira filha, primeira neta, primeira sobrinha, então eu era uma criança bem esperada, né? E eu nasci no Hospital do Servidor Público Municipal, porque minha mãe, meus pais na verdade, são funcionários públicos municipais. E a minha mãe conta, assim, que foi bem tranquilo meu parto, foi tudo muito tranquilo. A gravidez dela também foi bem tranquila, então assim, eu só tenho coisas boas de lembrar da minha mãe falando do meu nascimento. Então… é isso.
P/1 - E você sabe como foi escolhido seu nome?
R - Então, meu nome, ele foi escolhido por quê? Tinha uma moça, minha mãe trabalhava numa escola EMEI, que hoje seria o EMEI, né? E tinha uma moça que ela gostava muito que chamava Andréia. E, essa pessoa, como ela era muito, muito, muito amorosa com ela, ela falou: "eu quero que a minha filha se chame Andréia também, porque como eu gosto muito dessa pessoa, essa pessoa gosta muito de mim, então é o nome que eu gostaria de colocar na minha filha”. Então ela colocou Andréia por esse motivo.
P/1 - E, como que... que que seus pais faziam naturalmente, como que era essa relação com eles?
R - Fazia sentido de trabalho?
P/1 -: É.
R - Então, minha mãe trabalhava nesse parque, chamava antigamente parque infantil. Ela trabalhava como merendeira e meu pai sempre trabalhou no clube escola, que é hoje, que antes era centro esportivo. Ele sempre foi professor de educação física. Então, ele dava aula de, na verdade ele começou como instrutor de fanfarra e aí, daí, ele foi dando aula de vôlei, dando aula de natação, de ginástica. Hoje ele é aposentado, mas ele ainda continua atuando.
P/1 - E como era a casa que você cresceu?
R - A casa que eu cresci é uma casa que é até hoje tem, que minha mãe mora lá até hoje. Era dos meus avós. Então, a gente fala que a família agregadora, né? Então, meu vô, ele tinha cinco filhos e ele falou “vou fazer, vou comprar um terreno muito grande, que eu quero todos os meus filhos morando junto comigo.” Então, minha mãe, meu tio foi o único que não morou lá, mas a minha mãe casou. Ele fez uma casa pra minha mãe, então é um quintal muito grande, aonde minha mãe mora, minhas tias moram. Então, todo mundo mora no mesmo quintal, então fui… eu cresci com todos eles, né? Então, sempre muito agregador, tudo muito junto, junto e misturado, vamos dar as mãos e vamo tudo junto. Então isso é… foi assim que eu cresci, sempre com todo mundo.
P/2 -Você falou que desde o começo, você viveu com sua família, tal. Era todo mundo do mesmo lugar.
R - Sim
P/2 - Como que era a relação entre vocês desde quando cê era pequena e hoje em dia?
R - É, não mudou muito (risadas). Não mudou muito, porque todos moram, assim, tirando uma tia que mora, que hoje ela tem, ela mora num apartamento, as outras todas continuam morando no mesmo lugar, então, minha mãe, meu avô falaceu, minha mãe passou pra casa da frente, que era maior e as minhas outras duas tias moram em duas casas, também no fundo. E, a relação ainda continua a mesma, porque assim, todo mundo se ajuda, é uma briga, né? Toda família briga, toda família discute, mas no final, todo mundo se apoia. Então assim, eu tenho, eu falo que eu tenho uma família que me apoia muito, em tudo o que eu vou fazer! Tudo! Tanto de coisas boas como de coisas ruins, fica se metendo na vida também, né? Mas faz parte. Então até hoje a gente vive assim, muito, muito agregado. Apesar de eu não morar com eles, que depois eu casei, fui morar em outro lugar, mas mesmo assim, é como se eu não tivesse saído dali, sabe? O ninho sempre, sempre foi alí. O foco sempre foi ali, a casa da minha mãe.
P/2 - E onde que é o lugar?
R - É na Casa Verde
P/1 - E aí, me conta um pouquinho das brincadeiras da sua infância, que que cê gostava de fazer quando cê era criança?
R - Então, por eu morar numa casa que tinha muito adulto, né, então eu cresci um pouco sozinha, de criança, né? Então, eu lembro que eu tinha uma brincadeira que eu gostava muito de brincar de fingir que eu tava de olho fechado, sabe? Andava assim de olho fechado e eu gostava muito de ler e gostava muito de escrever. Então, eu brincava muito de escolinha. Então, tinha minha tia que era, que ela tinha, que ela não tinha filhos na época, então ela brincava muito comigo. Então, eu sempre brincava de professora, eu era a professora, ou ela, ela era a aluna e vice-versa. Então, brincava muito com ela. Até uma certa idade que, quando eu comecei a ter escola e aí a gente começou a ter alguns amiguinhos, então eu comecei a ter algumas amigas do bairro também, que a gente também brincava. Mas assim, basicamente foi isso. E, até engraçado, porque eu uma dessas vezes, essa brincadeira de ficar fechando o olho e andar, eu caí numa (risadas). Eu caí (risadas) na, como se fala, no telhado do vizinho. Quase morri. (gargalhadas) Quase morri. Mas…
P/1 - Eae, como foi? Como foi seus pais ficaram assustados?
R - Não, foi assim, surreal, porque, e ainda bem que… olha, se você, seu eu contar pra você que eu não me lembro direito, é… Como foi que eu sobrevivi a isso, mas assim, eu me lembro que eu caí e aí todo mundo: “Meu Deus! E Aí, Meu Deus e agora, não sei o quê”. Mas assim, eu sofri algumas coisinhas assim, umas lesões, mas não foi nada assim muito sério, sabe? Mas foi o susto foi grande (risadas). Nunca mais eu brinquei assim. O susto foi grande. Mas é, foi basicamente isso assim, de brincadeiras de criança… ah, brincava muito de bicicleta na rua, meu tio me levava muito pra andar de bicicleta. Caí de bicicleta também quase morri, de bicicleta. Fiz até uma ferida bem grande no meu rosto, tudo… desmaiei, foi bem sério, mas é coisa de criança mesmo, sabe? É, foi uma, foi uma infância feliz assim.
P/1 - Como foi seu começo na escola, cê lembra do seu, da sua primeira escola.
R - Lembro, lembro, lembro. Eu estudava numa escola muito perto de casa e eu gostava muito de ir pra escola. Eu lembro que eu sempre gostei muito de ir, apesar de sempre fui muito falante, então eu lembro que as professoras falavam muito assim: “aí Andréia, ela é tão rápida pra fazer tudo, mas ela fala tanto” (risadas). Ela fala e fica atrapalhando os amiguinhos (gargalhadas)”. Isso eu lembro bastante, mas eu gostava bastante de ir pra escola. Tinha problemas não de, de, de ir pra escola.
P/1 -E cê se lembra de alguma professora que foi marcante ou professor?
R - Nessa fase, eu lembro que eu tinha uma professora que ela, ela fazia, eu acho, com que ela era? (tsc) Ela era professora na Igreja, então eu lembro que ela levava a gente também de domingo, ela combinava com a gente e aí, ela fazia tipo um domingo dominical com as crianças. E eu lembro muito que eu ia muito com ela, nesse, desses encontros. Então, foi uma das referências que me levou a Igreja, sabe, a ter mais contato com essa parte de Igreja mesmo. Eu lembro que era muito legal, era um domingo bem, bem gostoso. E essa professora me marcou.
P/1 - E, aí, daí cê foi crescendo e essa relação com a Escola, ela se manteve assim?
R – Sim
P/1 - Como que foi a adolescência assim? Esse comecinho da adolescência?
R - Sim. Foi assim, foi bem interessante, porque eu estudava nessa escola, ela era uma escola pública. e aí, como que chegou no segundo ano, quando eu fui pro segundo ano, tinha muita falta, os professores faltavam muito e a minha mãe falou “não, não quero mais deixar ela lá". E aí eu fui estudar numa escola particular. Então na verdade, tirando o, como se fala, o pré e o primeiro o ano, os outros, ó, toda a minha vida foi numa escola particular e aí, pra mim foi muito interessante, porque quando eu chego nessa escola particular, é, eu era a única, né? Então eu era a única, na minha sala eu era a única preta. Então, isso me chocou a princípio, né? Então eu olhava, eu falava assim, nossa que interessante. Então numa escola, sei lá, com 200 e poucos alunos, eu podia contar nos dedos quem, quem eram pretos. Então, assim, isso pra mim foi algo que realmente me marcou no começo, porque, como eu vinha de uma escola pública, é muito misturado, né? E aí você chega lá, então assim, é... tinha algumas coisas que eu tive que me adaptar. Então, tinha umas brincadeirinhas que eu não gostava e aí, você vai levando na brincadeira, e aquilo vai te incomodando um pouco, mas você vai aprendendo a lidar com aquilo. Então eu tive que aprender a lidar com isso bem cedo, tinha, sei lá, nove anos, quando eu fui estudar nessa escola. Então pra mim foi o meu primeiro grande impacto, né, mas foi, mas depois disso foi engraçado que eu fui fazendo amizade, amizade, amizade, e as coisas foram ficando “tranquilas”, né? Assim, tinha umas brincadeiras, mas aí eu comecei a aprender a lidar com essas brincadeiras. Então assim, o que é que eu fazia quando criança? Quando alguém falava alguma coisa que me incomodava, quando eu percebia que o “incomodação” fazia, fazia muita, dava muita audiência, então eu fazia uma outra brincadeira com a mesma pessoa, né? Na mesma forma que ela fazia comigo. Então, aí, acabou, começou acabar com essa coisa. Então no começo eu fui, até eu aprender isso, eu fiquei bem triste, chorava, ficava... era bem difícil. Depois que eu aprendi a lidar com isso, aí foi mais tranquilo, porque aí eles começaram a perceber, que de alguma forma, eles não conseguiam me atingir da forma que eles queriam. Então aí, foi, foi bem mais tranquilo. E aí eu estudei com essas pessoas, deixa eu ver, do terceiro ano (garganta arranha) ... Do terceiro ano até o quinto ano, né? Porque hoje em dia mudou, mas era, foi do terceiro até o quinto ano. Então, quando chegou no quinto ano, a gente era grandes amigos, num tinha mais essas brincadeirinhas, não tinha mais essa coisinha de ficar tirando baratinho, nesse sentido, sabe? Então, foi bem interessante, né, esse momento, pra mim.
P/1 -E aí, você conversava com alguém sobre esse seu incomodo, na sua casa, ou com um professor, ou não?
R - Então, cê sabe que agora cê falando, eu não me lembro. Eu acho que eu conversei com a minha mãe, se eu não me engano. Se eu não falar pra você, mas eu acho que eu falei com a minha mãe sim, dessa, porque eu tinha a testa muito grande, então no começo eles falavam assim: “Ai, a Andréia tem uma testa que brilha muito.” E aquilo, nossa, no começo me incomodava demais. E aí, a vovó: “Para, dá, não liga pra isso não.” E aí, ela foi me ensinando né, a olhar pra mim, que a minha testa era grande mesma, não tinha o que mudar, e que aquilo, eu tinha que arranjar uma forma de também reverter aquilo, porque senão, eu ficasse chateada e que aí ia ter mais conversa. Então com isso, eu fui conversando bastante com ela, e aí, depois que eu comecei a fazer isso, paro, e aí, ficou tudo bem. Mas eu conversei com a minha mãe sim a respeito disso. Mas foi bem legal, foi bem interessante, assim, a situação, como foi, como as coisas foram assim, se, foi acontecendo. Também, depois, quando foi se, se, como que se fala, se modificando, né? Porque as pessoas começaram a perceber que não fazia muito sentido aquilo tudo, então acabou a graça. Então, quando alguém fazia uma gracinha, vinha outro, sem eu precisar falar, “Ai, nossa, que coisa chata.” Então isso foi muito legal. Então assim, na verdade, eu me sentia acolhida. A verdade é essa, eu me sentia acolhida.
P/2 - É, em algum desses momentos, chegou a ter outra pessoa preta que você conseguiu conversar com ela sobre o que você passou na escola?
R - Naquela época não, naquela época não, porque engraçado né, porque quando você estuda numa escola onde você é a única, praticamente, né? É... as suas grandes amigas eram brancas, então assim, são coisas que você acaba nem conversando, porque as pessoas nem entendem. Então, fica por isso mesmo. Eu só comecei a ter mais contato com pessoas mais pretas, assim, na escola, quando eu fui pro segundo, pro ginásio, porque ai no ginásio já tinha mais. Porque, como eu estudava a tarde, então a tarde era ensino fundamental I, que seria hoje, né. Então, quando eu fui pro fundamental II, que seria que é o ginásio antigo, aí sim eu tive contato com algumas outras pessoas pretas, aí tinha um pouco mais, então você, ai a gente, ai a gente começa a entender e se relacionar um pouco mais com outras pessoas. Então, aí sim a gente conversava, tinha umas meninas que a gente se encontrava, a gente conversava, batia um papo, mas assim, num era especificamente a respeito disso, sabe? Assim, não me lembro de, de tantas conversas assim não. É interessante, porque não tinha muito não.
P/1 - E aí, como foi que é, quando cê chegou no ginásio, cê começou a sair sozinha, com as amigas, com os amigos, como que era?
R - E sim. Aí começa essa fase de (risadas) vamos começar a sair. Então eu comecei, eu, eu acho que eu comecei a sair bem cedo, eu tinha tipo mais ou menos uns 11 anos, mais ou menos, quando eu comecei a ir pra festa. E aí, que foi, interessante, que eu acho que o que marcou a minha vida. Hoje, tendo consciência, naquela época não tinha, mas hoje eu sei. Quando eu cheguei no sexto ano... é, foi no sexto ano, eu conheci uma menina chamada Natália. E ela era preta, né? E aí, na minha sala não tinha preta, apesar da escola ter mais, na minha sala eu continuava sendo única. E aí, essa menina entrou na escola. E aí, logo a gente começou fazer amizade, tal, isso e aquilo, e isso é engraçado, porque eu moro na Casa Verde, na Av. Casa Verde. Então assim, tinha a Av. Casa Vede, descendo a rua, não sei, não sei se vocês conhecem a Zona Norte, mas tem muito morro né? Aí, descendo a rua, já era Parque Peruche. E, antigamente, o Parque Peruche era muito perigoso. Então, eu não tinha contato com essas pessoas, eu só tinha contato ali onde eu morava, com as pessoas da minha redondeza. E aí, essa menina morava no Parque Peruche, e aí, quando ela começou a andar, eu comecei a andar com ela, eu falei assim: “gente! eu nunca vi tanto preto junto” Tirando a minha família, que é 97%, né, preta, é, amizade era quase zero. Então, quando eu conheci essa menina, ela me apresentou um outro mundo. Eu falava: “gente do céu!” Sabe assim, é, parece que assim, eu falei: “nossa, me reencontrei” sabe uma coisa assim? Hoje eu tenho consciência disso, mas na época eu não entendia porque eu queria ser tanto amiga dela. E eu fiquei muito amiga dela, então a gente saia muito e tal. E aí, eu comecei a sair com eles, então eu tinha muitos amigos. Então, a gente tinha, sei lá, um grupo de 20, 20 e poucos amigos, era um grupo bem grande e com isso eu comecei a ir pros bailes da vida, clube da cidade, enfim, curti muito essa fase do clube da cidade e rua do samba, vai pro samba. E aí, eu comecei a ter um outro mundo, que eu já tinha na minha casa, mas não com amigos. Então, fez muita diferença essa menina na minha vida, ela me mostrou um outro, um outro mundo, sabe assim? Foi literalmente isso, um divisor de águas, mas hoje eu tenho consciência porque que eu fiz questão de ter tanta amizade com ela. Até meu pai falava: “ai, meu deus do céu, olha, cuidado, cuidado, cuidado, cê vai pro Peruche, cuidado.” Porque realmente era perigoso né. Mas eu não queria saber não, pra mim não tinha isso não. Então eu ia, queria ir, queria ficar lá e enfim, e foi bem, bem legal. fiquei com muitos anos com amizade com essa, aliás, tenho até hoje amizade com essa pessoa, com todo mundo, foi bem legal.
P/1 - E que que, como que eram essas festas, que que tocava, onde que era?
R - Então, o Clube da Cidade era na (tsc) Mário de Andrade, né, não sei, acho que é barra funda ali né, e era um baile extremamente preto, né? E, era, tocava black music, né? Samba rock, e era muito legal, muito legal, então todos os domingos, nós íamos pro Clube da cidade, de sábado, às vezes a gente ia em algumas outras festas ali no bairro da Lapa. E, mas era sempre assim, é mais voltado a black music. Tinha o Palmeiras, que tinham muitos shows, que vinham pessoas de fora, então a gente também ia quando tinha o baile no Palmeiras. Então, curti, então assim, eu comecei a curtir bem cedo e foi muio legal essa fase, porque eu falo: “gente…”, é, foi uma fase que vivi que não tem como muda mais, não tem, não teve mais, sabe assim, então eu fiquei muito feliz, eu falo: “nossa, que legal que eu pude, que eu podia." Só que tem um detalhe, eu só podia sair e tinha um horário, não era assim, bagunçado, né? Eu tinha horário pra chegar em casa, e aí, essas, essas festas assim eu tinha que ir com os meus primos né? Meu pai falava: “só vai se o seu primo for, se seu primo for você vai.” Eu falo: "Vamo, vamo, vamo em tal festa, vamo senão meu pai não deixa eu ir”, não sei o que né? E aí, eles às vezes ia, a gente ia e tal, então foi bem legal, foi, eram bailes bem gostosos, não tinha essa bagunça como tem hoje. Era bem legal, a gente ia pra divertir, pra curtir, todo mundo dançava, é óbvio que tinha briga, tinha confusão, diz que me disse, tinha tudo isso, mas assim, era legal que chegava lá, todo mundo dançava né? Então fazia os passinhos, até hoje, eu ensino pros meus filhos, eu falo: “Oh os passinhos que a gente dançava, antigamente e tal.” E era bem legal essas festas, a gente se divertia muito.
P/2 - Nessa época, tinha alguma inspiração pra você, seja algum famoso, ou até algum colega, amigo mesmo, que cê sempre ficava feliz pra ir na festa e lembrava dessas pessoas assim?
R - Então, assim, inspiração.... não. Mas assim, tinha as pessoas que tavam sempre comigo. Então, esse grupo de amigos que eram bem grande, então todo mundo ia na festa. Então assim, era legal porque o ônibus que passava pra ir pra barra funda, eles viam do Jardim Peri. Então, quando ele chegava ali na Casa Verde, ele já tava lotado, porque ele era onde todo mundo ia. Então, todo mundo pegava o ônibus, mais ou menos na mesma, na mesma, no mesmo, no mesmo horário. E aí, era legal, porque o ônibus lotava, então você sempre encontrava quase que as mesmas pessoas, né? Você tava sempre junto com, as pessoas se conheciam, então a gente ia nos bailes, as pessoas se conheciam muito mais, porque a gente tava sempre nos mesmos bailes. Então era muito legal isso, a gente saber que “oh, vai passar o ônibus tal hora, a gente não pode perder.” Aí ele chegava lá, o ônibus tinha uma fase que o ônibus não queria parar, porque era muita gente no ponto, a gente tinha que ficar dois, três ônibus. E o ônibus passava batido, não queria atender, não queria parar. Então tinha tudo isso, a gente corria atrás do ônibus, mesmo assim a gente caia de um lugar e pegava outro ponto, pra poder entrar no ônibus, então tinha tudo isso, mas mesmo assim era uma fase bem, foi uma fase bem, bem legal, bem gostosa de lembrar dessa fase aí dos bailes da vida.
P/1 - E aí, entrando mais na adolescência, é, cê continua indo nos bailes, como eram os namoros?
R - Então, eu sempre fui uma pessoa de namorar, é assim, ter namoros longos, sabe? Num fui uma pessoa de aí, sair com, sair com um, sair com, não, não era eu. Então, eu tinha um namorado que sempre a gente tava junto, com essa turma, né? Então, era sempre eu, namorado e a turma, né? Então era eu, namorado e a turma. Então, assim, era basicamente isso, a gente sempre tava muito junto, então, é foi isso.
P/1 - Então, é, esse namorado você conheceu na escola, como que foi?
R - Com essa turma, é, conheci ele com essa turma. E aí, a gente começou a namorar. Eu tinha, sei lá, uns 15 anos, é, tinha uns 15 anos. Então, foi, ele era dessa turma, dessa turma. Então era eu, namorado e a turma. Eu, namorado e a turma, entendeu (risadas). Era muito, tudo muito junto, era muito junto. Era bem legal.
P/1 - E cê namorou ele até quando?
R - Ó, na verdade eu acho que eu namorei com uns dois anos, foi uns dois anos. Mas foi, eu terminei por conta da droga. Então, eu tive que fazer uma opção. Eu até hoje falo pros meus filhos, falo assim: “Eu acho que tem coisas na vida que acontece que a gente não entende o porquê.” Mas assim, chegou um momento que eu tive que tomar uma decisão. Quando eu descobri que ele tava usando droga, porque a princípio, não nenhum dos meus amigos. E aí que chegou uma fase que todo mundo, cada um começou a usar isso, aquilo, aquilo outro, e eu acho legal que não era na nossa frente, eu acho legal que eles não iam, ofereciam pra gente, que eu falo que é diferente de hoje. Então assim, eles tinham um cuidado com a gente pra que a gente não visse nada, mas a gente sabia que tinha alguma coisa errada. Até que eu realmente descobri e aí, eu tive que tomar uma decisão, porque chegou um momento que não dava mais pra continuar. ou eu afundava junto com ele ou eu pulava fora. Então eu devia ter, sei lá, meus 16 pros meus 17 anos, e aí eu falei não da. Aí eu terminei esse namoro por conta disso.
P/1 - Ele era mais velho?
R - Era mais velha que eu, era, tinha, era dois anos mais velho que eu.
P/1 - E aí, você continua a ir nas festas? nos bailes? Como foi?
R - Naquela época?
P/1 - É.
R - Sim! Sim, continuei saindo normal, porque tinha a turma, tinha a turma, eu terminei com ele, mas tinha a turma. A gente saia, tudo, continuava. Mas é a mesma coisa, chega um momento que tem coisas que você vai buscando, é, como que eu posso dizer, não é querendo ser diferente, mas assim, você vai buscando uns caminhos que os outros não querem e aí, cê vai meio que distanciando. Então foi mais ou menos isso que aconteceu, lá pros meus 18 pros 18 anos, eu tava acabando o colegial, e aí eu já tava: “e aí, o que eu vou fazer da minha vida?”, né? “O que que eu vou fazer? Quero fazer faculdade, não quero? Como é que vai ser?” E aí, nesse momento, eu comecei me afastar um pouco das pessoas porque os interesses já não eram mais os mesmos, sabe? Então essa turma de 20 e poucos anos, de 20 pessoas, já foi diminuindo, diminuindo, alguns foram presos, enfim. Foram acontecendo algumas coisas. E aí, no final, eu acabei me distanciando um pouco das pessoas e aí, fui buscando um outro, um outro, um outro, como que se é, outra “tchurma”, né? (risadas) é, outra “tchurma”, é mais ou menos isso. Mas, eu tenho amizade com eles até hoje. Os que sobraram, porque… tenho amizade com eles até hoje.
P/2 - Esse período que você tava buscando o que você ia fazer pra vida e tal, cê tinha algum sonho além do que, por exemplo, cê queria fazer uma faculdade em específico? cê tinha sonhos, assim?
R - Sim, sim. Eu queria ser, eu queria fazer faculdade de processamento de dados, eu queria ser programadora e eu queria trabalhar, queria estudar, queria viajar, queria. Eu queria conhecer o mundo, né? Então, é, eu fui buscando isso, então eu fui buscar uma faculdade que tivesse isso, que eu pudesse fazer o que realmente eu queria, então eu tinha um foco, que era isso. Então, fez toda a diferença pra mim, naquele momento fez, foi o que me deu esse Norte de falar: “e agora, o que você faz? cê vai continuar aqui ou você vai mudar e dar um outro rumo pra sua vida?” Foi, foi um divisor, mesmo.
P/1 - E aí, como foi, o que que você foi fazer?
R - Então aí quando acabou o colegial, né, eu fui fazer cursinho, porque eu queria estudar na FATEC. E aí, eu falei: “eu vou estudar, eu quero, eu quero passar na FATEC.” Eu falei quero passar na FATEC, queria FATEC, queria FATEC. E eu não conseguia passar, porque naquela época era bem concorrido, então eu fui fazer cursinho no objetivo e fiquei lá por um ano fazendo cursinho. E aí, eu acho que prestei umas três vezes’ a FATEC, não consegui, faltou dois, dois décimos, sabe umas coisas assim, faltou não sei quanto, eu falava: “sabe de uma coisa? Eu não vou ficar mais esperando FATEC nenhuma, eu vou fazer uma outra faculdade.” E aí, eu fui fazer a São Judas, aí como eu arrumei um emprego, né, registrada a princípio. Meu primeiro emprego registrado foi com 16 anos. Minto, meu primeiro registrado foi com 14 anos, ai eu fiquei um ano, um ano. Um ano não, um mês e meio trabalhando nesse lugar, que era com vendas, aí eu não gostei de trabalhar com vendas, e ai fiquei sem, em casa, Depois eu comecei a trabalhar informalmente e aos 16 anos, eu consegui esse emprego registrada, Então como eu já estava trabalhando registrada e tinha um salário razoável, então daria pra pagar uma faculdade e aí, foi o que eu fiz, o que eu fui fazer. Eu fiz a São Judas, e aí eu fui estudar na São Judas. Mas aí, eu fiquei desempregada depois de um ano e meio, que eu tava nessa empresa, dois anos, que eu estava nessa empresa, eu fiquei desempregada. Aí eu falei: “bom, (tsc) que que eu vou fazer? Vou trancar a faculdade porque não dá pra continuar.” Até minha tia queria me ajudar, enfim, mas eu falava não, eu vou esperar, ver quando dá pra eu fazer, tá tudo certo. Aí eu tranquei essa faculdade e não fui mais, aí depois que eu arranjei um outro emprego, aí eu voltei a estudar. Aí eu realmente concluí o curso de processamento de dados da Imera Americada.
P/1 - Aí, voltando um pouco, cê falou do seu primeiro emprego com vendas, depois cê começou a trabalhar autônoma, que que cê fazia?
R - É, na verdade não era autônoma. Eu trabalhava, mas sem registro. Eu fui trabalhar num escritório de representação de bonés e eu trabalhava na parte, como que eu posso dizer, administrativa.
P/1 - uhum.
R - Que só tinha eu e o, e o representante. Então eu fazia lá, atendimento telefônico, essas coisas assim e depois que eu saí desse lugar, eu fui trabalhar num despachante. E aí, eu acho que foi uma parte bem legal da minha vida, porque eu tinha sei lá, 16 anos, eu já tinha 16 anos. É, eu trabalhava nesse despachante, porque antigamente, pra fazer o RG, as pessoas precisavam de um despachante pra fazer. Então, a gente, foi ali que eu fui pegando uma prática em datilografia, que eu já tinha feito curso, e aí, eu fui pegando prática e enfim, e aí, fui conhecendo pessoas, falando com pessoas e gostava muito de falar com pessoas e foi muito legal essa fase, também, pra mim, de conhecer pessoas e de, de interagir nesse trabalho. Mas era tudo assim, é, sem registro, então, por isso que eu falo que é aos 16 que eu comecei a trabalhar registrada, porque, na verdade, de novo, é um outro divisor de águas na minha vida, por quê? Eu fui trabalhar numa corretora de seguros muito grande, então, aí eu fui entender o que que era salário, o que que era benefício, o que era você ter uma projeção de carreira, né? Então, isso pra mim também foi bem, foi, foi um boom, sabe? Conhecer outras pessoas de outros bairros, começar a me locomover por lugares que eu não via, que eu não ia, que eu não conhecia. Então, fez toda a diferença também, de você falar: “Nossa, não é só aquilo que eu vivia”, sabe assim? “Nossa, não é só aquele lugar, existe outras coisas.” É legal, sabe, é interessante. Então foi, também foi um outro divisor de águas pra mim, naquela época, foi bem interessante. Que me fez também ter mais pulso de falar: “Não, eu quero realmente, então eu tô no lugar certo, eu quero, é isso mesmo que eu quero. Eu quero fazer isso, eu quero estudar, eu quero crescer, eu quero fazer, eu quero viajar, eu quero curtir.” Sabe assim? Não ficar só naquele lugar de: “Ah, vamos viver só isso.”
P/1 - E aí, como é que foi, cê continuou nessa corretora depois que você saiu da faculdade?
R - É, trabalhei três anos e meio lá, e aí fui mandada embora. Aí fiquei desempregada, sei lá, uns cinco meses, mais ou menos. Eu já tinha, eu já tinha… 19 anos, quando eu saí de lá?! É, já tinha 19 anos quando eu saí de lá. E aí, eu fiquei cinco meses desempregada. Aí, quando chegou dezembro desse mesmo ano, eu entrei no Conselho Regional De Enfermagem. E nesse lugar, eu trabalhei por 14 anos. Então eu fiquei lá, praticamente, da minha adolescência até eu casar, ter filhos, né, enfim. Passei uma boa parte da minha vida ali, nesse local.
P/1 - E o que que cê fazia lá?
R - A gente lá, era agente administrativo. Então a gente atendia o público né, pessoas que acabam o curso de enfermagem, precisa da carteirinha pra trabalhar e eu trabalhava no setor de atendimento, mesmo, ao público, então a gente atendia mesmo essas pessoas, fazendo essas carteirinhas. E o atendimento interno, que era um, que era um, documentações internas mesmo que acontecia. Então, fiquei lá 14 anos.
P/1 -E cê gostava?
R - Gostava, viu? Lá, eu aprendi muita coisa, e aí eu fui entendendo por que que hoje eu sou terapeuta. Porque eu sempre gostei muito de conversar, sempre fui muito de falar, sempre fui muito falante. E aí, as pessoas se sentavam na minha mesa e a minha chefe falava assim: “Divã da Andréia”, porque o povo sentava na minha mesa e eu ficava: “Ai, tá, não sei o que…” Quando a pessoa não queria conversar tudo bem, mas se a pessoa dava uma brecha a gente: “ble tatatata” e aí a pessoa contava muita história. E aí, gente, eu fico pensando - quantas histórias eu escutei ali, por 14 anos, né? Eram muitos, foram muitos e aí foi muito legal, porque eu fui, cê vai interagindo com as pessoas. Tem gente que você fala: “ai, oi , tudo bem, e aí”, e aí já contava: “ai, aconteceu tal coisa, ai, eu isso e aquilo”, né? Quando era cancelamento por óbito, a pessoa contava tudo o que tinha acontecido. Então, eu sempre, eu soube de muitas histórias ali, e falei nossa que interessante. Então foi um lugar que me marcou muito, com pessoas, né, que eu atendia e com as pessoas que trabalhavam lá também, a gente era muito unido. Briguento, a gente brigava, não era um “oh”, todos um (beijos)... não era. Mas, tinha uma cumplicidade entre a gente que era muito legal. Eu falo... minha tia até falava assim: “nossa é engraçado, eu nunca vi um lugar que as pessoas se encontravam tanto.” Então assim, cê tá doente? ia te visitar. cê tá precisando de remédio, fazia a vaquinha pra te ajudar. “Ah, cê tá tendo filho? Ah, então vamo fazer um enxoval.” “Ah, você tá.., teve filho? Vamo visitar.” Então tinha essa. “Ah, vai casar? Então vamo fazer uma vaquinha, vamo…” sabe? Então tinha muito essas coisas assim. E eu tenho amizade até hoje com todo mundo, apesar da gente não tá mais trabalhando junto, mas a gente é amigo até hoje. Então isso é muito legal.
P/1 - Uhum. E, bom, aí cê falou que cê ficou lá até casar.
R - Sim.
P/1 - Como que foi, como que você conheceu?
R - Então, meu marido, não sei. Meu ex marido, não sei, porque eu sou viúva hoje, né? É, eu conheci através dessa minha amiga do trabalho. Então ela falou assim pra mim: “Andréia…” Fazia uns dois anos que eu tava sozinha, sem ninguém, tal. Ninguém se conformava. Dizia: "você é tão legal, você tem isso, você tem aquilo, vamo arranjar um namorado pra Andréia.” Eu falei: “Aí, não quero não, gente. Para, para com isso, que essas coisas arranjadas eu não gosto, não sei o que. Aí, ela falava: “não, não, ta bom.” E aí, o genro dela sofreu um acidente, e ela foi visitá-lo. E ela falou assim: “Andréia, fui visitar hoje o Marcelo, eu encontrei um amigo que eu fazia tempo que eu não via, falei de você.” Falei: “aí, lá vem você com essas história.” Ela falou: “Juro, olha ele me deu seu car... ele me deu o cartão dele, falou tal.” Falei: “Ah, tá bom né?” Não lhe dei atenção. Aí ela falou, como ela viu que eu não dei atenção, daqui a pouco ela falou assim: “Andréia, tem um telefone aqui pra você.” Falei: “é?” Ela falou: “Ah, é o Valdir.” Falei: “Não acredito que você fez isso, cê ligou pro cara, não to acreditando nisso.” Ela falou: “É, fala, fala com ele. Eu falei: “tá bom.” E falei, comecei a conversar, conversar, conversar, e aí, e foi engraçado que parecia que eu conhecia ele nem sei quanto tempo e eu nem conhecia, e ficamos lá conversando uma semana, duas três, quatro, sem conhecer, sem saber quem era o rosto dele. Falei pra ela: “olha, cê fica me arrumando essas coisas, olha, não sei o que...” Ela falou: “Vou marcar um almoço na minha casa, pra vocês se conhecerem.” Falei: “Tá bom.” Falei: “porque se eu não gostar, você vai ver só.” Ela falou assim: “Não, não, ele é muito legal. cê já não conversou com ele?” Eu falei: “Já, tudo. Mas tá bom.” Eu meio recente assim. Aí ela marcou esse almoço e a gente foi lá na casa dela, tal, enfim. Ele era amigo do genro dela também e eles eram tudo do mesmo bairro, então ela conhecia ele há muitos anos. “Não, ele é gente boa, tal, não sei o que.” E realmente, no final, a gente começou a sair, sair, sair, sair, foi ficando, ficando, ficando e no final, eu engravidei e aí eu falei: “bom, e agora, nós vamos fazer o quê? Nós vamos ficar juntos, nós vamos ficar, como que vai ser isso, porque, afinal de contas”. Uma reticência: O que que aconteceu nesse período? Eu fiz uma faculdade de processamentos de dados. Aí, quando chegou em 2000, eu resolvi que eu queria estudar de novo. Eu falei: “Vou fazer o que?” né? Pessoa que não tem o que fazer na vida né? “Vou fazer o quê? Vou fazer outra faculdade, porque né, já tenho uma, porque, mas só uma? Não, vou fazer mais uma.” Aí eu fui fazer administração de empresas na FECAP. E aí, quando chegou no último ano da faculdade, eu conheci ele, não... quando chegou no penúltimo ano da faculdade, eu conheci o Valdir e aí, a gente começou sair, né, começamos a namorar tal. Quando chegou no último ano da faculdade, eu engravidei. E aí, eu fiquei naquela - vou fazer o quê, né? Como que vai ser, porque eu moro com a minha mãe, né, tal e aí eu preciso agora dar um rumo pra minha vida e eu não dependia financeiramente deles, mas eu morava com eles. Então, falei, bom:” vamos resolver o que a gente vai fazer.” E aí, quando o meu filho nasceu, ele tinha sete meses, aí a gente resolveu casar. Não, vamo casar, vamo morar, e isso e aquilo. E nós realmente casamos no civil. E aí, eu fui morar, eu, ele e o meu filho. E aí, eu desgrudei dessa grande família, entendeu (risadas) E aí, eu fui morar na Zona Leste e aí, fomos morar só nós três.
P/1 - E aí, como é que foi o nascimento do seu filho, como que foi a gravidez?
R - A gravidez dele foi bem difícil, no começo. Eu tive descolamento de placenta, tive que ficar de repouso. Foi bem complicado no começo. Aí, depois que passou essa fase, eu tinha tendinite. Uma tendinite bem séria, e aí começou a atacar minha tendinite e eu não podia tomar medicação. Então assim, vira e mexe, eu ficava de licença por conta disso, enfim. Foi bem, bem complicadinho no começo assim. Mas depois não, foi bem tranquilo assim. Eu fiquei trabalhando até praticamente ele nascer. Tive essas coisas assim, no finalzinho, mas foi bem difícil. Agora, quando ele nasceu, é, a, quando ele nasceu, antes, não. Uma semana antes dele nascer, eu fui fazer um exame e esse exame deu que o meu líquido tava já bem... bem pouco, né? E a parede do, do útero, já tava bem, como se já tivesse nascido uma criança. E aí o médico falou pra mim: “olha Andréia, a gente vai ter que marcar o parto.” Então aí ele marcou o parto, mas tudo isso trabalhando. Então ele marcou o parto pra próxima quarta, eu trabalhei até sexta-feira, né? E aí, naquela época, o INSS não era mais, não era integrado com a empresa. Eles tinham mudado lá. Então eu tinha que ir até o INSS, dar entrada na documentação. Então ela falou assim: “oh, vamo fazer o seguinte: você trabalha até sexta, na segunda você resolve toda a documentação que precisa, porque na quarta você vai internar.” Aí eu falei: "Tá bom." Então foi o que eu fiz, e quando eu cheguei no hospital, né, pra já marcado o parto, eu comecei a ter contração. E aí, aquela dor, aquela coisa e aí meu marido falava: “Aí, vamo dar risada…” Ele era muito sarrista e eu falava: “Não tô achando graça com isso, não tô achando nenhum pingo de graça, uma dor lascada.” E ficava assim: “Nossa gente, mas eu marquei, marquei pra não ter tudo isso, meu deus do céu” né? E no final, o que que aconteceu? Porque ele evacuou, na barriga, então quando ele nasceu, ele não chorou, teve que fazer aspiração. Então ele nasceu, tanto é que o, a perna, a pegar, a pegar lá, aquela nota que eles dão, o dele foi dois. Então, isso tudo foi bem, foi bem é, foi bem... com medo mesmo, né? Não foi nem, sei nem falar o que eu senti, foram tantas as emoções naquele momento. Mas, graças a Deus, deu tudo certo, né? Depois ele foi voltando, tal, só que ele ficou na UTI, na semi UTI. Ele não ficou comigo. Então, todo o tempo que eu fiquei no hospital, ele ficou na semi UTI, por conta disso e por conta de um, é, são uma, é, como que eu falo, comunicação das artérias, elas não, ela não fechou. Ela tinha lá um prazo pra fechar e ela não fechou. Então, ele teve que ficar na semi UTI, por conta disso. Mas no final, ele conseguiu sair junto comigo, mas eu tive que fazer um tratamento longo com ele, no cardiologista, pra poder acompanhar isso, porque tinha um prazo pra poder fechar, pra não precisar fazer nenhuma cirurgia. Então, esse momento foi um momento bem difícil, porque é, mãe de primeira viagem, primeiro filho, né, acontece tudo isso, e aí a gente tinha medo de sair com ele. Porque assim, o médico falou: “Ele não pode pegar resfriado, ele não pode não sei o que lá, ele não pode não sei o que lá, (risadas) ele não pode não sei o que lá…” Olha, juro por Deus, durante três meses, eu não saía com essa criança. Aí eu fico pensando, gente que mãe louca, mas não é, é, eu senti medo mesmo, porque o médico falou: “Ele não pode ficar doente de jeito nenhum mãe. Ele não pode ficar doente” Eu falava: “nossa, meu Deus, então não vou sair com essa criança de jeito nenhum.” Então era só médico, né? Pediatra, posto de saúde e casa. Só! Então, as pessoas não chegaram a visitar naquele momento porque eu falava:” Não, gente não pode ter contato com gente.” Sabe? Uma coisa assim, louca, mas é, foi o que aconteceu. E depois disso não, eu falei: “aí gente, não. Ser Mãe de primeira viagem é uma coisa de louco, poque a gente vai fazendo umas coisas, achando que tá certo, porque você é instruída a isso, mas que não precisaria ser dessa forma, né?” Mas valeu assim, hoje graças a Deus ele tá aí, firme e forte, nunca teve doente, nunca teve doença nenhuma graças a deus, né? Ele não mamou no peito. Isso foi uma outra coisa também que pra mim foi bem complicado, porque com tudo isso, ele não tinha força, e aí ele não mamava no peito e aí todo mundo falava: “Aí, você não é mãe porque você não amamenta no peito, porque tem que amamentar no peito.” Aí eu ia no médico, o médico falava: “Você tem que amamentar ele no peito.” Então assim, foi uma fase de depressão mesmo, sabe, de falar - poxa vida, não sou mãe, não sou uma pessoa. Eu falava “pelo amor de Deus”, mamãe até chorava, chorava, chorava né? Até me emociono de lembrar, se eu, eu falando hoje, porque eu fico pensando: Naquele momento, quando você tem um filho, a primeira coisa que você pensa é: vou amamentar. Vai ter, vai ter leite, né? Aí, quando não acontece isso, as pessoas começam te pressionar, cê olha e fala assim:” Poxa vida, será que eu sou uma boa mãe, será que eu to fazendo certo, será que, o que que eu não estou fazendo certo", né? E aí, como ele não podia ficar doente de jeito nenhum, e falava: “Amamentação é o que dá o reforço pra criança, se toma leite, nanana…” Então eu ficava assim, num dilema, que foi assim, muito difícil, ter que lidar com tudo isso né, com toda essa preocupação do coração, isso aquilo, e ainda com essa, com essa, com essa, essa coisa de: “Aí, meu filho não está sendo amamentado com leite materno”. Então foi realmente bem desafiador nesse momento, nessa época. Eu lembro que eu fiquei bem triste, bem triste mesmo, bem triste. Me emociona de lembrar porque foi realmente bem dolorido e essa cobrança que as pessoas fazem. Tanto que hoje eu falo pra todo mundo, eu falo: “Gente, é muito, é muito legal, realmente, se você pode, se você tem condições, tá tudo bem, mas não colocar isso como algo tão pesado. Porque isso adoece as pessoas. Então, foi uma fase bem, bem, bem difícil. Mas graças a Deus passou, porque não ficou doente, foi tudo bem. Então eu falo pras pessoas: “Olha, a minha experiência com isso foi assim, meu filho graças a Deus tá aí firme e forte, tomando leite, tomando leite, como que eu, normal, normal, que eu quero dizer assim, de latinha, sei lá, né. Então foi uma fase bem difícil, bem desafiadora.
P/1 - E aí, quando ele foi pra casa, ele, cê morava com sua mãe?
R - Morava com a minha mãe.
P/1 - Como foi a chegada desse bebê na casa da sua mãe.
R - A, era festa. Era festa, porque imagina (risadas). Eu tinha o meu sobrinho, né, já, o Maurício tinha cinco anos, quando ele nasceu, ele é filho do meu irmão. Mas como ele não morava com a gente, né, ele estava lá sempre, mas ele não morava com e a gente. Então a única criança que ficava lá 24 horas por dia era o meu filho, Então, virava assim, uma, quase uma procissão, todo mundo ajudava, todo mundo fazia, todo mundo queria participar né, todo mundo ajudava com tudo, então, era alegria da casa, todo mundo ali participando de tudo. Como eu não morava com o Valdir e ele trabalhava no interior, então ele só vinha pra São Paulo na sexta-feira. Então, na semana, eu ficava, então quem me ajudava na semana eram eles né, até a gente casar. então foi era isso era festa da casa, criancinha fazia a festa ali, então não tem que reclamar sabe assim a criança bem tranquila não posso falar que eu tive problemas e trabalhos com meus filhos quando pequeno, nenhum. Nem ele nem a Ana Clara.
P/1 - Como que é o nome dele?
R - João Vitor... Tem ele e tem a Ana Clara.
P/2 - E por que que você escolheu esse nome pro seu primeiro filho?
R - João Vi… Olha foi difícil para mim contar o nome sabe, porque a gente ficava: “Ai que nome que a gente vai dar, que nome que vai ser.” E aí eu ficava, eu sempre gostei muito de João Vitor, eu falo assim: “nossa João Vitor”, aí o meu marido falava assim: “Andréia, mas vai ser João?” Eu falo: “Mas é tão bonito João Vitor né. E aí ele fala assim: “é escolhido por Deus” eu falei: “então eu gostei desse nome então, João Vitor.” Foi por isso.
P/1 - Como que foi o começo desse casamento, quando vocês foram morar juntos, só os três, como que era a rotina?
R - Então, a rotina bem... bem complicada, porque eu, a princípio nós morávamos na Zona Leste, na Vila Cisper, então era bem longe da onde eu trabalhava e muito mais longe da onde ele trabalhava, em Vargem Grande Paulista. Então nossa rotina era sair às 6:00 da manhã, aí eu deixava o João Vitor na casa da minha mãe e aí eu pagava uma pessoa, na verdade é a mãe do meu sobrinho, para ficar com ele lá na casa da minha mãe e aí o Valdir me deixava no trabalho e depois ele ia para o trabalho dele. Então a gente saia às 6:00 da manhã e voltava para casa, sei lá, 9:30 da noite. Aí eu ia fazer alguma coisa para gente comer e no outro dia bora de novo todo esse... esse rolê aí, né? Então, foi, foi, era bem complicado bem, bem complicado, era assim, pouquíssimas horas para fazer tudo e para descansar, enfim né. Então era bem complicado, foi bem, foi bem difícil no começo, eu lembro que era engraçado, porque hoje eu tô lembrando que eu ficava pensando: essa coisa que a gente aprende que mulher tem que estar sempre tudo, tudo tem que estar sempre arrumadinho, deixar sempre tudo certinho, porque você tem que fazer tal coisa, porque você tem que ser na melhor mãe, que você tem que ser… esse espelho né, que a gente vai aprendendo faz com que a gente fica muito engessada nisso E aí você quando você não consegue dar conta muito das coisas você mesmo vai se cobrando né, porque você fala nossa eu não sou perfeitinha assim né, tal, então eu lembro que eu queria eu chegava em casa eu queria fazer comida e tal não sei o quê. Ah, isso foi acabando durante o tempo porque depois de um tempo porque eu falava: “gente do céu, meu Deus do céu, aí não tô dando conta disso não.” Aí chegava de final de semana, eu falava assim: “gente eu quero viver, eu não quero ficar vivendo desse jeito não, isso não é vida né, chega aí quer lavar passar cozinhar… A sorte que por exemplo, a roupa do João Vitor essa minha... a mãe do meu sobrinho né? Eu falando minha cunhada, mas a mãe do meu sobrinho. Ela, como eu pagava para ela ficar com ele, isso aquilo, então ela passava a roupa para mim dele. Então a roupa dele não tava me preocupar, mas a minha e do Valdir precisava. Eu usava uniforme, então para mim ainda mais tranquilo. Eu tinha uniforme, então tá tudo certo, agora ele não. Então, chegava no final de semana: “Vamos lavar, passar…” e eu falava: “não quero sua vida para mim não, eu nasci para isso não, não quero não.” Eu brincava assim: “gente eu estudei tanto para nada, ah não é possível, não, não, não, não.” E aí, chegou uma época que eu lembro que meu marido falou assim, eu falei com alguém para limpar a casa né, e passar roupa, porque afinal de contas, né? Ele falava: “não”, porque ele vem de uma família, ele vem de uma mãe que faz tudo isso, levanta cinco da manhã para poder dar conta de tudo, entendeu? Ele falou: “não, imagina, é só acordar mais cedo.” Eu olhei, falei: “não tô acreditando que eu tô escutando isso.” Eu falei: “não”, falei “não, não precisa, então tá bom, então vamos fazer o seguinte: então nós vamos fazer juntos.” E aí, na primeira semana, foi lindo, maravilhoso. Na segunda também, só que aí ele também queria sair. Eu falava: “não querido, nós vamos fazer nosso servicinho tá pensando o quê? Não, não, vamos lá. Não, não, vamos fazer, né?” E aí isso começou a incomodar, porque aí ele queria sair eu falando: “não querido. Vamos fazer um servicinho, assim, não tem que fazer o servicinho, então vamo fazer o servicinho, não é verdade?” Então, mas também tem outro detalhe, que eu falo: é... a vida financeira que nós tínhamos naquele momento era propício para que eu pudesse pagar alguém para fazer isso, porque existia isso também, né? Então, eu falo, eu ficava meio que inconformada, eu falo assim: “Tem dois trabalhando dentro dessa casa e ainda a gente ainda tem que ficar desse jeito?” Falei: “não, a gente podia pelo menos né, ajuda a outra pessoa, né?”. E aí ele falou não, ele não queria de jeito nenhum, até o dia que eu falei: “então tá bom, então agora nós vamos dividir por igual, tudo.” E aí, ele resolveu, que aí, precisava de uma pessoa, entendeu? Daí um dia a minha amiga falou assim: “Andréia, você sabia que o Valdir me chamou pra passar roupa na sua casa.” Aí eu falei assim: “Jura, não acredito, não precisava né?” Aí ela falou assim: “Ah ele me chamou”, eu falei: “aí, que bom, então tá bom, né. Eu falei: ah cê chamou fulano?” “eu chamei”, eu falei: “Nossa, que bom.” Então, a partir dali a gente começou a ter uma pessoa para ajudar a fazer essas coisas para que a gente pudesse ter vida, na verdade é essa, porque senão a vida você vive só isso né, você não faz outra coisa. E aí... então foi ficando mais tranquilinho, porque a gente sempre gostou de uma rodinha no pé, tanto eu como ele né? Eu falo que não sou dona de casa, entendeu? Antes eu tinha vergonha de falar isso, mas depois de tanta terapia, eu já hoje, eu falo que não gosta de ser dona de casa, entendeu? Não nasci para isso, eu faço o que precisa, mas, naquele momento só meu grande dilema era exatamente esse: é servir esse lugar de que todo mundo se coloca aí tem que estar ali né e eu me vendo naquele lugar que não fazia sentido para mim, então, até eu consegui desvencilhar disso, levou um tempo também. Então, acho que tem essa pressão também de você querer ser perfeitinha, quando você vai para esse lugar de: “Ah, eu tenho que dar conta de tudo.” Quero não. (risadas)
P/1 - Ai, quanto tempo depois você teve sua menina?
R - Depois de três anos. Aí, é, falei: “Nossa…” Eu tava fazendo tratamento pra emagrecer, porque como o João Vitor, eu tive esse monte de problema com o João Vitor na gravidez, eu tive que tomar muita medicação, então eu inchei muito. Nossa, quando eu saí do hospital, a minha perna, eu não conseguia colocar roupa, pra você ter uma ideia. Eu só conseguia usar pijama, de tanto que a minha perna inchou. E aí, com o passar do tratamento, até terminar, passar tudo isso, eu fiz, eu comecei fazer um tratamento para emagrecer. E eu lembro que eu já, como eu já tava começando já nesse lugar, de, quando, eu falei: “gente, mas tá estranho, to estranha, o que será que tá acontecendo comigo.” Aí, eu falei assim: “Vou fazer um exame.” Porque eu falei: “bom, com o meu primeiro filho, foi a mesma coisa, minha amiga falou, você tá grávida”. “Mas você tá louca, para cê ta muito louca né?”. Aí ela me falou assim: "Andréia, será que se não?” Eu falei assim: "Cê tá louca, para com isso”, né? E aí quando eu fiz o exame, eu falei, ela falou. E foi essa que me apresentou o Valdir, pra você ver, e aí, ela falava assim: Andréia, você tá grávida." Fiz o exame, eu: “gente, eu to gravida, meu deus do céu" e chorei até dizer chega. E aí, quando foi dando a cara… já estava casada. Aí eu falei: “Vou fazer esse exame.” Fiz o exame, falei: “Valdir, olha isto. Eu estou grávida. Ele falou: “Tá tudo certo. Já temos um, vamos ter o segundo, tá tudo certo, né?”. E aí, enfim, aí descobri que estava grávida, depois de três anos. Também foi, não, pra ela foi mais tranquilo, o parto, a gravidez dela foi bem mais tranquilo. Eu tava bem mais magra e não sei se também, por eu estar, naquele momento, tá vivendo outra coisa. Tava casada, já não tinha mais aquela preocupação da família, faculdade, como que vai ser, o que que vai ser, o que eu vou fazer, onde eu vou morar… sabe, eu não tinha mais isso. Então, assim, a aceitação de estar grávida naquele momento foi muito mais tranquilo, pra mim, a minha gravidez, do que do primeiro. Eu acho que fiz, tem essa diferença também. Eu já tava numa outra fase, e já tava mais madura, apesar de que eu engravidei com 28 anos, não foi novinha não, mas mesmo assim, eu ainda tinha essas coisas. E com ela, quando eu tive ela, não foi assim não, foi bem mais tranquilo, também e alegria também, era uma menina, e foi isso, foi bem tranquilo.
P/1 - E aí, como que se deu essa sua transição de carreira, que você trabalhou anos de um jeito e agora você faz outra coisa, como é que foi?
R - Sim, então, foi muito interessante. Eu falo que a minha vida é pautada de divisor de águas. Tem assim, parece que a vida fala assim: “PAH!”, sabe assim? E aí eu fui mandada embora, né, desse, desse, desse lugar onde eu trabalhava 14 anos. não fui só eu, na verdade a gente foi demitida porque a gente trabalhava numa autarquia federal, que teve todo um processo lá de todas as, todos os conselhos do mundo, do Brasil, né? Tiveram que resolver isso. É, porque nós não éramos funcionários públicos, na verdade é assim, nós fomos contratados, mas não por um processo seletivo, seletivo público, né? E aí, teve toda uma tramitação durante quase 15 anos pra resolver o que seria feito com esses conselhos e aí, nesse momento foi falado: “Não, agora todos os conselhos precisam ter um processo seletivo público, não pode ser mais como era antigamente.” E as pessoas que estavam lá, tinha-se um ajustamento de conduta até uma certa data, pra quem estava lá, e a nossa presidente não assinou. E aí, foi mais ou menos umas 150 pessoas mandadas embora, ao mesmo tempo, né? E aí, com isso, a gente foi mandada embora. A princípio, com 14 anos eu trabalhando lá, fui levando algumas coisas. Eu pensei, primeira coisa que eu pensei quando saí de lá. Falei: “Vou me reformar.” Fiz uma abdominoplastia, fiz lipo, fiz não sei o que… Eu falei assim: “Eu vou me reformar com o tempo que eu trabalhei ali.” E foi o que eu fiz, né? E, tá. Só que passado esse tempo, eu fui fazendo algumas coisas. Então eu fui tentar empreender. Aí eu e meu marido, meu pai, ele trabalhava numa indústria de móveis e suporte pra TV. E eu, e ele falou: "Vamos fazer um, vamo começar a vender isso on-line.” E EU: “Ai, venda, a, ta bom vai, vamo fazer.” Então a gente começou a fazer isso, mas eu não gostava muito de fazer isso, então minha parte era o que: Era entregar os produtos. Então eu gostava muito de buscar, de entregar, de falar com o cliente, “dadada”, essa era... eu... essa parte de vender era muito chata e eu não queria fazer. E aí, com isso, eu fui entendendo que, eu falei: “Ah, eu gosto bastante dessa parte de falar com pessoas.” Tá tudo bem, então falei: “Bom, meu filho vai fazer aniversário, vou aprender a fazer um bolo.” Isso tudo fazendo isso já. “Ah, vou aprender a fazer bolo.” Porque meu filho ia fazer aniversário, queria fazer um bolo bonito pra ele. E aí, eu fui estudar, pra aprender a fazer bolo. Comecei a fazer bolo, depois minha amiga: “Ah, porque você não faz pão de mel?” Comecei a vender pão de mel. E comecei a trabalhar com isso. Só que aí, eu fazia aquilo por fazer, não porque eu realmente gostava, não porque eu realmente queria. Então aquilo foi me deprimindo. Então, eu ficava me perguntando: “O que que falta na minha vida pra, o que que eu preciso fazer?” E todo mundo falava: “Ai, você vai arrumar emprego rápido, porque você tem duas faculdades” e não sei o que e “nananana”, só que assim, quando eu, as pessoas me levavam nuns lugares pra fazer entrevista mas me falava assim: “Aí, você tem um currículo tão bom, mas não, você tá, é muito bom, então…”, sabe assim. E eu falava: “Então tira um pouco disso daí, pelo amor de Deus, que eu só quero trabalhar, eu não quero ficar em casa cuidando de filho, pelo amor de Deus, não” né? Daí ele falou: “Não…” Então, isso começou a me acontecer e isso foi me deprimindo. E eu não percebia, porque eu sempre fui uma pessoa muito faladeira e muito sorridente, né? Então to sempre sorrindo, tô sempre conversando. E aí, conforme o passar do tempo, eu fui percebendo que, sabe quando cê tá andando na rua, tava dirigindo, levando meus filhos no carro, na escola. Eu levava na escola, buscava na escola, fazia comida, fazia lição, essa é a vida de dona de casa né? E aí, um dia eu me senti acuada dentro do carro, porque eu falei: “Nossa que estranho.” Eu falei: “Eu sou uma pessoa que tem medo de nada, pra dirigir, vou pra qualquer lugar.” Falei: "Por que isso ta me amedrontando tanto?” Mas foi passando e fui levando. Até um dia que eu comecei a sentir do no corpo. E aí, eu falava assim: “Gente, que que ta acontecendo comigo, né?” Meu filho começou a ter problema na escola e eu falava: “Gente, esse menino tem algum problema, porque não é possível.” Ele chorava tanto ao fazer lição. Eu falava assim, gente, era, era desesperador, eu falava assim: “O menino tem algum problema.” Eu falei com a minha amiga, eu falei assim: “Olha, meu filho tem algum, tem uma dificuldade lá e eu levei ele na psicopedagoga e foi bom pra ele.” Falei: “Vou fazer isso.” Comecei a levar ele na psicopedagoga e a psico falava: “Olha, ele precisa, ele, tem algumas coisas que precisam ser ajustadas pra que ele possa ficar melhor e essa escola que ele tá, que eu queria estudar.” E aí, tem uma coisa de mãe que é assim - quero colocar meu filho na melhor escola, né? Então, esse era meu pensamento - quero colocar meu filho na melhor escola, eu quero que ele tenha bons estudos, eu quero que ele tenha boas oportunidades. E ele estudava numa escola que era, que era Anglo, sistema Anglo. E aí, ela falou pra mim: “Andréia, essa escola não serve pra ele, porque essa escola é uma escola, ele é um número e ele precisa de uma escola onde ele seja assistido.” Essa escola não dá pra ele.” Mas como ele já tava no meio do ano, então falei: "então tá bom, ele vai continuar nessa escola até terminar o ano e depois a gente vê o que que a gente faz.” Só que como ele começou a fazer essa, essa psicopedagoga, eu fui me descobrindo uma mãe, como que eu posso dizer, não só superprotetora, mas controladora, sabe? (risadas) E aí, quando ela veio falar pra mim, ela falou assim: “Olha, você não é a melhor mãe que você imagina ser.”, né? Eu olhei pra ela e comecei a chorar, porque eu falava assim: “mas eu faço tudo pelo meu filho, que que eu to fazendo de errado”, não sei o quê. Comecei a me culpar, porque eu brigava muito com ele pra fazer lição. Gente, ele começava às duas da tarde, às oito da noite ele tava fazendo lição ainda, então era uma coisa desesperadora, né? E aí, eu comecei a ver que ele realmente precisava de ajuda e eu falei, eu comecei a me culpar, porque eu falava: “Nossa, puxa, eu tô quase acabando com a criança.” Ele tinha oito pra nove anos. “Eu tô quase acabando com a criança, né, e na verdade, ele precisa de ajuda.” E aí, quando foi, ela foi falando tudo isso, eu falei: “Nossa, meu deus do céu, eu sou louca, então eu preciso de ajuda também.” E aí, eu conheci um lugar com uma amiga, que me apresentou um lugar, que aí que começou toda essa transição. Ela falou assim: “Constelação familiar, cê já ouviu falar?” Eu falei pra ela: “Nunca ouvi falar nisso na vida.” Ela falou: “Pois é, eu fiz uma constelação…” Porque ela era uma pessoa muito, ela era psicóloga na época e ela era muito quietinha, muito né, pra dentro. E nesse dia que a gente se encontrou, ela tava toda pa, eu falei: “gente, o que aconteceu com a pessoa?” Ela falou assim: “nossa, minha vida mudou, eu comecei a fazer umas coisas.” Eu falei: “Ai, eu quero conhecer esse negócio ai!”, né? E um dia eu marquei e fui. E aí, eu falei, nossa, que negócio estranho.” Falei: “Que negócio louco, mas legal, gostei desse negócio. Vou participar mais vezes pra ver como é que é.” E a psicóloga que fazia isso, a pessoa que fazia isso na época, ela falou assim: “olha, eu tenho um grupo terapêutico, que fica de frente a uma casa espírita que era voltada pra trabalho emocional.” Falei: “Ah legal.” Falei: “Ah, eu vou lá.” Ela falou assim: “Olha, é gratuito, e, cê tá sem trabalhar…” E eu toda chorosa “ai, eu não tenho dinheiro, preciso de…” E ela falou: “Ah, vai lá!” Falei: “Ah, legal, vou um dia.” E fui, e aí que começou minha mudança, porque eu comecei a participar desse grupo e lá, como tinham várias terapias e eram gratuitas, eu fiz uma terapia floral. E quando o terapeuta floral, eu fui reclamar de tudo o que eu estava sentindo, já não dormia, eu tinha picos de sono, eu tinha uma dor nesse braço aqui que era uma dor insuportável, enfim, muitas coisas estava acontecendo. E ela virou pra mim e falou assim: “Andréia, você está entrando em depressão.” Quando ela falou aquilo pra mim, quando ela falou aquilo pra mim, aquilo foi como se fosse uma facada, ela virou pra mim e falou assim: “Olha, ou você começa a cuidar de você ou você vai entrar numa depressão e pra sair vai ser difícil." Ai eu falei pra ela assim: “Não, eu não quero isso pra mim.” Ela falou assim: “Mas é isso que tá acontecendo com você, tá no seu corpo já.” Eu falei: "Então tá, eu vou cuidar de mim, pode passar pra mim tudo o que eu preciso tomar, porque eu não quero ficar desse jeito.” Depois de 15 dias, não tinha mais essa dor, tomando esse floral. Eu falei:” nossa o negócio funciona, porque eu não to sentindo mais dor, tô dormindo melhor”, né? Eu ainda tinha esses picos, mas eu tava muito diferente. Eu falei: “não, eu vou cuidar de mim”, e a partir daquele dia eu decidi que eu ia cuidar de mim. E aí, ela falou assim: “Que bom que você cuidou de você, que bom que você escolheu cuidar de você.” E aí, eu comecei a participar desse grupo terapêutico e, com isso, eu fui melhorando, melhorando, melhorando, melhorando, melhorando e aí, chegou uma fase, que a terapia, eu fazia várias coisas ali, eu era daquelas assim: eu tô fazendo esse grupo aqui, aí eu passava no individual ali. Eu passei por vários grupos, terapeutas, né? E eu falava assim: “Não tô boa ainda não, eu preciso de ajuda, eu não tô boa ainda não, preciso de ajuda…” “Não Andréia, você..” “Não, não to boa, preciso de ajuda.” Até um dia que ela falou assim pra mim: “Andréia, você já ta boa pra poder dar espaço pra outra pessoa que precisa também de ajuda.” Eu falei: “Não, preciso de ajuda ainda.” E ela falou: “Não, você pode sim.”
Tá bom. Essa outra terapeuta que fazia o grupo, ela falava assim, não ela mudou dali e ela arranjou um espaço. Ai, o grupo que era de lá foi pra esse espaço também. Ai, um dia, ela falou assim pra mim: “Andréia, eu preciso de uma pessoa pra trabalhar aqui porque a menina que tá aqui comigo ela não vai, ela vai precisar resolver uns problemas, cê não pode ficar uns dias aqui comigo?” Eu falei pra ela: “Ah, tá bom não tô fazendo nada mesmo, tô desempregada, tá tudo certo, vamo lá.” E aí eu comecei a trabalhar com ela uns dias, e era uns dias e acabei ficando, porque a moça não ia poder voltar mais. E ela falou assim: “Eu vou começar a fazer, eu vou dar um curso de constelação, o curso mesmo.” E, com isso eu trabalhando lá com ela, era engraçado porque eu abria a porta pras pessoas e as pessoas sentavam pra ficar esperando ela e a gente começava a conversar e as pessoas falavam assim: “Nossa Eunice, já fiz metade da terapia aqui com a Andréia”, né? E ela passava, olhava pra minha cara e ria. Só ria, só, não falava mais nada, ela só ria. E eu falava assim: “Ah, tá bom né”, toda sem graça, “ah, tá bom" e morria o assunto. Depois que eu comecei a fazer o curso, na metade do curso mais ou menos, ela falou assim: “Andréia, cê já não parou pra pensar que você é uma terapeuta?” Falei: “Não”. “Para com isso, porque isso não existe.” Só que meu marido já falava isso antes, ele falava assim: “Andréia, você fica horas conversando com a pessoa. E aí, eu vou arranjar uma sala pra você e você vai cobrar por isso, porque você fica horas conversando com a pessoa, cê tá entendendo isso?” Eu falava pra ele: “magina, eu não sou psicóloga, onde já se viu fazer isso, isso é muito sério, cê tá pensando o quê?”, brigava com ele. Ele falou assim: “Oh, quando uma pessoa precisar da constelação, cê já oferece, fala - oh, tem uma pessoa aqui que eu já confio, tal, que é a Eunice, você passa pra ela, mas você passa horas conversando com a pessoa!” E eu falava: “Não.” E aí passou, e aí ela falou isso de novo, eu falei: “Não, magina, não, isso não é pra mim, Tô só me curando”, né, “só tô cuidando de mim.” E aí, ela falou assim, acabou o curso de formação, ela falou assim pra mim: “E aí Andréia, o que você vai fazer com isso?” Eu falei pra ela assim: “Eu fiz esse curso pra me ajudar, cê não tá entendendo.” Aí ela falou: “Mas você vai ficar se ajudando até quando?” Eu falei: “Aí eu não tô pronta pra isso não.” Ai tá bom, fui fazer coach. Aí ela falou: “você então vamo fazer um coach.” “Vamo fazer um coach.” O que que eu preciso aprender a lidar com pessoas, né? Aí eu fui fazer o coach e minha amiga falava assim pra mim: “Andréia, como cê não consegue entender que cê já me ajuda há muitos anos? O tempo…” Ela, essas minhas amigas que eu tenho até hoje, que trabalhou comigo, ela falava assim: “Andréia, você sempre falou com a gente, cê sempre falou, a gente, meu, cê não tem noção, quando cê fala?” Eu falava: “Gente, a gente só tá batendo um papo, magina, não tem nada a ver…” Ela falou assim: “Andréia, presta atenção.” Então assim, foram muitas pessoas falando isso pra mim e isso não entrava dentro da minha cabeça. E eu falava assim: “Ah, tá bom vai. Ah ta bom, ces tão falando.” Mas eu achava: “Ah, cês tão falando porque elas gosta de mim, sabe, tal né?” E aí eu fui fazer o coach. Quando eu fui fazer esse curso, eu comecei a observar e eu fui conversando com outras pessoas que não me conheciam. E aí, as pessoas foram me trazendo feedbacks de coisas que eu fui falando e fui pensando: “Ah, então essas pessoas não me conhecem, já é outra história né, tal.” Então tá bom, passou e eu continuei trabalhando com a Eunice. Um dia, depois que eu acabei o curso, né, aí eu falei “então tá.” Ela sentou assim, olhou bem pra minha cara e falou assim: “Até quando você vai ficar sentada nessa mesa, sem fazer o que você veio fazer no mundo. Porque que você vai continuar aceitando menos, se você pode ter mais?” Aquele dia eu falei “HAHAHA”, falei: “tá bom, vou pensar.” Ela falou assim: “te dou uma semana pra você pensar o que você vai fazer da sua vida, porque afinal de contas, eu preciso saber se você vai continuar aqui comigo ou se você vai realmente fazer o que você precisa fazer.” Eu falei assim pra ela: “Tá bom, vou pensar.” Aí eu logo peguei e falei assim: “Mas gente, aqui eu trabalho registrada, como que vai ser? Ai meu deus do céu, jesus amado, como que vai ser, como que vai ser?”. E aí, eu passei a minha vida trabalhando CLT, como, assim, além da minha vida ser CLT, os meus, os meus né: pai, mãe, tia, cachorro, galinha e papagaio são funcionários públicos. Então assim, eu venho de uma família, muito, sei lá, 80%, 90% de funcionário público. Então eu olhava assim, falava assim: “Empreender é algo que não faz, não fazia muito, não fazia muito parte da nossa vida, né?” E aí, eu falei, esse era meu medo, eu falava: “E agora, o que eu vou fazer? Eu vou ser terapeuta?” E aí, eu fui vendo julgamentos. Eu pensei: “Bom, então eu preciso me trabalhar pra isso, porque eu ainda acho que não tô pronta pra isso, mas eu preciso tomar um rumo na minha vida.” E, como ela me deu um prazo pra resolver isso, eu tinha que resolver. E aí eu falei assim pra ele: “Olha, eu vou, eu vou encarar, eu vou fazer isso.” E aí, eu comecei a estudar mais outras coisas, porque o que eu sabia não servia só, tinha, eu ainda tinha isso, porque eu sou daquelas assim - já que eu tenho que fazer, eu quero fazer bem feito, e eu quero saber o qe eu to fazendo de verdade, não só porque, ah, eu escutei, porque isso ou aquilo, eu tinha esse problema. Então, eu fui fazendo outros cursos: então eu fui fazer barra de artes, eu fui fazendo Thetahealing, fui fazendo reiki, cromoterapia, fiz gestão de pessoas, enfim, fui fazendo uma série de coisas. E, com isso, eu fui trazendo esse lugar de assim, de “então tá, eu sou terapeuta.” Então até eu chegar nesse lugar de realmente eu me entender terapeuta, eu fui realmente me trabalhando pra eu aceitar que não era as pessoas, as pessoas já aceitaram, quem não aceitava era eu, era muito engraçado, sabe? Então eu não conseguia falar pras pessoas. Então eu já sabia de muita coisa e eu no início falava assim: “Andréia, fica com o grupo terapêutico que era dela, né?” Que eu participava desse grupo. Ela falava: “Andréia, eu preciso de uma pessoa pra ficar no grupo hoje, porque eu não vou poder ficar.” Eu disse: “Eu não, de jeito nenhum. Pode chamar outra pessoa porque eu, nem pensar.” Ela ficou: “Andréia…” Eu falei: “Não vou ficar.” Até o dia que ela saiu, não me avisou e ela só me ligou e falou assim: “Eu não volto, se vira aí.” E aí, a partir daquele dia, eu falei: “E agora, ta aqui as mulher, eu vou ter que fazer, né, eu vou ter que ir.” E aí foi indo, sabe? Primeiro dia, foi interessante, porque no primeiro dia eu ficava assim: “Ai meu deus do céu, Jesus amado, e agora, vou ter que fazer mesmo…” Mas, assim, foi muito tranquilo, porque na verdade eu já sabia tudo aquilo, eu só não tinha a coragem, não é, de realmente de me expor ali. E eu tinha uma dificuldade enorme, aqui ó, falando com vocês hoje, se fosse há uns dois anos atrás, eu já ia falar pro Lupity, “não vou ir, não vou.” Não vou de jeito nenhum, falar em público, falar com outras pessoas, pra mim, não era viável. Então, eu tinha essa grande dificuldade. Ainda acho que eu tenho a melhorar muito, mas hoje eu já falo sim e eu já consigo olhar e falar, eu sou terapeuta, tô aqui a serviço, posso ajudar outras pessoas e eu sei o que eu to fazendo. Mas, lá, naquela fase, jamais, eu não conseguiria jamais. Então é isso, foi assim que eu fiquei, sou hoje, terapeuta.
P/2 - E o que você sente o despertar para você, pra também ter essa coragem, tal, de começar a fazer, de ser terapeuta, pra estar aqui com a gente agora?
R - Me reconhecer. Me reconhecer. E, também uma coisa que eu trabalhei muito na minha vida é merecimento. Porque eu acho que quando você ainda não se sente merecedora daquilo, por mais que as pessoas falem, por mais que as pessoas te elogiem, se você não tem isso dentro de você, é quase como que uma coisa assim - “ah tá, legal.” E me reconhece, porque por mais que eu fizesse pras pessoas, fazia e sempre fiz de bom coração, mas eu não me reconhecia nesse lugar. Então, eu acho que essas duas coisas, o merecimento e o reconhecimento, fez toda a diferença pra mim. De me reconhecer mesmo, sou uma terapeuta e ok.
P/1 - Agora, conta um pouco, até tem a ver com o seu trabalho, né. Como que foi a pandemia no seu trabalho, na sua vida?
R - Então, a pandemia, ela também foi um divisor de águas, né? Eu fiquei... enfim, quando eu resolvi que eu ia fazer, realmente ser terapeuta, tal, tal, tal, foi 2019. E aí, quando chegou 2020, a gente já tava começando a fazer algumas coisas, tal. Veio a pandemia, parou tudo. Como o nosso trabalho com a constelação não, ela pode ser virtual. Mas, barra de artes, não dá pra você fazer virtualmente, é manual. Então teve algumas coisas que eu falei: “E agora, como que vai ser?” Então, nesse período, eu fui estudando outras coisas que pudessem ser on-line. E aí, eu peguei COVID, então fiquei um tempo sem, fiquei bel mal mesmo, assim, fiquei bem mal mesmo de COVID, e aí, com isso, eu comecei ter lapsos de memória, então assim, eu não conseguia lembrar de coisas, eu não conseguia formar uma frase inteira, eu começava a falar, eu falava assim: “Ai, como que é mesmo, como que é?” Então, eu fiquei uma fase, fiquei bem complicada. Então, nessa fase também não fazia nada. Beleza, então chegou 2021, cê fala: “nossa, agora tô melhorando, já ta, as coisas tão…” Aí, meu marido pegou covid. Aí meu marido pegou covid e eu fiquei isolada com ele. Depois de nove dias ele morreu. Aí, eu fiquei pensando; “Deus, o que o senhor quer mais de mim, porque olha…” foi bem complicado. E, com isso tudo, eu ficava pensado: “E agora, o que que eu vou fazer? Vou continuar, vou procurar emprego, vou continuar fazer o que eu tava fazendo?”, né? “os meus filhos, como que eu vou ajudá-los…” porque, como foi uma coisa assim, muito inesperada, ele teve uma parada cardiorrespiratória na minha frente.
P/1 - Tava em casa?
R - Em casa, tava só eu e ele, então é, foi assim, isso tudo, sabe, cê não tem tempo de pensar, né? Então eu falava assim, quando aconteceu tudo isso, eu ficava pensando: “E agora, o que que eu vou fazer? como que eu vou ser? O que que eu vou fazer” Mas, ao mesmo tempo, tudo isso, toda essa bagagem que eu fiquei estudando, que eu fiquei me trabalhando, fez com que eu conseguisse ter um pouco mais de equilíbrio, né, nesse momento. Por mais, por mais desafiador que foi pra mim, mas eu também tinha esse grupo, que também eu tinha anda colocar essas, tudo isso pra fora. Então, eu falo que foi, tudo isso que eu fiz me ajudou e esse grupo também me ajudou. Então, eu não tava sozinha, fora minha família, que sem falar, né? Todo mundo, enfim nos ajudando, pra eu dar conta de mim e dar conta dos meus filhos, emocionalmente, porque ficou todo mundo muito arrasado. Então, a pandemia também me trouxe esse lugar de falar: “E agora, você vai fazer? Você vai colar seus caquinhos e vai seguir em frente? Ou você vai ficar paralisada nesse lugar, só chorando?” Então, eu falo pras pessoas, as vezes as pessoas me viam, falavam assim: “Ai, Andréia, não queria te falar, não sei o que.” E aí, no final, eu acabava consolando as pessoas, né? Eu falava: “Não é que eu tô fazendo isso porque eu quero fazer isso, mas assim, é porque a pessoa vinha pra mim de uma forma tão fragilizada, muito mais fragilizada que eu mesma estava naquele momento. E eu falava assim: “Gente, não tá sendo fácil pra mim, mas vocês olham pra mim, como eu tô sempre rindo, sempre falando, é, vocês acham que tá tudo bem mas não tá tudo bem.” Então, eu comecei a falar pras pessoas: não está tudo bem, eu não estou bem, eu estou me recolocando, eu estou catando meus caquinhos, mas eu escolho todos os dias não só chorar. Eu escolho todos os dias e falar assim: “Hoje eu choro, hoje eu me emociono, mas eu não posso ficar só nesse lugar, eu tenho que fazer alguma coisa, porque senão eu vou morrer. Porque a tristeza mata. “Então, foi o que eu fui fazendo, então todos os dias era um dia diferente. “Ai, você ta bem hoje?”, “Ai, hoje eu não to bem.” Pros meus filhos também, falei: “Vamo chorar, vamo chorar, vamo ficar triste, vamo se desesperar. Isso tudo vai fazer parte, faz parte do luto, mas a gente também não pode só ficar nesse lugar, porque senão a vida não vai mais andar, a gente vai ficar só nesse lugar de coitado.” E eu falava pra eles assim, eles até falavam pra mim: “Mãe, cê fala de um jeito.” Falei: “Gente, quantas pessoas morreram na covid. Vamo agradecer, a gente tá aqui com saúde, a gente tem assim, uma família que nos ajuda, ninguém tá passando fome. O que que mudou na sua vida tirando que o seu pai morreu?” Que óbvio, não tem como você falar assim, nossa, é um pai. Mas eu quero dizer que, você continua morando na mesma casa, você tem comida, então, assim, vamo agradecer ao que ficou, porque o que já foi, a gente não tem o que mudar. E o Valdir, ele era uma pessoa extremamente feliz. Eu falando de novo, amigo de todo mundo e muito alegre, muito, muito, muito, muito, então eu falava pra eles assim: “gente, a marca registrada do seu pai é: Vamo! Vamo! Vamo! A gente não pode deixar as coisas acontecerem só dessa forma, a gente tem que buscar o melhor. Então, se ele morreu e deixou esse legado pra gente, é o que a gente pode fazer de melhor é fazer o que ele fazia, é o que a gente pode fazer. Mais que isso não dá, mas se a gente conseguir pelo menos isso, a gente já tá fazendo o melhor com a nossa vida e com tudo o que ele deixou pra gente. Então eu falava pra eles assim: “Eu não sei o que que é perder um pai, eu não sei o que é perder uma mãe.” Porque meus pais são vivos. Mas, eu sei que o que você pode, quanto filho, e quanto filha, fazer o melhor com a vida que ele deixou pra vocês, e com tudo o que ele fez pra vocês. Se até os, que, que aconteceu. O João Vitor, ele tinha feito 18 anos fazia uma semana, quando ele faleceu. E a Ana Clara tinha acabado de fazer 15 anos. Então, falei pra eles assim: “Eu sei que não é fácil, eu sei que é uma dor que vai ficar pra vida inteira, mas se tudo o que ele sempre fez, pra vocês, né, foi pensando: Eu quero deixar o melhor pros meus filhos, que era uma coisa que ele deixava muito sério, muito registrado. Falei: “Se vocês forem pessoas boas e seguir a vida de vocês, ele já ta feliz. É o melhor que você pode fazer por ele.” Falei: “Só chorar trazer só tristeza, não é o que ele gostava, não é o que ele fazia, com ninguém.” E aí, com isso, foi passando o tempo, foi passando o tempo, foi passando o tempo, e aí, eles começaram a entender, sabe? Hoje a gente sofre, a gente fica triste, essa, agora, que foi maio que ele faleceu, né? Então assim, é muito próximo. Então assim, vai chegando essa data, a gente vai ficando um pouco, um pouco é, emotivo, né? E a gente vai ficando um pouco, porque assim... meu filho ficou muito, muito revoltado no começo. Ele não gostava de ver pessoas, né? Principalmente família, que é o que lembrava mais. Não é só família, e amigos, porque como ele morreu na pandemia, ninguém viu, né? Ninguém viu, ninguém viu, nem nós, porque o caixão é lacrado. cê não tem direito de nada, cê não tem direito nem de pensar. Então, na verdade, ficou uma sensação de que assim, ele foi viajar e daqui a pouco volta. Eu fui a última pessoa que vi, eu vi ele caído, eu vi né, eu e meu pai, minha, é, algumas pessoas que foram lá que foram fazer o reconhecimento do corpo, porque eu não tinha condições. Então, essas pessoas viram, mas as outras todas, ninguém viu. E, como tava na pandemia, muita gente não via a gente, então hoje, quando a gente chega nos lugares, as pessoas olham e falam: “Ah.” E aí, você já percebe e aí a pessoa já começa... e aí, então quer dizer, na verdade, na verdade, a gente vive ainda esse luto, essa dor, esse dia, sempre que a gente encontra com alguém. Então o que que ele começou a fazer: não queria sair, não queria estar nos lugares, não queria ir mais pros lugares. Eu falava pra ele: “Filho, por um tempo, eu entendo isso. Só que não vai dar pra gente viver assim. Não dá pra gente ficar se esquivando das pessoas, porque é uma dor que a gente vai ter que viver, pra que a gente não precisa depois ficar postergando isso lá na frente, porque toda vez que a gente passa por uma dor e a gente não vive essa dor, essa dor ela fica encubada e, em algum momento ela vai vir. É uma panela de pressão, o dia que ela estourar, ela vai estourar. Então é melhor a gente viver um dia de cada vez e vivendo tudo o que precisa do que a gente passar fases, porque isso vai fazer mal. Aí, ainda bem que ele escuta né? Então ele foi me escutando, foi me escutando, foi me escutando, fiquei pensando: “Nossa Andréia, você serviu pra ser terapeuta (risadas) não chegou aqui à toa né?” E aí, então, tudo isso, com essa pandemia, trouxe tudo isso pra gente. Então assim, ainda a gente ta se reconstruindo, e ainda a gente ta aprendendo a lidar com tudo isso, com todas as vezes que a gente encontra com alguém, né, quando vê uma foto, enfim, é… é isso. Então eu sou um divisor de águas, eu falo que minha vida foi pautada divisor: “Pah! Pah! Pah”, né, mas, tá bom, estamos aí.
P/1 - Como é a rotina de vocês agora, cês moram na mesma casa, como que é?
R - É, a gente mora, eu moro com a minha tia, né? Que é, teve, cortando um período aí, desse que eu falei, quando eu fiquei desempregada, meus filhos estudavam na Zona Norte e eu morava na Zona Leste. E aí, pra ficar mais fácil, a gente foi morar na Zona Norte. Então, fui morar com a minha tia. Então, quando ele faleceu, a gente estava reformando nosso apartamento, pra voltar a morar lá. E aí, quando ele faleceu, eu resolvi não voltar, né, porque eu não tinha condições. Eu falo: “Já que eu tenho onde ficar… se eu não tivesse eu teria que fazer, não teria opção, mas já que eu tenho, eu prefiro me resguardar. Então, eu terminei com a reforma, aluguei nosso apartamento e continuo morando com a minha tia. Então, hoje a gente mora com ela. E assim, hoje meu filho tá trabalhando, fazendo faculdade. Ele conseguiu, até que ele falou assim: “nossa mãe, meu pai precisou morrer pra tudo isso acontecer na minha vida”, porque nada disso tava acontecendo antes. E aí, ele falava assim: “Nossa, pelo menos…” Falei assim: “Que bom né, filho, que bom, que assim, a vida tá abrindo assim, outras portas. Você tá se abrindo pra vida, porque enquanto você tava só olhando pra morte…”, porque gente, de verdade eu olhava pro meu filho, eu falava assim: “Ele está morrendo, ele está morrendo.” E eu olhava pra ele, estava morrendo. E eu falava pra ele: "João Vitor, se você não escolher a vida, não tem o que eu, como mãe, fazer por você. Porque eu estou lutando pra que eu tenha vida, mas eu não posso trazer você pra vida se você não quiser. Eu já te dei a vida.” Então, essa vida, ela só vai valer, se você realmente quiser, porque qualquer outra pessoa falar algo, falar qualquer coisa pra você, não vai fazer sentido se você não achar que faz sentido. Então, você ta numa fase da vida que é divisor de águas mesmo, ou você vai olhar pra vida, ou você vai continuar olhando só pra morte, porque ele não saía da cama. E eu falava pra ele assim: “Filho…” Ele falava: “Mãe…” Então eu fui deixando, fui deixando, fui deixando e até que enfim, eu, ele fez, ele aceitou fazer terapia, tal, né? E isso foi ajudando a trazer ele de volta pra vida, então quando ele resolveu que ele queria realmente viver, aí as coisas começaram a mudar, porque ele trouxe, ele vai trazendo essas coisas boas pra ele. Então ele foi entendendo isso. Falei: “Filho, a vida é pautada em coisas que a gente mesmo faz em coisas pra gente mesmo. Se a gente só pensar no que é ruim, mesmo diante das dificuldades, se a gente pensar só no que é ruim, fica pior. Se você consegue colocar uma pontinha de esperança, já fica mais leve, né?” Então, ele foi entendendo isso. Então, hoje ele tá fazendo faculdade, tá trabalhando. A Ana Clara estuda no SESI de manhã e à tarde, ela faz SENAI. Então assim, os dois no final, com tudo, com tudo, com tudo, tão seguindo a vida, sabe? Então assim, eu fico um pouco mais, mais aliviada, sabe? Tem momentos que a Ana Clara teve disfunção de tireoide, com tudo isso. Foi bem complicado também, então assim, tem vezes que ela tem picos de ansiedade, ela começa a chorar, né, e eu falo pra ela assim: “Óh, vamo conversar, vai falando aí…” Eles chegaram numa fase que eles não queriam falar, né? Eles não queriam falar do pai, falava assim: “Vamo falar, vamo falar. Vamo colocar, ele faz parte.” Até porque, pelo que eu faço né gente, constelação, a gente não exclui o pai. A gente coloca o pai no lugar dele, independente de onde ele esteja. Então eu sempre falo pra eles: “O seu pai é o seu pai, ele vai estar aonde estiver, ele é seu pai. Eu sou sua mãe e você é o filho. Ninguém fica no lugar de ninguém, você não precisa estar aqui no lugar de pai, você tá aqui no meu lugar de filho, você não está aqui do meu lado como meu marido, você está aqui do meu lado, como filho. E é esse o seu melhor lugar”. Porque também, a gente tem uma dinâmica do ser humano, das pessoas. O que que ele escutou muito: “Seu pai morreu. Agora você é o homem da casa, agora você vai ter que ajudar sua mãe, porque agora você vai ser o homem da casa, então você sabe que você precisa fazer muita coisa pra ajudar sua mãe.” E isso começou a deixar ele paranoico. Então, chegou uma fase que ele não tava trabalhando, que ele falava: “Mãe, preciso arrumar um emprego, mãe eu preciso trabalha, mãe eu preciso…” E a coisa não acontecia e ele falava: “Mãe, eu preciso trabalhar, eu preciso arrumar um emprego.” Falei. “Mas, mãe, por quê?” Eu falei assim: “João Vitor, calma, calma.” Falei: “ta dando tudo certo, não precisa ficar desse jeito.” “Mãe, mas todo mundo vem falar pra mim que eu sou o homem da casa.” “Você não é o homem da casa, o homem da casa morreu, era o Valdir. Você é só o João Vitor, meu filho. Seu pai continua sendo seu pai, eu continuo sendo sua mãe, e você aqui, é filho. Então, é nesse lugar que você vai ta. E, dentro desse lugar, você se ajudando, já me ajuda. Eu não precisando ficar preocupada com você, você já me ajuda. Financeiramente, não é tudo na vida, filho. Às vezes, você ta trabalhando e tá, tão assim, que você continua da tanto trabalho, que não vai fazer, o dinheiro, não vai me ajudar. Mas assim, se você se ajudar, pra mim já me ajuda.” Então isso foi fazendo a diferença pra eles, sabe? Porque foi, foi bem uma coisa, ele quase ficou uma coisa assim, e eu falando: “Gente do céu, como é difícil a gente ver as pessoas, ajudar as pessoas é muito mais fácil do que quando a gente tá aqui nesse lugar, né?” E eu olhava e falava: “Gente do céu.” Então, foram, cada, foram muitos desafios que eu mesma tive que lidar, com tudo isso, sabe? Dentro desse lugar. E ainda to tendo, né? Ainda vou tendo. Mas, cada dia era um dia, então é isso. Essa é minha história (risadas), até hoje.
P/2 - E ainda a rotina atual de vocês, o que que vocês fazem em conjunto, ou até mesmo, você sozinha, pra se divertir?
R - Ah, então, essa é outra fase. Porque aí, como o Valdir era uma pessoa extremamente agregadora, né? Então, tudo fazemos tudo juntos, e a gente sempre foi muito festeiro. Então, o que que acontece hoje. Os meus… aí, chegou essa fase de eu estar viúva e os filhos crescerem, porque aí, tinha o ninho sozinho, né. Ninho vazio, né? porque cada um tem sua tribo. Então, aí eu comecei a me ver sozinha, coisa que eu não estava acostumada. Eu sempre fui uma família de muita gente. E aí, hoje, mesmo morando com muita gente, você se sente sozinha. Porque eu falo: “E agora, como que vai ser? Eu não to acostumada.” Então eu tô tendo que aprender agora a cada um tem o seu espaço, né? Então assim, eu tô indo fazer coisas sozinha, os meus filhos vão fazer coisas sozinhos, e tem dias que eu falo assim: “hoje nós vamos jantar.” Então pelo menos uma vez por mês, tirando os dias da semana, tudo, que cada um tem sua rotina, mas assim, pelo menos uma vez por mês, a gente fala assim: “vamo jantar, em algum lugar, só os três.” Então, isso é algo que a gente tem como pauta, né? Pelo menos uma vez por mês, vamos nós três em algum lugar, então é um acordo que a gente fez. Porque, com ele trabalha de semana e eu também faço coisa de final de semana, ele chega num horário, eu chego no outro. A gente conversa: “Oi filho, tudo bem? Como que foi?” Ele chega me contando como é que foi o trabalho, como foi a faculdade, Ana Clara conta também. Mas assim, de falar assim: “Vamos todos jantar no mesmo horário”, não dá, porque cada um tem um horário. Mas, de final de semana, a gente se reúne na casa da grande mãe, todo domingo lá a gente tá sempre na grande mãe. Então, no dia de domingo tá todo mundo junto lá, beleza. Mas fora isso, eu falo: “Não, pelo menos nós três, em algum momento do mês, a gente tem que sentar nos três em algum lugar, e só nós três e a gente jantar”, então é algo que a gente faz sempre, é um acordo que a gente tem.
P/1 - E, quais são seus sonhos pro futuro assim, o que que cê pensa?
R - Então, hoje eu sei de falar, porque há uns anos atrás eu ficava: “ai, sou mãe do João Vitor, sou mãe da Ana Clara, né?” Mas assim, hoje, meu sonho de verdade, como pessoa, é crescer profissionalmente mesmo. O que eu busco hoje é cada dia mais, né? Eu estar nesse lugar de terapeuta, de palestrante. Trazer pra outras pessoas, pra outras mulheres, esse lugar de assim - tá tudo bem, você pode, é possível. Eu tenho conversado com muitas pessoas que eu vejo o quanto as pessoas não conseguem se reconhecer. Elas têm um sucesso interno que ela não consegue colocar pra fora, que era a mesma coisa que eu fazia. Então, isso, hoje, pra mim, o meu objetivo é: é crescer profissionalmente mas trazendo pra essas pessoas e pras mulheres pretas também, esse lugar de que assim, é possível, não precisa ser só desse jeito, tá tudo bem se você queira continuar assim, mas existe um outro lugar, existe uma outra fase, tem um lugar diferente, pode ser mais leve, não precisa ser tão desgastante. Trazer pra mulher, também, esse lugar de: “Hoje eu posso respirar, eu não quero fazer nada, e tá tudo bem, você pode fazer um pouco por vez.” Eu vejo minha amiga lá, ela fala: “Eu preciso lavar, meu deus!” Eu falo: “Amiga, porque que tudo precisa ser no mesmo dia, não pode ser um dia por vez, né, uma vez na semana?”, “Não, porque…”. Porque na verdade, é o que você se acostumou, é o que você aprendeu, então assim, trazer esse lugar que tá tudo bem. Eu falo pras pessoas: “gente, eu não gosto de ser dona de casa” e eu vejo que as pessoas olham e falam assim: “eu também não.” (risadas) Eu também não gosto.” E aí, quando você vê essas pessoas falando isso, é porque eu ficava me perguntando, falava: “nossa”, minha amiga faz uma palestra. Falei: “Ah, tá bom.” Falei: “nossa, mas né, eu vou falar. Tá bom.” Aí, quando terminou, a pessoa falou, vieram várias mulheres falando comigo e era empresárias, mulheres empresárias: “nossa, me vi na sua história”, “nossa, me identifiquei com você”, “nossa, eu também não gosto”, “nossa…” Então eu tinha culpa, eu sentia vergonha de falar. Hoje, eu falo pra todo mundo, falo: “gente, eu não gosto. Quem não gosta não gosta, quem gosta, gosta, tudo bem, né?” Mas a gente precisa falar, porque tem coisas que a gente fica romantizando. Uma outra vez, uma amiga postou lá falando que tava grávida e aí, uma pessoa falou assim: “Aí, dorme, porque você nunca mais vai dormir.” E a outra falou assim: “ai, não é bem assim, porque meu filho é maravilhoso, porque meu filho é isso, porque meu filho é aquilo, porque não sei o que…” Falei: “gente, é tudo isso, só que é cansativo sim, é cansativo sim, pra caramba. Tem hora que cê não tem saco, cê fala poxa vida, não quero mais ficar olhando pra essa criancinha só, e essa criancinha falando aqui, que não fala. Eu quero ver gente, eu quero falar com pessoas, né? E ta tudo bem que seja assim.” Mas, se a gente não traz isso pra um lugar de leveza, que é humano, fica parecendo que você é de outro mundo. Como eu também me senti. Quando eu tive essa dificuldade de amamentar, eu fui conversando com outras pessoas que trabalhavam comigo, que tiveram filho antes, e eu falando assim: “nossa gente, ta acontecendo isso, isso…” Ai, comigo também aconteceu.” “Ai, comigo…” Falei: “Gente, ninguém fala isso pelo amor de Deus, né? Por que que ninguém fala sobre isso? Então assim, trazer isso pras pessoas, eu acho que é legal, você trazer que também é possível, que é possível e que tá tudo bem, que não é nada fora do comum. Então, hoje o meu objetivo é esse, sabe, é poder levar isso pra outras pessoas, até com essas técnicas todas que eu faço, traz também pra gente em lugar de leveza, né? Não precisa ser tudo tão duro, tão pesado. Mas pode ser mais leve, então é isso meu objetivo.
P/1 - Cê tem alguma coisa que cê não falou que você gostaria de falar agora?
R - Não sei, falei tanto né?
P/1 - Não.
R - Não sei, acho que é mais isso mesmo, sabe. É trazer mesmo pras pessoas, assim, que é lugar de onde eu saí, de não me reconhecer, de não me achar merecedora e que, de hoje, conseguir olhar pra mim, falar: “Caraca, tá tudo bem, é legal, é isso aí”, sabe? É isso que eu quero fazer, é isso que eu tô me propondo a fazer e eu tô muito feliz com isso. Então, eu acho que, quando você consegue, dentro do que você faz, trazer essa leveza e essa felicidade, eu acho que é isso que vale a pena, na vida. Poder ter mais (suspira pesado) leveza, tranquilidade, com tudo o que acontece, com todos os desafios, com tudo o que a vida traz, mas quando a gente consegue trazer também essa luz, esse olhar de que vamo olhar pro que é bom, já que tem o que é ruim, vamo olhar pro que é bom. Também acho que faz muita diferença, é isso.
P/1 - O que você achou de ter contado sua história aqui hoje?
R - Ah, fiquei muito feliz. Comecei um pouco nervosa, mas agora eu já to mais, mais, mais, mais leve. Gostei muito. Que eu possa inspirar outras pessoas, né: Que possa realmente fazer diferença pra outras pessoas. De olhar e falar assim: “nossa, que legal, pode ser assim, caraca. poxa vida, né? Eu já vivi isso também, fiquei com tanta vergonha. Por que tanta vergonha?” É, eu também já vivi isso, tá tudo bem.
P/1 - Obrigada.
R - Gratidão, vocês por ter me convidado. muito muito mesmo.
P/1 - Muito obrigada, a gente agradece.
R - Eu também, fiquei muito feliz, que possa realmente fazer muita diferença pras pessoas.
P/1 - Tá bom, obrigada, de novo!
R - Gratidão, viu?
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